Historia (AZEVEDO)

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FACULDADES Mauricio de Nassau

CURSO DE PSICOLOGIA
PSICOPATOLOGIA
5º PERÍODO
Profª Drª Regina Azevedo

1. CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA DOENÇA MENTAL


Desde os tempos remotos, a loucura tem sido vista por uma diversidade de
concepções, todas valorizando o racional, levando muitas vezes à marginalização e ao
abandono do doente mental. Isto é claramente observado na medida em que
conhecemos a história da doença mental, na qual a psicopatologia passa por diferentes
fases, muitas vezes erroneamente compreendida e interpretada.
A esse respeito, faremos um resgate histórico no qual abordaremos um exame de
algumas das antigas crenças e práticas, bem como das etapas de sua mudança e seu
desenvolvimento, através dos séculos, até os dias de hoje. Dessa forma, teremos uma
melhor condição de compreender o pensamento moderno, como também ter uma idéia
das tendências do pensamento e das direções da Psicologia e da Psiquiatria nos tempos
atuais.

1.1. Pré-história:

Além de descobertas como o fogo e a pedra para uso doméstico, a pré-história de


acordo com seus subsídios, também vivenciou conhecimentos no âmbito psiquiátrico.
Observamos a veracidade dessa afirmação quando Coleman (1973, p.55) ressalta que a
“psiquiatria” mais antiga era a praticada pelos homens das cavernas. Em algumas
formas de doença mental, afirma, provavelmente aquelas em que o paciente queixava-se
de dores fortes na cabeça e tinha ataques convulsivos, o tratamento da época era
realizado pelos chamados feiticeiros, que praticavam uma operação denominado
trepanação, desempenhada com instrumentos grosseiros de pedra que consistia em abrir
uma área do crânio em forma de círculo.
Esta abertura, denominada de trefina, permitia a saída do "mau espírito" que se
acreditava ser a causa de todos os males, o que, sem nenhuma dúvida, podia aliviar uma
certa pressão no cérebro. Em alguns casos, foram encontrados crânios trepanados de

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homens primitivos apresentando restauração em volta da abertura, o que indica que o
indivíduo sobrevivera à operação e vivera muitos anos depois dela. A técnica desta
"cirurgia" deixava muito a desejar, sobretudo por apoiar-se inadequadamente na teoria
anticientífica da demonologia. (op. cit.)
As perturbações mentais, continua Coleman (1973, p.57), também eram
mencionadas em antigas obras chinesas e egípcias, bem como de hebreus e gregos que,
como os homens das cavernas, atribuíam a demônios que possuíam o indivíduo.
Provavelmente, a aplicação dessa teoria ao comportamento "estranho" era o modo mais
simples e lógico para compreendê-lo, embora a decisão quanto ao fato de o paciente
estar “possesso” por bons ou maus espíritos, dependesse de seus sintomas. Se as
palavras ou o comportamento da pessoa “possessa” parecessem ter um sentido religioso
ou místico, pensava-se, geralmente, que a pessoa estava tomada por um bom espírito.
Estes indivíduos, continua o autor, eram muitas vezes tratados com grande temor
e respeito, pois se pensava que tivessem poderes sobrenaturais doados por Deus. Por
outro lado, quando o paciente ficava excitado e se comportava de maneira contrária aos
ensinamentos religiosos, era considerado como possuído por maus espíritos, o que
representava a cólera e o castigo de Deus.
Vários tipos de tratamento eram utilizados contra a posse do demônio. O
primeiro era constituído por técnicas que variavam de preces, diversas misturas de
paladar até ruídos que serviam para retirar o espírito mau do corpo da pessoa
atormentada. Tal tratamento era denominado exorcismo, cuja responsabilidade era dos
chamados curandeiros, tendo esta passado, posteriormente, na Grécia, China e Egito,
para as mãos dos sacerdotes, que aparentemente constituíam uma mistura de padres,
médicos, psicólogos e mágicos. Coleman (1973, p.58) ressalta ainda que, apesar de
esses sacerdotes estarem dominados por crenças de demonologia e estabelecerem
práticas de exorcismo, deram início a um tratamento mais humano e científico.
Neste período de descobertas, a loucura é representada, como uma verdade
demoníaca que era tratada e combatida através do exorcismo e outras técnicas, gerando
assim curiosidades e interesses por parte de vários teóricos e estudiosos a respeito da
veracidade dessas suposições, ultrapassando o pensamento da época.

1.2. Idade Antiga:


Este período foi marcado pela pretensão de ultrapassar as superstições
primitivas, pois foram surgindo inúmeros representantes que observavam a Doença

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Mental com um olhar mais científico, pelo menos o que se acreditava neste período. Um
desses célebres representantes foi o médico grego Hipócrates, que viveu em 460 a 377
a. C.
Hipócrates, denominado “pai da medicina moderna”, afirmava que as
perturbações tinham causas naturais e exigiam tratamento como qualquer outra doença,
pois não acreditava na intervenção de deuses e demônios no desenvolvimento da doença
mental. Como explicação básica da doença mental, Hipócrates acentuou que o cérebro
era um centro de atividade intelectual, e as perturbações mentais eram causadas por
patologias deste órgão. A hereditariedade e a predisposição eram por ele consideradas
como suposta causa da psicopatologia e, indicou que os ferimentos na cabeça podiam
causar perturbações sensoriais e motoras (FOUCAULT, 1987, p.15).
Todas as doenças mentais, (op. cit.), foram classificadas por Hipócrates em três
categorias gerais: a mania, a melancolia e a frenite, acompanhado de descrições clínicas
das perturbações específicas em cada categoria, que conceitou em quatro humores:
sangue, bile negra, bile amarela e fleuma, concebendo a noção de um equilíbrio dos
processos fisiológicos como imprescindível para o bom funcionamento do cérebro e da
saúde mental pois, acreditava que, quando os humores se misturavam
desfavoravelmente, produzia-se a doença física ou mental. Embora este conceito
ultrapassasse a demonologia, do ponto de vista fisiológico era imperfeito para que
pudesse ter um grande valor. O autor também ressalta, que Hipócrates compreendeu a
importância clínica dos sonhos para compreensão da personalidade do paciente, o que,
neste ponto, antecipou um dos principais conceitos da psicanálise contemporânea.
Mencionando Hipócrates, o mesmo autor não poderia deixar de citar, também,
os estudos de Platão (429-347 a. C.) acerca das perturbações mentais, que defendia as
pessoas portadoras com tal patologia dizendo que estas não podiam ser responsáveis por
seus atos e não deviam ser castigadas como as pessoas “normais”, fato que contribuiu
para uma melhor compreensão do comportamento humano ao indicar que o homem era
motivado por necessidades fisiológicas; salientou a importância das diferenças
individuais em capacidade intelectual e outras capacidades, e indicou o papel das
influências sócio-culturais na formação do pensamento e do comportamento do
indivíduo. Ele não pôde ultrapassar a ignorância e a superstição de seu tempo, mesmo
com estas idéias “modernas”, pois considerava a doença mental, em parte, como
orgânica, em parte moral e em parte divina.

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Aristóteles (384-322 a. C.), discípulo mas não seguidor de Platão, discutiu e
rejeitou a idéia de que as perturbações mentais poderiam ser causadas por fatores
psicológicos, o que contribuiu para o retardamento do desenvolvimento da
psicopatologia moderna. Ele geralmente seguia a teoria hipocrática das perturbações da
bile acreditando que esta, ao ficar muito quente, provocaria desejos amorosos, sendo
também responsável por impulsos de suicídio. (ibid., p.20).
Como Aristóteles, vários médicos gregos e romanos continuaram os trabalhos de
acordo com estas linhas de Hipócrates, entre eles Fonseca (1987, p.24), assim como fez
Foucault, menciona alguns como Asclepíades, Aretaio e Galeno. Asclepíades foi o
primeiro a observar a diferença entre doenças mentais agudas e crônicas, e a distinguir
entre delírios, manias e alucinações. Além disso, inventou diversos recursos
engenhosos, destinados a proporcionar alívio aos pacientes. O tratamento progressivo
que Asclepíades dava à doença mental, manifestava-se em sua oposição à sangria, às
repressões mecânicas e aos calabouços.
Diferentemente de Platão, que considerava além da dimensão orgânica as
dimensões moral e divina, Aretaio foi o primeiro a tratar as doenças mentais,
exclusivamente, como extensão de processos psicológicos normais, quase no fim do
primeiro século da era cristã. Ele foi o primeiro a descrever as diversas fases da mania e
da melancolia e a considerar esses dois estados patológicos como expressões da mesma
enfermidade. Sua compreensão da importância dos fatores emocionais e da
personalidade pré-psicótica do paciente constituiu um fator extraordinário para a época
em que viveu. (ibid., p.25)
Por outro lado, embora tenha dado muitas contribuições originais à anatomia do
sistema nervoso e tenha conservado uma atitude científica diante da doença mental,
Galeno (130-200), no início da era cristã, não contribuiu com muita coisa nova para a
terapia ou descrição clínica das doenças mentais. (ibid., p.26)
Ao tecer as contribuições desses teóricos, entendemos que a idade antiga foi um
período em que o misticismo continuou a dominar, porém, alguns aspectos como por
exemplo os de Platão, deixam claro que novos pensamentos e descobertas estavam
surgindo, enriquecendo e desmistificando cada vez mais o “mundo” psicopatológico.

1.3. Idade Média:


No início da Idade Média, com a morte do médico Galeno, surge também, como
afirma Coleman (1973, p.60), a chamada “Idade das Trevas” na história da psiquiatria.

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Com sua morte no ano 200, as contribuições de Hipócrates, bem como a dos médicos
gregos e romanos citados anteriormente por Fonseca (1987, p.24), logo se perderam na
confusão das superstições populares, e quase todos os médicos se voltaram para a idéia
de que a doença mental estava relacionada a algum tipo de demonologia.
Com esse retrocesso, tanto a medicina como outros trabalhos científicos ficaram
obscuros, o que resultou em um imenso reflorescimento das superstições mais antigas e
da demonologia, levemente modificadas de modo a moldarem-se às condições
teológicas então dominantes. O homem tornou-se o “campo de batalha dos demônios e
espíritos” que, acreditava-se, travavam guerra eterna pela posse de sua alma.
(FONSECA, 1987, p.36)
Nessa época, o tratamento dos doentes mentais não era muito diferente do que
vimos no período pré-histórico, competindo em grande parte aos padres. Estes davam
muito valor à prece, à água benta, aos santos óleos, à respiração e às suas salivas, ao
toque de relíquias, às visitas a lugares santos e às formas suaves de exorcismo.
Entretanto, diferentemente da pré-história, na idade média existia mosteiros que serviam
de refugio e local de reclusão de muitos pacientes. (op. cit.)
Assim como Fonseca, Coleman (1973, p.56) também salienta o exorcismo,
declarando que esta técnica foi se desenvolvendo, acentuando a crença de que o orgulho
de satanás havia levado o indivíduo “possesso” à sua ruína original, e assim
acreditando-se, a primeira coisa a fazer seria desferir um golpe mortal no orgulho do
demônio, insultando-o. Isto exigia que o demônio fosse chamado por alguns dos
apelidos mais obscenos que as piores imaginações pudessem criar, e os insultos eram
suplementados por pragas. Considerava-se este processo muito eficiente no tratamento
dos possessos.
Torna-se fácil compreender porque paralelamente ao desenvolvimento dessas
crenças teológicas referentes à doença mental, a suavidade e o tratamento bondoso foi
sendo cada vez mais afastado da realidade: a crueldade com os “loucos” era um castigo
ao demônio que continham, e quando o castigo não dava resultado, as autoridades
sentiam-se no direito de tentar a expulsão dos demônios com métodos pouco
agradáveis, a exemplo de açoites, fome, correntes, imersão em água quente e outros
métodos de tortura concebidos, visando tornar o corpo um lugar tão desagradável que
nenhum diabo continuaria a residir nele. As pessoas não só aplaudiam o espetáculo, mas
sentiam que, através desta prática, cumpriam os seus deveres sagrados. (FOUCAULT,
1987, p.25)

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Durante este período, Coleman e Fonseca deixaram claro como as perturbações
mentais eram freqüentes, exaltando a permanência do misticismo e como esta desviou o
caminho da ciência, dificultando seu desenvolvimento.

1.4. Idade Moderna:


No final do século XV, as crenças referentes à posse pelo demônio assumiram
seu pior aspecto, passando-se a aceitar uma divisão teológica entre dois tipos gerais de
posse pelo demônio: as posses em que a vítima era apanhada involuntariamente, como
um castigo de Deus por seus pecados; e as dos conhecidos feiticeiros, indivíduos que
faziam uma aliança com o demônio. Supunha-se que estas últimas tinham feito um
pacto com o demônio em troca de poderes sobrenaturais, um pacto supostamente
assinado com sangue num livro que lhes fora apresentado por satanás. (FOUCAULT,
1987, p.26)
Os que, segundo se pensava, tinham sido dominados contra sua vontade pelo
demônio, como um castigo de Deus, eram tratados inicialmente de acordo com as
práticas de exorcismo estabelecidas nesse período. Todavia, com o passar do tempo, a
distinção entre os dois tipos de posse tornou-se um pouco obscura e no final do mesmo
século os insanos eram geralmente considerados feiticeiros. (op. cit.)
Essa época era a da Inquisição, período em que a igreja castigava e matava as
bruxas, feiticeiros e todos que iam de encontro aos seus dogmas. Foucault (1987, p.38)
ressalta que neste período a forma de obter uma prova segura de bruxaria era torturar a
pessoa até conseguir uma confissão. Este método tinha grande “eficiência” tendo em
vista que as vítimas eram torturadas de maneira tão desumana que qualquer um
confessaria qualquer coisa. Muitos dos suspeitos de bruxaria e feitiçaria participavam
tão ativamente das crenças da época que, muitas vezes, confessavam livremente suas
relações com o demônio. Outros, com graves depressões, exageravam seus terríveis
pecados e admitam não merecer a salvação. Provavelmente, essas pessoas eram tão
doentes mentalmente que se convenciam ilusoriamente de seus poderes ou pecados, e
pouco compreendiam do destino que os esperava: alguns eram degolados ou
estrangulados antes de serem queimados, outros eram queimados vivos e, em alguns
casos, mutilados antes de serem queimados.
Contudo, no século XVI, enfatiza Coleman (1973, p.60), reencontramos uma
atividade intelectual mais científica, mesmo sendo marcado pelo auge da Inquisição. Os
conceitos de bruxaria e demonologia começaram a ser desafiados e atacados por

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homens avançados com relação a seu tempo; homens dos domínios da religião, da
física, da medicina e da filosofia.
No início do referido século, Fonseca (1987, p.41) faz referência à contribuição
de Paracelso e Weyer, médicos que tentaram abolir estas idéias demoníacas dando
importância a algo mais cientifico. Paracelso (1493-1551) formulou o conceito de
causas psíquicas para a insanidade, e defendia a existência de um “magnetismo
corporal”, que mais tarde se traduziu na hipnose. Embora Paracelso respeitasse a
demonologia, suas idéias sobre a doença mental eram confusas, pois acreditava em
influências astrais.
Johann Weyer (1515-1588), psiquiatra holandês, foi um dos primeiros médicos a
se especializar em perturbações mentais, e suas idéias e experiências sobre a doença
mental explicam porque é considerado o verdadeiro fundador da psiquiatria moderna.
Pelo fato de estar muito adiante de seu tempo, Weyer teve a aprovação de alguns
médicos e teólogos importantes do seu tempo, mas enfrentou protestos e forte
condenação da religião, tendo suas obras banidas pela Igreja, as quais permaneceram
nestas condições até o século XX. (op. cit.)
Estes e outros ataques científicos, diz Fonseca (1987, p.45), continuaram ainda
por dois séculos até que a demonologia foi obrigada a ceder, e foi gradativamente
substituída pela observação orientada pela razão, que começaram a alcançar seu auge
com o desenvolvimento da ciência experimental moderna e da psicopatologia. Então,
pelos finais do século XVII começou a ser notável este maior interesse pela
interpretação científica das perturbações do espírito.
Merece destaque nessa evolução científica, os estudo de Thomas Sydenham
(1624 – 1689) sobre histeria, os de Thomas Willis ( 1621-1675) sobre a paralisia geral e
os de George E. Stahl (1660-1734) sobre a etiologia das várias doenças. (STONE, 1999
p. 53)
A idade moderna é marcada, portanto, por essa cisão das superstições místicas e
o avanço cientifico que teve a grande influência de vários estudiosos da mente humana,
gerando uma visão mais racional e lógica da doença mental.

1.5. Idade Contemporânea:

No final do século XVIII e início do século XIX, surge Philipe Pinel (1745-
1826), um médico francês que trouxe novos conceitos e novas formas de tratamento

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para o Doente Mental. Foucault (1987, p.30) enfatiza que Pinel, em 1793, foi nomeado
diretor de La Bicêtre, um hospital para insanos em Paris. Nesse cargo, recebeu a
permissão da Comuna Revolucionária para tirar as correntes de alguns internados,
experimento que conduziu para verificar sua opinião de que os doentes mentais deviam
ser tratados com bondade e consideração, ou seja, como pessoas doentes e não como
feras perversas ou criminosos. O resultado foi espantoso, tendo o barulho, a sujeira e as
injúrias dos antigos mosteiros citados anteriormente por Fonseca (1987, p.36) sido
substituído pela ordem e pela paz.
Mais tarde, Pinel foi encarregado de outro Hospital, este denominado
Salpêtriére, onde a mesma reorganização do tratamento foi realizada, com resultados
igualmente satisfatórios. Desta forma, os Hospitais de La Bicêtre e Salpêtriére foram os
primeiros destinados ao tratamento dos doentes mentais. (FONSECA, 1987, p.30)
O sucesso dos experimentos de Pinel, com métodos mais humanitários,
revolucionou o tratamento dos pacientes em todo o mundo. Finalmente, estava
desaparecendo o medo, provocado pelo mistério e ignorância que sempre cercara o
portador de doença mental. (ibid. p.42)
Além de Pinel, Fonseca (1987, p.56) também enfatiza outras figuras, que
contribuíram para a história da Psiquiatria e ciências afins, como Willian Culler (1712-
1790) que foi o criador do termo neurose, Franz Anton Mesmer (1733-1815) fundador
do magnetismo animal, já anteriormente afirmado por Paracelso com o magnetismo
corporal; Benjamin Rush (1745-1813) “pai da psiquiatria americana” e primeiro norte-
americano a organizar um curso de psiquiatria, e por fim Joseph T. Gall (1758-1828)
criador da chamada cranioscopia que consistia num método que procurava relacionar a
localização das funções cerebrais e as disposições e inclinações humanas com as
protuberâncias e depressões cranianas.
Enquanto isso no Brasil - mais especificamente no Rio de Janeiro - o Imperador
D. Pedro II assina o decreto de fundação do primeiro hospital psiquiátrico brasileiro, o
Hospício D. Pedro II. Quarenta anos mais tarde o médico generalista Nuno de Andrade,
assume a direção do estabelecimento, sendo depois substituído por Teixeira Brandão,
primeiro médico-psiquiatra a ocupar aquele posto. (COSTA, 1976, p.36)
Assim como na França e Inglaterra, foi ao longo do século XIX e começo do
século XX, relata Silva (1998, p.48), que a doença mental passou a ser pensada e
percebida de maneira ainda mais científica também no Brasil. Inúmeras foram as causas
dessas novas formas de pensar, dentre elas a criação destas instituições exclusivas para

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“loucos”, e como afirma Fonseca (1987, p.49), a grande disputa da psiquiatria francesa
entre estudos e terapêuticas das neuroses neste período.
Foi em conseqüência dessa disputa que surgiram os trabalhos do neurologista
Jean Martim Charcot (1825-1893) de investigações sobre a hipnose e a histeria. Graças
a Charcot, o hipnotismo ganha seu lugar no campo da psiquiatria, e Freud, continua
Marques (1998, p.23), estagiando com Charcot, reformula e supera em definitivo os
pontos de vista do seu companheiro e dele parte para a constituição psíquica humana.
Sua obra se torna notória rapidamente, e a Psicanálise vem ampliar e modificar a visão
da loucura com sua nova forma de compreensão do mundo mental.
Além de Freud, vários outros contribuintes merecem destaque no crescimento
clínico da Psiquiatria. Dentre eles, o estudioso psiquiatra Kraepelin, citado por Fonseca
(1987, p.55), que desempenhou papel dominante no estabelecimento do ponto de vista
orgânico; descreveu e esclareceu os tipos de perturbações mentais, formulando o
esquema de classificação que atualmente é muito utilizado.
Foram os trabalhos desses e de outros estudiosos que permitiram designar o
período final do século XIX e começo do século XX como período áureo da
neuropsiquiatria, continuando o século XX a contar com brilhantes e talentosos
contribuídores para a evolução da Psiquiatria. (ibid., p.57)
No Brasil, a Psiquiatria ganha novo ímpeto, no início desse mesmo século, com
a contribuição do diretor do Hospício Nacional, Juliano Moreira. Sob sua influência é
promulgada, em 1903, a primeira Lei Federal de Assistência aos Alienados. Em 1912 a
Psiquiatria torna-se especialidade médica autônoma. Em 1934, é decretada a Lei Federal
de Assistência aos Doentes Mentais. Este clima psiquiátrico deu origem a Liga
Brasileira de Higiene Mental. A partir de então, o Brasil continuou e continua a crescer
de forma bastante satisfatória no campo da Psiquiatria. (COSTA, 1976, p.39).
Conseqüentemente, o movimento de vários ramos da Psiquiatria e da Psicologia
foram tendo grandes avanços. Na Psicanálise, por exemplo, surgiram outros
continuadores, projetando-se progressivamente em vários setores da cultura. Além de
Freud, surgiu Afred Adler (1870-1937), C, G. Jung, Otto Rank, Melaine Klein e outros.
(STONE, 1999, p.139)
Porém, é importante ressaltar que, certos autores, afirma Fonseca (1987, p.78),
com ou sem formação psicanalítica, começaram a defender uma orientação de maior
compromisso. Dentre eles, Eugen Bleuler (1857-1939), um psiquiatra de formação
organicista, que aceitava e defendia a valorização motivacional dos acontecimentos

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psicológicos e a sua participação na causalidade das doenças psíquicas; o que em 1911,
levou a criação do conceito de esquizofrenia, posteriormente confirmado por Kraepelin
no seu Manual de Psiquiatria
No final desta mesma década, J. F. J. Cade, um pesquisador australiano,
começou a usar uma substância de urato de lítio que parecia ter um efeito calmante.
Essa pesquisa marcou o início da era da psicofarmacologia específica às doenças, cuja
maior parte desenvolveu-se em 1950. Essa revolução catalisou um novo e amplo
interesse nos aspectos biológicos da Psiquiatria, e vários outros teóricos foram surgindo
e dando suas contribuições. (STONE, 1999, p.193)
Com relação aos últimos vinte anos, ingressamos nos acontecimentos da
atualidade. Nosso progresso recente, certamente recuará para o passado, tornando-se
material para futuros historiadores da Psiquiatria avaliarem, selecionarem e
incorporarem em seus estudos.
A partir de 1980 houve um progresso significativo na neurociência nas áreas de
memória, modelagem computadorizada de atividades neuronais, neuroimagem, circuito
subjacente ao transtorno obsessivo-compulsivo e a natureza da consciência. Nesse
mesmo período, inúmeros estudos focalizaram-se na correlação entre certas situações
estressantes e o suicídio, depressão e transtornos de personalidade. Nestes estudos, o
foco estava sobre experiências traumáticas em algum ponto na vida do indivíduo. (ibid.,
p.281)
Stone (1999, p.293), nos seus escritos, também destaca que, nos últimos anos do
século XX, a psiquiatria experimentou essa expansão de conhecimento em muitas áreas
tradicionais e na criação de áreas bastante novas, como por exemplo, a Psiquiatria
Forense, que se dedica ao diagnóstico e a tomada de decisão em relação aos psicopatas
e sádicos.
Atualmente, início do século XXI, surgem pesquisas nas subespecialidades
psicobiológicas e de novas drogas na busca da melhora do quadro clínico do paciente,
fato que mostra como a ciência está empenhada nestas questões psiquiátricas e como os
profissionais da área buscam um caminho cada vez mais saudável, menos doloroso e
humano para os mentalmente perturbados. (ibid., p.533)
Neste período, outras abordagens estão cada vez mais se concretizando, tendo
como foco o indivíduo e seus aspectos humanísticos. Os hospitais psiquiátricos estão
gradativamente melhorando seus aspectos físicos e de tratamento, buscando transformar

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a vida do portador, de forma a torná-la o mais normal e comum possível. Aqui surge
também a proposta de uma reforma psiquiátrica.
Mediante o exposto sobre a Evolução Histórica do pensamento psiquiátrico,
observamos que a doença psíquica, além de constituir um fato médico, tem sido
igualmente considerada um fato social, pois observamos como a sociedade constrói suas
representações seguindo os valores e crenças do seu tempo e como esta influencia na
vida dos mentalmente perturbados. Portanto, as ações de saúde nos dias atuais precisam
ser repensadas em alguns aspectos, e os profissionais de saúde devem estar
comprometidos com o exercício da cidadania, buscando o desafio de organizar um
sistema eficiente e operacional que ao menos minimize ainda mais as injustiças
cometidas contra o doente mental.

Referências:
COLEMAN, James C. A Psicología do Anormal e a vida contemporânea. São Paulo:
Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1964.
COSTA, Jurandir Freire. História da Psiquiatria no Brasil. Rio de janeiro: Ed.
documentário 1976
FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia Volume I. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1985
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1987.
MARQUES, J. F. Saúde Mental. Sanitas, 3(6):59-64 1° semestre/abril, 1998. Campina
Grande: Edições CCBS/UEPB
STONE, Michael H. Stone. A cura da mente:A história da Psiquiatria da antiguidade até
o presente. Porto Alegre: Editora artmed, 1999

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