Febre Maculosa

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FEBRE MACULOSA: RELATO DE CASO

RESUMO
A febre maculosa é uma zoonose emergente grave causada pela bactéria Rickettsia e
transmitida por carrapatos, esta pode ser fatal se não for diagnosticada e tratada no
início dos sintomas clínicos. Segue o relato de caso de um paciente pediátrico,
residente de área rural do interior do Espírito Santo, Brasil, com febre Maculosa que
apresentou evolução desfavorável. O diagnóstico foi confirmado através da técnica de
imunofluorescência indireta após o óbito. Considerando a alta letalidade e a
prevalência da doença nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, deve-se pensar nesse
diagnóstico diferencial na presença de sintomatologia e epidemiologia sugestivas
desse agravo, visando reduzir a morbimortalidade da população acometida.
INTRODUÇÃO
A Febre Maculosa Brasileira (FMB), doença de notificação compulsória, também é
conhecida como Tifo transmitido pelo carrapato ou Febre Petequial. Foi reconhecida
pela primeira vez, no Brasil, em 1929, em São Paulo1.
Santa Catarina e São Paulo são as Unidades Federadas que apresentam os maiores
coeficientes de incidência por 100 mil habitantes. Vale lembrar que a notificação
compulsória deve ser feita imediatamente. A taxa de letalidade média é de 32,9%, no
entanto, chama-se a atenção para a região Sudeste do Brasil, onde a taxa de
letalidade é de aproximadamente 50%1,4.

A bactéria gram negativa Rickettsia, causadora da febre maculosa, é intracelular


obrigatória e transmitida por picada de carrapatos infectados do gênero
Amblyomma1,2.
Embora no Brasil o número de casos confirmados de febre maculosa esteja em
declínio desde 2005, as taxas de mortalidade giram em torno de 20 a 30%, em função
das dificuldades em fazer o diagnóstico e estabelecer a terapia apropriada,
relacionadas ao pouco conhecimento sobre a doença e à sintomatologia inespecífica.
As manifestações clínicas têm início cerca de uma semana após a picada do
carrapato, com febre alta, cefaleia, dores abdominais e erupção maculopapular. A
doença pode evoluir para complicações respiratórias e renais, transtornos de
coagulação e encefalite. Devido à gravidade da doença, a antibioticoterapia com
tetraciclinas ou cloranfenicol deve ser iniciada rapidamente, independentemente da
análise laboratorial.
Os exames laboratoriais são inespecíficos, porém para confirmação do caso, há
disponível no Brasil a cultura com isolamento da Rickettsia, este é o método
diagnóstico ideal, a reação sorológica de imunofluorescência indireta (RIFI), utilizando
antígenos específicos para Rickettsia, que é o mais utilizado. Deve ser considerado
como confirmatório um aumento de 4 vezes no título em uma segunda amostra
coletada, pelo menos, 2 semanas após a primeira. Outros métodos utilizados são a
reação em cadeia da polimerase (PCR) e a imuno-histoquímica.
RELATO DE CASO

R.V., masculino, 10 anos, morador de área rural no estado do Espírito Santo,


encaminhado ao serviço de emergência do Hospital Estadual Infantil e Maternidade
Alzir Bernardino Alves, em Vila Velha, com relato de febre há 3 dias, associada a
cefaleia, mialgia e dor em panturrilha, que evoluiu com exantema difuso, vômitos e
diarreia.
História epidemiológica evidenciou moradia próxima a ratos e cavalos. Ao exame físico
apresentava-se desidratado, ictérico +/4+, hipocorado +/4+, linfonodomegalia cervical
e hepatomegalia, restante do exame sem alterações. O exame laboratorial evidenciou
pancitopenia. Iniciado ceftriaxone e feito expansão volêmica com 20 ml/kg.
Após 14 horas paciente evoluiu obnubilado, taquipneico, taquicárdico, com sinais de
má perfusão periférica, petéquias disseminadas e piora da icterícia. Sem resposta ao
tratamento inicial, foi encaminhado à UTI pediátrica (UTIP) com hipotensão, exantema
violáceo em membros inferiores e sangramento em locais de punção. Realizada
intubação orotraqueal, iniciado adrenalina em infusão contínua, concentrado de
plaquetas, vitamina K e associado oxacilina em antibioticoperapia.
Em 24 horas da entrada no hospital, o paciente teve piora do estado geral, com pulsos
não palpáveis, múltiplas sufusões hemorráficas e insuficiência renal. Associado drogas
vasoativas e hemoconcentrados, sem resposta. Evoluiu com cinco paradas cardíacas,
sendo a última sem sucesso na reanimação. Veio a óbito 12 horas após admissão na
UTIP. O corpo foi encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) para
elucidação diagnóstica. Resultado confirmou Febre Maculosa através da reação
sorológica de imunofluorescência indireta.
DISCUSSÃO
A Rickettsia tem sua evolução em estrito relacionamento com a de seus animais-
reservatório, os equídeos, os roedores, como a capivara, e os marsupiais, como o
gambá. Os animais mantêm infecção persistente ao amplificar as riquétsias, assim
como transportar carrapatos potencialmente infectados2. No caso, o paciente residia
em área rural próxima a cavalos no interior do Espírito Santo, um dos estados do
Brasil que a Febre Maculosa tem sido registrada3,4,9.
O paciente apresentou um quadro febril inespecífico, gerando, por isso, muitas
hipóteses diagnósticas, como leptospirose, dengue, salmonelose e viroses
exantemáticas. Com a progressão da doença, a piora da icterícia e os sinais de má
perfusão tecidual, outros diagnósticos diferenciais passaram a ser considerados, como
meningococcemia, febre amarela, forma grave de leptospirose (Síndrome de Weil), ou
ainda outras doenças transmitidas por carrapatos, como a Doença de Lyme1,4-6.
Já na UTIP, o paciente evoluiu com hipotensão, múltiplas sufusões hemorrágicas e
insuficiência renal. Juntando todos os dados epidemiológicos bem como os exames
laboratoriais e a evolução do agravo, a hipótese de Febre Maculosa se apresentou
mais factível, porém não a principal, tendo em vista que a comprovação pela sorologia
ainda não havia sido determinada. Desse modo, o paciente foi tratado com
antibioticoterapia empírica de amplo espectro, além da realização do tratamento de
suportes hemodinâmico e ventilatório.
A primeira escolha para tratamento de casos de Febre Maculosa é a Doxiciclina,
independentemente da faixa etária, enquanto o cloranfenicol é a segunda opção
terapêutica. Porém, há obstáculos técnicos e terapêuticos devido a não existência de
doxiciclina via parenteral no Brasil1,6,9. De maneira análoga, as dificuldades
existentes em todo o país, no serviço do presente caso, o tratamento de escolha seria
o cloranfenicol endovenoso. Lamentavelmente, o paciente veio a óbito após a quinta
parada cardiorrespiratória na UTIP, não proporcionando o tempo hábil para início da
antibioticoterapia apropriada.
O diagnóstico de Febre Maculosa foi baseado na história clínico-epidemiológica e
confirmado no SVO por meio da imunofluorescência indireta em apenas uma amostra,
uma vez que o desfecho clínico do paciente impossibilitou uma segunda coleta. Foi
realizada notificação compulsória ao centro de vigilância epidemiológica do município
de Vila Velha.
Levando em consideração a alta letalidade e a prevalência da doença nas regiões
Sudeste e Sul, o diagnóstico diferencial da febre maculosa deve ser instituído em
quadros clínicos semelhantes para que não haja atraso no diagnóstico e tratamento, a
fim de diminuirmos o desfecho desfavorável de tal doença

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