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Acordao

Trata-se de apelação criminal interposta por ADIEL LOURENÇO, condenado por porte ilegal de arma de fogo. O réu alega nulidade do processo devido ao interrogatório por videoconferência e ausência na oitiva de testemunhas, mas não comprovou prejuízo. Manteve-se a condenação.
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Acordao

Trata-se de apelação criminal interposta por ADIEL LOURENÇO, condenado por porte ilegal de arma de fogo. O réu alega nulidade do processo devido ao interrogatório por videoconferência e ausência na oitiva de testemunhas, mas não comprovou prejuízo. Manteve-se a condenação.
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ

2ª CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI


Rua Mauá, 920 - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901

Autos nº. 0002350-77.2017.8.16.0087

Apelação Criminal n° 0002350-77.2017.8.16.0087


Vara Criminal de Guaraniaçu
Apelante(s): ADIEL LORENÇO
Apelado(s): Ministério Público do Estado do Paraná
Relator: Desembargador José Maurício Pinto de Almeida

APELAÇÃO CRIME. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO


(ART. 14 DA LEI Nº 10.826/03). ALEGAÇÃO DE NULIDADE
DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA.
INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA.
ADUZIDA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE AUDIÊNCIA E
PRESENÇA. TESE INCONSISTENTE. ALEGADA
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO
ACOLHIMENTO. OFENSIVIDADE PRESUMIDA.RECURSO
DESPROVIDO.

1. Confere-se que no processo penal brasileiro, vigora o princípio pas de


nulité sans grief, ou seja, não se cogita a nulidade processual quando não
comprovado o prejuízo, conforme se depreende do disposto no artigo 563 do
Código de Processo Penal.

2. Os crimes de perigo abstrato visam à proteção de bens jurídicos


pertencentes a um número indeterminado de pessoas, suscetíveis a uma
maior reprovabilidade, incompatíveis com a alegação de inexpressividade
da lesão, um dos requisitos do princípio da insignificância.

I.
Trata-se de apelação criminal interposta por ADIEL LOURENÇO, denunciado pelo
ilustre representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, que lhe imputou a prática, em tese, do
delito descrito no artigo 14 da Lei n° 10.826/03,em razão dos seguintes fatos narrados na
denúncia:

“No dia 9 de novembro de 2017, por volta das 01h50min, na


Avenida lvan Ferreira do Amaral, Centro, nesta cidade e
Comarca de Guaraniaçu/PR, o acusado ADIEL LORENÇO,
dolosamente, ciente da ilicitude e da reprovabilidade de sua
conduta, portou 11 (onze) munições de arma de fogo de uso
permitido, calibre 38, marca Blazer, em condições de ser
eficazmente utilizadas, conforme Laudo de Exame de Arma
de Fogo das fls. 43-44, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, conforme o Auto de
Exibição e Apreensão das fls. 12-13, o Boletim de
Ocorrência da fl. 21, e os Termos de Declarações acostados
aos autos. Ao avistar a viatura policial, o acusado rumou em
direção ao Bairro Vila Nova. Abordado, os policiais
localizaram as munições nas imediações, as quais estavam
unidas com fita adesiva preta. Questionado, o acusado de
pronto assumiu que as munições eram de sua propriedade”.

Julgada procedente a pretensão formulada na exordial acusatória, a nobre Julgadora de


primeiro grau condenou ADIEL LOURENÇO nas sanções do artigo 14 da Lei nº
10.826/03.

Como consequência da condenação, foi fixada ao apelante a pena de 2 (dois) anos de


reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto.

Considerando presentes os pressupostos do art. 44 do CP, a pena corporal foi substituída


por duas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e prestação
pecuniária.

Irresignado, interpôs-se recurso de apelação[1], sustentando, em síntese, que:


a)-é nulo o processo pois, o interrogatório procedido por meio de videoconferência acabou
por violar o direito de audiência e de presença do apelante;

b)-a nulidade também se apresente na impossibilidade de o apelante ter participado da


oitiva das testemunhas;

c)- a atipicidade material, visto que a ofensa concreta ao bem jurídico tutelado é diminuta;

d)- as 11 (onze) munições desacompanhadas do armamento se apresentam imprestáveis;

e)- para que exista o crime a ser punido pelo Estado é necessário que estejam presentes a
tipicidade formal (subsunção do fato à norma) e a tipicidade material (real lesão a bem
juridicamente tutelado);

f)- No caso comprovou-se apenas a tipicidade formal, insuficiente para ensejar a


condenação do agente.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em suas contrarrazões


recursais[2], manifestou-se pelo não-provimento do recurso.

A douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em parecer da lavra do


PROCURADOR DE JUSTIÇA DR. ARMANDO ANTONIO SOBREIRO NETO,
opinou pelo desprovimento do recurso.

II.
INICIALMENTE, PROCURA-SE O RECONHECIMENTO DA NULIDADE DO
PROCESSO, pois, o interrogatório realizado por meio de videoconferência acabou por
violar o direito de audiência e de presença do apelante, também a nulidade veio na
impossibilidade de o apelante ter participado da oitiva das testemunhas.

Confere-se que no processo penal brasileiro, vigora o princípio pas de nulité sans grief, ou
seja, não se cogita a nulidade processual quando não comprovado o prejuízo, conforme se
depreende do disposto no artigo 563 do Código de Processo Penal.

Por certo que, para ensejar à nulidade aduzida – cerceamento de defesa -, é requisito
necessário a comprovação do efetivo prejuízo, o que, em análise, não restou demonstrado,
eis que, ao defensor recaia o ônus de pugnar em tempo hábil a redesignação da audiência
pelo motivo agora aportado. Não o fez, permanecendo inerte até a concretização ato
processual, quando então se insurgiu[3].

A MM. Juíza a quo, em percuciente análise decidiu[4]:

“[...].

2. Insurge-se a defesa contra o ato de realização do interrogatório por meio do sistema de


videoconferência, aduzindo prejuízo aos princípios constitucionais.

Diversamente ao alegado, foi observado em favor do acusado as garantias constitucionais odo


contraditório e da ampla defesa, propiciando-se a ele entrevistar-se previamente com seu
advogado, pelo método da videoconferência, inclusive de modo privativo, evacuando-se a sala.

O advogado, mesmo sabendo que o réu encontrava-se me unidade situada em outra cidade,
igualmente vendo que não havia sido determinada sua escolta para esta solenidade, deixou de
postular previamente a condução ou a redesignação do ato. Ademais, cediço que poderia ter
comparecido junto a unidade prisional para lá acompanhar a audiência, ou então ter buscado
dar o devido atendimento ao seu cliente, fazendo presente junto a penitenciaria em data anterior,
se de fato entendesse pela importância de que o aconselhamento/entrevista acontecesse de modo
presencial. Saliente-se que, a despeito de habilitar-se no feito há poucos dias, o procurador já
contava com procuração outorgada pelo réu a vários meses, mas veio a manter-se inerte frente
ao processo, enquanto que a defesa era promovida à sustas do estado.

A metodologia adotada, de realização do interrogatório por videoconferência, encontra suporte


no disposto no § 2º do art. 185 do CPP, especialmente em razão do risco do transporte do preso
e da carência de recursos para o transporte.

Ressalta-se que o réu encontra-se preso junto à PEC, em decorrência de graves imputações
investigadas em outro feito (furtos e roubo), logo, sua retirada do cárcere e sua condução é
medida arriscada que demanda redobrada cautela.

Deveras, é notória a dificuldade do poder público, especificamente dos órgãos de segurança


pública, na promoção de escoltas de preso para apresentação a audiência do processo, ainda
mais por encontrar-se em unidade que se distancia há mais de 70 km desta comarca.

Nesse panorama a realização do ato d e ouvida por meio de videoconferência mostra-se como
medida adequada e idônea à economia e agilidade de tramitação do feito.

Não se verifica, na hipótese dos autos, qualquer inobservância ao devido processo legal,
reafirma-se, o réu foi devidamente assistido por procurador, que teve a oportunidade de
entrevistar-se pessoalmente com ele previamente ao ato.”

Por certo que o direito do réu em acompanhar a instrução processual (isso inclui a oitiva de
testemunhas) encontra viés no princípio da ampla defesa, mais precisamente na sua
autodefesa, todavia, tal direito não é absoluto no sentido de que de sua macula insurja
nulidade absoluta. Para ser reconhecida a nulidade apontada pela defesa é imperiosa a
demonstração de nulidade.

Cediço é que a ausência do réu na audiência de oitiva de testemunha não é causa de


nulidade absoluta, pois, embora sua presença se apresente conveniente, não é
indispensável, mormente se presente ao ato defensor constituído, como o foi no caso
concreto. Há que ser provado o prejuízo causado. Apartada a prova de tal prejuízo,
inexistente qualquer nulidade passível de macular o processo, isso em observância ao
princípio pas de nullité sans grief[5].

Nesse sentido, orientação jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA[6]:


“II - Em relação à necessidade de presença do condenado na audiência de oitiva das
testemunhas, com base nos argumentos acima apresentados, é desnecessário o comparecimento
do acusado ao ato, se a defesa técnica acompanhou todo o procedimento, inexistindo, portanto,
qualquer prejuízo para o reeducando" (AgRg no HC n. 454.456/SP, Quinta Turma, Rel. Min.
Jorge Mussi, DJe de 04/09/2018). III - O entendimento assente nesta Corte Superior é no sentido
de que o reconhecimento de nulidades exige a demonstração do efetivo prejuízo . Tal
entendimento, a propósito, encontra-se firmado no enunciado n. 523 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.”

[7]
Mister se faz transcrever o parecer da PROCURADORIA DE JUSTIÇA, porquanto
pertinente em face da aduzida nulidade:

“(...).

Em que pese a preliminar aventada, de saída cumpre diferençar que a hipótese dos autos não
constitui nulidade absoluta e, sendo relativa, não faz prescindir a efetiva demonstração de
prejuízo à defesa.

A despeito da ausência de decisão judicial a fundamentara excepcional necessidade da


realização do interrogatório por videoconferência, por brevidade, em atenção à Recomendação
nº 57, de 05/07/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, em seu artigo 17, § 3º, julgo
por bem corroborar a lavra do i. representante do Ministério Público no foro de piso, que assim
ponderou em contrarrazões:
‘No presente caso, conforme exarado na decisão contida em Ata (mov.106.1), verifica-se que
a defesa técnica tinha ciência de que o acusado encontrava-se segregado em unidade situada
em outro município, bem como que não havia sido determinada sua escolta para o
interrogatório, porém deixou de postular a redesignação em momento oportuno.
Sobre o assunto, convém destacar que não é possível ao apelante alegar a nulidade apenas
quando de seu interesse, ou seja, em momento posterior e conveniente a quem alega, sendo
vedada a denominada nulidade de algibeira, tendo em vista que o processo deve ser pautado
em respeito à lealdade e a boa-fé processual.
Ressalta-se, em atenção a fundamentação (mov. 106.1), que ao procurador já havia sido
outorgado poderes há meses (11/01/2019), sendo que a audiência foi pautada para o dia
16/10/2019, o qual se manteve inerte frente ao processo, para o fim de alegar a nulidade
quando fosse de seu interesse.
Assim sendo, entende-se que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de alegar nulidade,
o que se estende até mesmo a nulidade absoluta. ”Ressai dos autos, portanto, que a Defesa
não se ateve ao marco preclusivo aludido no artigo 571, inciso II, do Código de Processo
Penal.’

A propósito:
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317, §1º, DO
CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. PRELIMINARES. NULIDADE. PRECLUSÃO.
MATÉRIAS QUE DEVERIAM SER SUSCITADAS NOPRIMEIRO ATO APÓS
VISLUMBRADAS. ART. 571, II, DO CPP.PRECLUSÃO. PEDIDO DE
REINQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. DESPICIENDO. LIVRE CONVENCIMENTO
DO MAGISTRADO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. VIOLAÇÃO AO
CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER
PREJUÍZO, TAMPOUCO RREGULARIDADES. PRELIMINARES AFASTADAS. (...) I
– Anote-se que as questões preliminares suscitadas não foram aventadas perante o
Juízo de Primeiro Grau no momento oportuno, como exige o artigo571, inciso II, do
Código de Processo Penal, estando, portanto, preclusas. (...) No caso, inexistiu
nulidade na oitiva de testemunha por carta precatória, haja vista que a defesa foi
regularmente intimada para acompanhar o ato, sendo ônus inteiramente do causídico
acompanhar ou não pessoalmente o ato, o que inclusive no presente caso ocorreu,
posto que a inquirição das referidas testemunha socorreram regularmente na
presença do advogado. (...) VI – “No processo penal, só se declara nulidade se houver
efetivo prejuízo, no caso inexistente, conforme reza o art. 563 do Código de Processo
Penal, que materializa a máxima francesa ne pas de nulitté sans grief. A suposta
nulidade não foi questionada pela Defesa quando da realização do ato, ou, ainda, em
alegações finais, restando a alegação fulminada pelo instituto da preclusão.” (STJ,
HC Nº 242.021-ES (20120095485-5), Rel. Min. LAURITA VAZ, Julg. 27/08/2013, 5ª
T.). (...)(TJPR - 2ª C. Criminal - 0001984-18.2015.8.16.0084 - Goioerê - Rel.:
Desembargador Laertes Ferreira Gomes - J. 07.11.2019)

Noutro aspecto, não se verifica a suscitada nulidade do processo por ofensa ao direito de
presença, ao argumento que o acusado não acompanhou os depoimentos das testemunhas de
acusação. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça esposado por esta Colenda Câmara
Criminal é no sentido que a ausência do réu durante os depoimentos das testemunhas não
implica nulidade, senão com a efetiva demonstração de prejuízo à defesa.

[...].

Ademais, extrai-se do caderno processual que antes de se iniciar o interrogatório foi


oportunizada ao apelante a entrevista prévia com seu procurador constituído nos autos (cf.
termo de audiência mov. 106.1), o qual se fez presente, perante o Juízo, durante a realização da
audiência, tendo ainda aduzido perguntas diretamente ao apelante e às testemunhas.
Com efeito, não há nos autos demonstração que a instrução, conforme procedida, resultou
prejuízo ao acusado, o que não se dispensa ao acolhimento do pleito defensivo ante o primado “
ne pas de nullité sans grief”, que se traduz o artigo 563, do Código de Processo Penal.

Aliás, sequer houve o apontamento pela Defesa de circunstância atinente à inquirição dos
policiais, em Juízo, capaz de suportar o pleito de nulidade. Tampouco, a denotar a relevância da
repetição dos atos instrutórios para a apuração da verdade substancial e o julgamento da causa,
o que impede o reconhecimento da almejada nulidade, a rigor do disposto no artigo 566, do
Código de Processo Penal.

Nenhuma mácula, portanto, repousa na espécie.”

A tese recursal apresentada, portanto, não comporta acolhimento.

PUGNA-SE A ABSOLVIÇÃO FRENTE A INEXISTÊNCIA DE QUALQUER OFENSA


AO BEM JURÍDICO, aduzindo, para tanto, que é mínima a atipicidade material, pois as
11 (onze) munições apreendidas estavam desacompanhadas do armamento pertinente,
apresentando-se, assim, imprestáveis.

Aponta-se que para que exista o crime a ser punido pelo Estado é necessário que estejam
presentes a tipicidade formal (subsunção do fato à norma) e a tipicidade material (real
lesão a bem juridicamente tutelado), e, no caso em análise, comprovou-se apenas a
tipicidade formal, fato que se apresenta insuficiente para ensejar a condenação do apelante.

Pois bem, não obstante a apelante aduzir a atipicidade da conduta, visto que não estariam
as 11 (onze) munições acompanhadas de uma arma de fogo, tal argumento não encontra
acolhimento.

Inicialmente, o crime em comento é de mera conduta e de perigo abstrato, e se caracteriza


com a simples prática de um dos verbos nucleares do tipo, não sendo exigida pela lei a
efetiva exposição a risco ou prejuízo ou dano a outrem.
Este é o entendimento de GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

“Classificação: (...) mera conduta (independente da ocorrência de qualquer efetivo prejuízo para
a sociedade); de perigo abstrato (a probabilidade de vir a ocorrer algum dano, pelo mau uso da
[8]
arma ou artefato, não identificado, é presumido pelo tipo penal); (...)”

Assim, a ausência de efetiva ofensividade à incolumidade pública não afasta o


cometimento do crime em questão, tampouco é caso de se afastar a condenação pela
alegada irrelevância jurídica da conduta.

O apelante foi flagrado com 11 (onze) munições intactas, de calibre 38, marca Blazer, em
condições de uso eficaz, conforme Laudo de Exame de Arma de Fogo [9],
desacompanhada da arma de fogo, esta conduta não é irrelevante para o Direito Penal,
pois, como dito anteriormente, se trata de crime de perigo presumido. Assim, basta a
existência de um único projétil, quiçá 11 (onze) como no caso concreto, para se configurar
a prática delitiva, já que a Lei nº 10.826/2003 tem como objeto a segurança pública.

Pois bem, em uma simples análise acerca da tipicidade formal e tipicidade material
formadoras da tipicidade penal, denota-se que a prática do delito de porte ilegal de
munições, praticado pelo ora apelante, traz a ofensa permeada pelos crimes de perigo
abstrato, ou seja, presunção do perigo dirigida a bens jurídicos coletivos (incolumidade
pública), traduzindo significância relevante dita pelo próprio Estado.

Assim, o legislador pautou o cuidado voltado à coletividade, quando tipificou condutas


presumivelmente nocivas àquela. Não havendo como se arguir sequer de violação da
intervenção mínima Estatal para delito cuja ofensividade grave foi reconhecida pelo
próprio Estado, inclusive na forma presumida. Seria um contraponto.

No mesmo sentido, inviável se arguir da incidência do princípio da insignificância, vez que


o delito em questão é classificado como de mera conduta, prescindindo da ocorrência de
um resultado naturalístico para sua consumação, bastando, como já citado, incidir em um
dos verbos nucleares do tipo delitivo.

O porte de munições, por si só, é tipificado como crime. O perigo já é considerado pela lei
(de maneira presumida) por simplesmente praticar conduta típica, independentemente do
número de cartuchos intactos apreendidos. Por essa razão, denominam-se tais delitos como
“crime de mera conduta”.

O espírito da lei é o de se evitar a circulação dessas munições, para que não sejam
utilizadas ou comercializadas. A prática social tem demonstrado que comumente se trocam
munições por drogas com traficantes que possuem armamento sofisticado. A maior
clientela consiste no crime organizado transnacional, que geralmente abastece seu arsenal
através do mercado ilegal, nacional ou internacional, de armas. Considerar insignificante
essa conduta é, para além de revogar a lei, colaborar para essas atitudes que põem em risco
toda a comunidade.

No caso em concreto não se socorre a defesa nem mesmo nos atuais entendimentos do
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pois como conferido, a quantidade de munições
apreendida superam a quantidade ínfima assinalada por aquela egrégia Corte Superior.
Ressalvado o entendimento deste relator, que não se inclina a tal tese.

Nesse sentido, é o julgado do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que elucida a


questão: “III - Na hipótese, não há que se falar em atipicidade material da conduta praticada,
ante a quantidade de munições apreendidas, vale dizer, 10 (dez) cartuchos, calibre 5.56, de uso
restrito, com laudo pericial o qual atesta a potencialidade lesiva das munições. Ademais,
qualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável
revolvimento fático-probatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual,
ação constitucional de rito célere e de cognição sumária. IV - Além disso, esta Corte Superior de
Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que "o porte ilegal de munição, ainda que
desacompanhado da respectiva arma de fogo, é delito de perigo abstrato, sendo punido antes
mesmo que represente qualquer lesão ou perigo concreto" (RHC n. 80.631/PI, Sexta Turma, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, DJe de 26/04/2017).”
De mais a mais, a interpretação destoante desse entendimento, ainda que para repetir
entendimentos sodalícios como fundamentação, significa desconhecer o sentido e
significado dos crimes classificados como de mera conduta.

Dessa forma, evidenciado o elemento subjetivo do tipo consistente na vontade livre e


consciente portar munições, bem assim a tipicidade formal e material do ato delitivo,
confirma-se sua condenação pelo delito tipificado no art. 14 da Lei 10.286/2003.

Diante do exposto, é de ser negado provimento ao recurso.

[1] Mov. 135.1.

[2] Mov. 138.1.

[3] Mov. 106.1.

[4] Mov. 106.1 Termo de audiência de instrução.

[5] “A jurisprudência pacífica das Cortes Superiores orienta no sentido de que, contrariamente à
inexistência de defesa, sua eventual insuficiência não configura nulidade absoluta, devendo o prejuízo ser
demonstrado. Tal entendimento, que provém da exegese do artigo 563 do Código de Processo Penal -
CPP - "nenhum ato será declarado nulo, se, da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou
para a defesa" - e da consagração do brocardo jurídico pas de nullité sans grief, levou à edição da
Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal - STF. - In casu, o recorrente não cuidou de demonstrar
nenhum efetivo prejuízo que tenha sofrido com a ausência de reinquirição do acusado, limitando-se a
afirmar tratar-se de hipótese de nulidade absoluta e a tecer considerações acerca da necessidade de
oportunizar ao acusado rebater o depoimento testemunhal”. STJ. RHC 56.573/CE, Rel. Ministro Ericson
Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/02/2016, DJe 01/03/2016.

[6] STJ. HC 513.093/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR


CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 09/10/2019.

[7] 63/66.

[8] In: Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4. ed. Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 95.

[9] Mov. 27.1 – 1º grau.

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 2ª Câmara


Criminal do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar
CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de ADIEL
LORENÇO.

O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Mário Helton


Jorge, sem voto, e dele participaram Desembargador José Maurício Pinto De Almeida
(relator), Juiz Subst. 2ºgrau Mauro Bley Pereira Junior e Desembargador Laertes Ferreira
Gomes.

07 de agosto de 2020

Desembargador José Maurício Pinto de Almeida

Juiz (a) relator (a)

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