OP. 33 - LAURENT, Dominique. As Modalidades Da Saida Mulher

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As MODALIDADES DA SA~DA

DOMINQUE
LAURENT(Paris)

O testemunho de Véronique Mariage, hoje, de castração ia de encontro a eternização da


não se aplica a dar conta da articulação lógica queixa fálica e deixava confundidos o final da
d e todo o seu tratamento. N o entanto, ouvi- análise e a cura sintomática. Ao impasse, iacan
mos, em cada um de seus enu'nciados, o con- opõe o passe. Em um primeiro tempo, inte-
densado de uma longa elaboração. Seu relato grando os desenvolvimentos kleinianos à pers-
apresenta e desenvolve uma série de saídas do pectiva freudiana, ele estabeleceu a saída do
dispositivo analítico em um jogo cerrado com tratamento não mais a partir do sintoma, mas
o parceiro sintoma. Essa perspectiva, muito fe- sim a partir da fantasia fundamental e do ob-
cunda clinicamente, permite apreender na sin- jeto a, circunscrito a partir das coordenadas
gularidade de um tratamento, aquilo com que pulsionais. A redução dessas coordenadas à
todo analisante é confrontado quando se engaja fantasia e seu uso desvela uma maquinaria de
em uma análise. O analisante tem, de fato, a mais de gozar a fim d e preservar da falta do
responsabilidade, além do analista, de decidir gozo que seria necessário. Ainscrição de uma
prosseguir ou interromper seu tratamento em falta (-pht] no complexo de castração o sancio-
algumas circunstâncias. Sua decisão pode es- na. Além dos significantes mestres aos quais o
tar referida a satisfação pelo alitio sintomático sujeito estava identificado para sustentar seu
e a um "já sei o bastante sobre isso". Ela tam- "eu sou" na existência, o sujeitodescobre uma
bém pode estar referida a idéia, certa ou erra- identidade de gozo, um "eu gozo" que organi-
da, de se ter chegado ao final do percurso sub- za sintomaticamente toda sua vida e da qual
jetivo. Enfim, ela pode vir responder a uma ele padece. A elaboração ulterior de Lacan,
manobra inábil do analista no tqatamento e to- como o demonstrou Jacques-Alain Miller, en-
mar então a dimensão de um ac'ting-out cujas fatizará menos uma teoria do despertar e da
coordenadas transferenciais e significantes es- travessia da fantasia, que escreve para cada um
tão no primeiro plano. uma relação de gozo regrada pelo objeto, do
Essa sumária fenomenologia clínica indica que uma perspectiva funcionalista das relações
assim diversas modalidades de saídas do dis- do sujeito com o gozo expressa em termos de
positivo analítico. Essas saidasnão são equi- "saber fazer ali com o sintoma". Esse saber é o
valentes. O fato de o analisante 'estar satisfeito de um certo funcionamento pulsional, dora-
n i o implica por isso o final da ajálise tal como vante liberado do enquadre rígido da fantasia.
Lacan o conceituou. Sua formlização permi- O testemunho de Véronique Mariage dá
tiu sair do impasse do tratamento analítico conta de três versões possíveis de saída da aná-
freudiano, concebido como a análise dos com- lise. Essas versões são as suas. É claro que elas
ponentes edipianos da subjetivibade graças ao não constituem a exaustão de todas as saídas
complexo de castração. Em ~ r e u da, fase últi- de análise possiveis para um sujeito. Esse tes-
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ma da análise centrada no pai no complexo temunho faz com que se perceba panicular-

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mente bem o estado do sintoma em cada xar". O analista interpreta o ato falho pelo
escanção da análise. Ele acentua, de salda, amor de transferência.
como o "calar-se" constitui-se muito rapida- Avia férrea vazia recebe novas luzes: conec-
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mente no amor de transferência em um sinto- ta-se ao pai através do apelo ao analista. Ela
ma essencial. A estratégia do sujeito consiste descobre, mediante uma construção, o lugar
em obter do outro, oanalista, que este lhe fale. vazio ocupado por ela, identificado ao nada da
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Essas palavras são para ele tantos signos de via férrea, assim como o apelo ao pai que resul-
amor respondendo a uma demanda insaciavel ta disso. Passa-se da agorafobia ao que falta em
expressa por seu próprio mutismo. ~ n ~ u i n t oseu lugar. Ela se dá conta também do equívoco
I
a entrada em análise fora motivada pelo amor homofônico do significante via/voz (voielvoir)
impossível de um homem proibido, um amor do supereu.
que devia calar-se e que a maltratava, o pri- Há um alívio do sintoma. Doravante, ela fala
meiro período de análise concluiu-se com'um com mais facilidade e a angústia se abranda. A
I
benefício terapéutico que a afastou do que a análise pára nesse avanqo de saber do qual ex-
fazia sofrer. A dimensão sintomática do "cilar- trai um beneficio terapêutico. Poderíamos di-
I
se" manifesta-se, aqui, no registro do desejo zer que a saída da análise se efetua no tempo
de um filho, ou seja, do falo, tomado intdra- da construção da fantasia, ou seja, em análise,
I
mente na dimensão da demanda de amor en- no momento da articulação do édipo mais além
dereçada ao pai. Sabemos, com Freud e ~akan, do édipo. Ali, o sintoma se revela não mais em
que ela visa obter dele o filho que ele não pode sua dimensão fálica, mas na apercepção de sua
dar. A saída desse primeiro tempo analítico se dimensão pulsional. Ele não é elucidado mais
faz através de um dom de palavras do anaiista adiante. Nessa ocorrência, a relação com o ou-
com quem ela doravante trabalha. A criança tro é interrogada do lado paterno; a via mater-
I
que padece da fala torna-se o objeto comum na, devemos sublinhá-lo, permanece vazia. O
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de suas preocupações. Nessa seqüência, o re- pai, então, é apreendido de modo inédito em
gistro edipiano está claramente explícitÓ. O um sonho que põe em cena o analista. Este
sintoma é apreendido em sua dimensáo fálica encontra-se na impossibilidade de reconhecer
articulada a demanda de amor. Sua abordagem seu pai como sendo de fato seu pai. Fbdería-
pulsional é deixada de lado. Ela decide iarar mos dizer que uma abordagem lógica da fun-
I
sua análise assegurada, assim o crê, de u y no- ção paterna se esboça. O pai da realidade de-
vo equilíbrio. !
? compõe-se em novas funções.
Essa saída é rapidamente acompanhad? da Acreditando ter chegado ao final de sua aná-
emergência de um novo sintoma: o de uma lise, ela decide parar. Parece-me que a pressa
agorafobia, fobia do vazio da via pública, di& de particular que impele o sujeito a concluir pre-
I
outro modo, do laço social. O sintoma faz com maturamente sua análise, situa a saída como
que ela decida retomar um trabalho analíiico. aquela dos prisioneiros do tempo lógico, presa
A dificuldade de falar e a agorafobia persiitem de assegurar-se de um ponto de basta consti-
I
por longo tempo na análise, até o momento tuído pelo saber novo adquirido sobre o sin-
d e uma seqüência decisiva. Ao sair de uma toma. É a partir desse ponto que se deve en-
I
sessão de análise, ela deveria tomar o trem tender o endereçamento a este terceiro que é
I
para voltar para casa. Não consegue encontrar o Cartel do passe. Falamos da estrutura do
a plataforma. Quando aencontra, o trem já par- chiste no passe; ali, ela é manifesta. Todavia,
I
tira, a via férrea está vazia. Angustiada e perdi- não basta que seja reconhecida para que a
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da, um único endereço se impõe em sua men- saída o seja também.
te: o de seu analista. Este a acolhe calorosa- A resposta negativa do Cartel reconduz a
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mente dizendo: "você náo pode mais me dei- analisante ao analista. Esse terceiro tempo da
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análise foi marcado pela etemização de uma A fórmula completa do enunciado só se des-
posiçáo visando obter a satisfação de ouvir "a dobra pela interpretação do analista. Essa in-
voz de seu analista, ouvi-lo calar-se, ouvir sua terpretação é uma mise e>zscèneliteral do man-
voz cair no silêncio". damento da voz e, através dessa mesma mise
Com freqüência, ela ainda se cala. Ao se en scène, remete a mensagem sob forma inver-
ausentar pela primeira vez do dispositivo analí- tida. Isso separa o texto do enunciado do man-
tico, um pesadelo e uma lembrança inédita sur- damento superegóico da enunciação (a voz).
gem. As interpretações do analista os escandem Para isso, o analista recorre à mímica da escri-
d e modo decisivo. O pesadelo põe em cena um ta. Ele faz a mímica das tábuas da lei. Isso arru-
jardim do Éden concebido como um banquete ína a posição ideal do pai, remete os enuncia-
cujo fruto proibido aparece sob as roupagens dos das máximas paternas a sua contingência e
d e uma peta. Há o fruto maduro, muito madu- isola o puro mandamento encarnado pela voz.
ro, aos pés da árvore, apresentado sob o aspec- O sintoma se alivia através do esvaziamento
to do cadáver A morte faz pade do quadro. O de sua carga superegóica; desse modo, ele se
sujeito apela ao pai. Este falar, mas não torna o parceiro sintoma. A partir desse ponto,
pode. É isso o que desperta a. analisante. Ela o percurso analítico recebe novas luzes. Ele
percebe que a perda da voz do pai lhe é insu- permite a analisante apreender como a pulsão
portável. A lembrança revelada em dois tem- organizou sintomaticamente sua vida sob o
pos relata uma sentença paterna cuja fórmula modo do mais gozar. Ao engajar-se novamente
eu relembro " você deve saber: o trabalho é uma no procedimento do passe, dessa vez , ela se
punição do bom Deus; não s o l eu que o diz, fez ouvir ali.
está escrito". Ta70 traduzido por Vera Avellar iübeim.

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