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REFLEXÕES SOBRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E BIOÉTICA

Miriam Borges Xavier¹ ²


Thalyson Abbés Namen Cruz de Almeida²

RESUMO: Este trabalho busca analisar a ciência tradicional e o estado


atual da ciência, o que entendemos por tecnologia cujo conceito é muito
controvertido e a atuação da bioética nestes contextos. A técnica unida à
ciência gerava a tecnologia, que se corretamente aplicada, poderia auxiliar em
muito a vida do ser humano. A tecnologia tem se apresentado como fator para
o progresso e desenvolvimento. Neste trabalho procuramos sintetizar de como
a ciência e a tecnologia vem se apresentando desde o início até o presente e a
repercussão de suas ações no ser humano onde a bioética, ética da vida, tem
por função avaliar a correção ética do agir humano, além de respeitar a
autonomia do ser.

Ciência Básica e Aplicada


A concepção tradicional da ciência permitia distinguir entre descoberta e
invenção, com base na diferença entre a ciência (pura e teórica) e a ciência
técnica (aplicada). A ciência básica (pura e teórica) baseia-se na aquisição de
novos conhecimentos e pelo desenvolvimento de teorias, pode-se dizer que
toda pesquisa é uma ciência básica podendo gerar novas teorias. A ciência
aplicada é voltada para a aplicação de conhecimentos já existentes para a
aquisição de novos conhecimentos e resolução de problemas básicos. A
tecnologia não é controlada pela ciência básica ou pela aplicada e sim utilizada
pelas duas para facilitar a resolução de problemas práticos do cotidiano (Shaw
1930).

A ciência básica e aplicada não são separáveis, se interpenetram. Na


verdade, as duas andam juntas. Foi isso que Louis Pasteur, a mais de um
século atrás disse: “não há ciência aplicada, existem sim aplicações da
ciência”, ou seja, há uma lógica de complementaridade entre elas. Alguns
criticam a ciência básica e dizem que o que vale mesmo é a ciência aplicada,
mais prática, voltada aos problemas da humanidade. A pesquisa básica nos
leva a algumas reflexões, como por exemplo, talvez a principal delas é o
suporte à pesquisa aplicada, pois sem a ciência básica, não existe ciência
aplicada. Outra reflexão é levada mais para parte da própria essência da
humanidade, tanto estética quanto espiritual, pois fazer ciência vai muito além
da própria aplicação material, mas a questões que intrigam a humanidade a
muito tempo, desde o início do autoquestionamento. O fato é que nenhuma
sociedade moderna tornou-se desenvolvida sem investimento em ciência
básica. Muitas pesquisas que não foram levadas a sério, pela sociedade no

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início, hoje não podemos imaginar a humanidade sem as aplicações das
mesmas (Shaw, 1930 ).

Cultura e Tecnologia

Uma cultura está configurada por um conjunto de valores cognitivos e


valores práticos ou morais e sociais, que permitem a uma coletividade de
pessoas conseguirem realizar suas aspirações sociais: manter as suas vidas,
satisfazer as necessidades e desejos, definir e resolver seus problemas,
determinar como há de ser sua existência. Isto é, está composto por meios
materiais, por objetos; por sistema de organizações e relações sociais; por
habilidades e destrezas, erudição e experiências assimiladas; por símbolos e
códigos de comunicação; por costumes, crenças e emoções; enfim, por um
conjunto de valores e conhecimentos ou saberes adquiridos (YANARICO,
2011).
A ciência e a tecnologia, ou a tecnociência, formam um destes saberes
que se tornaram de importância fundamental na decisão dos estilos de vidas,
da educação, de cultura, em suma, de uma concepção do mundo, de um
sistema social determinado, enquanto formas de desenvolvimento ou
subdesenvolvimento das sociedades (YANARICO, 2011).
A ciência contemporânea é tecnociência, ou seja, o modelo implantado
apoia-se somente na exploração e na produção, que nada tem em comum com
uma atitude passiva e teórica da descoberta de um dado natural.

A natureza e o ser vivo tornaram-se passíveis de manipulação e a


natureza tornou-se um fundo explorável, o ser vivo é um instrumentalizado e
inserido em uma artificialidade para a qual só existem sistemas e funções, em
conformidade como o espírito da cibernética, no sentido de tudo se tornar
comerciável e do tudo jurídico, na qual a o Direito se torna cada vez mais uma
técnica de regulação comercial universal das coisas e dos conflitos que essas
avaliações proporcionam.

A ciência e a tecnologia da sociedade capitalista contemporânea


fundamentam-se num conjunto de valores institucionais para ações, tais como:
a eficácia, o progresso, o desenvolvimento, liberdade de consumo,
especialmente nos valores da neutralidade e determinismo científico
tecnológico. A tecnociência neoliberal integra-se à lógica capitalista para
maximizar os ganhos a menor custo, tornando-se, simplesmente, numa força
de produção sem prioridades sociais. Acumulando renda em alguns indivíduos
sem pátria (os, aparentemente, globalizados) e mantendo miseráveis, tais
como a grande maioria da população.
A tecnologia é fruto da aliança entre ciência e técnica, a qual produziu a
razão instrumental, como no dizer da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.
Esta aliança proporcionou o agir-racional-com-respeito-a-fins, conforme
assinala Habermas, a serviço do poder político e econômico da sociedade
baseada no modo de produção capitalista (séc. XVIII) que tem como mola
propulsora o lucro, advindo da produção e da expropriação da natureza. Então
se antes a razão tinha caráter contemplativo, com o advento da modernidade,
ela passou a ser instrumental. É nesse contexto que deve ser pensada a

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tecnologia moderna; ela não pode ser analisada fora do modo de produção,
conforme observou Marx (MIRANDA, 2002).

Bioética

Vamos relembrar que o século XX foi marcado por três grandes projetos
(PESSINI & Barchifontaine, 1996):

-Projeto Manhatan, que descobriu e utilizou a energia, bem como produziu a


bomba atômica.

-Projeto Apollo, que projetou o ser humano no coração do cosmos,


possibilitando-o, chegar à lua.

-Projeto Genoma Humano, que iniciou nos anos 90, permitiu melhor
conhecimento da herança biológica dos ser humano.

No projeto Manhatan é descoberto o átomo, e dele se extrai energia,


produzindo a bomba atômica que destruiu Hiroshima e Nagasaki (1945),
durante a II Guerra Mundial, que elevou o poder de ataque e destruição.
Imagine-se o estado de temor que se instalou sobre este tipo de aplicação da
ciência. Sob este prisma, podemos, então ter a certeza, a partir desse
momento, de quão perigosa pode ser para a humanidade a união dessas duas
forças: ciência e tecnologia.

No projeto Apollo, o ser humano começa a navegar no cosmos, primeiro


passo do homem na lua (1969).

No terceiro projeto, também, podemos nos situar no âmbito da bioética,


com estudos realizados nos séculos XX e XXI.

Com o projeto Genoma, temos a descoberta do século, o DNA de


Watson e Crick, em 1954, aí tem início a revolução biológica. O teste genético
para determinar a maternidade ou paternidade, e o DNA se presta a uma
tecnologia policial refinada. A Inglaterra já o usa para catalogar imigrantes do
Terceiro Mundo. Surge a carteira de identidade genética. A predisposição para
determinadas doenças, obtidas por testes genéticos, poderá ser uma exigência
para seleção de empregos e para aprovação de seguros de saúde e de vida.

Bioética é um produto da sociedade do bem estar pós-industrial e da


expansão dos direitos da terceira geração (para a paz, para o desenvolvimento,
meio ambiente, respeito ao patrimônio comum da humanidade) que marcaram
a transição do estado de direito para o estado da justiça. Já não se trata só do
direito individual, nem do direito à assistência sanitária, mas também das
obrigações de uma justa responsabilidade frente à vida ameaçada pelo

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crescimento populacional, genoma, catástrofe ecológica, energia nuclear e dos
direitos das gerações futuras.

A bioética, ética da vida, tem por função avaliar a correção ética do agir
humano, além de respeitar a autonomia do ser. A função da bioética pode estar
na possibilidade de pensar as relações humanas e suas consequências. Será
por meio de discussões amplas e sem preconceito que poderemos desenvolver
a nossa ética.

Em relação à experimentação em seres humanos, Reich lembra o caso


de anciões que receberam células vivas de câncer no Jewish Chronic Disease
Hospital, em New York.

Em relação ao uso social da medicina, Reich menciona, casos de


racismo em um estudo da sífilis baseada na índole dos negros, em cidade do
Alabama, EUA.

Em relação à tecnologização da medicina, quanto á hemodiálise, os


critérios de escolha de pacientes, no início em que muitos morreram porque
não havia aparelho disponível para todos.

Por isso, é necessário fazermos uma avaliação crítica sobre a


tecnologia, sua constituição histórica e sua função social, no sentido de não só
compreender o sentido da tecnologia, mas também de repensar e
redimensionar o papel da tecnologia na sociedade. Segundo Miranda (2002), é
necessário dirigir a razão (o pensar) para a emancipação do homem e não para
sua escravidão, como ocorre na razão instrumental.

SILVEIRA & BAZZO (2014) nos diz que passados mais de três séculos,
a história do desenvolvimento tecnológico nos dá condições suficientes para
avaliar as significações da tecnologia moderna que modelou a sociedade como
industrial, pós-industrial e por último, da sociedade na era da informática.
MIRANDA (2002) cita que segundo alguns pensadores da atualidade
como: “Robert Kurz, Arrighi, Ramonet, Boaventura Santos, vivemos hoje o
“colapso da modernização”. A começar pela própria confiança absoluta na
ciência que emanciparia o homem de toda escravidão, do obscurantismos e do
medo. De fato, isso não ocorreu, o que constatamos hoje é a escravidão do
próprio homem pelas suas invenções e descobertas tecnológicas, só possíveis
graças à aliança entre ciência e técnica”.
MIRANDA (2002) ainda acrescenta: “Nunca na história da humanidade
tantas pessoas morreram de fome, na miséria ou pela violência”.
MIRANDA (2002) também expõe a opinião de Hobsbawn sobre a história
do século XX, o qual considera que vivemos a era dos extremos, devido aos
paradoxos que se nos apresentam. A começar pelo próprio avanço tecnológico
de um lado e o extermínio de culturas e povos (seja pela miséria, seja pela
guerra) de outro.

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Na modernidade (a partir do séc. XVI), devido a fatores históricos, sociais,
culturais, econômicos, políticos, a tecnologia sofre e propicia transformações
profundas. E muito além de alterar padrões de comportamento, a tecnologia, a
partir da modernidade, contribui para alterar a relação do ser humano com o
mundo que o cerca, implicando no estabelecimento de uma outra cosmovisão,
diferentemente daquela dos gregos ou dos medievais. O sistema industrial da
modernidade, tem como exemplo o way life norte –americano copiado e
almejado mundialmente, mas que está pautado num modelo de consumo
altamente poluidor e produtor de desperdício (OGIBOSKI, 2012).

Conclusões

Se persistirmos com a tecnociência atual, lastima-se que a busca


desinteressada do saber se perca e que a transformação perversa da busca do
saber, em vontades particulares de dominação e de lucro domine ou, mesmo
chegue a esgotar a ciência. Esta poderia passar a interessar-se pela promoção
de investimentos rentáveis e se preocupar com o ser vivo e com a natureza e
os aspectos desses passíveis de serem explorados.

A atual tecnologia poderá causar uma destruição da vida e do planeta e que,


se o quadro de desenvolvimento tecnológico permanecer como está hoje, não
há sequer possibilidade de reversão do quadro de destruição.

YANARICO (2011) concluiu que três décadas atrás o mundo se uniu


para protestar contra os efeitos danosos que estava produzindo a civilização
industrial na biosfera, e chamou-se dia da terra, posteriormente, se forma um
movimento social, o movimento ecologista. Isso hoje é real. Agora nos faz falta
outro movimento social que se preocupe com os efeitos negativos que
produzem os sistemas tecnológicos; assim como também, da qualidade dos
habitats artificiais onde com freqüência se desenvolvem nossas atividades.
Este movimento poderia ser chamado o “movimento por uma tecnologia
responsável”, que lutaria pela melhora do comportamento humano com as
coisas artificiais. Por um tipo de tecnologia que seja compatível com um
trabalho satisfatório e útil; por um sistema tecnológico que contribua à criação
de uma vida familiar e social satisfatória; que os padrões técnicos sejam
apropriados para uma ordem social onde as pessoas se sintam seguras e
diminuam as desigualdades sociais na ordem econômica mundial; que os
novos inventos tecnológicos se realizem com a participação dos usuários,
democraticamente, e pôr em prática uma economia sustentável. Criar meios
para integrar às pessoas que estão excluídas da possibilidade da escolha nas
novas tecnologias para seu beneficio.

Precisamos de uma ciência com consciência. Para ajudar nessa tomada


de consciência, OGIBOSKI (2012) e YANARICO (2011) foram buscar subsídios

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no campo da ciência, tecnologia e sociedade que acaba destacando os
aspectos negativos associados aos avanços tecnocientíficos e apresenta
conceitos da Tecnologia Social como uma via alternativa ao modelo de
desenvolvimento tecnocientífico por ser capaz de promover a construção de
soluções que visam o bem estar social em detrimento das regras do mercado
capitalista.

Quanto a engenharia genética existe uma saída? Qual? Sim, a luta pelo
direito do saber, pela ética na ciência e pela paz, que pode ser sintetizada em
uma frase: o conhecimento é patrimônio da humanidade, e indica uma rota: o
resgate da função social das ciências biológicas (OLIVEIRA, 1996).

Referências bibliográficas

MIRANDA, A.L. Da natureza da tecnologia: uma análise filosófica


sobre as dimensões ontológica, epistemológica e axiológica da
tecnologia moderna. 2002. 161p. (Dissertação de Mestrado do Centro Federal
de Educação Tecnológica do Paraná).

OGIBOSKI, V. Reflexões sobre a tecnociência – uma análise crítica


da sociedade tecnologicamente potencionalizada. São Carlos, 2012, 103p.
(Dissertação de Mestrado da Universidade Federal de São Carlos)

OLIVEIRA, F. Engenharia Genética – o sétimo dia da criação. In:


PESSINI, L. & BARCHIFONTAINE, C. de P. Fundamentos da Bioética. São
Paulo: Loyola, 1996, 241p.

PESSINI, L. & BARCHIFONTAINE, C. de P. Fundamentos da Bioética.


São Paulo: Loyola, 1996, 241p.

SHAW, B. The works of Bernard Shaw. London, Constable and


Company, 1930.

SILVEIRA, R.M.C.F. & BAZZO, W.A. Ciência e Tecnologia –


transformando a relação do ser humano com o mundo. Ponta Grossa,
Revista Brasileira de Tecnologia e Civilização, 2014.

YANARICO, A. A. Uma tecnociência para o bem estar social. Ciência


& Tecnologia Social, (1) 99-119, 2011.

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