Protocolo CONVULSÕES NEONATAIS

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DEPARTAMENTO DE PEDIATRIA

SERVICO DE NEONATOLOGIA

PROTOCOLOS DE SEGUIMENTO

CONVULSÕES NEONATAIS

Dra. Ana Rosa Araujo. Pediatra, Hospital Central de Nampula, Serviço de Neonatologia. Page 1
Introdução
As convulsões nos RNs ocorrem entre 3,8-14 por mil nascimentos, aproximadamente 1% de todos os RNs.
Nos RNs de baixo peso admitidos na UTI, a incidência é de 20%. As convulsões têm valor como indicadores,
tanto de morbidade como de mortalidade neonatais.

O fato de o RN não apresentar convulsões corticais sincrônicas generalizadas deve-se a características


neuroanatómicas como proliferação glial, migração de neurônios, contactos axonais e dendríticos complexos,
incompleta deposição de mielina e predomínio de sinapses inibitórias.

É definida, clinicamente, como uma alteração paroxística da função neurológica (por ex: estado de
consciência, função motora, ou da função sensitiva). São as manifestações mais frequentes de doença
neurológica séria nos RNs.

Em crianças maiores e no adulto é muito fácil estabelecer o diagnóstico de convulsões. No RN, em virtude
da sua imaturidade do córtex cerebral, as manifestações são variáveis, sendo necessária, muita atenção, e
experiência, para o reconhecimento da convulsão nessa fase da vida.

Etiopatogenia
O tratamento adequado das convulsões baseia-se no seu diagnóstico etiológico. A tabela abaixo mostra a
frequência destas causas, assim como a idade em que as convulsões aparecem e a maturidade do RN:

Idade pós natal Idade gestacional


Frequência Etiologia
0-3 dias 3 dias RNPT RNT
Asfixia perinatal (EHI) X XXX XXX
Hemorragia intracraniana (HIC)
 Subaracnoide
75%
 Periventricular ou X XX XX
intraventricular
 Subdural
9% Hipoglicemia X XX X
13% Hipocalcemia X X X XX
Infeção
 Meningite
12%  Encefalite X XX XX
 TORCH, sífilis
 Abcesso cerebral
12% Defeitos do desenvolvimento X X XX XX

A despolarização ocorre devido a uma migração intracelular de sódio, enquanto a repolarização faz-se
devido a um efluxo de potássio. A convulsão ocorre quando há um excesso de despolarização, resultando de
uma descarga elétrica excessiva e sincrónica.

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As principais causas para o excesso de despolarização são:
Falha na bomba de sódio-potássio devido a um distúrbio na produção de energia
Relativo excesso da excitação versus inibição
Deficiência inibitória versus excitatória
Alteração na membrana neuronal causando inibição do movimento de sódio.

Entretanto o mecanismo básico das convulsões neonatais permanece desconhecido

Asfixia perinatal
É a causa mais frequente de convulsões no RN. Ocorre dentro das primeiras 24h de vida e podem
progredir para o status epilético. No RNPT, as convulsões são geralmente tónica generalizadas, enquanto no
RNT são do tipo clónicas multifocais. Entretanto, as convulsões subtis são dos dois tipos.

Hemorragia intracraniana
A hemorragia subaracnoide, periventricular ou intraventricular normalmente ocorrem como resultado de
uma lesão hipoxia, enquanto a hemorragia subdural é resultado de um trauma.

Hemorragia subaracnoide
Na hemorragia primária, as convulsões ocorrem no 2º dia pós-natal e o RN permanece calmo no período
inter-ictal

Hemorragia periventricular e intraventricular


O envolvimento da matriz germinal subependimária é acompanhada por convulsões subtis, postura de
descerebração ou convulsões tónicas generalizadas, dependendo da gravidade da hemorragia.

Hemorragia subdural
É caracterizada por convulsões focais e sinais focais cerebrais

Distúrbios metabólicos

Hipoglicemia
É frequente em RN com RCIU ou em filhos de mães diabéticas. A duração da hipoglicemia e o tempo até ao
início do tratamento da hipoglicémia é que determina o aparecimento das convulsões. Quando a duração da
hipoglicemia é mais curta as convulsões são menos frequentes.

Hipocalcemia
É mais frequente nos RNs com baixo peso ao nascer, nos filhos de mãe diabética, nos asfixiados, nos com
Síndrome de Di George e em filhos de mães com hiperparatiroídismo. Frequentemente está associada à
hipomagnesemia.

Hiponatremia
Ocorre devido a um inadequado balanço hídrico ou como resultado do síndrome da secreção inapropriada
da hormona antidiurética (SIHAD).

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Hipernatremia
É observada na desidratação como resultado no inadequado aporte alimentar (LM), uso excessivo de
bicarbonato de sódio ou diluição incorreta de LA.

Infeções
Infeções intracranianas bacterianas ou não bacterianas podem ser adquiridas, pelo RN, durante a gravidez,
no parto e no período imediato pós-natal.

Infeções bacterianas
Os agentes mais frequentes são o SGB, Escherichia coli, Listeria monocytogenes. As convulsões ocorrem
durante a primeira semana de vida.

Infeções não bacterianas


Os agentes mais frequentes são: toxoplasma, herpes, CMV, rubéola e coxsackie B

Drogas/Medicamentos
Existem 3 grupos de drogas, utilizadas pela mãe, antes do nascimento, que podem provocam adição
passiva e síndrome de abstinência. São: os analgésicos como a heroína, metadona e propoxifeno; os sedativo-
hipnóticos como o secobarbital e o álcool.

Substâncias tóxicas
Hiperbilirrubinemia (Kernicterus);
Anestésicos locais;
Hipervitaminose A.

Apresentação clínica
É muito importante compreender que as convulsões no período neonatal são diferentes das convulsões na
criança maior. Esta diferença é, provavelmente, devido ao desenvolvimento neuroanatómico e
neurofisiológico do RN. No cérebro neonatal, a proliferação de células da glia, a migração neuronal, o
estabelecimento das conceções axonais e dendríticos e a deposição de mielina são incompletos. São
reconhecidos 4 tipos de convulsões de acordo com a apresentação clínica.

Sutil
Estas convulsões não são claramente, tónica, clónicas ou mioclónicas e são mais comuns no RNPT. Estão
muito frequentemente associadas a alterações no EEG. Elas consistem num desvio horizontal dos olhos com
ou sem pestanejar repetido, movimento de sucção ou bucolingual, movimento de membro superior “Boxing
ou swimming” ou dos membros inferiores - pedalar, apneia associadas a alterações do EEG e palidez.

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Tônica
Ocorre principalmente no RNPT com hemorragia intraventricular, hipoxia grave e kernicterus. Existem 2
tipos de convulsões tónicas.
Focais – postura assimétrica do tronco ou do pescoço ou de ambos, associado a alterações do EEG
Generalizadas – extensão tônica dos membros superiores e inferiores (como postura de descerebração)
ou, às vezes flexão dos membros superiores, mãos fechadas, com extensão dos membros inferiores (como
postura de descorticação). Associa-se sinal ocular ou apneia. Normalmente com alterações do EEG

Clónica
São mais comuns no RNT associadas a alterações do EEG. Existem 2 tipos de convulsões clónicas
Focais – bem localizada, movimentos rítmicos, 1 a 3 por segundo em um braço, perna ou lado da face.
Normalmente os RNs não estão inconscientes durante as convulsões.
Multifocais – movimentos clónicos de um ou de outro membro que migra para outra parte do corpo. Mais
encontrada em RN a termo.

Mioclónica
São observadas em ambos, RNPT ou RNT e são caraterizadas por isolados ou múltiplos movimentos
sincrónico. Existem 3 tipos de convulsões mioclónicas
Focais – envolve os músculos flexores dos membros superiores e raramente estão associadas com
alterações do EEG
Multifocais – movimentos assincrónicos de várias partes do corpo e raramente associados com alterações
do EEG
Generalizadas – movimentos bilaterais de flexão dos membros superiores e, por vezes, dos inferiores.
Estão mais frequentemente associados a alterações do EEG. Raro no período neonatal.
Os tremores constituem um movimento desordenado que é frequentemente confundido com convulsão.
Os tremores não são acompanhados por movimentos anormais dos olhos e cessam com aplicação de flexão
passiva.

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Resumo das características clínicas das convulsões
Tipo de
Principais manifestações
convulsão
Mais frequente nos RNPT e associadas a alterações no EEG
 Pestanejar repetitivo, desvio dos olhos, fixação do olhar
Sutil  Movimentos repetitivos da boca ou da língua
 Apneia
 Movimentos de pedalar
Mais frequente nos RNPT com hemorragia intraventricular, hipoxia grave e kernicterus
 Focais – Extensão tónica de membro ou membros, associada a alterações do EEG
Tónica
 Generalizada – Flexão tónica de membros superiores, extensão dos membros
inferiores, associa-se a sinal ocular ou apneia. Normalmente com alterações do EEG
Mais comuns no RNT associada a alterações do EEG
 Movimentos multifocais, sincrónicos ou assincrónicos dos membros
 Movimentos repetitivos, súbitos dos membros
Clónica
 Progressão não ordenada
 Movimentos clónicos repetitivos localizados de membros com preservação da
consciência
Em ambos RNPT e RNT raramente associada a alterações no EEG
 Focais – x envolve os músculos flexores dos membros superiores
 Multifocais – movimentos assincrónicos de várias partes do corpo
Mioclónica
 Generalizadas – movimentos bilaterais de flexão dos membros superiores e, por
vezes, dos inferiores. Estão mais frequentemente associados a alterações do EEG.
Raro no período neonatal.

Diagnóstico
Muitos diagnósticos etiológicos podem ser estabelecidos rapidamente com uma adequada história c:línica
que englobe aspetos como: antecedentes familiares, utilização de drogas pela mãe, qual a condições do RN ao
nascer, antecedentes de infeção materna na gestação e qual a época do início das convulsões.

Devemos fazer um exame clínico pormenorizado com enfase no exame neurológicos onde devemos
pesquisar: nível de consciência; tónus; reflexos básicos (simétricos ou assimétricos; aumentados ou
diminuídos); fontanela (abaulada e/ou hipertensa); perímetro cefálico e o fundo de olho (hemorragia
retiniana, coriorretinite e tamanho da pupila e sua reação à luz).

Laboratório
Os exames de laboratório pedidos devem ir de acordo com a informação colhida na história clínica e no
exame do RN.
Hemograma com diferencial – para investigar uma possível causa infeciosa e policitemia
Serologia – fazer serologia para investigar a possibilidade de alguma infeção congénita.
Bioquímica – onde se inclui doseamento da glicemia, dos eletrólitos e iões e estudo da função renal e
hepática
Exame do LCR – para investigar uma possível meningite bacteriana o mais precoce possível, uma vez
que o atraso no tratamento ou o não tratamento é grave e pode ser fatal
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Quando temos história familiar de convulsões, um cheiro particular do RN, intolerância ao leite, acidose,
alcalose ou convulsões que não respondem aos anticonvulsivantes, deveremos pesquisar causa metabólicas
para as convulsões. Os testes que deveremos pedir são:
Doseamentos dos níveis sanguíneos de amónia
Doseamento de aminoácidos na urina e no plasma

Imagem e outros meios diagnósticos


Os exames de imagem que nos podem auxiliar no diagnóstico são:
Ecografia transfontanelar
TAC cerebral
RMN cerebral
EEG pode ser efetuado nos primeiros dias em que se manifestam as convulsões. Ele é mais útil nas
convulsões subtis, de difícil diagnóstico clínico, porque nos permite observar as convulsões e trata-las
mais precocemente.

Tratamento
O tratamento das convulsões é uma emergência, porque a repetição de convulsões pode causar dano
cerebral. O método de tratamento depende da causa. É importante a opinião de um neurologista. O
tratamento ótimo das convulsões é controverso e existe uma grande variação entre os centros de tratamento
neonatal, especialmente no que diz respeito ao uso de anticonvulsivantes

Medidas gerais
As medidas gerais são:
Decúbito elevado (tórax e cabeça um pouco mais elevado que o restante corpo)
Posição correta do pescoço, com certa retificação, para facilitar a respiração
Manter as vias aéreas superiores livres de secreções
Manter o RN bem aquecido (temperatura em torno dos 36,5ºC)
Manter ventilação e perfusão adequadas
Dependendo do quadro, avaliar a necessidade de suspender a dieta, administrando líquidos, calorias e
eletrólitos por via EV
Controle dos sinais vitais
Manusear o RN delicadamente

Hipoglicemia
Administrar dextrose a 10% da seguinte forma:
Ataque: 2 – 4 ml/Kg em bolus EV
Manutenção: 6 – 8 mg/Kg/min por infusão continua.

Hipocalcemia
Administrar gluconato de cálcio a 10% da seguinte forma:
Ataque: 100 – 200 mg/Kg diluído em dextrose ou S.F por via EV durante 10 a 30 minutos
Manutenção EV: 200 – 800 mg/Kg/dia de 6/6h por infusão continua numa taxa de infusão máxima de 50 –
100 mg/min de cálcio
Manutenção oral: 200 – 800 mg/Kg/dia de 6/6h associado às refeições

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Terapêutica anticonvulsivante

Fenobarbital
Dose de ataque – 20mg/Kg/dose, EV, por 5 a 10 min. Se persistirem dar 2 doses de 10mg/Kg/dose, EV,
com intervalo de 20 a 30 min (dose total 40mg/Kg). Nos RNs com hipoxia grave não se recomenda
ultrapassar a dose de ataque de 20mg/Kg/dose
Dose de manutenção – 3-4mg/Kg/dia, EV ou PO, (12h a 24h apos a dose de ataque) de 12/12h ou de
24/24h

Midazolan
Dose de ataque – 0,15mg/Kg/dose, EV, por 5 min.
Dose de manutenção – 0,06-0,4mg/Kg/h, EV em infusão continua, 12h apos a dose de ataque e
reduzindo gradualmente em 1µg/Kg/min de 15/15min.

Fenitoina
Dose de ataque – 15-20mg/Kg/dose, EV, por 30 min. -
Dose de manutenção – 4-8mg/Kg/dia, EV ou PO, (24h apos a dose de ataque) de 24/24h

Prognóstico
O determinante mais importante do prognóstico e a causa subjacente das convulsões. O inicio precoce,
convulsões mais frequentes ou prolongadas e aquelas refratarias a vários anticonvulsivantes estão associadas
a mau prognostico, pois estes aspetos refletem a gravidade da lesão subjacente.

As características observadas no EEG inter-ictal são de valor prognóstico. Um EEG inter-ictal normal, está
associado a bom prognóstico e desenvolvimento normal em >85% dos casos. Um EEG inter-ictal anormal está
associado a desenvolvimento anormal na maioria dos casos. Em 25% a 30% dos casos das convulsões
neonatais o EEG é inconclusivo e está associado a um prognóstico incerto.

Prevenção
Adequada assistência pré-natal
Seguimento adequado do trabalho departo
Boa assistência ao RN na sala de parto e no berçário

Referencias
1. Gomella, T. L.; Cunningham, M. D,; Eyal, F. G. Neonatology – Management, Procedures, On-Call Problems,
Diseases and Drugs. 6th Ed. New York: McGraw Hill, 2009. p. 31-47; 324-329.
2. Cloherty, J. P.; Einchenwald, E. C.; Stark, A. R. Manual de Neonatologia. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005. p. 31-36; 126-129.
3. Simões, A. Manual de Neonatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 497-506.
4. Young, T. E.; Mangum B. Neofax 2010. 23° ed. Thomson Reuters, 2010.

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