Index: Hidrogeoquímica Do Grupo Una Na Bacia de Irecê, Bahia:Um Exemplo Da Ação de Ácido Sulfúrico No Sistema Cárstico

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07/08/2020 III SCSF

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ST8 -01 ST8 -02 ST8 -03 ST8 -04 ST8 -05 ST8 -06

ST8 - 06

HIDROGEOQUÍMICA DO GRUPO UNA NA BACIA DE IRECÊ, BAHIA:UM EXEMPLO DA AÇÃO DE ÁCIDO SULFÚRICO NO SISTEMA CÁRSTICO

Valle, M.A.1 & Karmann, I.2

1 Instituto de Geociências-USP, Fundação Sto André, Av. Príncipe de Gales,821, 09060-650, Sto André –
SP. [email protected]
2 Instituto de Geociências–USP, Rua do Lago, 562, 05508-900, São Paulo – SP. [email protected]

ABSTRACT
The present study investigates the H2SO4 participation as genetic agent of conduit formation in the Grupo
Una karst in the Irecê basin, based on the hydrochemistry and hydrochemical facies. The alogenic runoff
facies is characterized by low pH values (4.79; CV=3.15%), with dominance of SO42- (0.57mg/L;
CV=10.32%) between the main cations and anions; the deep phreatic carbonatic flow facies represents
the largest HCO3- concentration of all samples, with average of 359.08mg/L. This facies is saturated for
calcite (SIc=0.02) and unsaturated for gypsum (SIg=-1.51). The SO42- concentration is high
(204.50mg/L; CV=135.00%), standing out a sampling point that exhibits a high medium value of SO42-
(746.07mg/L; CV=13.79%). In the vadose percolation facies the SO42- concentration is expressive, with
average of 305.09mg/L; in the groundwater reservoirs stands out the HCO3- high concentration
(305.10mg/L), Saturation Index very close of the calcite balance (SIc=-0.02) and medium SO42-
concentration (17.79mg/L; CV=52.03%). In the karst springs, high values of HCO3- was observed
(246.96mg/L; CV=11.0%), SIc=0.00 (0.28 to -0.37), in balance for the calcite mineral and SO42-
concentration (average 19.30mg/L; CV=31.47%). The meteoric waters are characterized by the low
concentrations of the main cations and anions, with inferior averages to the 0.5mg/L. The hydrochemistry
data were chemically treated and it is ended that in the molar ratio the waters don't follow the classic
reasons for exclusive carbonic acid dissolution, but a strong tendency of sulfuric acid action. In this
sense, the studied variables make possible the indication of the sulfuric acid participation in the dynamics
the karstic system of the Grupo Una in the Bahia State.

Palavras-chave: Hidrogeoquímica, Grupo Una, ácido sulfúrico, carste

INTRODUÇÃO
No processo de carstificação, as rochas carbonáticas, sobretudo os calcários e dolomitos em função da
alta solubilidade, sofrem reações de dissolução, que são promovidas principalmente pelo ácido carbônico,
devido à disponibilidade global de CO2 no solo e atmosfera. No entanto, vale destacar que estudos norte
americanos e europeus demonstram que a ação de ácido sulfúrico na espeleogênese, em alguns casos é a
reação mais importante do desenvolvimento de sistemas de cavernas, e, muitas vezes, produzem feições
morfológicas típicas. Auler (1996) levanta a hipótese da dissolução para o carste do Grupo Una por ácido
sulfúrico, e o presente trabalho, baseado em dados hidroquímicos, microbiológicos, mineralógicos e
isotópicos, constatou a participação de ácido sulfúrico na dinâmica do sistema cárstico do Grupo Una. A
origem do ácido sulfúrico na água pode ser explicada a partir de dois mecanismos: oxidação de H2S
(sulfeto de hidrogênio) e oxidação de sulfetos.
ÁREA DE ESTUDO
A área de estudo localiza-se no setor central do estado da Bahia, abrangendo parte dos municípios de
Iraquara, Canarana, Barro Alto, Mulungú do Morro, Lapão e Irecê.
O contexto geológico da área de estudo é do Grupo Una, que, segundo Mascarenhas et al. (1984),
compreende uma seqüência essencialmente carbonática do Neoproterozóico, assentadas sobre unidades
detríticas do Grupo Chapada Diamantina. O Grupo Una, na Bacia de Irecê, representa as coberturas
sedimentares do cráton do São Francisco pertencentes ao chamado Supergrupo São Francisco (Misi &
Silva, 1996), sendo dividido nas formações: Bebedouro e Salitre. A Formação Bebedouro é caracterizada
pela presença de metassedimentos síltico-argilosos, aos quais se associam lentes relativamente contínuas
de metagrauvacas conglomeráticas, com clastos de tamanhos diversos e formas angulares, o que permite
classificar estas rochas como diamictitos de natureza essencialmente glacial, sendo que as unidades
basais da Formação Salitre repousam discordantemente sobre as fácies sedimentares da Formação
Bebedouro (Misi, 1979; Misi & Silva, 1996). A Formação Salitre é constituída por calcários cinza,

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microcristalinos, bem estratificados, com níveis dolomíticos e intercalações argilosas (Dardenne, 1978;
Mascarenhas et al., 1984; Misi & Souto, 1975).
Misi & Souto (1975), para a Bacia de Irecê, revelaram seis mineralizações associadas a chumbo, zinco,
flúor e bário, onde se destacam as ocorrências de cristais de galena disseminados na calcita, além de
pirita, calcopirita, esfalerita e covelita. Posteriormente Misi & Kyle (1994), estudaram a evolução
diagenética dos sedimentos carbonáticos da Fm. Salitre, definindo estágios de evolução, que demonstram
os processos das mineralizações associados a uma forte participação de sulfetos.
Segundo Pedreira-da-Silva (1994), os domínios geomorfológicos da região são divididos em dois, sendo
um, representado pelos planaltos e serras em rochas predominantemente siliciclásticas, ocorrendo nos
intervalos de 800m a 1100m e o outro representado pelos planaltos cársticos, ocorrendo nos intervalos de
600m a 800m, com litologia associada aos carbonatos do Grupo Una. Feições importantes desse planalto
correspondem a vales bem encaixados com vertentes escarpadas, ultrapassando em alguns casos 40m de
profundidade e a ocorrência de uma grande quantidade de depressões cársticas. Os pontos mais baixos do
relevo são encontrados ao longo do vale do Rio Santo Antônio, com piso situado a aproximadamente
600m de altitude. Este vale compreende o nível de base do aqüífero na área. A maior parte do planalto
cárstico na área de estudo encontra-se coberto por solos carbonáticos e também por depósitos
coluvionares e aluvionares. No restante do planalto de Irecê, os trechos com rochas aflorantes são mais
comuns.

METODOLOGIA
O estudo da dinâmica atual foi realizado através de determinações periódicas, entre julho de 2002 e
setembro de 2003, com intervalos de cerca de três meses, de parâmetros químicos e físico-químicos
obtidos através da amostragem de diferentes ambientes hidroquímicos. Foram consideradas as fácies
hidroquímicas típicas do modelo conceitual de sistemas cársticos carbonáticos (Back, 1960; Drake &
Harmon, 1973). Para testar quantitativamente as diferenças e semelhanças hidroquímicas dos vários
ambientes de fluxo, foi utilizado o método estatístico de análise de agrupamento (cluster), que confirmou
a distinção conceitual dos ambientes de fluxo. As amostragens tiveram como alvo os seguintes
ambientes: fácies 1 – escoamento alogênico; fácies 2 – fluxo freático profundo não carbonático; fácies 3 -
fluxo freático profundo carbonático; fácies 4 – percolação vadosa autogênica; fácies 5 – reservatórios
subterrâneos; fácies 6 – nascentes cársticas. Foram selecionados 14 pontos de amostragem. No
laboratório de campo determinaram-se bicarbonatos e carbonatos por titulação acidimétrica com HCl e
dureza total por titulação com EDTA, os cátions e os ânions Ca2+ e Mg 2+ foram analisados no
Laboratório de Química do IGc/USP, por espectrometria de emissão óptica com plasma induzido acoplado
(ICP-OES); os ânions foram analisados no Laboratório de Hidroquímica do CEPAS/IGc/USP, sendo Na+ e
K+ por fotometria de chama e os demais por cromatografia de íons.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fácies escoamento superficial alogênico é caracterizada por baixos valores de pH ( =4,79;
CV=3,15%) e dos principais cátions e ânions, com destaque para SO42- ( =0,57mg/L; CV=10,32%). A
fácies fluxo freático profundo carbonático representa a maior concentração de HCO3- de todo o conjunto
amostrado, com média igual a 359,08mg/L. Na média, as águas desta fácies encontram-se saturadas para
calcita (Sic=0,02) e insaturadas para gipsita (SIg=-1,51). A concentração de SO42- também é alta (
=204,50mg/L; CV=135,00%), destacando-se um ponto de amostragem que exibe elevado valor médio
para SO42- ( =746,07mg/L; CV=13,79%). Na fácies percolação vadosa a concentração de SO42- é
expressiva, com média igual a 305,09mg/L. Nos reservatórios subterrâneos destaca-se a alta
concentração de HCO3- (média = 305,10 mg/L), Índice de Saturação para calcita muito próximo do
equilíbrio (SIc=-0,02) e concentração média para SO42- ( =17,79 mg/L; CV=52,03%). Nas nascentes
cársticas observou-se alto teor de HCO3- ( =246,96 mg/L; CV=11,0%), SIc=0,00 (0,28 a -0,37), em
equilíbrio de saturação para o mineral calcita e concentração de SO42- ( =19,30mg/L; CV=31,47%).
Considerando os principais agentes corrosivos e as reações envolvidas, foram efetuados cálculos estequiométricos com os resultados analíticos obtidos para as
diferentes fácies hidroquímicas da área de estudo, de forma a determinar as reações químicas dominantes para cada ambiente. A análise estequiométrica fundamenta-
se no equilíbrio molar e no balanço de massas entre as espécies envolvidas numa reação química e seus produtos (Stumm & Morgan, 1995). As reações consideradas
no presente estudo correspondem às reações clássicas de dissolução de rochas carbonáticas por ácido carbônico, reações de dissolução de rochas carbonáticas
exclusivamente com ácido sulfúrico e também a reação de dissolução de rochas carbonáticas envolvendo ação simultânea destes dois ácidos. Assim, considerando
que o processo de dissolução da rocha produz íons presentes em solução aquosa, estes deverão obedecer às razões molares das reações, caso o sistema seja
operado por estas. A Tabela 1 mostra as principais reações e as respectivas razões molares típicas.

Aplicando os cálculos estabelecidos nas reações da Tabela 1 nos dados hidroquímicos do carste
estudado, constata-se que as fácies não estão controladas exclusivamente pelo sistema CaCO3-H2CO3. A
fácies 1, por se tratar do escoamento alogênico, cujas concentrações dos sais são baixas, não enquadra-
se em nenhuma equação de dissolução. A fácies 4, percolação vadosa autogênica, é predisposta à
deposição. As demais fácies atestam a participação de ácido sulfúrico em conjunto com ácido carbônico,
com destaque para a fácies 3, fluxo freático profundo carbonático, cujo valor de razão molar indica que a
participação do ácido sulfúrico como agente corrosivo é dominante.
O sistema cárstico estudado é do tipo misto, ou seja, possui recarga meteórica autogênica, injeção de
escoamento superficial alogênico e de fluxo freático alogênico. O impacto desta recarga sobre as rochas
carbonáticas é quantificado através da diferença entre o Índice de Saturação (SI) das fácies de recarga e
as fácies de circulação no carste. As águas das fácies 1 e 2 mostram-se insaturadas para calcita, dolomita
e gipsita, com valores muito negativos, pelo fato de tratar-se de águas de escoamento alogênico e fluxo
freático profundo não carbonático, contudo, ressalta-se uma evolução crescente entre essas fácies,
relacionada à circulação da água e a conseqüente mistura na fácies 2. No carste estudado, no que se
refere ao SI, seguem as tendências de um aqüífero cárstico típico (Ford & Williams, 1989), onde as águas
mais saturadas correspondem à percolação vadosa em fissuras e que as águas relacionadas à percolação
em condutos profundos carbonáticos (fácies 3) atingem a saturação em relação à calcita e dolomita, mas
continuam insaturadas em relação à gipsita, apesar da alta concentração de sulfato nas águas.
A correlação entre as concentrações de SO42- e Ca2+ (R2=0,93) é boa, porém, considerando que as
características geológicas dominantes no sistema cárstico estudado não dispõe de uma fonte primária de
CaSO4 (Misi, 1979), a concentração de Ca2+ deve ser atribuída à dissolução de CaCO3. Desta forma,

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conclui-se que há uma fonte de SO42-, externa ao sistema CaCO3-CaSO4-H2O, relacionada com a
dissolução de ácido sulfúrico na rocha carbonática.

CaCO3 + H2CO3 = Ca2+ + 2HCO3- (r1)


CaMg(CO3)2 + 2H2CO3 = Ca2+ + Mg2+ + 4HCO3- (r2)
2CaCO3 + H2SO4 = 2Ca2+ + SO42- + 2HCO3- (r3)
CaMg(CO3)2+H2SO4=Ca2++Mg2++SO42-+2HCO3-(r4)
3CaCO3+H2CO3+H2SO4=3Ca2++SO42-+ 4HCO3- (r5)
2CaMg(CO3)2 +2H2CO3+H2SO4= 2Ca2++2Mg2++
SO42-+ 6HCO3- (r6)
Ca2++Mg2+ Ca2++Mg2+
HCO3- SO42-
r.1 (1+0)/2 = 0,5 ---
r.2 (1+1)/4=0,5 ---
r.3 (2+0)/2 = 1 (2+0)/1 = 2
r.4 (1+1)/2=1 (1+1)/1 = 2
r.5 (3+0)/4=0,66 (3+0)/1=3
r.6 (2+2)/6=0,75 (2+2)/1=4
Tabela 1. Razões molares típicas nas reações de dissolução por H2CO3 e H2SO4

A variação de pCO2 em função do SIcalcita das fácies hidroquímicas exibe uma relação inversamente
proporcional, seguindo o padrão de águas cársticas, mas o que ressalta é o fato de que as águas mais
profundas e com tempo de residência maior, alinham-se numa trajetória que parte de águas com pCO2
maior que as demais fácies hidroquímicas, isto é, no ambiente mais profundo há produção de CO2. Este
fato difere, por exemplo, do sistema cárstico identificado no vale do Ribeira cuja pCO2 é mais expressiva
na zona epicárstica (Karmann, 1994). Portanto, no carste estudado, deve haver uma fonte de CO2 para a
fácies freática profunda, além do CO2 atmosférico e do solo, que pode ser atribuída à oxidação de pirita.
A fácies 4 também diferencia-se das demais fácies pela alta concentração de SO42-, sobretudo quando
comparada com a concentração de HCO3-. A situação mais freqüente encontrada em percolação vadosa de
sistemas cársticos é de alta concentração de HCO3-em detrimento de outros íons (Ford & Williams, 1989).
A alta concentração de SO42- é atribuída a depósitos de CaSO4, existentes nos sistemas de fraturas e
interstícios da rocha, hoje na zona vadosa, precipitados anteriormente em posições superiores através de
oscilações do nível d´água.
A fácies 3, fluxo freático profundo carbonático, é a que mais está sujeita à ação do ácido sulfúrico,
tendo em vista que as razões molares são compatíveis nas relações explicitadas na Tabela 1. A fácies 4,
percolação vadosa autogênica, não se enquadra em nenhum modelo de reação, pois apresenta um
excesso de Ca2+ e Mg2+ não compatível com o teor de HCO3-. Por outro lado, a concentração de Ca2+ e
Mg2+ é coerente com a concentração de SO42-, o que é relacionado à dissolução de CaSO4 secundário.
Neste sentido, sobretudo em função das características geológicas e hidrogeológicas da área de estudo,
a participação do ácido carbônico como agente corrosivo, mesmo que em menor proporção, sempre
existe, mas destaca-se que a participação do ácido sulfúrico como agente corrosivo das rochas
carbonáticas do carste associado ao Grupo Una é efetiva.
Com a finalidade de verificar a eficácia da metodologia utilizada para a constatação da ação do ácido
sulfúrico no carste estudado, aplicou-se a mesma nos dados hidroquímicos obtidas por Karmann (1994) e
Vianna Jr. (2003), referentes ao carste do Alto Vale do Ribeira, Iporanga-SP, reconhecido pelos autores
como condicionado à ação corrosiva por ácido carbônico. Os resultados da relação Ca2+ + Mg2+ / HCO3-
do teste aplicado confirmaram que o carste do Alto Vale do Ribeira é operado exclusivamente pela
dinâmica corrosiva associada ao ácido carbônico, mostrando, desta forma, que a metodologia utilizada é
adequada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(dissertação de mestrado – IGc/USP).

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