Aula 07

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AULA
Estrutura da membrana
plasmática
objetivos

Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:


• entender por que a membrana é uma bicamada lipídica;
• enumerar os tipos de lipídios que compõem a bicamada;
• entender o que é a assimetria da bicamada;
• exemplificar as consequências da assimetria na fisiologia celular;
• conceituar o que é a fluidez da bicamada e os fatores que a influen-
ciam;
• conceituar domínios lipídicos.
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

INTRODUÇÃO Coloque-se no lugar dos pesquisadores que, através da microscopia óptica,


descreveram uma enorme variedade de tipos celulares e elaboraram a teoria
celular. Que estruturas ou características você acha que eles descreveram como
comuns a todos os tipos celulares?
É claro que você sabe: a membrana, o núcleo, a mitocôndria, o citoplasma...
Você sabe que para quase todas as estruturas celulares existem exceções.
Assim, as hemácias não possuem núcleo, as amebas não possuem mitocôndrias,
nenhuma célula animal possui cloroplastos etc. Nem por isso deixam de ser
células. Porém, todos os tipos celulares possuem um limite, ou seja, é possível
definir um espaço intracelular (dentro da célula) e um espaço extracelular (fora
da célula) (Figura 7.1).

Meio Meio
Limite intracelular extracelular

Figura 7.1: A membrana estabelece um limite entre o meio intrac-


elular e o meio extracelular.

Nessa linha de raciocínio, podemos concluir que, se as células são


as unidades formadoras dos seres vivos, é lógico supormos que essas
unidades possuem um limite.
Nessa altura, você já deve ter concluído que esse limite é a
membrana celular ou membrana plasmática ou plasmalema, tema
desta aula.

Dê uma paradinha

Responda a este questionário de pré-avaliação de seus


conhecimentos anteriores sobre membrana. Vale a pena
respondê-lo antes de continuar. Veja o gabarito no final
desta aula.

1. A membrana celular é uma estrutura que limita as células


e _____________________________________________.

2. A composição química da membrana é de ___________


____________, _________________ e __________________ .

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MÓDULO 1
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3. Os lipídeos são principalmente do tipo _______________

AULA
e se organizam na membrana formando uma ___________
_____________________.
4. Os lipídeos da membrana se caracterizam por possuir uma
extremidade da molécula __________ e a outra _________.
Moléculas com essa natureza são chamadas _____________
_____________________.

5. Na bicamada lipídica, essas moléculas se organizam


com as cabeças hidrofílicas para ______________ e a região
hidrofóbica para ______________________ .

6. Enquanto isso, as proteínas se inserem mais ou menos


profundamente __________________, e os carboidratos
(açúcares)_______________________________ .

Estamos certos de que o conceito de membrana, sua


!
estrutura e composição química são seus velhos conhecidos,
Nos cadernos didáticos de Bioquímica I estão
não apenas pelo conteúdo de Biologia Celular apresentado minuciosamente descritos os conceitos aqui
rapidamente revistos e os experimentos que
no Ensino Médio como também pela Bioquímica, que você levaram a eles. Vale a pena dar uma conferida
antes de prosseguir no texto.
já cursou. O que acabamos de revisar são os rudimentos do
modelo estrutural da membrana plasmática, proposto em
1972 pelos pesquisadores americanos Singer e Nicolson.
Esse modelo é conhecido como modelo do mosaico fluido (Figura 7.2),
e resultou de anos de pesquisas em que foram utilizados vários métodos
de estudos físicos, químicos e biológicos.

Meio extracelular
Fernanda de Abreu / CEDERJ

Meio intracelular

Figura 7.2: De acordo com o modelo do mosaico fluido da membrana, as diferentes


proteínas se inserem entre os lipídeos da bicamada.

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Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Resumindo:
1. Todos os seres vivos são célu-

Foto: Márcia Attias e Marco Antônio


las ou conjuntos de células.
2. Todas as células são limitadas
por uma membrana que define e separa o

Vasconcelos Santos
meio intracelular do meio extracelular, a
membrana celular. Delimite na Figura 7.3
o meio intracelular e o meio extracelular.
Figura 7.3: Hemócito de molusco.

BÁSICO
Todas as células são limitadas por uma membrana que define
e separa o meio intracelular do extracelular. Dentro da célula, outros
compartimentos também são definidos por membranas. Um exemplo
disso é o núcleo, onde fica confinado o material genético. Outros exem-
plos que nos são familiares são as membranas que limitam o retículo
endoplasmático e as mitocôndrias (Figura 7.4).

Figura 7.4: As membranas celulares delimitam os


contornos mais externos da célula, assim como
compartimentos internos: o núcleo, o retículo
endoplasmático e mesmo subcompartimentos,
como nas mitocôndrias, onde duas membranas
delimitam dois compartimentos.

Dados históricos

A estrutura e a composição química das membranas celulares


começaram a ser esclarecidas no século XIX.
O primeiro a propor uma natureza lipídica para as membranas
celulares foi Overton, ao observar que as células podiam inchar ou murchar,
de acordo com a composição do meio em que se encontravam.
Mais adiante, em 1917, Langmuir demonstrou que não apenas as
membranas eram formadas por lipídeos como estes eram de natureza anfipática,
isto é, uma região da molécula era hidrofílica e a outra era hidrofóbica.

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Como explicar a organização desses lipídeos numa membrana em

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que tanto o meio interno quanto o externo são hidrofílicos? A resposta foi

AULA
dada em 1925 por Gorder e Grendel, estudando as membranas extraídas de
hemácias (os glóbulos vermelhos do sangue). Eles concluíram que os lipídeos
se organizam na membrana como uma camada dupla (bicamada).
Chamamos de folheto cada uma das camadas da bicamada lipídi-
ca. Assim, a membrana plasmática tem um folheto externo, voltado para
o meio extracelular, e um folheto interno, voltado para o citoplasma.
A Figura 7.5 representa uma bicamada de moléculas anfipáticas.

Fernanda de Abreu / CEDERJ


Figura 7.5: Bicamada lipídica.
As cabeças polares (hidrofílicas)
ficam em contato com o meio Bicamada lipídica
aquoso, enquanto as caudas
apolares (hidrofóbicas) se voltam
para o interior da bicamada.

Na década de 1930, R. Chambers, comparando medidas de ten-


são superficial de bicapas lipídicas artificiais e de membranas naturais,
concluiu que as membranas biológicas não eram compostas apenas por
lipídeos. Foi a primeira indicação da presença das proteínas na compo-
sição da membrana.
Os lipídeos são os componentes universais das membranas bioló-
gicas; entretanto, as atividades específicas de cada tipo celular dependem
principalmente das proteínas. Além dessas duas classes de moléculas, os
glicídios associados às proteínas ou aos lipídeos também fazem parte da
composição das membranas biológicas.

Os lipídeos da membrana

Os lipídeos correspondem a cerca de 50% da massa na


maioria das membranas, sendo os outros 50% referentes prin-
Foto cedida pela Dra. Ana Maria B. Martinez

cipalmente a proteínas. Essa proporção é variável, havendo


membranas praticamente desprovidas de proteínas, como é o
caso da bainha de mielina, que envolve os neurônios. Portanto,
os lipídeos formam a base das membranas celulares, sendo
também responsáveis por suas características fundamentais
de fluidez e permeabilidade. As membranas celulares são
formadas por três tipos principais de lipídeos:
• fosfolipídeos;
• esteróis;
• glicolipídeos.

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Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Todos são do tipo anfipático ou anfifílico (do grego amphy = dois;


philos = amigo), isto é, uma parte de sua molécula é hidrofílica ou polar,
e a outra extremidade é hidrofóbica ou apolar (Figura 7.6).

Cabeça polar Cabeça polar

Anéis
esteroides
rígidos

Cabeça apolar Cabeça


apolar

a b

Figura 7.6: Representação esquemática de um fosfolipídeo (a) e do colesterol (b),


dois tipos de lipídeo que compõem as membranas biológicas. As cabeças hidrofí-
licas estão assinaladas em cinza mais claro e as caudas hidrofóbicas em tons mais
escuros. O esquema não está em escala, o colesterol é uma molécula muito menor
que o fosfolipídeo.

Em meio aquoso, os lipídeos anfipáticos podem formar micelas, em


que as cabeças polares ficam voltadas para o exterior e as caudas apolares
para o interior, ou então formam bicamadas, em que as cabeças polares ficam
em contato com o meio aquoso e as caudas apolares se voltam para o interior
(Figura 7.7). Essas bicamadas tendem a selar-se em vesículas de 0,25 a 1,0mm
de diâmetro, chamadas lipossomas.

Figura 7.7: Os lipídeos anfipáticos


Fernanda de Abreu / CEDERJ

podem se organizar em pequenas


micelas (a) ou em lipossomas (b).
Os segundos são maiores e fazem
contato com a água tanto pelo lado
interno quanto pelo externo.

a Micela b Lipossoma

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Dessa maneira, os grupos apolares das extremidades também não

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ficam em contato com a água. Guardadas as devidas proporções, as
micelas são semelhantes a bolhas de sabão, só que enquanto as bolhas
de sabão ficam em contato com o ar (tanto por dentro quanto por fora),
as micelas ficam em meio aquoso, além de serem muitíssimo menores.

Os fosfolipídeos

Os fosfolipídeos são formados por um grupo hidrofílico, composto


por um esqueleto de glicerol com um radical fosfatado e uma cauda
hidrofóbica, composta por duas cadeias de ácidos graxos de comprimento
variável (14 a 24 carbonos). Uma dessas cadeias geralmente é saturada,
isto é, não há duplas ligações entre os átomos de carbono, e a outra pode
ser saturada ou insaturada (Figura 7.8).

Figura 7.8: Os fosfolipídeos são formados por uma cabeça polar onde a um esqueleto
de glicerol ligam-se um fosfato e um radical orgânico. A cauda apolar é formada
por duas cadeias longas de ácidos graxos. Uma dessas pode ser insaturada.

Os fosfolipídeos podem variar quanto ao radical fosfatado da


molécula (Figura 7.9), quanto ao comprimento das cadeias de ácidos
graxos e quanto ao grau de insaturação dessas cadeias. Em geral, uma das
cadeias de ácido graxo dos fosfolipídeos é saturada, e a outra não é.

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Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Os fosfolipídeos

Quatro tipos de fosfolipídeos predominam nas membranas


celulares dos mamíferos: fosfatidilcolina, fosfatidilserina, esfingomielina
e fosfatidiletanolamina.
Sobre as particularidades de cada um, podemos dizer:
• Apenas a fosfatidilserina é carregada negativamente em pH
fisiológico.
• O fosfatidilinositol é um lipídeo minoritário, mas é o único que
serve de âncora a proteínas, num arranjo descrito mais recentemente e
de grande importância em vários processos celulares (veja aula de pro-
teínas de membrana).
• Os fosfolipídeos não se distribuem simetricamente nas duas meta-
des da membrana. Em eritrócitos humanos, por exemplo, a fosfatidilcolina
e a esfingomielina se distribuem apenas na camada voltada para o meio
externo, enquanto a fosfatidilserina e a fosfatidiletanolamina se localizam
apenas na camada interna. Isso causa diferença de cargas entre a face
interna e a face externa da membrana. Essa distribuição diferenciada dos
fosfolipídeos é uma das causas da assimetria da membrana (Figura 7.10),
uma característica que discutiremos mais adiante.

Figura 7.9: Principais tipos de fosfolipídeos encontrados nas membranas biológicas.

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MÓDULO 1
Meio extracelular

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Fernanda de Abreu / cedrj
Figura 7.10: Assimetria dos fosfolipídeos da
membrana. Os fosfolipídeos voltados para
o meio extracelular não são idênticos aos
voltados para o citoplasma.

Citoplasma

A fluidez da bicamada lipÍdica

Nas membranas naturais, os lipídeos podem se mover livremente


no plano lateral da membrana (translocação), assim como rodar em
torno de seu próprio eixo (rotação) (Figura 7.11). Essa propriedade é a
essência da fluidez da membrana. Esses movimentos ocorrem o tempo
todo e com uma rapidez incrível! Além disso, as cadeias carbônicas dos
ácidos graxos também podem flexionar-se.
Difusão lateral (translocação)

Figura 7.11: Os lipídios da membrana rea-


lizam movimentos de translocação e de rota- Flip-flop
ção constantemente. O flip-flop, entretanto,
só ocorre em situações específicas.
Rotação

Por outro lado, é muito raro que um lipídeo mude de plano na


bicamada, movimento denominado flip-flop. O flip-flop é comum no
retículo liso e requer enzimas específicas e gasto de energia (você vai ver
mais sobre isso na aula de retículo endoplasmático).
Cada fosfolipídeo passa do estado líquido (fluido) para o estado
cristalizado (gel) a uma determinada temperatura, a chamada fase de
transição, que já foi determinada experimentalmente em membranas
artificiais compostas por apenas um tipo de fosfolipídeo.

Num cristal, as moléculas se dispõem de forma


periódica e repetitiva, estabelecendo um padrão
que pode ser cúbico, hexagonal etc.

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Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Como as membranas naturais são formadas de vários


fosfolipídeos diferentes misturados, elas não se cristalizam,
mesmo quando em temperaturas próximas da fase de transição de
alguns deles. Essa mistura é essencial, principalmente para células
diretamente expostas a ambientes de temperatura muito variável.
A fluidez dos lipídeos da membrana varia com o comprimento
e com o número de duplas ligações da cadeia de ácidos graxos.
a
A forma da cadeia insaturada implica um aumento da distância
mínima entre esse fosfolipídeo e os que o rodeiam. Portanto, quanto
Fernanda de Abreu / CEDERJ

maior a quantidade de fosfolipídeos com cadeias insaturadas, maior


será a fluidez da membrana (Figura 7.12). Entretanto, quanto mais
longas as cadeias carbônicas, menos fluida é a membrana, porque
b duas cadeias longas colocadas lado a lado interagem mais, limitando
a liberdade de movimento de cada uma.
Figura 7.12: (a) Cadeias insaturadas,
membranas mais fluida; (b) cadeias Organismos simples, como bactérias e leveduras, são capazes
saturadas, membrana menos fluida.
de modular a síntese de fosfolipídeos com mais duplas ligações
quando a temperatura cai. Assim, a fluidez de sua membrana é
mantida relativamente inalterada.

Esteróis

O colesterol é o esterol mais importante nas membranas


biológicas. Na maioria das membranas dos eucariontes, há prati-
camente uma molécula de colesterol para cada molécula de fosfo-
lipídeo. As moléculas de colesterol são pequenas, e sua estrutura,
contendo anéis, é bastante rígida (Figura 7.13).

b c
a

Figura 7.13: A estrutura do colesterol, com anéis aromáticos, torna a molécula bastante rígida: (a) fórmula plana;
(b) fórmula esquemática, apontando em cinza médio a parte hidrofílica da molécula, em cinza-claro os anéis
carbônicos e em preto a cauda de hidrocarbonetos; (c) fórmula tridimensional onde o oxigênio da hidroxila
aparece em cinza, os carbonos em preto e os hidrogênios em branco.

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Elas se dispõem por entre as moléculas dos fosfolipídeos, conferindo

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maior rigidez à membrana e aumentando sua resistência à deformação.
Assim, quanto mais ricas em colesterol, menos fluidas são as membranas,
porque os anéis aromáticos do colesterol atrapalham o movimento das cau-
das dos fosfolipídeos, que são muito flexíveis. Se, por um lado, isso soa como
uma desvantagem, por outro, a presença de colesterol entre as moléculas de
fosfolipídeos dificulta sua cristalização em baixas temperaturas. Para haver a
formação de um cristal, é preciso que os fosfolipídeos se aproximem muito,
o que é dificultado pelo colesterol (Figura 7.14).

Figura 7.14: A molécula de colesterol, pequena e pouco flexível, se


insere entre os fosfolipídeos, maiores e mais maleáveis. A “cabeça”
polar do colesterol é muito pequena, apenas uma hidroxila, mas é ela
que determina o posicionamento do colesterol na bicamada.

Isso representa uma grande proteção para organismos


sujeitos a grandes variações de temperatura. Alguns micro-
organismos também variam a composição lipídica de suas
membranas de acordo com a temperatura do ambiente.
Além do colesterol, as membranas de fungos, plantas
e alguns protozoários podem conter outros esteróis, como
o ergosterol.

Os glicolipídeos

Os glicolipídeos, como o próprio nome


indica, resultam da associação (por meio de
uma molécula de glicerol) entre um glicídio, que
compõe a porção hidrofílica da molécula, e duas
cadeias de ácidos graxos (Figura 7.15).
Cauda de ácido graxo
Cauda de ácido graxo

Figura 7.15: Nos glicolipídeos, a porção hidrofílica da


molécula é formada por uma (a) ou mais (b) molécu-
las de açúcares, incluindo muitas vezes o ácido siálico
(NANA), que confere carga negativa à molécula.
a b

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Há glicolipídeos apenas no lado da membrana voltado para o


meio extracelular. Esses lipídeos apresentam uma forte tendência a se
associar, em parte devido a pontes de hidrogênio que se formam entre
as moléculas de açúcares, mas também graças às forças de van der
Waals entre as cadeias carbônicas de suas longas caudas lipídicas. Por
essas características – localização e tendência à agregação, esses lipídeos
aumentam ainda mais a assimetria entre os dois folhetos da bicamada.
Os glicolipídeos mais complexos são os gangliosídeos (Figura
7.15.b), que, por possuírem resíduos de ácido siálico, são negativamente
carregados. Os gangliosídeos são especialmente abundantes na membrana
plasmática das células nervosas, mas também estão presentes em outros
tipos celulares.
Uma célula que exponha muitos glicolipídeos na superfície de
sua membrana ficará mais protegida do ataque de ácidos ou enzimas
que possam atingir sua superfície. Isto é especialmente importante em
compartimentos como o lisossoma (Aula 20), cujas membranas não
podem ser destruídas pelas enzimas ali contidas. Em contrapartida, a
grande diversidade de combinações possíveis para os açúcares expostos
é fundamental em processos de reconhecimento entre células.
A bactéria causadora do cólera reconhece e só penetra em células
que exponham um determinado tipo de glicolipídeo em sua superfície.
Sua entrada em células do epitélio intestinal desencadeia uma reação que
leva a célula a perder grande quantidade de sódio e água, resultando na
diarreia característica da doença.

Domínios lipídicos

Que em vários tipos celulares cada região da membrana poderia ter


composição, forma e função diferentes, já era sabido há muito tempo. Esse é,
em essência, o conceito de domínio de membrana, uma região da membrana
diferente das demais, com características próprias. Por exemplo, por que
a região apical das células do epitélio intestinal possui microvilosidades
e a superfície basal e lateral destas células é lisa (Figura 7.4)? Por que os
neurônios recebem estímulos pela região do corpo celular e os transmitem
apenas na extremidade do axônio?
Inicialmente, verificou-se que cada domínio poderia conter pro-
teínas de membrana diferentes, mas não se sabia o que mantinha essas
proteínas restritas a essas regiões. A resposta foi obtida há alguns anos,

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MÓDULO 1
quando foi descoberto que algumas regiões da bicamada lipídica têm

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fluidez menor que o resto da bicamada que as cerca. Esta menor fluidez
é resultante da aglomeração de fosfolipídeos de cadeias longas – espe-
cialmente esfingomielina e colesterol nessas regiões. As caudas de ácidos
graxos desses lipídeos se emaranham, formando assim um conjunto que
não se mistura com o resto e se move em conjunto, como se fosse uma
jangada flutuando no mar. Nessa comparação, a jangada seria o conjunto
de lipídeos de menor fluidez (ou seja, com menor liberdade de se mistu-
rar aos outros), e o mar em volta seria todo o resto da membrana. Por
esta razão, as plataformas lipídicas foram denominadas lipid rafts, pois
raft, em inglês significa jangada, em português. O maior comprimento
das cadeias de ácidos graxos desses lipídeos aumenta a espessura da
bicamada nessas regiões, formando verdadeiras plataformas lipídicas
(Figura 7.16), denominação que adotaremos neste texto.

Glicolipídeo
Colesterol
Glicoproteína
Figura 7.16: As plataformas lipídicas
são regiões da membrana onde se con-
centram lipídeos de cadeias longas,
especialmente do tipo esfingolipídeos
e colesterol. Consequentemente,
a bicamada nessas regiões é mais
espessa, menos fluida, e só proteínas
com determinada extensão podem
se inserir ali.

Plataforma lipídica

Sabemos hoje que as plataformas lipídicas ocorrem em praticamente


todos os tipos celulares, mantendo próximos elementos da membrana,
como proteínas, por exemplo, que participam de um mesmo conjunto
de reações (veja a Aula 13) ou função. Como a espessura da bicamada
nas plataformas é maior, apenas alguns tipos de proteínas conseguem se
encaixar nessas regiões. Sabe-se também que, ao contrário do que se acre-
ditava inicialmente, essas plataformas lipídicas não ficam necessariamente
navegando à deriva pela membrana. A superfície apical das células do
epitélio intestinal, por exemplo, é basicamente uma região de plataformas
lipídicas. Um outro tipo de plataforma lipídica, que não se desloca e forma
uma pequena invaginação permanente na membrana plasmática, recebeu
o nome de cavéola (Figura 7.17). Nas cavéolas concentram-se receptores
de um tipo pouco comum, os ancorados (veja na Aula 8).

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Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Tornaremos a falar dos domínios de membrana, incluindo a


participação das proteínas, nas aulas seguintes.

Figura 7.17: As setas apontam as

Foto: Márcia Attias


cavéolas na membrana de uma
célula de tiroide humana.

Conclusão: A importância da assimetria da bica-


mada lipídica
Embora a bicamada lipídica seja representada em muitos esque-
mas didáticos de maneira simétrica e uniforme (com os dois folhetos
idênticos), você viu, nesta aula, que seus componentes podem constituir
domínios de membrana. Além disso, os dois folhetos são bastante distin-
tos, a começar pela presença de glicolipídeos (e também glicoproteínas)
apenas no folheto voltado para o meio extracitoplasmático, enquanto a
fosfatidilserina, um fosfolipídeo negativamente carregado, insere-se ape-
nas no folheto voltado para o meio intracelular. E o que acontece quando
esta disposição é perturbada? No caso da fosfatidilserina, observa-se que
em células que possuem um tempo de vida limitado, como é o caso das
hemácias e dos leucócitos, o aparecimento desse fosfolipídeo no folheto
externo da membrana sinaliza que a célula está morrendo e é um dos
fatores pelos quais elas são reconhecidas pelos fagócitos responsáveis por
removê-las. Esse processo de morte celular programada, ou apoptose,
será estudado na disciplina Biologia Celular II.

Resumo

• A estrutura das membranas é constituída por lipídeos das classes dos


fosfolipídeos, glicolipídeos e esteróis.
• Os lipídeos que formam a membrana são anfipáticos. Distribuem-se em
bicamada, com a parte hidrofílica de sua molécula voltada para o meio
aquoso, extracelular ou citoplasmático, e a parte hidrofóbica voltada para o
interior da membrana.
• Cada camada da bicamada é chamada de folheto.
• As membranas são assimétricas porque os fosfolipídeos que compõem os
seus folhetos são diferentes.

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MÓDULO 1
7
• As membranas são fluidas porque os lipídeos que as compõem movem-se o

AULA
tempo todo, fazendo flexão das cadeias de ácidos graxos, rotação, translocação
e, raramente, flip-flop.
• Existem regiões menos fluidas na bicamada lipídica, as plataformas lipídicas,
ricas em ácidos graxos de cadeia longa e colesterol.
• Regiões diferenciadas em termos de composição lipídica, função e fluidez das
membranas constituem domínios de membrana.

Exercícios

1. Descreva de modo sucinto o modelo do mosaico fluido da membrana.

2. Defina e diferencie meio intracelular e meio extracelular.

3. O que você entende por compartimento celular?

4. Como se organizam os lipídeos nas membranas?

5. O que você entende por fluidez dos lipídeos da membrana?

6. Que tipos de movimento realizam os lipídeos na membrana?

7. O que é flip-flop? Quando ocorre?

8. Como atuam os seguintes fatores sobre a fluidez da membrana:

a) comprimento das cadeias de ácidos graxos dos fosfolipídeos?

b) duplas ligações nas cadeias de ácidos graxos dos fosfolipídeos?

9. Por que o colesterol diminui a fluidez da membrana?

10. Descreva a assimetria da bicamada lipídica.

11. Como podem os lipídeos formar domínios na membrana?

12. O que são as plataformas lipídicas?

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