Julio Plaza - Tradução Intersemiótica - Relevante

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 231

1$44

PE dao da

: TRADUÇÃO
SEMIÓTICA INTERSEMIÓTICA

=My,
A, S
& peERSPECTIVA
Ins
- 2 = esse

Tradução Intersemiótica
Coleção Estudos
Dirigida por J. Guinsburg

Equipe de realização — Revisão de provas: Stella Regina A. À. dos Anjos e Plinio Martins Filho;
Programação visual: Julio Plaza; Produção: Ricardo W. Neves, Heda Maria Lopes e Raquel
Femandes Abranches,
Julio Plaza

TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Es
= & PERSPECTIVA
F

Is
1º edição — 2 reimpressão

Direitos reservados à
EDITORA PERSFECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025
01401-000 — São Paulo — SP — Brasil
Telefax: (0--11) 3885-8388
www.editoraperspectiva.com.br
2003
Sumário

AO LEITOR... Fagesteceereteeterte
teta cs TraçenTo KI

Introdução: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA....... 1

HISTÓRIA COMO MÔNADA 4


MODOS DE RECUPERAÇÃO DA HISTÓRIA. a... 5
TRADUÇÃO E TEMPORALIDADE, ....14.1.1111À ae. 8
PRODUÇÃO E HISTORICIDADE ... .. 10
INTERSEMIÓTICA....6c00sceicimceiiieennnmeessscsns nu

Parte 1: A SEMIOSE DA TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

1. À TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA COMO PENSAMENTO


EM SIGNOS,...ciiisresrereecrena
essere ese nara careccercaraneeaos 17

CONTINUIDADE... Cececesuenrcavraresserasass tesssaevoivairrcereereçes 17

O Pensamento como Tradução 18


Pensamento-Signo, Mediação e Incompletude do Signo. 19
Pensamento Intersemiótico: Icones, Indices e Símbolos. 20
Especificidade do Signo EStóticO ....svicais i ceeuiiiceno DB
O Signo Estético e sua Intraduzibilidade ...
Tradução e o Enfrentamento da Diferença . 31

LEITURA, vaic ce era ces ceoço 33

Movimento Hermenêutico que Visa a Tradução «ouiieiecao eecrecersumearaseaDes 33


Pensamento, Leitura e Tradução: Evolução e SÍMeSe.iiicscaeaserrarssas 36
vI TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

INVENÇÃO...ccionscoiicnsnonmssecna
sen cenas 39
A Tradução Criativa e os Níveis de INVENÇÃO scores 41

2. A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA COMO INTERCURSO


DOS SENTIDOS .......- Aessrecesenanareca
seen eTADCs PrnCCNENa Neca raÇAOS 45

As Vias Sensoriais Produtoras de Substitutos 47


TIndividual-Coletivo.... 50

OS SENTIDOS COMO PRODUTORES DOS OBJETOS IMEDIATOS


DO SIGNO: OLHO uu cacem sessessiioo veses eu 52

OS SENTIDOS COMO PRODUTORES DOS OBJETOS IMEDIATOS


DO SIGNO: TATO. ço pestana 56

Háptico-SensilivO «occitano se

OS SENTIDOS COMO PRODUTORES DOS OBJETOS IMEDIATOS


DO SIGNO: ACÚSTICO ...v2siiiicmnerneneserneTAdno 58

O Som: Mera Qualidade .. 59


Analógico-Digital aiii 61
Movimento de Hibridização Tradutório . 64
Tntermídia e MuUltimiídid coca seitas 65
A Tradução Intersemiótica e os Multimeios 65
Classificação das Linguagens e SuporieS...1.. teenrecencercereaareçedos . 68

3. A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA COMO TRANSCRIAÇÃO


DE FORMAS... 71
NORMA É FORMA ociosos eee

Classes de Legissignos.
Importância do Legissigno para a Tradução

ESy 6 57:X 606) b) (ET 6 BOA 78

Atividade Sígnica por Contigiiidade 79


Atividade Sígnica por Semelhança... 81
83

84

Forma Como Signo de Qualidade «scvicio aneis enterrar ssasaaenas 85


Importância da Qualidade para a Tradução... aresicsrioss areisacioas 86

4, POR UMA TIPOLOGIA DAS TRADUÇÕES........ aarerioss uaijãão BO

Tradução Indicial....
Tradução Simbólica.
Comparação dos Tipos
SUMÁRIO VII

Parte Il; OFICINA DE SIGNOS: TRADUÇÕES INTERSEMIÓTICAS


E LEITURAS

5. TRADUÇÃO SIMBÓLICA... 99

“CNASCEMORRE" cicero: 100


6. TRADUÇÃO INDICIAL,... essi een 105
“LUA NA ÁGUA"
*ORGANISMO*” e.
*HOLOGRAFIA COMO TRANSPOSIÇÃO
“O VELHO TANQUE"

7. TRADUÇÃO ICÔNICA.. cicero: 123


INTRADUÇÕES ...iimccesemserereeereteea arenas 124
POEMÓBILES: “LUZ MENTE MUDA COR" . 128
O ENCOURAÇADO POTEMKIN... .. 134
“LUA DE OUTONO” ciencias man ato 150
“QUADRADO NEGRO SOBRE FUNDO BRANCO"! cuisine 155
CNOOSFERA” couve me veins 160
SVALE VEM? concert ct ecra 166
CCÉU-MAR" coisas cs 172
TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA DO I CHING PARA O CINEMA

8. POLÍTICA É POÉTICA DA TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA, 205


BIBLIOGRAFIA
.

UBI LUX
IBI PATRIA
Ao Leitor

À primeira referência (explícita) à Tradução Intersemiótica que


tive oportunidade de conhecer foi nos escritos de Roman Jakobson.
De que tenho notícia, Jakobson foi o primeiro a discriminar e defi-
nir os tipos possíveis de tradução: a interlingual, a intralingual e a
intersemiótica.
A Tradução Intersemiótica ou “transmutação” foi por ele de-
finida como sendo aquele tipo de tradução que “consiste na inter-
pretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não ver-
bais”", ou “de um sistema de signos para outro, por exemplo, da
arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura”, ou vice-
versa, poderíamos acrescentar.
À tradução criativa de uma forma estética para outra, no âm-
bito da poesia, dispensa apresentação, tanto pela tradição qualitati-
va e quantitativa de trabalhos produzidos na história, quanto pela
reflexão teórica relativa a este tipo de operação artística. Teorias pro-
duzidas sobretudo por artistas pensadores abriram caminho para in-
vestigações sobre a tradução que vão além de características mera-
mente lingilísticas. É impossível deixar de mencionar à este respeito
os trabalhos de Walter Benjamin, Roman Jakobson, Paul Valéry,
Ezra Pound, Octavio Paz, Jorge Luis Borges e Haroldo de Cam-
pos, entre outros. Foi o mestre Haroldo que me introduziu, com
o rigor e a sensibilidade que o caracterizam, na teoria da “operação
tradutora” intra e interlingual de cunho poético. Seus escritos e au-
las, assim como o interesse provocado pela leitura daqueles pensa-
dores-artistas, deram origem a este trabalho, haja vista a inexistên-
cia de uma teoria da Tradução Intersemiótica, isto em 1980,
O presente trabalho é uma síntese elaborada,a partir das práti-
cas artísticas com diversas linguagens e meios ou seja: a multimídia
x" TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

e a intermídia, práticas estas que vêm de longa data e que sempre


tomaram como centro da imantação a linguagem visual assim co-
mo os trabalhos interdisciplinares com outros artistas. Mas esta sín-
tese é também produto de uma reflexão sobre a teoria semiótica de
Charles Sanders Peirce que dá apoio à Teoria da Tradução Interse-
miótica. Foi a partir desse referencial que me exercitei na prática
e teoria da Tradução cujo resultado se apresenta aqui ao leitor.
A operação da tradução de cunho intersemiótico — por mim
concebida como forma de arte e como prática artística na medula
da nossa contemporaneidade — necessita de apoio teórico para que
possam ser interligadas as operações inter e intracódigos. Isto por-
que as teorias existentes da Tradução Poética, nascidas da prática
inter e intralingual, embora cheguem a apontar para, obviamente
não abordam questões específicas que são relativas à Tradução In-
tersemiótica. Este trabalho é, antes de tudo, resultado de uma prá-
tica, mas é também a tentativa ou esforço de uma reflexão endere-
çada às questões que dão à tradução seu cunho intersemiótico.
Creio que problemas de Tradução Intersemiótica devem ter um
tratamento de tipo especial, visto que as questões colocadas por es-
se tipo de operação tradutora exigem o concurso (ou o trabalho em
conjunto) de especialistas nas diversas linguagens. Acho quase im-
possível que um especialista, cuja prática se processa só em uma de-
terminada área semiótica, possa dar conta da importância que o pro-
biema da tradução interlinguagens exerce no campo das artes e co-
municações contemporâneas.
De resto, interessa-me especialmente a relação entre especiali-
dades, pois que a especialização favorece o isolamento dos sentidos,
quer dizer, das linguagens. Procurei eliminar, se possível, a relação
dicotômica, hierárquica, logocêntrica, entre a teoria e a prática ao
buscar uma visão crítico-criativa (isto é, flagrar o que há de síntese
numa análise e o que há de análise numa síntese), o que não é neces-
sariamente à dimensão do erudito, nem do especialista, mas a do
homem semiótico. O homem que transita na sensibilidade sígnica
oriental. Já viu McLuhan que a arte, na era da eletricidade, “não
será uma forma de auto-expressão”', na verdade, se converterá num
tipo NECESSÁRIO de pesquisa e aprofundamento,

Julio Plaza
introdução:
A Tradução Como
Poética Sincrônica

O artista é o tradutor universal.

OCTAVIO PAZ

A ação analógica sobre a história atropela a própria história


concebida como processo lógico-evolutivo-diacrônico. No filme
2001, de Stanley Kubrik, há uma montagem que traduz de forma
sintética, o que quero dizer aqui, nesta introdução que visa contex-
tualizar a problemática da Tradução Intersemiótica.. Eis a monta-
gem: Osso + Nave espacial = evolução (tradução) sígnica e tecno-
lógica. Brevidade é qualidade. Características das linguagens à par-
te, o certo é que a transação intersígnica perde-se no tempo. Agora,
fazendo-se a inversão da segiência, teremos: Nave espacial + Osso
= involução tecnológica? morte? ““pós-história”"? Se a verdadeira
seqiiência corresponde e faz jus à noção de história progressista, a
segunda seqgiiência (simétrica e inversa à primeira) coloca em ques-
tão essa noção de história como evolução lógica e verdadeira dos
acontecimentos e expressa, ao mesmo tempo, a consciência de lin-
guagem própria da arte, onde a noção de evolução, progresso ou
regresso não existe, colocando em seu lugar a noção de movimento
é pensamento analógicos, isto é, de transformação.
Nessa mudança, o evento e sua verossimilhança foram modifi-
cados. Entretanto, um elemento permaneceu invariante: a própria
estrutura da montagem, À operação tradutora como trânsito criati-
vo de linguagens nada tem a ver com a fidelidade, pois ela cria sua
própria verdade e uma relação fortemente tramada entre seus di-
versos momentos, ou seja, entre passado-presente-futuro, lugar-
tempo onde se processa o movimento de transformação de estrutu-
ras e eventos.

Só é possível compreeriíder o presente na medida em que se co-


nhece o passado. Esta é uma condição aplicada a quase todas as si-
tuações que envolvem o fazer humano. Duas formas de transmis-
2 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

são da história são possíveis: a forma sincrônica e a forma diacrô-


nica. Esta mais própria do historicismo, aquela mais adequada e co-
natural ao projeto poético-artístico e, por isso mesmo, à tradução
poética. Para Eisensteir (que via a Arte como metáfora do organis-
120 vivo), uma obra de arte viva era aquela que permitia uma inter-
pretação do espectador, ao engajá-lo no curso de um processo de
criação em aberto. Para Marcel Duchamp, uma obra se completa
com o público. E, para Bakhtin, o “inacabamento de princípio”
e a “abertura dialógica** são sinônimos. A história inacabada (as-
sim como as obras de arte) é uma espécie de obra em perspectiva,
aquela que avança, através de sua leitura, para o futuro. A história
“acabada” é a história morta, aquela que nada mais diz. História,
então, pressupõe leitura. E pela leitura que damos sentido e reani-
marmos o passado.
Nessa medida, a tradução para nós se apresenta como ““a for-
ma mais atenta de ler"* a história porque é uma forma produtiva
de consumo, ao mesmo tempo que relança para o futuro aqueles
aspectos da história que realmente foram lidos e incorporados ao
presente. Segundo Frye, “não há idéias mortas em literatura, há ape-
nas leitores cansados (...); a aceitação é fundamentalmente acríti-
ca” (...) e “uma cultura indiferente ao seu passado não tem prote-
ção contra o futuro. Por isso, o crítico tem de estabelecer um mo-
delo de continuidade ligando a cultura atual com sua herança e, con-
seqilentemente, com seus herdeiros”"], A arte não se produz no va-
zio. Nenhum artista é independente de predecessores e modelos. Na
realidade, a história, mais do que simples sucessão de estados reais,
é parte integrante da realidade humana. À ocupação com o passado
é também um ocupar-se com o presente. O passado não é apenas
lembrança, mas sobrevivência como realidade inscrita no presente.
As realizações artísticas dos antepassados traçam os caminhos da
arte de hoje e seus descaminhos.

Mas é a visão da história como linguagem e a visão da lingua-


gem corio história que nos ajudam a compreender melhor estas re-
lações. De acordo com W. Benjamin, toda forma de arte situa-se
no cruzamento de três linhas evolutivas: a elaboração técnica, a ela-
boração das formas da tradição e a elaboração das formas de
recepção?. Também para R. Jakobson, “cada fato de linguagem
atual é apreendido por nós numa comparação inevitável entre três
elementos: a tradição poética, a linguagem prática da atualidade e
a tendência poética que se manifesta"”"3, Daí que, segundo esse pen-
sador, o estudo da arte encerra dois grupos de problemas: a diacro-

1, NORTHROP FRYE, O Caminhão Crítico, São Paulo, Perspectiva, 1973, p. 95.


2. WALTER BENJAMIN, “Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução”, in
Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. 23.
3. ROMAN JAKOBSON, apud BORIS SCHNAIDERMAN, “Uma Visão Dialética e Ra-
dical da Literatura”", in Lingúística. Poética. Cinema, São Paulo, Perspectiva, 1970, p. 176. (De-
bates 22).
INTRODUÇÃO: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA 3

nia e a sincronia. “A descrição sincrônica considera não apenas à


VE

produção literária de um período dado, mas também aquela parte


da tradição literária que, para o período em questão permaneceu
viva ou foi revivida.”* Assim sendo, “uma poética histórica ou uma
história de linguagem verdadeiramente compreensiva é uma supe-
restrutura a ser edificada sobre uma série de descrições sincrônicas
Ve

sucessivas”, Se o critério historicista diacrônico está para o tem-


po, o critério estético ou sincrônico está para o espaço. Para o his-
toriador interessam os fatos tal como eles se desenvolveram no pas-
sado. O historiador se contenta ao estabelecer um nexo causal entre
os diversos momentos da história, postulardo, no dizer de W. Ben-
jamin, “uma imagem “eterna' do passado””. Seu procedimento é o
da adição, o que lhe proporciona uma massa de fatos para “preen-
cher o tempo homogêneo e vazio”,
Levando adiante as colocações de Jakobson, Haroldo de Cam-
pos ros diz que:
em sua transposição literária, o par sincronia/diacronia está em relação dialéti-
ca em pelo menos dois níveis: a) a operação sincrônica que se realiza contra um pano
de fundo diacrônico, isto é, incide sobre os dados levantados pela visada histórica
dando-lhes relevo critico-estético atual; b) a partir de cortes sincrônicos sucessivos
é possível fazer-se um traçado diacrônico renovado da herança literária,

E mais:
na realidade, a poética sincrônica procura agir crítica e retificadoramente sobre
as coisas julgadas pela poética diacrônica. Sincronia e diacronia estão pois, como
é óbvio, em relação dialética”.
Dentro desse mesmo espírito de ruptura em relação a uma his-
toriografia sintagmática e cumulativa, num trabalho mais recente”,
Haroldo de Campos encontra na acepção monadológica da histó-
ria, ta: como concebida por W. Benjamim, a veia para se pensar
estética e criativamente a história literária como “produto de uma
construção” ou “apropriação re-configuradora””.
A vartir disso, é também na concepção beniaminiana da histó-
ria entrevista pela fresta de um olhar radicalizado na sincronia que
pudemos encontrar uma espécie de síntese privilegiada para se pen-
sar o modo particularíssimo através do qual a história se instaura
no processo tradutor. É certo que a radicalização do projeto de Ben-
jamin se insere no corpo de uma estratégia política que toma a pró-
pria visão da história como fu!cro desse projeto. Nessa medida, não
pretendemos ler as Teses de Filosofia da História à revelia desse pro-
jeto e à margem do complexo contexto do pensamento benjamiínia-
no. Contudo, o flagrante de um flash apenas, a ser extraído desse

4. ROMAN JAKOBSON, Linguística e Comunicação, São Paulo, Cultrix, 1969, p. 121.


5. WALTER BENJAMIN, ““Teses de Filosofía da Historia”, in Discursos Interrumpidos
1, Madrid, Taurus, 1973, pp. 177-191,
6. HAROLDO DE CAMPOS, “O Samurai e o Kakemono" in A Arfe no Horizonte do
Frovável, São Paulo, Perspectiva, 1969, pp. 213-219. (Debates 134).
7. Idem, “Da Razão Antropofágica”", Revista Cológuio/Leiras, Lisboa, 1981, pp. 1025.
4 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

corpo teórico, cumpre para nós uma função também estratégica: de


uma apropriação analógica, visto que encontramos um paralelo en-
tre o projeto filosófico-político de Benjamin e o projeto tradutor,
conforme se verá.

HISTÓRIA COMO MÔNADA


O que se flagra nas Teses de Fitosofia da História é a idéia de
captura do passado como mônada em contraposição ao historícis-
mo linear, pois que o “historicismo culmina justamente na História.
Universal”*. Em oposição ao historicismo linear, Benjamin propõe
um princípio construtivo da história. Na oposição entre historiografia
e. historicidade, inclina-se para a.segunda, pois é esta que pode re-
presentar uma historiografia inconsciente, o lado oculto da histo-
riografia oficial e o registro da experiência humana. Benjamin vê,
em cada momento da história, um presente que não é trânsito, mas
Que se encontra suspenso, imóvel, em equilíbrio no tempo, forman-
do “constelações” com outros presentes e o presente atual do his-
toriador.
Ao pesamento não pertence apenas o movimento das idéias, mas também sua
detenção, Quando pensamento se detém, de súbito, em uma constelação carregada
de tensões, divide-se num golpe através do qual à constelação se cristaliza em uma
mônada. O materialista histórico se defronta com um objeto histórico apenas e so-
mente quando este se apresenta como uma mônada8,

Essa forma de captura da história, tal como apareceu a Harol-


do de Campos em relação à literatura, é justo aquela que nos apare-
ce como adequada e conatural ao próprio objeto de arte: a história
vista como “constelação” na qual cada presente ilumina os outros
num relacionamento dialético e descentralizador à maneira de uma
rede eletrônica em contraposição à montagem linear da historiogra-
fia. “A verdadeira imagem do passado transcorre subitamente. O
vassado só se deixa fixar em uma imagem que relampeja de uma
vez para sempre no instante de sua cognoscibilidade. (...) ...visto
que é uma imagem irrevogável do passado que corre o risco de des-
Vanescer-se em cada presente que não se reconheça nela”"º. Para
Benjamin, “articular o passado não significa conhecê-lo “como ver-
dadeiramente foi, Significa apoderar-se de uma recordação tal co-
mo esta relampeja num instante de perigo”"!º, Isto é, a captura da
história como re-invenção da mesma face a um projeto do presente.
Se Benjamin, na sua visão, enxerga a história como possibili-
dade, como aquilo que não chegou a ser, mas que poderia ter sido,
é justamente na brecha de uma possibilidade semelhante (vão entre
o que poderia ter sido, mas não foi, mantendo a promessa de que
ainda pode ser) que se insere o projeto tradutor como projeto cons-

8. WALTER BENJAMIN, Op. cit., pp. 177-191.


9, Idem, pp. 177-191.
10. Jdem, pp. 177-191,
INTRODUÇÃO: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA 5

telativo entre diferentes presentes e, como tal, desviante e descer-


7

tralizador, na medida em que, ao se instaurar, necessariamente pro-


duz re-configurações monadológicas da história.
Para o artista-tradutor, a apropriação analógica da radicalida-
de benjaminiana consuma-se também como uma estratégia poética
e política, pois nosso presente aparece alimentado e minado pela con-
tradição entre a.intensa consciência do presente que, por querer se
afirmar como tal, tende à negação do passado e a impossibilidade
de negar o tempo, pois somos seres habitados de tempo. À visão
sincrônica da história não seria senão a conciliação sempre nrovisó-
ria dessa contradição. A consciência da história, que data do século
XIX e que traz consigo inalienavelmente a noção de progresso no
temnvo, carrega dentro de si a negação dessa noção. A visão sincrô-
niça é a evidência dessa negação e a arte foi a primeira a materiali-
zar essa negação no aue ela foi imediatamente seguida pela moda.
Mas, se esta recupera a história ao nível do consumo, a arte recupe-
ra a história ao nível da produção.
Assim, toda produção que se gera no horizonte da consciência
da história problematiza a própria história no tempo presente. Des-
se modo, a radicalização da sincronia como processo embutido na
operação tradutora traz, no seu bojo, a crítica da história e a cons-
ciência de que cada obra, longe de ser uma conseqiiência teleonô-
mica de uma linha evolutiva, é, ao contrário, instauradora da histó-
ria, projetando-se na história como diferença, Se, num primeiro mo-
mento, o tradutor detém um estado do vassado para operar sobre
ele, num segundo momento, ele reatualiza o passado no presente
e vice-versa através da tradução carregada de sua própria kistorici-
dade, subvertendo a ordem da sucessividade e sobrepondo-lhe a or-
dem de um novo sistema e da configuração com o momento esco-
lhido.
No processo dialético e dialógico da arte não há como escapar
à história. À arte se situa na urdidura indissolível entre autonomia
e submissão. Filha de sua época, a arte, como técnica de materiali-
zar sertimertos e qualidades, realiza-se num constante enfrentamen-
to, encortro-desencontro consigo mesma e sua história. Parafrasean-
do Marx: os artistas não operam de maneira arbitrária, em circuns-
tâncias escolhidas por eles mesmos, mas nas circunstâncias com que
se encontram na sua época, determinadas pelos fatos e as
tradições!!, Recuperar a história é estabelecer uma relação operati-
va entre passado-presente e futuro, já que implica duas operações
simultâneas e não-antagônicas: de um jado, a apropriação da histó-
ria, de outro, uma adequação à própria historicidade do presente,
estratégia esta que visa não só vencer a corrosão do tempo e fazê-lo

11. A referência dessa paráfrase se encontra na seguinte citação: ““Os homens fazem a pró-
pria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha
e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”,
KARL MARX, “O 18 Brumário de Luís Bonaparte", in Os Pensadores, São Paulo, 1978, p. 329.
6 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

reviver, mas visa também sublinhar que as coisas somente podem


voltar como diferentes (v. “Pierre Menard: autor del Quijote")!2,
No presente, a criação só é percebida como tempo na oposição
entre passado e futuro. Tradução é, portanto, o intervalo que nos
fornece uma imagem do passado como ícone, como mônada. À tra-
dução, ao recortar o passado para extrair dele um original, é influen-
ciada por esse passado ao mesmo tempo em que ela também como
presente influencia esse passado. À poética sincrônica age criativa-
mente sobre o tempo, nois “mesmo que o poeta não o proponha,
o poema é uma máquina que produz arti-história”'!3,
Operar sobre o passado encerra um problema de valor. Não é
escolher um dado do vassado, uma referência passada; é uma refe-
rência a uma situação passada de forma tal que seja capaz de resolver
um problema presente e que tenha afinidade com suas necessidades
precisas e concretas de modo a projetar o presente sobre o futuro,
Toda época distingue entre formas conservadoras e mais inovado-
ras. As inovadoras são as que se projetam para o futuro através do
caráter de inacabado que aponta para um possível leitor, o que é
também uma forma de *“perceber na cultura de hoje os traços reais
e inconfundíveis do amanhã"!4, Operar sobre o passado, além de
um problema de valor, constitui-se também numa operação ideoló-
gica através da qual podemos confirmar a produção do presente ou
encobrir essa realidade. Se, no primeiro caso, se favorece um en-
contro dialético com o passado para preparar o futuro, no segun-
do, trata-se de distanciar esse futuro indefinidamente. No primeiro
caso, os valores da história constituem-se num modelo para a ação,
já no segundo, trata-se de um fantasma a ser evocado como nostal-
gia, moda ou revival,

MODOS DE RECUPERAÇÃO DA HISTÓRIA

Distinguimos várias formas de recuperação do passado como


intenção de construção de um diálogo. Em primeiro lugar, como
poética-política ou estratégia artística face a um projeto construti-
vo do presente, conforme se dá, por exemplo, no caso da recupera-
ção de Sousândrade pelos poetas concretos (Augusto e Haroldo de
Campos) ou da recuperação de “el Greco” pelos artistas expressio-
nistas e mesmo daaveles projetos do passado que confirmam proje-
tos do presente. ““O fato é que cada escritor cria seus precursores.
Seu trabalho modifica nossa concepção do passado, como há de mo-
dificar o futuro. Nesta correlação, pouco importa a identidade ou
a pluralidade dos homens”*!5,

12. JORGE LUIS BORGES, *"Pierre Menard, autor del Quijote"", in Obras Completas, Bue-
nos Aires, Emecé, 1974, p. 444.
13, OCTAVIO PAZ, Los Hijos del Limo, Barcelona, Seix Barral, 1974, p, 8,
14. BORIS SCHNAIDERMAN, “Uma Visão Dialética e Radical da Literatura", in Lin-
gúlstica. Poética. Cinema, São Paulo, Perspectiva, 1970, p. 175.
15. JORGE LUIS BORGES, *“Kaíka y sus Precursores"", Op. cit., p. 712.
INTRODUÇÃO: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA 7

Mas o passado pode ainda ser incorporado como estilização,


isto é, como conformidade a um modelo determinado, como é o ca-
so do art nouveau, Ele pode ainda ser incorporado como paródia,
como inversão e discordância com o modelo, caso de Picasso quan-
do pinta Guerrtica: aqui à obra se situa em atitude crítica e polêmi-
ca frente à história, Picasso aborda os modelos e estilemas da tradi-
ção de um ponto de vista crítico, discordando deles, numa opera-
ção inversa à estilização e ao revival que não seriam senão uma re-
cuperação amável da história amável. Ele recupera a história para
pôr a descoberto o desconforto da realidade do seu momento, o mai-
estar que o presente produz (guerra da Espanha, 1937). Não procu-
ra o passado como fantasma nostálgico, Pelo contrário, investiga
à história e descobre nela as causas, os limites e procedimentos au-
tênticos e exclusivos da arte. A história (através de seus emblemas:
frontão grego, touro, cavaio, guerreiro, mãe, criança etc.) é usada
como modelo de ação para dizer ao futuro que “não há um “único
documerto de cuitura que não seja também um documento de bar-
bárie. E a mesma barbárie que o afeta, também afeta o processo
de sua transmissão de mão em mão”*!6, Picasso retoma, em oposi-
ção antagônica, o tema da guerra, da vida-morte, de uma forma
atemporai. Guernica projeta, portanto, o sentido de um espetáculo
bárbaro cujo autor é a própria história.
Outra forma de recuperar à tradição, antagônica a esta última,
é a prática doe sistema de acumulação capitalista que vê, no antigo,
um modo de reatualização das mercadorias para acelerar a deman-
da do consumo. À tradição recuperada como “novo”, ou melhor,
como “novidade” tende a ocultar e opacizar as relações de produ-
ção, exercendo a função ideológica de justapor a quantidade à qua-
Tidade. A moda ilustra essa dialética do sempre-igual no novo e do
novo no sempre-igual. “A moda é o eterno retorno do novo”!º, Ela
fareja o atual onde quer que ele se mova, Na floresta do antigamen-
te, é ela que dá um ““salto de tigre em direção ao passado”*”. À mo-
da, com efeito, é agente da mercadoria fetiche ou quintessência do
sempre-igual, mas só pode estar a serviço do fetichismo pela cria-
ção incessante do novo e pela busca incessante do novo em qual-
quer ponto do passado em que ele se encontre.
Estamos, pois, diante de duas chances: ou o presente recupera
o passado como fetiche, como novidade, como conservadorismo,
como nostalgia, ou ele o recupera de forma crítica, tomando aque-
les elementos de utopia e sensibilidade que estão inscritos no passa-
do e que podem ser liberados como estilhaços ou fragmentos para
fazer face a um projeto transformativo do preserte, a iluminar o
presente.
Ainda resta, no entanto, a forma que, à nosso ver, é a mais
sintonizada ao projeto tradutor, isto é, a recuperação da história

16. WALTER BENJAMIN, Op. cit., pp. 177-191.


17. Idem, pp. 177-19L.
E TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

como ““afinidade eletiva”, como história da sensibilidade que se in-


sere dentro de um projeto não somente poético, mas também políti-
co. É evidente que este projeto atua como reorganização do sistema
de relações da percepção e da sensibilidade, está também, por isso
mesmo, em dialética com o novo, mas não com a ideologia do novo
a todo custo, como categoria monológica, mas como categoria am-
bígua e dialética. E aqui se poderia enxergar o novo a partir da se-
miótica de Peirce como sendo aquela qualidade produtora da obra
de arte, ou seja, a “idéia” como ícone, como possibilidade ainda
não atualizada, tendo, por isso mesmo, qualidade de oriência, do
original no seu sentido primevo e instaurador, Porém, quando essa
qualidade do “novo” é atualizada no mundo, ela está sujeita ao con-
flito, ao desgaste lógico das operações de uso e leitura. Temos, as-
sim, que o novo não é tão novo, mas é comparável dialeticamente
com o antigo (existente). De outro ângulo, o novo depende do de-
vir, isto é, da recepção e do repertório, como medida de informa-
ção que se dá entre o previsível e o imprevisível, entre banalidade
e originalidade. À categoria do novo é, pois, ambígua e não mono-
lógica. Ou, conforme nos diz Baudelaire: “...na beleza colaboram
um elemento eterno, imutável e um elemento relativo, limitado. Es-
te último é condicionado pela época, pela moda, pela moral, pelas
paixões. O primeiro elemento não seria assimilável sem este segun-
do elemento”'!8,

TRADUÇÃO E TEMPORALIDADE

Considerando a afinidade eletiva como forma de recuperar à


história a mais sintonizada ao processo tradutor, assim a considera-
mos também porque é a forma que mais perfeitamente se acopla
à uma visada sincrônica, esta que é conatural ao processo produtor-
criativo. Isto porque na criação encontram-se inscritos os procedi-
mentos da história em forma de palimpsesto, ou seja, é a própria
criação que contém embutidas as relações dos três tempos, presente-
passado-futuro, modificando as relações de dominância entre eles.
Na medida em que a criação encara a história como linguagem, no
que diz respeito à tradução, podemos aqui estabelecer um paralelo
entre o passado como ícone, como possibilidade, como original a
ser traduzido, o presente como índice, como tensão criativo-tradu-
tora, como momento operacional e o futuro como símbolo, quer
dizer, a criação à procura de um feitor.
Assim, de nossa parte, passamos a ver a tradução (forma privi-
legiada de recuperação da história) como uma trama entre passado-
presente-futuro, Dependendo porém da direção do nosso olhar, a
relação se modifica pela proeminência de um dos pólos. Assim, na
primeira relação (passado como ícone), o vetor é o do passado para

18, BAUDELAIRE, apud WALTER BENJAMIN, A Modernidade e 05 Modernos, Rio de


Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975, p. 17.
INTRODUÇÃO: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA — 9

o presente, ou seja, o passado como coriunto de indeterminações


e possibi!idades icônicas para o presente (a tradução). Já na segun-
da relação (o presente como índice), a tradução como presente so-
bredetermina set: original, seu passado. Na terceira relação (o futu-
ro como símbolo), do presente para o futuro, a tradução determina
seu leitor. À tradução, ta: como está presente, é espaço, intervalo
que nos fornece urra visão do nassado como ícone: “o ser de um
Ícone pertence à nossa experiência passada. O ícone só existe como
imagem ro espírito”!?, O passado como uma imagem diagramática
que se configura no instante de uma escolha, No entanto, no seu aqui-
agora (“o ser de um írdice é o da experiência presente”"??9Y*, como
experiência presente a tradução transforma o presente, transforman-
do-se precisamente peta criação da sensibilidade humana: a criação
criardo os sentidos humanos. Já a propensão para o futuro, carac-
terizada como símboio, “influenciará o pensamento e a conduta do
seu intérprete (...) O valor de um símbolo é servir para tornar racio-
nais o pensamento e à conduta e npermitir-nos predizer o futuro””2!,
Seria daqui que poderia provavelmente surgir o signo-novo cuja ca-
racterística é projetar-se para o futuro, como pré-sentimento do fu-
turo ao mesmo tempo ave nos faz reler o passado com olhos novos.

Assim, a tradução considera a história em sincronia, como possi-


bilidade, como môrada, como forma plástica, permeável e viva por-
que, em última instância, só se pode determinar o ârebito da vida par-
tindo-se da Eistória e não da natureza. Mas, no interior dessa môna-
da, na tradução como projeto vertical que não vira as costas, mas
merguiha na espessura da história, distinguimos três vetores, visto
que cada re-configuração da história, que cada tradução inevitavel-
mente promove, simultaneamente faz reabrir as comportas do passa-
do-presente-futuro, No vetor vara o passado, a mônada aparece co-
mo dominante, visto que na sua relação com o original a tradução
aparece como apropriação reconfiguradora da tradição. No entanto,
o vetor para o presente, no seu aqui-agora, na sua emergência, co!o-
ca-nos diante de uma outra questão: a da materialidade mesma da
tradução, questão esta que incide sobre os modos e meios de que dis-
põe a tradução em cada »vreserte que é seu para introjetar a nistória
no seu corpo. Ao mesmo tempo que *“a unicidade da obra de arte se
idertifica com seu arranjo no contexto da tradição”, ela também
tem a ver com seu aspecto material. Isto é, como é aue a tradução, ao
mesmo tempo que moradicamente presentifica o passado, pode ins-
crever em si mesma seu próprio temvpo histórico, a sua historicidade?
Ou, para estarmos mais perto do pensamento de W. Benjamin: co-
mo é que a obra de arte (a tradução, no nosso caso) se coloca nas

19. CHARLES SANDERS PEIRCE, apud ROMAN JAKOBSON, “À Procura da Essên-


cia da Linguagem”, in Lingúística e Comunicação, p. 117,
20. Idem, p. 117.
21. Idem, p. 117.
22. WALTER BENJAMIN, “La Obra de Arte...””, Op, cit., p, 25.
10 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

relações de produção do seu tempo? E veremos aqui, como se se-


gue, que as próprias condições materiais de produção da arte na con-
temporaneidade contêm, no seu bojo, a emergência da sincronicidade.

PRODUÇÃO E HISTORICIDADE
Falar na historicidade dos meios de produção artística signifi-
ca novamente não podermos escapar a W. Benjamin,
visto que a partir desse pensador, passamos a enxergar quê a historicidade da
realidade objetiva impõe, ão mesmo tempo, uma historicidade dos meios de produção
artística, sem a qual não se torna possível inteligir o próprio movimento de transfor-
mação da arte. (...) Com isso, Benjamin dá um passo adiante nas considerações acerca
das relações entre infra-estrutura econômica e produção artística, dado o fato de que
as transformações dos meios artísticos estão inextricavelmente ligadas ao desenvol-
vimento das forças produtivas. Por outro lado, os modos de produção artística de que
uma sociedade dispõe são determinantes das relações entre produtores e consumido-
res, assim como interferem substancialmente na natureza da própria obra de arte 23,
As transformações, que se processam nos suportes físicos da
arte e nos meios de produção artística, constituem as bases mate-
riais da historicidade das formas artísticas e, sobretudo, dos pro-
cessos sociais de recepção. Para Medvedev, “o significado da arte
é completamente inseparável de todos os detalhes de seu corpo ma-
terial”*A, o que é confirmado por Volosinov: “todo fenômeno que
funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja
em som, massa física, como cor...“
Esses aspectos são importantes face ao problema que nos ocu-
pa: o da Tradução Intersemiótica. Aqui, o tradutor se situa diante
de uma história de preferências e diferenças de variados tipos de elei-
ção entre deterininadas alternativas de suportes, de códigos, de for-
Inas é convenções. O processo tradutor intersemiótico sofre a influên-
cia não somente dos procedimentos de linguagem, mas também dos
suportes e meios empregados, pois que neies estão embutidos tanto
a história quanto seus procedimentos. Conforme W, Benjamin,
Os meios de produção e as relações de produção artísticas são interiores à pró-
pria arte, configurando suas formas a partir de dentro, Nessa medida, os meios téc-
nicos de produção da arte não são meros aparatos estranhos à criação, mas determi-
nantes dos procedimentos de que se vale o processo criador e das formas artísticas
que eles possibilitam?6,
Consideramos, a esse respeito, que as formas da linguagem
atual, junto com as formas técnicas produtivas, contaminam e se-
mantizam a leitura da história assim como determinam a recepção,
ao mesmo tempo em que elas definem sua própria historicidade. Pas-
sado-presente-futuro estão atrravessados pelas antigas e novas for-

23. LÚCIA SANTAELLA, Arte & Cultura, São Paulo, Cortez, 1982, p. 103.
24. Apud MARIA LUCIA SANTAELLA BRAGA, Produção de Linguagem e Ideologia,
São Paulo, 1980, p. 28.
25. Idem, p. 29.
26. LÚCIA SANTAELLA, Op. cit., p. 104,
INTRODUÇÃO: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA nu

mas tecnológicas. De resto, como 3á viu Valéry?7, as artes se trans-


formaram radicalmente, precisamente pela influência dos meios de
produção.

INTERSEMIÓTICA

Num arco-íris sincrônico da história, desde Altamira aos meios


eletrônicos, segundo a óntica da sensibilidade, podemos ver apare-
cerêm os aspectos de inter-relação sinestésica para os quais, infeliz-
mente, a especialização dos sentidos em categorias artísticas bem de-
marcadas, de certo modo, nos cegou. O que há de comum, por exem-
plo, entre as imagens de Altamira em forma de palimpsesto háptico-
visual-acústico, a arte abstrata de Kandinski, as esculturas grava-
das em marfim dos esquimós e ainda dos seixos de Honfleur, sobre
os quais Mallarmé escrevia seus poemas, senão o ancoramento das
imagens, poemas, nas características dos objetos como extensões de-
les? A limitação da arte aos caracteres de um sentido leva ao risco
de se perder a sugestiva importância dos outros sentidos.
Na modernidade, desde os círcuzlos simbolistas que cultivavam
a sugestividade, de Rimbaud (Voyelles) e Mallarmé (poema em for-
ma de leque), seguindo o exemplo de Baudelaire (Correspondences)
até Kandinski, os artistas desenvolviam experiências entre os senti-
dos. Basta o exemplo do soema “Klánge”* de Kandinski onde o ar-
tista vislumbra sistemas de Farmonias entre sons, cores e formas,
segundo a tradição de Scriabin e suas experiêrcias para Clavilux e
Colour Organ.
O século XX é rico em manifestações que procuram uma maior
interação entre as linguagens: desde os poemas em forma de leque
(já existentes na tradição oriental) e os poemas-síntese dos efeitos
visual e verba! (“Un coup de dés...””), incluindo Lewis Carroll (A/i-
ce - - 1895 e sua fail) e as experiências caligrâmicas de um Apoili-
naire (“Tl Pleut”), assim como a simultaneidade futurista (ZANG
TUMB TUMB) e a dadaísta (“The Cacodylatic Eye") de Picabia,
até a relação caligrafia-informalismo expressionista como metáfora
das “Três Perfeições”* orientais: pintura, poesia e ca:igrafia.
Na poesia, Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa),
preocupado com a “multiplicidade”, elabora uma Teoria das Sen-
sações que teria no ““Tnterseccionismo” a primeira forma conheci-
da de seu processo de realização. A Teoria do Sensacionismo de F.
Pessoa é exposta através de um programa:
1. Todo objeto é uma sensação nossa.
2. Toda arte é a conversão de uma sensação em objeto.
3. Portanto, toda arte é à conversão duma sensação numa outra sensação?9,

27. Cf. PAUL VALÉRY, “Pieces sur Part", in OuvresII, Paris, Gallimard, 1960, p. 1284.
28. JOHN MILNER, “On the Fusion of Verbal and Visual Media", in Leonardo, vol. 9,
nº 1, winter 1976, Pergamon Press.
29, Cf. ANA HATHERLY, O Espaço Crítico, Lisboa, Editorial Caminho, 1979, p. 77.
12 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Já no campo da Poesia Concreta, as relações tradutoras entre


Ideggrama e linguagem verbal, entre signo analógico e o lógico nor-
teiam os trabalhos do grupo Noigandres. O trabalho de Augusto de
Campos, “Poetamenos” (1953), estabelece as relações precisas entre
os códigos ideogrâmico, visual e musical weberniano (Klangfarben-
melodie), assim como o fonético na oralização do poema. Por ou-
tro ado, cumpre notar que o enraizamento genético de uma possi-
vel teoria da TI encontra-se na Teoria da Poesia Concreta. À Poe-
sia Concreta, tomando a palavra como centro imantado de uma sé-
rie de relações inter e intra-semióticas, narece conter o gérmen de
uma teoria de TI, pois que, ao definir as qualidades do intraduziível
de seu objeto imediato, na linguagem verbal, este se satura no seu
Oriente — o ideograma;: trânsito de estruturas, “Poesia Concreta:
produto de uma evolução crítica de formas”,
Já os fenômenos de “Multimedia” e “Tntermedia” (Dick Higgins,
1969) como “Expansão das artes”* (Maciunas, década de 60)?! pro-
curam recuperar, através das práticas Fluxus, toda uma cultura in-
tersensoria! e não categorizada, paralela à cultura oficial ocidental).
Contudo, todos os fenômenos de interação semiótica entre as
diversas linguagens, a colagem, a montagem, a interferência, as apro-
priações, integrações, fusões e re-fluxos interlinguagens dizem res-
peito às relações tradutoras intersemióticas mas não se confundem
com elas. Trazem, por assim dizer, o gérmen dessas relações, mas
não as realizam, via de regra, intencionalmente. Nessa medida, pa-
ra nós, o fenômeno da TI estaria na linha de continuidade desses
processos artísticos, distinguindo-se deles, porém, pela atividade in-
tencional e explícita da tradução.
À arte contemporânea não é, assim, mais do que uma imensa
e formidável bricolagem da história em interação sincrônica, onde
O novo aparece raramente, mas tem à possibilidade de se presentifi-
car justo a partir dessa interação. O período atual caracteriza-se pe-
la coexistência dos períodos anteriores que, isolados ou combina-
dos, fornecem-nos as condições infra-estruturais para o desenvolvi-
mento material da arte como esfera da superestrutura. Daí as artes
das atividades primárias, artesanais, das atividades secundárias, in-
dustriais e das terciárias e auaternárias. O período atual atingiu o
estágio da revolução eletroeletrônica que providencia o universo da
informação e do conhecimento através de tecnologias que operam
de modo análogo ao cérebro humano em altas velocidades. Este es-
tágio de civilização e seu sistema de produção tendem a substituir
a linha de montagem industrial como sendo a expressão mais aca-
bada da modernidade, tendo, por isso, a tendência à descentraliza-
ção e à troca simultânea de informações, Não é mais possível uma

30. AUGUSTO DE CAMPOS et al., “Plano-Piloto para à Poesia Concreta", in Teoria


da Poesia Concreta, São Paulo, Duas Cidades, 1975, p. 156.
31. GEORGE MACIUNAS, *“Expanded Arts Diagram"', in Happenings & Fluxus, Koel-
nischer Kunstverein, 1970 (não numerado).
INTRODUÇÃO: A TRADUÇÃO COMO POÉTICA SINCRÔNICA — 13

visão histórica "inear e hierarquizada, mas cada povo, país ou lugar


fornecem-nos informações constantes a partir das quais se pode ela-
borar uma história. Pode-se até recuperar a história desde que ela
seja memorizada por um computador.
Por outro lado, a recuperação imediata (ox line) da informa-
ção em tempo real (através de sistemas eletroeletrônicos) modifica
a nossa percepção dessa mesma informação, provocando tradução
e contaminação. Se o poeta S. Mallarmé achava que o “mundo existe
para acabar num livro”, 10je estarmos em posição de ir além, trans-
ferindo bibliotecas e o espetáculo da história para um computador.
A história e a pré-história parecem se reproduzir através dos siste-
mas eletroeletrônicos, pois que os novos cortextos absorvem e defi-
nem os contextos anteriores como conteúdo, artistificando-os. Os
signos pensam. “A velocidade elétrica mistura as culturas da pré-his-
tória com os detritos dos mercadóiogos industriais, o Letrado com
o semiletrado e o pós-retrado”*,
O caráter tátil-sensorial, inclusivo e abrangente, das formas ele-
trônicas permite dialogar em ritmo ““intervistal”, “intertextual”* e
“intersensorial”* com os vários códigos da informação. E nesses in-
tervalos entre os vários códigos que se instaura uma fronteira fivida
entre informação e pictoricidade ideográfica, uma margem de cria-
ção. É nesses interva'os que o meio adquire a sua rea! dimensão,
a sua qualidade, pois cada mensagem engole canibalisticamerte (co-
mo cada tecnologia) as anteriores, já que todas estão formadas pela
mesma energia.
No movimento constante de superposição de tecnologias sobre
tecnologias, temos vários efeitos, sendo um deles a nibridização de
meios, códigos e lingvagens que se justapõem e combinam, produ-
zindo a Intermídia.e a Multimídia. O emprego de suportes do pre-
sente implica uma consciência desse presente, pois ninguém está a
salvo das influências sobre a percepção que esses mesmos suportes
e meios tecnológicos nos impõem.
Nisso nos detivemos para caracterizar as formas tecnológicas
da atualidade como formas re-correntes da história, como formas
tecnológicas tradutoras, elas mesmas, da história. Queremos dizer,
em síntese, que passado-presente-futuro, ou origina!i-tradução-recep-
ção, estão necessariamerte atravessados pelos meios de produção
social e artística, pois é na tradução dos momentos da história para
O presente que aparece como forma dominante “não a verdade do
passado, mas a construção inteligível de nosso tempo”**3, Não é se-
não por isso que, conforme ros afirma J.A. Barbosa “a Eistorici-
dade do poema moderno revela-se, por entre aparentes paradoxos,

32. MARSHALL MCLUHAN, Os Meios de Comunicação, São Paulo, 1969, p. 31.


33. Apud LEYLA PERRONE-MOISÉS, “A Intertextualidade Crítica?', in Intertextualida-
de, Coimbra, 1979, p. 215.
14 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

£o princípio da composição: são os procedimentos que trazem a mar-


ça da história”,
Nessa medida colocamos a Tradução Intersemiótica como ““via
de acesso mais interior ao próprio miolo da tradição”*5, Tradução
como prática critico-criativa na. historicidade dos meios de produ-
ção e re-produção, como leitura, como metacriação, como ação so-
bre estruturas eventos, como diálogo de signos, como síntese e rees-
critura da história, Quer dizer: como pensamento em signos, como
trânsito dos sentidos, como transcriação de formas na historicidade.

34. JOÃO ALEXANDRE BARBOSA, “Ás Tlusões da Modernidade”, Revista Através nº


3, São Paulo, 1979, p. 91. (Publicado agora em JOÃO ALEXANDRE BARBOSA, As Ilusões
da Modernidade, São Paulo, Perspectiva, 1986, Debates 198.)
35. Idem, p. 90.
Parte |

A Semiose da Tradução
Intersemiótica
1. À Tradução Intersemiótica como
Pensamento em Signos

Nosso pensar procede do passado, mas


não o continua nos caminhos previstos.
SUSANNE K. LANGER

CONTINUIDADE
Para Charles S., Peirce, o signo não é uma entidade monolíiti-
ca, mas um complexo de relações triádicas, relações estas que, ten-
do um poder de autogeração, caracterizam o processo signico como
continuidade e devir. A definição de signo peirciana é, nessa medi-
da, vm ireio 'ógico de explicação do processo de semiose (ação do
signo) como transformação de signos em signos. À semiose é uma
relação de momentos num processo segtiencial-sucessivo ininterrupto.
A infinitude da cadeia semiótica é formulada nor Peirce do se-
guinte modo:
A idéia mais simples de terceiridade dotada de interesse filosófico é a idéia de
um signo ou representação. Um signo “representa” algo para a idéia que provoca
ou modifica. Ou assim é um veículo que comunica à mente algo do exterior. O *re-
presentado” é seu objeto; o comunicado, a significação; a idéia que provoca, o seu
interpretante, O objeto da representação é uma representação que a primeira repre-
sentação interpreta. Pode conceber-se que uma série sem fim de representações, ca-
da uma delas representando a anterior, encontre um objeto absoluto como limite.
À significação de uma representação é outra representação. Consiste, de fato, na re-
presentação despida de roupagens irrelevantes; mas nunça se conseguirá despi-la por
completo; muda-se apenas de roupa mais diáfana. Lidamos apenas, então, com uma
regressão infinita. Finalmente, o interpretante é outra representação a cujas mãos
passa o facho da verdade; e como representação também possui interpretante. AÍ
está nova série infinita!!

1, C. S., PEIRCE, “Escritos Coligidos”", in Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1974,
$ 339, p. 99. Os conceitos semióticos são bastante complexos. Não introduziremos neste traba-
lho uma apresentação à parte desses conceitos, visto que leitores não familiarizados com a teoria
de Peirce podem encontrar apresentações desse tipo em alguns trabalhos publicados no Brasil,
Entre eles, indicamos, para uma síntese dos principais tipos de signos formulados por Peirce,
à nota redigida por Haroldo de Campos, às páginas 56, 57 e 58 da Peguena Estética, de Max
Bense, ed. Perspectiva, São Paulo, 1971,
18 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Essa ação sígnica que caracteriza a essência da linguagem tam-


bém é válida para o pensamento, uma vez que, para Peirce, onde
quer que exista pensamento, este existe por mediação de signos, Pen-
samos em signos e com signos: “O único pensamento que pode co-
nhecer-se é pensamento dentro de signos”"?. Como tal, todo pensa-
mento já está inserido na cadeia semiótica que tende ao infinito.

O Pensamento como Tradução

Por seu caráter de transmutação de signo em signo, qualquer


pensamento é necessariamente tradução. Quando pensamos, tradu-
zimos aquilo que temos presente à consciência, sejam imagens, sen-
timentos ou concepções (que, aliás, já são signos ou quase-signos)
em outras representações que também servem como signos. Todo
pensamento é tradução de outro pensamento, pois qualquer pensa-
mento requer ter havido outro pensamento para o qual ele funciona
como interpretante, Segundo Peirce, um conhecimento imediato não
é possível, visto que não há conhecimento sem antecedentes pensa-
mentais. Negando, portanto, a concepção cartesiana de intuição co-
mo conhecimento imediato, para Peirce, qualquer pensamento pre-
sente, na sua imediaticidade, é mero sentimento e, como tal, não
tem significado algum, não tem valor cognitivo algum, pois este va-
lor reside não naquilo que é realmente pensado, mas naquilo a que
este pensamento pode ser conectado numa representação através de
pensamentos subsegiientes; de forma que o significado de um pen-
samento é, ao mesmo tempo, algo virtual?,
Quando pensamos, somos obrigados a manter o pensamento
Conosco mesmos ec, nessa operação, criamos um observador-Jeitor
desse pensamento que somos nós mesmos, visto que o pensamento
se desenvolve por etapas. “Ninguém está, pela segunda vez, preci-
samente no mesmo estado de espírito. Somos virtualmente uma pes-
$0a um pouco diferente a quem o pensamento presente tem de ser
comunicado. Conseatlientemente, temos de expressar nossos pensa-
mentos de modo que aquela outra pessoa virtual possa compreen-
dê-lo”"4, Essa conversação conosco mesmos pode ser estabelecida de
forma tão livre quanto quer que seja uma linguagem livre de amar-
ras e sintaxes ou explicações que são necessárias quando comunica-
mos o nosso pensamento a outra pessoa, mas, nem por isso, essa
conversação se estabelece ao lado de fora do universo sígnico.
Se no nível do pensamento “interior” a cadeia semiótica já se
institui como processo de tradução e, portanto, dialógico, o que di-
zer daquela que se instaura no intercâmbio entre emissor e receptor
como entidades diferenciadas? Neste caso, o pensamento, que já é
signo, tem de ser traduzido numa expressão concreta e materia! de

2. Idem, p. 74.
3. C.S. PEIRCE, Semidrica, São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 272.
4. C.S. PEIRCE, Collected Papers, $ 7.103.
À TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 19

linguagem que permita a interação comunicativa, Ora, o signo é à


única realidade capaz de transitar na passagem da fronteira entre
o que chamamos de mundo interior e exterior. Nessa medida, mes-
mo o pensamento mais ““interior”*, porque só existe na forma de
signo, já contém o gérmen social que lhe dá possibilidade de trans-
por a fronteira do eu para o outro.

Pensamento-Signo, Mediação e Incompletude do Signo

O pensamento pode existir na mente como signo em estado de


formulação, entretanto, para ser conhecido, precisa ser extrojetado
por meio da linguagem. Só assim pode ser socializado, “pois não
existe um único pensamento que não possa ser conhecido**5, Pen-
samento e linguagem são atividades inseparáveis: o pensamento in-
fluencia a linguagem e esta incide sobre o pensamento.
Pela mediação da linguagem como “terceiro universo” entre
o real e a consciência, temos um pivô que define as relações do ho-
mem com o realó, Como sistema-padrão organizado culturalmen-
te, cada finguagem nos faz perceber o real de forma diferenciada,
organizando nosso pensamento e constituindo nossa consciência. À
mediação do mundo pelo signo não se faz sem profurdas modifica-
ções na consciência, visto que cada sistema-padrão de linguagem nos
impõe suas normas, cânones, ora enrijecendo, ora liberando a cons-
ciência, ora colocando a sua sintaxe como moidura que se internõe
entre nós e o mundo real. À expressão de nossos pensamentos é cir-
cunscrita pelas limitações da linguagem. Ao povoar o mundo de sig-
nos, dá-se um sertido ao mundo, o homem educa o mundo e é edu-
cado por ele, o homem pensa com os signos e é pensado pelos sig-
nos, a natureza se faz naisagem e o mundo uma “floresta de símbo-
los”. Ou como diz J. Ransdeil: “O homem propõe, o signo dis-
põe”,
O signo é, portanto, mediação como ser social noológico que
se supõe enraizado numa comunidade, Só através dessa mediação,
“*a constituição do real qua real pode ser considerada como atingi-
da, ou seja, no sentido de uma conquista intersubjetiva da comuni-
dade mediadora que produz os signos e é por eles produzida”,
Mas, serdo dialógica, a linguagem é necessariamerte social, nois todo
conhecimento é mediado pela !inguagem que não é propriedade in-
dividual, mas coletiva. Passado, presente e futuro criam os possí-

5. C.S. PEIRCE, “Escritos Coligidos”", Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, p. 74.
6. Cf. GEORGE STEINER, After Babel (Aspects of Language and Translation), New York,
Oxford, 1977, pp. 82-83.
7. JOSEPH RANSDELL, ““Semiotic and Linguistics”, in The Signifying Animal: The Gram-
mar of Language and Experience, ed. by. J.T. Rauch and G, Carr (Indiana University Press,
1983), p. 154.
8. KLAUS OEHLER, “Peirce's Foundation of a Semiotiç Theory of Cognition" in: Peirce
Studies, Lubbock, Institute for Studies in Pragmaticísm, Texas, nº 1, p. 73.
20 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

veis sentidos da linguagem onde as falas individuais se integram e


perdem a sua privacidade para o enriquecimento coletivo do senti-
do. Tanto para Peirce quanto para Bakhtin, “a linguagem é inaliena-
velmente social. Qualquer ato individual de produção de sentido, pa-
ra Bahktin, não cabe em uma só consciência (unitária ou fechada em
si mesma): toda resposta gera uma nova pergunta. À pergunta e a
resposta supõem uma extraposição recíproca,..”**, Assim, o poder
de ação está no signo e não na ação intencional do sujeito que o usa.
O pensamento traduzido em linguagem atravessa os pólos con-
creto e abstrato da realidade e, como principal instrumento de co-
municação, as linguagens são também modelos de translação. A lin-
Buagem é o principal instrumento da recusa humana em aceitar o
mundo como ele é!º, Sem a possibilidade de translação ficaríamos
para sempre no presente,
Mas a plenitude tricotômica do signo-pensamento ou semiose
genuína significa que o objeto tem primazia real sobre o signo, ou
seja, o objeto determina o signo. Primazia real, no entanto, não sig-
nifica primazia lógica, quer dizer, embora o signo seja determinado
pelo objeto, este, por sua vez, só é logicamente acessível pela me-
diação do signo. Nessa medida, o signo não se confunde com o ob-
jeto, visto que este é algo que está fora do signo, mas só pode ser
apreendido através de signos. Desse modo, o signo não pode ser o
objeto, pode apenas representá-lo porque, de uma forma ou de ou-
tra, carrega este poder de representação. Mas a representação, por
sua vez, só se consuma no efeito que o signo produz numa mente,
na qual se desenvolverá — quando o signo é da natureza de uma
lei -— um outro signo também da natureza de uma lei. Lei, portan-
to, significa aqui crescimento e evolução. Qualquer signo em pleni-
tude tricotômica ou símbolo ““é inevitavelmente incompleto. Sua ação
própria é a de crescer, desenvolvendo-se num outro signo”,
Nessa medida, a única verdade do símbolo é, de um lado, o
seu enraizamento genético em outros signos, muito aquém e além
de sua verdade como substituto do objeto, pois “o objeto real, ou
antes, dinâmico, pela própria natureza das coisas, o signo não con-
segue expressar, podendo apenas indicar, cabendo ao intérprete des-
cobri-lo por experiência colateral”*!?, De outro lado, a única ver-
dade do símbolo é completar-se num outro símbolo, o interpretan-
te, “a cujas mãos passa o facho da verdade”.

PENSAMENTO INTERSEMIÓTICO: ÍCONES, ÍNDICES E SÍM-


BOLOS
Para Peirce, os pensamentos são conduzidos por três espécies

9. MARIA LÚCIA SANTAELLA BRAGA, *“Dialogismo: Peirce e Bakhtine"" no prelo da


Revista Cruzeiro Semiótica n.2, Porto, Portugal.
10, Cf, GEORGE STEINER, op. cif., p. 218.
11. MARIA LÚCIA SANTAELLA BRAGA, "Dialogismo", op. cit.
12, C.S. PEIRCE, “Escritos Coligidos”, op. cit., p. 117.
À TE COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 21

de signos, sendo, na sua maioria, aqueles “da mesma estrutura ge-


ral das palavras”, tendo, por isso mesmo, um caráter simbólico. Mas
os que não são assim, são signos que servem para complementar ou
melhorar a incompletude das palavras. Esses signos-pensamentos
não-simbólicos são de duas classes: figuras, diagramas ou imagens
(ícones ““tais como aqueles que têm de ser usados para explicar o
significado das palavras e aqueles mais ou menos análogos aos sin-
tomas que eu chamo de índices e que nos servem para apontar para
um objeto fora de nós”"!!, Assim, cada tipo de signo “serve para
trazer à mente objetos de espécies diferentes daqueles revelados por
uma outra espécie de signos”"!á, Como se pode ver, o próprio pen-
samento já é intersemiótico.
Ássim como o pensamento as linguagens contêm três aspectos:
a) as suas qualidades materiais que dão ao pensamento sua qualida-
de; &) a aplicação denotativa ou conexão real que põe um pensamen-
to-signo em relação a outro; c) a função representativa!”. Fazendo
distinção nítida entre as qualidades materiais do signo, seu objeto
e significado, Peirce estabeleceu que todo processo sígnico epera por
relações triádicas entre esses três elementos de semiose.
O signo é algo que, sob certo aspecto, representa alguma coisa
para alguém, dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa
um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido. Este
signo é o significado ou interpretante do primeiro signo.
O signo representa alguma coisa, seu objeto, coloca-se em lu-
gar desse objeto “e algum espírito o tratará como se fosse aquele
outro”"!6, Contudo, para Peirce, o signo tem dois objetos, seu ob-
jeto tal como é representado (Objeto Imediato) e seu objeto no mun-
do (o Objeto Dinâmico). O signe também tem três interpretantes,
seu interpretante como representado ou como se desejava que fosse
entendido, seu interpretante como é realizado e seu interpretante em
si mesmo, isto é, o interpretante final.
Assim, os signos podem ser divididos em classes, conforme a
sua natureza própria, quanto a sua relação com seu objeto e quanto
a sua relação com seus interpretantes. Decorrente disso, e tomando
como centro os signos que mais interessam para a tradução, temos
que o signo em relação a seu objeto, pode ser, um Ícone, índice ou
simbolo,
ÍCONES: são signos que operam pela semelhança de fato entre suas
qualidades, seu objeto e seu significado. O ícone, em relação
ao seu Objeto Imediato, é signo de qualidade e os significados,
que ele está prestes a detonar, são meros sentimentos tal como

13, C.S., PEIRÇE, Collected Papers, 8 6.338.


24. dem, $ 6.339.
15. C.S. PEIRCE, Semiótica, p. 273, $ 290.
16. C.S. PEIRCE, Semiótica e Filosofia, São Paulo, Cultrix, 1975, np. 114.
22 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

o sentimento despertado por uma peça musical ou uma obra


de. arte,

Apurando ainda mais este tipo de signo, Peirce chega a estabe-


tecer os “hipoícones” ou ícones já materializados que, conforme
participam das suas Categorias, seriam: as imagens como simples
qualidades primeiras; os diagramas que representam relações diádi-
cas e análogas entre suas partes constituintes: e aquelas que tendem
à representação, que como as metáforas, traçam algum paralelismo
com algo diverso,
ÍNDICES: operam antes de tudo pela contigilidade de fato vivida.
O indice é um signo determinado pelo seu Objeto Dinâmico em vir-
tude de estar para com ele em relação real, O índice, em relação ao
seu Objeto Imediato, é um signo de um existente, “Fotografias ins-
tantâneas, são muito instrutivas porque sabemos que, sob certos as-
pectos, são exatamente como os objetos que representam. Esta se-
melhança é devida ao fato de as fotografias serem produzidas em
circunstâncias tais que se viram fisicamente compelidas a correspon-
der, ponto a ponto, à natureza.”

SÍMBOLOS: operam antes de tudo, por contigilidade institutiva,


apreendida entre sua parte material e o seu significado. Determina-
do por seu Objeto Dinâmico apenas no sentido de ser assim inter-
pretado, o símbolo depende portanto de uma convenção ou hábito.
O símbolo, em relação ao seu Objeto Imediato, é signo de lei.

Peirce criou a classificação semiótica dos signos que se inserem


numa hierarquia relativa, pois, para ele (via Jakobson), “os mais
perfeitos dos signos”* são aqueles nos quais o icônico, o indicativo
e o simbólico estão amalgamados em proporções tão iguais quanto
possível.

Todo signo difere da coisa significada, pois que entre ambos


não há identidade; o signo possui características e qualidades mate-
riais próprias que “nada têm a ver com a função representativa”*!7,
pois esta tem a ver com a relação do signo com um pensamento.

Assim sendo, o signo não é o objeto, mas um processo de ““re-


messa” (como diria J. Derrida), centrífugo e centrípeto, isto é,
que tende à comunicação no primeiro caso, e à autopreservação con-
cretiva no segundo. Esse processo de “remessa”, para dentro e pa-
ra fora, de transformação num outro, evidencia, de um lado, o en-
raizamento do símbolo no não-simbólico, isto é, no índice e no íco-
ne, evidenciando, de outro lado, que só há signos produzindo senti-
dos para interpretantes, descartada a possibilidade da coisa através
do signo (o signo torna presente a ausência do seu objeto), porque

17. C.S. PEIRCE, “Escritos Coligidos”", op. cif.. p. 80.


18. Cf. J. DERRIDA, Gramatologia, São Faulo, Perspectiva, 1973, p. 80.
A TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 23

esta, a coisa substituída, já é signo para um interpretante. O que


temos, finalmente, é um processo ad infinintum de produção de sen-
tido e significação. O signo na sua plenitude tricotômica é símbolo
num movimento de temporalização que virtualmente não tem fim.
Vê-se, a partir daí, que os três tipos de signos se interpenetram,
no processo de semiose., Contudo, se nosso trabalho tivesse por ob-
jetivo pensar a tradução sob a dominância do simbólico, os dados
aqui levantados já seriam suficientes para conduzir nossa reflexão
no que diz respeito ao ângulo da continuídade determinado pelo pen-
samento em signos, A tradução intersemiótica, entretanto, por sua
própria natureza, já coloca em cheque essa dominância simbólica.
A isso se acresce o fato de que a nossa indagação se endereça para
a tradução intersemiótica a nível estético, o que vem colocar dupla-
mente em xeque aquela dominância e acarretar consequências para
a continuidade típica do signo como representação.

ESPECIFICIDADE DO SIGNO ESTÉTICO

A continuídade típica da plenitude tricotômica é o que caracte-


riza a linguagem que atua no nível da função representativa e co-
municativa, isto é, na relação do signo com o pensamento. Por ou-
tro lado, na medida em que uma linguagem acentua suas caracte-
rísticas centrípetas e concretas ela perde para a funcionalidade do
simbólico o que ganha em qualidade. A linguagem, que acentua
seus caracteres materiais, distrai-se da incompletude do signo e dos
significados fechados para tornar-se completa e aberta à interpre-
tação.
Produzir linguagem em função estética significa, antes de mais
nada, uma reflexão sobre as suas próprias qualidades. É no âmago
destas qualidades que se cria a diferença entre signo autônomo, auto-
referente e a linguagem funcional de uso comunicativo (Mukarovs-
ki). E Peirce, sempre triádico, estabelece a diferença entre Signos-
Em (ícones), Signos-De (índices) e Signos-Para (símbolos).
Todo signo genuína, isto é, em plenitude triádica, só pode se
reportar ao Objeto Dinâmico porque esse objeto se acha, de algum
modo, representado no próprio signo. Ao objeto, tal como repre-
sentado no signo, Peirce denomina Objeto Imediato. O modo co-
mo esse Objeto Imediato se apresenta para representar o objeto di-
nâmico depende, portanto, dos caracteres e materiais do signo. Nessa
medida, se o signo no seu movimento centrífugo instaura a semiose
e a atividade comunicativa-simbólica, a atividade “regressiva” do
signo, seu movimento centrípeto, por outro lado, torna proeminen-
te seu Objeto Imediato pois o signo está ancorado nele e, portanto,
tendo a contracomunicação.
Ora, sendo o ícone um signo sem poder de representação, as
qualidades materiais de seu Objeto Imediato não se reportam a al-
go que está fora do signo, mas apenas apresentam-se a si mesmas.
24 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Desse modo, o ícone põe em suspensão o movimento centrífugo do


signo, isto é, seu processo de remessa a um outro signo, hiposta-
siando seu movimento centrípeto, É por isso que o conhecimento
que ele está apto a instaurar é apenas uma possibilidade de com-
preensão.
Assim, como ponto de partida, pode-se afirmar que o signo es-
tético erige-se sob a dominância do Ícone, isto é, como um signo
cujo poder representativo apresenta-se no mais alto grau de degene-
ração porque tende a se negar como processo de semiose.
Para Peirce, “o signo representa seu objeto não em todos os
aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes,
denominei fundamento do representâmen. (...) ...digamos por um
décimo de segundo, na medida em que o pensamento continua con-
forme consigo mesmo durante esse tempo, isto é, a ter um conteú-
do similar, é a mesma idéia e não, em cada instante desse intervalo,
uma nova idéia”"!9, No caso do signo estético, por seu lado, o fun-
damento não é mais do que a expressão da idéia de possibilidade,
indeterminação, talidade, essência e auto-referência. Lembrando aqui
a classificação de signos, vemos que o signo Iicônico, por ser apenas
qualissigno e, como tal, mera possibilidade lógica, só pode ter com
seu objeto uma relação de similaridade e semelhança o que produz
na mente sentimentos de analogia com algo.
Precisando as referências do signo, vemos que o signo estético
é um “signo-EM algum aspecto ou qualidade que o põe em contato
com seu objeto*"?, Se o signo estético como ícone só pode ser uma *
possibilidade, seu objeto também só pode ser da natureza de uma
possibilidade. Diz Peirce: “Dado que o signo não é idêntico à coisa
significada, mas dela difere sob alguns aspectos, deve naturalmente
possuir algumas características que nada têm a ver com à função
representativa, Chamarei a essas características as qualidades mate-
riais do signo”*?!, Se o signo estético oblitera a referência a um ob-
jeto fora dele, então ele constrói esse objeto a partir de suas quali-
dades materiais como signo, pois que ele foge à representação, uma
vez que esta função representativa não está na qualidade material,
mas na relação de um signo com um pensamento.
O que caracteriza o signo estético, portanto, é a proeminência
ao tratamento das qualidades materiais do signo, procurando ex-
trair daí à sua função apresentativa de quase-signo, isto é, aquele
que oscila entre ser signo e fenômeno.
Se o signo estético oblitera a referência e, sobretudo, a função
representativa, então sua qualidade material e sua sintaxe determi-
nam, ao mesmo tempo, não só o modo como o signo apresenta seu
Objeto Imediato, mas também a qualidade de pensamento que ele

19. C.S. PEIRCE, “Escritos Coligidos”*, op. cif., p. 46.


20. C.S. PEIRCE, Collected Papers, 3 5,283,
21. C.S. PEIRCE, "Escritos Coligidos”", op. cit., p. 80.
A TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 25

está apto a gerar. Ora, na medida em que o signo estético não está
apto a representar, quer dizer, a substituir outro objeto, constituin-
do-se ele mesmo como objeto real no mundo, ele se caracteriza por
sua talidade como fenômeno, O signo estético não quer comunicar
algo que está fora dele, nem ““distrair-se de si”* pela remessa a um
outro signo, mas colocar-se ele próprio como objeto. Daí que ele
esteja apto a produzir como interpretante simplesmente qualidades
de sentimento inanalisáveis, inexplicáveis e.inintelectuais. O seu ca-
ráter de “imediato insusceptível de mediação” gera um tom abso-
iuto e totalizador que produz o efeito de isomorfia entre o funda-
mento, objeto imediato e interpretante imediato.
Nessa medida, o signo estético aparece como uma ““razoabili-
dade concreta” que, despertando qualidades de sentimento inanali-
Sáveis, ao mesmo tempo, aspira a ser interligido.

O SIGNO ESTÉTICO E SUA INTRADUZIBILIDADE

Se o percurso tradutor, movimento centrífugo ou “remessa”*


de signo traduzindo signo, está incluso na própria natureza da semiose
genuína ou dominantemente simbólica, o signo estético, por outro lado,
ao colocar em xeque o movimento centrífugo do signo, coloca para
a reflexão sobre a tradução problemas complexamente intrincados.
De que temos notícia, tudo o que foi e está sendo dito sobre
a tradução estética tem vindo de poetas ou teóricos da poesia. Mes-
mo quando partem de referenciais distintos daqueles que podem ser
encontrados na teoria semiótica, esses autores (com exceção de Ha-
roldo de Campos e R. Jakobson, que também trabalham com esses
referenciais) acabam tangenciando ou chegando a colocações a res-
peito do signo estético semelhantesàs que a analogia com o ícone
nos faz chegar. Desse modo, um breve panorama das teorias da tra-
dução poética servirá como ponto de partida de inestimável valor
para o enriquecimento da reflexão que pretendemos desenvolver, na
medida em que essas teorias, no defrontamento com o caráter da
poesia como signo estético, abrem brechas para a indagação acerca
da tradução intersemiótica a nível estético.
Examinando a linguagem da poesia sob o ângulo de sua ine-
rente ambigilidade, tanto Octavio Paz quanto R. Jakobson postu-
lam, em princípio, a impossibilidade da tradução. Diz Jakobson:
*“O trocadilho ou, para empregar um termo mais erudito e talvez
mais preciso, a paranormásia, reina na arte poética; quer essa domi-
nância seja absoluta ou limitada, a poesia, por definição, é intradu-
zível'”22. Colocação que se complementa na de O. Paz: “... se é
possível traduzir os significados denotativos de um texto, por outro
lado, é quase impossível a tradução dos significados conotativos.

22. ROMAN JAKOBSON, Lingúística e Comunicação, p. 72.


26 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Feita de ecos, reflexos e correspondências entre o som e o sentido,


a poesia é um tecido de contotações e, portanto, é intraduzível””,
Tanto O. Paz quanto Jakobson relativizam, porém, esse pos-
tulado da impossibilidade por caminhos aparentemente diversos, mas
que acabam se tangenciando. Para Jakobson, só é possível a “trans-
posição criativa”: “.., transposição de uma forma poética a outra
— transposição interlingual — ou, finalmente, transposição inter-
semiótica — de um sistema de signos para outro”,
Segundo O. Paz, “traduzir é muito difícil, não menos difícil
do que escrever textos mais ou menos originais — mas não é im-
possível (...) Tradução e criação são operações gêmeas, De um la-
do, ... a tradução é indistinguível muitas vezes da criação; de ou-
tro, há um incessante refluxo entre as duas, uma contínua e mú-
tua fecundação””?5, Postulando o ideal da tradução poética, a par-
tir de Valéry, como consistindo “em produzir com meios diferen-
tes efeitos análogos”*, O. Paz define a tradução como ““transmuta-
ção”,
Como se vê, os pontos de partida e os encaminhamentos dados
à questão da tradução podem diferir em cada um dos teóricos, mas
eles convergem num mesmo ponto de chegada: a tradução como
transcodificação criativa.
Porém, ao ser focalizada sob o ângulo da ambiguidade poéti-
ca, o problema da tradução apresenta novas nuanças que ficam aber-
tas para reflexões intersemióticas. Já nos disse Jakobson que “nos
gracejos, nos sonhos, na magia, enfim, naquilo que pode se chamar
de mitologia verbal de todos os dias e, sobretudo, na poesia, as ca-
tegorias gramaticais têm um teor semântico elevado. Nessas condi-
ções, a questão da tradução se complica e se presta muito mais a
discussões”*26, Essa afirmação pode ser extrapolada para toda men-
sagem estética em qualquer código, visto que a ambigilidade é a ca-
racterística intrínseca, inalienável, do objeto estético.
Mas falar em ambiguidade das mensagens estéticas significa re-
portar-se novamente a Jakobson, pois foi este o teórico que de ma-
neira perscrutante desvendou os procedimentos que engendram poe-
ticidade e plurissignificância nas mensagens verbais e não-verbais.
Trata-se da função poética da linguagem, ou melhor, da projeção
do princípio da equivalência do eixo da seleção sobre o eixo da com-
binação, de modo que a equivalência é promovida a recurso consti-
tutivo da seaqtiência. À supremacia dessa função sobre as outras am-
bigiliza a capacidade referencial das linguagens. Essa ambiguidade
empresta um tom de imprecisão à mensagem, criando uma tendên-

23. OCTAYIO PAZ, “Traducción: Literatura y Literalidad””, in Cuadernos Marginales nº


18, Barcelona, Tusquets Editor, 1971, pp. 10-11,
24. ROMAN JAKOBSON, op. cif., p. 72.
25. OCTÁVIO PAZ, op. cit., p. 16.
26. ROMAN JAKOBSON, op, cif., p. 70.
A TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 27

cia para a auto-referência, isto é, a linguagem apontando para seu


próprio processo construtivo.
Examinando o processo de construção da linguagem sob o ân-
gulo da dominância da função poética, algumas indagações podem
ser feitas em relação ao problema da tradução.
Conforme diz ainda Jakobson, as operações de combinação (sin-
tagma) e seleção (paradigma)
fornecem a cada signo !ingiiístico dois grupos de interpretantes, para retormar
Oo úti! conceito introduzido por C. S. Peirce: duas referências servem para interpretar
o signo: uma ao código e outra ao contexto, seja ele codificado ou !ivre (...) Os cons-
tituintes de qualquer mensagem estão necessariamente ligados ao código por uma
relação interna,e à mensagem por uma relação externa. (...) Para o lingitista como
para o usuário comum das palavras, o significado de um singo lingiifstico não é mais
que sua tradução por um outro signo que lhe pode ser substituído, especialmente
um sigro “no quai ele se ache desenvolvido de modo mais compieto”', como insis-
tentemente afirmou Peirce?,

O que dessas afirmações pode ser extraído, em primeira instân-


cia, é que toda operação de substituição é, por natureza, uma ope-
ração de tradução - - um signo se traduz em outro — condição, aliás,
inalienável de toda interpretação: o sentido de um signo só pode se
dar em outro signo. Esta operação, sob o prisma da função poéti-
ca, apresenta-se hiperbolizada, visto que nesta a equivalência (pa-
radigma) é promovida a recurso constitutivo da sequência. Os cons-
tituintes da linguagem poética, assim, tanto na sua ligação interna
fao código), quanto na sua ligação externa (à mensagem) operam
sob a dominância do eixo da similaridade: um signo se traduzindo
em outro. Encontra-se aqui, portanto, no âmago da linguagem em
função poética, o cerne da tradução. Nessa medida, traduzir latu
sensu é uma operação metalingiúística embutida na própria produ-
ção de linguagem, sendo que na mensagem com função poética esta
operação se exponencia, No caso da função poética, contudo, um
signo traduz o outro não para completá-lo, mas para reverberá-lo,
para criar com ele uma ressonância, o que, conforme veremos no
decorrer deste trabalho, constitui-se num princípio fundamental para
as operações de tradução estética.
Num artigo intitulado “Da Tradução como Criação e como Crí-
tica", Haroldo de Campos estabelece o paralelo entre dois teóricos
da arte e literatura, A. Fabri e M. Bense: partindo de pressupostos
distintos, ambos chegam a constatações semelhantes no que diz res-
peito ao problema da tradução. Para Fabri, o próprio da lingua-
gem literária é a “sentença absoluta”, aquela que “não tem outro
conteúdo senão sua estrutura”, a que “não é outra coisa senão o
seu próprio instrumento”. Disso Fabri conclui que essa “sentença
absoluta” ou “perfeita” não pode ser traduzida, pois a tradução
“supõe a possibilidade de se separar sentido e palavra”.

27. Idem, np. 404! e 64.


28 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

M, Bense, por sua vez, a partir da distinção entre “informação


documentária”, “informação semântica” e “informação estética”,
desenvolve o conceito de “fragilidade” da informação estética. Pa-
ra seguirmos nas pegadas das palavras de Haroldo de Campos, po-
de-se extrair daí que a “informação estética”* não pode ser codifi-
cada senão pela forma em que foi transmitida pelo artista. O grau
máximo de fragilidade da informação estética não permite qualquer
alteração, por menor que seja, de uma simples partícula, sem que
se perturbe a realização estética. Não se pode, assim, separar a in-
formação estética da sua realização, “sua essência, sua função es-
tão vinculadas e seu instrumento, à sua realização singular. Conclui-
se que o total de informação de uma informação estética é, em cada
caso, igual ao total de sua realização”, donde, “pelo menos em prin-
cípio, sua intraduzibilidade””?8,
Por outro lado, no entanto, saltando de todo um quadro das
impossibilidades da tradução, Haroldo de Campos, num lance qua-
litativo de reflexão teórica, fez engendrar o que é possível no im-
possível. Referindo-se à tradução poética e partindo da condição si-
ne qua non estabelecida por Bense de que toda tradução requer uma
outra informação estética, Haroldo de Campos propõe que, embo-
ra o original e a tradução sejam diferentes enquanto linguagem, suas
informações estéticas “estarão ligadas entre si por uma relação de
isomorfia, isto é, como corpos isoamorfos, cristalizar-se-ão dentro
de um mesmo sistema”,
Recuperando, portanto, também a prosposta de Walter Benja-
min de que “a tradução é em primeiro lugar uma forma”**9, Ha-
roldo de Campos dela extrai todas as conseqiiências radicais. Nessa
medida, tradução será “sempre recriação ou criação paralela, autô-
noma, porém recíproca. (...) Numa tradução dessa natureza não se
traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua
fisicalidade, sua materialidade mesma. (...) Está-se, pois, no avesso
da chamada tradução literal”**1, Ou, como é.indicado por Haroldo
de Campos, ele mesmo, num outro artigo: trata-se da *“literalidade
exponenciada, a literalidade à forma (antes do que ao conteúdo) do
original””. Em suma, trata-se do traduzir “sob o signo da
invenção”,
Assim, tradução, em processo inverso à constituição da lingua-
gem poética, significa para Haroldo de Campos o seguinte: “Re-cor-
rer o percurso configurador da função poética, reconhecendo-o no
texto de partida e reinserevendo-o enquanto dispositivo de engen-

28. Cf. MAX BENSE, apud HAROLDO DE CAMPOS, *“Da Tradução como Criação e
como Critica", in Metolinguagem, Rio de Janeiro, 1970, pp. 22-23.
259, HAROLDO DE CAMPOS, op. cif., p. 24.
30. WALTER BENJAMIN, “A Tarefa do Tradutor", Revista Humboldt n?d, Munique,
Eruckmann, 1979, pp. 38-44.
31. HAROLDO DE CAMPOS, op. cil., p. 24.
32. HAROLDO DE CAMPOS, "A Poética da Tradução”, A Arte no Horizonte do Próvá-
vel, p. 98-111.
À TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 29

dramento textual na língua do tradutor, para chegar ao poema trans-


criado como re-projeto isamórfico do poema originário?”3.
O que de mais notório aflora nas colocações de Haroldo de
Campos, contudo, é que no cerne de sua proposta daquilo que é
possível em termos de tradução poética reside uma questão por na-
tureza intersemiótica: para que a tradução não seja, como diz W,
Benjamin, ““a transmissão inexata de um conteúdo inessencial””, Ha-
roldo de Campos evidencia que a tradução poética deve vazar sa-
piências meramente lingiiísticas para que tenha como critério fun-
damental traduzir a forma. Transcriar, portanto.
Assim, a tradução como forma propõe problemas complexos
e, segundo W, Benjamin, “concebê-la como tal significa, antes de
tudo, o regresso ao original em que ao fim e ao cabo se encontra
afinal a lei que determina e contém a “traduzibilidade' de uma
obra”, Assim sendo, do mesmo modo que “nenhum dado do co-
nhecimento pode ser ou ter pretensões a ser objetivo quando se con-
tenta em reproduzir o real, assim também nenkuma tradução será
viável se aspirar essencialmente a ser uma reprodução parecida ou
semelhante ao original”,
Rastreando-se, porém, um pouco mais as colocações de Benja-
min, chega-se num ponto em que ficam nelas também insinuadas
questões que tocam de perto problemas da tradução intersemiótica.
O fato “da afinidade das línguas depender do caráter de totali-
dade de cada uma delas pretender o mesmo que à outra sem conse-
guir alcançá-lo isoladamente”, leva Benjamin à conclusão de que
“as línsuas complementam umas às outras quanto à totalidade de
suas intenções”. Disso decorre que “toda tradução não é mais do
que uma maneira provisória de nos ocuparmos a fundo com a dis-
paridade das línguas”**S,
Nessa medida, toda tradução movimenta-se entre identidades
e diferenças, tocando o original em pontos tangenciais, como ainda
observa W. Benjamin. Daí que a relação íntima e oculta entre as
línguas seja a de que elas apresentam parentescos e analogias na-
quilo que pretendem exprimir e que, para nós, não é outra coisa se-
não o ícone como medula da linguagem.
É por isso que, ao se referir a uma relação íntima e oculta entre
as línguas “como sendo aparentadas e análogas naquilo que pre-
tendem exprimir”, Benjamin deixa entrever uma relação íntima que
também pode se dar entre sistemas de signos os mais distintos. Por
se tratarem de códigos de representação, os sistemas de signos po-
dem se aparentar na empresa comum de aludir à um mesmo refe-

33. HAROLDO DE CAMPOS, “Transluciferação Mefistofáustica"”, in Marginália Fáusti-


ca: Deus e o Diabo no Fausto de Goethe, São Paulo, Perspectiva, 1981, p. 151.
34. WALTER BENJAMIN, op. cif., pp. 38-44,
35. Idem, pp. 38-44.
36, Idem, pp. 38-44.
ao TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

rencial icônico. Isto porque o próprio pensamento é intersemiótico


e essa qualidade se concretiza nas linguagens e sua hibridização. Sa-
turação de códigos, portanto, como atividade sígnica que enriquece
a tradução.

O que já é válido para a tradução poética como forina, acen-


tua-se na tradução intersemiótica. À criação neste tipo de tradução
determina escolhas dentro de um sistema de signos que é estranho
ao sistema do original. Essas escolhas determinam uma dinâmica
na construção da tradução, dinâmica esta que faz fugir a tradução
do traduzido, intensificando diferenças entre objetos imediatos. À
TI é, portanto estruturalmente avessa à ideologia da fidelidade.
O que se pretende dizer é que o processo sígnico vai transfor-
mando e comandando a sintaxe. E, numa tradução intersemiótica,
os signos empregados têm tendência a formar novos objetos ime-
diatos, novos sentidos e novas estruturas que, pela sua. própria ca-
racterística diferencial, tendem a se desvincular do original. A elei-
ção de um sistema de signos, portanto, induz a linguagem a tomar
caminhos e encaminhamentos inerentes à sua estrutura. Ou, con-
forme nos diz Décio Pignatari: “A sintaxe deve derivar de, ou estar
relacionada com a própria forma dos signos”"*”, Nessa medida, a
tradução intersemiótica induz, já pela própria constituição sintáti-
ca dos signos, à descoberta de novas realidades, visto que “na cria-
ção de uma nova linguagem não se visa simplesmente uma outra re-
presentação de realidades ou conteúdos já pré-existentes em outras
linguagens, mas a criação de novas realidades, de novas formas-con-
teúdo””*8,
É assim que, embora a tradução seja transparente, pois que não
oculta o original nem lhe rouba a luz?8, não obstante todo tradu-
tor tem o desejo secreto de superação do original que se manifesta
em termos de complementação com ele, alargando seus sentidos e/ou
tocando o original num ponto tangencial do seu significado, “para
depois, de acordo com a lei da fidelidade na liberdade, continuar
à seguir o seu próprio caminho”? que seria o da tradução criati-
va, isto é, icônica.
Segue-se disso que leitura, tradução, crítica e análise são ope-
rações simultâneas, embutidas e/ou paralelas que serão sintetizadas
na tradução. Tudo isso, aliás, pode ser condensado de forma lapi-
dar na afirmação borgiana: “A tradução, ao contrário, parece des-
tinada a ilustrar a discussão estética”**o,

37. DÉCIO PIGNATARI, “Nova Linguagem, Nova Poesia"", in Tepria da Poesia Concre-
ta, São Paulo, 1975, p. 161.
38. Idem, p. 162
39, Idem, pp. 38-44.
40, JORGE LUIS BORGES, “Las Versiones Homéricas”", in Obras Completas, Buenos Ai-
tes, 1974, p. 239,
À TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 31

TRADUÇÃO E O ENFRENTAMENTO DA DIFERENÇA

Enquanto o signo dominante simbólico é, por natureza, incom-


pleto, buscando logicamente complementar-se na remessa ao inter-
pretante, o signo estético (e, neste aspecto, todas as teorias são unãâ-
nimes) propõe-se como totalizante, isto é, signo que aspira à com-
pletude, visto que se enraíza no icônico e, como tal, signo que não
se “distrai de si”", nem na relação com o objeto que é pelo ícone
obliterada, nem na relação com o interpretante que só pode ser fun-
dada na analogia,
Desse modo, a intensificação da autonomia que o signo estéti-
ço promove parece colocar um paradoxo intransponível para a tra-
dução. Se ela se propõe como tradução e, ao mesmo tempo, precisa
manter o caráter de autonomia próprio do signo estético, um desses
dois lados, o estético ou o tradutor, tende a ser ferido. De uma for-
ma ou de outra, as teorias da tradução poética, por nós anterior-
mente mencionadas, enfrentaram essa questão. Queremos, no en-
tanto, aqui desenvolver esse ângulo em mais detalhes, visto que a
questão da autonomia do signo estético toca muito de perto a tra-
dução intersemiótica.
Todo signo, mesmo o mais radicalmente icônico, existe no tem-
po. Nessa medida, embora o signo estético se proponha como com-
pleto, ele não pode ser lançado para fora da cadeia semiótica que
é a cadeia do tempo, Entre o signo original e o tradutor interpõe-se
essa diferença. Mesmo quando a tradução enfrenta a plenitude do
signo original, ela não pode deixar de considerá-lo também incom-
pleto em alguns aspectos, daí penetrar nele e dele se apropriar. Es-
tamos aqui na medula da concepção que Hôlderlin tinha da tradu-
ção, tal como a expressou na muito citada carta a Wilmans, em 28 de
setembro de 1803*!, A tradução, para Hólderlin, é emenda, exter-
nalização, extrojeção (levar para fora e para frente significados impli-
citos), mas ela é também correção. Tal correção e aperfeiçoamento
são possíveis, e mesmo compulsivos, porque a visão que o tradutor
tem do original é diacrônica; o tempo e a evolução da sensibilidade
deram ao seu eco um poder de preenchimento. À correção feita pe-
le tradutor está virtual no original, mas apenas ele pode realizá-la.
Segundo Steiner, não se pode excluir inteiramente o pensamento
de que há um toque de loucura nessa visionária concepção de Hól-
derlin. Contudo, aquilo que parece um toque de loucura para G,.
Steiner, torna-se inteligível através da complexa e diferenciada con-
cepção peirciana do signo no seu caráter de semiose e continuidade
infinita, da qual nenhum signo, nem mesmo o icônico pode se sa-
far. Se o signo não-estético caminha no tempo porque precisa
completar-se num outro signo, caminhando, portanto (para utili-
zarmos a expressão de Jakobson), metonimicamente, o signo estéti-

41. GEORGE STEINER, After Babel, p. 323.


32 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

co, quando é traduzido por um outro signo estético, mantém com


este uma conexão por similaridade e contiguiidade por referência.
A tradução mantém uma relação íntima com seu original, ao qual
deve sua existência, mas é nela que “a vida do original alcança sua
expansão póstuma mais vasta e sempre renovada”, À tradução
modifica o original porque este também é produto de uma leitura
e, ambos, original e tradução, estariam impossibilitados de chega-
rem a completar sua intenção que é precisamente a de atingir a “lin-
gua pura”, Assim, original e tradução, incapacitados que estão de
chegar à língua pura, “complementam-se em suas intenções já que
estas, tomadas em sentido absoluto, são idênticas e significam o mes-
mo”! Desse modo, a causa pode converter-se em efeito e vice-
versa. Isto faz com que a tradução não seja “literal”, isto é, que
não seja reflexo de “conteúdos inessenciais”, mas que seja uma for-
ma. Assim
como sucede quando se pretende voltar a juntar os fragmentos de uma vasilha
rompida que devem se adaptar nos seus mínimos detalhes, embora não seja obriga-
tória sua exatidão, também é preferível que a tradução, ao invés de identificar-se
com o sentido do original, reconstitua até nos mínimos detalhes o pensamento da-
guele no seu próprio idioma, para que ambos, do mesmo modo que os pedaços de
uma vasilha, possam reconhecer-se como fragmentos de uma linguagem superior*,
Ora, podemos interpretar a “língua pura” ou a metáfora da
“linguagem superior”* como sendo o ícone no sentido de aptidão
para a similaridade que possibilitaria essa identidade virtual, já que
ambos, tradução e original estão incapacitados de atingir essa iden-
tidade de forma isolada. Original e tradução complementar-se-iam
nas suas intenções por mediação do signo icônico.
Parafraseando Peirce, a tradução icônica não tem identidade.
Ela é mera qualidade de uma forma que não permanece exatamente
a mesma por um segundo. Em vez de identidade, ela tem grande
semelhança e não pode variar muito sem transformar-se em quali-
dade diversa”,
Assim, a tradução como signo enraizado no icônico tem no prin-
cípio de similaridade a única responsabilidade de conexão com seu
original. A cadeia signo-de-signo, mesmo a nível icônico, comporta
tempo, mudança e transformação, onde a identidade está excluída
de antemão, comportando incompletude e diferença, intervalos que
são preenchidos pelo signo tradutor, pois o signo sugere, elide, apon-
ta, delimita, indica, mas sempre dentro do sistema de relações ana-
lógicas de sua semiose.
Nessa medida, o problema da tão falada “fidelidade” é mais
uma questão de ideologia, porque o signo não pode ser “fiel” ou
“infiel” ao objeto, pois como substituto só pode apontar para ele.

42. WALTER BENJAMIN, “A Tarefa do Tradutor”, pp. 38:44.


43, Idem, pp. 38-44.
44. Idem, pp. 38-44.
45. C.S. PEIRCE, Semiótica e Filosofia, p. 114.
A TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 33

Mesmo o processo pretendidamente mimético caracteriza-se pelo fato


de algo tentar fazer-se igual a outro, mostrando-se como não-igual.
À mimese, portanto, é (como nos diz Adorno) a negação determi-
nada da categoria da identidade. Representar a coisa “tal como ela
é”* é mimese mediada pelo código. Quer dizer, a similaridade já con-
tém seu tom diferenciador.
Paolo Valesio, referindo-se à tradução poética, destaca a “tra-
dução icônica”* como a “mais radical técnica de tradução enquanto
meio de desmistificação das ideologias lingilístico-culturais”. Diz ele:
“por tradução icônica entendo qualquer versão L em 1, na qual as
relações formais (morfonêmicas e sintáticas) são privilegiadas às ex-
pensas das (e em contraste direto com as) relações lexicais”. E ain-
da: “À importância da tradução icônica reside no fato de que, pela
radicalização do que está presente, em certa medida, em toda tra-
dução, ela desmistifica a ideologia da fidelidade”,
O que as teorias da tradução poética demonstram de modo mais
cabal e aquilo que procuramos aqui divisar, como paralelo ou inva-
riante com respeito à tradução intersemiótica, não é senão o fato
de que toda tradução que se quer erigir “sob o signo da invenção”,
tradução estética, portanto, está ancorada no ícone,
Já do ponto de vista da poética da tradução, o aumento ou di-
minuição da informação estética fornece-nos o nível e a qualidade
da operação tradutora que pode ser vista como complementação do
signo traduzido. Isso se torna mais claro se consideramos a diferen-
ça entre o que se quis realizar no signo e o que na verdade realizou-se
que coincide com aquilo que Marcel Duchamp denominou de *“Coe-
ficiente Artístico”* contido na arte. Em outras palavras, este coefi-
ciente é como uma relação aritmética entre o que permaneçe inex-
presso, embora intencionado, e o que é expresso não
intencionalmente*!. Segundo Duchamp, portanto, é o receptor que
vai julgar e “refinar” esse quociente, completando o objeto estético.

LEITURA
Há três tipos de leitores: aquele quese deleita sem jul=
Ear, um ferceiro que julga sem deleitar-se, e o outro, o
intermediário, que juíga se deteitando ou se deleita jul
gando,. Este realmente recria uma obra de arte, Os mem-
bros desta casta não são numerosos.
GOETHE

Movimento Hermenêutico que Visa a Tradução

Leitura para a tradução é movimento hermenêutico onde o tra-


dutor escolhe e é escolhido. E evidente que tudo parece traduzível,

46. PAOLO VALESIO, apud HAROLDO DE CAMPOS, “Tradução, Ideologia e Histó-


ria", in Cadernos do MAM nº 1, Rio de Xaneiro, dez. 1983.
47. MARCEL DUCHAMP, “O Ato Criador", in A Nova Arte, São Paulo, 1975, pp. 71-74.
34 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

mas não é tudo que se traduz. Traduz-se aquilo que nos interessa
dentro de um projeto criativo (tradução como arte), aquilo que em
nós suscita empatia e simpatia como primeira qualidade de senti-
mento, presente à consciência de modo instantâneo e inexaminável,
no sentido em que uma coisa está a outra conforme os princípios
da analogia e da ressonância. Pela empatia, possuímos a totalidade
sem partes do signo por instantes imperceptíveis. Não se traduz qual-
quer coisa, mas aquilo que conosco sintoniza como eleição da sen-
sibilidade, como ““afinidade eletiva”.
À simpatia contém analogia, pois muito antes de ser uma cate-
goria psicológica a empatia é “o murmúrio insistente da semelhan-
ça”, uma semelhança encantada e imantada. À andança do tra-
dutor se dá na procura das similitudes e de falas semelhantes ador-
mecidas no original. Ou como diz Octavio Paz: ““O diálogo não é
mais do que uma das formas, talvez a mais elevada, da simpatia cós-
mica”.
Mas o projeto tradutor se inscreve dentro da idéia configura-
dora do paideuma, como solidariedade entre criador e re-criador e,
sobretudo, como instância poético-política face a um projeto estético-
criativo. Estas, parece-nos, são as condições prévias e inerentes ao
projeto do tradutor. Obviamente há outros interesses, mas, para nós,
estes são os mais proeminentes.
O processo de leitura, como cognição de um signo, desenvol-
ve-se de forma dialógica mediada pela ação do signo, entre uma men-
te que conhece e o objeto conhecível. À consciência de linguagem
será então a consciência da existência de uma relação dialógica en-
tre o signo e leitor e não o predomínio de um eu cartesiano, pois
que “não é nosso ego que dá sentido à linguagem, mas a linguagem
que dá sentido ao homem***, No cruzamento entre o que fala e o
que ouve é que se descobre à linguagem e seus sentidos. No movi-
mento da linguagem é que esta se realiza no seu devir, como um
diálogo entre um eu e um outro. Consciência de linguagem será en-
tão a consciência de transmutação e, portanto, de leitura.
Na leitura do original, atualizamos os interpretantes embuti-
dos na leitura, pois tradução “é a forma mais atenta de ler""5º,
Num primeiro nível de leitura, o efeito causado pelo signo não
é senão a qualidade de sentimento que o signo pode provocar. Isto,
sem qualquer reação efetivada ou mesmo manifestação do nosso
mundo interior, onde ainda não temos recognição, somente idéias
vagas, possibilidades. No caso do objeto estético isto tende a se acen-
tuar, pois que o signo e sua essência estão aptos a produzir meros

48, MICHEL FOUCAULT, As Palavras é as Coisas, São Paulo, Martins Fontes, 5. d., pp.
42-44.
49. MARIA LÚCIA SANTAELLA BRAGA, *“Dialogismo"", op. cit.
50, SALAS SUBIRATS, apud HAROLDO DE CAMPOS, “Da Tradução como Criação
e como Crítica”, op. cif., p. 31.
À TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 35

efeitos de analogia. O interpretante imediato confunde-se assim com


as qualidades materiais do signo. Temos assim imediatamente pre-
sente à consciência a presença de um mero sentimento de qualidade
como sensação sem partes, “sendo incomparável com qualquer ou-
tro e absolutamente sui generis"”"1,
É no choque que envolve resistência e reação, choque do mun-
do interior (ego) no confronto com o exterior ou signo (não-ego)
e, sobretudo, através do esforço mental desprendido da experiência
real que se define o segundo tipo de interpretante, esse que é exte-
rior ao signo como produto de uma mente. “É qualquer interpreta-
ção que qualquer mente realmente faz de um signo. Este interpre-
tante deriva seu caráter da categoria diádica, categoria da ação”,
Trata-se da experiência real com o original a ser traduzido, o efeito
que aquele produz na relação de leitura, Este interpretante é real-
mente o significado singular do signo original, a maneira pela qual
cada mente o recebe e a ele reage.
Num terceiro nível, tem-se a consciência de um processo no qual
se desenvolve a cognição. Há sentido de aprendizado, evolução e
representação mental, é o momento da síntese,
Essa síntese, no entanto, é de tipo especial, visto que o projeto
tradutor como arte não consiste em apresentar um interpretante em
si que se proponha como único e final, visto que essa proposta é
antagônica ao caráter do signo estético, ou conforme nos diz Bor-
ges: “o conceito de texto definitivo não corresponde senão à reli-
gião ou ao cansaço”**3, O projeto tradutor criativo define-se assim
pelos conflitos, atritos e roteiros ainbíguos dos seus interpretantes.
Concordamos com C, Hubig quando, a partir de um conceito
de arte como divergência da norma e da convenção na geração de
interpretantes, diz que a arte instala, por assim dizer, um desárran-
jo nos hábitos, crenças, expectativas e convenções instituídas como
interpretantes estabelecidos. E esta operação é comum à tradução
criativa, pois nesta, deslocamos os signos e também recriamos seus
interpretantes, isto é, programamos os efeitos (Poe).
Pressupor a existência de um interpretante final para a leitura
presume que essas leituras são homogêneas e uniformes e, sobretu-
do, objetivas, o que não corresponde à realidade da criação como
deslocamento constante dos signos à procura de sentido, Conforme
nos diz Hubig,
os interpretantes carregam uma tota! responsabilidade pela constituição do sig-
nificado, enquanto nas artes, as divergências dos interpretantes sobre os quais uma

51. C.S. PEIRCE, Semiótica, p. 272.


$52, Q.S, PEIRCE, Collected Papers, $ 8.315,
53. JORGE LUIS BORGES, op. cit., p. 239.
36 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

abra se baseia desempenham um papel decisivo. Como resultado dessa distinção, o


desenvolvimento das artes e da ciência são governados por leis diferentes”,

H. Buczynska nos diz:


o tempo é um fator importante na noção peirciana da interpretação. Uma inter-
pretação é um processo no tempo. E o termo — interpretante inclui todas as fases
desse processo: seu início, o interpretante interno, a interpretabilidade, e seu fim re-
lativo (o interpretante externo), o signo apelando para uma interpretação e subse-
qiientemente apelando para outra. O interpretante final, que é uma regra de inter-
pretação adequada do signo, é também o estado futuro da interpretação. É o estágio
final para o qual o diálogo tende, No entanto, ele só é relativamente final, pois que
sempre requer outras interpretações em outros signos,

Isso que já é verdadeiro para qualquer semiose acentua-se na


semiose estética. É por isso que a leitura para a tradução não visa
captar no original um interpretante que gere consenso, mas ao con-
trário, visa penetrar no que há de mais essencial no signo.
Mas a leitura de um signo estético não descarta também ““a ex-
periência colateral”* com aquilo que o signo referencia, À experiên-
cia colateral que se interpõe entre o objeto imediato e dinâmico do
signo, quer dizer, os aspectos intracódigo e extracódigo mantém uma
relação dialética, isto porque o signo original está datado. Já vimos
anteriormente a percepção que Hôlderlin tinha da tradução como
rasura, emenda, extrojeção, enfim, transformação. O original está
determinado por um tempo e espaço e pelas condições de produção
que nele estão inscritas. Assim, se o original como signo estético tende
a ser pleno, ele é também incompleto, visto que se inscreve na ca-
deia do tempo. Mesmo quando o signo cria seu próprio objeto, ele
não se livra de indicar para algo que está fora dele, pois qualquer
signo está marcado pelas condições de sua temporalidade, isto é, de
sua produção. À leitura do original exige também a leitura das con-
dições de sua produção,
Mas leitura para a tradução é, dominantemente, interpenetra-
ção nas qualidades materiais do signo que delimitam os caracteres
de seu Objeto Imediato. Neste, o que a mente interpretadora visa
flagrar é o icone-diagrama que possibilitará a tradução como pro-
cesso de dupla semiose: uma de leitura decodificadora e outra de
inserção recodificadora (Haroldo de Campos).

Pensamento, Leitura e Tradução: Evolução e Síntese

O pensamento contínuo (intelegível) e o sintético (sensível)


processam-se imbricados. Apesar da natureza evolutiva e analítica

54. CRISTOPHER HUBIG, *“Is it Possible to Apply the Concept *Interpretant' to Diver-
ging Fields Uniformly? — Something about the relationship between Semiotics as Philosophy
of Science and Semiotics of Arts”, in Proceedings of the C.5. Peirce Bicentennia! Congress, Te-
xas Tech. Press, 1981, pp. 71 a 75.
55. H. BUCZYNSKA-GAREWICZ, “Sign and Dialogue", Armerican Journal of Semio-
tics, 1-2, v. 2, 1983, p. 27.
A TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 37

da operação tradutora, o que traduzimos são formas como senti-


mentos sem partes que se tornam progressivamente articulados e reu-
nidos numa síntese. Todo traduzir é conceitual e cognitivo, mas a
sua compreensão começa com o sentimento espontâneo de uma for-
ma. Assim, operações de análise e síntese vão mescladas como pen-
samento em e sobre signos. Para Jakobson, a função cognitiva é
complementar às operações metalingilísticas, e é essa relação de com-
plementariedade que define à nossa experiência, Isto é, “o nível cog-
nitivo da linguagem não só admite, mas exige a interpretação por
meio de outros códigos, a recodificação, ou seja, a tradução”*5S,
No nível pensamental, a tradução em contato com seu original
processa-se por inferências associativas: contigilidade e semelhan-
ça. Mas, no pensamento tradutor, a associação não é uma mera su-
cessão de idéias atraídas umas pelas outras, mas associação de for-
mas. Ou seja, não há como separar as representações e as relações
entre elas, os materiais e a qualidade do pensamento. Paul Guillau-
me vê a lei da associação que seria, ao mesmo tempo, a do pensa-
mento do seguinte modo:
Qualquer membro de um todo orgânico, quando aparece na consciência com
essa função, tende a restaurar o todo, Essa lei explica a lembrança de uma experiên-
cia que já era organizada. Mas a mesma lei explica também a tendência de um con-
teúdo de consciência a organizar-se no sentido de certas estruturas estáveis priívile-
giadas, isto é, invençãos?,

Pelos três tipos de signos-pensamento, anteriormente mencio-


nados, pode-se perceber que, no primeiro nível, como consciência
primeira, como instante de tempo, não pode haver pensamento e,
portanto, não pode haver associação, pois esta implica reconheci-
mento e análise. À associação só pode se dar a partir de uma cons-
ciência em segundo nível, “consciência de interrupção no campo da
consciência, sentido de resistência de um fato externo ou outra coi-
sa”,
Na relação entre uma consciência e uma experiência externa,
Peirce vê as associações, conseguidas através das leis da organiza-
ção mental, como inferências que se dão por contigilidade e simila-
ridade relacionadas.
Associação por contigitidade se deve a uma conexão na experiência de fora; a
associação por similaridade se deve a uma conexão nos nossos sentimentos. (...) À
Sugestão de uma idéia por outra pode ocorrer por um dentre os dois diferentes prin-
cípios; pois que uma idéia pode sugerir outra parecida com ela, ou pode sugerir ou-
tra que foi conectada com ela na experiência”,

Desse modo, segundo Peirce, a associação como “única força


do intelecto” é responsável pelo poder de controle do pensamento.

56. ROMAN JAKOBSON, op. cit, p, 70.


57, PAUL GUI'LLAUME, Manual de Psicologia, São Paulo, Ed. Nacional, 1967, p. 236.
58. C.S. PEIRCE, Semiática, p. 14.
59. C.S. PEIRCE, Coliected Papers, 8 7.451.
38 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Inferência incontrolada por contigiidade, ou conexão experiencial, é o mais ru-


dimentar de todos os raciocínios, pois depende da experiência concreta. (...) Infe-
rência por semelhança implica talvez num grau maior de autoconsciência do que qual-
quer uma das inferências brutas possuem. Ela envolve algo assim como uma atenção
fixa às qualidades como tais; e isso se deve a uma capacidade, pelo menos, para à
linguagem, se não da linguagem ela mesma,

Assim, a associação por semelhança implica em qualidades que


a mente aproxima: “Em toda associação, mesmo por contigitidade,
a idéia potencia! da Forma do conjunto é operativa”*é!,
Para Peirce, está claro que os dois tipos de associação impli-
cam a idéia de conjunto. Contudo, nas inferências por contigúída-
de, a noção de conjunto decorre da experiência, enquanto que na
inferência por similaridade à noção de conjunto provém de opera-
ções mentais, É por isso que Peirce vê no pensamento diagramático
e sintético a qualidade e
o instrumento sem o qual a associação não poderia ocorrer na mente. Não é
necessário que à idéia formal seja claramente apreendida. (...) Deve-se, sim, insistir
no seguinte: o esqueleto do conjunto é alguma coisa da qual um diagrama matemáti-
co pode ser extraído. É alguma coisa nela mesma inteligível, embora não seja neces-
sário que ela emerja no campo da atenção fácils2,

O que se quer flagrar aqui, face aos problemas da tradução,


é o seguinte: os diversos tipos de raciocínio ocorrem imbriicados na
operação tradutora. Contudo, se as inferências associativas da or-
dem da contigilidade nos providenciam as experiências interlingua-
gens, é, contudo, a associação por similaridade que vem predominar.
Mas a recorrência aos três tipos de consciência sintética, tam-
bém formuladas por Peirce, talvez aclare melhor o que queremos
dizer aqui. Há três tipos de consciência sintética. À consciência sin-
tética dos conjuntos, dependente da experiência, é aquela em que
existe uma compulsão externa sobre nós que nos faz pensar as coi-
sas juntas. Associação por contigilidade é um caso deste tipo e o
modo correto de enunciá-lo é dizer que existe uma compulsão ex-
terior sobre nós levando-nos a juntá-las em nossa construção de
tempo e espaço, em nossa perspectivaó?, À construção hipotática
da linguagem e a associação “como hábito adquirido pela men-
te” teriam seu lugar nesta consciência sintética, Quer dizer, toda
articulação de linguagem onde possa predominar a contigiidade e
os processos lógicos simbólicos como acontece com a linguagem ver-
bal. Aqui, a tendência aos processos sintagmáticos parece predo-
minar.
À consciência sintética, em segundo grau, é aquela em que pen-
samos sentimentos diferentes como sendo semelhantes ou diferen-

60. Idem, $ TA46.


61. Idem, $ 71,427.
62. Idem, & T1.A27.
63. CS. PEIRCE, Semiótica, p, 16,
64. C.S. PEIRCE, Coliected Papers, $ 7.499.
A TI! COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 39

tes. Uma vez que os sentimentos, em si mesmos, não podem ser com-
parados e, portanto, não podem ser semelhantes, de tal forma que
dizer que são semelhantes significa apenas dizer que a consciência
sintética encara-os dessa forma, isso equivale a dizer que somos in-
ternamente compelidos a sintetizá-los ou separá-los. Este tipo de sín-
tese aparece numa forma secundária de associação por
semelhança”. Nesta consciência sintética de nível segundo, parecem
seincorporar aqueles aspectos que como a memória preparam para
nossa mente aqueles momentos que, embora unidos e conjuntos, des-
tacam-se pela similaridade de sentimento: a memória involuntária
de M. Proust, ou ainda as associações sinestésicas tão caras a Bau-
delaire.
Já o tipo mais elevado de síntese é aquele que a mente é compe-
lida a realizar não pelas atrações interiores dos próprios sentimen-
tos ou representações, nem por uma força transcendental de neces-
sidade, mas sim no interesse da inteligibilidade, isto é, no interesse
do próprio “Eu penso” sintetizador; e isto a mente faz através da
introdução de uma idéia que não está contida nos dados e que pro-
duz conexões que estes dados, de outro modo, não teriam“, Nessa
consciência sintética de terceiro e mais aprimorado grau, Peirce pa-
rece se referir ao caráter sintetizador da mente que toma sua forma
no trabalho do artista e do cientista como forma de síntese. Assim,
a construção por coordenação da linguagem, por justaposição, quer
dizer, à linguagem da poesia, a função poética da linguagem, que
atua no eixo da similaridade, encontraria aqui, nesta consciência sin-
tética, o seu lugar natural. Seguindo o nosso diagrama mental, ao
considerar a tradução como organização de conjuntos por seme-
lhança (como principal escopo do projeto tradutor poético e icôni-
co), temos que seria no lugar ou espaço da consciência sintética em
terceiro nível que se daria proeminentemente essa operação asso-
ciativa.

INVENÇÃO

A forma não é somente o resultado final, mas 0 pro-


cesso fodo é forma,
WALDEMAR CORDEIRO

Fazer tradução toca no que há de mais profundo na criação.


Traduzir é pôr a nu o traduzido, tornar visível o concreto do origi-
nal, virá-lo pelo avesso. À partir disso, pode-se afirmar que, à ma-
neira de vasos comunicantes, tradução e invenção se retroalimen-
tam. Para O. Paz a tradução é uma operação análoga à criação,
mas se desenvolve em sentido inverso. Na linguagem da poesia, à

65. C.S. PEIRCE, Semiótica, p. 26-17,


66. dem, pp. 16-17.
40 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

mobilidade dos sentidos e significados corresponde a imobilidade


dos signos. “O ponto de partida do tradutor não é a linguagem em
movimento, matéria-prima do poeta, mas a linguagem fixa do poe-
ma", Generalizando-se, portanto, pode-se dizer que, para O, Paz,
o signo estético é um sistema de escolhas irrepetível e, por isso mes-
mo, congelado. Traduzir é colocar esse cristal de seleções em movi-
mento, para voltar a fixá-lo num sistema de escolhas outro e, no
entanto, análogo. Traduzir é, nessa medida, repensar a configura-
ção de escolhas do original, transmutando-a numa outra configura-
ção seletiva e sintética.
Para Pound, criação e tradução se confundem num único ob-
jeto: renovar, assim cria-se uma nova modalidade de crítica: crítica
pela tradução.
Inventar formas estéticas é provocar a aparição de qualidades
virtuais, aparências que nunça antes aconteceram. À criação lida
principalmente com singularidades. Não é de sua natureza o estabe-
lecimento de gerais ou entidades abstratas, mas de entidades con-
cretas que estabelecem o princípio de significação.
À materialização do signo estético tem a ver com a verdade ar-
tística que diz respeito muito mais a sua inserção no seu princípio
constitutivo, isto é, nó seu ícone ou insight, do que a sua dependên-
cia de fatos e realidades extra-artísticas. Sua capacidade de desen-
volvimento depende, afinal, de uma capacidade mental para a in-
trovisão e, é claro, da consciência de linguagem. À introvisão é de
caráter espontâneo e aparece à mente como epifania, imediatamen-
te e desprendida das amarras de um raciocínio lógico, quer dizer,
não se dá através de sucessividade pensamental, mas é una, sem par-
tes. Como configuração espontânea da mente, à epifania, ícone ou
insight constitui-se no princípio de toda e qualquer invenção que,
como tal, não tem nada a ver com intuição. À epifania está mais
para uma consciência imediata ou presença espontânea à consciên-
cia de uma qualidade pura e simplesmente presente que não com-
porta raciocínio, sucessividade. A tendência à organização icônica,
estrutural, como “configuração definida pela maior densidade de
energia” (Koffka), característica das artes, é manifestação similar
ao que oçorre nas manifestações mentais de elaboração, invenção
e resolução de problemas.
Os processos mentais-sensoriais de caráter analógico, como pro-
cessos configurativos energéticos e icônicos que aspiram à “simpli-
cidade máxima”, à articulação, definem-se por um caráter absolu-
to de totalidade. Para Arnheim, a mente é incapaz de sustentar duas
Organizações estruturais diferentes do mesmo esquema ao mesmo
tempo. Em conseqgilência, a mente subordina uma à outra, estabe-
lecendo alternativamente hierarquia entre as estruturas, fazendo uma

47. OCTAVIO PAZ, op. cit., p. 15.


À TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 41

predominar sobre à outra. Assim, o que temos entre o todo e as par-


tes é uma relação ambígua que nos leva à vacilação,
Mas é em Peirce, mais uma vez, que podemos encontrar uma
descrição precisa dos processos de descoberta onde germina a in-
venção:

«.. Ora, há muitas idéias vagamente na minha cabeça, e nenhuma delas, tomada
em si mesma, tem qualquer analogia particular com o meu problema. Mas um dia,
todas essas idéias, todas presentes à consciência, mas ainda muito vagas e profun-
das, na profundeza do pensamento subconsciente, têm a chance de se verem reuni-
das num modo tão particular que a combinação (“forma**) realmente apresenta uma
forte analogia com a minha dificuldade, Essa combinação quase instantaneamente
se ilumina na vividez. Ora, isso não pode ser contigitidade; pois a combinação é,
além do mais, uma idéia nova. Ela nunca tinha me ocorrido antes; e conseqiiente-
mente não pode estar submetida a qualquer hábito adquirido. Deve ser, como pare-
ce ser, sua analogia ou semelhança na forma em relação ao nódulo do meu problema
que a traz para a vividez. Ber, o que pode ser isso, senão pura e fundamental asso-
ciação por semelhança?

São, contudo, os três estados da consciência, formulados por


Peirce que funcionam como indicadores do percurso da invenção:
Por mim, penso, em primeiro lugar, que as impressões — digamos, o vermelho
— estão presentes, quando positivas, suficientes em si: embora o contraste nos faça
atentar nelas, de modo algum constitui suas peculiaridades; e as impressões estão
presentes inteiramente a nós — inteiramente dentro na consciência —, de ta! modo
que se nodia até, escolhendo bem, limitar o significado de consciência à impressão
de um instante, se bem que fosse algo só conhecido por análise69,

Trata-se da consciência em nível de primeiro como “impressão


de um instante”, pura similaridade. Já os momentos de tensão só
podem ser dados em nível de consciência, entre passado como mun-
do interior (eu) e o presente como mundo exterior (não-eu) que vêm
a nós como atrito de forças conflitivas. Já nur terceiro momento,
tem-se a presença à consciência da continuidade como processo pen-
samental, a relação triádica da consciência, Esses três estados deli-
mitam os caracteres da invenção como processo formativo que nas-
ce da “impressão de um instante” ou presença do ícone à mente
que se dá na isomorfia do processo pensamental com o meio do qual
se materializará. Pode-se distinguir, então, três níveis de invenção.

A Tradução Criativa e os Níveis de Invenção

Os três níveis de invenção interpenetram-se na operação tradu-


tora. Nesta, a primeira atividade mental contemporânea e consecu-
tiva à operação hermenêutica é precisamente a sensação ou quase-no-
ção de um sentimento configurativo por similaridade, uma espécie
de ícone-diagrama aque se define por contraste e polaridade. Este sen-
timento, de imediato, é percebido na mente como um instante no

68. C.S. PEIRCE, Collected Papers, $ 7.498.


69. C.S. PEIRCE, “Escritos Coligidos"", op. cit., p. 113.
42 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

tempo, ou “consciência passiva da qualidade, sem reconhecimento


ou análise”?º, As impressões são o que são, meras qualidades que
afloram na consciência por átimos de tempo, como puros ícones ou
lampejos que não fazem parte de uma cadeia ou série. Todo inven-
tor tende a reter, na sua criação, esse instante epifânico que não se
repete identicamente na memória, porém a marca impressiona. Es-
se instante só vai embora quando empurrado pelo símbolo ou futu-
ro como partícula de tempo que reúne sentido de aprendizado, aná-
lise, pensamento.
Quando temos um ícone, epifania na mente, por um instante
de tempo, este instante é irrepetível e intraduzível, pois o ícone, por
ser uma forma ou totalidade sensível indivisível, resiste à análise e
incide na consciência como espécie de interrupção.
Assim, o icone-diagrama aparece por força da leitura com um
lampejo de pura instantaneidade, como quase-signo, como mero po-
der-ser, onde não há comunicação, mas há incitação. “Nunca po-
demos pensar “isto me é presente”, pois, feita a reflexão, a sensação
já pertence ao passado e uma vez passada, nunca podermos trazer
de volta a qualidade como era'”**1, Como qualidade de um estado
genuíno, presente a nós dentro da consciência, o ícone-diagrama,
ainda não atualizado e não corporificado, estabelece o novo no sen-
tido pleno de “originalidade” ou oriência, de onde se pode derivar
informação. O qualissigno, o ícone é o signo da invenção por exce-
lência. O dado novo, a invenção como originalidade só se podem
dar nessas condições.
Desse modo, conforme já viu Haroldo de Campos,
o cenário do pensamento inventivo parece ser, desde logo, como queria Peirce,
o qualissigno, o ícone em estado genuíno, pura aptidão de similaridade enquanto
possibilidade ainda não atualizada em objeto, em nível de primeiridade, portanto.
Peirce chega a conceber a “qualidade” ou “talidade” como pura errância, indepen-
dente do percepto ou da memória, como um mero “poder-ser”, anterior à qualquer
corporificação, uma quality of feeling ainda não factualizada em ocorrência... (...)
posso imaginar uma consciência cuja vida acordada, sonolenta ou sonhando consis-
tiria tão-somente numa cor violeta ou no cheiro de repolho podre”?

É essa qualidade em configuração estrutural que privilegia o


estado mental contemplativo quando da aparição do ícone. No mo-
mento instantâneo insight como medula da invenção, podemos sen-
tir o Ícone ou qualissigno como configuração mental, mera possibi-
lidade presente a nós como um todo sem partes. Quer dizer, o ícone
só pode ser mental, uma idéia ou modelo a nível de primeiro que
deve produzir, por propósito ou intenção, uma outra idéia ou inter-
pretante, Devido ao processo de produção de linguagem, na sua ne-
cessária materialização, todo ícone é traduzido de forma mais ou

70. C.S. PEIRCE, Semiótica, p. 14.


71. CS. PEIRCE, “Escritos Coligidos”", op. cif., pp, 80-81.
72. C.S. PEIRCE, apud HAROLDO DE CAMPOS, “"Ideograma, Anagrama, Diagrama",
in Ideograma, São Paulo, Cultrix, 1977, pp. 87-88.
A TI COMO PENSAMENTO EM SIGNOS 43

menos instantânea e conflitiva num medium particular no qual toma


existência. Portanto, passa-se assim do icônico atemporal (não sim-
bólico) espontâneo para o reflexivo que instaura o tempo na produção.
Desse modo, a especialização dos hábitos e das leis nos meios
e linguagens influi definitivamente sobre o ícone-diagrama, quando
de sua corporificação para a comunicação, Aqui o novo como ““ta-
lidade” entra em conflito com o existente, quer dizer, ele pode ser
checado e comparado, submetido a leis, entrando em conflito com
a historicidade de seus suportes. Em outras palavras: é um novo re-
lativo, datado.
Sendo estes caracteres os que dominam no ícone e consegiien-
temente no signo estético, deve-se, contudo, levar em consideração
o fato de que o signo estético, quando materializado, realiza-se ine-
vitavelmente através de signos-tipos, réplicas de leis mais ou menos
gerais e, sobretudo, leis ad hoc que incidem sobre a sintaxe do sig-
no, é o que Peirce chama de legissignos que encetam, junto aos qua-
lissignos, o movimento de estruturação do signo.
É evidente que a relação entre esses níveis de invenção se dá
de forma interpenetrada com a proeminência de um dos níveis so-
bre os outros. À partir do poeta-pensador Paul Valéry, pode-se in-
ferir que é a complexidade das linguagens que tende a alterar as re-
lações entre os níveis.
Neste ponto, cumpre apontar para a acentuada coincidência en-
tre os níveis de invenção que aqui estipulamos a partir da semiótica
peirciana e os elementos levantados por Valéry no seu “L'Inven-
tion Esthétique"". Diz Valéry:
A desordem é essencial à “criação”, enquanto esta se define por uma certa “or-
dem”. Tal criação de ordem compreende ao mesmo tempo formações espontâneas
comparáveis àquelas dos objetos naturais que apresentam simetria ou figuras “inte-
ligíveis”* por elas mesmas; e por outro lado, do ato consciente (quer dizer: que per-
mite distinguir e expressar separadamente um fim e os meios), Em suma, numa obra
de arte, dois elementos constituintes estão sempre presentes: primeiro aqueles dos
quais não concebemos a origem (a geração), que stão podem ser expressos em atos,
embora possam depois ser modificados por atos; segundo, os que são articulados,
podendo ser pensados. Há em toda obra uma certa proporção destes elementos cons-
tituintes, proporção que joga um papel considerável na arte (...) o refletido suceden-
do ao espontâneo dentro dos caracteres principais das obras e reciprocamente (...)
mas estes dois fatores estão sempre presentes. E mais: dúvidas, resoluções, pontos
de partida, tentativas aparecem na fase que eu chamo de “articulada”. As noções
de “princípio” e de “fim”, que são estranhas à produção espontânea, não intervém
igualmente senão no momento onde a criação estética deve tomar os caracteres de
uma produção?:,

73. PAUL VALÉRY, “EL 'Invention Esthétique", in Oevres1, Paris, 1957, pp. 1412-1415,
2. À Tradução Intersemiótica como
Intercurso dos Sentidos

Se os Órgãos Perceptivos se alieram, os Objetos da


Percepção parecem olterar-se; Se 05 Órgãos Perceptivos
se fecham, seus Objetos também parecem fechar-se.
WILLIAM BLAKE

Na tradução interlingual, o processo tradutório processa-se no


mesmo meio, porém em língua diferenciada, tendo, por isso mes-
mo, tendência a despertar os sentidos latentes na língua de partida.
Contudo, os sentidos nas línguas tendem a ficar especializados e
adoirmecidos, pois esses sentidos estão nelas representados por meio
de sugestão, alusão e metáfora. Pelo contrário, na Tradução Inter-
semiótica, como tradução entre os diferentes sistemas de signos,
tornam-se relevantes as relações entre os sentidos, meios e códigos.
Já viu McLuhan que “qualquer invenção ou tecnologia é uma ex-
tensão ou amputação de nosso corpo e essa extensão exige novas
relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo.
(...) Como extensão e acelerador da vida sensória, todo meio afeta
de um golpe o campo total dos sentidos...”

O operar tradutor como pensamento em signos precisa de ca-


nais e de linguagens que permitam socializar esses pensamentos e
estabelecer uma ação sobre o ambiente humano. À criação de siste-
ma de sinais é fundamental para o intercâmbio de mensagens entre
o homem e o mundo. Cada sistema de sinais constitui-se segundo
a especialidade que lhe é característica e que pode ser articulada com
os órgãos emissores-receptores, isto é, com os sentidos humanos.
Estes produzem as mensagens que reproduzem os sentidos. É pelos
sentidos que os homens se comunicam entre si, Dentre os sentidos
humanos, três foram os aque historicamente se caracterizaram como
geradores de extensões capazes de prolongar e ampliar a função de
cada um desses sentidos em meios produtores de sistemas de lingua-

1. MARSHALL MCLUHAN, Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem, São


Paulo, 1969, p. 63.
46 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

gem. São eles: o visual, o tátil e o auditivo. Tanto canais, instru-


mentos, quanto sistemas de signos nos fornecem as condições e for-
mas de apreensão dos signos que traduzem pensamentos no operar
e transmitir informação estética.
O homem, para sobreviver, começa a transmutar o mundo em
signos, em palavras e imagens, tomando posicionamentos e delinean-
do as fronteiras da realidade em nosso entendimento. Ao represen-
tar, o hamem esquematiza o real e materializa seu pensamento em
signos os quais são pensados por outros signos em série infinita, pois
o próprio “homem é signo”. Essa atividade de cristalização em sig-
nos (a partir de possibilidades e sentimentos), em formas significa-
tivas e simbólicas é o que caracteriza a comunicação social e huma-
na. Contudo, as relações do real (que é signo) e a linguagem que
também é real tecem uma tessitura ou malha fina de conexões. O
real é uma espécie de conjunto polifônico de mensagens parciais que
realizam um contraponto, determinando a inteligibilidade maior ou
menor do sinal de conjunto. Perceber já é selecionar e categorizar
o real, extrair informações que interessam num momento determi-
nado para algum propósito. Muito mais do que o real, o que os nos-
sos sentidos captam é o choque das forças físicas com os receptores
sensoriais?,
À palavra “sentidos” é tão enganosa quanto o conceito de “sen-
sação”, pois não existem sentidos departamentalizados, mas sines-
tesia como inter-relação de todos os sentidos. A sinestesia, coino sen-
sibilidade integrada ao movimento e inter-relação dos sentidos,
garante-nos a apreensão do real. Os receptores no ouvido interno
nos informam da nossa posição em equilíbrio durante o movimen-
to, assim como a posição da cabeça e corpo. Os receptores do tato,
instalados na pele, nos informam constantemente das qualidades do
ambiente e, sobretudo, o movimento sacádico dos olhos está coor-
denado com o movimento e a manipulação de objetos no mundo.
Mas existe também o avesso. Não somos somente sujeitos, so-
mos também objetos do e no mundo, pois nos percebemos dentro
do mundo, isto é, nos ouvimos, nos tocamos, nos vemos, Ao perce-
ber o mundo, percebo-me dentro desse mundo, percebo meu eu. À
sensação do estar “aqui” corresponde outra, a de estar “af”, em
conflito. E mais: a distinção entre “mundo visual*”* (o mundo exis-
tente) ea “campo visual”, ou seja, aquilo que entra na retina como
informação, leva-nos à distinção entre o mundo tal como conheci-
do e que, como tal, somente pode existir na memória, e o mundo
que observo e sinto. Esta distinção entre o que se sabe, o que se sen-
te e O que se vê, parece-nos fundamental para a captação do real,
pois constitui a diferença entre a síntese dos estímulos do passado,
arquivada na memória do eu, e o conflito aqui-agora do presente,

2. Cf. F. P., KILPATRIK apud EDWARD T, HALL, A Dimensão Oculta, Rio de Janeiro,
1977, p. 45.
A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 47

o não-eu, “O homem que alguma vez conheceu um, dado, mas o


manteve esquecido, é diferente do homem que jamais conheceu es-
se dado””?. Mas é a memória. “involuntária” que nos possibilita
uma experiência mais completa do momento, como já o sabia Proust.
Sinestesia e memória são, então, dois dispositivos que nos permi-
tem estabelecer uma comunicação adequada com nosso meio am-
biente e que nos permitem estabelecer as chaves culturais pertinentes.
Edward T. Hall, no seu livro The Silent Language, capta com
sensibilidade a inter-relação do homem com seu meio ambiente (re-
lações que a Proxemia trata de codificar). Fala-nos Hall da limita-
ção dos sentidos, da sua divisão em canais receptores à distância (ou-
vido e visão) e dos receptores imediatos (tato, gosto e olfato), das
tendências culturais em recortar o real, eliminando “ruídos cultu-
rais de fundo” e também da tendência dos seres à policronia e mo-
nocronia. Desta excelente leitura só podemos concluir uma coisa:
as diferenças culturais correspondem às diferenças de culturas sen-
soriais, isto é, às diferentes formas de cultura dos sentidos. Os limi-
tes culturais e a incapacidade dos canais sensoriais, para captar o
real durante o tempo todo, são transferidos para as linguagens e có-
digos como extensões dos sentidos, Cada sentido capta o real de for-
ma diferenciada e as linguagens abstraem ainda mais o real, pas-
sando-nos uma noção de realidade sempre abstrata que possibilita
que as linguagens adquiram toda uma dimensão concreta na sua rea-
lidade sígnica. Não Pá reflexo ponto-a-ponto entre o real e a repre-
sentação que dele se faz, E isto tem sua raiz na própria percepção,
visto que a incompletude da percepção em relação ao real gera a
inevitável incompletude do signo.

As Vias Sensoriais Produtoras de Substitutos

A representação sígnica nunca foi uma tentativa de apreender


o real como um todo, pois isso está além da capacidade humana,
quer dizer, do próprio signo. Recordemos o que diz Peirce: “... O
objeto real, ou antes dinâmico, pela natureza das coisas, o signo não
consegue expressar, podendo apenas indicar, cabendo ao intérprete
descobri-lo por experiência colateral*”*4, Antes de se referir a algu-
mma coisa que está fora dele (o objeto dinâmico), cada código ou meio
referencia-se a um outro código que está embutido nele de forma
virtual. Enquanto a linguagem visual figurativa, por exemplo, an-
tes de referir-se ao real, referencia-se com códigos de representação,
a linguagem verbal escrita, por seu lado, referencia-se com o pró-
prio código visual e, fundamentalmente, com o código oral do qual
é tradução. É justamente essa rede entre os sentidos (intercurso) e

3. HEINZ VON FOERSTER, "Du stimulus au symbole: L'economie du calcui biologi-


que", in GYORGY KEFPES (org.), Sign, Image, Symbole, Bruxelles, La Connaissance, 1968,
p. 12.
4, C. 8. PEIRCE, “Escritos Coligidos”", op. citf., p. 117.
48 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

consegilente embutimento de um meio dentro de outro, ou seja, é


justamente essa rede de referências entre os sentidos e meios — mais
imediatamente presente ào signo do que a referência aos objetos di-
nâmicos — aquilo que dá fundamento e possibilita a TI como inter-
curso dos sentidos ou trânsito de meios e canais.
Ao traduzir os sentidos em códigos e meios como extensões do
organismo abstraímos e departamentalizamos os sentidos nesses
meios, canais, suportes e códigos. É através desses meios que tradu-
zimos o objeto dinâmico ou referencial em Objeto Imediato. Isto
pode se tornar mais claro se recorrermos às noções de “conceito per-
ceptivo” e “conceito representativo”* formuladas por R. Árnheim,
noções estas que apresentam respectivamente marcadas analogias
com as noções de “juízo perceptivo” e “signo como representação”?
em Peirce. Para Arnheim, perceber não é simples recepção passiva
do material estimulador, mas “criação de padrões de categorias per-
ceptivas adequados à configuração do estímulo”. Perceber uma coi-
sa, contudo, não é ainda representá-la numa forma tangível. Nessa
medida, a representação pressupõe mais do que a formação de um
conceito perceptivo. Ela requer o que Arnheim chama de “conceito
representativo”, ou seja, a tradução de “conceitos perceptivos” em
padrões que podem ser obtidos de um estoque de formas disponí-
veis num medium particular, de modo que os “conceitos represen-
tativos” se tornam dependentes do meio através do qual eles explo-
ram a realidade”.
Do mesmo modo, os juízos perceptivos têm, para Peirce, um
caráter generalizador e, portanto, mediador entre a mente que per-
cebe e os estímulos sensoriais produzidos pelos objetos. Represen-
tar esses objetos de forma tangível, no entanto, pressupõe a tradu-
ção dos “juízos perceptivos” dentro dos limites e potencialidades
de um determinado meio e uma determinada linguagem. Se os meios
e, por extensão, as linguagens que eles veiculam são ampliações di-
ferenciadas da diversidade do nosso sistema sensório, de uma for-
ma ou de outra, o caráter desse sistema sensório fica inscrito ou tra-
duzido nesses meios. Sendo as qualidades materiais dos meios e lin-
guagens que determinam o caráter do Objeto Imediato do signo, an-
tes de apontar para o objeto que está fora do signo, o Objeto Ime-
diato indica, isto sim, as qualidades do meio e do código como ex-
tensões dos sentidos nos quais ele se consubstancia. Desse modo,
todas as vezes que produzimos um signo, também construímos um
Objeto Imediato que não alcança ser e não é o objeto dinâmico. Se
o Objeto Imediato constitui-se, assim, num afastamento e abstra-
ção em relação ao real, também constrói um “enriquecimento”, pois
ele nos dá, isto é, nos apresenta suas próprias qualidades materiais
sui generis. Mas isto deve ser visto em mais detalhes, pois se consti-

5. CE. RUDOLF ARNHEIM, Hacia una Psicologia del Arte, Madrid, Alianza Editorial,
1980, p. 43.
À TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 49

tui em pedra de toque para a tradução intersemiótica de cunho cria-


tivo uma vez que o signo estético, como já enfatizamos no capítulo
anterior, torna ainda mais proeminente o afastamento do seu refe-
rente.
Para tal, recordemos como as partes do signo, em nível de mi-
croscopia, rebatem umas nas outras e influenciam-se entre si, Todo
signo possui três referências: a) a função representativa que o torna
representação; b) à aplicação denotativa, ou ligação real, que põe
um pensamento em relação com outro; c) a qualidade material que
dá ao pensamento sua qualidadeó, Ora, são essas características
materiais que determinam a sua constituição, visto que o signo “não
é idêntico à coisa significada, mas dela difere sob alguns aspectos,
e deve naturalmente possuir algumas características próprias que na-
da têm a ver com a função representativa. Charnarei à estas carac-
terísticas as qualidades materiais do signo"*7, Desse modo, a “fun-
ção representativa” do signo não está na qualidade material, assim
como a “aplicação denotativa” também o está, Mas essas duas fun-
ções estão perpassadas pelo material que engloba os sentidos huma-
nos, conforimando as qualidades do Objeto Imediato do signo. O
signo, assim, no tocante a sua natureza material, é qualissigno ou
signo de qualidade e, neste aspecto, se confunde com seu Objeto
Imediato.
Se as qualidades materiais do signo influem e semantizam as
relações com seus sentidos receptores, então os caracteres sensoriais,
as formas produtivas e receptivas estão inscritas na materialidade
do signo. Veja-se, por exemplo, as diferenças entre uma fotografia,
um desenho e uma gravura que representam um mesmo objeto.
A relação de substituição e complementariedade entre original
etradução, nessa medida, pode ser vista como uma relação interlin-
guagens, onde empregamos signos como substitutos com graus de
abstração e concreção relativos à coisa significada. A distinção en-
tre experiência de primeira e de segunda mão significa, de um lado,
a distinção entre percepção como contato imediato com a coisa em
si e, de outro, num grau superior mais complexo, com a coisa de
forma mediada, através de algo que nos provoca o percepto in-dire-
tamente, isto é, através das linguagens e códigos, imagens e mode-
los como substitutos. Quer dizer: os signos se interpõem entre nós
e o mundo, mas ao mesmo tempo nos presentelam com significa-
ções e apresentações de objetos que, sem eles, não viriam até nós
e com situações até mesmo previamente inexistentes.
Sem querer fazer um levantamento exaustivo dos códigos e lin-
guagens existentes, podemos tentar, pelo menos, estabelecer cate-
gorias relativas às formas de produção e seus caracteres, isto é, con-
forme seus suportes. Podemos, assim, distinguir os substitutos pri-

6. C., S. PEIRCE, op. cif., p. 81.


7. Idem, p. 80,
50 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

mários em suportes fisiológico-orgânicos, tais como: sons, fonemas,


vozes, isto é, linsuagem falada como sistema “natural” articulado,
porém sempre acompanhada das linguagens “não-verbais””, como
linguagens complementares à comunicação verbal e que, segundo
Ekman e Friesens, possuem um caráter sincrônico com a fala, ou
seja, são a parte “não-verbal'* da linguagem verbal, tendo, por isso
mesmo, um caráter complementar. Estas linguagens “não-verbais”
podem ser classificadas, segundo os autores citados, em “emble-
mas”, “ilustradores” e “adaptadores”. O caráter emblemático-ges-
tual-tradutor destas linguagens implica a não digitalização. Já
Batesonº vê o fenômeno como metacomunicação, ou seja, “como
um caso particular do contexto”, Bateson entende por metacomu-
nicação uma comunicação que tem por objeto uma outra comuni-
cação. Assim, a metacomunicação possui um caráter nitidamente
metalingúístico: signos gestuais que acompanham a fala para refor-
çá-la e/ou contradizê-la.
Mas o organismo pode produzir também substitutos secundá-
Tios, como traços com ou sem instrumento num suporte: o desenho,
a escrita, numa relação corpo-suporte, corpo-instrumento. Estes
substitutos possuem um caráter artesanal, pois que dependem, por
assim dizer, da energia corporal e de ferramentas-instrumentos ele-
mentares.
Os substitutos terciários, ou memórias artificiais, já possuem
um caráter industrial-mecânico, quer dizer, tecnológico, uma vez que
envolvem instrumentos e artefatos que chegam à complexidade dos
aparelhos eletroeletrônicos os quais se encarregam de registrar e in-
cluir os substitutos anteriores como conteúdo. Os processos de per-
cepção e de criação de signos-substitutos conduzem constantemen-
te uns aos outros com tendência à mistura, saturação e, sobretudo,
tradução e englobamento.

Individual-Coletivo

Já do ponto de vista da produção sígnica, da sua materialida-


de, a distinção entre o “autográfico” e “alográfico”!º parece-nos
produtiva face ao problema da tradução e, sobretudo, ao produzir
sígnico, pois que meios e procedimentos se inscrevem no signo, de-
limitando sobremaneira os caracteres de seus Objetos Imediatos. As-
sim, frente ao problema da tradução, os caracteres “autográfico”

8. Apud JACQUES CORRAZE, As Comunicações Não- Verbais, Rio de Janeiro, Zahar,


1982, pp. 35-37.
9, GREGORY BATESON, apud JACQUES CORRAZE, op. cit., p. 50. À respeito da “me-
tacomunicação”", ver também GREGORY BATESON, Meiaglogos, Buenos Aires, Tiempo Con-
temporáneo, 1969, p. 13.
10. Nelson Goodman desenvolve os conceitos de “autográfico” e “alográfico”, relaciona-
dos aos aspectos de autenticidade e, sobretudo, às relações entre original e cópia no universo
da arte. NELSON GOODMAN, Los Lenguajes del Arte, Barcelona, Seix Barral, 1976), pp.
124-133,
A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS sl

fde auto = por si próprio, de si mesmo) e “alográfico”* (de alo =


outro, diferente) iluminam os aspectos inerentes não somente aos
Objetos Imediatos do signo, como também dizem respeito ao estilo
e ao caráter de contíinuo-analógico e descontínuo-digital,
Distingue-se entre sistemas de esboço e sistemas de notação, is-
to é, as artes autográficas, a pintura, por exemplo, produzem seu
objeto em sistemas de esboço como cálculo prévio que antecede ao
projeto e que contém a “expressão” autográfica de seu autor. Já
as artes alográficas — música, literatura, arquitetura, entre outras
— produzem seus objetos dentro de sistemas de notação como sis-
temas sígnicos mais ou menos familiares e convencionais que pos-
suem, por isso mesmo, caráter coletivo: os sistemas de representa-
ção gráfica, a notação musical, o alfabeto fonético, entre outros.
Então, as artes, que dependem de equipe para serem produzidas,
requerem a existência de planos de notação com caráter monossê-
mico que possibilitam a construção coletiva do signo. Já as artes
de autor caracterizam-se mais pela polissemia e ambigitlidade de seus
códigos.
Quanto à produção, isto é, à reprodução, há artes que são “uni-
fásicas” como a pintura que é feita diretamente por seu autor, e ar-
tes “bifásicas” como a música que é feita em dois momentos: o da
“notação” e o da interpretação. A notação possibilita a reprodu-
ção. Esta, a tradução daquela.
Tem-se, então, que os caracteres autográficos se identificam
mais com os signos como substitutos primários e secundários, pois
eles tendem a reproduzir os caracteres da pessoa que os produz co-
mo Índices que são: a fala, os gestos, a escrita caligráfica, o dese-
nho, a pintura. O autográfico, ao capturar os caracteres do autor,
estabelece os signos de qualidade diferencial que caracterizam as “di-
ferenças”' artísticas (que se convertem, aliás, na alma que alimenta
a ideologia da arte mercantil). Já por processos de notação, coloca-
mos em jogo o caráter do *“outro””, do coletivo. Enquanto o auto-
gráfico tende ao idioleto, o alográfico tende.ao código, à lei, à inva-
riância, O autográfico, por estar mais em relação corm os signos pri-
mários como produção, está mais para o domínio da “fala” indivi-
dual. Já o alográfico está mais para o domínio do coletivo. Contu-
do, esta diferença é muito sensível e está em proporção direta com
o drama do artista que deve expressar em linguagem a inefabilidade
do eu, a sua fala individual dentro de códigos coletivos. O artista
autográfico está menos limitado do que o alográfico, ao inscrever
e “expressar” sua diferença com os traços pessoais. Esses traços,
se não são normalizados em termos de código, são paradigmáticos
aos gestos da espécie humana. O que chamamos de “individual”
são os aspectos humanos (coletivos) de comportamento. É nessa fres-
ta que o artista inscreve a sua diferença como marca de si mesmo.
Enfim, artes alográficas são redutíveis aos seus sistemas de nota-
ção, comportam traduzibilidade e tendem à invariância. As artes au-
52 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

tográficas são irredutíveis aos seus esboços como qualidades e íco-


nes que são, Comportam pois traduzibilidade apenas por analogia.

OS SENTIDOS COMO PRODUTORES DOS OBJETOS


IMEDIATOS DO SIGNO; OLHO

A Forma é o prazer da visão,

GRAFITTE URBANO

Da. mesma maneira que os caracteres materiais, seus procedi-


mentos e processos se inscrevem nas qualidades dos Objetos Ime-
diatos dos signos, os sentidos humanos, inscritos também nesse pro-
cesso todo, determinam tanto à produção quanto a recepção sígni-
ca. Assim como as tecnologias efetuam uma amplificação de um ou
mais sentidos em detrimento de outros, também os diferentes as-
pectos de olho humano captam as qualidades diferenciadas dos ob-
jetos percebidos, criando microespecializações.
À percepção visual atua recebendo informações sob a forma
de textos, imagens, cores em termos de “imagens mentaís””. O seu
registro é feito pela exploração do campo visual, conjugando a per-
cepção global ou simultânea e a linear. Contudo, estes aspectos, que
permitem a captação da informação visual, podem ser organizados
à partir da própria constituição sígnica. Isto é, quando organiza-
mos o signo, estamos também organizando a construção do olhar.
Assim, o olho não é somente um receptor passivo, mas formador
de olhares, formador de Objetos Imediatos da percepção.
Entretanto, o olho é a síntese de três olhos que, na sua evolu-
ção, providenciaram ao ser humano outras tantas especializações:
Indo do centro da retina humana pará a sua periferia, viajamos para trás na
evolução, desde as mais altamente organizadas estruturas até à de um olho primitivo
que apenas detecta simples movimento de sombras. O bordo da retina humana não
chega sequer a registrar uma sensação, quando estimulado por qualquer movimen-
to: inicia-se apenas um reflexo tendente a dirigir os olhos para a origem desse movi-
mento, para que seja visto como a parte mais evoluída do olho: a fóvea!!,
As diferenças se devem à existência de pelo menos três áreas
bem definidas e diferentes: a fóvea, a área central e a região perifé-
rica (da qual decorre a visão noturna e o movimento), Cada área
realiza distintas funções visuais, capacitando o homem a ver de três
maneiras diversas. Como os três tipos de visão são simultâneos e
se misturam uns com os outros, normalmente não os diferenciamos.
Pela fóvea, focalizamos os objetos, o que nos permite obter uma
“alta definição”, ao mesmo tempo em que ela é ultra-sensível às
cores primárias do espectro-luz (azul, vermelho e verde) e à plastici-
dade e relevo dos objetos. Já a área central intermediária é sensível
ao branco e preto, ao amarelo e azul, com todos os graus de satura-

11. R. L. GREGORY, À Psicologia da Visão, Porto, 1968, p. ão.


A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 53

ção, intensidade e luminosidade, “A visão macular é bastante cla-


ra, mas não tão clara e aguçada quanto a fóvica, pois as células não
se encontram tão compactamente reunidas como no caso da fóvea.
Entre outras coisas, o homem usa a mácula para ler""!2, À pessoa
que descobre o movimento pelo canto do olho está utilizando a vi-
são periférica, na medida em que se afasta da porção central da re-
tina. Por sua vez, o movimento da fóvea implica seqgiiência de foca-
lização: é o movimento sacádico ocular. A área periférica, insensí-
vel a toda forma e cor, reproduz as sensações de branco e preto (vi-
são de claro-escuro), sem possuir as sensações plásticas de relevo,
mas é muito sensível ao movimento. Ela capta o fundo; a fóvea,
o foco, “A visão periférica”, diz Koffka, “é um sentido de fundo;
a área central, um sentido de figura”.

Sensibilidade Visual

Nesse ponto, parece conveniente assinalar as isomorfias, cor-


respondências e analogias entre a estrutura ocular e os diversos meios-
extensões do visual. Se a fotografia privilegia a fóvea na focaliza-
ção dos objetos, a sua profundidade de campo tem mais a ver com
a área central, Já a televisão (construída em analogia com a retina)
privilegia a mácula ou área central, daf seu caráter tátil-visual, co-
mo o que quer McLuhan, enquanto que a TV branco e preto privi-
legia mais a periferia. Na interface olho e TV, o olho humano colo-
ca em simultaneidade os três tipos de visão, privilegiando obviamente
a parte central da retina: a fóvea percebe os deta:hes e as cores jun-
to com a mácula que prefere o contexto aos detalhes.
A partir daí, iá se podem extrair algumas relações entre as ca-
racterísticas de cada região ocular e seus usos culturais e também
individuais. O olho também nos especia:iza em algo. Em primeiro
lugar, o canal visual é um receptor exclusivo, pois, como receptor
à distância que é, tende a isolar-se dos demais sentidos, produzindo
assepsia e organizando o mundo, o tempo e o espaço de modo uni-
forme, o que cria, no dizer de McLuhan, o poder de distanciamen-
to e de não envolvimento. Já o sentido do tato, como receptor ime-
diato, nos provê de uma percepção mais integrada e menos especia-
lizada. O Ocidente, ao dar ênfase ao aspecto visual-fóvico produziu
a perspectiva, como produto da geometria euclidiana e da matemá-
tica, desenvolvida posteriormente pela óptica e peia fotografia. Isso
linearizou à nossa percepção, tornando-a automática e privilegiou os
códigos lógicos sobre os analógicos. Grande parte da nossa insensi-
bilidade provém do emprego do ponto retiniano da fóvea. “Quan-
do estendido pela alfabetização fonética, o sentido visual engendra
o hábito analítico de perceber facetas isoladas da vida das formas.

12, EDWARD T. HALL, A Dimensão Oculta, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves
Editora S.A., 1979.
13. KURT KOFFKA, Princípios de Psicologia da Gestalt, São Paulo, Cultrix, 1975, p, 212,
TIM o TER ra

54 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

O poder visual nos capacita a isolar um único incidente no tempo


e no espaço, como a arte figurativa”'!4,
Assim como os fonemas, na língua articulada, tendem à simul-
taneidade, o canal visual também tende a uma visão totalizadora
do mundo visual, mas a ênfase na continuidade, na uniformidade
e no nexo segiiencial derivada da cultura letrada nos leva a imple-
mentar a continuídade e a linearidade mediante a repetição fragmen-
tada. Essa habilidade para discriminar aspectos, selecionar infor-
mações dentro de uma totalidade nos leva à metonimização e frag-
mentação da experiência visual, pois percebemos aspectos únicos de
espaço em momentos breves de tempo. A montagem, na memória,
de todos os pontos de vista possíveis é que nos dá a sensação de es-
paço contínuo e uniforme. De tantos pontos de vista, não há mais
pontos de vista, pois todos são relativos, Isto é confirmado pela fo-
tografia, visto que esta coloca a possibilidade (utópica) de construir
o mundo e sua imagem a partir dos infinitos pontos de vista pro-
váveis, através dos quais se pode tirar uma fotografia. É essa mes-
ma possibilidade que foi alimentada pelos maneiristas e barrocos
e realizada definitivamente pelos cubistas e o cinema de Eisenstein.
Estes articulam as metonímias no eixo da similaridade, subverten-
do, por isso mesmo, a visão contínua e uniforme do olhar da Re-
nascença.
É pela visão fóvica, que percebemos os detalhes. Pela fóvea,
o homem está capacitado a enxergar com precisão. “Sem a fóvea,
não haveria máquina-ferramentas, microscópios e telescópios. Em
suma, nenhuma verdadeira tecnologia e nenhuma ciência”"!5, Não
haveria tipografia, nem fotografia, nem livros, nem a arte da Re-
nascença baseada na perspectiva monocular. Pela visão central, o
homem percebe as cores, percebe globalmente. Os vitraux da Idade
Média não existiriam sem a visão central, nem o efeito de trimen-
sionalidade produzido pelas cores nos quadros de Mondrian, nem
os impressionistas poderiam ter flagrado a mutação cromática da
luz. Não existiria também a arte abstrata de manchas coloristas. Já
a visão periférica percebe o movimento. Os futuristas faziam am-
plo uso desta capacidade visual. Talvez, por isso, não sejam gran-
des coloristas e sim simultaneístas, Contudo, esses três tipos de vi-
são atuam em conjunto, simultaneamente, com dominância de um
deles sobre os outros. Foi isso que levou Gibson (1940) a descobrir
nada menos do que treze tipos de perspectivas (de tamanho, de es-
trutura, espaçamento, superposição, entre outras), muitas delas já
utilizadas instintivamente pelos artistas orientais e ocidentais, o que
tira a dominância da perspectiva central e seus derivados.

14. MARSHALL MCLUHAN, op. cit., p. 376.


153. EDWARD T. HALL, op. citf., p. 71.
À TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 55

Olho; Alta e Baixa Definição

Mas as relações entre olho e signo, como interação entre senti-


dos e Objetos Imediatos dos signos, podem ser vistas de forma mais
específica na TV, conforme nos propõe McLuhan, pois é aqui que
a área central é mais privilegiada do que a fóvica. Isto porque a re-
tícula de pontos possui um caráter tátil. É por isso que, se a fóvea
funciona em “alta definição”, a mácula e a periferia funcionam em
“baixa definição”, tendendo ao paratático, ao icônico, à participa-
ção sensorial e sinestésica. À informação tátil em baixa definição
da TV tende a afirmar intervalos que levam o telespectador a for-
mar gestalts que têm muito a ver com os quadros de Seurat. À tra-
ma mosaica de pontos-luz, que nos ilumina e que produz em nós
a sinestesia como unificação dos sentidos e da vida imaginativa, en-
fatiza a participação ocular do espectador como meio frio que é em
contraposição aos outros meios oculares como o cinema e a foto-
grafia. Estes, mais quentes, acentuam, por isso mesmo, a “alta de-
finição” e, portanto, a não participação que “projeta o autor no
público”. Segundo McLuhan, “a TV nada tem a ver com a foto-
grafia ou o cinema, exceto à disposição de formas ou gestalt não-ver-
bal. Ela não é a fotografia em nenhum sentido e sim o incessante
contorno das coisas em formação, delineado pelo dedo perscruta-
dor”!6, À TV, como meio visual que capta o espaço em mosaico,
tende a planificar o campo da representação. Ela traduz o olho fo-
veal, como receptor à distância, em olho icônico-tátil, pois ao mes-
mo tempo que rejeita a perspectiva foveal, não favorece a lineari-
dade hierarquizante. Ela reorganiza a vida imaginativa através do
tato, exigindo o envolvimento à maneira da arte oriental e rejeitan-
do o distanciamento e a ênfase visual na continuidade e uniformi-
dade.
MacLuhan expressa muito bem como a criança se comporta no
confronto dos meios: ela revela a tendência a extrapolar a sensoria-
lidade visual envolvente da TV e dos quadrinhos para a página uni-
ficada e impressa do livro que, via de regra, a rejeita com seus pa-
drões uniformes e rápido movimento ocular-linear. A imprensa, nes-
sa medida, como construtora de pontos de vista únicos, em alta de-
finição, como meio quente, “vive dos conflitos de opiniões, de pon-
tos de vista únicos e do não envolvimento sensorial em profundida-
de”,
Tendo o olho a fóvea como dominante, o sentido visual sem-
pre nos especializa em algo, mas, ao mesmo tempo, o canal visual
também é intra-especializado, quer dizer, cada região ocular nos for-
nece as condições necessárias para elaborar a sensibilidade sígnica
inerente aos aspectos dos Objetos Imediatos. Nessa medida, pode-se

16. MCLUHAN, ep. cif., p. 351.


17, Idem, p, 347.
56 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

fazer uma relação entre às regiões oculares e os caracteres semióti-


cos dos signos peircianos: a mácula, a visão periférica e a fóvea cor-
respondem, assim, às categorias do ícone, do índice e do símbolo.
Isto porque a mácula nos ajuda a formar os caracteres do Objeto
Imediato da percepção, como mera qualidade cromático-luminosa,
como mera analogia, Já a visão periférica caracteriza-se mais pelo
confronto-atrito produtor de movimentos, incluindo-se aí as quali-
dades acromáticas que nos fornecem indefinição para volumes, in-
definição causadora do estado'de atenção relativa que caracteriza
a aparição do Objeto Imediato da, percepção,
Se o funcionamento da mácula é meramente qualitativo, como
captura de totalidades ambientais (uma qualidade cromático-atmos-
férica, por exemplo), a periferia coloca-nos em alerta em relação ao
contexto.
Em terceiro lugar, a fóvea entra em correspondência com o sím-
bolo como portador de caracteres de digitalização doaminantemente
e, sobretudo, pelo seu alto teor de discriminação manifesto nos meios
nos quais este sentido se materializou: a microscopia, fotografia,
cinema, tendo, por isso mesmo, alta capacidade de análise e meto-
nimização.

OS SENTIDOS COMO PRODUTORES DOS OBJETOS


IMEDIATOS DO SIGNO: TATO

Não há ponto de vista de que se possa olhar um vaso.

A mão carece de ponto de vista.


MCLUHAN

Se culturalmente o sentido visual é dominante, parece ser o ta-


to o sentido original a partir do qual todos os demais foram dife-
renciados, Tato e contato nos confirmam a realidade que vemos.
O tato é o primeiro sentido que se manifesta. Desde cedo aparece
na. vida fetal e infantil com a exploração do próprio corpo. À ex-
ploração tátil do mundo fornece ao cego a orientação espacial. O
fabrico dos primeiros objetos estéticos e utilitários, desde a pré-his-
tória, corresponde ao modelo da mão e da anatomia corporal: a ce-
râmica, escultura, a pintura na caverna. Para E. T, Hall,
Existe uma relação entre a era evolucionária do sistema receptor e a quantidade
e qualidade de informação que se transmite para o sistema nervoso central. Os siste-
mas táteis, ou do tato, são tão velhos quanto à própria vida; na verdade, a capacida-
de para reagir a estímulos é um dos critérios básicos da vida. À vista foi o último
e mais especializado sentido que se desenvolveu no homem. À visão tornou-se mais
importante e o olfato menos essencial quando os ancestrais do homem saíram do
chão e passaram às árvores, À visão estereoscópica é essencial à vida nas árvores,
sem ela, pular de galho em galho torna-se muito precário...

18. EDWARD T. HALL, op. cif., p. 50.


A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 57

Pela própria complexidade do mundo perceptivo, do qual o ca-


nal visual é apenas uma parte, as experiências espaciais tornam-se
tão interligadas ao sentido tátil que os dois sentidos não podem ser
separados: olho e tato se contêm mutuamente. Tal separação é me-
ramente cultural! e corresponde a estágios de desenvolvimento da cul-
tura humana que fazem predominar o sentido visual, na cultura oci-
dental, sobre os demais sentidos: o “proibido tocar”* é ocidental.
Comentando a percepção espacial, Braque (via Hall) distingue en-
tre espaço tátil e visual da seguinte maneira: o espaço tátil separa
o espectador dos objetos, enquanto o espaço visual separa os obje-
tos úns dos outros. Assim, a perspectiva científica não é senão um
truque para enganar o olho, já que torna possível ao artista trans-
mitir a plena experiência do espaço. Ao relacionar o tato com o vi-
sual, o fluxo de impressões sensoriais é reforçado, pois a pele é a
fronteira, e é a memória das experiências táteis que nos capacita a
apreciar a textura do mundo. Como receptor imediato, o tato
é, entre todas as sensações, aquela experimentada de modo mais pessoal. Para
muitas pessoas, os momentos mais íntimos da vida estão associados às mutáveis tex-
turas da pele. (...) ... durante o ato de amor, e a sensação veludosa da satisfação
em seguida, são mensagens de um corpo para outro com significação universal!?,

Se a tendência do sentido visual é a de homogeneizar um cam-


po, a de vê-lo contínuo e unificado, ocupado e preenchido pelos ob-
jetos, a de perceber o cheio, o tátil nos faz perceber as diferenças
por contraste e proximidade, a experiência acentuada pelo interva-
lo entre objetos. Os orientais sabem disso. Eles possuem um senti-
do aguçado do MA ou vazio (como espaço-entre-objetos) e não dos
objetos, daí que a tendência dos orientais não seja a de adicionar
arte ao meio, mas a de que o próprio meio seja arte, procurando
o espaço entre os códigos. ““... O espaço é criado ou evocado por
todas as formas de associações entre cores, texturas, sons e seus in-
tervalos”"º0, O jardim japonês, por exemplo, apresenta espaços evo-
cados pela “propriocepção” e pela Kinesis, tanto quanto por outras
relações sensoriais. Para o tato, cada momento é único e sua forma
mais significativa é o intervalo, enquanto que para o sentido visual
é a conexão.
“O senso do espaço no homem relaciona-se intimamente com
o senso do eu que se encontra, por sua vez, em íntima transação
com o meio ambiente”"?!, As formas hápticas (táteis), realizadas por
cegos, têm um sentido mais orgânico-unitário-harmônico do que as
mesmas formas hápticas realizadas por videntes. Ao caráter tátil da
forma háptica do cego contrapõe-se o caráter exclusivo-figurativo
e mimético da forma plástica do vidente,
Do ponto de vista das linguagens “não-verbais”, falamos com
o nosso órgão vocal, mas conversamos com todo nosso corpo. Por

19, Idem, p. 65.


20. MCLUHAN, O Espaço na Poesia e na Pintura, São Paulo, 1975, p. 6.
21. EDWARD T, HALL, op. cit, p. 66.
58 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

outro lado, já se observou, com muita freqilência, que o ensino de


uma língua estrangeira não pode ser considerado satisfatório se não
comporta a aprendizagem dos emblemas e gestos que lhe são pecu-
liares. O canal tátil, como receptor imediato, está, por isso mesmo,
ligado ao próprio eu e à esfera corporal. É natural que ele se sature
na linguagem falada e vice-versa, sobretudo nas práticas de “meta-
comunicação”, no “contexto imediato” com os outros. À lingua-
gem “emblemática”, “ilustradora” e “adaptativa” tem como sig-
nificado imediato uma comunicação tátil que é complementar ao
verbal e expressão das emoções humanas.

Háptico-Sensitivo

O caráter háptico dos Objetos Imediatos do signo, seja na re-


presentação, seja na tradução, está intimamente ligado a sua orga-
nização material ou, mais especificamente: o sentido háptico se dá
na relação tensional entre intervalo e elementos e também entre a
semântica dos materiais e a sua organização. Isto fica claro, se pen-
sarmos em artes nitidamente hápticas como a escultura, arquitetu-
ra, cerâmica, onde a fusão sensorial e semântica dos materiais está
unificada: o calor e à cor dos objetos, a sua temperatura, o seu ca-
ráter tátil-sensitivo são significados que se incorporam à forma. Mas
o sentido háptico pode também ser transferido sinestesicamente pa-
ra o visual (chovisco da TV) como a textura de um texto.
O sentido háptico, modulador do sensório e das qualidades hr
minosas, criador de ritmos, ícones, organizador de espaços e con-
flitos, atua como equivalente dos conceitos perceptuais e sua mate-
rialização como forma tangível é muito mais uma tradução aos meios
do que reprodução dos perceptos. As qualidades materiais dos Ob-
jetos Imediatos do signo estão pois relacionadas às representações.
À tradução de conceitos perceptivos em representações está perpas-
sada pelos meios de produção.

OS SENTIDOS COMO PRODUTORES DOS OBJETOS


IMEDIATOS DO SIGNO: ACUSTICO

O espaço acústico é sempre um espaço «esférico,


um
campo não lizável de telações di Mas é
uma esfera em dinâmica vital porque não está contida
em nada nem contém nada, não tem horizontes.
MCLUHAN

Os sinais táteis como os visuais dão-se no espaço, de forma si-


multânea. No entanto, são suscetíveis de exploração temporal co-
mo aconteçe na leitura de um texto. Os sinais temporais como a mú-
sica e a fala são sucessivos. Mas há uma diferença mais fundamen-
tal entre o canal visual e o acústico: o primeiro pode escolher e sele-
cionar a informação, isto é, pode eliminar informação de seu cam-
A TIL COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 59

po de amostragem. Já o canal acústico é obrigado a perceber em


simultaneidade várias sucessividades, Outra diferença: o canal vi-
sual pode escolher a sua fonte de informação, o canal auditivo tem
mais dificuldade em localizar a sua fonte. À univocidade do canal
visual, opõe-se a ambigiiidade do canal áudio. O que se vê em opo-
sição ao que se sabe e sente. Daí a fotografia como documento em
oposição ao inundo oral, ao mito. “Ver para crer” é o lema ociden-
tal.

A experiência do espaço acústico é bem diferente da experiên-


cia visual desse espaço. O canal visual recebe mais informação em
termos de qualidade e quantidade do que o canal acústico. Basta
lembrar que a luz viaja a 300 000 km/segundo, enquanto o som a
340 m/segundo. Já que a localização da fonte emissora carece de
significado, o espaço acústico é um espaço sem fronteiras ou hori-
zontes, é um espaço fluente que independe da nossa posição em equi-
líbrio. O espaço acústico tem assim um caráter mais qualitativo e
analógico do que o sentido visual. O som suscita em nós a imagem
acústica correspondente como mera qualidade analógica, Se o es-
paço acústico é um espaço equívoco pelo caráter de ambigúidade
e simultaneidade, isto é, um palimpsesto como mundo de espaços
e tempos superpostos, o espaço visual é um espaço unívoco porque
limitado a um ponto de vista fixo, daí a sua mecanização pela foto-
grafia. “O espaço acústico não pode existir num fragmento de es-
paço visual (...) ... o bidimensional! retrata muitos espaços num tem-
po multinivelado”'%,

O Som: Mera Qualidade

Tomando o fonema como unidade mínima de material sonoro


e fazendo um paralelo com a música, vemos que ambos, música e
fonema, possuem uma estrutura tanto harmônica quanto melódi-
ca. À melodia é uma seqiiência temporal de sons, já a harmonia é
um feixe de sons simultâneos, Para efeitos de análise, tanto a fala
quanto a música se revelam como um fluxo de sons dos quais é pos-
sível extrair tanto um acorde musical quanto um fonema. Este últi-
mo, em si próprio, carece de significação, pois é “a menor entidade
lingiiística de dois eixos”, isto é, “as propriedades distintivas divi-
dem-se numa classe de propriedades inerentes, que dispõem do eixo
das simultaneidades, e numa classe de propriedades prosódicas, que
só interessam ao outro eixo, o das sucessividades**º3, O fonema, to-
mado em si próprio, não significa nada, é mera qualidade acústica.
**As propriedades distintivas são em si próprias vazias de significa-
ção”.

22. MCLUHAN, op. cit., pp. 135 e 57.


23. ROMAN JAKOBSON, Seis Lições sobre o Som e 5 Sentido, Lisboa, Moraes Editores,
1977, p. 85.
24, Idem, p, 87.
60 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

A relação entre som e sentido é uma relação externa, por conti-


guiidade; “não é arbitrária, é necessária. (...) Foi em conjunto que
os dois ficaram impressos no meu espírito””?S, Mas a relação entre
som e sentido também pode ser da ordem da semelhança como acon-
tece nos sons onomatopaicos e expressivos que designam um objeto
fora do som. Isso, se não mencionarmos os procedimentos poéticos
que radicalizam as relações de som e sentido no eixo das semelhan-
ças. Para Jakobson, a intimidade dos laços entre som e sentido na
palavra leva os sujeitos falantes a completarem a relação externa com
uma relação interna, a contigitidade com uma semelhança, com um
rudimento de caráter visual, Em virtude das leis neuropsicológicas
da sinestesia, as oposições fônicas podem chegar a evocar relações
com sensações musicais, cromáticas, olfativas, táteis etc. À oposi-
ção dos fonemas agudos e graves, por exemplo, é capaz de sugerir
a imagem do claro e escuro, do agudo e do arredondado, do fino
e do grosso, do leve e do pesado etc. Este “simbolismo fonético”,
como lhe chama o seu explorador Sapir, “este valor intrínseco, ain-
da que latente, das qualidades distintivas, reanima-se assim que en-
contra uma correspondência no sentido de uma determinada pala-
vra, na nossa atitude afetiva ou estética para com essa palavra e ainda
mais para com palavras de significados polares”"?$, Ainda para Ja-
kobson, o fonema “é uma entidade complexa, um feixe de qualida-
des distintivas. Estas são dotadas de um caráter meramente opositi-
vo, e cada uma destas oposições em separado presta-se à ação da
sinestesia, de que a linguagem infantil dá as provas mais notá-
veis,
Vê-se, a partir disso, que tanto o fonema, quanto o acorde mu-
sical carecem por completo de referencial, tornando dominantes seus
Objetos Imediatos como meras qualidades plenas de ambigtliidade.
Tanto a fala quanto a música são fluxos contínuos de sons, não exis-
tindo fronteiras nítidas entre sons sucessivos. Tanto uma quanto a
outra podem ser transcritas para a notação fonética ou a notação
musical que permitem digitalizar e quantificar as qualidades sono-
ras. Contudo, são essas mesmas qualidades que constituem os Ob-
jetos Imediatos sonoros. Algo da fisicalidade icônica desses Obje-
tos Imediatos pode ser capturado pelos chamados espectrógrafos de
som que medem espectros de freqiiência de sons físicos (sonogra-
mas), tanto os de instrumentos e de cantores como os da fala. Esses
espectros, utilizados sozinhos, fornecem portanto uma descrição
acústica. São sinais que, destinados à identificação auditiva, podem
estabelecer padrões visuais inteligíveis de forma não ambígua. A fala
torna-se visível28. Da mesma forma, os percursos oculares podem
ser registrados, desvendando, em certo sentido, as estruturas confi-

25. ÉMILE BENVENISTE, apud ROMAN JAKOBSON, op, cit., p. 86.


26. ROMAN JAKOBSON, op. cif., p. 88.
27. Idem, p. 88,
28. COLIN CHERRY, À Comunicação Huntana, São Paulo, Cultrix, 1971, pp. 228-232,
A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 61

suracionais, e portanto icônicas, das interações entre sentidos e Ob-


jetos Imediatos do signo.
Como se pode ver, são precisamente as características estrutu-
rais dos sentidos que são traduzidas para os canais tecnológicos e
para os Objetos Imediatos dos signos. Já viu McLuhan que os ca-
nais tecnológicos como extensões dos sentidos, tais como o rádio,
o gravador, o telégrafo, restauram todas as qualidades do espaço
acústico primitivo na criação de uma ““aldeia global” de caracterís-
ticas orais. É também pelo ângulo dos Objetos Imediatos do signo
que a arte pode ser vista como uma “história da sensibilidade”
pelo modo como os artistas empregam seus sentidos e comunicam
suas percepções ao observador.

Analógico-Digital

Processos cerebrais superiores e integrativos, que se operam en-


tre o tálamo e o córtex, estabelecem, durante a produção de lingua-
gem, a associação que faz parte dos processos de organização men-
tal e que induz à criação icônica. Para Friedrich Sanders, o prin-
cípio integrativo e “transfenomênico”' é anterior à percepção de sen-
sações como fenômenos isolados ou experiências separadas. Estes
fatores condicionantes “transfenomênicos"”', que possibilitam a to-
talidade da experiência e a organização estrutural das partes no to-
do na corrente sintética da consciência, sobrepõem-se à primazia dos
elementos sensoriais “simples”**1,
Por outro lado, sabe-se que o tálamo opera abaixo do nível da
consciência, enquanto o córtex cerebral integra os dados emitidos
pelos sentidos via tálamo. Também é relevante mencionar aqui a di-
visão do cérebro em dois hemisférios, o esquerdo que controla o la-
do direito do corpo e o direito que controla o lado esquerdo. Este
último, responsável pela “intuição”, é o lado mais “artístico” on-
de estão localizadas as habilidades especiais que permitem uma ex-
periência tridimensional do mundo. É o lado analógico. Nesta late-
ralidade cerebral, que nos especializa em algo, o lobo ou hemisfério
esquerdo é mais apto às operações lógicas e às tarefas analíticas, Con-
tudo, as áreas de Broca e Wernike, interligadas e localizadas no lo-
bo temporal (principal depósito das memórias visual, auditiva e ver-
bal), permitem o trânsito da linguagem articulada e concatenada,
juntando e comparando esses sinais nas chamadas áreas de associa-
ção.

Essa técnica de comparar e integrar sinais é levada ao auge, numa verdadeira


orgia de trocas de informações, na área de superassociação, Lá vão ter as mensagens
dos olhos, ouvidos, nariz, pele, de modo que quando, por exemplo, você pega uma

29, Cf. EDWARD T. HALL, op. cit., p. 717.


30. FRIEDRICH SANDERS, “Estructura, Totalidad de Experiencia y Gestalt”*, in Psico-
logia de la Forma, Buenos Aires, 1963, pp, 94-126,
31. Idem, pp. 94-126.
62 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Xícara, você pode combinar a sensação de forma com a imagem que ela representa.
E se alguém disser: “Isto é uma xícara", você ganha uma etiqueta para esse objeto
e a etiqueta pode ser escrita ou falada. Sem as habilidades integradoras da área de
superassociação, seria difícil manipular uma linguagem complexa*?.

Essas estruturas, que atuam indissoluvelmente unidas, permi-


tem experimentar a construção de formas “como a satisfação de uma
exigência íntima, pois a consciência total está urgida pela necessida-
de de formar o informe, de dar significado ao que não tem, O que
sucede no nível da percepção, repete-se em maior medida em nível
intelectual e artístico”*33, Esses processos concormitantes e simultâ-
neos aos processos criativos de elaboração da informação — pro-
cessos como organizações centrais, em si mesmas não-verbais, que
conduzem à invenção através da organização de forças internas, co-
mo estruturas comuns às diversas percepções e que aspiram ao má-
ximo de organização icônica — devem estar perpassados por orga-
nizações ““supersensoriais” (Koffka) como processos energéticos
combinados e complementares que constituem o “fundo” das ope-
rações de invenção. “Isso quer dizer que e nosso fundo mais geral
é supersensorial na acepção de que deve a sua existência, potencial-
mente, às contribuições de todos os sentidos...”**4, O caráter inter-
modal entre os sentidos é também ressaltado por Werner (via Paul
Guillaume), quando enfatiza o caráter analógico-organizativo na re-
lação sujeito-objeto. Assim, o caráter analógico-integrativo como
origem comum às experiências sensoriais se superpõe à irredutibili-
dade dos sentidos isolados de suas estruturas como propriedade in-
termodal.
É por demais evidente, na sua estrutura organizativa, o caráter
analógico e ambíguo dos sentidos que confere à percepção sensorial
seu status de complementariedade, isto é, a percepção de um acon-
tecimento ou objeto, imaginário ou observado, está enraizada em
mais de um dos sentidos. À identidade de uma flor repousa tanto
no seu aroma e em sua forma como em sua cor, de modo que a ex-
periência e a memória possam conter um ramalhete de sensações e
percepções.

Comme de long echoes qui loin se confondent


ans une ténebreuse et profonde unité,
Vaste, comme la nuie ef comme la clarté,
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.
BAUDELAIRE

Operações de criação (icônicas) de idéias novas atuam em si-


multaneidade com as possibilidades do existente. Contudo, a ener-
gia icônica, não obstante essa especialização na aplicação real, ten-
de a extravasar o âmbito dos sentidos, das linguagens ou meios es-

32. Idem, pp. 94-126,


33. Idem, p. 107.
34. KURT KOFFKA, op, cif., p. 211.
A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 63

colhidos. Basta observar as caretas do músico, por exemplo, quan-


to toca um instrumento, assim como outras manifestações da *“me-
tacomunicação”, para que isso apareça. Fragmentos do ““supersen-
sorial”* ou da atividade sensitiva “intermodal”*, como contribuição
de todos os sentidos, devem existir necessariamente em toda repre-
sentação. O extravasamento de dados sensoriais como atividade dos
sentidos é uma condição indispensável para o funcionamento do sis-
tema nervoso e da mente. É por isso que certos caracteres sinestési-
cos manifestam-se na terminologia descritiva de todas as línguas,
e de maneira mais imediatamente inteligível para todos. Fala-se cor-
rentemente, e sem equivoco, de cores quentes, frias, berrantes, vio-
lentas, agressivas, doces, brandas, duras; de sons claros, agudos,
brilhantes etc. Como compreender o acordo na atribuição desses qua-
lificativos, se ele não estivesse fundado numa analogia real das im-
pressões?
Segundo H.J. Campbellºá (numa relação com o cérebro trii-
nico de McLean), o cérebro nos especializa em “ativos da sensação”,
“ativos de pensamento”? e, em terceiro lugar, no reduzidíssimo nú-
mero de pessoas pensantes que obtêm o prazer dos processos men-
tais elevados e cujo fazer é comunicado através da escrita e da pala-
vra. Enquanto o primeiro grupo desenvolve uma sensorialidade pu-
ramente animal e instintiva, no segundo grupo, “os mecanismos sen-
soriais estão submetidos ao domínio criador das regiões superiores,
e as faculdades essencialmente humanas do córtex cerebral se ex-
pressam de forma sensorial”, Assim, os “ativos de pensamento”
obtêm seu prazer predominantemente dos processos de pensamento
que são materializados. Encontram-se aqui os artistas que empre-
gam a modalidade sensorial de forma estimulante para poder co-
municar as idéias que originam suas atividades. Assim, processos
articulatórios de pensamento e liguagem encontram-se nas regiões
superiores do córtex cerebral, o que levou Chomsky a pensar que
a estrutura sintática da linguagem é um atributo pecuiiar do homem,
Contudo, processos analógicos de pensamento e processos ló-
gicos transam entre si. Na divisão já clássica das linguagens em di-
gitais e analógicas, o digital funciona em termos de sim e não, de
tudo ou nada, já o analógico, devido ao seu caráter de continuida-
de e iconicidade, produz sempre ambigiiidade nas mensagens, O di-
gital, por sua vez, tende a traduzir conteúdos objetivos que o capa-
citam para instrumentalizar processos lógicos de pensamento. É por
isso que a tradução entre analógico e digital está sujeita a distorções
de informação. Para a mente tradutora, as operações de análise e
síntese, concomitantes ao processo tradutório, colocam em jogo os
dois níveis de pensamento: o sensível e o inteligível.

à5. Cf. PAUL GUILLAUME, Psicologia da Forma, Rio de Janeiro, Editora Nacional, 1966,
p. 165.
36. H.J. CAMPBELL, Las Areas del Placer, Madrid, 1976, pp. 78-79,
37. Idem, pp. 78-19.
4 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Movimento de Hibridização Tradutório

Os meios e linguagens quentes, produtores de alta definição,


referem-se a estados onde a alta saturação de dados cria o prolon-
gamento excessivo de um dos nossos sentidos, tornando-nos espe-
cialistas nesse sentido, Pelo contrário, os meios e linguagens frios,
de baixa definição, permitem a participação do receptor. São, por
assim dizer, mais envolventes e, consegiientemente, tendem ao trân-
sito entre sentidos.
O par frio-quente ou baixa e alta definição tem a ver com o
domínio do receptor e sua memória sinestésica. Assim, a interação
entre sentidos é um fato que depende da recepção e também da ca-
pacidade de preenchimento dos espaços sensoriais. Todos os veícu-
los, de forma mais ou menos acentuada, saturam-se uns aos outros,
à maneira do processo sinestésico promovido pelo sistema nervoso
central humano. Os canais técnicos sofrem também o processo de
hibridização como combinação de diversos meios ou códigos, pro-
cesso relativo, sobretudo, aos meios eletrônicos de caráter inclusi-
vo. Do mesmo modo que a especialização dos sentidos nos conduz
segilencialmente à fragmentação (e McLuhan assinala a máquina co-
mo portadora desse processo), a hibridização e saturação nos con-
duz a uma visão simultânea das coisas, ingressando, no dizer de
McLukan, no mundo da estrutura e da configuração próprias da
velocidade elétrica que substitui a seqliência mecânica. Assim, “as
linhas de força das estruturas e dos meios tornam-se audíveis e cla-
ras, fazendo-nos retornar à forma inclusiva do ícone”*38,
Esse fato, característico de todos os veículos, significa que o
conteúdo de qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou
veículo. O conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escri-
ta é o conteúdo da imprensa e a palavra impressa é o conteúdo do
telégrafo. Se alguém perguntar “qual é o conteúdo da fala?”, ne-
cessário se torna dizer: ““— É um processo de pensamento, real, não
verbal em si mesmo***,
Consegiientemente, o caráter de frio, baixa definição, abertu-
ra, saturação, hibridez, participação, simultâneo, em oposição ao
caráter de quente, alta definição, fechado, puro, autônomo, não par-
ticipativo, especialidade e sequencial define, de antemão, as condi-
ções tradutoras, Para a TI, o caráter de frio antecipa as condições
tradutoras muito mais do que o caráter de quente, assim como à
hibridização nos oferece as condições comparativas de seus compo-
nentes e propriedades estruturais, o que permite dimensionar os ca-
racteres sensoriais dos meios e veículos. Já o predomínio intensifi-
cado de um sentido, além de nos tornar especialistas, nos embota
é fecha aos outros sentidos. Ao contrário, ““o híbrido ou encontro

38. MCLUHAN, Os Meios de Comunicação..., p. 27.


39. Idem, p. 22.
A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 65

de dois meios constitui um momento de verdade e revelação do qual


nasce a forma nova”"*º,

Intermídia e Multimídia

O universo das ferramentas físicas e o universo das ferramen-


tas “invisíveis”, tais como as linguagens e sistemas de signos em ge-
ral, são ampliações dos processos mentais do homem e suportes de
seu pensamento e de sua sensibilidade. Basicamente, o homem cons-
trói tecnologias para multiplicar a sua competência para a expres-
são. Daí que as ferramentas “moles” (software), como é o caso das
linguagens e processos simbólicos, se relacionam com as ferramen-
tas “duras” (ftardware).
Às ferramentas das atividades artesanais eram utilizadas por um
só homem, enquanto no uso das ferramentas industriais coopera-
vam vários grupos, Na sociedade pós-industrial, porém, os sistemas
funcionam com,o esforço integrado de muitos homens ao mesmo
tempo, a ponto de constituir, como nota Fuller, sistemas integrais
mais do que sistemas locais, Tais sistemas funcionam com uma efi-
cácia tanto maior quanto mais organizados eles estão em redes vas-
tas e universais, Fuller parece flagrar aí o que poderia ser o germe
de uma teoria da intermidia.
Já vimos com McLuhan como a hibridização ou encontro de
dois ou mais meios constitui um momento de revelação do qual nasce
a forma nova. Assim, e processo de hibridização nos permite fazer
os meios dialogarem, À combinação de dois ou mais canais a partir
de uma matriz de invenção, ou a montagem de vários meios pode
fazer surgir um outro, que é a soma qualitativa daqueles que o cons-
tituem. Neste caso, a hibridização produz um dado inusitado, que
é a criação de um meio novo antes inexistente. Uma segunda possi-
bilidade é superpor diversas tecnologias, sem que a soma, entretan-
to, resolva o conflito. Neste caso, os múltiplos meios não chegam
à realizar uma síntese qualitativa, resultando uma espécie de cola-
gem que se conhece como multimídia,
Tomando como exemplo o videotexto, este é produto da sínte-
se qualitativa (infermídia), síntese do computador, vídeo doméstico
e da cablagem telefônica que permite mostrar textos e imagers usan-
do a telemática (informática mais redes de comunicação). Pois bem,
seus textos-imagens circulam pelos cabos telefônicos, pelas memó-
rias do computador e se escandem no vídeo doméstico, conforme
é solicitado pelo usuário. Vê-se que seu suporte é plural e a imagem
mostrada é mera potencialidade que aparece quando solicitada. À
imagem do videotexto é uma imagem “imateria!”". Estas imagens-tex-
tos, quando mostradas em escansão, nos fornecem aparências co-
mo Ícores de fala traduzida em imagens do movimento de escansão

40, Idem, p. 75.


66 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

da escrita. Vemos a fala, ouvimos a imagem. À tatilidade da escri-


ta, formando-se imagem, tem tudo a ver com a tradução (via no-
dem) de bits em imagens. Texto e imagem transando juntos.
Tanto multimídia como intermídia são categorias interdiscipli-
nares que, como colagem ou síntese-qualitativa, colocam em ques-
tão as formas de produção-criação individual e sobretudo a noção
de autor. À criação é hoje o resultado da interação dessas práticas,
como forma de tradução e inter-relação. O que não quer dizer que
já não seja possível instaurar um estilo: ele é hoje a marca invarian-
te que estabelece a diferença transmutadora em quaisquer dos su-
portes utilizados. O diálogo entre o singular-individual (ego) e o co-
letivo (superego) é uma das características da prática tecnológica.
Por outro lado, os meios tecnológicos absorvem e incorporam os
mais diferentes sistemas sígnicos, traduzindo as diferentes lingua-
gens históricas para o novo suporte. Essas linguagens transcodifi-
cadas efetivam a colaboração entre os diversos sentidos, possibili-
tando o trânsito intersemiótico e criativo entre o visual, o verbal,
O acústico e o tátil.

A Tradução Tntersemiótica e os Multimeios

À lógica ocidental permite organizar os meios em sistemas ou


redes universais que são utilizados como suportes de re-produção
de linguagens, ou seja, como veículos de comunicação, inteligibili-
dade, representação simbólica e memória. A analógica oriental, en-
tretanto, permite a transgressão desses caracteres e a criação-produ-
ção de objetos próprios, É a produção de contracomunicação, o la-
do sensível da prática tecnológica. A comunicação permite que ““os
fins justifiquem os meios”, enquanto a arte permite que “os meios
justifiquem os fins". O que faz o artista tecnológico não é mais que
deter o movimento progressivo-centrífugo da comunicação simbó-
lica para substituí-lo pelo movimento centrípeto: o ícone. Os meios
tecnológicos são capazes todavia de nos fornecer os caracteres e as
estruturas necessários para a concretização de objetos estéticos. To-
dos os meios tecnológicos conhecidos até agora trazem a possibili-
dade de criar a própria talidade (qualidade), que aparece sobre a
textura desses objetos.
Assim, o olho de artista tecnológico torna dominante a dimen-
são icônica, material, num movimento que vai do centrífugo (meios
que querem comunicar uma mensagem na sua dimensão simbólica)
ao centrípeto (a característica material, imagética e icônica, tudo o
que é contracomunicação). Ele se relaciona com os meios tecnoló-
gicos muito além ou aquém de sua realidade como veículos produ-
tores de sentido e comunicação. No seu desejo de presentifiícar, tor-
nar real o objeto que pretende comunicar, o artista exacerba ou tor-
na proeminentes os caracteres do meio que utiliza, tornando-o auto-
referencial, Essa passagem-tensão entre os meios que querem comu-
nicar mas acabam se auto-referenciando toca no que há de mais
A TI COMO INTERCURSO DOS SENTIDOS 67

transgressor e mais sensível na linguagem dos suportes, ou seja, na


sua própria materialidade como elemento detonador de seu senti-
do, como pura semelhança.
A Tradução Intersemiótica se pauta, então, pelo uso material
dos suportes, cujas qualidades e estruturas são os interpretantes dos
signos que absorvem, servindo como interfaces. Sendo assim, o ope-
rar tradutor, para nós, é mais do que a “interpretação de signos lin-
giiísticos por outros não-lingiiísticos”*, Nossa visão diz mais respei-
to às transmutações intersígnicas do que exclusivamente à passagem
de signos lingiísticos para não-lingúísticos.
Não apenas essa oposição verbal x não-verbal foi por nós des-
cartada, aqui, mas também estamos evitando deliberadamente pen-
sar a Tradução nos diversos meios a partir de uma estratificação pré-
via ou demarcação de fronteiras nítidas entre os diversos e diferen-
ciados sistemas sígnicos, dividindo-os em códigos separados, tais co-
mo: verbal, pictórico, fotográfico, filmico, televisivo, gráfico, mu-
sical etc. Assim procedemos porque essas divisões nos levariam a
um número enorme de subdivisões que tornariam praticamente im-
possível se pensar os processos de interação sígnicos que se realizam
na Tradução Intersemiótica, nem ainda porque perguntar se deter-
minados processos de linguagem se constituem em códigos instituí-
dos ou não nos levaria a discussões bizantinas nada produtivas a
uma teoria e operacionalidade da Tradução. Assim procedemos, is-
to sim, porque estamos buscando pensar os signos num patamar um
pouco mais abstrato. Essa abstração teórica é mais do que necessá-
Tia, visto que, se fizéssemos o caminho empírico, isto é, o da classi-
ficação prévia dos sistemas sígnicos ou códigos, o advento de qual-
quer processo novo de linguagem (de que o videotexto, por exem-
plo, é o caso mais recente) tornaria nossa pesquisa imediatamente
obsoleta.
Nessa medida, não é o rótulo do meio ou suporte (fotografia ou
vídeo, por exemplo) e o rótulo do código (verbal qu musical, por exem-
plo) que nos vão fornecer a habilidade para radiografar as opera-
ções sígnicas que estão se processando no interior de uma mensagem.
O importante para se inteligir as operações de trânsito semióti-
co é se tornar capaz de ler, na raiz da aparente diversidade das lin-
guagens e suportes, os movimentos de passagem dos caracteres icô-
nicos, indiciais e simbólicos não apenas nos intercódigos, mas tatm-
bém no intracódigo. Ou seja, não é o código (pictórico, musical,
fílmico etc.) que define a priori se aquela linguagem é sine qua non
icônica, indicial ou simbólica, mas os processos e leis de articulação
de linguagem que se efetuam no interior de um suporte ou mensagem.
Será na noção de signo de lei ou legissigno, que atuando como
lei transductora ou interface, nos permitirá a transmutação sígnica.
E isto se verá com maior detalhe no capítulo a seguir.
De um ponto de vista semiótico, portanto, as linguagens ope-
ram e funcionam em três níveis de complexidade no processo de se-
68 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

miose e de conformidade com os caracteres de iconicidade, indicia-


lidade e simbolicidade. Assim, a linguagem musical, por exemplo,
que tem seu modo dominante de ser naquilo que é como tal ““e posi-
tivamente sem referência a qualquer outra coisa”, pode também se
articular de acordo com normas convencionais e desgastadas, pro-
duzindo o efeito de hábitos enrijecidos e portanto-congelados. O mes-
mo pode ser dito da linguagem pictórica, que pode ter formas de
organização que vão da maior abertura icônica até o nível da conven-
cionalidade mais fechada. E o que dizer da linguagem verbal que,
tida como código instituído de normas e leis convencionalmente acri-
tas, pode atingir, quando sob a intervenção criadora do poeta, ní-
veis de iconicidade equiparáveis aos das cores, formas, tons, luzes,
movimentos... Também a fotografia e o cinema que, tendo um ca-
ráter mais dominantemente indicial, isto não os impede de aspirar
à iconicidade (cinema de montagem, foto solarizada) ou buscar o
símbolo (cinema realista ou documentário). O mesmo podemos di-
zer da gestualidade simbólico-militar e a gestualidade afetiva do
amor...
O que interessa para nós, finalmente, é a especificidade do sig-
no estético e, sobretudo, o Objeto Imediato do signo, objeto que
à operação tradutora tem em mira, para que o ícone. possa emergir
e a tradução se efetuar “sob o signo da invenção”.

Classificação das Linguagens e Suportes

As formas de linguagem e meios em que os sentidos huinanos


se materializam organizam-se todas elas conforme os caracteres do
Ícone, índice e símbolo que delimitam coerentemente três matrizes
semióticast!. Estas matrizes conforme pode ser visualizado no grá-
fico ao lado, nos ajudam a caracterizar aquilo que é dominante em
cada linguagem e que nos vem dado pelos signos de lei estruturan-
tes (ver gráfico sobre os legissignos na página 75).
As interpenetrações entre os círculos indicam o trânsito inter-
semiótico entre as várias matrizes. Este trânsito só é possível graças
ao caráter paramórfico transductor, aglutinante e estruturante dos
legissignos, quer dizer, são os legissignos icônicos, indiciais e sim-
bólicos que atuam como interfaces.

41. A classificação das linguagens conforme os caracteres das categorias semióticas — Pri-
meiridade, Secundidade e Terceiridade — revelou-se de especial valor para a inteleoção e viabili-
dade das operações tradutoras interlinguagens. Neste sentido, estamos nos referindo aos traba-
lhos já realizados ou em processo sobre as classificações da linguagem verbal, musical e visual
que Lúcia Santaella está levando a cabo, Cf. “Por uma Classificação da Linguagem Escrita",
in Produção de Linguagem e Ideologia, São Faulo, Cortez Editora, 1980.
LINGUAGENS ANALOY LINGUAGENS ANALÓGICAS
que delimitam seu ol gpendem de objeto

LINGUAGENS ANALÓGICAS
que dependem de convenção
3. A Tradução Intersemiótica como
Transcriação de Formas

A tradução de um poerna lírico é análoga à resolução


de um poema matêmático.
WITTGENSTEIN

Na Tradução Intersemiótica como transcriação de formas o que


se visa é penetrar pelas entranhas dos diferentes signos, buscando
iluminar suas relações estruturais, pois são essas relações que mais
interessam quando se trata de focalizar os procedimentos que re-
gem a tradução. Traduzir criativamente é, sobretudo, inteligir es-
truturas que visam à transformação de formas.
Três modos de aproximação podem ser feitos em relação à for-
ma, visando a transposição baseada na equivalência nas diferenças.
São eles: a captação da norma na forma, como regra e lei estrutu-
rante. Segundo, a captação da interação de sentidos ao nível do in-
tracódigo. Terceiro, a captação da forma como se nos apresenta à
percepção como qualidade sincrônica, isto é, como efeito estético
entre um objeto e um sujeito. Isto porque todo signo está habitado
de outros signos conforme podemos apreciar na sua abordagem mi-
croscópica.

NORMA E FORMA

A tradução é antes de tudo uma forma, Para com-


preendê-la desse, modo, é preciso voltar ao original, já
que nele está contida sua lei, assim como a possibitidade
de sua tradução.
WALTER BENJAMIN

Os princípios normativos de uma forma estética impõem um


comportamento a essa forma que afeta a sua configuração, ao mes-
mo em que essa ordem se reflete no interior de seu sistema.
Te TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

É na noção do legissigno semiótico que pode ser encontrado


o conceito chave para se inteligir o papel exercido pela norma na
forma, São os legissignos que exerçem a função de norma e estrutu-
ra ao mesmo tempo em que emprestam um significado a essa for-
ma, ou seja, fazem dela uma “forma significante”.

Um Iegissigno é uma lei que é um signo. Tal lei é comumente estabelecida nor
homens. Todo signo convencional é um legissigno, porém a recíproca não é verda-
deira. (...) Todo legissigno ganha significado por meio de um caso de sua aplicação,
pode ser denominado Réplica. (...) Nem a réplica seria revestida de significação não
fosse a lei que lhe confere tal significação!.

Os Iegissignos, com suas características de lei, de geral e uni-


versal, permitem estabelecer uma ordem sígnica que nos faz discer-
nir entre o que é igual, semelhante e o que é diferente, providen-
ciando, assim, as condições para o estabelecimento de uma síntese.

Paralelamente, a tradução como forma estética, não é uma sim-


ples transferência de unidade para unidade, do complexo de um sis-
tema sígnico para outro, pois toda unidade constrói o seu sentido
e significação numa unidade maior que a inclui. Assim, não se tra-
duz termo a termo, traduz-se sincronicamente os aspectos envolvi-
dos. Já viu Jakobson que ao traduzir
substituem-se mensagens em uma das línguas, não por unidades de código sepa-
radas, mas por mensagens inteiras de outra língua. Tal tradução é uma forma. de
discurso indireto: o tradutor recodifica e transmite uma mensagem recebida de outra
fonte: assim, a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos
diferentes?,

Considerando que o legissigno é o signo que nos fornece a rela-


ção da invariância na equivalência entre dois signos, ele, em si, tem
três referências precisas: Transductor, Paramorfismo e Otimização.

Legissignos Transductores: Na operação tradutora, é o legissigno


que exerce o papel de Transductor como ““elemento cibernético que
governa e converte uma forma de energia em outra””?. Na passa-
gem do signo original para o signo tradutor, passamos de uma or-
dem para outra ordem; essa mediação, no entanto, tende a fazer
perder ou ganhar informação estética. A tendência do legissigno co-
mo Transductor é a de conservar a carga energética do signo origi-
nal, isto é, manter a invariância na equivalência. O papel Transduc-
tor do legissigno está necessariamente ligado à uma economia da pro-
dução sígnica. Assim, o legissigno, estabelece uma rede de relações
e conexões internas entre forma e significação que se imprime na
sintaxe e configura os caracteres de seu Objeto Imediato.

1. C.S. PEIRCE, Semiótica e Filosofia, p. 101,


2. ROMAN JAKOBSON, Linguística e Comunicação, p. 65.
3. Cf. Glossário de Cibernética em ARNOLD PAULINE, La Era de la autormatización,
México, 1965, p, 262,
ÀA TI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 73

Paramorfismo do Legissigno: O legissigno torna-se responsável pe-


lo paramorfismo como estrutura diversa porém com o mesmo sig-
nificado. Para Peirce, “o legissigno tem identidade definida, em-
bora geralmente admita grande variedade de formas”4, O papel pa-
ramórfico do legissigno implica admitir que um objeto estético po-
de ser abordado e construído a partir de múltiplos signos, todos eles
equivalentes, o que confere uma semelhança aos caracteres estilísti-
cos da obra de arte e de sua série. O legissigno, ao admitir grande
variedade de formas, desmistifica o que chamamos de criação (ori-
ginalidade). Como qualidade paramórfica, o legissigno cria referência
e diferença. Este signo de lei nos fornece então as condições para
se estabelecer o estudo comparado das artes, visto mais como com-
-paração de formas-significantes e menos como comparação de “con-
teúdos”.

O Legissigno como Otimização: O signo de lei é na realidade um


processo de optimização (para aproveitar um outro termo ciber-
nético) que consiste em um método pelo qual ajusta-se continua-
mente um processo para se obter os melhores resultados, e isto
se faz analiticamente. O papel otimizador do legis-signo nos leva
a reconhecer o caráter metalingúfístico da operação tradutora. O
legissigno tem a ver também com a interpretabilidade do signo,
ou seja, o signo-leitor, pois o legissigno como lei está necessaria-
mente referido a certas condições de código, repertório e conven-
ção, enfim, de reconhecimento através dos “conceitos representa-
tivos”.

A emergência de formas tradutoras é conseguida, portanto, pelo


concurso dos legissienos Transducteres como regras organizativas
que, ao mesmo tempo que impõem uma ordem ao conjunto de ele-
mentos, ajudam a definir um repertório, isto é, obrigam o tradutor
a passar de um repertório para um estado de configuração. Desse
modo, a noção de legissigno liga-se à noção de forma na medida
em que fornece inteligibilidade e significação a essa forma, dentro
da sensibilidade que lhe é própria. Por outro lado, a existência des-
sa lei, que fornece um grau de coerência à forma, implica na emer-
gêrcia da previsibilidade e regularidade, isto é, de otimização.
Levando em conta, em primeiro lugar, os aspectos sintáticos,
o legissigno é criador de ordem ou organização. Segundo Bense, a
passagem de um repertório para um produto é o que caracteriza o
esquema criativo, Ertretanto, o repertório de elementos pode estar
em estado de desordem ou em estado de “ordem pré-dada”* (caso
da tradução). “No primeiro caso, trata-se de uma produção de or-
dem a partir da desordem e, no segundo, da produção de ordem
a partir da orderm””*.

4. C.S5. PEIRCE, Semidtica e Filosofia, p. 144.


5. MAX BENSE, Pequena Estética, São Paulo, Perspectiva, 1971, pp. 92-94,
74 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Nesse aspecto, é o legissigno como Transductor que impõe or-


dem ao conjunto de elementos que organiza. Essa ordem está ne-
cessariamente referida ao grau e tipo de regulamentação das rela-
ções entre as partes de uma unidade. Assim, ordem/complexidade
forma um par polar, na medida em que a ordem tende à simplicida-
de e a complexidade tende a reduzir a ordem. Em termos de “Quo-
ciente de Birkhoff"*6, quanto menor o número de estruturas e maior
o número de elementos, aumenta a complexidade; ao contrário,
quanto maior o número de estruturas e menor o rrúmero de elemen-
tos, aumenta a ordem e diminui a complexidade.
Pode-se distinguir entre vários tipos de ordem: a) ordem por
coordenação; 8) ordem por acidente; c) ordem por hierarquia. Na
ordem por coordenação, todas as partes tender a ter a mesma im-
portância, predominando a similaridade e a parataxe entre as par-
tes, segundo a idéia de conexão como rede de relações. À rede co-
nectiva eleva o grau de complexidade, gerando uma organização
complexa. Na organização por coordenação não há como explicar
a diferença entre dominante e domirtado, central e periférico, pois
a relação entre os elementos corresponde às noções de colaboração.
A ordem por homogeneidade, como sendo um caso de ordem por
coordenação, estabelece um mínimo de complexidade, quer dizer,
esta tende ao desaparecimento, provocando uma qualidade comum
a todo o esquema.
Já a ordem acidental caracteriza-se pelo encontro-desencontro
entre ordens distintas: “A desordem não é a ausência de toda or-
dem, mas o choque de ordens não coordenadas”,
Na ordem hierárquica, por hipotaxe, os elementos estão distri-
buídos em conformidade com uma lei centralizadora que não pode
ser subvertída. A espinha dorsal do conjunto vem dada pelo elemento
estrutural dominante, sendo que os demais elementos exercem fun-
ções periféricas. À organização sintagmática da linguagem verbal
é o exemplo característico da ordem lógica que implica dominância
e subordinação.
Face ao problema da tradução criativa, a ordem por coordena-
ção é a que melhor serve aos nossos propósitos, pois é ela que ca-
racteriza as formas poéticas,

Classes de Legissignos

Para que as composições sígnicas mediadoras da tradução pos-


saimn ser visualizadas, recorremos ao gráfico das interações entre as
dez classes de signos semióticos, através do qual se torna possível
perceber as diferentes variedades de Iegissignos. Estas permitirão de-

6. MAX BENSE, “Macroestética Numériça”, in op. cif., pp, 105-121.


7. WOLFGANG KÓHLER, apud RUDOLEF ARNHEIM, Hacia uma Psicologia del Arte,
p. 343.
A TI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 75

monstrar que, não obstante a variedade, mantém-se sempre o papel


paramórfico exercido pelo legissigno!.

(Y)
Remático
Icônico
Legissigno
(VL)
a Remártico x)
Remático Simbolo Argumento
Ieônico 1 egissigno Simbólico
Qualissigno 1 egissigno

(DD
ús Remático IX)
Remático Indicativo Dicente
Tcônico Legissigno Símbolo
Sinsigno T egissigno
(11) (Yi)
Rermárico Dicente
Indicativo Indicativo
Sinsigno Legissigno

(VY)
Dicente
Indicativo
Sinsigno

V Legissigno Icônico Remaático (L&-IC-RE)


Vi Legissigno Indicativo Remático (LS-IN-RE)
VII Legissigno Indicativo Dicente (LS-IN-DI)
Vil! Legissigno Simbólico Remático (LS-SLI-RE)
IX Legissigno Simbólica Dicente (LS-SI-DI)
X Legissigno Simbólico Argumento (LS-SI-AR>)

Diagrama de Venn, das dez classes de signos (Peirce),

Estas dez classes de signos nos servem de apoio à estrutura a


fim de viabilizar a análise dos signos e de seus elementos constituti-
vos que são de vital importância para as relações de tradução. isto
norque as dez classes de signos que Peirce formulou parecem res-
ponder às possibilidades de decupagem da forma original e da tra-
dução. Temos, assim, possibilidades de explorar a mensagem em ní-
veis macro e microestético?, ou seja, das relações entre elementos.
Estas dez classes, agrupadas conforme o diagrama topológico de
Venn, evidenciam as relações de interpenetração das categorias de
primeiridade, secundidade e terceiridade, formando relações triádi-

8. C.S. PEIRCE, op. cit., p. 108.


9, Os conceitos de “macro” e “micro” estéticos são fundamentais na Pequena Estética.
Cf. especialmente: “Macroestética Numérica"* e “Microestética Numérica", op. cif., p. 105 e
p. 123 respectivamente.
76 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

cas. É nesse conjunto que os legissignos paramórficos podem ser en-


contrados, o que nos servirá futuramente para levantar uma tipolo-
gia de traduções.
Pela função de transducção os legissignos permitem organizar
a informação estética, estabelecer as relações semânticas e, finalmen-
te, organizar os percursos da leitura. Os legissignos Transductores
são, por isso mesmo, a ponte de ligação para a geração dos inter-
pretantes e a organização dos efeitos do signo original. Pode-se, as-
sim, destaçar três grupos de legissignos que passaremos a descrever,
Primeiro grupo: Legissignos-Icônico-Remáticos. Este privilegia
as relações de semelhança e a função poética. Atua por coordena-
ção, tendo, portanto, um caráter pan-sêmico e um máximo de am-
biguidade, Ao mesmo tempo, fornece-nos as condições para a mon-
tagem ou organização sintática, ou de referência de meios. Este le-
gissigno, ao mesmo tempo em que delimita a estrutura sintática (LS),
cria também o caráter do Objeto Imediato (IC), sendo ainda aberto
à interpretação (RE) que se suspende no nível do interpretante ime-
diato.
Neste ponto, parece importante rever a função poética de Ro-
man Jakobson como forma de Legissigno-Icônico-Remático, quer
dizer, como princípio organizativo da linguagem verbal poética que
pode ser extrapolado para outras linguagens. Isto porque a idéia de
forma na arte indica que a obra avança e se desenvolve numa dire-
ção, seguindo pautas próprias, internas, que auto-regulam, por sua
vez, a própria sintaxe da linguagem. Este tipo de legissigno é uma
“ei ou tipo geral que exige que cada um de seus casos incorpore
uma qualidade definida que o torna apto a despertar, no espírito,
a idéia de um objeto semelhante. Assim, sendo um Ícone, deve ser
um rema”*!º,
O legissigno icônico pode ser encontrado em muitas obras de
arte como, por exemplo, no filme O Encouraçado Potemkin, de Ser-
guei Eisentein, isto é, na estrutura diagrama “Secção Áurea” que
comanda o desenvolvimento do filme. (Para uma análise, vide a lei-
tura da Tradução Intersemiótica operada desse filme, cap. 7, pp.
134-148.) Mas o legissigno da Secção Áurea foi também incorpora-
do na tradução do poema “Organismo-Orgasmo”* (vide leitura pp.
1110-114). À organização por coordenação e semelhança (função poé-
tica) se dá também em Mondrian, onde podemos encontrar o mes-
mo legissigno como lei que atua e reorganiza o espaço paratatica-
mente, através do jogo associativo das verticais e horizontais.
Segundo grupo: Legissignos Indicativo-Remático e Indicati-
vo-Dicente, Estes providenciam as condições para a montagem
ou organização semântica, isto é, de referência. Ao mesmo tempo
que estruturam a tradução (como signo de lei), indiciam seu ori-

10. C.S. PEIRCE, p. 106.


A TI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS Ti

ginal pela contigilidade. Criam-se, assim, condições para o estabe-


lecimento de interpretantes imediatos e dinâmicos. Vê-se, a partir
disso, que toda tradução é um legissigno indicativo como significa-
do dinâmico de seu original. Este tipo de legissigno pode ser encon-
trado na organização quase-sígnica de Pollock, isto é, na relação
indicial gesto-pintura-ritmo que permite captar, na repetição “au-
tomática” da Action Painting, o seu modo de produção. O dese-
nho rítmico e a seqiência espaço-temporal, assim como a velocida-
de do ato de pintar, indíciam a fluidez das linhas manchas e a ges-
tualidade energética.
Terceiro grupo: Legissisnos Simbólico-Remático,
Simbólico-Dicente e Simbólico-Argumento. Ao mesmo tempo que
todos eles fornecem as condições para se operar de forma estrutu-
rada, os diversos legissignos fornecem também maior ou menor grau
de abertura à interpretação, gerando interpretantes que vão desde
a máxima ambigúidade até significados convencionais. Estes legis-
signos privilegiam os aspectos de reconhecimento como transducto-
res de “universais” ou “conceitos representativos”*, e procuram os
caracteres de invariância nas equivalências. Impõem à percepção ca-
racteres gerais que deverão ser classificados no conjunto de objetos
reconhecidos numa classe existente. Dependem, por isso mesmo, de
hábito, uso, memória e repertório,
O caso mais evidente de Legissigno Simbólico Remántico é o
utilizado na tradução do 7 Ching (vide leitura de “A Constante; a
Lei Construtiva Transductora'', p. 196).
Já no caso da cruz cristã, o que temos é um legissigno-simbóli-
co-dicente e argumento, pois que este é “com respeito àquilo que
ele significa, realmente afetado por seu objeto, de sorte que a exis-
tência ou lei que ele faz surgir no espírito deve estar efetivamente
relacionada com o objeto indícado”"*!, Temos, assim, que à cruz
cristã, ao mesmo tempo que nos transmite a imagem do símbolo,
dada pelo hábito cultural, também é reconhecida como instrumen-
to (índice) de tortura, isto é, como objeto que mantém uma relação
causa efeito com o corpo. Além do mais, este símbolo nos traz à
mente todo um sistema religioso.
Um Legissigno-Simbólico-Argumento como a perspectiva cen-
tral, as leis de simetria na geometria e o uso da linguagem verbal,
em termos sistemáticos e comunicativos, são os exemplos mais ade-
quados para se desmonstrar o caráter hierárquico destes signos de
lei, que têm, por isso mesmo, caracteres de generalidade, reconhe-
cimento, hábito e que traduzem conceitos gerais.

Importância do Legissigno para a Tradução

Sem o legissigno como princípio que governa, como estrutura


significante, como lei que preside à toda organização de linguagem

11. Idem, p. 107.


78 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

(mesmo que esta organização seja sui generis e que sua lei, conse-
qlientemente, se estabeleça ad hoc) nenhuma ordenação seria poss:-
vel. É o legissigno, por assim dizer, que regulamenta o processamento
interno de uma estrutura, garantindo sua coerência e otimização.
Sem o legissigno, por exemplo, um ícone não passaria de mera pos-
sibilidade irreajlizada. Para se realizar, ele necessariamente tem não
só de se materializar num meio, enfrentando, em primeira instân-
cia, as leis que são próprias ao meio ele mesmo, como também deve
gerar as leis de sua própria configuração. Daí termos colocado o
legissigno como signo Transductor.
O uso de cada grupo de legissignos define, pois, a dominância
de caracteres em termos de tradução. Os legissignos icônicos, indi-
ciais ou simbólicos, definem por sua vez três tipos de tradução con-
forme a dominância seja a do paramorfismo, a da indicialidade ou
a do símbolo. Desse modo, jogamos com a polaridade sensível-inte-
ligível, pois em contraposição aos signos de lei simbólicos existem
os icônicos que estabelecem uma outra classe cujo reconhecimento
implica em atos criativos, isto porque eles “admitem grande varie-
dade de formas”"!?,

INTRACÓDIGO

Qualquer coisa que nos surpreende é um indicador


na medida em que assinala a junção de duas porções da
expenência,
C.S. PEIRCE

Se o legissigno está para a estrutura, cada caso de aplicação sin-


gular se constitui num evento, ou modelo, numa coisa existente ou
acontecimento que é signo. Só pode sê-lo através de suas qualida-
des!3, Cada forma como estado estético está determinada pela re-
lação entre os diversos estados físicos e qualidades. São as diversas
partes que intervêm na sua constituição e que atuam em conflito na
própria interioridade do signo. À materialidade do suporte, a sua
síntese e sintaxe entra em movimento transformativo e conflitante.
A conexão entre vários fenômenos, sejam eles cores, letras, pala-
vras, gestos, gera o diálogo interno.
Para se examinar as diferentes modalidades de atividade inter-
na ao signo ou intracódigo, recorremos, antes de tudo, como não
poderia deixar de ser, aos dois modos de arranjo que foram cele-
brados pelas teorias de Saussure e Jakobson (paradigma e sintagma
ou semelhança e contigitidade). Consideramos aqui esses modos de
arranjo como extensivos a toda e qualquer organização sintática,
pondendo operar em outras formas de linguagem, Essa extensão dos

12, Iderm, p. 144.


13. Idem, p. 100.
A TE COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 79

dois princípios para outros códidos se justifica porque também em


Peirce eles são estabelecidos como modos de organização do pró-
prio pensamento e, portanto, como leis da mente.
Tomando os dois eixos de estruturação da linguagem (conti-
giiidade e semelhança) como sendo invariáveis, isto é, recorrentes
da organização interna de qualquer mensagem (lingitística ou não),
buscamos estabelecer algumas das modalidades (que devem ser as
principais) de articulação por continuídade e por similaridade.

Atividade Sígnica por Contigiiidade

Neste eixo de articulação em que um elemento cede passagem


a outro que é diferente dele, mas ao mesmo tempo parte dele, pode-
se destacar três modalidades de contigitidade: a) contigiidade topo-
lógica, 8) contiguidade por referência e c) contigúidade por conven-
ção.

Contigitidade Topológica

Começamos aqui pelo caso mais elementar de manifestação sig-


nica na sua condição de existente: qualquer signo no seu caráter fí-
Sico, ao aparecer e se corporificar num campo homogêneo onde na-
da acontece, começa a indicar contraste e sentido com seu suporte
como grau zero de linguagem, Um signo tão simples como um pon-
to, por exemplo, começa a gerar relações de contraste conflitivas
pelo simples fato de se constituir em sistema fatual e binário com
seu supoite. Essa união sistemática em contato topológico entre traço
e suporte é o começo de uma contigúidade rica em relações: é a re-
lação entre figura como entidade melhor organizada do que o fun-
do que é mais amorfo, homogêneo e neutro, Ou, em termos de teo-
ria da informação: a relação entre sinal e ruído de fundo.
Em geral, a teoria da gestalf exclui o tempo como fator deter-
minante da percepção da forma. Isto tem como corolário a exclu-
são da contigúidade causal instauradora do tempo. Os picólogos da
gestalt aceitam com ressalvas a lei da experiência (temporal), privi-
legiando a lei da pregnância de caráter espacial. Entretanto, alguns
gráficos (relação figura-fundo) da gestalt já incluem, no seu âma-
£o, o caráter de temporalidade e causalidade que são fatores causa-
dores de percepção periódica como forma mais elementar de cria-
ção de ritmo.
Experiências feitas com o taquistoscópio (Wertheimer, 1912) re-
velam a possibilidade de apreensão da forma num instante que ten-
de a zero. Entretanto, o conflito existente na mudança entre figura
e fundo num padrão visual já se revela, por si mesmo, como um
índice de inscrição do elemento temporal na percepção desse padrão,
isto é, como forma ainda precária de continuidade e movimento que
exprimem uma forma, Esta continuídade não é senão um aspecto
80 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

da periodicidade como forma temporal mais elementar a ser perce-


bida e cuja forma mais apurada seria um ritmo.
**Psicologicamente, a atuação dos indicadores depende de as-
sociação por contigitidade e não de associação por semelhança ou
de operações intelectuais”"!4, Pela lei de contigilidade, duas repre-
sentações ou, mais geralmente, dois estados de consciência que te-
nham sido simultâneos ou imediatamente sucessivos, permanecerão
associados. Dai por diante, se um deles ocorrer, tenderá a reprodu-
zir o outro.
Outros casos de contigitidade topológica, de caráter indicial,
portanto, são fornecidos pela pressão dos meios de transmissão, ou
Seja, das qualidades típicas de cada um deles: a formação gestáltica
da imagem na TV, por exemplo a partir de tatilidade dos pontos
e o conseqliente “chovisco”, Aqui, cada código de transmissão tende
a contaminar a mensagem que veicula com a sua fisicalidade, não
isenta de iconicidade, pois, como já vimos, os objetos imediatos do
signo encarnam a materialidade dos suportes.
Outros exemplos de contigiidade topológica podem ser encon-
trados nos diagramas de caráter relacional, que são signos de expe-
riência direta e que servem como malha organizadora de eventos e
relações. As idéias de intersecção, reunião, conjunto total ou dis-
junção, por exemplo, são transmitidas rapidamente dentro de sua
rede de conexões. Gráficos, como representações sensíveis de fun-
ção entre elementos físicos, econômicos e sociais (representação de
funções mediante curvas ou planos num sistema de coordenadas)
e diagramas, como representações gráficas de fenômenos através de
variáveis sobre duas coordenadas, ajudam-nos a captar proprieda-
des genéricas e relações subjacentes, não observáveis diretamente nos
fenômenos físicos. Seu sentido é estabelecido de forma causal pelas
relações espaciais dos elementos gráficos. Possuem, assim, um for-
te caráter icônico-indicador, sendo interpretados em função das re-
lações contextuais que elas conformam.

Contigilidade por Referência

O signo poderá ser o mesmo, como é 6 caso, por exemplo, dos


ready-mades duchampianos e da narrativa “Pierre Menard, autor
del Quijote”, de Borges, mas esta ocorrência dando-se num outro
contexto, por deslocamento espaço-temporal do signo em questão,
não será a mesma. À simples mudança de contexto do signo, o des-
locamento de sua singularidade como existente concreto, possui a
particularidade de subverter a expectativa do intérprete e, portan-
to, sua experiência colateral com o signo. Neste caso, o que se ope-
ra e muda não é a linguagem, mas o “fundo” ou contexto onde es-
tá depositada, organizando-se num novo sintagma,

14. Idem, p. 113.


A TI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 81

Em termos de linguagem verbal, algo semelhante também ocor-


re. Para IL. Tinianov, existe um habitual dualismo no determinar as
diferentes acepções de uso de palavras, isto é, “a palavra fora da
proposição e a palavra na proposição. À palavra não tem um signi-
ficado preciso. É um camaleão no qual se manifestam não somente
nuances diversas, mas, às vezes, também colorações diferentes”. Nas
relações entre significado e sentido, temos que não há nunca uma
acepção absoluta para uma única palavra.

A palavra não existe fora da proposição. À palavra separada não reúne em si


condições que prescindam da frase. Ela se encontra simplesmente em condições di-
versas em relação à palavra da proposição. Pronunciando a palavra isolada, “a pa-
lavra do dicionário”, não obtemos a “palavra absoluta", a pura palavra lexical, mas
simplesmente uma palavra em condições novas em relação àquela proposta pelo con-
texto, Eis por que os experimentos semânticos sobre palavras, nos quais se pronun-
ciam palavras isoladas com a finalidade de provocar séries associativas em quem es-
cuta, são experimentos realizados com um material insuficiente, cujos resultados não
são generalizáveis!S,

Contigúidade por Convenção

Diferentemente da contigitidade por referência que diz respei-


to aos traços particulares de cada contexto singular em que cada signo
está inserido, a contigilidade por convenção, por seu lado, diz res-
peito às conexões sintáticas normativas, imputadas por convenção
que determinam a articulação ou contigiidade dos elementos de acor-
do com padrões estabelecidos. É o caso típico da linguagem verbal
na sua manifestação padronizada. Mas esse modo de articulação po-
de também ser encontrado na linguagem visual, como é o caso, por
exemplo, da perspectiva monocular como sintaxe que predermina
a organização interna dos elementos que compõem e signo,

Atividade Sígnica por Semelhança

As associações por similaridade, como o próprio nome diz, são


aquelas em que as partes componentes do signo mantêm entre si re-
lações de semelhança. São três, pelo menos, as modalidades de arti-
culação por semelhança que assim denominamos: a) semelhança de
qualidades; 8) semelhança de justaposição e c) semelhança por me-
diação.

Semelhança de Qualidades

Neste caso, há identidade de caracteres qualitativos entre as par-


tes do signo, isto é, essas partes, na sua materialidade física e sensí-
vel, apresentam qualidades semelhantes. Tem-se aqui todos os ca-
sos de paramorfismos e paronomásias, simetrias e reversibilidade,

15. IURI TINIANOV, O Problema da Linguagem Poética II, o Sentido da Palavra Poética,
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975, pp. 5-6.
s2 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

de paralelismos sonoros, rítmicos e formais. É o caso também do


anagrama, através do qual o texto estabelece uma rede de conexões
embutidas e acopladas por aglutinação. O princípio de aglutinação
foi visto por Saussure como ““dois ou mais termos originariamente
distintos, mas que se encontram fregitentemente em sintagma no seio
da frase, o que faz com que eles se soldem numa unidade absoluta
dificilmente analisável”"!5, Este princípio da palavra-montagem co-
loca a nu o processo de movimento transformativo do sentido dos
elementos aglutinados.
Além desses casos de transformação interna por semelhança,
há também as relações entre as diversas modalidades de percepção
êntre sentidos e meios, entre formas visuais, hápticas, musicais, cro-
máticas e espaciais, que só são possíveis através da sinestesia como
lei e memória sensorial que providencia a transformação sígnica atra-
vés da associação por similaridade. Às energias que chamamos de
“representações mentais” colocam automaticamente em jogo 08 sen-
tidos. Estes, evocados (pois não há percepto especializado), tendem
à transformação e ao intercâmbio de informação entre os sentidos
como forma de apreender o estímulo como um todo. Assim, o trân-
sito entre o háptico, o visual, o sonoro, o cheiro e o tátil -nuscular
torna-se uma tendência natural da mente. Nestas condições, as trans-
formações mais simples de se observar são (entre muitas), as seguin-
tes:
º formas hápticas podem dar a representação de formas visuais e
vice-versa;
º formas musicais podem dar representações de espaços, volumes,
sentimentos hápticos, cheiros, cores etc.;
º formas visuais podem dar representações de formas temporais;
5 formas cromáticas ou visuais podem dar sensação sinestésica de
peso ou de temperatura etc.
A tendência à reversibilidade entre sentidos é patente em alguns
casos conforme acontece entre formas hápticas e formas musicais.
Aqui o princípio da similaridade faz aparecerem analogias que se
referenciam mutuamente como correspondência de qualidades con-
cretas.

Semelhança por Justaposição

Neste caso, um elemento não apresenta em relação ao outro uma


semelhança qualitativa, isto é, suas qualidades materiais são dife-
rentes, nas a proximidade (justaposição) entre eles é capaz de reve-
lar uma semelhança essencial pela qual eles estão unidos e que, sem
à proximidade, não poderia ser revelada. Pode-se tomar como exem-
plar dessa modalidade de articulação por semelhança o ideograma

16, FERDINAND DE SAUSSURE, Curso de Lingiiística Geral, São Paulo, Cultrix, 1975,
p. 205.
A TI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 83

copulativo, Neste, cada elemento tem sua autonomia, Quando jus-


tapostos, no entanto, produzem não um terceiro termo, mas a des-
coberta de uma relação ou comunhão entre ambos. É deste tipo de
ideograma que Eisenstein extraiu sua concepção de montagem que,
no caso, nasce da ênfase na justaposição por conflito. E no atrito
e colisão entre dois termos que brota o lampejo da semelhança.

Semelhança por Mediação

Neste caso, a relação de semelhança entre as partes só é desper-


tada porque se produz na mente que percebe ou interpreta um ter-
ceiro termo que serve para unir aquelas partes. Tem-se aqui todos
os casos de metáforas verbais ou visuais de que o surrealismo, por
exemplo, fornece farto material.

Importância do Intracódigo para a Tradução

Asrelações internas ao signo aparecem flutuantes e fugidias na


topologia de toda representação material. Num primeiro nível, por-
tanto, o caráter singular de qualquer signo reside no conflito entre
tensão e adequação do signo em relação ao suporte em que o signo
toma corpo. Num segundo nível, a observação atenta ao caráter sin-
gular da forma significa apreender os movimentos internos dos ele-
mentos na sua interação.
Este aspecto da forma, denominado Intracódigo, configura as
relações internas da linguagem. Se o signo de lei permite a passa-
gem de uma forma a outra, o caráter singular da forma diz respeito
às passagens internas, transformações dos elementos no interior da
forma (transformações que sofrem a interferência da materialidade
do suporte, seleção do repertório, movimento sintático etc.). Sem
a leitura dessa rede-diagrama de conexões perde-se o visor para a
materialidade constitutiva da estrutura da linguagem.
No entanto, se anteriormente apontamos para a quase impos-
sibilidade da operação tradutora sem a mediação do signo de lei,
cumpre agora apontar para as estéticas ou materializações de lin-
guagem em que os aspectos do intracódigo emergem para um pri-
meiro plano. Tratam-se das noéticas essencialmente fisícalistas que
enfatizam o signo, a sua materialidade e os suportes, nas quais do-
mina a função fática da linguagem. O fático, o contato, pode ser
entendido assim como o início do início..., onde predomina uma
pré-constelação ou uma mensagem latente, em potencial e em esta-
do configurativo permanente; uma pré-lingsuagem. Neste caso, os
procedimentos da operação tradutora têm de se erigir sob a domi-
nância do singular,
Se a comunicação é a mensagem como organismo “N. Wiener),
na função fática vê-se um pendor para a “contracomunicação"* ou,
nas palavras de Barthes, “grau zero da escritura”. Contracomuni-
84 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

cação situa-se aqui, junto à função fática da linguagem, não como


forma de início de comunicação, mas como “descomunicação”, on-
de o normativo é contestado pelo fragmentário que se instala como
exercício de aspecto criador ou gerativo da linguagem e dissolve a
função comunicativa numa bruma de significantes, cujo contato ins-
titui-o sentido e uma situação configuracional!?,
Para distinção entre “mensagem lingilística global” (significa-
tiva no sentido da comunicação habitual) e “mensagem textual” ou
“texto”*, o grupo de semiologia russa de Tartu formula o seguinte
axioma:
É justamente o seu grau zero da mensagem lingilística global que revela o alto
grau de sua semioticidade enquanto texto, a mensagem deve ser pouco ou nada com-
preensível, e sucetível de uma tradução ou interpretação ulteriores. (...) À isso se li-
gam, igualmente, as tendências à semi-inteligibilidade, ao duplo sentido, à multipli-
cidade de sentidos. À arte, onde a pluralidade de sentidos é erigida em princípio,
não produz teoricamente senão textos!8,

Vê-se nas relações intracódigo a descomunicação como proposta


de uma sintaxe labiríntica que, rejeitando a estrutura, a funcionali-
dade, instala o redundante, Entre a incompletude, o fragmento,
criam-se meandros, vazios, a inclusão pré-configuracional, a “es-
critura”.

FORMA

O instante capta a forma; a forma faz ver o instante.


VALÉRY

O primeiro sentimento, as primeiras impressões que temos das coi-


sas e de suas relações é a percepção global. Neste sentido, o senti-
mento é a forma mais imediata de conhecimento,
Pelo caráter das coisas, uma percepção estética tende a conser-
var esse aspecto de globalidade do sentimento, enquanto a análise,
que nos providencia um conhecimento em sucessividade, faz-nos per-
der essa qualidade.
O campo da percepção é mais complexo e extensivo do que su-
pomos num apanhado global, É característica do espaço a simulta-
neidade, a coexistência entre suas partes. Numa percepção sintéti-
ca, percebemos em conjunto, como um todo indecomponível, em
contraposição àquela em que percebemos as partes articuladas e so-
lidárias: este tipo de síntese pressupõe uma análise. Entretanto, a
percepção sintética é anterior a qualquer análise.

17. Cf. HAROLDO DE CAMPOS, “O Texto como Descomunicação (Hoelderlin)"", in A


Operação do Texto, São Paulo, Perspectiva, 1976, p. 89,
18. fderm, p. 9%,
A TI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 85

À Gestalt sustenta que perceber é perceber conjuntos e não es-


tímulos isolados, Esta percepção decorre da forma de apresentação
do estímulo-forma e de certas propriedades do sistema nervoso cen-
tral, descartadas as condições subjetivas e experienciais do recep-
tor. Negando a distinção entre sensação e percepção (por ser casual),
e considerando que as condições do estimulo-forma (condições ex-
teriores) e à estrutura do sistema nervoso central (condições interio-
res) não podem ser separadas, caracterizam a teoria da forma como
uma teoria monista, isto é, o conjunto de propriedades do processo
perceptivo é um só, a identificação de aspectos universais na men-
sagem supera o simples reconhecimento das partes. É uma tomada
de consciência ou constatação de que ““e todo é maior (qualitativa-
mente) do que a soma das partes”", O conceito de forma, na teoria
da Gestalt, está pois referido às condições e características estrutu-
rais dos objetos em isomorfia e equilíbrio com o campo da cons-
ciência perceptiva. Assim, as qualidades materiais do signo forne-
cem ao pensamento sua qualidade.

Forma como Signo de Qualidade

A analogia entre o processo isomórfico da percepção e o ícone


vem dada pelo caráter de sincronia e simultaneidade de ambos. Diz
Peirce; “Sentimento imediato é a consciência do primeiro”"!9, pois
não há qualquer distinção entre objeto e percepção. “Um ícone pu-
ro não traça qualquer distinção entre si e o objeto, representa o que
representa, seja como for, pelo fato de ser como é. Pura talida-
de”20, O modo de apreensão do próprio Ícone é instantâneo, co-
mo imediaticidade sem referência a uma outra coisa, como mera qua-
lidade, assim como uma superfície geométrica, como possibilidade,
Como um Aleph, diria Borges.
O princípio transfenomênico estrutural da consciência condi-
ciona os fatos da. experiência icônica. Os fatores de totalidade e a
organização estrutural do conteúdo real da consciência são forte-
mente sintéticos e conduzem à percepção do ícone como qualidade
que se experiencia em simultaneidade. O caráter do ícone e da for-
ma se concretizam quando percebemos configurações estelares e não
simplesmente estrelas no céu, assim como não percebemos golpes
ou sons isolados ou esparsos, mas a tendência à organização em con-
juntos rítmicos e seglienciais, isto é, totalidade como séries organi-
zadas por forças operativas da consciência: o signo presente à men-
te, indefinível, como um todo indivisível, imediatamente, antes do
pensamento, como um percurso por fazer, algo virtual, o modo co-
mo uma qualidade de superfície ou uma cor definem alguma das
qualidades do objeto imediato do signo, isto é, como o signo se nos
apresenta à consciência: a diferença entre escrita e fotografia, por

19. C.S. PEIRCE, Coliected Papers, $ 2.382.


20, C.S. PEIRCE, “Escritos Coligidos”", op. cif., p. 33.
86 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

exemplo, a qualidade de cada meio, a singularidade de cada signo.

Importância da Qualidade para a Tradução

A tradução como consciência sintética no mais alto grau, isto


é, como autoconsciência de linguagem, mantém com o qualissigno
(na melhor das hipóteses) um convênio de solidariedade dado pelas
semelhanças nas aparências. Solidariedade fornecida pelas relações
de semelhança contidas na mente, pois que esta é compelida a reali-
zar a síntese

não pelas atrações interiores dos próprios sentimentos ou representações, nem


por força transcendental de necessidade, mas sim no interesse da inteligibilidade, is-
to é, no interesse do próprio “Eu penso” sintetizador; e isto a mente faz através da
introdução de uma idéia que não está contida nos dados e que produz conexões que
estes dados, de outro modo, não teriam?!.

Aparência, imagem, sentimento, operações de semelhança es-


tão vinculados entre si. A forina na arte lida com insights, não com
referências. Ele é a essência de toda arte que tende à unidade de sen-
sibilidade: “forma em seu sentido mais abstrato equivale a estrutu-
ra, a articulação a um todo que resulta da relação de fatores mutua-
mente dependentes ou, com mais precisão, o modo em que se reúne
o conjunto todo””*,
As estruturas que chamamos de artísticas ou poéticas são ca-
racterizadas pelas aparências que elas mesmas criam e encarnam,
aparências como meras aptidões para a semelhança. O que elas pro-
duzem são imagens virtuais de algo que pode vir a ser, mas não é
por muito tempo. É do caráter da semelhança ser reflexiva e simé-
trica; tanto À se assemelha a B, quanto B se assemelha a A. O cará-
ter virtual do semelhante produz em nós uma imagem dinâmica que
não permanece por muito tempo. Ela se desprende das qualidades
materiais do objeto sobre o qual está incorporada. À forma, como
composição de tensões e resoluções de coerência e unidade, somen-
te pode ser expressa através de formas apresentativas (e nunca dis-
cursivas) que compõem uma qualidade de sentimento.
O que diferencia as diversas artes entre si é precisamente seu
grau de qualidade de aparência. Aparência esta que se resolve e con-
funde com as qualidades do objeto imediato e com a substância da
qual a obra de arte é feita. Entretanto, se as qualidades substanciais
e materiais da forma incidem sobre a aparência, não a determinam
na sua totalidade, pois a aparência como qualidade do signo é mero
sentimento de similaridade em isomorfia com a idéia e a substância
que lhe serve de suporte, como consciência sintética,

21. C.S. PEIRCE, Semiótica, p. 17.


22. SUSANNE K: LANGER, Los Problemas del Arte, Buenos Aires, Ediciones Infinito,
1966, p, 24.
ATI COMO TRANSCRIAÇÃO DE FORMAS 87

O caráter de virtualidade e de aparência subverte todo e qual-


quer referencial externo. Mesmo nas artes mais denotativas, o cará-
ter de semelhança é independente e autônomo em relação aos obje-
tos denotados. O que uma obra de arte expressa, antes de tudo, é
mero sentimento (que não tem nada a ver com sentimentos codifi-
cados: “alegria”, “tristeza”, entre outros) como estado de virtuali-
dade. Assim, a música desenvolve-se no tempo, inas não no tempo
vivido do relógio, antes no tempo sentido. Assim também a pintura
é mera virtualidade espacial que nada tem a ver com o espaço real,
pois deste se constitui numa aparência, Isso para não mencionar-
mos a poesia, cuja aptidão para totalidades configuradas não ne-
cessita de ênfase.
A forma assim concebida resiste à análise. É inarticulável e ine-
fável e, sobretudo, não é discursiva; daí apresentar resistência à co-
municação, ao familiar, ao convencional. Ela se dá pela primeira
vez como apresentação de sentimento e “em congruência com as for-
mas dinâmicas de nossa vida sensorial, mental e emocional direta:
as obras de arte são projeções da “vida sentida”, em estruturas espa-
ciais, temporais e poéticas””23, A complexidade da forma poética ou
artística, como forma apresentada, não permite a sua abstração dos
objetos, elementos ou partes que a constituem, pois seu efeito total
é a síntese qualitativa desses elementos em congruência perfeita co-
mo signo não discursivo que articula o que é verbalmente inefável,
isto é, a lógica mesma da complexidade da consciência. À forma
é, assim, aparição e a tradução é transformação de aparências em
aparências.

23. Idem, p. 33.


4. Por uma Fipologia das Traduções

A ordem é uma condição necessária para qualquer


coisa que a mente humana deva entender.
R. ARNHEIM

Tendo em vista a operacionalidade dos conceitos até agora le-


vantados, resta estabelecer uma tipologia de traduções iIntersemió-
ticas. Quando dizemos tipologia, não queremos evidentemente
nos
referir a uma grade classificatória de tipos estanques que deve fun-
cionar de modo fixo e inflexível, mas nos referimos, isto sim, a uma
espécie de mapa orientador para as nuanças diferenciais (as mais ge-
rais) dos processos tradutores. São tipos de referência, algumas ve-
zes simultâneos em uma mesma tradução, que, por si mesmos, não
substituem, mas apenas instrumentalizam o exame das traduções
reais. Aliás, não estamos aqui senão atuando em correspondência
com o mesmo espírito que guia a orgariização das tipologias de sig-
nos formuladas por Peirce. Nessa medida, nossa tipologia deverá
levar em conta naturalmente aqueles aspectos dominantes do ope-
rar tradutor encontrados neste trabalho, como são os legissignos.
Já vimos anteriormente como os legissignos icônicos-remáticos, in-
dicativos remáticos e dicentes e os legissignos simbólicos-dicentes de-
limitavam três tipos de tradução. Aproveitando agora essas estru-
turas, pode-se ver que elas nos fazem distinguir, em seus estados con-
figurativos, informação sobre estruturas, informação sobre eventos
e informação sobre convenções. Esses três tipos entram em correla-
ção, como se pode ver, com os caracteres de iconicidade, indiciali-
dade e simbolicidade. Distinguimos, pois, como ponto de partida,
três matrizes fundamentais de tradução: Tradução Icônica, Indiícial
e Simbólica.

Tradução Icônica

Esta se pauta pelo princípio de similaridade de estrutura. Te-


mos, assim, analogia entre os Objetos Imediatos, equivalências en-
E TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

tre 0 igual e o parecido, que demonstram a vida cambiante da trans-


formação sígnica. A tradução icônica está apta a produzir signifi-
cados sob a forma de qualidades e de aparências, similarmente.
Neste tipo de tradução, trata-se fundamentalmente de enfren-
tar o intraduzível do Objeto Imediato do original através de um sig-
no de lei transductor. Podem-se distinguir, assim, as traduções icô-
nicas de caráter isomórfico e paramórfico, numa apropriação me-
tafórica destas noções vindas da química e da física.
Isomórfica: “quando substâncias diferentes cristalizam-se no
mesmo sistema, com a mesma disposição e orientação dos átomos
e moléculas”.
Paramórfica: “transformação de um mineral em outro sem mu-
dança de composição, alterando-se apenas a estrutura cristalina”.
Trata-se, pois, de fazer aparecer o segundo modelo (a tradução) si-
milar ou equivalente ao primeiro, porém, com estrutura diferente
e equivalente, Estamos diante do jogo entre identidades e semelhan-
ças, O que nos leva ao caráter do homólogo como semelhança de
estrutura e origem em organismos taxionomicamente diferentes.
Assim, o mesmo fenômeno pode ocorrer na biologia, quando
as mesmas células, conforme seu programa genético, formam orga-
nizações diferenciadas: ““a diferença entre um homem e um chipan-
zé, entre um pé e uma mão, ocorre na organização espacial das cé-
lulas. (...) As células se comportam de acordo com sua posição em
seus diferentes programas genéticos”!
Traduzindo-se esses processos em termos semióticos, já dizia
Peirce que o legissigno admite grande variedade de formas, o que
torna explícito o paramorfismo.
Tradução Icônica Ready-Made: podendo se caracterizar tanto
no tipo isomórfico quanto no paramórfico, este caso de tradução
icônica consiste em encontrar uma “tradução” já pronta, ou seja,

1. LEWIS WOLPERT, “La formación de modelos en el desarrollo biológico”, Scientific


Armerican, dez. 1978, pp. 78-88. O termo isomorfia (no sentido da cristalografia) para caracteri-
zar a tradução como prática que se volta para à iconicidade do signo vem sendo usada por Ha-
roldo de Campos desde seu ensaio de 1962 (“Da Tradução como Criação e como Crítica”, op.
cit.). Num artigo posterior (“A Transcriação do Fausto", Suplemento Cultural de O Estado de
São Paulo, 16-8-1981), Haroldo de Campos prefere o termo “tradução paramórfica"”* ao termo
*“isomórfica”, preferência esta que, num artigo ainda mais recente (“Tradvção, Ideologia e His-
tória”, Cadernos do MAM, nº | Rio de Janeiro, dez. 1983), o autor assim explica: “De uns
anos para cá, tenho preferido usar o termo paramorfismo para descrever a mesma operação,
acentuando no vocábulo (do sufixo grego pard, ao lado de, como em paródia, "canto paralelo”)
o aspecto diferencial, dialógico do processo, aspecto, aliás, presente em meu ensaio de 62 (quan-
do falo, a propósito, da nova informação estética obtida via tradução, comparando-a à resul
tante do texto original: “serão diferentes enquanto linguagem, mas como os corpos isomorfos,
cristalizar-se-ão dentro de um mesmo sistema*"', Embora concordemos com Haroldo de Cam-
pos quanto à razão mais eficaz do uso do termo “paramorfismo” enquanto ênfase na “trans-
criação" como diferença, neste nosso trabalho, utilizamos ambos os termos (tradução isomórfi-
ça e paramórfica) porque, no que diz respeito à Tradução Intersemiótica, esses dois tipos (não
obstante muito semelhantes) são irredutíveis e, portanto, operacionais quando se trata de carac-
terizar a tipo de transformação que se opera na passagem de uma forma (original) a outra (tra-
dução), conforme se verá na Oficina de. Signos,
POR UMA TIPOLOGIA DAS TRADUÇÕES 1

ready-made. A possibilidade desse encontro se dá devido à existên-


cia das variadas formas em, que um mesmo legissigno pode se con-
cretizar. À tradução ready-made e o “original'”* entramem conjun-
ção icônica devido às suas semelhanças. Isto vem ao encontro do
pensamento de Walter Benjamin, quando diz: ““a tradução serve,
pois, para pôr em relevo a íntima relação que os idiomas guardam
entre si? (...) mas este vínculo imaginado e íntimo das línguas é o
que traz consigo uma convergência particular”. E mais: ““... as lin-
guas mantêm certa semelhança na forma de dizer o que se propõem”.
Nessa medida, a tarefa do tradutor, no caso de uma tradução
ready-made, é ter antenas sensíveis para a correspondência ou se-
melhança (isomorfia) entre estruturas cujo encontro, por si mesmo,
pode se caracterizar como encontro tradutor, aliás recíproco, visto
que, neste caso cabe a pergunta: qual é o original e qual é a tradu-
ção? E isto, parece ser crítico em relação à categoria da originalidade,
Do ponto de vista da semiótica da montagem, a tradução içô-
nica opera em montagem sintática, pois privilegia a estrutura de qua-
lidade. Já em relação à teoria da informação, a tradução icônica
manifesta seu pendor para o “cosmo-processo-estéticoi, onde se
instala a complexidade, a informação estética, a imprevisibilidade,
originalidade e também a fragitfidade”.

Tradução Tndicial

A tradução indicial se pauta pelo contato entre original e tra-


dução. Suas estruturas são transitivas, há continuidade entre origi-
nal e tradução. O objeto imediato do original é apropriado e trans-
ladado para um outro meio, Nesta mudança, tem-se transformação
de qualidade do Objeto Imediato, pois o novo meio semantiza a in-
formação que veicula, Na operação de translação, pode-se deslocar

2. WALTER BENJAMIN, “A Tarefa do Tradutor", Revista Humbod! nº 40, pp. 38-44.


3. Segundo nos informa HAROLDO DE CAMPOS em “Montagem: Max Bense"", os con-
ceitos "“cosmo-processos físicos” e “cosmo-processos estéticos" faram formulados por MAX
BENSE em Aesrhetische Informuatton, Agis-Verlag, 1956, No ensaio “Arte Concreta e Tachis-
mo” (1958), inserido em Pequena Estética (Texto 3), Bense afirma que a evolução do processo
estético, que conduz à informação, opõe-se à do processo físico que leva à entropia. Haroldo
de Campos explica: “Outro instrumento de análise praticada por Bense é a distinção entre entro-
pia e informação, derivada da cibernética e da teoria da informação. Entropia entendida como
medida para a probabilidade termodinâmica, que determina o grau de desordem, no sentido de
distribuição uniforme (igualmente provável) dos elementos de um sistema (característica dos
*cosmo-processos físicos"); a informação equivalendo à medida para o grau de ordem, corres-
pondente a uma distribuição improvável, selecionada, excepcional, original de elementos (carac-
terística dos 'cosmo-processos estéticos”)"". Haroldo de Campos também discute esses conceitos
no seu “A Temperatura Informacional do Texto", em Teoria da Poesia Concreta, cit. Já do
ponto de vista semiótico, que mais se aproxima da utilização que fazemos desses conceitos em
nosso trabalho, os “cosmo-processos estéticos” e os *““cosmo-processos físicos" relacionam-se
respectivamente ao caráter icônico-sintático que estabelece a originalidade, a organização men-
tal sígnica e ao caráter indicial-material, vale dizer, físico, no qual todo signo se concretiza. À
Enfase no processo estético ou no processo físico caracteriza, segundo esse ponto de vista, a do-
minânçia da invenção como iconicidade mental (processo estético) ou a dominância da materia-
lidade (processo físico), Cf. MAX BENSE, Pequena Estética, São Paulo, Perspectiva 1971, pp.
155-173.
s2 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

o tado ou parte. Tem-se, então, um movimento topológico-homeo-


mórfico e um movimento topológico-metonímico, podendo-se dis-
tinguir, portanto, dois tipos de Tradução,
Topológica-homeomórfica: aqui, na transposição do “mesmo”
para um outro meio, e aproveitando a noção de Homeomorfismo,
fornecida pela topologia, tem-se a correspondência entre elementos,
isto é, correspondência ponto a ponto entre os elementos dos dois
conjuntos de signos. Mais precisamente: à todo ponto de uma figu-
ra corresponde um ponto e somente um da outra, e a dois pontos
vizinhos de uma correspondem dois pontos vizinhos da outra. As-
sim, os dois conjuntos são equivalentes topologicamente, conseguin-
do, com isto, continuídade na passagem biunívoca de um conjunto
para outro e vice-versa. Dois conjuntos homeomórficos têm as mes-
mas invariantes topológicas, como uma circunferência e uma elip-
se, um polígono ou uma curva fechada de Jordan, quer dizer, todos
eles são homeomorfos a uma circunferência.
Topológica-metoniímica: trata-se de explorar a noção de homeo-
morfismo parcial, de caráter metonímico (pars pro foto), como for-
ma de estabelecer a continuidade entre original e tradução. Pelo des-
locamento de metonímias (partes do original) e sua localização no
novo contexto sígnico, tem-se o “deslizamento de significantes”. Es-
tes procuram a conexão sintagmática que alude à relação de conti-
gúidade, pois a relação da metonímia dá-se por contigilidade pro-
duzindo um efeito de sentido. Os elementos deslocados podem, as-
sim, ser “orientados” espacialmente e contextualmente, procuran-
do novas organizações e cristalizações.
Nesse caso, encontra-se uma analogia com o fenômeno “Alo-
trópico”* que “consiste em poder um elemento cristalizar em mais
de um sistema cristalino e ter, por isso mesmo, diferentes proprie-
dades físicas”!, Quer dizer, pela transposição de um organismo ou
partes para outro (tradução de meio para meio), obtemos continui-
dade e identificação. Entretanto, qualidades e aspectos, em diferentes
meios levam à transformação qualitativa dos eventos.
Do ponto de vista da semiótica da montagemS5, essas traduções
se caracterizam em montagem sintática (como referência de meios)
e em montagem semântica, como referências por contigitidade, isto
é, ela indicia a relação de contato físico com o objeto, muito mais
do que a transposição por invenção.

4. Foi HUGH KENNER, em The Poetry of Ezra Pound, quem apontou para a importância
da transposição do fenômeno do alotropismo para o campo da estética. Diz ele: “A fragmenta-
ção da idéia estética em imagens alotrópicas, tal como teorizada pela primeira vez por Mallarmê,
foi uma descoberta cuja importância para o artista corresponde à da fissão nuclear para o físi-
co", Apud. AUGUSTO DE CAMPOS, “Pontos — Periferia — Poesia Concreta" e HAROL-
DO DE CAMPOS, “Aspectos da Poesia Concreta", in Teoria da Poesia Concreta, p. 17 e p.
96 respectivamente.
5. DÉCIO PIGNATARI, Revista Através, Martins Fontes, ed. (São Paulo, 1582).
POR UMA TIPOLOGIA DAS TRADUÇÕES 23

Tradução Simbólica

Este tipo de tradução opera pela contigitidade instituída, o que


é feito através de metáforas, simbolos ou outros signos de caráter
convencional. Ao tornar dominante a referência simbólica, eludem-se
os caracteres do Objeto imediato, essência do orignal. A tradução
simbólica define a priori significados lógicos, mais abstratos e inte-
lectuais do que sensíveis. Pode-se colocar como exemplo a tradução
da palavra “arte”, em linguagem binária, executada por Waldemar
Cordeiro:
pu
=

OO
OS
OOrOo

o
OD
oO
OD

(5
mr
Oq
=

significa

ARTE

em linguagem
binária.

Comparação dos Tipos de Tradução

Sendo o pensamento ““o único modo de representação” e sen-


do o icone o “único meio de transmitir diretamente uma idéia”, a
tradução como pensamento intersemiótico, trânsito de meios e trans-
mutação de formas, inserirá necessariamente, no seu âmago, as três
espécies de signos.
Numa comparação entre os três tipos de tradução, pode-se per-
ceber que a Tradução Icônica, tende a aumentar a taxa de informa-
ção estética. Conseqgiientemente, a tradução como ícone, estará des-
provida de conexão dinâmica com o original que representa; ocorre
simplesmente que suas qualidades materiais farão lembrar as daquele
objeto, despertando sensações análogas. À Tradução icônica pro-
duzirá significados sob a forma de qualidades e de aparências entre
ela própria e seu original. Será uma transcriação.
A Tradução Indicial estará determinada pelo seu signo antece-
dente; contudo esta relação será de causa-efeito (caso da tradução
de um signo para outro meio) ou terá uma relação de contigiilidade
por referência que se resolverá na sua singularidade, pois acentuará
os caracteres físicos do meio que acolhe o signo. Contudo, ela será
interpretada através da experiência concreta. A tradução será neste
caso uma transposição.
Já a Tradução Simbólica se relacionará com seu objeto por força
de uma convenção, sem o que uma conexão de tal espécie não po-
94 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

deria existir, pois como símbolo consistirá numa regra que determi-
nará sua significação. Neste caso a tradução é transcodificação.
Finalmente, a tradução como processo simbólico irá determi-
nar as leis de como “um signo dá surgimento à outro, pois o símbo-
lo “é uma lei ou regularidade de futuro indefinido”, uma lei que
governará e será materializada e que determinará algumas de suas
qualidades, unindo o sensível ao inteligível, isto é, será uma forma
significante.
Parte |!

Oficina de Signos: Traduções


Intersemióticas e Leituras
O ponto de partida do iradutor não é a linguagem
em movimento, matéria-prima do poeta, mas a lingua.
gem foxa do poerna, (...) Sua operação é inversa à do poe-
ta: não se trata de construir com signos móveis um texto
inamoviível, mas de desmontar os elementos desse texto,
pôr os signos de novo em circulação e devolvé-los à fin-
Eguagem,.

OCTAVIO PAZ

Até aqui procedemos ao levantamento e exame dos principais


elementos que interferem na tradução como operação que envolve
pensamento em signos, intercurso dos sentidos e transcriação de for-
mas. Nossas discussões visaram, em primeira instância, ao delinea-
mento dos caracteres gerais dos traços implicados no ato tradutor.
Contudo, esses traços gerais só nos serviram como alicerce para que,
a partir deles, pudéssemos refletir sobre a especificidade do pensa-
mento em signos envolvido na tradução do signo que mais de perto
a nós interessa, ou seja, a síntese do objeto estético.
Vimos assim que o pensamento desenvolvido na trudução não
é do tipo evolutivo, embora abstrato e reflexivo, dá mais ênfase ao
pensamento por semelhança. De fato, os interpretantes extraídos ao
nível da leitura, pelo fato de não serem finalistas, permitem a tra-
dução em formas, vale dizer, em níveis do pensamento sintético que
descarta a articulação lógica da linguagem. Disto decorre que a tra-
dução não seja representação em sentido pleno.
Os níveis de consciência sintética põem em jogo os diversos ti-
pos de signos e o pensamento, assim, revela-se intersemiótico,.
Se, no plano da invenção, a mente tradutora privilegia aqueles
aspecios concretos que dão ao pensamento a sua qualidade, a tra-
98 TRADUÇÃO ICÔNICA

dução como intercurso dos sentidos põe em relevo o caráter mate-


ria! dos signos e seus suportes. Estes, responsáveis pela configura-
ção dos Objetos Imediatos dos signos, inclxrem também o universo
perceptivo do sinestésico. É por isto que a ação junto a suportes e
meios artesanais, industriais e eletroeletrônicos, se caracterizam tam-
bém pela subversão dos usos finalistas e comunicativos destes meios.
Aliás, são as qualidades inerentes a cada um deles que criam o es- *
tranhamento necessário, alargando a percepção que acentua as di-
ferenças entre tradução e traduzido. Estes suportes e meios fundam
a especificidade da tradução intersemiótica.
Como transcriação de formas, a tradução intersemiótica é via-
bilizada pelos signos de lei que, devido às suas qualidades paramór-
ficas, permitem sua penetração em quaisquer formas estéticas e
meios. Os signos de lei, ao mesmo tempo em que apontam para um
comparatismo entre as artes, permitem, por isso mesmo, estabele-
cer classes de linguagens estéticas e, por isso mesmo, uma tipologia
das Traduções. Sendo esses signos de lei formas icônicas, cujo reco-
nhecimento implica em atos criativos que possibilitam a “transcria-
ção”, elas, com seu poder aglutinante, transformam a energia sígni-
ca e são, por isso mesmo, signos transductores. Neste nível, da trans-
criação de formas, a produtividade formativa do signo, põe em jogo
aqueles aspectos da semelhança que providenciam os efeitos estéticos.
Traduzir com invenção pressupõe reinventar a forma, isto é,
aumentar a informação estética. A operação tradutora deve mirar
seu signo de frente e não de modo oblíquo. Fechando o círculo tra-
dutor: se o instante da consciência sintética capta a forma, é a for-
ma ftradução), que faz ver o instante.
Agora, no território a seguir denominado “oficina de signos”,
como demonstração concreta das transformações tradutoras de sig-
nos, trata-se de evidenciar os reflexos e rebatimentos da teoria na
prática.
Como exemplos do exposto, inclui-se uma série de traduções
e transcodificações entre as Artes da Poesia, Artes Plásticas, Lite-
ratura, Cinema e nos diversos meios: fotografia, gráfica, hologra-
fia, videotexto, meios eletrônicos, objeto, instalação etc.
5. Tradução Simbólica
soe
nasce
morre nasce
morre nosce morre
renasce remorre renosce
remorra renasce
remorre
re re
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
nascemorrenasçe
morrenasce
morre
se

Original:
*nascemorre”
Haroldo de Campos (1958)
Tradução Intersemiótica:
Julio Plaza (1984)
102 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA-

LE!TURA DE “SE NASCE... ([...) ... MORRE SE”

Grafado em tipografia e utilizando o espaço da página como


meio substantivo de configuração, o poema processa-se no jogo das
ambigiiidades surgidas pela ação de contrários.

À atividade construtora do poema se enrola-desenrola toda ela


na utilização pura e simples de dois elementos lexicais: os verbos anti-
téticos nasce/morre, Esses verbos se constituem, assim, numa espécie
de célula-mater tensionada, uma vez que a cada ocorrência de nasce
corresponde uma outra ocorrência de morre (24 ocorrências ao to-
do: 12 para nasce e 12 para morre). Num jogo de equilibração simé-
trica a mais perfeita, o poema se abre com nasce e se fecha com mor-
re, tendo no seu interior quatro blocos visualmente perceptíveis de
variações espelhadas na combinação e justaposição desses dois ver-
bos. Às variações se complexificam, contudo, através do concurso
das partículas (se, re, des) que, sobre a combinatória espelhada dos
verbos nasce/morre, faz incidir também variações prismáticas.
Nessa medida, as operações sobre o simples (nasce/morre) pro-
cessam um conjunto de afirmações/negações, movimentos progres-
sivos/regressivos e ações positivas/negativas, quer dizer, ações de
contrários que procuram a sua coincidência, a sua síntese. Para uma
leitura detalhada dessas operações, vejamos antes as partículas de
linguagem uma por uma para que se possam considerar suas signi-
ficações e sentidos que põem o poema em movimento:
= pronome pessoal da 3º pessoa, usado aqui como objeto dire-
to ereflexivo da ação, e ainda como índice de indeterminação
do sujeito; se nasce, se morre ou nasce-se, morre-se
Hasce/morre = 3? pessoa singular do presente do indicativo (no sen-
tido de presente eterno). No seu conjunto formam um par po-
lar e antagônico de cuja relação semântica depende o poema.
re/des = prefixos; re = significa repetição, reintegração, aumen-
to, movimento para trás (de recuperação), mudança de esta-
do e, por isso mesmo, dependente de uma situação anterior;
Bera movimento progressivo à partir do regressivo.
des = prefixo que denota negação e inversão do significado
do simples (desnasce/desmorre). Significa: separação, trans-
formação, privação, regação e ação contrária.
As partículas prefixiais re/des são responsáveis pela ambigui-
dade inerente aos sentidos do poema, pela modificação dos senti-
dos do simples: nasce/morre, Modificação por variações prismáti-
cas. Grafadas numa configuração de caráter binário e, portanto, si-
métrica (como metáfora de organismos), as partículas encontram-
se distribuídas em torno de eixos de simetria dessa estrutura (direi-
to/avesso; avesso/direito), criando, ao mesmo tempo, movimento
de balanço e rotação, operações de permutação como convém a um
jogo de contrários.
TRADUÇÃO SIMBÓLICA 103

Tem-se, assim, no primeiro subconjunto:


se
nasce
morre nasce
Morre nasce morre
Codificando os sentidos de NASCE como sentido positivo (enquan-
to acesso à vida) e MORRE como sentido negativo (ou negação da
vida), pode-se (usando signos matemáticos) fazer a seguinte tradução:
NASCE = +
MORRE = —
Assim:
+

—+
— + —.

Como se pode ver, o equilíbrio entre os sentidos é mantido no


jogo de oposições antagônicas.
Agora, no segundo subconjunto, tem-se:
renasce remorre renasce
remorre renasce
remorre
re
ou: + — +
— +

onde a partícula re reafirma o caráter de equilíbrio provisório einde-


terminado entre NASCE/MORRE, ou na oposição vida/morte em
nível semântico.
Então, no primeiro subconjunto da segunda configuração, aparece:

Te
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
ou: —
+ —

+ —+
E, no segundo subconjunto da segunda configuração:
nNascermorrenasce
Imorrenasce
morre
se
OU! + — +
—+
104 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Percebe-se que há, em todos os subconjuntos e na relação entre


eles um movimento dinâmico que acentua o equilíbrio sintático e se-
mântico como resultado ao modo Yin Yang, o que cria uma espécie
de transfusão perpétua do nascer em morrer e vice-versa, Colocan-
do em movimento, por variações especulares e prismáticas, o cará-
ter antitético desse par verbal, o poema transplanta esses verbos de
um reduto simplesmente dicotômico para convertê-los em vasos in-
tercomunicantes onde nascer se insemina no morrer'e vice-versa.
TRADUÇÃO
À tradução se processa por convenção. Às equivalências con-
vencionadas são as seguintes;

NASCE = Triângulo + branco = símbolo da vida. Seu


objeto imediato denota equilíbrio dinâmico.

MORRE = A Triângulo invertido = símbolo da morte. Seu


objeto imediato denota equilíbrio estático;
posição antagônica ao anterior.

RENASCE = O simples + reduplicação através da linha


vertical, indicando o positivo, o afirmativo,
o re-produtível,

REMORRE = AN O simples + (re) negro, indicando regação.

DESNASCE = O simples (posição de nasce) + negro (nega-


ção ou sentido de morte).

DESMORRE = O simples (posição de morre) + branco


acrescido da linha ou sentido de positivo,

Cada partícula do poema é traduzida pelo triângulo a modo de


célula que cria, por sua vez, associações diagramáticas segundo seu
próprio modelo interno (triângulo, hexágono, losango etc.), obten-
do, assim, um sistema orgânico a partir dos elementos celulares,
Os prefixos re/des são traduzidos pelas operações de duplica-
ção, repetição, reflexão e simetria, responsáveis pela ambigilidade.
O resultado final é justamente o de uma tradução que só é com-
preensível, como tal, se dominamos a chave léxica como código sim-
báólico. Contudo, há investimento estético ao nível de todo que supe-
ra os aspectos repertoriais. Tanto isso é verdade que no nível ma-
croestrutural, o rebatimento espelhado entre rtasce/morre é recupe-
rado no todo da configuração visual: um grande triângulo (Vida)
interpenetra-se num outro invertido (Morte), Este investimento ope-
ra a isomorfia entre forma e significado e recria o objeto imediato
do poema originário como metáfora de organismo tensionado entre
as forças positivas e negativas da vida e da morte.
6. Tradução Indicial
108 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

“LUA NA ÁGUA”

Analisando o texto poético, observa-se que processos anagra-


máticos e paragramáticos ativam a linguagem do poema. No primei-
ro verso, temos: LUA NA AGUA, texto que refletido na sua base
já provoca a aparição de outra qualidade, à água como suporte do
reflexo. Temos assim uma paisagem composta de LUA na AGUA.
No segundo verso: ALGUMA LUA, o termo ALGUMA inclui
anagramaticamente ÁGUA e LUA, isto porque ALGUMA LUA é
paragrama de LUA NA ÁGUA, Ainda pela reflexão, temos ÁGUA,
indiciando o movimento entre LUA e AGUA.
No terceiro verso: LUA ALGUNMA, quer dizer, nenhuma lua,
resta a impressão fugaz dos reflexos da LUA, extraída de ALGU-
AMA e confundida com a água. O poema realiza-se, como se pode
ver, a partir da materialidade da linguagem.
O texto-poema é “descritivo qualitativo”, pois que, como lin-
guagem poética que é,
ao descrever verbalmente, transforma o caráter linear da sintaxe verbal, cria uma
gestalt de relações inusitadas e acaba por recuperar analogicamente (em termos con-
cretos) qualidades físicas, sensíveis daquilo que é descrito (do objeto da descrição).
Sendo o ícone um tipo de signo cujas qualidades sensíveis se assemelham às qualida-
des do objeto e, por isso mesmo, um signo capaz de excitar na mente receptora sensa-
ções análogas às que o objeto excita, não é difícil perceber por que tal texto (descriti-
vo qualitativo) seria um processo de signos de modo primeiro (descrição) em nível
de primeiro (ícone de qualidado)!.

É precisamente esse caráter icônico, pela “aglutinação” dos ter-


mos, que cria o movimento transformativo ao nível do intracódigo
€ que nos serve para processar a tradução.

“LUA NA ÁGUA” TRADUÇÃO INDICIAL

O poema “Lua na Água” é transferido para o videotexto, onde


encontra sua inserção como prolongamento eletrônico da tipogra-
fia. Na transposição de meio para meio, temos que o videotexto
apreende o poema original e o conforma no seu modo de escansão,
emprestando-lhe suas qualidades. Na tradução, a disposição gutem-
berguiana é negada e negativada na luz-cor sobre fundo preto.
Produz-se, assim, um ícone de paisagem noturna, com mera
similaridade,
A similaridade entre ícone-paisagem-luz e texto confunde-se com
o próprio processo (movimento) de escansão. À forma poética re-
sultante e o processo formativo da imagem encontram-se absorvidos
como linguagem.

1. MARIA LUCIA SANTAELLA BRAGA, “Por uma Classificação da Linguagem Escri-


1a, op. cit., p. 153,
TRADUÇÃO INDICIAL 109

O VIDEOTEXTO COMO MEIO DE TRANSPOSIÇÃO

À transposição de um signo estético num meio determinado para


um outro meio tecnológico deve obedecer os recursos normativos
(signos de lei) do novo suporte, seus sistemas de notação. Não pare-
ce ser outra coisa que Gombrich pretendeu expressar quando afir-
ma: ““O artista não pode traduzir mais do que seu meio é capaz de
traduzir”. Assim, todo suporte declara e impõe suas leis que con-
formam a mensagem.
À operação de passagem da linguagem de um meio para outro
implica em consciência tradutora capaz de perscrutar não apenas
os meandros da natureza do novo suporte, seu potencial e limites,
mas, a partir disso, dar o salto qualitativo, isto é, passar da mera
reprodução para a produção.
o organismo quer perdurar

O organismo quer reper

O organismo quer re

o organismo quer

O Organism

OF gas

Original:
**organismo”*
Décio Pignatari (1960)
uer
. SO . "De,

Cá o
& O,
S& x%
r efo
&
Ç NF
= fe]

JS .

E SD O, f-
[5
feto]

O O S
= -

e)
&“ SÉ
É
SSo” Yo :

Tradução Intersemiótica
“Organismo Áureo”
Julio Plaza (1980)
12 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

LEITURA DE “ORGANISMO-ORGASMO”

Ao nível de primeira impressão, numa visão do todo, o proce-


dimento através do qual o poema se engendra já se revela interse-
miótico: macroestruturalmente o poema se organiza acoplando-se
a uma sintaxe cinematográfica, Planos verticais, frontalidade, mo-
vimento zoom, características estas que indiciam o modo industrial
de produção: a máquina de cinema. O processamento radical da pas-
sagem do verbal para o não-verbal dá-se, assim, em seqiência frag-
mentada de tomadas curtas, a modo de planos cinematográficos que
imprimem movimento ao poema. Cada folha (enunciado do poe-
ma) equivale a um plano filmico. O primeiro enunciado (O ORGA-
NISMO QUER PERDURAR) apresenta-se como um grande plano
que vai sendo gradativamente cortado, num processo de
aproximação-dilatação crescente até atingir um primeiríssimo pla-
no (a parte superior do grafema O) na última página.
O fundamental desse procedimento reside, contudo, na captu-
ra da mais perfeita isomorfia entre forma-significado que o poema
realiza. Vejamos: o primeiro sintagma (O ORGANISMO QUER
PERDURAR), ao ser seguido pelo sintagma O ORGANISMO
QUER REPET, já lança o gérmen semântico de todo e qualquer
organismo que só perdura repetindo o ato primordial em busca do
qual o poema parte.
Os planos-páginas seguintes são, de fato, repetição por redução-
aproximação. O REPET reduz-se ao RE (prefixo semântico da re-
petição). Cai, em seguida, o RE para pôr em destaque o QUER
(que carrega o sema do desejo). Nessas passagens redutoras de um
plano a outro, a palavra ORGANISMO vai simultaneamente se di-
latando, num crescente, até que, na seqiiência da quinta para a sex-
ta página, dá-se a transformação de O ORGANISM para ORGASM
que se amplia e se dilata na página dando corpo físico ao significa-
do. À página seguinte iconiza, no plano aproximando de (O O)rga-
nism, a fusão dos genitais masculino e feminino, sendo seguida, na
última página, pelo fragmento icônico da penetração feminina pelo
masculino.
Á iconicidade maior do poema revela-se, contudo, no nível rit-
mico, isto é, em termos de tempo-movimento, quando focalizamos
seu todo estrutural. O processo de redução-aproximação de planos
sintagmas vai criando um tempo de leitura cada vez menor, cada
vez mais curto para cada página. Esse encurtamento do tempo vai
correspondendo à dilatação da palavra ORGANISMO, ao mesmo
tempo que vai reproduzindo o movimento-ritmo cada vez mais ace-
lerado de uma relação sexual até explodir em ORGASM e no puro
desenho-síntese da penetração no último plano.
TRADUÇÃO INDICIAL 113

“ORGANISMO ÁUREO”

Trata-se de um tipo de tradução indicial na medida em que re-


cupera todos os enunciados-sintagmas, além da própria tipologia em
que o poema original está grafado. À tradução, na realidade, o que
faz é mobilizar a disposição sígnica do original para inscrevê-lo num
outro espaço de produção, não mais o espaço cinematográfico, mas
o espaço ideográfico-fisiognômico. Esta passagem é possível graças
ao diagrama-icônico ou legissigno-icônico-remático (Secção Áurea)
que organiza a tradução e os sentido do poema. Os aspectos simbó-
licos da Secção Áurea como forma-significante (conforme veremos
mais detalhadamente na leitura do Encouraçado Potemkin) evoca,
como signo de possibilidade, as noções de organismo e as idéias de
germinação, fecundidade, É então sobre esta estrutura harmônica
que a tradução está montada, emprestando organização entre o to-
do e as partes e isomorfia com as idéias de evolução orgânica, con-
tínua e crescente relativas aos sentidos do poema original “Orga-
nismo Orgasm**.

Ássim, o traçado geométrico-materático da Secção Áurea é que


suporta, organiza e espacializa os sintagmas-planos:
o organismo quer perdurar
o organismo quer repet
o organismo quer re
O Organismo quer
o organism
orgasm
oo
(9)
O óriginal propõe uma ação segiiencial num processo de
redução-aproximação que reproduz o movimento-ritmo cada vez
mais acelerado de uma relação sexual áté explodir em ORGASM.
114 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

À palavra ORGANISMO, gradativamente dilatando-se, funciona


como uma espécie de ícone do órgão genital masculino e posterio-
mente do feminino.
Já a tradução, por outro lado, ganha para o simultâneo e iso-
morfia, O espaço sobrepõe-se ao tempo, mas sem anulá-lo, pois é
do movimento espiralado e oval que nasce sintática e semanticamente
a forma-idéla-tema do óvulo-ovo (que se encontra latente nos gra-
femas do original: O O). Estrutura-se, assim, o ícone do organismo-
orgasmo como ação fisiológica envolvente na qual a paronomásia
ORGANISMO-ORGASMO vai se condensando, em simultaneida-
de, até organizar a superposição indissociável dos genitais masculi-
no e feminino,
TRADUÇÃO INDICIAL 15

A HOLOGRAFIA COMO TRANSPOSIÇÃO

Toda “nova tecnologia” é inicialmente tradutora e inclusiva das


linguagens anteriores. Contudo, novos suportes supõem imagens.
A imagem produzida pela holografia difere substancialmente das
imagens em suportes tradicionais. A imagem holográfica é uma ima-
gem-inteira (holos= inteiro, grafia= imagem), imagem-luz-memória
que se reativa para o espectador com um simples sport de luz.
Com o raio laser, que produz raios de alta coerência espacial,
é possível o armazenamento de informação em qualquer ponto do
campo da onda luminosa, o que, consegiientemente, permite seu re-
gistro num filme holográfico. Aqui registram-se as figuras ou ima-
gens de interferência, resultantes da superposição das ondas de um
feixe de radiação coerente (raio de referência) com as ondas que fo-
ram refletidas por um objeto (raio de reflexão). Ver Figura a.
A holografia no estágio atual é o registro de um objeto e incor-
pora ao mesmo tempo aspectos da fotografia e sobretudo da escul-
tura. Para se fazer um holograma é necessário construir um objeto-
escultura com todas as conseqiiências perceptivas de volume, ilumi-
nação, espaço, paralaxe, perspectiva etc. A transformação desse ob-
jeto tridimensional em pura luz (Figura b), através da geometria do
raio laser, é o que constitui o processo holográfico. Nesse sentido,
um holograma é basicamente uma transposição entre meios, e isto,
traz conseqiiências para a Tradução Intersemiótica como transmu-
tação de aparências em aparências.

ESPELHO
LENTE
EXPANSORA

SUPERFÍCIE
SEMI-REFLETORA

LENTE
EXPANSORA
o velho tanque

rã salt

tomba

rumor de água

Original:
“o velho tanque", Hai-cai Traduções Intersemióticas: Julio Plaza

Bashô: (século XYII) 1? versão em videotexto (1982)


Tradução para o português: 2º versão em linguagem visual (1982)
Haroldo de Campos (1958) 3º versão em montagem fotográfica (1984)
o velho tanque

HÁ =zalt tomba
120 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

HAL-CÇAIL: TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Recuperamos aqui a análise feita por Haroldo de Campos! e


sua própria tradução à partir dos ideogramas japoneses, pois que
tratando-se de tradução intersemiótica em sistema, diz respeito à re-
cuperação da estrutura original do Haicai.

BASHO o velho tanque

rã salt

tomba

rumor de água

(fura ike ya / kawasu tobikormu / iniízu no ofo)

& 1 — furu (velho); o sinal de. ID sobre & boca (kuchkl);


(1) o que passou de boca em boca por 10 gerações (Pound
via Fenollosa), ou notícia 10 vêzes repetida (Vaccari,
- Pictorial Chinese/ Japanese),
vá (2)
TZ —ike (lago, tanque): caracteriza-so pelo cliemento
"água" (mizu), abreviado, à esquerda do ideograma.

* o 3 — ya: partícula. expletiva (kirell), escrita em hiragana.

Y' 4 — Kkawaru (rã): caracteriza-se pelo elemento “verme”


UE (4) rush, à esquerda do ideograma, indicando espécie

5 — toblkomu: verbo composto de tobu, “saltar” ko.


Fi ó" meru, “entrar; contém os dois pólos da ação: o sslto
a 5 ec o mergulho; grafa-se com dois kanji su Stos: o
2h de fobu seria, para Vaccari, a pintura sintética de pás
saros no ato do vôo; o de Kkomera s1eúne uma parte
inferior, indicativa de “movimento para a frente”
(shkinnyu, cf. Vaccariz “o processo”: pegadas -f- um pé,
fo rf, Pound/Fenollosa), e outra superior (ny, Vaccarl),
significando “entrar” (como um rio na sua foz); a de-
sinência verbal mu está grafada em Airagana. '

T (6) 5 =— mina (água): pictografia de fios de água correndo,


7 —no (de): preposição, em grafia hiraganao,

8 — ofo (rumor): embora extremamente estilizado é de


interpretação problemática, este símbolo, para Vaccarl,
remontaria a uma antiga pictografia de uma boca aberta,
É deixando ver a língua (parte inferior do Kkanjl), no ato
(a) de produzir o som.

1. HAROLDO DE CAMPOS, "Hai-cai: Homenagem à Síntese”, in À Arte no Horizonte


do Provável, São Paulo, Perspectiva, 1969, p. 62.
TRADUÇÃO INDICIAL 12

Neste halcal de Hashô, talvez o mais famoso do gênero, o eixo da


ação está: na palavra composta. tobikomu, formada. pela aglutinação - dos
vererbos saltar (Gobu) + entrar- (komeru), No original,a
'shots" visuais:se faz assim, sem Salação. “ae continuidade, dao
tomada para outra, até o Temate, que
qu se resume, como numa etapa Final
de montagem cinematográfica, no Tumérejar da água agitada pelo baque
de um corpo que saltou e nela imergiu, Por aqui so pode avaliar a
pobreza, Para não dizer infidelidade, que baveria numa tradução com
agmentada
mente por um recurso à cummings de à postrofação. seit /tomba"),
curel stompantar a, desenrolar filmico da idéia , “esse desejo “de fundir
imagem em ' ue, . Di . Keene, car a poesia japonesa.
De outro lado, a textura tônica x esttomba” não deixa, de certo modo,
de responder à de fobikoimu, Lembre-se o leitordo exemplos. como
« ea
Ruudo. turbando" (fundindo tequrbilhonar! E "“bulir), de Guimar
sa.

Nesta análise de Haroldo de Campos, impõe-se ressaltar o ca-


ráter sintético da dupla ação dos verbos saltar + tombar, da qual
o autor extrai as consegitências necessárias, isto é, extrai do verbo
saltar à própria rã numa isomorfia perfeita: como desligar o salto
do agente? Temos assim:
rã salt (ar)
ou seja, um salto simétrico no ar (reversão de rã). À elisão da termi-
nação do verbo sait... vai encontrar na terminação de tomba a síla-
ba a que se completa na sílaba inicial r de rumor, compondo a pala-
vra ar (terminação de saltar):

salt

tomba

rumor

“O VELHO TANQUE...": VERSÃO EM VIDEOTEXTO

Nesta versão, aproveitando os recursos gráficos eletrônicos do


videotexto temos:
1º momento: a descrição verbal o velho tanque sobre fundo azul
claro: imagem visual estática com equivalência do
atemporal, algo não sujeito às contingências do mun-
do. Como uma mônada.
2º momento: rã salt tomba, sobre 9 mesmo azul, sendo que rá, gra-
fado em laranja e com movimento intermitente em
“pisca-pisca”, indicia isemorficamente o salto. Te-
mos assim o choque, o tátil, a relação entre corpos,
o intervaio, a díada. Detona-se, assim, o início do ter-
ceiro movimento-síntese.
7. Tradução lIcônica
124 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

INTRADUÇÕES
A atividade tradutora e o trânsito sensorial entre o visual, ver-
bal, sonoro e tátil em níveis de intracódigo é patente. O trânsito tra-
dutor entre esses aspectos interiores à linguagem parece permitir fa-
lar em tradução interna ou intradtução.
Os casos que serão apresentados, embora sejam, na maioria,
associações signicas por contigilidade, tendem à associação por si-
milaridade que detona o lampejo da semelhança. São, por isso mes-
mo, rotulados de “intraduções icônicas”*.
Interessa captar nessa atividade as relações de semelhança
projetando-se sobre a contigilidade como forma icônica transfor-
mativa, criadora dos sentidos inerentes ao signo e que têm por ob-
jetivo os objetos imedjatos expressos no signo,

Intradução por Semelhança de Qualidade: CUMFIGURIS

Nos casos: ADORA À RODA, A VELA A LEVA, A SACA


DA CASA, na relação entre forma e título associados, encontra-
mos paralelismo e similaridade entre processos configuradores, isto
é, entre figuras plásticas simples e os palíndromos (palin = “repeti-
ção”, “de novo”) que se organizam pelos princípios de simetria,
reversibilidade, indiciando-se uns aos outros.

Intradução por Conflito e Justaposição: ÍCONES SÃO REDONDOS


Trata-se de uma proposição sintética, num texto descritivo-
conceitual. Numa descrição como tal, o objeto (ícone) passa a ser
apreendido no seu caráter convencional e abstrato. Como texto
descritivo-conceitual, contudo, propõe-se como uma metáfora do
que se passa na mente quando da aparição do ícone, isto é, como
energia que tende à melhor configuração possível (redondez).
Graças ao tipo de letra em que se constrói a proposição, gran-
de movimento e atividade são gerados, e isto significa investimento
em nível microestético sobre os legissianos “Ícones” “São” “Re-
dondos”", Mesmo como proposição de caráter conceitual, em nível
da idéia, a sua composição física denota, por justaposição, os ca-
racteres atribuídos ao ícone, sematizando a sua composição física
e extravazando-a,

TIntradução por Semelhança: ALUZ AZUL (em videotexto)

À relação tradutora como intradução processa-se pela media-


ção paranomásica e anagramática entre ALUZ e AZUL e as corres-
pondentes qualidades cromáticas designadas pelo substantivo LUZ
adjetivado de AZUL.
ADORA À RODA

A SACA DA CASA

A VELA À LEVA
IeUNcs
Sim
renminas
Original:
Poemobiles — “Luz Mente Muda Cor...”
Augusto de Campos (Poema)
Julio Plaza (Objeto) (1974)
Tradução Intersemiótica
para Holografia

Augusto de Campos
Julio Plaza (1985)
IEMENTE
HENTEMUDA
MHUDAMENTE.

Tradução para Videotexto (1986): Julio Plaza


Fotos: João Musa
132 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

MUDA LUZ
COR MENTE
LUZ MENTE MUDA COR
COR MUDA MENTE LUJZ
MENTE COR
LUZ MUDA

À qualidade do poema realiza-se pela combinatória dos grafe-


mas: MUDA, LUZ, COR e MENTE que aglutinados nos eixos ho-
rizontal e vertical formam palavras-montagem. O poema descreve
as qualidades concretas através do movimento diagramático e simul-
tâneo dos seus grafemas, que permite elaborar leituras em várias di-
reções. Em cada nova leitura e disposição, os grafemas mudam suas
funções gramaticais o que implica mudança de sentido e significa-
ção, produzindo ambigúidade.
MUDA é verbo na terceira pessoa do presente, mas articulado
com LUZ é verbo que designa imperativamente a ação de mudar:
MUDA LUZ. Também MUDA COR. MUDA MENTE.
MUDA atua também como adjetivo. Isto pode ser visto em LUZ
MUDA, onde MUDA qualifica a palavra LUZ. Assim se dá tam-
bém em COR MUDA.
LUZ é um substantivo que designa a própria substância de um
ser real. Entretanto, de substantivo passa à adjetivo, e articulado
com MENTE LUZ, qualificando a MENTE,
COR é substantivo concreto que designa uma qualidade. Atua
também como adjetivo quando articulado depois de um nome: MEN-
TE COR.
MENTE é substantivo que designa intelecto, pensamento, con-
cepção, imaginação e intenção, entre outros aspectos. Porém, do
latim Mens - mentis, também atua como sufixo adverbial = manei-
ra, modo. Isso acontece em COR MENTE, LUZ MENTE,
Temos assim que as funções dos substantivos, adjetivos, ver-
bos e advérbios são trocadas, o que permite conseguir os efeitos poé-
ticos pela montagem aglutinante das palavras. É no processo de com-
binatória dos grafemas que se instaura a ambigúidade precisa pela
qual processa-se o todo do poema. Temos assim: CORMENTE,
LUZMENTE, MUDA MENTE ou MENTELUZ, MENTECOR,
MUDACOR, CORMUDA, ou MENTELUZ... etc.
Dessa forma, temos que a MENTE é LUZ que MUDA com a
COR, ou vice-versa, mas, ao mesmo tempo, a MENTE é COR que
MUDA com a LUZ, ou ainda LUZ é MUDA ou LUZ na MENTE
da forma LUZMENTE e que MUDAMENTE e CORMENTE e
LUZMENTE MUDALUZ...
Neste processo de intercâmbio semântico entre os grafernas,
intercambiam-se também as estruturas da percepção. Na leitura, Ob-
TRADUÇÃO ICÔNICA 133

jeto (poema) e sujeito (leitor) intercambiam suas informações: a


MENTE do poema? ou a MENTE do leitor?, a LUZ no poema?
a LUZ-cor na percepção? como separar?

TRADUÇÕES

Nas diversas traduções do poema “MUDA LUZ...”, procurou-


se interpenetrar tanto o poema com o suporte quanto este com aque-
le, Assim, as qualidades do suporte nos fornecem as condições para
serem interpretantes icônicos das qualidades-palavra do poema. No
Poemóbiles (folha tridimencional), poema e objeto se interpenetram,
onde o branco da página nos fornece a iluminação na sua abertura
fechamento.
Já na versão em holografia, procurou-se incluir efeitos cromá-
ticos como interpretantes dos grafemas, À sua performance apare-
cê como metáfora do que acontece na mente quando da aparição
de imagens-ícones no processo de criação.
Na versão em videotexto, o poema está grafado em oito cores:
branco, amarelo, ciano, verde, magenta, vermelho, azul e preto.
Através do movimento das cores de fundo do poema, obtêm-se os
efeitos relacionados à sua semântica.
Rodtchenko, 1929

O ENCOURAÇADO POTEMKIN

Ficha técnica do filme


Título original russo:
Bronienosiets Potiomkin
Roteiro original de:
Nina Agadzhánova-Shutko
em colaboração com:
Serguei Eisenstein
Adaptação, roteiro, direção e edição:
Serguei Eisenstein
Fotografia de:
Eduard Tissé
Moscou, 1925
TRADUÇÃO ICÔNICA 135

A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA NO FILME


O ENCOURAÇADO POTEMKIN
O Encouraçado Potemkin é, na realidade, uma obra de arte
construída na forma de “montagem como escrita cultural””, como
queria Eisenstein. Esta definição mais ampla de montagem comporta
a idéia de intertextualidade e intersemiose, na medida em que múl-
tiplos códigos colaboram com o código fílmico: a pintura, a geome-
tria, o gestual, o teatro Kabuki, a estampa japonesa organizam-se
num palimpsesto Oriente-Ocidente que denota, por outro lado, a
rica cultura visual e antropológica de Eisenstein.
Como inventor de formas de seu tempo, Eisenstein aponta pa-
ra o futuro, dialogando com o passado através dos códigos e tecno-
logias de representação, possibilitando assim sua recuperação atra-
vés de uma arte industrial como o cinema, o que permite a tradução
desses códigos para repertórios de massa.
Serguei Eisenstein transcende a visão de arte como reflexo e ve-
rossimilhança do real. Seu engajamento é com a linguagem, pois,
para Eisenstein, não existe forma e conteúdos separados mecanica-
mente ou por convenção, mas formas significantes que se agenciam
em completa isomorfia. O conteúdo “é um princípio de organiza-
ção do pensamento”, nos diz o artista. Para ele, o cinema comer-
cial dirige as emoções, enquanto o cinema intelectual oferece a pos-
sibilidade de apoiar e dirigir todo o processo do pensamento.
Ençarada em seu dinamismo, a obra de arte é um processo de formação das
imagens na sensibilidade e na inteligência do espectador. É nissso que consiste o as-
pecto característico de uma obra de arte verdadeiramente viva, o que a distingue das
obras mortas, onde se leva ao espectador o resultado de um processo de criação que
terminou o seu curso, ao invés de o envolver no curso desse processo!,

Ao colocar aqui o filme O Encouraçado Potemkin, o que se


quer analisar dentro das relações intercódigos é precisamente o pro-
blema da tradução intersemiótica operada no filme entre argumen-
to e cinema, assim como apontar para outras operações tradutórias
inclusas no filme, o que permite que esta obra se constitua numa
espécie de síntese exemplar para o exame de operações tradutoras
intersemióticas de caráter icônico, Daí ter sido esta a leitura .esco-
Ihida como abertura para a seqgiiência daquelas que foram por mim
criadas e que configuram esta parte da Oficina de Signos.

O Argumento Narrativo

Pelo tema tratado, narrando episódios da Revolução de 1905,


na Rússia, o filme remete à função referencial da linguagem na for-
ma de narrativa, mas Eisenstein sabe que à comunicação em lingua-
gem lógica e funciona! leva o espectador à percepção automatizada

1. SERGUEI EISENSTEIN, Reflexõesde um Cineasta, Rio de Janeiro, Zahar, 1969, p. 80.


136 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

e previsível. A linguagem se faz notar quando se faz dela um uso


de forma não usual. À linguagem padronizada passa despercebida
e Eisenstein quer fazer do espectador um ente pensante. Assim, o
que interessa para o artista é construir os sentimentos imediatos e
significados no espectador,

Os Cinco Átos

L. Homens e Vermes
Exposição da ação, Às condições a bordo do Encouraçado. Car-
ne cheia de vermes. Inquietação entre os marinheiros. Conflitos en-
tre oficiais e tripulação,

II. Drama no Convés


“Todo mundo na ponte!”* Os marinheiros se recusam a comer
a sopa de vermes. Tropa formada no convés. Repressão. Um grupo
vai ser fuzitado coberto por uma lona. O pelotão de fuzilamento
recusa-se a atirar. “Irmãos!” Motim. Início da revolta e tomada do
navio. Vakulintehuk morre.

IN. O Sangue Pede Vingança


O nevoeiro. O corpo de Vakulintchuk no porto de Odessa. Lu-
to na multidão. Ato público: “Chega de absolutismo!” A bandeira
vermelha é içada a bordo do navio.

IV. A Escadaria de Odessa


À população confraterniza com o Encouraçado. Barcos com
provisões ajudam a tripulação. “E, de repente...”', a fuzilaria na
escadaria.

V. Diante da Esquadra
Noite de vigília. À esquerda é divisada a esquadra que vem com-
bater o Encouraçado. Sinalização: “Unam-se a nós!” As tripula-
ções da esquadra: “Irmãos!” À esquadra recusa-se a atirar. Passa-
gem triunfal do navio.

O argumento do filme constitui-se numa narrativa sucessiva,


onde as relações entre as seqtiências é da ordem cronológica, ou se-
ja, as ações sucedem-se no tempo, num encadeamento linear, Sobre
o encadeamento cronológico, estabelece-se também a lógica da ca-
sualidade: um acontecimento é efeito (reação) do anterior. O filme
pretendia mostrar os acontecimentos históricos da Rússia dos Cza-
res: os episódios da Revolução de 1905. O roteiro, como crônica dos
acontecimentos, constitui-se numa tragédia em cinco atos, arranja-
dos para formar um todo seqiiencial de acordo com a tragédia clás-
sica: “Um terceiro ato diferenciado do segundo, um quinto dife-
rente do primeiro, e assim por diante. Essa estrutura da tragédia,
consagrada pelos séculos, é realçada pelas legendas que precedem
TRADUÇÃO ICÔNICA 137

cada ato ou parte”"?, Na passagem para o filme, contudo, na sua


construção, opera-se uma transformação estrutural sobre a mera ca-
sualidade linear da narrativa tal como aparece no argumento.

Do Argumento para o Filme

Como já vimos, o argumento apresenta uma narrativa sucessi-


va, cuja ação entre as diversas seqtiências da estória é a da ordem
cronológica: uma depois da outra. O acontecimento é relatado con-
forme seu desenvolvimento temporal. “A linguagem narrativa seg-
menta um evento em partes e vai roteirizando no tempo a complei-
ção do todo. Desse modo, temos ações seguidas de outras cujas li-
gações obedecem à ordem proposta pelo tempo”*!, No entanto, so-
bre a temporalidade, neste caso, articula-se a causalidade.

O princípio-meio-fim da narrativa, articulado que está pela con-


tigúidade, desenvolve-se, contudo, como um todo orgânico confor-
me o modelo estrutural da natureza, isto é, a sua lei evolutiva e pro-
gressiva de crescimento. Ora, é este modelo de organismo vivo que
Eisenstein quer transferir para a prática revolucionária social, atra-
vés do cinema.

Durante os cinco atos a idéia de fraternidade revolucionária se


desenvolve temática e gradativamente no todo da composição da
obra. “Passa-se de uma partícula do organismo do navio de guerra
ao organismo como um todo; de uma partícula do organismo ar-
mada-navio de guerra ao organismo da armada como um todo”"*.
Do encouraçado à costa, da costa ao encouraçado, deste para o sig-
nificado que Eisenstein quer configurar: a “organicidade da revo-
Ilução””, E esta mensagem deve ser dada a partir de uma forma sig-
nificante. Para Eisenstein, interessa construir uma obra com à uni-
dade orgânica onde um “cânone unificado atravessa não só a tota-
lidade e cada uma das partes, mas onde cada elemento é também
chamado a participar no trabalho da composição”. O Encouraça-
do Potemkin comunica sua estrutura: “O organismo é a mensagem”,
diria Norbert Wiener. O princípio gestáltico: “o todo é mais do que
a soma das partes”* aplica-se bem ao filme, pois não é senão o pen-
samento analógico que comanda essencialmente a construção do fil-
me. Senão vejamos.

Potemkin: a Tradução

O princípio-meio-fim, articulado que está pela contigitidade, é


explodido pelo princípio da similaridade (“montagem expressiva”)

2. SERGUEI EISENSTEIN, O Couraçado Potemkin, São Paulo, Global Editora, 1982, p. 98.
3. MARIA LÚCIA SANTAELLA BRAGA, “Por uma Classificação da Linguagem Escri-
ta", op. cif., p. 156.
4, SERGUEI EISENSTEIN, op. cit,, p. 99.
138 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

não só ao nível semântico, que perpassa como um estribilho cimen-


tando o filme (“Todos por um, um por todos!”"), como também
e, sobretudo, ao nível sintático da forma: o princípio da analogia
comandando o filme,
O argumento do Potemkin encontra-se condensado na seguin-
te idéia: organicidade progressiva do processo revolucionário. É es-
ta idéia básica que é transposta para o filme por meio de uma estru-
tura relacional matemática: a Secção Áurea que empresta o caráter
de unidade dinâmica e harmônica ao filme Potemkin.
A Secção Áurea, assim denominada por Leonardo da Vinci e
Luca Pacioli, é um traçado que reproduz e reflete o tema do con-
junto, num certo ritmo mais ou menos velado, em cada uma das
partes, É possível representá-la de forma sincrônica nas artes do es-
paço e de forma dinâmica nas artes do tempo (Peirce já viu que um
iegissieno admite grande variedade de formas”, como se dá agora
neste caso). Esse traçado, conhecido dos gregos (Pártenon), procu-
ra uma correspondência harmônica entre as partes e o todo, base
dos conhecimentos da analogia, da similaridade na diferença, do se-
melhante no diverso e da variedade no mesmo. À Secção Áurea trans-
mite as noções matemáticas de razão, progressão, harmonia, evoca
e denota diretamente as noções e idéias de germinação, fecundida-
de e florescência, que desempenham um papel primordial na repre-
sentação simbólica humana. Como lei de crescimento da natureza,
encontra-se aplicada nas obras da cultura.
No caso do filme Potemkin, é a Secção Áurea que exerce o pa-
pel de legissigno como transductor: ao mesmo tempo que organiza
a narrativa cronológica, organiza também seus significados em com-
pleta isomorfia com a forma. Temos, assim, um legissigno-icônico-
remático. Conforme se pode ver, esta lei como norma da forma já
traz embutida dentro de si a função poética. Mas é através dos grá-
ficos, a seguir, que esse processo torna-se visível.
À organização da Secção Áurea com legissigno, ao atuar de for-
ma ideogrâmica, em síntese e isomorfia com as idéias de *“revolu-
ção orgânica” contínua e crescente, desperta no espectador a idéia
de um sentimento semelhante, isto é, um rema, pois produz efeitos
imediatos de analogia com “crescimento”, “evolução”, “fecundi-
dade”, “germinação” etc., alimentando em nós, através desses efei-
tos mentais, esses sentimentos possíveis de engajamento na revolu-
ção social.
Fisenstein concebe, evidentemente, a organização do filme (e
da arte em geral) como metáfora da forma viva, isto é, como orga-
nismo que estrutura nossos sentimentos, ou melhor, o efeito que pro-
duz em nós está inscrito no seu interpretante imediato. Assim, em-
bora o filme não seja uma cópia do organismo vivo, pois não há

5. C. S. PEIRCE, Semiótica e Filosofia, p. 144,


TRADUÇÃO ICÔNICA 139

correlação entre um organismo de tal espécie e uma obra de arte,


deve-se admitir que a estrutura artística exemplifica, e em Eisens-
tein intensamente, um princípio de organização similar e análogo
à constituição dos organismos naturais, daí a metáfora.

Traduções Interpretadas

Sem querer exaurir o filme na sua totalidade como exemplo de


tradução intersemiótica, pois que isto implicaria um trabalho com-
plexo e extenso, assinalaremos aqui outros aspectos que estão em-
butidos no filme e que constituem espécies de camadas tradutórias,
todas elas englobadas pela Secção Aurea como principal procedi-
mento construtivo do filme, Num nível macroestrutural, a tradu-
ção dada pelo legissigno-icônico-remático, engloba os outros níveis
e os interpenetra. Num desses níveis, o filme é tradução de proces-
sos ideogrâmicos orientais, concretamente através da montagem.
Num outro nível ainda, a TI processa-se como conseqiiência da apli-
cação dos métodos de representação cubistas, arcaicos e orientais,
transcodificados na especificidade da linguagem da câmera. Veja-
mos, porém, esses processos mais detalhadamente.

Montagem Expressiva

A “recusa da perspectiva” opera uma substituição profunda


no discurso cinematográfico, de modo que a imagem e a maneira
de operar a câmera ganham em autonomia em relação à cadeia nar-
rativa. Eisenstein, liberto da linguagem discursiva e lógica, faz um
cinema que é, ao mesmo tempo, metalinguagem de si mesmo. Esta
mudança, operada no discurso fílmico, pode ser interpretada como
à saturação e migração de um código sobre outro: “O cinema não
está no cinema”, nos diz Eisenstein, numa clara alusão às relações
intersemióticas encerradas no filme Potemkin. Na realidade, são os
códigos orientais em conflito dialético com a câmera de filmar e,
sobretudo, o privilégio da “montagem expressiva” sobre a “mon-
tagem narrativa” que criam essa intersemiose. “A posição da cãâ-
mera como materialização do conflito entre a lógica organizadora
do diretor e kógica inerte do objeto, ambas em colisão, reflete a dia-
lética do ângulo da câmera”*S,

Para Marcel Martin, há distinção entre “montagem expressi-


va" e “montagem narrativa”. Esta seria o aspecto mais simples e
imediato da montagem, aquela que consiste em ordenar as tomadas
ou planos segundo uma seqgiiência lógica ou cronológica, tendo em
vista uma estória. A “montagem expressiva”, por outro lado, esta-
belecida sobre as justaposições de planos, tem por finalidade pro-

6. SERGUEI EISENSTEIN, “O Princípio Cinematográfico e o Ideograma"', in Ideogra-


ma, op, cit., p. 180.
Construção ideográfica (montagem harmônica e orgânica) sobre a Secção Áurea, É
no Encouraçado Potemkin de Serguei Eisenstein.

ney oeiro bandeira vigília

exposição toldo revolta funerais comício confraternização fuzilaria espera passagem


ponte nevoeiro bandeira vigília

exposição toldo revolta funerais — comício confraternização fuzilaria espera passagem

conflito
HIERARQUIA / ANARQUIA — — =——— — uu = >-—m—m—=—— =—— HIERARQUIA / ANARQUIA — — — = —— = — —.——
TEMA: ORGANICIDADE DA REVOLUÇÃO .

TODOS POR UM, UM POR TODOS -


isomorfia navio
= — — navio —— ——
marinheiro ——— — ————— esquadra >— — — — — —
— — — esquadra espectador

FORMA CRESCIMENTO HARMÔNICO, CONTINUO E CRESCENTE, esquematizado pela série


numérica de Fibonacci: com tendência à secção áurea
ea
1,1,2.3,5,8, 13,21, 34,55, 89, 144, 233... caraca
142 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

duzir um choque entre duas imagens, Este tipo de mortagem tende


a produzir, sem cessar, efeitos de ruptura no pensamento do espec-
tador, fazendo-o tropeçar intelectualmente, para tornar mais viva
nele a infiuência da idéia expressa pelo realizador e traduzida pela
confrontação de planos.
Na linguagem do cinema, espaço e tempo interagem dialetica-
mente, emigrando um para o outro constantemente. Se a “monta-
gem narratíva” privilegia o tempo, a “montagem expressiva” pri-
vilegia o espaço, a simultaneidade. Negando o espaço dramático,
ou seja, o espaço do mundo representado, o fragmento do espaço
construído na imagem é submetido a leis puramente estéticas. O es-
paço fílmico é, assim, feito de pedaços, de metonímias e a sua uni-
dade provém da justaposição numa sucessão que cria uma espécie
de espaço virtual, a idéia de espaço único que nunca vemos, mas
que se organiza na memória, No Potemkin, por exemplo, nunca ve-
mos a totalidade do navio ou da cidade de Odessa.
O cinema trabalha no âmago da linguagem: a metáfora e a me-
tonímia através de planos gerais, planos médios e primeiros planos;
Dars pro foto é o método fundamental da conversão cinematográfi-
ca dos objetos do real em signos. O cinema reta!ha o espaço e o tem-
po, emoldura-os e trabalha com eles articulando-os conforme as leis
da contigiidade ou da similaridade. À imagem fílmica, em monta-
gem narrativa e linear, suscita no espectador um “sentimento de rea-
lidade” muito forte, em determinados casos para provar a crença
e ilusão na existência objetiva do que aparece na tela. Eisenstein ex-
plode este sentimento com o ““distanciamento”* crítico-
metalingiiístico durante o fazer fíilmico em montagem de estúdio,
pois ele sabe que espaço-tempo depende da percepção e memória
e o cinema permite a conexão de planos e situações que se dão em
tempos e espaços diferentes.
Assim, o cinema de Eisenstein tende a “construir”, não a fo-
tografar a realidade: ““(... a própria natureza da montagem, longe
de romper com os princípios do realismo cinematográfico, apresenta-
se como um dos processos mais lógicos e mais legítimos para fazer
aparecer o realismo do conteúdo””?,
Pelo princípio da montagem, obriga-se o espectador a preen-
cher os elos de união entre os diferentes planos, como experiência
criadora em contraposição à confirmação mimética do simples enun-
ciado lógico dos acontecimentos. “A imagem inventada pelo autor
torna-se a própria substância da imagem do espectador... Fabrica-
da por mim, espectador, nascida em mim. Não somente obra do au-
tor, mas obra minha como espectador, espectador que é também
criador”, Vê-se nas palavras de Eisenstein como o próprio autor
extrojeta o leitor embutido no signo, o que vem demonstrar, mais

7. SERGUEI EISENSTEIN, Reflexões de um Cineasta, p. 75.


8, Idem, p. 91.
TRADUÇÃO ICÔNICA 143

uma vez, que fundamento do signo, seu objeto imediato e seu inter-
pretante imediato se confundem num amálgama sígnico,

O Cinema e o Ideograma

O conceito de montagem eisensteiniano não é senão exemplar


de uma operação tradutora que envolve trânsito de canais (meios)
e a consegliente transcriação de signos que buscam sua codificação
dentro de um novo meio. Não por acaso, esse conceito de monta-
gem encontra sua mais perfeita conformação em certos tipos de ideo-
gramas japoneses: os ideogramas copulativos, onde, a partir de dois
pictogramas justapostos, surge um conceito, não um terceiro como
produto, mas como qualidade. Eisenstein vê a arte de cinematogra-
fia como “montagem de conflitos: arte é confiito”, ele vê a monta-
gem como forma de amostragem sincrônica e concorrente e como
justaposição, e não como linguagem linear concatenada conforme
a montagem ““tijolo” de Kulechov.
O verdadeiro interesse [diz Eisenstein] começa com a segunda categoria de hie-
róglifo a dos Auei-i, isto é, copulativos. A questão é que a cópula (talvez fosse me-
lhor dizer a combinação) de dois hieróglifos da série mais simples não deve ser consi-
derada como uma soma deles e sim como seu produto, isto é, como um valor de
outra dimensão, de outro grau; cada um deles, separadamente, corresponde a um
objeto, a um fato, mas sua combinação corresponde a um conceito. (...) Do amálga-
ma de hieróglifos isolados, saiu o ideograma. A combinação de dois elementos sus-
ceptíveis de serem “pintados” permite a representação de algo que não pode ser gra-
ficamente retratado. Por exemplo: o desenho da água e o desenho de um olho signi-
ficam “chorar”; o desenho de uma orelha perto do desenho de uma porta = ouvir;
uma boca + um pássaro = cantar... Mas, isto é ... montagem!º
Essa estrutura do ideograma japonês é também análoga à es-
trutura “lacônica” do haical, onde a partir de frases curtas em coli-
são de opostos produz-se o contraste, dando lugar “a um laconis-
mo de agudez imagética” e onde “... o pensamento imagístico, des-
locado até um ponto definido acaba se transformando em raciocf-
nio conceitual'*!º,
Em Eisenstein, a transposição-tradução para a linguagem cine-
matográfica opera pela substituição dos ideogramas por tomadas
como “células de montagem”, Veja-se: “A tomada é uma célula
de montagem”, Duas tomadas opostas, uma em oposição a outra,
produz o contraste, o conflito, dando passagem à idéia ou conceito
a transmitir. O conflito entre dois elementos opostos e antagônicos
faz explodir o campo visual, dilatando e contraindo o espaço,
concretizando-o, criando, assim, uma experiência visualmente di-
nâmica (vide seqiiência de fotogramas na página seguinte).

A Representação Desintegrada

Em todas as artes o contraste é uma poderosa ferramenta de

9. SERGUEI EISENSTEIN, “O Princípio Cinematográfico,...", op. cif., Pp. 167.


10. Idem, p. 169.
TRADUÇÃO ICÔNICA 145
expressão, um meio para intensificar o significado e, portanto, sin-
tetizar a comunicação. O contraste funciona, como tal, em conflito
com seu oposto: a harmonia, Este par dialógico estimula e atrai a
atenção na comunicação visual. Um segundo aspecto, que é na rea-
lidade um desdobramento desse primeiro, é o do “princípio de re-
presentação desintegrada”*. Eisenstein, no seu trabalho “O Princí-
pio Cinematográfico e o Ideograma”, exemplifica muito bem a for-
ma pela qual se ensina desenho no Japão: pela fragmentação do mo-
delo em metonímias que correspondem aos olhares e/ou campos vi-
suais como enquadramentos naturais, quer dizer, toda vez que o olho
humano focaliza uma imagem num só ponto da retina e a transpõe
para o papel no ato de desenhar.
Ora, estamos habituados à representação naturalista-fotográfica
e presos à ideologia do “desenho de observação” como índice da
continuidade do mundo, o que não passa de uma ilusão convencio-
nada culturalmente. “O realismo absoluto não constitui, de manei-
ra alguma, a forma correta de percepção. É função apenas de certa
forma de estrutura social”"!, À representação “natural” do espa-
ço é uma das grandes convenções ocidentais sobre a qual se alicerça
toda uma ideologia espelhadora e “reflexiva”, isto é, “a ilusão es-
pecular”*!2, Ora, este espaço não corresponde à percepção que te-
mos do mundo, pois sabe-se que estruturamos o mundo através de
perceptos organizados mnemotecnicamente: à nossa visão, imagem
e conhecimento do mundo vêm dados a partir da interação dos cam-
pos visuais em dialética com aquilo que sabemos sobre o espaço e
o mundo, À arte oriental está construída dentro dessa realidade. O
princípio de representação desintegrada (existente não somente no
teatro Nô e Kabuxi, mas em toda represertação oriental e, sobretu-
do, na criança) está de acordo com a estrutura da percepção huma-
na. “O instante engendra a forma e a forina faz ver o instante”,
diria Valéry,
É, por outro lado, nessa estrutura que se baseia o princípio cu-
bista de construção, onde os fragmentos são encapsulados pelo si-
multâneo. O cubismo introduz diversos pontos de vista característi-
cos da perspectiva simultânea e múltipla, conseguindo com isso uma
vasta relação espacial que dinamiza o espaço e totaliza uma visão
em simultaneidade que significa movimentar-se nesse espaço. Pela
visão desintegrada do objeto, através de pontos de vista, inclui-se
o tempo. O cubismo dá uma percepção da totalidade desse objeto,
desarticulando o ponto de vista único e monológico. ““A intensida-
de da percepção aumenta quando o processo didático de identifica-
ção se desenvolve com maior facilidade acompanhando uma ação
desintegrada”'!3,

11. Idem, p. 173.


12, A Ilusão Especular é o título do trabalho de Arlindo Machado, onde o autor analisa
ereflete sobre a ideologia da perspectiva renascentista embutida no signo foto e cinematográfico
(São Paulo, 1984).
13. SERGUEI EISENSTEIN, op. cit., p. 185.
REPETIÇÃO DE RÉPLICAS OU PLANOS

ponte nevoeiro bandeira

exposição toldo revolta funerais — comício — confraterniz fuzilaria espera Pussagem |


TRADUÇÃO ICÔNICA, 147

O conflito como princípio de montagem, construído a partir


de pontos de vista como fragmentos, coloca a percepção e a memó-
ria como elementos dominantes no processse de articulação do sig-
nificado, detonando efeitos no intérprete.

O Processo Anagramático no Filme

Indo do macro ao micro e vice-versa, a prática semiótico-


ideográfica de Eisenstein é confirmada aqui, mais uma vez, na arti-
culação do código inteiro a partir da montagem de iconogramas re-
lacionais e mesmo pela repetição anagramática de um cânone, reve-
lando como o processo da montagem absorve todo o filme, desve-
lando a sua impressionante unidade. No processo decorrente do ci-
nema de montagem, vê-se, então, que a moifologia da Secção Áu-
rea estende-se por todo o filme como seu princípio construtivo des-
de cada ato, até as montagens e seqliências mais características: pla-
nos dos leões, canhões, a sequência mulher-cossaco-mulher ferida,
a proa-popa, as personagens da escadaria, entre outros,
O próprio Eisenstein, em Cinermatisine, descreve (na sua análi-
se de quatorze fragmentos sucessivos tirados ao acaso do filme) as
variações de composição em termos de par e impar e do número áu-
reo esquematizado na série 1, 2, 3. À justaposição numérica do par
e do ímpar, extraída através da numerologia (de natureza pitagóri-
ca) de origem chinesa, coincide aqui precisamente com a Secção Áu-
rea, na sua expressão mais esquemática e funcional: a série de Fibo-
nacci, 1.1.2.3.4.5.8.13,..n. Eisenstein, a partir da oposição do Yin
edo Yang na filosofia chinesa, tenta uma aplicação desta forma de
pensamento “*primitivo” em dialética com a construção da obra de
arte. “Todo o segredo consiste precisamente nisto: nesse sistema chi-
nês de numeração, a imagem espacial (e os elementos característi-
cos de seu traçado gráfico) determinam um reino de representações
numéricas”, E mais: “o processo de transposição de idéias em uma
sucessão de imagens vivas consiste, de fato, numa “tradução da te-
se, do “conteúdo da linguagem lógica para aquela do pensamento
sensível”,
À repetição de planos e a montagem de fragmentos por simila-
ridade não têm razão de ser senão a de facilitar a clareza da narrati-
va e da percepção. Esta disseminação anagramática (como feitmo-
fiv) corresponde, por outro lado, ao sistema de composição do íco-
ne russo, da pintura narrativa medieval, da arte egípcia e de certas
artes “primitivas”, onde o tempo é espacializado.

“O Encouraçado Potemkin” Tradução Icônica

Vê-se, face à teoria levantada neste trabalho, que o legissigno,

14, SERGUE: EISENSTEIN, Cinemotisme, Peinture ef Cinéma, Bruxelles, Complexe, 1980,


p 115.
148 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA,

Secção Áurea, norteia e aglutina as partes do filme. Como signo


Transductor transmite e dirige “todo processo de pensamento” no
espectador. Este sente-se arrastado pelo caráter de metáfora bioló-
gica, ou seja, o filme como metáfora de organismo vivo produtor
dos sentimentos de qualidade, como possibilidades ainda não atua-
lizadas no real. Assim, interpretantes, objetos imediatos estão ir-
manados pela isomorfia.
O filme, como ícone, possui semelhança com o argumento nar-
rativo traduzido. Assim, a idéia de “organicidade da revolução”? se
dá como tradução paramórfica desse objeto.

Segitencia dos barcos no Encouraçado Potemkin acompanhada de esquema (dese-


nhado por Eisenstein) do complexo jogo estrutural da sucessão dos planos.
é mesmo caminhando

mesmo caminhando

um céu de outro lugar

Original:
“Iua'de outono”, Haicai
u
Chiyo-ni (século XVIII) BR a
Tradução para o português: Traduções Intersemióticas:
Alice Ruiz (1982) Julio Plaza (1984)
|
lua de outono

mesmo caminhando — mesmo caminhando

um céu de outro lugar


152 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

HAICAI: TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Na tradução de haiícais para outros sistemas de signos, meu pon-


to de partida são traduções em língua portuguesa. Contudo, deve-
se ter em conta a estrutura fundante dessa forma poética oriental
como ““síntese absoluta e apresentação direta”, conforme a chamou
Haroldo de Campos!.
O haicai, escrito em língua aglutinante (japonês) e grafado a
Pincel é, por isso mesmo, inseparável das “Três Perfeições”: Pin-
tura, Poesia e Caligrafia. Fornece-nos, assim, uma estrutura de exata
concisão na sua comunicação lacônica e imagética: ““O elemento vi-
sual na poesia japonesa é algo que lhe é intrínseco, que participa
de sua própria natureza*”?, É esta estrutra que nos interessa para
o operar intersemiótico. Como poesia e arte do tempo, o haicai
resolve-se num pensamento sucessivo tal qual as operações da natu-
reza: “As transferências de força de agente ao objeto, que consti-
tuem os fenômenos naturais, requerem tempo. Por conseguinte, a
reprodução delas na imaginação impõe à mesma ordem temporal”,
O haicai se consuma a partir de um contraste entre uma circunstân-
cia e uma ação que provoca uma imagem fulminante como um re-
lâmpago. Para Fenollosa, a transferência de energia como processo
inter-relacionado natural, dá-se no seguinte esquema: agente-ato-
objeto?.
O haicaíi obedece à uma estrutura que, reduzida ao esqueleto
fonético-formal, apresenta-se assim:

É um poema de 17 sílabas, com três versos (o 1º e o 3º, com


5 sílabas, o do meio, com 7).
Em termos semânticos, um haicai obedece a certa forma de sen-
tido, relacionando dois elementos básicos: no primeiro verso, tem-
se um elemento de “permanência”, uma circunstância eterna, uma
condição geral, absoluta, cósmica, não humana, normalmente uma
alusão à estação do ano; este é seguido por um segundo elemento
de transformação: acaso, ocorrência, conflito, mudança, a “percep-
ção momentânea” que exprime a ocorrência do evento. Uma ter-
ceira linha, no haicai, apresenta o resultado da interação entre a or-
derm geral, imutável do cosmos e o evento. “A natureza dos elemen-

1. HAROLDO DE CAMPOS, "“Hai-cai: Homenagem à Síntese, in À Arte no Horizonte


do Provável, p. 55.
2. HAROLDO DE CAMPOS, "“Visualidade e Concisão na Poesia Japonesa"', in op. cif.,
p. 63.
3. ERNEST FENOLLOSA, ““Os Caracteres da Escrita Chinesa como Instrumento da Poc-
sia", in HAROLDO DE CAMPOS (org.), Ideograna, São Paulo, Culris/EDUSP, 1977, p. 121.
TRADUÇÃO ICÔNICA 153

tos varia, mas deve haver dois pólos elétricos, entre os quais salte
à centelha, para que o haicai se torne efetivo”4,
A estrutura sintética e ideogrâmica, como qualidade concreta
do haical, torna-se muito mais impressionante e poética quando pas-
samos das imagens simples e originárias para as imagens compos-
tas. “Nesse processo de compor, duas coisas que se somam não pro-
duzem uma terceira, mas sugerem uma relação fundamental entre
ambas”. Assim, o haicai possui a qualidade de detonar ícones e
imagens-diagramas mentais que nos mostram as propriedades ge-
néricas e as relações subjacentes não observáveis diretamente nos
fenômenos físicos. Seu sentido imagético é estabelecido de forma
conflitiva entre os elementos propostos, possuindo, assim, um ca-
ráter icônico-indicador. Pode-se passar do ““visível nara o invisível”
através de um processso metafórico: ““a utilização de imagens ma-
teriais para sugerir relações imateriais”*6,
A estrutura geral do haicai é um legissigno-icônico-remático,
visto que determina uma forma imutável como suporte de ocorrên-
cias singulares, isto é, de cada haicai particular.

“LUA DE OUTONO”

O primeiro verso situa o todo, como elemento cósmico de per-


manência, adjetivado pela alusão à estação do ano: LUA DE OU-
TONO. O segundo verso (MESMO CAMINHANDO...) é a ação
que, como elemento de transformação, nos obriga a ter uma per-
cepção momentânea, aqui-agora, em conflito-diálogo com o primeiro
elemento (lua de outono).
Mediante a ação, transforma-se o próprio objeto da percenção:
transcorre o tempo, movimenta-se no espaço. Temos, então, o ter-
ceiro verso: UM CEU DE OUTRO LUGAR, Tem-se, assim, uma
nova qualidade que não existia nem na ação, nem no primeiro ele-
mento, mas que é produto da associação de ambos, O haicai pro-
duz em nossas mentes um Ícone, uma imagem, um diagrama, como
percurso feito. Algo inesperado que é mera. qualidade imagética.

Tradução Intersemiótica do Haicai

Procurou-se traduzir o haicai para a imagem fotográfica em rit-


mo de montagem. Trata-se de criar um trânsito de meios, isto é,
da linguagem poético-verbal para a linguagem poético-visual num
meio fotográfico.

4. DONALD KEENE, apud HAROLDO DE CAMPOS, op. cif., p 57.


5. ERNEST FENOLLOSA, op. cif., p. 124. Citada por HAROLDO DE CAMPOS, in “Hai-
cai: Homenagem à Síntese”, in A Arte no Horizonte do Provável, p. 56.
6. Idem, p. 138.
154 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Ao nível do todo, a tradução preserva a estrutura temporal, is-


to é, ela se resolve em três momentos correspondentes aos versos
do poema, à imagética de cada verso. O que se buscou manter foi
o legissigno-icônico-remático como estrutura geral do poema.
Na passagem do poema para a imagem, fiz referência aos ob-
Jjetos indiciados. Contudo, trata-se de traduzir o objeto imediato do
poema como forma poética em si.
Temos, então, que LUA DE OUTONO pode ter seu equiva-
lente numa imagem de lua. Entretanto, LUA DE OUTONO é uma
lua adjetivada e contextualizada na estação do ano “outono”. Essa
qualidade adjunta à “lua” é de difícil tradução, pois ela nomeia um
processo, um estado, sem referencial preciso, Este objeto-processo
desenvolve-se no tempo, ele é fluido e de possível simbolização me-
tafórica. Mas as qualidades da LUA são mais definidoras do que
a sua adjetivação. Contudo, a lua adjetivada pode ser transposta
através da figuração “árvore seca” típica da estação de outono.
No segundo verso, temos: MESMO CAMINHANDO, MES-
MO CAMINHANDO, ação de mudança, de transformação de pai-
sagem latente, com a lua lá em cima: ação relativa. O segundo ver-
so é, assim, traduzido para uma imagem de lua transformada, “Co-
mo a natureza, as palavras chinesas são vivas e plásticas, porque
coisa e ação não estão separadas formalimente”"?., Assim, o segun-
do verso é traduzido para a imagem da lua, transgredida por cortes
metódicos (passos), pela ação dos diferentes pontos de vista acumu-
lados na nossa memória, o que nos permite reconstruir a ação de
caminhar como traço, percurso, temporalidade,
Somente no terceiro verso, tem-se a conjunção da ação e do
objeto, dando-nos uma transformação definida e qualitativa: UM
CEU DE OUTRO LUGAR, Este verso foi traduzido pela imagem
paradigmática da lua, isto é, pela terra vista da lua. Com isto, fecha-
se o percurso espacial. Se, no primeiro verso, temos LUA DE OU.
TONO, lua obviamente vista da terra, no último, vemos a terra vis-
ta da lua. Com isto, reconstrói-se sinteticamente o percurso-
diagrama-icônico: UM CEU DE OUTRO LUGAR.
A montagem, em ritmo eisensteiniano, flagra a estrutura do hai-
cai e detona um ícone mental diagramático do percurso inter-estelar.
“No pensamento por imagens do poeta japonês o haicai funciona
como uma espécie de objetiva portátil, apta a captar a realidade cir-
cundante e o mundo interior, e a convertê-los em matéria visível”"S,
A tradução, pela disposição dos fotogramas na vertical remete
à escrita “norte-sul** japonesa, ao kakemono, mais do que à escrita
*oeste-leste** gutemberguiana?, e, como tal, tem a ver com à mon-
tagem cinematográfica tal como à concebia Eisenstein.

7. ERNEST FENOLLOSA, apud AUGUSTO DE CAMPOS, “A Moeda Concreta da Fa-


la”, in Teoria da Poesia Concreta, p. 120.
8. HAROLDO DE CAMPOS, “Visualidade e Concisão,..”, op. cif., p. 65,
9, PAULO LEMINSKI, Bashô: a Lágrima do Peixe, p. 32.
Original:
“Quadrado Negro sobre Fundo Branco”
Kasimir Malevitch (1913)
Tradução Intersemiótica:
“Homenagem a Malevitch”'
Julio Plaza (1978)
TRADUÇÃO ICÔNICA 159

Quadrado sobre Quadrado

Em 1913, pela primeira vez na história, uma simples figura geo-


métrica é apresentada como uma obra de arte, como modelo de pu-
ra sensibilidade.
Na minha tentativa desesperada de livrar a arte do peso inútil do objeto, procu-
rei refúgio na forma do quadrado e expus um quadro que não representava outra
coisa senão um quadrado negro sobre fundo branco, À crítica se lamenta e, com
ela, o público: “Tudo o que temos amado está perdido; nós estamos num deserto,
diante de nós um quadrado negro sobre fundo branco!”
O quadrado que eu expus, não era um quadrado vazio, mas a sensibilidade da
ausência do objeto, (...) Por suprematismo entendo a supremacia da pura sernsibili-
dade na artel,
Estas palavras de Malevitch são suficientes para exprimir a rup-
tura na continuídade da tradição ocidental da arte que, ancorada
na representação de objetos do mundo, procurava ver à arte como
veículo metafórico, guarida do real na arte, mas não da arte no real.
Malevitch rompe com essa causalidade da arte, produto do real, e
concretiza a sua sensibilidade em quadro-objeto. Não mais a sensi-
bilidade desviada pela representação naturalista, mas a sensibilida-
de concreta, Artística é a obra, diria depois Waldemar Cordeiro,
Com este “gesto”, iconoclasta, a arte chega de fato ao “deser-
to”, estaca zero da pintura, onde nada há a ser reconhecido e tudo
se revela fonte do sensível. Para o suprematista, será o meio de ex-
pressão, a sua ideografia e fisicalidade, que permitirá exprimir a sua
sensibilidade. Revela-se o suporte e com ele a tautologia da arte: um
quadrado é um quadrado. Espécie de ícone. Não mais o quadro-
janela, mas o quadro pintura. O quadro-objeto.

Homenagem a Malevitch

Ambos, quadrado negro e quadrado branco, são traduzidos pa-


ramorficamente por folha de chumbo e por luz fluorescente. Nega-
tivo e positivo, luz-negação, energia-absorção, se constituem no yin-
yang da linguagem visual, fonte da sensibilidade plástica. Efeito do
todo, tautologia do suporte, espaço de tensão.

1. KASIMIR MALEVITCH, *“L'Art Abstrait”, pp. 49-50.


Noosfera,

chanutes aders wrights demoiselles voisin

s blériois fluindo sedas tensas libélulas

ouro onvionleta no por de ar de ocre da t

arde lá em baixo sobre a calota megalopol

itaina em eolho-de-peixe — sign (OS DECOLANDO

PLANANDO CIRCUNVOLUINDO SOBRE LOBOS CALOS


E

QUIASMAS BULBOS VENTRICULOS TRIGONOS PEDÚ


-

NCULOS FENDAS DE ROLANDO E SYLVIUS SOB UM

CÉU PARIETAL)

Original:
““Noosfera”*
Décio Pignatari (1974)
Tradução Intersemiótica:
“Olho para Noosfera”
Julio Plaza (1980)
162 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

LEITURA DE “NOOSFERA”

Como linguagem poética, o texto é “descritivo qualitativo”,


pois que transforma o caráter linear da sintaxe verbal, criando um
diagrama de relações musitadas que recuperam analogicamente qua-
lidades físicas e sensíveis do objeto da descrição.
Í O poema, ao nível macroestrutural, divide-se em três espaços:
primeiro, o espaço representação do ambiente-aéreo, por onde cir-
culam signos que referenciam aviões e nomes de construtores de
aviões: “chanutes”, “aders”, “demoiselles”, etc. Signos situados
topologicamente no espaço icônico superior do poema. Aviões que
entram e saem metalingiiisticamente do branco da página: “voisin
5” (aqui o grafema s atua como ícone da hélice). Aviões-signos
fluindo” leves como libélulas “ouro” (douradas) “no por de ar
de ocre da tarde" (aqui a tarde saindo, isto é, o sol se pondo) metá-
fora da tarde quente que arde (calor) unindo tarde e arde econômi-
ca e sintaticamente num só signo. “Aviões” fluindo como ““sedas
tensas” (aqui referenciando as asas dos aviões já embutidas em ““se-
das tensas”).
Ainda no nível do intracódigo teríamos um ícone fonético do
avião: “onvioleta no”, onde há uma simetria — “on” e “no” —
embutida na palavra-montagem que remete à simetria do icone-avião
e à seu som.
No segundo espaço, descrito por: “lá em baixo sobre a calota
megalopolitana em olho de peixe", tem-se a topologia do território
(vista a terra de cima), onde temos os ícones de calota, cidade, em
vista de 360º como em olho de peixe. Neste espaço segundo está em-
butido um terceiro espaço que representa o cérebro como receptor.
Esta recepção é indiciada por: “sign (ÓS DECOLANDO PLANAN-
DO CIRCUNVOLUINDO...)” onde temos os ícones dos paríetais
cifrados nos parênteses ( ) abertos à penetração sígnica, ou seja
“(ÕS...”* dando aqui uma diferenciação tipológica dos signos ex-
ternos que circulam no “céu”: “chanutes aders wrights...” pene-
trando e decolando, planando e circunvoluindo no interior do espa-
ço cerebral.
Ainda no espaço do cérebro temos: “* CIRCUNVOLUINDO
SOBRE LOBOS CALOS QUIASMAS BULBOS VENTRICULOS
TRIGONOS PEDÚNCULOS FENDAS DE ROLANDO E
SYLVIUS SOB UM CÉU PARIETAL”) que resumidamente reme-
tem a elementos e partes do cérebro na sua denominação técnica.
Temos aqui, portanto, os signos-Ícones indiciados também pelos
acentos flutuantes .—.—” ,em diversas alturas, circunvoluindo
pelo cérebro. Registra-se aqui um aspecto interessante do poema:
à existência de uma tradução embutida no próprio poema, tradu-
ção esta que iconiza o verbal dos signos-evento do espaço superior
(“chanutes aders...”*) para Os acentos nn que flutuam en-
tre as “FENDAS”, “LOBOS”, “CALOS” do cérebro. Esta tra-
TRADUÇÃO ICÔNICA 163

dução de uma parte de poema no próprio poema (metalingúística,


portanto) representa e transmite a idéia de conversão dos estímulos
(signos-evento) na imagem visual da percepção, fato que detonará
o pensamento visual, codificando um processo de internalização dos
signos (real) no mental-noosférico.
Temos aqui, portanto, uma representação icônico-simbólica de
uma situação real (ou objeto dinâmico), onde signos-eventos voam
nos céus e penetram num receptor (cérebro) que iconiza e interiori-
za, na sua mente, aqueles signos.
O espaço ideográfico do poerna contém sinais alfabéticos nu-
ma ordem linear (decorrentes do sistema de produção textual). Es-
tas camadas de texto revelam-se icônicas; a linearidade é subvertida
pela simultaneidade de certos elementos como o espaço entre linhas,
separação entre palavras, saída-entrada de grafremas na página e
sobretudo pelo icone-índice de penetração: “sign (ÓS...””. A simi-
laridade predominante se dá não somente ao nível microestrutural,
mas também ao nível macroestrutural, sobretudo pelo direcionamen-
to espacial que ordena as camadas de escritura. Temos, assim, ao
mesmo tempo os três espaços situados analógica e topologicamente
em conexão: espaço de cima, espaço de baixo e espaço do meio que
codificam simuitaneamente os ícones do espaço aéreo, da terra e o
do cérebro embutido no anterior.
Todavia, a utilização de tipos em caixa alta, dentro dos parên-
teses que referencializa o espaço cerebral, cria uma curiosa inversão
(conversão) de leitura no poema. O espaço cerebral passa, em ter-
mos visuais, para um primeiro plano em relação aos outros dois es-
paços anteriores (que ficam como uma espécie de plano de fundo).
Tem-se, desse modo, duas possibilidades de leitura: primeiro,
uma leitura de vinda, de cima para baixo (do espaço-representação
do ambiente-aéreo até o segundo espaço, no qual se embute o espa-
ço cerebral); segundo, uma leitura de volta, de baixo para cima, on-
de, pelo uso da caixa alta e pelo destaque dado pelos parênteses,
o espaço embutido do cérebro salta para um primeiro plano, inver-
tendo a leitura anterior. É o espaço do cérebro, então, que aparece
como primeiro, mediador, via de acesso para os demais. O elemen-
to de ligação entre o espaço de dentro (do cérebro) e os espaços de
fora é a palavra “sign (ÕS...””, não por acaso cortada pelo parênte-
se que iconiza aí justamente esse interprenetrar dentro-fora.
Cria-se no poema, a partir disso, um feixe de curiosas analo-
gias e de possibilidades interpretativas.
Desse modo, através do espaço noosférico-cerebral, ou seja, sob
um céu parietal, a realidade é sempre realidade-signo-pensamento,
vale dizer: linguagem. Sob um céu parietal, o mundo é apreendido
por nós como arrastado pelo fluxo perceptivo.
“Sob um céu parietal”? entra, assim, num perfeito paralelismo
com “sobre a calota megalopolitana”*, AÍ, a visão como olho de peixe
164 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

remete simultaneamente a duas referências: primeira, à visão de ci-


ma de um avião (significado literal); segunda, ao significado meta-
fórico de “olho-de-peixe” como deformação e refração do real pe-
lo signo. Não por acaso, “olho-de-peixe” antecede no poema à pa-
lavra “sign (OS...** '
Não por acaso também, ambas ocupam quase que o centro do
poema e marcam o ponto divisório entre o espaço e o cerebral,

“OLHO PARA NOOSFERA”

Numa primeira impressão, ao nível do todo, vê-se, de imedia-


to, a mudança de espaço. Se, no original, é o espaço tipográfico que
comanda a produção do texto, na tradução, é um espaço circular
que aglutina os signos visualmente. O círculo como lIegissigno-
icônico-remático atua ao nível da semelhança. Ele faz a conversão
do original em tradução ao mesmo tempo em que serve de base pa-
ra Os paradigmas necessários tanto nos níveis macro quanto microes-
téticos. Como ícone possui semelhança com os objetos indiciados
no original, envolvendo as noções de circularidade, continuidade em
relação semântica com os sentidos do poema. Vejamos.
O círculo externo, substituindo o ícone do espaço aéreo do ori-
ginal, ícone do sol, do “olho-de-peixe”', dos “parietais"”", da “calo-
ta megalopolitana”, inclui o círculo interno como espaço cerebral
que sintetiza o “céu parietal”, estrelado a modo de ícone labirínti-
co neuronal. Sobre estes dois espaços simultâneos e em forma de
trígono (triângulo esférico), uma forma paramórfica ao círculo sus-
tenta os signos incorporados do poema em tradução metonímica.
Temos, assim, que “chanutes wrights aders demoiselles voisin s blé-
riots fluindo sedas tensas libélulas ouro no por de ar de ocre da t...”*
fluem, circulam, interpenetrando-se por entre os espaços enuncia-
dos acima como transposição (tradução) icônica do signo para ou-
tras noosferas. Desta forma, codifica-se o ícone da descentraliza-
ção do pensamento que, segundo Peirce, não está necessariamente
ligado a um cérebro, mas surge em toda partel,
Na comparação entre original e tradução, vê-se a mudança
radical de um texto poético “descritivo qualitativo” para um
signo que, atua por semelhança, isto é, um ícone em tradução
paramórfica.
Pela transcriação de um poema para um signo visual, vemos
que há transmutação dos Objetos Imediatos dos signos. Ao caráter
descritivo da linguagem verbal, superpõe-se uma organização visual
de qualidade sintética que permite, num só olhar, capturar a ativi-
dade sígnica pensamental. Qualidades do código.

1. C. S. PEIRCE, Semiótica, São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 190.


TRADUÇÃO ICÔNICA 165

Na tradução, forma e significado são isomorfos como um sig-


no de possibilidade. Se, no original, os aspectos icônicos são rele-
vantes com a consecução de um Ícone dentro dos limites permitidos
pela linguagem verbal, na tradução estes aspectos tornam-se
proeminentes.
Ássim, os paradigmas do legissigno, nos seus rebatimentos, são
responsáveis pelo investimento estético,

“FRÍGONOS
PATA

OUIASMÁ,
feTteO

HiLie €

LINHA,
TOPOLOGICA,

PTI CALOTA => |


VAI) E VERA

E E

VEM E VA!

Original:
“VAI E VEM"
José Lino Grunewald (1959)
Figura la

Vaivém” — “Contração-Expansão Espacial** (Som)


Projeto sonoro-sinestésico de:
Bernhard Leitner (1977)

Colocado como tradução por


Tulio Plaza (1980)
Ot==——-. —= O)

ot—=— .. ô —->o
O Ee—— —

EE RO

— .&. “0Oe=—.

—. . 0e——.
-—-o oe .
no Oe

Oto———— — a

O tom p — O)

Otae——-: —

DEe——: O

Oe=——. —o
o . 0 — "o

oEe— —, O
O tm ——.

Figura lb
TRADUÇÃO ICÔNICA 169

LEITURA DE “VAi E VEM”

A sintaxe visual do poema está estruturada conforme regras ges-


tálticas de fatores de proximidade e semelhança que relacionam pa-
lavras no espaço, tendo em vista a simultaneidade. Simultaneidade
esta que introduz o tempo e o movimento no poema, qualificando
a estrutura. “Na poesia concreta, o movimento tende à simultanei-
dade, ou seja, à multiplicidade de movimentos concomitantes”"!,
O poema, como texto “descritivo qualitativo”, ao descrever ver-
balmente, rompe o caráter linear da sintaxe verbal, cria uma gestalt
de relações inusitadas e acaba por recuperar analogicamente (em ter-
mos concretos) qualidades físicas, sensíveis daquilo que é descrito,
(...) excitando na mente receptora sensações análogas às que o ob-
jeto excitaria?. Assim, o movimento de ida e vinda das palavras-
sons no seu campo de relações (umas com as outras) acaba sendo
analógico ao movimento sugerido. As palavras recriam, sensível e
concretamente, efeitos físicos do objeto descrito (que, no caso, está
em suspensão, elisão), daí a linguagem ser qualitativa. O receptor
redescobre o objeto que se confunde com a própria linguagem. À
linguagem se faz movimento e este se faz linguagem.
“Vai e Vem! comunica-se no seu devir, no seu uso, como mo-
vimento. O poema revela-se, assim, dinâmico na sua estrutura pla-
nejada anteriormente à palavra. O movimento não é do tipo
fisiognômico-orgânico, mas organizado geométrica e matematica-
mente, produzindo o receptor uma relação sinestésica espaço-olho.
O artista associa formas significantes. O significado (movimento)
do poema é à sua estrutura,
O poema está construído como um legissigno-indicial-remático
que, como [lel, organiza o movimento em analogia com as leis natu-
rais da gravidade e o plano horizontal da sustentação: a vertical e
a horizontal, paradigmas do corpo humano. Como indicador icôni-
co de movimento, o poema obriga o olho a percorrer o percurso
pelo branco da página, detonando os significados IR e VIR e con-
densando uma constelação de movimentos espaciais.

1. DÉCIO PIGNATARI, “Poesia Concreta: Organização”, m Teoria da Poesia Concreta,


p. 88. .
-2. Cf. MARIA LUCIA SANTAELLA BRAGA, “Por uma Classificação da Linguagem Es-
crita"*, op. cit., p. 153.
o o o o
Ss bh)
Le) [+] L)
o o )
o o Lo) -
Li)
o 2—& %H.o
o o . o,
*, Lj) oe F [ C
tod-L.
os . . —— so

Figura 2
es o L-) o fo
"o o... 4
oº | Do
o o [ Dr ,
? ——— Gl o
o [eos |”
=s - ) 5
e o Í o
s | E)
VV o o
TRADUÇÃO ICÔNICA 171

TRADUÇÃO: “VAIVÉM — “CONTRAÇÃO EXPANSÃO ES-


PACIAL” (SOM)
Na tradução para Som (Fig. 1), opera-se a substituição por alto-
falantes dispostos em bateria. Estes, distribuídos simetricamente em
torno de um eixo (ocupado pela figura humana), somam ao todo
48 alto-falantes, ficando 24 para cada lado do eixo. A idéia, aqui,
é colocar um som programado nos alto-falantes em bateria, de tal
forma a criar um movimento sonoro (efeito estéreo) indicado pelas
flechas, num movimento de IR e VIR, movimento este que cria uma
contração-expansão espacial.
Opera-se aqui uma mudança radical do evento sobre a mesma
estrutura. Temos, assim, uma equivalência entre o plano gráfico-
visual da página para o espaço acústico-tridimensional. Este novo
tipo de espaço vai implicar uma outra apreensão e efeito de caráter
sinestésico: a relação dos sentidos da visão, do tato e audição (do-
minantes) organizados pela percepção sensorial do corpo como um
todo.
Já no caso da segunda versão (Fig. 2), que na realidade, seria
um caso mais complexo do aque o anterior, constrói-se um espaço
cúbico programado com alto-falantes, conforme mostra o desenho
da figura. À riqueza da organização espacial é aqui bem superior,
na medida em que não é o som que reverbera sobre as paredes, mas
as próprias paredes que emitem o som, atuando os alto-falantes co-
mo sinalizadores espaciais. Circunvoluções poderão ser programa-
das, como as desenhadas no cubo da figura. Obtém-se, assim, a sen-
sação sinestésica do IR e VIR espaço-corporal.
Embora o tipo de tradução intersemiótica opere entre sistemas
de signos tão radicalmente opostos como o poema verbal-visual e
o evento sonoro, a tradução é do tipo ready-made: o projeto sono-
ro é da autoria do artista Bernhard Leitner (1977). Este artista ale-
mão se dedica ao estudo das relações entre som e sinestesia, quer
dizer, entre som, espaço e corpo humano, na procura de novas “per-
cepções audiofísicas*', onde ““a posição do corpo, forma e conteú-
do dos programas são, contudo, inter-relacionados e complemen-
tares”"3,
A isometria entre poema e construção é evidente, pois que é
usado o mesmo legissigno definidor das direções principais do es-
paço coerentes com a estrutura do corpo humano. Essas direções
criam a hexadimensionalidade do espaço. Mudando os eventos,
mantém-se a estrutura,

3, BERNHARD LEITNER, Sound Space,New York, New York University Press, 1978, p. 109.
cem

com

cor

dor

dar

mar

Original;
*Céu-Mar"”, Doublet
Augusto de Campos (1977)
Tradução Intersemiótica:
“Céu-Mar”*
Julio Plaza (1980)
174 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

LEITURA DE “CÉU-MAR”

Ao nível macroestrutural, o poema desenvolve-se sistematica-


mente a transformação analógico-topológica (condição do jogo de
Lewis Carroll, sobre o qual o poema está construído) de palavra puxa
palavra, onde é feita a mudança de um grafema de cada vez em ca-
da palavra.
A condição do jogo de Lewis Carroll é bastante simples.
Duas palavras são propostas, com a mesma extensão. O quebra-cabeças consis-
te em ligá-las pela interposição de outras palavras, cada uma diferindo da anterior
apenas em uma letra. Isto é, uma letra deve ser mudada numa das duas palavras,
depois outra na nova palavra obtida, e assim por diante, até chegar à outra palavra
proposta. As letras não podem ser trocadas entre si, cada uma tem que conservar
o seu próprio lugar.
Como exemplo, a palavra read (cabeça) pode ser transformada em fail (cauda)
pela interposição das palavras feal, teal, tell, fall, Chamo as duas palavras de Dou-
blet (parelha), as palavras interpostas de Elos, e a série inteira de Cadeia, da qual
Ihes. dou um exemplo:

HEAD
heal
teal
tell
tall
TAIL!

Assim também, no doublet de Augusto de Campos, podemos


perceber a movimentação topológica da linguagem evidenciada pe-
la transformação da palavra anterior, através da mudança (para-
grama) de uma letra como condição do jogo. Aqui temos um índice
genuíno, pois que, afetado por seu objeto (sempre o grafema ante-
rior), tem alguma qualidade em comum com o objeto, envolvendo-
o. Portanto, uma espécie de ícone. Dessa forma, a atividade por si-
milaridade tende a despertar em nós diversos graus de consciência
sintética.
O módulo operatório do doublet são as palavras opostas CÉU-
MAR, onde, a partir do primeiro termo: CÉU, é criada a ligação
mediante a transformação topológica da linguagem. Temos assim.

céu
cem
com
cor
dor
dar
mar

1. “Doublets de Lewis Carroll/Augusto de Campos", in Lewis Carroll Aventuras de Alice,


São Paulo, 1977 pp. 261-264.
TRADUÇÃO ICÔNICA 175

À composição do poema revela-se ideogrâmica por justaposi-


ção analógica de elementos no branco da página, estrutura esta que
cria uma dinâmica espaço-estrutural e tensiona as palavras de tal
forma a configurar uma gestalt, um ícone.

TRADUÇÃO

A tradução processa-se a partir dos dois termos opostos, to-


mando os referentes das palavras do poema, isto é, CÉU-MAR que,
junto com a disposição dos grafemas, caracterizam o Objeto Ime-
diato do Poema. À tradução é equivalente ao poema por vários
motivos:
1. pela analogia espacial de posição.
2. pela configuração topológica dos elementos céu e mar (o segun-
do envolvendo o primeiro) que indica semelhança de
procedimento.
Nesta tradução ready-made, a relação de semelhança só pode
se dar pela isomorfia entre os signos de [ei utilizados.
TRADUÇÃO ICÔNICA 177

TRADUÇÃO INTERSEM!ÓTICA DO ICHING PARA CINEMA.

Quem falta [do Tao] não sabe fo Tao] e quem


sabe fo Tao] não fata fo Taol: o Teo [Caminho]
que pode ser descrito em palavras não é o verda-
deiro Tao.
LAO-TSE

Leitura do 1 Ching

Embora o T«o Te King seja um livro que condena as palavras


supérfluas, somos obrigados a introduzir o leitor no pensamento míi-
tico oriental, especificamente o chinês, com o intuito de se poder
compreender o filme LUZAZUL como tradução intersemiótica que
foi feita do Livro das Mutações ou I Ching.
O Tao Te King e o 1 King ou I Ching (onde a palavra Ching
significa Livro) são verdadeiras bases do pensamento chinês tradi-
cional, Tanto o Livro do Sentido da Vida (Tao Te King) quanto o
Livro das Mutações (T Ching) nortearam a tradução que ora apre-
sentamos ao leitor, Para a leitura de 7 Ching'que aqui será introdu-
zida, recolhemos o que há de mais significativo no pensamento orien-
tal através das traduções e dos estudos dos sinólogos ocidentais que
mais se destacaram.

Descrição

Original da China, onde teria sido criado e escrito há quarenta


e seis séculos, o ] Ching, ou Livro das Mutações, chega ao Ocidente
por volta de 1834, mas é no século XX que o livro se difunde entre
os povos de língua inglesa. A origem de O Livro dos Livros e do
Obscuro Enigma, como foi chamado o ! Ching, remonta à uma an-
tigilidade mítica. Para Richard Wilhelm, o 1 Ching é uma das mais
importantes obras da literatura mundial. Síntese de sabedoria ama-
durecida através dos séculos, o 1 Ching é composto principalmente
pelas duas vertentes da filosofia chinesa: confucionismo e taoísmo
que encontram raízes comuns no Livro, lançando, ao mesmo tem-
po, nova luz sobre Lao-tse, esse sábio enigmático e autor do Tao
Te King.
O I Ching não é um livro para ser lido, mas um livro de consul-
ta, um oráculo composto por 64 textos. Extremamente lacônico e
dando margem a mais de uma interpretação, cada texto explica seu
hexagrama correspondente. O hexagrama é formado por seis linhas
contínuas ou quebradas e superpostas de baixo para cima,
constituindo-se numa espécie de ideograma. Consultado através de
três moedas, constrói-se o hexagrama correspondente aos valores
de cara e coroa, À cada hexagrama, pois, corresponde um texto ela-
borado em linguagem poética-metafórica de caráter descritivo e aber-
to à interpretação, Através de imagens da natureza e das tendências
178 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

de forças cosmológicas que elas representam, os textos respondem


as perguntas que lhes são dirigidas quando são jogadas as moedas.
Esta combinação de texto e hexagrama, multiplicados 64 vezes, é
mais do que um oráculo de surpreendente agudeza: as linhas com-
binadas em cada hexagrama representam situações da vida diária
e os textos que acompanham tratam de uma infinidade de temas re-
lacionados à cosmovisão da antiga China.
Usando o ! Ching para prever o futuro, não estamos lidando
com mágica, mas calculando a tendência gera! de eventos e procu-
rando o melhor meio de acompanhar esta tendência, relacionando
o assunto que temos em mente ao ciclo ou ciclos de eventos ao qual
o assunto pertence. Apesar disso, o Livro das Mutações está mais
interessado em nos dar os meios de conseguir satisfação interior e
harmonia com o ambiente do que em ajudar a obter sucesso material.
Pode-se considerar o 1] Ching também como um largo poema
circular de 64 textos, flutuando entre a sutil alusão e a referência
direta, cujo tema é a transformação de todas as coisas que formam
o universo ou uma descrição da mudança apresentada como verda-
deira imagem da realidade, Esta última consideração levou John Blo-
feld a titular sua tradução para o inglês como The Book of Change
e a assinalar que o aspecto mais interessante da obra é a forma co-
mo as coisas se sucedem e vão se transformando em outras, seguin-
do os princípios ordenadores da realidade. Parafraseando Blofeld,
pode-se aqui dizer que o ! Ching é o Grande Livro da Tradução
Intersemiótica.
Além de Confúcio (que utilizou o Livro principalmente para
meditar sobre conteúdos moralizantes), outras pessoas têm utiliza-
do o [ Ching como um tratado sobre a estrutura e como uma série
de exercícios destinados a estimular à imaginação criadora. Neste
campo, os resultados mais notáveis foram obtidos pelo poeta e com-
positor John Cage que realizou composições musicais e textos poé-
ticos seguindo as normas e o ensino que se desprende da estrutura
do Livro, Vê-se, assim, que o 1 Ching é uma obra totalmente aber-
ta, infinita, quer dizer, determinada unicamente pelas limitações da
imaginação de cada pessoa.

Oriente/Ocidente

Para a inteligência ocidental não deslumbrada totalmente pela


tranqiiilidade e fixidez das categorias aristotélicas, é possível ver co-
mo o Oriente está mais para o pré-socrático Heráclito (harmonia
na diversidade: “não te banharás duas vezes no mesmo rio”, onde
nada está delimitado cartesianamente, tudo flui, transborda, se in-
terpenetra) do que para outros sistemas filosóficos dualistas e esta-
tizantes. O “tudo flui”* heraclitiano cria, assim, um paralelismo com
a filosofia oriental: uma ponte Oriente/Ocidente. Mas, para Herá-
clito, que concebia a vida em movimentos através do conflito de
TRADUÇÃO ICÔNICA 179

opostos, existia também uma ordem cósmica harmoniosa (o Logos)


que dá forma a esse caos. Para os chineses, no entanto, os dois prin-
cípios — movimento e lei imutável que o governa — são um só: co-
ração e mente funcionam juntos.
Lao-tse e Chuang-Tzu (séculos VI e II a.C.) consideravam a
sincronia e à harmonia segundo o modelo da natureza e a isto cha-
maram Tao Te King ou Livro do Sentido da Yiída, no qual está ex-
posta a visão sincrônica da civilização chinesa. O fundamento filo-
sófico do F! Ching está baseado na visão de um universo sincrônico,
inter-relacionado e harmonioso em cujo interior existem subsiste-
mas: uma pessoa, o sistema solar, as três moedas. Num dado mo-
mento do tempo, existe correlação entre os estados de qualquer dos
subsistemas. Se podemos decifrar um subsistema, podemos enten-
der o estado de outro subsistema como reflexo do Todo. Se a sin-
cronia implica considerar-se o universo como um sistema inter-
relacionado e harmônico, isto tem como corolário que o princípio
de isomorfia é operante: a relação de comunicação entre à pessoa
e o mundo é uma relação dinâmica de formação mútua e de eleva-
ção ou rebaixamento de um em outro, um processo que podemos
chamar de “isomorfismo recíproco” (Abraham Maslow). Dentro
deste espírito de similaridade entre ego e não-ego, caberia o que cos-
tumamos chamar de “bom-astral”” ou coincidência de opostos.
“Conjunções”", diria Octavio Paz. ,
Num paralelo entre Oriente/Ocidente, podemos perceber que
a constância, o estado constante de mudança, está arraigado no ôci-
dental na aplicação da causalidade e, sobretudo, da categoria do tem-
po aos fenômenos. Dentro dessa categoria, tudo está, de fato, em
transformação. Em cada momento, o futuro se torna presente e o
presente, passado, num movimento infinito e linear.
No entanto, embora no Oriente o conceito de constância seja
visto através da mudança como estado imutável, este conceito se for-
mula pela observação os eventos naturais, tendo por isso mesmo uma
forte analogia com o movimento cosmogônico dos corpos celestes
e, sobretudo, o curso das estações, à passagem das nuvens, o fluxo
das águas, a alternância do dia e da noite. O conceito de mudança
se formou especialmente a partir da procriação da vida e este movi-
mento perpétuo e constante renova-se sem repouso ou cessação. É
a constante paradoxal: “mudança: isto é o imutável”, Para o pen-
samento oriental, este conceito de mudança não é um princípio exter-
no normativo que se imprime sobre os fenômenos; é uma tendência
Interior de acordo com a qual o desenvolvimento acontece natural
. é espontaneamente nas “dez mil coisas”, nelas incluindo o homem.
Para o homem lúcido, portanto, ficar na corrente desse desenvolvi-
mento é um dado da natureza: reconhecê-lo e segui-lo é responsabi-
lidade e livre escolha.
O movimento de mudança, assim concebido, não é nunca uni-
dimensional. A idéia de um movimento que retorna ao seu ponto
180 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

de partida é certamente básica. É a idéia do eterno retorno. Dela,


no entanto, a noção de progresso ocidental está excluída, pois esta
noção de progresso não apresenta isomorfia com a imagem feita a
partir da natureza que é o cerne da noção oriental. Da mesma for-
ma, a tentativa ocidental de exaltar o novo às expensas do velho,
o futuro às expensas do passado era alheia ao pensamento chinês.
A ênfase recai apenas na habilidade de se manter dentro do fluxo
da mudança, Se tempos anteriores foram superiores a nós nesse as-
pecto, o fato é reconhecido sem preconceitos e a lição a ser extraída
é de que devemos nos sentir obrigados a fazer o que os antigos
faziam.
O taoísmo, perpetuando meios de pensamento e ação anterio-
Fes a seu fundador (Lao-tse), nos ensina a viver perto da natureza,
observando processos naturais e os usando como modelos de nos-
sas atividades. Para o taoísta, as virtudes da água são especialmen-
te louvadas, sobretudo a sua espontaneidade. À água não ataca obs-
táculos inexpugnáveis, mas sempre acha um meio de contorná-los.
Os rios, embora procurem o nível mais baixo e o curso mais fácil,
não deixam nunca de atingir o mar. O jogo dialético entre forças
opostas, como polaridade de uma mesma coisa e não como duali-
dade, interage conduzindo à sua fusão e síntese. Quando a neve se
acumula sobre o galho do pinheiro, se o galho se tornar rígido, ele
quebrarãá. Sua flexibilidade diante do rígido é, no caso, sua força.
A ação e resistência entre duas forças polares (como a água sobre
o bambu) também nas artes marciais tem sempre como produto o
equilíbrio dinâmico e a tensão criadora.
Sincronicidade, harmonia, dialética são aspectos fundamentais
da visão de mundo dos chineses, aspectos estes produtores da mu-
dança e do movimento. O Oriente concebe o movimento, a Mudan-
ça, como retorno ao seu ponto de partida, evitando a dispersão, coisa
que o movimento, quando voltado apenas para uma direção, não
pode evitar. O infinito, assim, é trazido dentro dos confins do fini-
to, o abstrato para o concreto, pois só aí ele pode estar a serviço
do homem. O Ocidente, por sua vez, contrapõe a esta concepção
mítica do tempo cíclico o tempo linear e homogêneo que leva ao
progresso sem retorno, isto é, ao infinito que se situa no plano abs-
trato ideal.
No Livro das Mutações, o processo de mudança é visualizado
como se estendendo da Unidade para o Infinito por um caminho
que compreende a polaridade, o Dois (yang e yin), o Oito (simboli-
zado pelos trigramas), o Trinta e Dois e o Sessenta e Quatro. Em
outras palavras, cada estágio, ao longo do caminho, consiste no do-
bro do número anterior, Em geral, podemos dizer que os hexagra-
mas, em sua ordem natural, simbolizam toda à sequência de mu-
danças através da qual tudo que existe no universo, em todos os ní-
veis do micro ao macrocósinico, viaja em ciclos contínuos.
TRADUÇÃO ICÔNICA 181

Semiótica do 1 Ching

Talvez como fruto da projeção do maniqueísmo ocidental, o


sistema taoísta do 7 Ching tem sido vulgarmente considerado como
um sistema binário, Contudo, há alguns aspectos que indicam que
a sua constituição é de caráter ternário, de onde decorre a possibili-
dade de se fazer um paralelo com o sistema semiótico peirciano, de
caráter triádico, isto porque as categorias de Primeiridade, Secun-
didade e Terceiridade, assim como a tríade implícita no ] Ching, es-
tão onipresentes em todos os fenômenos. Senão vejamos.

O Todo

A Mônada chinesa Oy tão bem meditada por Leibniz em sua


“monadologia”* pode ser tomada como o Tao (ou T'ai-chi-tu) que
inclui, em polaridade dinâmica, os dois aspectos: Yang (O Sol, o
Céu) e Yin (a Lua, a Terra), ou princípio ativo, entrópico e o prin-
cípio passivo, neguentrópico. À relação de correspondência entre
os dois princípios Céu/Terra, acima/abaixo e também ““o Criati-
vo” e o “Receptivo” são o verdadeiro segredo das mudanças. No
I Ching, o ente solar é representado por um traço cheio —, e o ente
lunar por um traço interrompido — —. Segundo o Tao-Te King,
contudo, há três grandes forças no universo: a Terra, o Céu e a “pon-
te” entre os dois: o Homem, o que é representado velo seguinte ideo-
grama: « A Harmonia entre Céu e Terra era garantida pelo ele-
mento humano regulador entre eles, daí a importância, em todas
as civilizações, do rei-sacerdote, dos pontífices, do pai de família,
do demiurgo, do imperador, enfim, da figura intermediária que in-
terpretava os desígnios do cosmos e era designado por ele.

Segundo John Blofeld, o / Ching é uma fonte de harmonia in-


terior e de comunhão com as grandes forças cuja interação cria to-
dos os mundos possíveis e invisíveis, exceto o seu próprio Pai, o Tao,
T'ai-chi ou Ser Absoluto. Para Hellmutt Wilheim, no seu Eight Lec-
tures on the I Ching, a palavra 1, traduzida por Mudança, tem três
significados que correspondem às três coordenadas que determinam
o curso do cosmos, São eles: o Fácil, o Mutável, o Constante. O
Livro começa com aquilo que todo mundo vê e pode imediatamen-
te apreender, isto é, o simples, despojado de mistérios. As situações
descritas no Livro das Mutações são os primeiros dados da vida,
O que nos acontece todos os dias. A ênfase na simplicidade, espon-
taneidade e lucidez são a única entrada para esse sistema. Através
dessa entrada, penetramos a verdadeira província das Mudanças.,
À reflexão sobre os fatos simples e fundamentais da nossa experiência
traz a imediata recognição da mudança que é constante,
Nessa medida, o caráter do 1 é o Fácil, Sua radiância penetra
os quatros quartos; simplesmente e facilmente ele estabelece distin-
ções; através dele o Céu tem seu brilho. Sol e Lua, estrelas e regiões
182 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

do zodiaco são distribuídas e arranjadas de acordo com ele: a alma


que o permeia não tem portão, o espírito que ele abriga não tem
entrada. Sem esforço e sem pensamento, simples e sem erro: este
é o Fácil, “OQ Caminho do Fácil é duradouro e espontâneo, pois não
exige esforço”. Assim como a água descendo a montanha... Seu poder
é a Mudança. Se o Céu e a Terra não mudassem, este poder não teria
por onde penetrar: a influência recíipocra dos cinco elementos en-
traria em ropouso e as alterações das quatro estações cessaria... Is-
to é Mudança. Seu estado é Constante. Que o Céu está acima e a
Terra abaixo, que o senhor olha para o Sul e os vassalos para o Norte,
que o Pai está sentado e o filho inclina-se diante dele: este é o Constante.
Em síntese: o caráter do 1 é o Fácil, o poder do Fácil é a Mu-
dança, o estado da Mudança é Constante. Como se pode ver, os
três significados são gerados a partir de um processo de insemina-
ção ou engendramento contínuo de um em outro, de modo que se
pode dizer que os três significados são coexistentes (sinerônicos e
onipresentes) num único todo. Não é difícil perceber aí (visto que
evidente) a correspondência desses três elementos (ou modos do ser)
com as três categorias fenomenológicas de Peirce. O Fácil está para
a Primeiridade, assim como o Mutável para a Secundidade e o Cons-
tante para a Terceiridade.
O Ser Absoluto, o T'ai-chi — “Viga Mestra” — entra em cor-
respondência perfeita com à categoria da Primeiridade, na qual pre-
dominam as idéias de novidade, vida, liberdade que se manifestam
na multiplicidade e na variedade incontrolada, pois Livre é o que
não tem outro atrás de si determinando suas ações, uma vez que
esse. outro já é alteridade!. Assim, o Princípio Universal, a Causa
Última, o Absoluto, o Eterno, o Imutável, a Eterna Mudança, o
Unico, o Todo é o T'ai-chi ou Princípio Vital. Nada existe fora de-
le, nada há que não o contenha completamente. Todas as coisas vêm
dele, nada existe sem ele. Todas as coisas voltam a ele. Ele é todas
as coisas; ele não é nenhuma coisa. Assim é o T'ai-chi: uma môna-
da. Diz Lao-tse: “possuir esta harmonia é conhecer o eterno”, Ana-
logamente, para Peirce, a mônada é uma qualidade virtual, como
pura possibilidade irrealizada, qualidade sem partes ou aspectos e
sem corpo. Em termos de sensibilidade isso se traduz assim:
“Imagine-se que me encontro num estado de sonolência e tenho um
sentimento muito vago, de um sabor salgado, de uma dor, de um
desgosto, ou de uma nota musical prolongada. Isto constituiria apro-
ximadamente um estado de sensibilidade monádico”2,

O Todo em Transição para a Mudança

O Fundamento da existência aparece no Livro das Mutações


como sendo o Tao: o Pólo, o acesso ao fenomênico, o Uno, a Pre-

1. C. S. PEIRCE, “Escritos Coligidos"”, op. cit., p. 94.


2. Idem, p. 94.
TRADUÇÃO ICÔNICA 183

missa... Numa palavra: aquilo do qual emana todo o demais. Mas


o segredo do Livro radica precisamente em que, uma vez assentado
o Uno, surge ipso facto a antítese. Se o pensamento metafísico oci-
dental tenta reduzir o Uno ao ser puro, abstrato, à homogeneidade
como princípio, no pensamento oriental, este é apreendido na sua
mutação, isto é, como diversidade. O pensamento chirês busca a
conciliação afirmando que os elementos antitéticos encontram-se no
tempo, de modo que dois estados, não coincidentes, conciliam-se
ao sucederem-se no tempo, transformando-se alternativamente um
no outro. Resumindo, podemos dizer que a idéia fundamenta! do
Livro das Mutações é que antítese e síntese são geradas dialetica-
mente. -
Se queres que algo se contraia, primeiro deixa distender-se
Se queres que algo se enfraqueça, primeiro deixa fortalecer-se
Se queres que algo caia, primeiro deixa elevar-se
O brando e o frágil vencem o duro e.o fortes.

Toda afirmação categórica embute imediatamente uma nega-


ção, fenômeno, aliás, que se manifesta, por exemplo, durante a ma-
terialização da linguagem na arte. Na medida em que aparece uma
forma, rapidamente surge sua antítese: o aparecer da forma é si-
multâneo à contraposição com o fundo. Na palavra e na música,
surgem as pausas e o silêncio: contraponto entre o cheio e o vazio,
o contínuo e o descontínuo. É o silêncio ambiente que dá à música
sua ressonância. E o contexto circundante que dá à palavra seu sig-
nificado. Na arquiterura, o intervalo. Na cerâmica, o vazio. Em to-
da arte visual da China, o espaço negativo, o vazio é tão importante
quanto a linha, Tão logo se traça no espaço uma linha, tem-se a
antítese, pois, em tal caso, o espaço fica dividido num “acima” e
num “abaixo”. Quando a linha é vertical, ela se divide em parte
direita e narte esquerda ou, se se prefere, em diante e atrás. Uma
vez traçada a linha, obtém-se a hexadimensionalidade do espaço.
À correspondência do princípio da mudança com a segunda catego-
ria peirciana (ação-reação, esforço-resistência, polaridade...) pare-
cê por demais evidente. Mas é Lao-tse que define isso melhor:
O Tao produz o Um
Sendo o Um manifesto
Produz o Dois
Existindo o Dois, aparecem os Contrários
Estes entram na existência ao nroduzir-se o Três
O caminho de todas as coisas !eva a obscuridade nas costas
e a luz na frente...

A Mudança, o Conflito

À polaridade e à inter-relação de opostos não significam rigi-


dez, mas um campo magnético que determina a mudança e, de fa-
to, à evoca,

3. LAO-TSE, Tao Te King, São Paulo, Hemus, 1983, p. 89.


4. Idera, p. 103.
184 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

O pesado é a raiz do leve


A quietude domina o movimento,,.5

À função mais fácil de se observar no 1 Ching é a Mudança


(1). No plano da existência, isto é, daquilo que podemos perceber,
não há nada que permaneça sem movimento, sem mudança. Tudo
o que existe ou está começando a existir, ou está crescendo, ou está
envelhecendo, ou está desaparecendo. À Mudança, que é incessan-
te, ocorrre de acordo com certas leis universais e observáveis, A fun-
ção do Livro as Mutações é interpretar os vários ciclos interligados
da mudança, de tal modo que o progresso das transformações indi-
viduais possa ser deduzido destes ciclos; assim, o indivíduo interes-
sado recebe um apoio firme que o ajuda a evitar que os vórtices o
arrastem como a folha na correnteza,
Segundo a filosofia taoísta, o Único, o Último, o Grande To-
do (o Tao) engendra o dualismo negativo-positivo do yin e do yang.
Sua contínua interação faz nascer ao seu redor os cinco elementos
de onde derivam todos os eventos e todas as coisas. O princípio de
Yin é conhecido como soberano sobre a Terra. Ao yin correspon-
dem as noções de negativo, feminino, sombra, úmido, doce, frio,
mortal, imóvel etc. Ao yang correspondem as noções de positivo,
masculino, luminoso, ardente, duro, vivo, movimento etc. O yin e
o yang se dividem para formar os pontos cardeais e as direções in-
termediárias. À mistura em várias proporções é responsável pelas
diferenças entre todas as substâncias e objetos do Universo.
Ser e Não-Ser engendram um ao outro
Difícil e fácil complementam um ao outro
Comprido e curto são relativos um ao outro
Alto e baixo se acompanham um ao outro
Som e tonalidade harmonizam um ao outro
Antes e depois sucedem um ao outro 6.

O corpo humano é igualmente regido pelo princípio do Tao,


do yin e do yang e pelos cinco elementos. Segundo a tradição, quando
o yin € o yang surgem do caos original, o yang, mais leve, se eleva
nas esferas superiores para formar o Céu, enquanto o yin, mais pe-
sado, desce e forma a Terra. Há, em cada parte do corpo, uma ener-
gia espiritual que está em correlação com a estrutura do Universo.
À cabeça situa-se no Céu, os pés na Terra:
Que todas as coisas sigam seu curso natural..,?

Ao nascer, o homem está cheio de yang original. Ao longo de


sua existência e crescimento, o yang evolui de modo a alcançár seu
máximo de maturidade. Mas o yin também está presente e na medi-
da em que a vida passa, ele cresce regularmente, enquanto o yang

3, Idem, p. 69,
6. Idem, p. 21.
7. Idem, p. 35.
TRADUÇÃO ICÔNICA 185

decresce. A Mudança é o “gerador de todas as gerações”. É a abun-


dância transbordante da força que perpetuamente se renova e para
a qual não há repouso ou cessação. E na constante mudança e cres-
cimento apenas que a vida pode ser agarrada. Se ela for interrompi-
da, o resultado não é a morte, que é apenas um aspecto da vida,
mas o reverso da vida, sua perversão. Quando o equilíbrio entre vir
e yang é rompido, o homem morre. Seu hálito vital, seu espírito,
sua essência seminal desaparece. Mas para o taoista, a moite não
é uma separação do corpo e da alma, tal como os cristãos a conce-
bem no Ocidente, é antes uma separação no interior do indivíduo
entre o elemento yin e o elemento vang.

O Eterno Retorno

Para o oriental, a mudança não acontece irracionalmente ou


abruptamente, mas está mediada pela Lei, pela Constante. Ela tem
seu curso fixo. Do mesmo modo que confiamos em que o sol nasce-
rá amanhã e que à primavera se seguirá o verão, também podemos
estar seguros de que o curso ou precesso do devir não é caótico,
mas segue cursos prefixados.
Como o Universo não é simples caos, uma simples ação-reação,
as relações de comportamento das “dez mil coisas”, grandes ou pe-
quenas, desde os corpos celestes, que giram no espaço, até as parti-
culas subatômicas demonstram uma configuração universal e geral
do movimento, governada pela lei imutável das Mutações. Por is-
so, como diria Peirce, as idéias onde a lei predomina são as de gene-
ralidade, infinidade, continuidade, difusão, crescimento e inteligên-
cia. O terceiro aspecto da idéia de mudança (7) é, assim, o Cons-
tante, o seguro ou a confiabilidade, isto é, o paradoxo: “Mudança:
isto é o Imutável””, À concepção de constância na mudança fornece
ao homem a garantia para a ação significativa, tirando o homem
da submissão à natureza e tornando-o responsável.
Em muitos textos do 7 Ching, aparece o conceito de “seguro”
oposto ao de “perigo”. Este, como indeterminação ou sorte que in-
depende do concurso lúcido do indivíduo, está, portanto, em fun-
ção da aleatoriedade e do desconhecido. O Constante nos dá a se-
Burança e a certeza de que os eventos se desenrolam na direção
correta.
Na mudança incessante imediatamente presente aos sentidos, a constância in-
troduz um princípio de ordem garantindo a duração no fluxo dos eventos. Quando
o homem apreende este princípio, ele abandonou à condição de identificação irrefte-
xiva com à natureza: consciência reflexiva entra em cena. Tornar-se alerta ao que
é constante no fluxo da natureza e da vida é o primeiro passo para o pensamento
abstrato. O reconhecimento da regularidade nos cursos dos corpos celestes fornece
uma base para uma ordenação sistemática dos eventos, e este conhecimento torna
possível o calendários,

8. HELLMUT WILHELM, Eight Lectures on the I Ching, Princeton University Press, 1973,
p. 23.
186 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Os antigos comentadores do ] Ching tendiam a identificar esta


segurança, assim como a constância, com relações sociais. Dizia-se
que significava, por exemplo, que o pai está sentado e o filho se in-
clina ante ele. À concepção não é isenta de dinamismo: o filho que
se inclina ante seu pai hoje, será ele mesmo amanhã um pai a rece-
ber à homenagem do filho.

Linguagem do I Ching

O espírito do Tao, que absorve o Todo, a Mudança e a Cons-


tante, se expressa através de diversas linguagens. De forma geral,
toda arte oriental está impregnada desse espírito que se desenvolve
de forma mais específica na arte ioga e taoísta, adquirindo formas
as mais diversificadas que vão da dança aos talismãs e emblemas,
dos ideogramas, caligramas, diagramas esquemas e textos aos obje-
tos, escultura e arquitetura, entre outros. Os signos do I Ching são
principalmente trigramas que compõem os hexagramas, ou seja, dia-
gramas que ajudam a interpretação do Livro, e sobretudo, textos
que, associados aos hexagramas, permitem a sua decodificação. Estes
signos, de caráter icônico na sua maioria, têm como objetivo final,
no sistema místico taoísta, ultrapassar a realidade ordinária para al-
cançar uma consciência que se situa além do tempo e da mudança,
ou seja, atingir o Todo, atingir o Mistério que transcende todos os
Mistérios e que os chineses chamam de Tao.

Textos

Para uma leitura exemplificativa, escolhemos de forma randô-


mica um dos textos característicos do 1 Ching (dada a impossíbili-
dade de se analisar aqui todo o Livro). Abrimos o Livro ao acaso
e encontramos o hexagrama nº 11: T'aí = Paz. À seguir, temos o
hexagrama nº 12: P'i = Estagnação, Obstrução.
Texto do hexagrama 11: “Paz. Os maus declinam; os grandes
e bons se aproximain - - boa sorte e sucesso!”*
Texto do hexagrama 12: “Estagnação (obstrução) causada por
pessoas mal intencionadas. Embora haja maus presságios para o Ho-
mem Superior, sua persistência correta não se deve abater. Os gran-
des e bons declinam; os maus se aproximam*”?,
E

11. T'AL/PAZ 12. PI / ESTAGNAÇÃO

9. JOHN BLOFELD, 1 Ching, Rio de Janeiro, Record, $.d., pp. 118-121.


TRADUÇÃO ICÔNICA 187

De caráter fortemente metafórico, temos aí o fragmento de um


texto que, no seu todo (considerando-se o conjunto do Livro),
caracteriza-se como um texto “narrativo-qualitativo”*, onde a linea-
ridade (começo-meio-fim) das sequências é rompida, ou seja, “os
eventos não se encadeiam seqiiencialmente (uns após os outros) em
direção a um fim (superação de relações conftitantes). Ao invés de
relações mais complexas, ou seja, organizações paralelísticas (sime-
trias, gradações, antíteses) responsáveis por uma multiplicidade si-
multânea de visão de um mesmo evento”! que, no caso do Livro,
são as coordenadas de forças do cosmos-vida.
Tomando-se, por exemplo, apenas o paralelo entre os dois tex-
tos selecionados, pode-se percebre facilmente que eles formam uma
antítese; no texto nº 11 predomina a linha yang, tendo por isso mes-
mo uin caráter positivo, já o texto nº 12, em cujo hexagrama pre-
domina o iinha yin, é de caráter negativo. Observe-se, ainda, que
cada hexagrama é exatamente a inversão do outro.

Trigramas, Hexagramas

Estudando alguns diagramas do 1 Ching, pode-se ver que a dis-


posição das linhas componentes do diagrama faz com que alguns
Kua = signos (trisgsramas e hexagramas) estejam em harmonia ou
oposição a outros Kua, em graus que vão desde a harmonia perfeita
até o completo antagonismo (assim como na natureza encotramos
diferentes forças trabalhando a favor ou contra outras em diversos
graus). A relação entre um hexagrama e seus vizinhos ajuda a de-
terminar seu significado, de acordo com o grau de afinidade que
existe entre eles. O número de relações possíveis entre os hexagra-
Tas é imenso; algumas edições chinesas examinam exaustivamente
essas relações; outras discutem apenas as mais evidentes, que são
também as mais importantes.
uma linha contínua significa o princípio yang.
uma linha descontínua significa o princípio yin.
Os trigramas, na ordem em que são normalmente apresenta-
dos com seus principais atributos, podem ser visualizados no seguinte
desenho'*!:

Nome Atributo Imagem

==. Chi'ien, o Criativo Forte Cêu

TE K'un, o Receptivo — Abregado Terra


maleável

10. MARIA LÚCIA SANTAELLA BRAGA, “Por uma Classificação da Linguagem Escri-
ta", op. cit., p. 155.
11. RICHARD WILHELM, op. cit., p. 5.
188 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Nome Atributo Imagem

== Chen, o Incitar Provoca o Trovão


movimento

== Kan, o Abismal — Perigoso Água


=== Kên, a Quietude Repouso Montanha

= Sun, à Sauvidade — Penetrante Vento,


= madeira

== Li, o Aderir Luminoso Fogo

== Tui, à Alegria Jovial Lago

O Diagrama-Stinholo do Yin-Yang

De origem chinesa, o emblema Tai-chi-tu, cuja antiguidade re-


monta a inais de três mil anos, serve para representar a unidade for-
mada pelo equilíbrio de duas forças opostas, iguais e contrárias: o
Yang eo yin. Esta unidade se visualiza num disco, no qual se intro-
duz a união das duas partes que incluem, um aspecto dinâmico co-
mo duas forças rotatórias em sentido inverso, opostas entre si, uma
branca e outra preta. As duas forças opostas são interpretadas co-
mo sendo duas forças naturais e de seu equilíbrio nasce a vida: yang,
a força ativa, masculina, positiva, o calor, à dureza, está na secura,
no Céu, na luz, no sol, no fogo. É a firmeza, a luminosidade. Yin
é o princípio feminino, negativo, passivo que se mostra no frio, úmi-
do, misterioso, secreto, evanescente, mórbido, inativo. O diagrama-
símbolo do yana-yin “é o princípio de uma forma que não é, mas
que se faz",
Rudolf Arnheim, em seu “Análisis Perceptual de un Símbolo
de la Interacción'', analisa no símbolo do T'gi-chi-tu as proprieda-
des visuais baseadas na percepção espontânea assim como o signifi-
cado simbólico, chegando à conclusão e à evidência da semelhança
estrutural entre a dinâmica que se aprecia no T'ai-chi-fu e as forças
cosmológicas descritas pela filosofia taoísta. Isto é, há, segundo Ar-
nheim, isomorfismo entre especto visual e significado. Para Arnheim,
“perceber um objeto ou sucesso qualquer, significa vê-lo como con-
figuração de forças, e ter consciência da universalidade de tais con-
figurações é parte integrante de toda experiência perceptuai””!?,
Discordando da teoria dos “arquétipos** junguíanos, como pro-
dutos do “inconsciente coletivo”, isto é, de certas formas e esque-
mas visuais básicos que se apresentam em diversas épocas, culturas
e indivíduos, Arnheim sustenta que a percepção destas formas sim-
ples, transculturais e coletivas, deve-se à percepção da conduta das
configurações de forças visuais. Diz também que estas configura-
ções de forças percebidas são espontaneamente consideradas ima-

12. RUDOLF ARNHEIM, Hacia una Psicologia del Arte, Madrid, Alianza Editorial, p. 225.
TRADUÇÃO ICÔNICA 189

gens da conduta das forças em situações reais importantes: “assim,


por exemplo, o percurso diário do sol é considerado um símbolo
da vida humana porque os aspectos perceptivos de aparecer, levantar-
se, descender são percebidos espontaneamente como estruturalmente
semelhantes (isomorfos) à dinâmica do nascimento, crescimento, ma-
turidade e declínio”*!3,
Procede Arnheim, a seguir, à análise do T'ai-chi-tit ou “gran-
de mapa dos pólos”. “Pólos*' estes que simbolizam aqueles elemen-
tos básicos da filosofia taoísta enumerados atrás, isto é: a mudança
incessante da Natureza que possibilita o Eterno Retorno do Mes-
mo, entendido como repetição periódica e, sobretudo, como Cons-
tância imutável indiciada pela iei da regularidade e uniformidade
da Mudança. O Princípio yin-yang manifesta-se na sucessão perió-
dica e cíclica das estações.
O símbolo do T'ai-chi-tu é, na realidade, um diagrama icônico
de caráter emblemático, onde se manifesta uma ordem por coorde-
nação, isto é, uma ordem não hierárquica, pois cada lágrima
distingue-se do conjunto como individualidade, ao mesmo tempo
que colabora em prol do conjunto, do todo.
No esquema a seguir, o Todo aparece de forma manifesta: o
círculo e o S invertido submetem as duas lágrimas à sua ordem. Con-
tudo, cada lágrima ou “magatama” (maga = curvado - inclinado
+ tama = pedra preciosa) (Arnheim) está grafada em cores dife-
renciadas o que faz aumentar a sua individualidade. Neste esque-
ma, dizíamos, o predomínio é do todo, notamente, do S invertido
que separa-reúne as duas lágrimas.

No símbolo taoísta, nem o todo, nem as partes devem predo-


minar, pois é necessário deixar claro que o Supremo Uno é idêntico
ao yin e ao yang que o compõem , e também não superior nem infe-
rior a estes dois princípios. É assim que o T'ai-chi-tu cria a ambi-
giidade perceptual. A ambigiidade surge da potencialidade idênti-

13. Idem, p. 208.


190 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

ca do todo e das partes e “a mente não pode sustentar duas organi-


zações estruturais do mesmo esquema ao mesmo tempo, então, a
mente só pode subordinar uma à outra”*!é,
A posição invertida (69) caracteriza o antagonismo dos maga-
tamas, funcionando como interação de duas forças opostas e anta-
gônicas que não se destroem em conflito mas que colaboram em prol
de uma tensão criadora. As duas forças opostas, dirigidas uma à
esquerda e outra à direita, combinam-se num movimento de rota-
ção que simboliza iconicamente os ciclos da existência. Na sua indi-
vidualidade, cada magatama precisa do outro para alcançar o cará-
ter de globalidade.
O simbolo (vide página seguinte), agora na sua representação
definitiva, confirma como a sua orientação espacial influi na sua
expressão: o elemento yang, mais brilhante (símbolo da Luz, do Céu),
está situado por cima do elemento yin que significa a Terra, embai-
xo. Ae mesmo tempo que yang é o Sul, a Terra (yin) é o Norte. À
interação entre os dois elementos do Tºai-chi-tu, já é evidente vi-
sualmente, assim como se evidenciam a “coincidência dos opostos”
e o princípio da dialética. Além disso, percebe-se que o princípio
de interação é coerente com o princípio de retroalimentação ou feed-
back. Nesta configuração figura-fundo, o componente situado aci-
ma, mais luminoso, tende a destacar-se e a superpor-se sobre o ele-
mento situado abaixo, mais pesado, gerando, por isso mesmo, um
forte caráter de iconicidade. Mas os dois elementos têm em comum
o contorno, exercendo, por isso mesmo, uma atração mútua que os
mantém em equilíbrio dinâmico entre os movimentos centrípeto, de
concentração e o movimento centrífugo, de fuga. Além disso, o cir-
culo apresenta perfeitamente o equilíbrio entre as tensões radiais cen-
trípetas e centrífugas que se manifestam de forma espacial: um mo-
vimento ““respiratório” contrativo-expansivo, ao mesmo tempo que
a sua forma circular apresenta o movimento temporal do fluir em
torno de si mesmo.
Mas as tensões surgidas da configuração radial, de caráter es-
pacial, e as tensões surgidas de caráter circular e temporal somam-
se às tensões produzidas pela conformação côncavo-convexa das lá-
grimas, produzindo a qualidade do relevo e profundidade (a cabeça
de cada lágrima tende a vir para frente, enquanto à cauda tende a
ir para o fundo). Com este efeito, completa-se a hexadimensionali-
dade do espaço.
O símbolo icônico do T'ai-chi-tti demonstra que todo fato pos-
tula seu oposto e o complementa. À alternância entre as partes e
o todo com efeito de complementariedade e conhecimento pela re-
latividade dos pontos de vista ilustra e demonstra as propriedades
significativas do símbolo T'ai-chi-fu em relação à filosofia taoísta.
De resto, como o demonstra Arnheim!, não é qualquer orientação

14, Idem, p. 220.


15, Idem p. 224,
1592 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

espacial do símbolo que opera o equilíbrio dinâmico, mas aquela


posição onde coincidem exatamente o centro do círculo e os centros
de gravidade dos dois magatamas (posição a). Temos, assim, total-
mente confirmada em linguagem gráfica a coincidência do yin, do
Yang e do Tao (centro do círculo) como Princípio Primeiro, isto é:
à coincidência do Uno da Mudança e da Constante,

is Wi!
HH dE
ni Him
ut 1
OW À
1
4

Os oito Kua é sua relação espacial com os oito pontos cardeais. Na periferia,
os 64 hexagramas produto da combinatória dos trigramas. Ao centro o símbolo do
Tao + Yin - Yang.
0904
AGUA

A roda, orientada espacialmente em relação aos oito pontos cardeais com seus
correspondentes trigramas.
A roda, agora vista em três dimensões, traduz-se pelo hemisfério que orientará
os movimentos de câmera (ver diagrama a seguir).
NORTE

OESTE LESTE

(
=

"Via da Terra"

>)NS
é
m

N " Via do Céu"

Diagrama operacional do filme Luzazul


(*) = câmera
= Planos panorâmicos
Original
I CHING
(Livro das Mutações)

Tradução Intersemiótica:
Luzazul
Filme S-8
Julio Plaza (1981)

Música: Terry Riley


A Rainbow in a Curved Air
“O Arco Iris no Ar Curvo”
% Diagrama dos oito Kua, junto com seus atributos naturais. No centro o T'ai-
chi-tu. Na periferia, a planificação esquemática da operação cinematográfica.
198 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

LEITURA DA TRADUÇÃO: LUZAZUL

Sem a leitura dos diagramas, seqgiiencializados nas páginas an-


teriores, difícil ou mesmo impossível seria acompanhar a tradução
do IJ Ching operada no filme Luzazul. De um lado, os diagramas
relativos ao ! Ching buscam expressar de forma analógica os carac-
teres icônicos, indiciais e simbólicos contidos no filme.
De outro lado, os diagramas buscam demonstrar que, ao invés
de estar suportada num roteiro narrativo-verbal, a execução do fil-
me tem, efetivamente, como suporte um diagrama icônico, mapea-
mento de relações indicadoras de movimentos e pontuações de câ-
mera, assim como marcações das correspondências entre signo tra-
dutor (o filme) e o signo traduzido (o ! Ching), conforme buscare-
mos demonstrar na leitura do filme a seguir.

A Constante: A Lei Construtiva Transductora

Basicamente, o diagrama formador da lei construtiva do filme


é o T'ai-chi-tu, traduzido pelo paradigma da “Roda Cósmica” que
é um Ícone do mundo e representa à “Natureza”. A figura geomé-
trica de onde a roda deriva é a do círculo com seu centro. No senti-
do mais universal, o centro representa o Princípio, simbolizado geo-
metricamente pelo ponto. A “Rota Mundi” (Leibniz) ou “Roda do
Devir” é uma figura de oito raios que evoca, por analogia, a dispo-
sição espacial dos pontos cardeais. Por outro lado, do ponto de vis-
ta temporal, a circunferência é a imagem de um ciclo de manifesta-
ção, expressando, por isso mesmo, as relações de continuidade, cir-
cularidade, rotação, movimentos paradigmáticos aos modelos icô-
nicos do universo. Todas as culturas, sem exceção, interpretam vi-
sualmente desta forma as representações cósmicas. Colhido como
um sistema simbólico universal, o círculo converte-se em legissigno-
icônico-remático e, face à simbologia emprestada a ele, um
Tlegissigno-simbólico-remático.
O centro é, de início, um ponto de partida, mas também um
ponto de chegada: tudo se origina dele e tudo deve, finalmente, re-
tornar a ele como princípio que é. O centro está, assim, em ligação
permanente com os pontos da circunferência, ligação figurada pe-
los raios (oito ao todo). Mas esses raios podem ser percorridos em
dois sentidos opostos: primeiro, do centro para a circunferência e,
em seguida, da circunferência para o centro, Cria-se, assim, duas
faces complementares, a primeira das quais é representada por um
movimento centrífugo (do centro para à periferia), a segunda, por
um movimento centrípeto (da periferia para o centro). Estas fases
podem ser comparadas às fases da respiração. Temos, assim, um
ternário: centro, raio, circunferência cujos raios representam o meio
termo de união entre centro e periferia.
Na tradição mítica, o centro corresponde ao Céu (Yang), en-
quanto a circunferência corresponde ao yin (Terra), sendo o terçei-
TRADUÇÃO ICÔNICA 199

ro termo o raio (Homem). Falando-se em representação simbólica,


temos que o Centro como Céu ou Princípio Criador e a Circunfe-
rência como Terra ou Princípio Passivo estão unidos pelo Homem.
Este, assemelhado ao raio da roda, aparece como se tivesse os pés
na circunferência (Terra) e a cabeça tocando o centro (Céu). Cria-
se, com isto, a polaridade necessária para viabilizar a representação
tradutora.
O círculo, como símbolo, embute contemporangamente o icô-
nico e o indicial, pois está engendrado por eles. Se a significação
simbólica está explicitada em termos de representação cosmogôni-
ca, tal como utilizada pelas filosofias orientais e também pelo pen-
samento ocidental, o seu caráter icônico nos vem dado pelo manda-
la como expressão do Todo. Mas é como índice que o círculo possui
qualidades indicadoras próprias que fazem dele uma forma otimi-
zada para o objeto em questão, ou melhor, a sua utilização como
esquema diagramático que estabelece as relações construtivas na tra-
dução. Não parece necessário insistir mais nas noções do caráter sim-
bólico, mas naquelas relações diagramáticas que o círculo define na
sua gestão.

A Mudança; Conflito de Opostos

Visto o caráter do legissigno como forma significante que nor-


teia as relações construtivas do filme, passamos agora a ver as rela-
ções diagramáticas codificadas em termos de opostos e que corres-
pondem, por isso mesmo, à significância configuradora do ! Ching.
O diagrama operacional anexo (cf. página 195) exemplifica a
forma de operar da câmera face à natureza. Sendo a idéia básica
do filme desenvolver um plano único, ou melhor, fazer montagem
em plano único e contínuo, busca-se explorar a idéia de circularida-
de e fluidez característica do movimento ou eventos em transfor-
mação, desarticulando, ao mesmo tempo, o visual contínuo caraç-
terístico do espaço perspectivista e cinematográfico.
Se a polaridade está codificada no Livro das Mutações em ter-
mos de yang e yin e se essa polaridade é relativa aos pontos cardeais,
então cada movimento da câmera é isomorfo a essas relações. Te-
mos aqui uma “escrita filmica”' (que tem muito a ver com as for-
mas multidirecionadas das escritas ideográficas) através da qual
consegue-se a hexadimensionalidade do espaço. Tendo em vista o
diagrama (cf. p. 195) e tendo em conta que o objeto do filme é uma
paisagem de praia (sem nenhum indício de objetos construídos pelo
homem), onde dominam os elementos: Céu, Terra, Água, Sol, en-
tre outros elementos naturais, temos:
Primeira panorâmica: corre no sentido do relógio, isto é, da
esquerda para a direita, do norte para o sul, do yin para o yang,
seguindo, por isso mesmo, a “Via do Céu”. De novo, no N,
processa-se um plano panorâmico do hemisfério N-S, seguindo à
200 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

“Via do Céu” para o S-O até encontrar seu oposto o N-E, seguin-
do, então, para o Leste e seu oposto o Oeste (cf. diagrama). Nesta
segiiência de movimentos dialógicos entre pares de opostos, e fe-
chando o filme com uma panorâmica inversa à primeira, isto é, no
sentido de “Via da Terra” (ou da direita para a esquerda), temos
uma dominante, a do movimento yin-yang representado por movi-
mento panorâmico da esquerda para a direita.
Vê-se, a partir disso, que os dois eixos produtores da lingua-
gem cinematográfica, o eixo da contigúidade e o eixo da similarida-
de transam conjuntamente os sentidos do filme: o caráter metafóri-
co ou eixo paradigmático e o caráter metonímico ou eixo sintasmá-
tico colaboram nur diálogo onde toda metonímia é metaforizada
e toda metáfora é metonimizada, produzindo o fato estético. A lin-
guagem também tem seu oriente, a linguagem representando se apre-
senta, revelando nesse seu autoproduzir-se o caráter metalingiiísti-
co do filme, acionado que está através do dispositivo da linguagem
como universo auto-suficiente e sincrônico no ato de filmar, em iso-
morfia com a própria linguagem do 7 Ching. Quer dizer: há super-
posição dos fatos de linguagem sobre o referencial da paisagem.
Pela exclusão do referencial o filme volta-se sobre si mesmo,
procurando seus modelos internos, seus paradigmas. Nessa medi-
da, o significado do filme não está na paisagem, mas na sua própria
estrutura. À paisagem, no caso (passagem), acaba por funcionar co-
mo marcação (pontuação rítmica) de uma forma em movimento:
transformação. O referente se faz Objeto Imediato. Os códigos se
repensam constantemente durante o processo de filmagem.
À câmera, ao focalizar pontos de vista plurais, tem uma ten-
dência a desarticular a linearidade, a trocar o espaço visual contínuo
pelo espaço visual descontínuo. O resultado é que o filme tende a
saturar o tempo de espaço, criando uma sincronia e um envolvimento
não visual, mas sinestésico: olho, ouvido e tato coexistem,
O próprio título do filme: LUZAZUL, organizado em palín-
dromo, já reflete, na sua construção, o princípio formador da Mu-
dança através das metáfora “LUZ” (yang) e “AZUL” (yYim com
suas características adjetivadas. O título, na sua organização simé-
trica, indícia iconicamente as operações de montagem do filme. As-
sim, a montagem sintática do filme consegue realmente atingir a qua-
lidade da sincronia e da semelhança, requerida pela formação do
Ícone mental ou, nas palavras de Mallarmé: ““a espacialidade como
abertura para o infinito”, Tanto é assim que o filme se resolve no
puro espaço plano do cinema em conflito de contrários: espaço
real/espaço de representação: conflito produtivo da hexadimensio-
nalidade do espaço.
O operar da câmera, seguindo o eixo seqiiencial da contigitida-
de, encontra-se em oposição e conflito com a forma e posição espa-
cial dos objetos, quer dizer, tal como estes deveriam aparecer na te-
la. Isto fica claro, quando o movimento da câmera, partindo de um
TRADUÇÃO ICÔNICA 201

ponto da paisagem na linha do horizonte, sobe verticalmente até atin-


gir noventa graus (a câmera apontando para o topo do céu) e vai
descendo, então, em movimento contrário até atingir (num raio de
cento e oitenta graus) a paisagem do lado oposto na linha do hori-
zonte, paisagem esta que aparece, assim, numa tomada pelo aves-
so: paisagem especular, paisagem invertida (o sol embaixo, a terra
em cima; o mar em cima, o céu embaixo).
Desse modo, a lógica da câmera fica subvertida, produzindo,
neste conflito, a superposição da similaridade sobre a contigitida-
de. O objeto, tal como o proceder filmico agora faz aparecer na te-
la, não é o objeto esperado, mas o objeto transformado. Contudo,
o eixo espacial e temporal colaboram nesta montagem não-linear,
não-seqiiencial, durante a produção de linguagem. Há, assim, trans-
formação da paisagem num processo, analógico onde tudo se fun-
de em prol da totalidade possibilitando diferentes atitudes e pontos
de vista de espectador.
W. Blake disse: “quando as portas da percepção estão limpas,
tudo se vê como é: infinito e eterno”. O filme Luzazul, a sua lin-
guagem, transa seus sentidos e os sentidos humanos constante e con-
juntamente, pois nela há percursos dentro de um mesmo canal, o
visual, e entre diferentes canais. Os pontos de vista fóvicos são im-
plodidos, criando percursos na visão periférica (movimento) e ma-
cular (qualidades cromáticas). Rompendo-se a linearidade do filme,
obtém-se a tradução para um espaço esférico-acústico, paradigmá-
tico ao eco e à paisagem do horizonte em isomorfia com o movi-
mento da câmera. O tátil - - sugerido pela textura, pela luminosida-
de e pelos valores hápticos dos objetos: a terra, a água, a luz, o etê-
reo, unidos à percepção (subvertida) do “estar aqui” corporal - -
provoca a sensação sinestésica embígua da perda do referencial que
nos fornece o equilíbrio básico. O unívoco da lógica da câmera foi
transformado e traduzido no equivoco da percepção sensorial.

O Todo como Efeito Estético

O filme está realizado segundo a analógica oriental e radical


mente oposto à “lógica de câmera" ocidental, produtora de veros-
similhança. A fruição estética para a mente oriental, analógica, não
é caracterizada pela relação causa-efeito ou ““sineta pavloviana”* (Ha-
roldo de Campos) como na mente ocidental que nos leva a uma per-
cepção automatizada dos eventos. Pelo contrário, o que chamamos
de “coincidência dos opostos** parece ser o interesse primordial da
mente analógica e o que nós, ocidentais, cultuamos como causali-
dade passa, para a mente oriental, quase despercebido.
A paisagem em montagem de conflitos por opostos configura
um amálgama de efeitos de tal forma a produzir o encantamento
sinestésico e sobretudo (pelo efeito da indefinição produzido pela
baixa definição das imagens), a permitir o fluxo entre o mundo ima-
202 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

ginário e o real, de tal modo a confundir as percepções dos diferen-


tes sentidos através da transformação, da experiência da luz, do ar
e das qualidades cromáticas. Se Mallarmé coloca as palavras em si-
tuações gramaticais e associação de formas contrárias às expectati-
vas geradas no contexto, o filme produz também essa poética pelo
intercâmbio de imagens que deslocam constantemente o referencial,
retrabalhando, sem cessar, a ambiguidade dos sentidos, assim co-
mo a qualidade de semelhante.
Para C. G. Jung, o princípio de sincronicidade, diametralmen-
te oposto ao de causalidade, é operante na mente oriental. À coinci-
dência dos acontecimentos, no espaço e no tempo, significa algo mais
do que mero acaso, pois pressupõe uma interdependência de even-
tos objetivos entre si, assim como dos estados subjetivos (psíquicos)
do observador ou observadores.
O pensamento tradicional chinês apreende o cosmos de um modo semelhante
ao do físico moderno que não pode negar que seu modelo de mundo é uma estrutura
decididamente psicofísica, O fato microfísico inclui o observador tanto quanto a rea-
lidade subjacente ao 1! Ching abrange a subjetividade, isto é, as condições psfquicas
dentro da totalidade da situação momentânea. Assim como a causalidade descreve
à seqiiência dos acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com
à coincidência de eventos!S,

Vê-se, a partir disso, que o princípio de sicronicidade se con-


funde com o princípio de isomorfia dos gestaltistas, e isto é tão im-
portante para a fruição estética oriental que este princípio está em-
butido nas claves principais da estética taoísta: Ressonância, Ritmo
Vital, Reticência e Vazio. Estes princípios, na verdade, de caráter
icônico, nortelam a construção do filme Luzazul.

As Claves Taoístas no Filme

Pela Ressonância, temos isomorfismo entre perceptor e percçe-


bido, ou seja, a união entre ego e não-ego. Este primeiro cânon da
estética taoísta visa conseguir a união entre a obra de arte e aquele
que a recebe. Corresponde à “empatia” ocidental de Theodor Lipps
ou Einfuhitng, isto é, projeção do sentimento; sentir-em, sentir-com,
Numa obra de arte concebida como metáfora de organismo vivo,
o papel da ressonância tende a despertar emoções e sentimentos no
organismo receptor, como qualidade de sentir.
Segundo o inonge taoísta, a idéia fundamental do ] Ching po-
de ser expressa numa só palavra: Ressonância. Para a visão cosmo-
gônica chinesa, o universo é um sistema harmônico de ressonâncias
onde as partes se correspondem e harmonizam no todo do cosmos.
O objetivo do artista taoísta é revelar estas harmonias subjacentes
à realidade por meio da empatia. Trata-se da sensação do estar fora
do tempo, da penetração nas coisas, da “memória involuntária” do

16. C. G. JUNG, “Prefácio”, in RICHARD WILHELM, 7 Ching, p. 17.


TRADUÇÃO ICÔNICA 203

já vivido: aqueles momentos fuigurantes da existência tão bem ex-


pressos pela categoria semiótica da primeiridade, ou seja, a quali-
dade de sentir, o estado de êxtase.
E em função da ressonância que a tessitura-ritmo do filme Lu-
zazul reverbera na urdidura da mente: estado d'alma se dilatando
em estado cósmico. Aspectos encantatórios, comoção intima. No
filme, o mapeamento em linhas contínuas do céu, que se pontua na
firmeza da terra (linha do horizonte), cria uma configuração rítmi-
ca cosmogônica que ressoa harmonicamente nos ritmos vitais da qua-
lidade de sentir do receptor.
O Céu é eterno, a Terra permanece
O Céu é eterno porque não busca sua existência em si mesmo
À Terra é permanente porque não busca sua existência em si mesma
E, por isso, perduram...!7

À segunda clave da estética taoísta é a consecução do “ritmo


vital”; chi, prana para os hindus e &i para os japoneses. Para o ar-
tista oriental; uma vez conseguida a empatia ou ressonância,
pretende-se captar o movimento vital de seu espírito através dos rit-
mos vitais da ratureza. Os orientais postulam a existência de uma
energia vital, o chi que circula pelo interior das““dez mil coisas”,
como substância ou princípio fundamenta! de todo o mundo físico:
seres viventes, inanimados, sólidos e gasosos, luz e calor, enfim, tu-
do o que existe no mundo materia! é formado desta energia primei-
ra. O chi exala das montanhas, onde vivem os espíritos sob forma
de nuvens, de brumas, de nevoeiros e da fumaça do incenso. Estas
imagens são representações míticas características do chi, Como força
da Energia Eterna, o chi se situa no coração dos exercícios de respi-
ração taoísta.
Para os orientais, tudo o que existe está formado por este prin-
cípio e o artista se encarrega da captação dessa energia: o chi é a
forma de expressão dos sentimentos. Em termos semióticos, o chi
equivale ao caráter primeiro das coisas, ao qualissigno, quer dizer,
àquela qualidade que faz parte inalienável do signo e que constitui
sua indiscernível verdade, uma vez que o signo nela está enraizado,
A captura do chi como sentimento de qualidade, como isomorfia
entre percebido e perceptor, entre sujeito e objeto, constitui-se a gran-
de empresa poética do artista. É por isso que toda arte é avessa às
ideologias e hierarquias que a sociedade lhe impõe.
A concepção da arte como chi implica que o artista deva cap-
tar a tensão própria e o qualis de cada coisa no exato momento da
interação de forças. É a representação do movimento do espírito por
meio dos ritmos vitais da natureza: o sorriso da Mona Lisa, por
exemplo, uma qualidade icônica capturada por Leonardo. À reali-
dade, para o oriental, é um equilíbrio continuamente em mudança.

17, LAO-TSE, Tao Te King, p. 31.


204 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Não existem seres ou situações delimitadas, senão jogos de forças


que, variando segundo a intensidade em sua interação, produzem
a mudança entre as coisas, O universo em crescimento, decadência
ou resistência é sempre uma tensão.
Os chineses conheciam a existência do cAi como forma de ener-
gia e a arte oriental busca deliberadamente transmitir o chi através
da alquimia perceptual, emocional e vital, Por isso, o artista taoísta
deve estar permeado de chi antes de começar qualquer obra. À sua
transmissão depende da ressonância entre o chi do artista e o chi
da coisa. Mas esta ressonância só pode vir dada pelo princípio de
isomorfia, ou seja, exatamente aquilo que, para nós, se constitui na
medula mesma dos processos de configuração no filme Luzazul
A terceira clave da estética taoísta consiste em dizer sem dizer,
suspendendo a mensagem, Esta não se dá. É apenas sugerida. Te-
mos, assim, o emprego da elipse, a reticência, a sugestão, exigindo
do espectador um estado de disponibilidade sensível. Na arte orien-
tal, quando as formas terminam, o significado ecoa além, como ir-
radiação. Trata-se de insinuar imagens que se evaporam sempre: *“no-
mear um objeto é destruir três quartas partes do prazer que consiste
na adivinhação gradativa de sua verdadeira natureza” (Mallarmé).
E para o exercício da sugestão, Leonardo aconselhava: “Olhe as man-
chas das paredes e das nuvens, tua mente despertará a novas visões”.
Do ponto de vista semiótico, o que o artista oriental procura
acentuar é o efeito do ambíguo, do evanescente, do aberto à inter-
pretação, quer dizer, o caráter de qualidade de sentimento inscrito
nos interpretantes imediatos e, portanto, nos objetos imediatos dos
signos. Também nessa medida, o filme buscou o lIuzir sensível da
idéia, sutilezas, qualidades capturadas, sugestão, insinuação. O sig-
no, então, se entretece numa rede de ambigúidades e de formas aber-
tas à sienificação. Mas isso só é conseguido pelo vazio que é gerado
nas oposições energéticas e inversões visuais transformativas atra-
vês dos elementos opostos: Céu-Mar, Terra-Água, oposições que ins-
talam entre seus componentes a espacialização como abertura que
se impõe ao tempo, dando a sugestão de grande vazio entre os obje-
tos, vazio que é preenchido mentalmente como um ícone. Não são
as coisas, mas as relações (espaços) entre elas: o princípio do haicai,
o Ma nos jardins de areia japoneses, ou conforme Lao-tse:
Trinta raios convergem, no círculo de uma roda,
E pelo espaço que há entre eles
Origina-se a utilidade da roda
A argila é trabalhada na forma de vasos
E no vazio origina-se a utilidade deles
Abrem-se portas e janelas nas paredes da casa
E pelos vazios é que podemos utilizá-la
Assim, da não existência vem à utilidade, e da existência a posse!?,

O espaço entre Céu e Terra se assemelha a um fole


Seu vazio é inesgotável, e quanto mais se move, mais surgirá delels,

18. Idem, p. 39.


19, Idem, p. 21.
8. Política e Poética
da Tradução intersemiótica

O artista é o tradutor universal


OCTAVIO PAZ

A tradução entre as diversas artes tem, na visão sincrônica da


história, a forma mais adequada e consubstancial a seu projeto. À
relação passado-presente constitui-se na realidade em dois pólos dia-
léticos cuja conjunção como opostos é necessária, uma vez que eles
se apresentam em qualquer projeto poético: mesmo quando a nega,
a origem de toda arte encontra-se sempre na arte precedente. O ar-
tista aprende (e ensina) do artista. Na tradução, entretanto, essa ca-
racterística se acentua. O espaço-tempo da tradução é o da coinci-
dência e da sincronia entre passado e presente, o da ressonância en-
tre formas artísticas.
O recorte da história como operação de seleção de momentos
de sensibilidade que dialogam com nosso presente está perpassado
não somente pela própria escolha sensível, mas também cria confi-
gurações antes inexistentes. Nessa medida, toda escolha do passa-
do, além de definir um projeto poético, define-se também como um
projeto político, dado que essas escolhas incidem sobre a arte do
presente.
A Tradução Intersemiótica de cunho poético pode ser contex-
tualizada de duas formas: primeira, face ao contexto da contempo-
raneidade da arte, isto é, como política; segunda, como prática ar-
tística dentro dessa contemporaneidade, isto é, como poética.
O fenômeno que chamamos de “pós-moderno”, caracterizado
pela oposição e crítica à modernidade, foi assim expresso por Octa-
vio Paz em Los Hijos del Limo;
Hoje somos testemunhas de uma outra mutação: à arte moderna começa a per-
der seus poderes de negação. Já faz anos que suas negações são repetições; a rebeldia
convertida em procedimento, a crítica em retórica, a transgressão em cerimônia.
206 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

À negação deixou de ser criadora. Não digo que vivemos o fim da arte: vivemos o
fim da idéia da arte moderna!.

O período da pós-modernidade, caracterizado por uma rejei-


ção às utopias da vanguarda (diga-se de passagem: os críticos pós-
modernos confundem os projetos teleonômicos, por vezes autoritá-
rios, dos manifestos com as obras de arte criadas pelas vanguardas
e que se revelaram criativamente produtivas), caracteriza-se também
por uma re-corrência à história, pela crítica do “novo”* (opondo con-
venção à invenção), pela recuperação da categoria do público, isto
é, por uma ênfase na recepção e, sobretudo, por uma imensa infíla-
ção babélica de linguagens, códigos e hibridização dos meios tecno-
lógicos que terminam por homogeneizar, pasteurizar e rasurar as
diferenças: tempo de mistura.
Na nossa contemporaneidade, a criação está dramaticamente
perpassada pela influência dos meios de repro-produção de lingua-
gens. Hoje, assistimos a uma transformação profunda e radical na
produção cultural que configura este momento histórico. Não mais
a dominância de sistemas artesanais ou mecânicos, mas de sistemas
eletrônicos que transmutam as formas de criação, geração, trans-
missão, conservação e percepção de informação. Estas forinas se
nos apresentam como um fenômeno novo que exige um outro mo-
do de aproximação, isto porque estas formas culturais são feitas por
processos de tradução de linguagens digitais que tendem cada vez
mais para a desmaterialização.
O caráter transductor e de interface das novas formas eletrôni-
cas, torna-se agora de uma importância ainda não avaliada na sua
dimensão exata. De fato, na sociedade tecnológica, a tendência ca-
da vez mais vai no sentido do uso de processos transcodificadores
e tradutores de informação entre diferentes linguagens e meios. As
invenções ligadas à telemática, informática, robótica etc., bem co-
mo os processos de computação sofisticados, tendem cada vez mais
a se tornar autônomos, usando processos de transducção que che-
gam até a criar signos cujos referentes imediatos são esses mesmos
processos.
Estas informações que circulam por múltiplos veículos e que
não se fixam em suportes determinados como os da era mecânica
e pré-industrial, se constituem em fenômenos *“pós-mídia””, “in mí-
dia"* ou “intermídia"”', que são, mais do que produtos, processos
de deslocamento e nova alocação de informação, vale dizer, pro-
cessos de transducção constante.
Estes processos infra-estruturais não poderiam deixar de influen-
ciar as formas estéticas e artísticas contemporâneas (produto da su-
perestrutura), seja na forma de produção, elaboração e recepção des-
sas formas, como na sua interação,

1. OCTAVIO PAZ, Los Hijos del Limo, Barcelona, Seix Barral, 1974, p. 195,
POLÍTICA E POÉTICA DA TI 207

No contexto multimídia da produção cultural, as artes artesa-


nais (do único), as artes industriais (do reprodutiível) e as artes ele-
trônicas (do disponível) se interpenetram (intermídia), se justapõem
(multimídia) e se traduzem (Tradução Intersemiótica), As artes de-
correntes destes processos se combinam, atravessam-se, contradizem-
se e retraduzem, organizando a produção da subjetividade e espon-
taneidade sob a dominância do eletrônico que performatiza TUDO.
O caráter inclusivo da eletrônica permite incorporar as artes co-
mo conteúdo ao mesmo tempo em que dirige seus procedimentos.
As formas artísticas eletrônicas e o próprio processo de produ-
ção se nos apresentam como reviravolta da história das formas ar-
tísticas e nos obrigam a repensar as inter-relações entre linguagens.
Neste sentido, as formas eletrônicas parecem delimitar algumas for-
mas de performance estética, como a produção de efeitos, a desrea-
lização do real e a tradução da história.
Os meios eletrônicos atuam como produtores de efeitos por si-
milaridade criando ressonância entre suas imagens e o espectador.
Atuando por montagem de qualidade, interrompem o fluxo da cons-
ciência e, portanto, da comunicação, São os meios-imagens que são
utilizados pelos artistas que trabalham as artes em combinação com
as tecnologias.
As imagens eletrônicas criam efeitos inclusivos, uma espécie de
videotaoísmo. Muito antes de serem reprodutivos, os meios possuem
qualidades materiais que lhes são próprias e que definem seu lado
sensível. As imagens que por eles circulam são imagens “virtuais”
de algo que pode vir a.ser, mas não é por muito tempo, e que se
desprendem das qualidades materiais dos suportes nos quais estão
incorporadas. Esta unicidade de aparência dos meios cria relações
ressonantes com o sujeito que percebe, Uma ressonância que sus-
pende o tempo de comunicação, um efeito de efêmero-eterno como
um Tao ou Aleph, Eis aí por que se diz que os meios, tais como
a TV, são hipnóticos e tautológicos.
Como estética da desreferenciação, os meios criam estranha-
mento e suspendem a relação causal entre imagem e objeto, Muito
mais do que referência, os meios criam modelos e simulacros de ob-
jetos possíveis alterando, portanto, as relações causais. As imagens,
tais como propostas pelos meios de comunicação, querem ser ve-
rossímeis, quando não é possível verificar o referente, criando por
isso mesmo, um imaginário ficcional que se contrapõe ao narrativo-
causal, isto é, a história. O cotidiano, no caso de comparação,
encontra-se “empobrecido” em relação à imagem “enriquecida” ne-
tos “efeitos especiais” (cor, montagem, cenografia, iluminação, mo-
vimentos de câmera, programas e softwares adequados) que se pro-
põem como efeitos encantatórios em instantes de qualidade. As fi-
guras e imagens, que eles geram, não referenciam o real mas o des-
realizam, assumindo uma forma de teatralidade como veículos de
representação imaginativa. Esta teatralidade pode ser definida aqui
POLÍTICA.E POÉTICA DA TI 207

No contexto multimídia da produção cultural, as artes artesa-


nais (do único), as artes industriais (do reprodutível) e as artes ele-
trônicas (do disponível) se interpenetram (intermídia), se justapõem
(multimídia) e se traduzem (Tradução Intersemiótica). As artes de-
correntes destes processos se combinam, atravessam-se, contradizem-
se e retraduzem, organizando a produção da subjetividade e espon-
taneidade sob a dominância do eletrônico que performatiza TUDO.
O caráter inclusivo da eletrônica permite incorporar as artes co-
mo conteúdo ao mesmo tempo em que dirige seus procedimentos.
As formas artísticas eletrônicas e o próprio processo de produ-
ção se nos apresentam como reviravolta da história das formas ar-
tísticas e nos obrigam a repensar as inter-relações entre linguagens.
Neste sentido, as formas eletrônicas parecem delimitar algumas for-
mas de performance estética, como a produção de efeitos, a desrea-
lização do real e a tradução da história.
Os meios eletrônicos atuam como produtores de efeitos por si-
milaridade criando ressonância entre suas imagens e o espectador,
Atuando por montagem de qualidade, interrompem o fluxo da cons-
ciência e, portanto, da comunicação, São os meios-imagens que são
utilizados pelos artistas que trabalham as artes em combinação com
as tecnologias.
As imagens eletrônicas criam efeitos inclusivos, uma espécie de
videotaoísmo. Muito antes de serem reprodutivos, os meios possuem
qualidades materiais que lhes são próprias e que definem seu lado
sensível. As imagens que por eles circulam são imagens “*“virtuais”
de algo que pode vir a ser, mas não é por muito tempo, e que se
desprendem das qualidades materiais dos suportes nos quais estão
incorporadas. Esta unicidade de aparência dos meios cria relações
ressonantes com o sujeito que percebe. Uma ressonância que sus-
pende o tempo de comunicação, um efeito de efêmero-eterno como
um Tao ou Aleph. Eis aí por que se diz que os meios, tais como
a TV, são hipnóticos e tautológicos.
Como estética da desreferenciação, os meios criam estranha-
mento e suspendem a relação causa! entre imagem e objeto. Muito
mais do que referência, os meios criam modelos e simulacros de ob-
jetos possíveis alterando, portanto, as relações causais. As imagens,
tais como propostas pelos meios de comunicação, querem ser ve-
rossímeis, quando não é possível verificar o referente, criando por
isso mesmo, um imaginário ficcional que se contrapõe ao narrativo-
causal, isto é, a história. O cotidiano, no caso de comparação,
encontra-se “empobrecido”* em relação à imagem “enriquecida” pe-
los “efeitos especiais” (cor, montagem, cenografia, iluminação, mo-
vimentos de câmera, programas e softwares adequados) que se pro-
põem como efeitos encantatórios em instantes de qualidade. As fi-
guras e imagens, que eles geram, não referenciam o real mas o des-
realizam, assumindo uma forma de teatralidade como veículos de
representação imaginativa. Esta teatralidade pode ser definida aqui
208 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

como efeitos que se querem imprimir nos espectadores e que não


têm correspondência como o real. É o universo pós-fotográfico, cujo
modelo mais acabado é o video-clip. Aqui, os meios desenvolvem
toda uma bateria de “jogos de linguagem”, através da retórica de
suas imagens que criam efeitos codificados e cifrados conforme o
mecanismo do sonho: metáfora e inetonímia. Suas representações
produzem nossa subjetividade e imaginário, amalgamando os egos
num superego impessoal.
De outro lado, a eletrônica, como melo-memória, recupera, tra-
duz e conserva o único da pré-história, as imagens-textos da histó-
ria, o reprodutível que o torna disponível em retorno instantâneo.
Traduzindo Oriente para Ocidente e vice-versa, incorporando as van-
guardas históricas até o ZEN, a eletrônica. faz circular TUDO, em
tecidos eletrônicos através dos chips de silício em teias-telas
planetárias.
Como transductores, e no melhor dos estilos, as linguagens ele-
trônicas incorporam o ZEN das “Três Perfeições”* (Poesia-Pintura-
Caligrafia), desenvolvendo-as em videografia luz-cor, assim como
a Poesia Concreta também traduziu o ideograma, desvelando a ima-
gem no texto (poema) e o texto na imagem (teoria). Transas entre
o sensível e o inteligível, como prelúdio do que acontece agora entre
artes e tecnologias que se guiam por modelos teórico-sensíveis, ou
seja, a tradução de imagens em textos e de textos em imagens. Salto
qualitativo para novas culturas e sensibilidade. O Oriente falando
por nós.
A contemporaneidade, assumindo o esgotamento das forinas
artísticas, declara a história como “Museu de Tudo”, como depó-
sito de linguagens. Numa situação como tal, segundo Adorno, só
restam três alternativas críticas:
1. a capitulação num silêncio total, como foi o caso de Webern;
2. permanecer conscientemente dentro da convenção, mostrando
seus limites através da iconia de um Nietzsche ou da paródia de
um Beckett;
3. a solução revolucionária pela criação de novas formas artísticas
como foi o caso de Schoenberg.
À essas alternativas eu acrescentaria uma quarta, isto é, a Tra-
dução Intersemiótica como diálogo crítico e “via de acesso mais in-
terior ao próprio miolo da tradição, (...) re-novar significa, então,
ler o novo no velho””2. Tradução como atividade Kícida e kídica que
se encaixa perfeitamente nesse período de pós-utopia como foi de-
nominado por Haroldo de Campos:
... à poesia pós-ufópica do presente tem, como poesia da agoridade, um dispo-
sitivo auxiliar essencial na operação tradutora. O tradutor, na expressão de Novalis,

2. JOÃO ALEXANDRE BARBOSA, “A Ilusão da Modernidade"", in Revista Através, nº


3, p. 50,
POLÍTICA E POÉTICA DA TI 209

“é o poeta do poeta", o poeta da poesia. A tradução permite recombinar critica-


mente a Pluralidade dos passados possíveis e presentificá-la como diferença, na uni-
cidade fic ef nunc do poema pós-utópico?.
Uma vez que nosso propósito é configurar nesta conclusão uma
espécie de arco-íris em relação à introdução, repetimos aqui a sínte-
se através da qual posicionamos este trabalho, ou seja, numa visão
co-extensiva à formulada por Haroldo de Campos a respeito da Tra-
dução Poética, concebemos a Tradução Intersemiótica como práti-
ca critico-criativa, como metacriação, como ação sobre estruturas
é eventos, como diálogo de signos, como um outro nas diferenças,
como síntese e re-escritura da história. Quer dizer: como pensamento
em signos, como trânsito de sentidos, como transcriação de formas
na historicidade.
Neste contexto, a Tradução Intersemiótica, pelo seu caráter de
abrangência, vale dizer, caracteres de mut!ti e interlinguagens, des-
mistifica os meios, evidenciando a relatividade dos suportes e lin-
guagens da história e os contemporâneos. Isto porque esses meios
é linguagens inscrevem seus caracteres nos objetos imediatos dos sig-
nos, intensificando a historicidade, tornando proeminente o trânsi-
to intersensorial, a sensibilidade contemporânea, a “transcultura-
ção”.
A Tradução Intersemiótica revela-se, assim, como dispositivo
que pensa as diversas formas da arte, onde a colaboração entre o
lúcido e o lúdico equivale ao amálgama entre pensamento lógico e
analógico, isto é, fusão entre Oriente-Ocidente, equilíbrio entre o
sensível e o inteligível.
Como prática artística a TI se consuma como recepção produ-
tiva ou consumo que é produção e se resolve na síntese entre o per-
sar e o fazer, uma vez que encapsula a atividade crítico-
metalingúística no bojo da criação. O lúdico informado pelo lúci-
do. É a prática da tradução, nessa medida, que nos permite recupe-
rar, na contemporaneidade, o sentido grego de poiesis como um fa-
zer que é, antes de tudo, uma técnica, ou melhor, fazer que “signi-
fica o saber que acompanha e se exprime no ato de criar, um produ-
zir sapiente”"*,
Esse saber, no entanto, conforme foi por nós enfatizado, é aque-
le que se constitui nas atividades próprias da arte; saber sensível das
formas. É por isso que a TI como transmutação criativa de aparên-
cias em aparências, como transcriação de formas, requer do tradu-
tor uma sensibilidade acurada em termos icôniços e repertoriais no
seu nível de fransductores ou legissignos, vale dizer, sensibilidade
para formas-significantes e a “construção dos efeitos” (Poe).

3. HAROLDO DE CAMPOS, “Poesia e Modernidade: O Poema Pós-utópico”", “Folhe-


tim”, Folha de São Paulo, 14.10.84, nº 404,
4. FERNANDO GUIMARÃES, apud 1. À. SEABRA, Poiética de Barthes, Brasília Edito-
ra, Portugal, 1980, p. 58.
210 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Se à própria prática da tradução é inseparável do saber teóri-


co, visto que este se embute naquela, uma teoria da TI, para ser fiel
a essa prática, tem de se resolver nos interstícios (intervalo). Tal co-
mo uma montagem ideogrâmica, a justaposição de ambos (teoria
e prática) não produz um terceiro termo, mas revela uma relação
essencial entre ambos. Assim, é na plasticidade da teoria semiótica
- — que permite e exige esses trânsitos do teórico ao prático, sem os
Guais não teria sido possível operacionalizar este trabalho — que
encontramos a confirmação para a postulação de Kurt Lewin de que,
para certos propósitos, “não há nada tão prático quanto uma boa
teoria”.
Enfim, o que cumpre dizer é que uma teoria da Tradução Poé-
tica Intersemiótica deve estar atenta ao operar da “fala” como ato
singular e individual e, sobretudo, como operação artística onde se
inscrevem as diferenças individuais. À operação tradutora poética
é essencialmente poético-artística. Uma teoria da Tradução interse-
miótica, em ritmo poético, ocupa-se de casos singulares de criação
e trata de generalizá-los. Desse modo, a tradução poética coloca ques-
tões que só podem ser reveladas ao nível da arte, pois esta é produ-
to da gangorra entre interpretantes, dada a impossibilidade de deli-
mitar um interpretarte final,
Finalmente, a tradução, como prática intersemiótica, depende
muito mais das qualidades criativas e repertoriais do tradutor, quer
dizer, de sua sensibilidade, do que da existência apriorística de um
cenjunto de normas e teorias: “para traduzir os poetas, há que saber-
se mostrar poeta”, Entretanto, julgamos possível ser pensada a tra-
dução também como forma de iluminar a prática. É para isso que
lhe dedicamos este esforço.
Bibliografia

ARNHEIM, Rudolf. El Pensamento Visual. Buenos Aires, Eudeba, 1971.


— . 9 Hacia una Psicologia del Arte: Artey Entropia, Madrid, Alian-
za Editorial, 1980.
BAKHTIN, (Volochinoy) Mikhail, Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo,
Hucitec, 1979,
BARBOSA, João Alexandre. “As Ilusões da Modernidade”, Revista Através, São
Paulo, Livraria Duas Cidades, 1979, pp. 81-96. [Publicado agora em livro, BAR-
BOSA, João Alexandre, As Ilusões da Modernidade, São Paulo, Perspectiva, 1986,
Debates 198,)
BENJAMIN, Walter. *“A Tarefa do Tradutor", Revista Humboldt, nº 40, Muni-
que, Bruckmann, 1979, pp. 38-44. (Tradução de Fernando Camacho.)
— . “La Obra de Arteenta Época de su Reproductibilidad Técni-
ca", In: Discursos Inferrumpidos. Madrid, Taurus, 1983.
BENSE, Max. Pequena Estética, São Paulo, Perspectiva, 1971. Debates 30.
BERGER, René. La Mutation des Sigres. Paris, Denõel, 1972,
BORGES, Jorge Luis. “Las Versiones Homéricas”". Obras Completas. Buenos Ai-
res, Emecé, 1974, pp. 239-243.
» “Los Traductores de las 1001 Noches"". Op. cif., pp. 397-413,
+ “Pierre Menard, Autor del Quijote”". Op. cit., pp. 444-450,
. “El Enigma de Edward Fitzgerald”, Op. cif., pp. 688-690.
——
e “Note sur Ezra Pound, Traducteur”". In: Cahier de L“Herne nº
6, Paris, 1965.
BRAGA, Maria Lúcia Santaella.* “Por uma Classificação da Linguagem Escrita”.
In: Produção de Linguagem e Ideologia. São Paulo, Cortez Editora, 1980, pp.
143-160.
—— e. “*“Dialogismo: Peirce e Bakhtine"", Revista Cruzeiro Semiótico
nº 2, Porto, Portugal. (No prelo).
212 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

CAMPOS, Augusto ef. al. Teoria da Poesia Concreta. São Paulo, Editora Duas Ci-
dades, 1575,
CAMPOS, Haroldo de. “Da Tradução como Criação e como Crítica”. Metalingua-
gem, Petrópolis, Vozes, 1967, pp. 21-28.
——
e .-— À Operação do Texto. São Paulo, Perspectiva, 1976, Col. De-
bates 134.
*“Transluciferação Mefistofáustica"”". In: Marginália Fáustica:
— Deus eo Diabo no Fausto de Goethe, São Paulo, Editora Perspectiva, 1981. Col.
Signos 9.
——&——— .AArtenoilorizontedo Provável, São Paulo, Perspectiva, 1969.
Col, Debates 16.
—. (org) Ideograma. São Paulo, Cultrix, 1977.
——————— .Rupturados&Gênerosna Literatura Latino-Americana, São Paulo.
Perspectiva, 1977. Col. Elos 6.
e. **Poesiae Modernidade: O Poema Pós-utópico”". “Folhetim”,
Folha de São Paulo, 14.10.84, nº 404.
ee — . **Tradução, Ideologia e História". In: Cadernos do MAM nº
1, Rio de Janeiro, dez. 1983,
+. *"Tradução:Fantasiae Fingimento”". “Folhetim”, Folha de São
Paulo, nº? 348, 18.9.1983.
——
——— "Minha Relação coma Tradução é Musical” (Entrevista a Ro-
drigo Figueira Naves). “Folhetim”º, Folha de São Paulo, 21.7.1983.
———&—&— "Haroldo de Campos: Olhar a Palavra...” (Entrevista a J.J.
Moraes). Jornal da Tarde, Caderno de Leituras, 3.10. 1981. São Paulo.
ano *“A Transcriação do Fausto". “Suplemento de Cultura” de O
Estado de São Paulo, 16.08.81, Ano ll, nº 62.
—— un. *Para Além do Princípio da Saudade”. “Folhetim”, Folha de
São Paulo, nº 412, 9.12.1984,
— ==. "Luz: a Escrita Paradisfaca"". In: Dante Alighieri 6 Cantos do
O Paraíso. Rio de Janeiro, Editora Fontana, 1975, pp. 9-19,
CATFORD, J. C. Uma Teoria Lingilística da Tradução. São Paulo, Cultrix, 1980.
GARCIA YEBRA, Valentin. En Torno a la Traducción. Madrid, Editorial Gredos,
1983.
JAKOBSON, Roman. "Aspectos Lingúísticos da Tradução". In: Linguística e Co-
municação, São Paulo, Cultrix, 1970, pp. 63.72.
o: “Dois Aspectos da Linguagem e Dois Tipos de Afasia”º. In: op.
cif., pp. 34.62.
LADMIRAL, Jean-René, A Tradução e os seus Problemas. Lisboa, Edições 70, 1980.
LANGER, Susanne K. Filosofia em Nova Chave. São Paulo, Perspectiva, 1970. Col.
Debates 33.
. Sentimento e Forma. São Paulo, Perspectiva, 1980. Col. Estu-
dos 44,
— —, Los Problemas del Arte. Buenos Aires, Ediciones Infinito, 1966.
MACLUHAN, Marshall. Os Meios como Extensões do Homem, São Paulo, Cul-
triz, 19569. (Tradução de Décio Pignatari).
— .etal. O Espaço na Poesia e na Pintura. São Paulo, Hemus, 1975.
MCLUHAN, Marshall & WATSON, WHlfred. Do Clichê ao Arquétipo. Rio de Ja-
neiro, Record, 1973. (Tradução de Ivan Pedro Martins.)
MOUNIN, Georges, Os Problemas Teóricos da Tradução, São Paulo, Cultrix, 1975.
PAZ, Octavio, “O Enigma das Línguas", “Suplemento Literário"* de O Estado de
São Paulo, 15.4.1984, São Paulo.
BIBLIOGRAFIA 213

e» “Teoria y Prática de la Traducción'*. in: El Signo y el Garabua-


to. México, J. Mortiz, 1975, pp. 57-109,
“Traducción: Literatura y Literalidad”'. In: Cuardernos Margi-
nales 18. Barcelona, Tusquets Editor, 1971, pp. 7.19.
“Traducción y Metafora”'. In: Los Hijos del Limo,. Barcelona,
Seix Barral, 1974, pp. 115-141.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo. Perspectiva, 1977. Col. Estudos 46,
« Semiótica e Filosofia. São Paulo, Cultrix, 1975,
. “Escritos Coligidos”", In; Os Pensadores. São Paulo, Editora
Abril, 1974.
. Coliected Papers, Harvard Press, 8 v.
PIGNATARI, Décio. “Semiótica da Montagem”, Revista Através. São Paulo, Edi-
tora Martins Fontes, 1982.
PLAZA, Julio. V-Ideografia em Videotexto. São Paulo, Hucitec, 1986.
e. “Reflextions of and on Theories of Translations”. Dispositio,
Revista Hipánica de Semiótica Literária, v. VI. Summer-Fall, 1981, nº 17-18, Uni-
versity of Michigan.
RÓNAI, Paulo. Escola de Tradutores. Rio de Janeiro, Educom, 1976.
«. A Tradução Vivida. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981. Co-
leção Logos.
STEINER, George. After Babel. New York, Oxford University Press, 1975.
THEODOR, Erwin. Tradução: Ofício e Arte. São Paulo, Cultrix, 1976.
VALESIO, Paolo. “The Virtues of Traducement"”'. Semiótica, 18:1, 1976, pp. 1-96.
VALÉRY, Paul. “Variations sur les Bucoliques”*. In; Oeuvres 1, Paris, Gallimard,
1957, pp. 207-222.
e. “L'Invention Esthétique". In Oeuvres 1, Paris, 1957, pp.
1412-1415.

GERAL
ANDERSON, Donald M. The Art of Writfen Forms. New York, Holt, Rinehart and
Winston, Inc., 1969.
BARTHES, Roland. Novos Ensaios Críticos, O Grau Zero da Escrifura. São Paulo,
Cultrix, 1974.
BATESON, Gregory. Metalogos. Buenos Aires, Tiempo Contemporáneo, 1969.
BENJAMIN, Water. “Teses de Filosofia da História”. In: Discursos Interrumpi-
dos IT. Madrid, Taurus, 1973, pp. 175-191,
. A Modernidade e 05 Modernos. Rio de Janeiro, Tempo Brasilei-
ro, 1975.
BLOFELD, John. 1 Ching: O Livro das Mutações. 3. ed, Rio de Janeiro, Record, s.d.
BONIN, Serge. Initiation a la Graphigue. Paris, Epi S. S. Editeurs, 1975,
BRAGA, Maria Lúcia Santaella, Produção de Linguagem e Ideologia, São Paulo,
Cortez Editora, 1980.
BUCZYNSKA-GAREWICZ, H. “Sign and Dialogue". American Journal of Se-
miotfcs, nº 1-2, v. 2, 1983, p. 2.
CAÁLVET DE MAGALHÃES, Theresa. Un, deux, trois categories foundamentates.
João Pessoa, Editora Universitária, UFPB, 1980.
CAMPOS, Augusto. “Música/70 Anos de John Cage: O Profeta e Guerrilheiro da
Arte Interdisciplinar”. Folha de São Paulo, 05.9.1982, São Paulo, p. 44.
214 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

CHERRY, Colin. A Comunicação Humana, São Paulo, Cultrix, 1971,


COKE, Yan Derén. The Painter and the Photograph. Albuquerque University of New
México Press, 1972,
CONRADO, A!'domar (org.). O Teatra de Meyerhoid, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1969,
CORRAZE, Jacques. As Comunicações Não Verbais. Rio de Janeiro, Zahar Edito-
res, 1980.
D'ALESSIO FERRARA, Lucrécia. A Estratégia dos Signos. São Paulo, Perspecti-
va, 1981. Col. Estudos 79.
DAUCHER, Hans. Visión Artística y Visión Racionalizada. Barcelona, Gustavo Gili,
1978.
DAVIS, Flora. La Comunicación No Verbal. Madrid, Alianza Editorial, 1976.
DERRIDÁA, Jacques. Gramatologia. São Paulo, Perspectiva, 1973. Col, Estudos 16.
ECO, Umberto, À Estrutura Ausente, São Paulo, Perspectiva, 1971. Col. Estudos 6.
+ Obra Aberta. São Pauio, Perspectiva, 1981, Col. Debates 4.
EIKHENBAUM et al. Teoria da Literatura: Formalistas Russos. Porto Alegre, Edi-
tora Globo, 1976.
EISENSTEIN, S. M. Cinematisme, Peinture et Cinéma, Bruxelles, Complexe, 1980,
» Reflexões de um Cineasta, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1969,
- La non-indifférence nature, Paris, Union Générale d' Editions,
1976.
es Da Revolução à Arte, da Arte à Revolução. Lisboa, Editora Pre-
sença, 1974,
The Film Sense. Londres, Faber and Faber Limited, 1948.
« Film Form. Londres, Dennis Dobson Ltd,, 1949,
—=—
——. >9 Couraçado Potemkin. São Paulo, Global Editora, 1980.
ENGELS, Friedrich. À Dialética da Natureza. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
EL CEREBRO. Investigación y Ciência Scientific American, nº 38, noviembre de
1979. Barcelona, Prensa Científica S.A.
ENZENSBERGER, Hans Magnus, “As Aporias da Vanguarda"". In: Vanguarda e
Modernidade, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, nº 26-27, jan.-mar. 1971, pp.
85-112.
FENOLLOSA, Ernest. “Os Caracteres da Escrita Chinesa como Instrumento para
a Poesia”", In: CAMPOS, Haroldo de (org.). Ideogranta. São Paulo, Cultrix, Ed.
da Universidade de São Paulo, 1977, pp. 115-163.
FREUD, Sigmund. “Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente”, In: Obras Com-
Pbletas, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1969.
FRYE, Northtop. O Carrinho Crítico, São Paulo, Perspectiva, 1973, Col. Debates 79.
FIEDLER, Konrad, De la Esencia del Arte. Buenos Aires, Nueva Visión, 1958.
FOCILLON, Henri. Vida das Formas. Rio de Janeiro, Zahar, 1983.
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas, São Paulo, Martins Fontes Editora
Ltda., s. d.
GHYKA, Matila C. Estética de las Proporciones, Barcelona, Poseidon, 1977.
GIBSON, J. James, La Percepción del Mundo Visual, Buenos Aires, Infinito, 1974.
—————————. “Pictures, Perspective and Perception"", Daedalus LXXXIX
(Winter, 1960), pp. 216-270.
+ “What is a Form?” Psychological Review, v. 58, pp. 403-412.
*“Théorie de la Perception Picturale"', In: KEPES, Gyorgy (org.).
Signe, Image, Symbole. Bruxelles, La Connaissance, 1968, pp. 9232-107.
BIBLIOGRAFIA 215

GOMBRICH, E, H, Arte e Ilusión, Barcelona, Gustavo Gili, 1979,


+ “Image and Code; Seope and Limits of Convencionalism in Pic-
toriai Representation"', In; !mage and Code, Ed, by Wendy Steiner, University
of Michigan, 1981, pp. 11-43,
. Ideales e Idolos. Barcelona, Gustavo Gili, 1980,
« El Sentido de Ordem. Barcelona, Gustavo Gili, 1980.
e , e GREGORY, R.L., Hlusion in Nature and Art. New York, Char-
les Screiber's and Sons, 1980,
GOODMAN, Nelson. Los Lenguajes del Arte. Barcelona, Seix y Barral, 1976,
GUILLAUME, Paul. Psicologia da Forma. São Paulo, Editora Nacional, 1966.
HALL, Edward T. The Silent Language. New York, Anchor Books, 1973.
. Más allá de la Cultura. Barcelona, Gustavo Gili, 1978.
— .A4A Dimensão Oculta. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves
Editora S.A., 1977.
HATHERLEY, Ana. O Espaço Crítico do Simbolismo à Vanguarda, Lisboa, Edito-
ria! Caminho, 1979,
HUBIG, Christoph. “It is Possibleto Apply the Concept *Interpretant* to Diverging
Fields Uniformly?”. In: Proceedings of the C, S, Peirce Bicentennial Congress,
Texas Tech, Press, 1981, pp. 71-75.
JAKOBSON, Roman. Lingiiística. Poéfica, Cinema, São Paulo, Perspectiva, 1570.
Col. Debates 22.
« Seis Lições sobre o Som e o Sentido. Lisboa, Moraes Editores,
1977,
——
e. Lingiiística e Comunicação, São Paulo, Cultrix, 1969.
KEPES, Gyorgy (org.). Signe, Image, Symbole, Bruxelles, La Conaissance, 1968.
. El Lenguaje de la Visión. Buenos Aires, Infinito, 1969.
e (org.). Structure in the Arts and in Science. New York, George
Braziller, Inc., 1965.
KOELER, Wolfgang. Princípios da Gestait. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1968.
KOFFKA, Kurt, Princípios de Psicologia da Gestalt. São Paulo, Cultrix, 1975.
KOTHE, Flávia, “O Pensamento, a História"'. Revista Tempo Brasileiro, nº 47, out.
-dez, 1976.
LAO-TSE. Tao Te King. São Paulo, Hermes, 1983.
LEMINSKI, Paulo. Bashô. São Paulo, Brasiliense, 1984.
LÉVI-STRAUSS, Claude. La Pensée Sauvage. Paris, Plon, 1962.
o . Estéticay Semiótica del Cine. Barcelona, Gustavo Gili, 1979,
MACHADO, Arlindo. À Husão Especular. São Paulo, Brasiliense, 1984.
——— ——.. Os NhMeiossãoasMassa-gens, Rio de Janeiro, Distribuidora Re-
cord, 1969.
MALRAUX, André. “Le Musée Imaginaire"". In: Les Voix du Silence. Paris, La
Galerie de !a Pléiade, 1953, pp. 11-126.
MARTIN, Marcel, A Linguagem Cinematográfica. Lisboa, Prelo, 1971.
MARX, Karl. “Para a Crítica da Economia Política”. In: Os Pensadores, São Pau-
lo, Abril Cu'tural, 1978, pp. 109-139,
MARX-ENGELS. Sobre Literatura e Árte. São Paulo, Global Editora, 1979.
MAYENOVA, Maria Renata. “Verbal Texts and Iconic-Visua! Texts". In: Image
an Code. Ed, by Wendy Steiner, University of Michigan, 1981, 5p. 133-138.
MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutemberg. São Paulo, Editora Nacional, 1972.
216 TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

MILNER, John. “On the Fusion of Verbal and Visual Media”, Leonardo, v. 9, nº
1, winter 1976, Pergamon Press.
MITCHELL, W, J. T. “Spacial Form in Literature: Toward a General Theory".
In: The Language of Images. Ed, by W. T, Mitchell, The University of Chicago
Press, 1980, pp. 271-300.
MOLES, Abraham. Rumos de uma Cultura Tecnológica. São Paulo, Perspectiva,
1973, Col, Debates 58,
MONDRIAN, Piet. Arte Plástico y Arte Plástico Puro. Buenos Aires, Editorial Vic-
tor Leru, 1961.
MUKAROVSKY, Jan. Escritos de Estética y Semiótica. Barcelona, Gustavo Gili, 1977.
e.» Ártey Semiologia. Madrid, Alberto Corazón Editor, 1971.
MUNFORD, Lewis. Arte e Técnica. São Paulo, Martins Fontes, 1980.
MUNRO, Thomas. The Arts and Their Interrelations. London and Cleveland, The
Press Case Western Reserve University, 1969.
OEHLER, Klauss. “Peirce's Foudation of a Semiotic Theory of Cognition". In: Peirce
Studies, Texas Tech. Press. 1979, pp. 67-76. ,
PIGNATARI, Décio. “A Ilusão da Contigliidade”. Através, nº 1, São Paulo, Duas
Cidades, 1977, pp. 30-38.
. Semiótica da Arte e da Arquitetura. São Paulo, Cultrix, 1981,
. Semiótica e Literaíura. São Paulo, Perspectiva, 1974. Col. De-
bates 93.
+» Corunicação Poética. São Paulo, Cortez e Moraes, 1977.
. “Metalinguagem da Arte", Escrita, nº 9, São Paulo, 1976.
Informação, Linguagem, Comunicação. São Paulo, Cultrix, 1980.
Contracomunicação, São Paulo, Perspectiva, 1971. Col. Deba-
tes 44.
POE, Edgar Allan, “The Philosophy of Composition**. In: Sefected Writings, Pen-
Buin, 1974, pp. 480492.
POUND, Ezra, A. 8. C., da Literatura, São Paulo, Cultrix, 1970.
A Arte da Poesia, São Paulo, Cultrix, 1976.
PRAZ, Mario. Literatura e Artes Visuais. São Paulo, Cultrix, 1982.
PRIETO, Luis. Sinais. São Paulo, Cultrix, 1974.
RAMIREZ, Juan Antonio. Medios de Masas e Historia del Arte, Madrid, Ediciones
Câtedra S, ÀA., 1976.
RANSDELL, Joseph. “The Epistemic Function of Iconicity in Perception"'. In: Peirce
Studies, Texas Tech. Press, 1979, pp. 51-67.
. Imagen a Idéa, México, Fondo de Cultura" Económica, 1957.
RICHARD, [. A. e OGDEN, K. O Significado do Significado, São Paulo, Cultrix,
1971.
ROSENTHAL, Sandra B. “Charles Sanders Peirce: Pragmatism, Semiotic, Struc-
ture and Lived Perceptual Experience”. In: Proceedings of Ch. S. Peirce Bicen-
fennial Congress. Texas Tech. Press, 1981, pp. 147-154.
ROUANET, Sérgio Paulo, Édipo e o Anjo: Hinerários Freudianos em Walter Ben-
Jamnin. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1981.
SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo, Brasiliense, 1983.
+ (Arte) & (Cultura) Equívocos do Elitismo. São Faulo, Editora
Cortez, 1982.
SAUSSURE, Ferdinand de, Curso de Linguística Geral. São Paulo, Cultrix, 1975,
BIBLIOGRAFIA 217

SCHNAIDERMAN, Boris. Semiótica Russa. São Paulo, Perspectiva, 1979. Col. De-
bates nº 162
SCOTT, F. *“Process from the Peirce Point of View: Some Applications to Art”.
American Journal of Semioties, v. 2, nº 1, 2, 1983.
SEABRA, José Augusto. Poética de Barthes. Portugal, Brasília Editora, 1980.
SKLOVSKI, Victor. La Cuerda del Arco: Sobre la Dissimilitud de lo Simil, Barcelo-
na, Editorial Planeta, 1975.
SMITH, C. M, “The Aesthetics of C. 8, Peirce". The Jounal of Aesthetics and Art
Criticism, 31, 7/Fall, 1972.
SOURIAU, Etienne. À Correspondência das Artes. São Paulo, Cultrix, 1982.
TINIANOV, Iuri. O Problema da Linguagem Poética 1: O Ritho como Elemento
Construtivo do Verso, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1575,
O Problema da Linguagem Poética II: O Sentido da Palavra Poé-
tica. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975,
VALÉRY, Paul. “Introduction à la Méthode de Léonard da Vinci”. In: Oeuvres
7, Paris, Gallimard, 1957, pp. 1153-1199.

e. “Variations sur les Bucoliques”", In; Oeuvres 1, Paris, Gallimard,
1957, pp. 207-222.
« “Pieces sur art", In: OeuvresII, Paris, Gallimard, 1957, p. 1284.
« “Mélange c'est 'esprit"”". In: Oeuvres 1, Paris, Gallimard, 1957,
p. 286.
WIENER, Norbert. Cibernética y Sociedad. Buenos Aires, Editorial Sudamericana,
1969.
«. Cibernética. São Paulo, Polígono e Universidade São Paulo, 1970.
WILHELM, Hellmut. Eight Lectures on the 1 Ching. Princeton University Press, 1973,
WILHELM, Richard. La Sabiduria del I Ching. Barcelona, Guadarrama, Punto Ome-
ga, 1977.
WORRINGUER, W. Abstracción y Natureleza, México, Fondo de Cultura Econó-
mica, 1953.
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Bartra Gráfica é Editora Ltda

Você também pode gostar