INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO POR KLEBSIELLA Sp. MULTIRRESISTENTE EM FELINO DOENTE RENAL CRÔNICO - RELATO DE CASO

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Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE

10.51891/rease.v9i5.10121

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO POR KLEBSIELLA sp. MULTIRRESISTENTE


EM FELINO DOENTE RENAL CRÔNICO – RELATO DE CASO
URINARY TRACT INFECTION BY KLEBSIELLA sp. MULTI-RESISTANT IN FELINE WITH
CHRONIC KIDNEY DISEASE - CASE REPORT

Waldir Junior Silva Costa1


Vanessa Ingrid Jaines2

RESUMO: A infecção do trato urinário (ITU) é uma importante causa de doença do trato
urinário inferior felino, particularmente em gatos idosos. Em gatos com DRC, a ITU é mais
comum quando comparado as demais morbidades e o tratamento geralmente é recomendado
para reduzir os riscos de infecção ascendente exacerbando a lesão renal. Dentre os principais
sinais clínicos pode-se citar polaciúria, hematúria macroscópica, periúria, disúria e estranguria.
O diagnóstico é feito com base em sinais clínicos, achados de urinálise e culturas bacterianas
quantitativas. As ITUs são uma das indicações mais importantes para o uso de antimicrobianos
na medicina veterinária e contribuem para o desenvolvimento de resistência antimicrobiana. A
decisão de tratar com antimicrobianos deve ser baseada na presença de sinais clínicos e/ou
doenças concomitantes e nos resultados da urocultura e teste de sensibilidade. O objetivo deste
trabalho é relatar um caso de infecção do trato urinário por Klebsiella sp. multirresistente em
felino doente renal crônico.
3325
Palavras-chave: Antibióticos. Resistencia Bacteriana. Saúde Pública.

ABSTRACT: Urinary tract infection (UTI) is an important cause of feline lower urinary tract
disease, especially in older cats. In cats with CKD, UTI is more common compared to other
morbidities and treatment is generally recommended to reduce the risk of exacerbating infection
exacerbating kidney damage. Among the main clinical signs, one can mention urinary
frequency, macroscopic hematuria, periuria, dysuria and strangury. Diagnosis is made on the
basis of clinical signs, urinalysis findings, and quantitative bacterial cultures. UTIs are one of
the most important indications for the use of antimicrobials in veterinary medicine and have
created for the development of antimicrobial resistance. The decision to treat with
antimicrobials should be based on the presence of clinical signs and/or concomitant illnesses
and the results of urine culture and sensitivity testing. The aim of this study is to report a case
of urinary tract infection by Klebsiella sp. multidrug resistance in feline infectious kidney
disease.

Keywords: Antibiotics. Bacterial resistance. Public health.

1
Graduando do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal
UNINASSAU/UNIFACIMED, 2023.
2
Professora do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal
UNINASSAU/UNIFACIMED, 2023.

Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.05. mai. 2023.
ISSN - 2675 – 3375
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INTRODUÇÃO

Infecção do trato urinário (ITU) refere-se à adesão, multiplicação e persistência de um


agente infeccioso no sistema urogenital que causa uma resposta inflamatória associada e sinais
clínicos. Na grande maioria das ITUs, as bactérias são os organismos infectantes; menos de 1%
das ITUs são causadas por infecções parasitárias, fúngicas ou virais. Infecções do trato urinário
são incomuns em gatos, com uma frequência relatada entre 1% e 3% de todos os casos de
distúrbios do trato urinário de felinos. No entanto, alguns autores observaram um aumento
proporcional morbidade da infecção do trato urinário em gatos mais velhos (>10 anos de idade)
(BYRON, 2019).
Vários fatores são responsáveis pela manutenção da esterilidade do trato urinário,
incluindo anatomia normal, integridade da mucosa e barreiras de defesa, função do esfíncter
uretral, micção normal com fluxo urinário unidirecional, propriedades antimicrobianas
específicas da urina (osmolaridade, pH, etc.) e imunocompetência local e sistêmica (DORSCH
et al., 2019).
As infecções geralmente se desenvolvem secundárias a condições ou procedimentos
simultâneos que prejudicam uma ou mais dessas propriedades. Vários estudos identificaram 3326
uma frequência relativamente alta de ITU associada a doenças felinas comuns, como
insuficiência renal, hipertireoidismo, diabetes mellitus, urolitíase ou outros distúrbios
sistêmicos. Foi descrito um risco aumentado de ITU iatrogênica após cateterismo uretral de
espera e em gatos com uretrostomias perineais (OLIN; BARTGES, 2015).
Em gatos com DRC, a ITU é mais comum quando comparado as demais morbidades e o
tratamento geralmente é recomendado para reduzir os riscos de infecção ascendente exacerbando
a lesão renal. Não se sabe se a presença de bactérias na bexiga é um marcador ou contribui para
o aumento da gravidade da doença renal (BYRON, 2019).
As diretrizes recentemente atualizadas da Sociedade Internacional para Doenças
Infecciosas de Animais de Companhia (ISCAID) para o diagnóstico e tratamento de infecções
bacterianas do trato urinário em cães e gatos classificam as ITUs em: cistite bacteriana
esporádica, cistite bacteriana recorrente, pielonefrite, prostatite bacteriana, bacteriúria subclínica
e gatos com sonda vesical de espera. Uma nova categoria separada são as ITUs em cães e gatos
submetidos a cirurgia urológica, procedimentos urológicos minimamente invasivos e implantes
urológicos (WEESE et al., 2019).

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Mais comumente, a bacteriúria significativa é causada por patógenos da própria flora


entérica ou urogenital distal do hospedeiro. As bactérias sobem da uretra distal para a uretra
proximal normalmente estéril, bexiga urinária e trato urinário superior. Os clones de E coli que
causam ITUs podem frequentemente ser isolados das fezes do mesmo animal. A disseminação
hematogênica é rara, mas pode causar ITUs, em particular abscessos renais. A maioria das ITUs
(>85%) é causada por um único patógeno bacteriano, enquanto duas espécies diferentes foram
previamente isoladas em 13% dos gatos. Infecções com múltiplas espécies bacterianas são mais
comuns em gatos com cateteres urinários de espera (27%) ou outras comorbidades (20%)
(DORSCH et al., 2019; WEESE et al., 2019; HERNANDO et al., 2021).
Em vários estudos, a E. coli foi o patógeno mais comumente isolado na urina felina e
esteve envolvido em 39-59% das culturas positivas. Outros microrganismos frequentemente
documentados são espécies de Streptococcus (2–19%), Enterococcus faecalis (5–27%),
Staphylococcus felis (17–20%) e Klebsiella sp. (2-4%). A resistência adquirida a antibióticos pode
se desenvolver por meio de mutações esporádicas dentro de genes ou através da transferência
horizontal de genes. As espécies de Enterococcus formam biofilmes e podem, portanto, evitar
antimicrobianos (WEESE et al., 2019).
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Os sinais clínicos não devem ser considerados isoladamente para o diagnóstico. Em vez
disso, a presença de anormalidades clínicas indica a necessidade de investigação adicional. Os
sinais clínicos de ITU baixa incluem polaciúria, hematúria macroscópica, periúria, disúria e
estrangúria. Estas são inespecíficas e podem ser observadas em qualquer doença do trato urinário
inferior, das quais a cistite idiopática é a mais comum em gatos (OLIN; BARTGES, 2015).
As ITUs são diagnosticadas com base em sinais clínicos, achados de urinálise e culturas
bacterianas quantitativas. No entanto, a distinção entre gatos com cistite bacteriana e aqueles
com cistite idiopática e bacteriúria clínica ou subclínica concomitante é um desafio, pois os sinais
clínicos e os resultados do exame de urina podem ser idênticos. Particularmente em gatos, onde
outras causas de sinais clínicos de doença do trato urinário inferior são comuns, culturas de urina
positivas são indispensáveis para um diagnóstico confiável. Para selecionar um antimicrobiano
eficaz, testes de sensibilidade in vitro devem ser realizados em todos os isolados. O diagnóstico
por imagem pode ajudar a avaliar condições complicadas (por exemplo, envolvimento do trato
urinário superior) (OLIN; BARTGES, 2015; WEESE et al., 2019; HERNANDO et al., 2021).
Para evitar a falha do tratamento e o desenvolvimento de resistência a antibióticos, os
antimicrobianos devem ser selecionados idealmente com base em testes de suscetibilidade in

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vitro (ver caixa) e antimicrobianos com um espectro estreito devem ser usados. Se ITUs
bacterianas verdadeiras forem identificadas, o plano de tratamento depende da história prévia
de ITU, estruturas afetadas, doenças concomitantes e, em menor grau do que em cães, castração.
O tratamento empírico raramente é indicado. Como a prevalência bacteriana e a resistência
antimicrobiana têm fortes diferenças regionais, o tratamento empírico deve basear-se nas taxas
de prevalência bacteriana específicas do local e nos padrões de resistência antimicrobiana. Os
antibióticos mais indicados para casos de ITU são aminopenicilinas, cefalosporinas,
fluoroquinolonas e aminoglicosídeos. Para casos de ITU resistentes pode-se ser necessário
utilizar antibióticos de grupos mais potentes como os carbapenêmicos (BYRON, 2019; WEESE
et al., 2019).
As ITUs são uma das razões mais importantes para o uso de antimicrobianos em
medicina veterinária e contribuem para o desenvolvimento de resistência antimicrobiana. A
prescrição excessiva de antimicrobianos em gatos com DTUIF é comum, e alguns
antimicrobianos de importância crítica, como os de terceira e quarta geração de cefalosporinas e
fluoroquinolonas são usadas em demasia. A resistência bacteriana aos antibióticos tem se
tornado um problema frequente na clínica veterinária e de importante relevância para saúde
3328
pública (WEESE et al., 2019).
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de infecção do trato urinário por Klebsiella
sp. multirresistente em felino doente renal crônico.

RELATO DO CASO

Foi atendido em um Hospital Veterinário em Cuiabá, Mato Grosso, um gato, macho,


castrado, sem raça definida, de 8 anos, 4kg, com histórico recente de cateterização vesical por
obstrução uretral, apresentava sinais clínicos de hematúria, disúria, periúria, polidipsia,
inapetência, letargia e êmese. Ao exame físico apresentava desidratação de 7%, tempo de
preenchimento capilar 3 segundos, escore de condição corporal 2 (1-5), bexiga pouco repleta e
espessada a palpação. Foram solicitados exames complementares de hemograma completo,
bioquímicos (albumina, ALT, FA, creatinina, uréia), urinálise, relação proteína/creatinina
urinária (UPC), hemogasometria arterial, ultrassom abdominal e cultura e antibiograma de
urina. Foi indicado internação do paciente devido quadro apresentado. Durante internação foi
prescrito fluidoterapia a taxa de 3ml/kg/h, ondansentrona 0,22mg/kg/TID, omeprazol

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1mg/kg/SID, cloridrato de tramadol 3mg/kg/TID, prazosina 0,5mg/gato/BID e mirtazapina


0,5mg/gato/48h.
Os resultados dos exames de sangue demonstraram anemia, leucocitose por neutrofilia,
azotemia e hipercalemia. Na urinálise observou-se urina de aspecto turvo, densidade urinária
baixa (1020), sangue oculto (4+), presença de 20-30 eritrócitos por campo, 5-10 leucócitos por
campo, presença de bactérias (4+) (tabelas 1, 2, 3, 4 e 5). No ultrassom abdominal observou-se
bexiga com paredes espessadas, presença de coágulo no interior da bexiga, rins com cortical
espessada e aumento de ecogenicidade (figura 1).

Tabela 1. Resultados observados no hemograma.

Série Vermelha Valores de Referência


Eritrócitos 5,91 106/uL 5,0 a 10,0 106/uL
Hemoglobina 8,3 g/dL 8,0 a 15,0 g/dL
Hematócrito 22% 24,0 a 45,0%
V.C.M. 43,0 fL 39 a 55 fL
C.H.C.M. 32,7 % 31,0 a 35 %
Proteína Plasmática 8,0 g/L 6,0 a 8,0 g/L 3329
Plaquetas 390.000 g/L 300.000 a 800.000 g/L
Série Branca
Leucócitos Totais 28900 u/L 5500 a 19500 u/L
Neutrófilos segmentados 28300 u/L 2500 a 12500 u/L
Eosinófilos 0 u/L 0 a 1500 u/L
Monócitos 0 u/L 0 a 200 u/L
Linfócitos 600 u/L 1500 a 7000 u/L

Tabela 2. Resultados observados na bioquímica sérica.


Tipo de Exame Valores de Referência
Albumina 2,4 g/L 2,1 a 3,3 g/L
ALT 25 UI/L 6 a 83 UI/L
Creatinina 2,2 mg/dL 0,8 a 1,8 mg/dL
Fosfatase alcalina 49 UI/L 25 a 93 UI/L
Uréia 121 mg/dL 42,8 a 64,2

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Tabela 3. Resultados observados na urinálise.


Exame Físico Valores de Referência
Volume 6 ml Mínimo: 5ml
Aspecto Turvo Límpido
Cor Amarelo claro Amarela
Odor Sui generis Sui generis
Densidade 1.020 1.020 – 1.060
Exame Químico
pH 5,0 5,0 – 7,0
Glicose Normal Normal
Corpos cetônicos Negativo Negativo
Proteínas + Negativo
Bilirrubina Negativo Negativo
Sangue oculto ++++ Negativo
Sedimentoscopia
Eritrócitos 20-30 campo 0-5/campo
Leucócitos 5-10 campo 0-3/campo
Cristais Ausente Ausente 3330
Cilindros Ausente Ausente
Células Renais Ausente Ausente-Raras
Células Transicionais ++++ Ausente-Raras
Células Escamosas +++ Ausente-Raras
Observações Presença de bactérias (++++)

Tabela 4. Resultados observados na Relação Creatinina/Proteína Urinária (UPC)

Resultado Normal Limítrofe Aumentado


0,13 Índice <0,2 Índice 0,2 – 0,4 Índice >0,4 Índice

Tabela 5. Resultados observados na hemogasometria arterial

Parâmetro Resultado Valores de Referência


PCO2 32,9 mmHg 25,2 – 36,8 mmHg
pH 7,278 7,244 – 7,46
PO2 98,1 mmHg 95,4 – 118,2 mmHg
SO2 95% Maior 95%
BE - 3 mmol/L -2 - +2 mmol/L

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cHCO3 18,1 mmol/L 14,4 – 21,6 mmol/L


Na 158,8 mmol/L 150,5 – 157,2 mmol/L
K 5,34 mmol/L 3,11 – 4,64 mmol/L
iCa 1,297 mmol/L 1,19 – 1,30 mmol/L
Cl 125,6 mmol/L 115 – 130 mmol/L
Hct 22,5 % 27 – 46%
tHb 8,0 g/dL 8,5 – 16g/dL

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Figura: A – Rins em topografia habitual, simétricos (esquerdo 3,78 cm e direito 4,29 cm de eixo longitudinal), cortical
espessada, com aumento de ecogenicidade e ecotextura preservada. B – Bexiga com paredes espessadas e
discretamente irregulares, medindo 0,38 cm, moderada repleção e apresentando em seu lúmem partículas ecogênicas
em suspensão e estrutura amorfa (2,20 x 1,16 cm), ecogênica e heterogênea sem formação de sombra acústica e
aparentemente aderida a mucosa com sinal de doppler negativo (coágulo).

Paciente permaneceu internado durante 5 dias, com manutenção do tratamento prescrito


inicialmente, apresentando intensa melhora clínica (ausência de disúria, hematúria), sem outros
episódios de vomito, reposição da hidratação, parâmetros clínicos e pressão arterial normais e
retorno ao interesse pela alimentação. Não foi prescrito antibioticoterapia antes dos resultados
de cultura e antibiograma de urina.
No 5º dia de internação, a cultura de urina apresentou crescimento de Klebisiella sp.,
inicialmente foi feito antibiograma com 12 antibióticos, porém todos resistentes. Foi solicitado
novo antibiograma com mais 27 antibióticos (tabela 6). Após todos os testes, apresentou
sensibilidade ao meropenem. Foi repetido os exames de hemograma, creatinina, urinálise + UPC
e hemogasometria antes do início da antibioticoterapia, onde foi observado normalização da
leucocitose, piora da anemia (HT 18%), hemogasometria dentro da normalidade, creatinina 2,0
mg/dL e urinálise apresentando aspecto límpido, densidade baixa (1016), ausência de sangue
oculto e eritrócitos, leucócitos 0-3 por campo e presença de bactérias (4+), UPC no limite superior

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(0,4). Devido a manutenção da creatinina elevada (2,0), densidade urinária baixa, UPC limítrofe
e achados ultrassonográficos, paciente foi classificado como doente renal crônico IRIS 2.

Tabela 6. Resultados observados no antibiograma.

Penicilinas Aminoglicosídeos
Amoxicilina R Amicacina R
Amoxicilina + Ac. Clavulânico R Gentamicina R
Ampicilina R Estreptomicina R
Benzilpenicilina R Macrolídeos e Lincosaminas
Oxacilina R Azitromicina R
Ampicilina + Sulbactam R Clindamicina R
Cefalosporinas Eritromicina R
Cefadroxil R Tetraciclinas
Cefalexina R Doxiciclina R
Ceftiofur R Tetraciclina R
Cefepima R Sulfonamidas
Ceftriaxona R Sulfonamida R
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Cefalotina R Sulfazotrim R
Cefalexina R Agentes diversos
Cefovecina R Cloranfenicol R
Fluoroquinolonas Metronidazol R
Ciprofloxacino R Nitrofurantoína R
Enrofloxacino R Novobiocina R
Ofloxacina R Vancomicina R
Marbofloxicino R Carbapenêmicos
Norfloxacino R Meropenem S
Ácido Nalidíxico R Imipenem R
Levofloxacino R Ertapenem R

Legenda: Resistente (R); Sensível (S).

Foi mantida a internação do paciente devido ao fato do meropenem ser estritamente de


uso hospitalar, onde foi instituído protocolo de tratamento na dose de 10mg/kg/BID
intravenoso, além da antibioticoterapia, foi mantido fluidoterapia de manutenção na taxa de
2ml/kg/h, restrição dietética com ração terapêutica indicada para distúrbios urinários de marca

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comercial, prazosina 0,5mg/gato/BID. Devido a piora da anemia foi adicionado a prescrição


durante internação eritropoetina 100UI/kg/48h.
Durante os 10 dias de antibioticoterapia, notou-se resolução total dos sinais urinários e
retorno total ao apetite do paciente, houve ganho de 200g de peso corporal durante a internação.
Após 7 dias de tratamento foi realizado nova cultura de urina para avaliar resposta do
tratamento, apresentando resultado negativo. No término dos 10 dias de meropenem, foi
realizado novo hemograma, apresentando melhora substancial da anemia (ht 25%) e demais
paramentos dentro da normalidade. Foi indicado para tratamento domiciliar manejo dietético
com ração urinária durante 90 dias, manejo hídrico (estimulação da ingestão de água) e manejo
ambiental para diminuir fatores estressantes (colocação de nichos, utilização de brinquedos,
túneis, uso de catnip, uso de feromônio feliway).
Após 7 dias de tratamento domiciliar foi realizado um retorno com paciente sem novas
queixas de sinais clínicos urinários, parâmetros clínicos dentro da normalidade, ganho de peso
(4,8kg), foi solicitado novos exames de hemograma, bioquímica (ureia, creatinina) e urinálise,
apresentando creatinina (2,0 mg/dL), densidade urinária baixa (1024) e demais exames dentro
da normalidade.
3333
DISCUSSÃO

O desenvolvimento da infecção do trato urinário em felinos é multifatorial, dependendo


do poder patogénico do microrganismo, de alterações anatómicas ou funcionais do trato urinário
e da competência imunológica do hospedeiro. A maioria das ITU bacterianas ocorre como
consequência da migração ascendente de agentes uropatogênicos, sendo as bactérias retais,
perineais e genitais os principais reservatórios para infeção. Menos frequentemente pode
também ocorrer uma infeção hematógena ou descendente. As infeções iatrogênicas,
principalmente através de cateterizações urinárias, são uma importante causa de ITU
(DORSCH et al., 2019).
A ITU tem sua prevalência baixa na população felina, porém a doença real crônica (DRC)
se torna um fator de risco importante para a ocorrência de infecções no trato urinário. Segundo
DORSCH et al. (2019) a DRC pode acometer gatos de diversas idades, porém a incidência é
maior em felinos mais velhos, o caso relatado nesse trabalho é de um gato de 8 anos. Diversos
estudos demonstram a importância da ITU como sendo uma doença correlacionada com a DRC.

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Há trabalhos mostrando que a prevalência da infecção urinária em felinos com DRC variou entre
16,9% e 22% ( MARTINEZ-RUZAFA et al., 2012; HERNANDO et al., 2021).
Estudo desenvolvido pela IRIS, relata poliúria/polidipsia (40,3%), perda de peso (40,1%),
perda de apetite (22,8%), vómito (22,4%) e letargia (12%) foram os sinais clínicos mais comuns
descritos na história pregressa de entre os gatos com DRC, corroborando com os sinais
apresentados no relato (ELLIOTT; WATSON, 2013).
Dentre os distúrbios relacionados à DRC, a anemia e os sinais clínicos resultantes
(letargia, inapetência) constituem-se no principal motivo pelo qual o gato é trazido para a
consulta veterinária. As células endoteliais dos capilares peritubulares dos rins são a principal
fonte de síntese de eritropoetina. A anemia dos pacientes com DRC é multifatorial. Resulta
primariamente pela capacidade renal diminuída em produzir quantidades adequadas de
eritropoetina. A terapia com eritropoetina geralmente é a mais eficaz e é recomendada para cães
e gatos com DRC avançada, sinais clínicos atribuíveis à anemia e um hematócrito menor que
22% (DE JESUS, 2019; LIMA et al., 2022).
Segundo WHITE et al. (2013) devido a lesão renal crônica existe uma incapacidade dos
rins em concentrar a urina, o que leva a diminuição da densidade urinária. A elevação de
3334
creatinina e ureia séricas se devem pela diminuição da taxa de filtração glomerular em
decorrência do menor numero de néfrons funcionais, a avaliação da azotemia renal isoladamente
não caracteriza doença renal. É importante levar em consideração outros parâmetros e sinais
clínicos para determinar a presença da lesão renal. A IRIS desenvolveu um método de
estadiamento da doença renal com base em alguns parâmetros como creatinina sérica, SDMA,
UPC, densidade urinária e pressão arterial. Seguindo as diretrizes de estadiamentos propostas
pela IRIS o paciente do caso relatado foi diagnosticado como doente renal crônico estágio II
(FERREIRA; NOBRE, 2014; PEIXOTO, 2014).
Klebsiella sp. são bactérias oportunistas responsáveis por grande variedade de infecções
graves em humanos e animais. É encontrada na microbiota intestinal de animais e humanos, no
ambiente ou contaminando utensílios, principalmente de uso hospitalar. É reconhecido
mundialmente como problema emergente em Saúde Pública, principalmente pelo crescente
número de infecções por K. pneumoniae e multirresistência aos antimicrobianos convencionais
(CARVALHO et al., 2014; PAULA, 2019).
A emergência de infecções causadas por bactérias multirresistentes representa grave
problema em Saúde Pública e em animais domésticos, principalmente devido às altas taxas de

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morbimortalidade. A multirresistência bacteriana aos antibióticos é especialmente observada


entre os patógenos pertencentes à família Enterobacteriaceae (Escherichia coli, Klebsiella sp.,
Salmonella sp., Proteus sp.) (PAULA, 2019).
Os testes de suscetibilidade in vitro permitem uma seleção racional de antimicrobianos e
é uma ferramenta importante para monitorar o desenvolvimento de resistência antimicrobiana.
Os resultados dos testes de suscetibilidade in vitro predizem a resposta esperada ao tratamento,
mas não a garantem. Um organismo interpretado como “suscetível” deve ser inibido por
tratamento antimicrobiano usando a dose recomendada para aquela infecção e espécie. Por outro
lado, um resultado de teste "resistente" indica que o organismo do paciente provavelmente não
responderá ao tratamento antimicrobiano com a dose normal de um antimicrobiano selecionado
(FERREIRA; NOBRE, 2014; LEW-KOJRYS et al., 2017; LIMA et al., 2022).
Na medicina veterinária, antimicrobianos de importância crítica em humanos, como
vancomicina, imipenem, meropenem e outros carbapenêmicos, não devem ser usados ou devem
ser usados apenas em circunstâncias muito limitadas. Seu uso veterinário só se justifica se a
infecção for definitivamente diagnosticada com base em sinais clínicos, cultura e anormalidades
citológicas, e se o patógeno apresentar resistência a todas as outras opções razoáveis e for
3335
suscetível ao antimicrobiano escolhido. Antimicrobianos criticamente importantes nunca são
indicados para bacteriúria subclínica. Além disso, antimicrobianos de importância crítica não
devem ser usados em infecções intratáveis ou em animais com prognóstico ruim. As
cefalosporinas de terceira e quarta geração, como a cefovecina, e as fluoroquinolonas, como a
enrofloxacina, levofloxacina e a pradofloxacina, também pertencem a esse grupo e só devem ser
usados se um isolado for resistente a outros antimicrobianos ou em casos de pielonefrite
(fluoroquinolonas) ( WHITE et al., 2013; DORSCH et al., 2016; DORSCH et al., 2019; PAULA,
2019).
Na medicina humana há alguns anos os antimicrobianos do grupo dos carbapenêmicos
eram considerados de eleição no tratamento de infecções em humanos causadas por patógenos
gram-negativos multirresistentes e a presença de bactérias produtoras de carbapenemases era
rara. A Klebisiella sp. já demonstrou anteriormente resistência aos antimicrobianos
convencionais, além do seu potencial de disseminar genes de resistência aos antibióticos entre
outras bactérias gram-negativas, incluindo genes que codificam carbapenemases (MARTINEZ-
RUZAFA et al., 2012; OLIN; BARTGES, 2015; PAULA, 2019).

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As carbapenemases são um grupo diverso de enzimas capazes de hidrolisar os


antimicrobianos β-lactâmicos. Apesar da produção de carbapenemases ser clinicamente
relevante em surtos por E. coli e P. aeruginosa, os genes que codificam tais enzimas parecem
predominar em linhagens de K. pneumoniae, tornando primordiais estudos com a
multirresistência desse patógeno. Ainda, K. pneumoniae produtoras de carbapenemases são
resistentes à outras classes de antimicrobianos, incluindo tetraciclinas, aminoglicosídeos e
fluorquinolonas (DORSCH et al., 2016; FERREIRA; NOBRE, 2014; WEESE et al., 2019;
PAULA, 2019).

CONCLUSÕES

Neste relato observou-se uma intensa resistência antimicrobiana, inclusive de


cefalosporinas de terceira e quarta geração, assim como fluoroquinolonas e alguns
carbapenêmicos, além da própria vancomicina, sendo esses antibióticos críticos na medicina
humana e veterinária, abrindo um alerta ao uso irracional de antibióticos, principalmente na
rotina veterinária. Relatos de microrganismos multirresistentes são importantes para
exemplificar e alertar a cerca dos malefícios do uso indiscriminado de antibióticos.
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