Apostila Literatuba Brasileira I Ok

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Literatura

BrasiLeira
Índice

O QUE É LITERATURA............................................................................................. 5
GÊNEROS LITERÁRIOS ......................................................................................... 7
ESTILO DE ÉPOCA ...................................................................................................................35
QUINHENTISMO ........................................................................................................................37
BARROCO ...................................................................................................................................41
ARCADISMO ...............................................................................................................................51
PANORAMA DA LITERATURA GOIANA ..............................................................................65
O que é
literatura

O objetivo deste estudo é fazer o aluno compreender melhor o que lê e, em compreendendo, desfrutar
os prazeres estéticos da literatura.
Primeiramente, é importante que se questione e se pense sobre o que vem a ser uma obra literária.
Muito se tem discutido sobre esse assunto, mas não há um consenso em torno de uma definição única sobre
o que é literatura. Na bibliografia especializada em teoria da literatura, encontramos inúmeros conceitos sobre
a arte literária. Essa pluralidade de definições e visões sobre o objeto estético-literário demonstra que o homem
pensa e interpreta a literatura de modos diferentes, dependendo da corrente filosófica (Marxismo,
Estruturalismo, Formalismo, Psicologismo, etc.) a que esteja ligado, bem como do contexto sócio-histórico em
que esteja inserido (Renascimento, Romantismo, Contemporaneidade, etc.). A seguir, arrolamos algumas
colocações sobre o fazer literário a partir da opinião de alguns teóricos e escritores.

“Um homem tem o ímpeto de se tornar artista porque ele necessita encontrar a si mesmo.
Todo escritor tenta encontrar a si mesmo através de suas personagens em todos os seus escritos.
Sei que existem homens que possuem mais ou menos os mesmos problemas que eu, com maior
ou menor intensidade, e que ficarão felizes em ler o livro e encontrar a resposta se é que ela pode
ser encontrada.”
(George Simenom, escritor francês)

“Um escritor precisa de três coisas: experiência, observação e imaginação. Comigo uma
história, geralmente começa com uma ideia ou memória ou imagem mental. Escrever uma história
é apenas uma questão de ir construindo esse momento, de explicar o que aconteceu ou o que
provocou a seguir. Um escritor está sempre tentando criar pessoas verossímeis em situações
comoventes e críveis da maneira mais comovente possível.”
(William Faulkner, escritor norte-americano)

“Literatura e sociedade não podem se ignorar, já que a própria literatura é um fenômeno


social. Em primeiro lugar, porque o artista - por mais originária que seja sua experiência vital - é
um ser social; em segundo, porque sua obra - por mais profunda que seja a marca nela deixada
pela experiência originária de seu criador, por singular e irrepetível que seja sua plasmação, sua
objetivação nela - é sempre um traço de união, uma ponte entre o criador e outros membros da
sociedade; terceiro, dado que a obra afeta aos demais, contribui para elevar ou desvalorizar neles
certas finalidades, ideias ou valores, ou seja, é uma força social que, com sua carga emocional ou
ideológica, sacode ou comove aos demais. Ninguém continua a ser exatamente como era, depois
de ter sido abalado por uma verdadeira obra literária.”
(Adolfo Sanchez Vásques, teórico espanhol)

“A literatura é um fenômeno estético. É uma arte da palavra. Não visa a informar, ensinar,
doutrinar, pregar, documentar. Acidentalmente, secundariamente, ela pode fazer isso, pode conter
história, filosofia, ciência, religião. O literário e o estético inclui precisamente o social, o histórico,
o religioso, etc., porém transformando esse material em estético”.
(Afrânio Coutinho, crítico literário brasileiro)

Notamos que há pontos comuns sobre o que é o literário nas opiniões citadas acima. Percebemos que
a ligação entre literatura e realidade social se apresenta de modo orgânico e vital, visto que o escritor, produtor
literário, enquanto ser histórico, não se desvincula de seu tempo e de seus semelhantes, escrevendo sobre a
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realidade da qual faz parte. O escritor recorta do real determinados acontecimentos e situações, plasmando-
os a partir da forma literária (romance, conto, novela, poema, drama, tragédia, comédia). Ocorre, portanto,
uma ficcionalização da realidade, visto que esta adentra o universo das palavras, da literatura. Essa
transferência da realidade para a ficção ocorre segundo a visão de mundo do escritor, ou seja, ele poderá
representar a realidade sócio-histórica de diferentes maneiras. Operará uma transfiguração do real segundo
sua visão da existência, que poderá se efetivar como trágica, cômica, cética, otimista, mística, realista,
romântica, entre outras possibilidades.
A questão da literatura enquanto conhecimento sobre o humano também é colocada, demonstrando
que a obra literária é uma meditação sobre a existência, à medida que representa no plano da ficção, da
literatura, o homem estabelecendo relações de ordem objetiva, social, política com o outro.
A obra literária, portanto, pode ser entendida como um produto socioestético à proporção que é
articulada por um ser social, o escritor, que escreve sobre determinada realidade a partir de uma ótica e uma
escrita pessoais. Autor, obra e público formam um conjunto imprescindível para que a obra se configure
enquanto produto social capaz de interferir na realidade. A obra literária tem o poder de modificar a realidade
porque leva a pensar e a questionar sobre a condição social do ser humano e este, em pensando, pode ativar
determinadas mudanças no comportamento e nas práticas sociais.
Após essa breve dissertação sobre o fazer literário, passaremos a apresentar os gêneros literários.

6 * Literatura Brasileira
Gêneros
literários

1. CONCEiTUAçÃO ausência de certas formas artísticas no universo


cultural.
Gêneros literários são as diversas
modalidades de expressão literária, agrupadas em
função das diferentes maneiras de o escritor ver e 2. OS GÊNEROS LiTERÁRiOS NA
sentir o mundo. A escolha de dado gênero literário HiSTÓRiA
permite ao escritor passar uma certa visão de mundo
(trágica, cômica, exaltativa, sentimental, satírica) a A linguagem, a ciência, a política e as artes,
partir de uma forma específica (tragédia, comédia, ou seja, o universo das representações, são meios
epopeia, poema, paródia, etc.). Há escritores que que permitem ao homem interpretar e explicar o
somente se comunicam pela forma contística, outros mundo em que está inserido e nele interferir. As
pela tragédia e ainda outros pelo poema, visto que manifestações culturais e, entre estas, as artísticas
os gêneros literários se constituem, essencialmente, remontam há séculos na história do homem. Dentro
em formas fundamentais de o escritor se colocar do vasto campo de produção artística elaborado pelo
diante da vida. Dalton Trevisan se expressa através homem, a Literatura e sua formalização através dos
do conto; Nelson Rodrigues prefere o drama; João gêneros literários será nosso objeto de estudo. Para
Cabral de Melo Neto, o poema e Guimarães Rosa, a tal estudo, teremos que retroceder no tempo,
narrativa longa. Além da preferência pessoal dos reportando-nos à Antiguidade Greco-latina, período
escritores, não podemos esquecer que cada época em que ocorre significativa teorização sobre os
histórica, de acordo com uma dada infraestrutura gêneros literários, pertinente, sob muitos aspectos,
mental predominante (religiosa, científica, impe- até o presente momento.
rialista, pacífica, etc.), representa e interpreta o Platão (428-347 a.C), no livro III da República
mundo de modo diferente. Assim sendo, para cada deixou-nos a primeira referência, no pensamento
época há um modo de representação artística ocidental, aos gêneros literários. Para Platão, toda
específica, ocorrendo, às vezes, a hegemonia de manifestação artística é mimética, ou seja, imita a
certo gênero literário. Por exemplo, no período realidade. Porém, essa imitação é de terceiro grau,
clássico houve predomínio do poema épico e da visto que o filósofo, embasado em uma orientação
tragédia, visto que nesses gêneros os heróis, espiritualista, crê que a verdadeira essência das
oriundos de classe social elevada, representavam no coisas, seres e fatos existe num primeiro plano mais
plano artístico a aristocracia detentora do poder elevado moralmente, que seria o mundo ideal. Num
naquele momento. No século XIX, com a ascensão segundo plano, ocorreria o mundo dos homens
socioeconômica da burguesia, ocorre a hegemonia (sócio-histórico), que apenas imitaria o primeiro
do romance, à medida que este representa o plano. E, por último, o plano artístico, mais afastado,
universo burguês. Além disso, ocorre a criação do imitaria o segundo plano, constituindo-se, assim, na
drama burguês, fundindo a tragédia e a comédia. No imitação da imitação, reproduzindo somente o que
período em que vigora o Simbolismo, embasado por há de superficial no mundo dos homens. A
uma visão mística e transcendental da existência, classificação dos gêneros em Platão é triádica e se
observa-se a prevalência da poesia, meio mais realiza sobre o modo enunciativo, ou seja, pauta-se
próprio para expressar tal concepção da existência. sobre quem apresenta o universo narrado. Assim
Observamos, então, que há uma explicação sendo, na poesia ditirâmbica impera a voz do poeta;
histórico-social para o surgimento, predomínio e na tragédia e comédia predomina a voz das

Literatura Brasileira * 7
personagens, ocultando-se a voz do autor e na mudança, nasceram outras formas do artístico que
epopeia ocorre um misto, englobando as vozes do precisavam de uma nova interpretação.
poeta e das suas criações. Somente a partir do século XVI é que o gênero
Para Aristóteles (384-322 a.C), a base de lírico (poesia) passa a receber uma teorização
todos os gêneros, também, fundamenta-se na específica e aí se retoma a classificação platônica
imitação. As manifestações artísticas imitam as do ato enunciativo. Na representação dramática não
ações, os caracteres e as paixões dos homens. ocorre a intervenção do autor; na lírica, as reflexões
Porém, diferentemente de Platão, Aristóteles não do poeta se apresentam diretamente por ele mesmo
desvaloriza a arte como imitação de terceira ordem, e, na épica, ocorre um misto, ora falando o autor, ora
mas a vê como algo que apreende o geral e o as personagens introduzidas por ele.
universal presente nos seres e nos eventos Em meados do século XVIII, com o início do
particulares, contribuindo para a edificação moral do Romantismo alemão, a teorização prescritiva e
homem. O filósofo grego classifica os gêneros de normativa passa a ser questionada em prol da
acordo com os fatores formais e conteudísticos liberdade de criação e da hibridação dos gêneros. O
específicos de cada um. A tragédia e a epopeia movimento romântico, triunfante no século XIX,
imitam os homens melhores do que realmente são valoriza a criatividade individual, a genialidade do
(de mais elevada psique) a partir de uma linguagem artista e o transbordar da expressão interior,
nobre, formal, erudita. Já a comédia, utilizando-se de incompatíveis com a rigidez clássica (horaciana) que
uma linguagem licenciosa, imita o homem inferior e vê na imitação dos clássicos o único caminho
o risível da condição humana. Notamos que em possível para a arte. Friedrich Schlegel, romântico
Aristóteles não ocorre uma divisão triádica dos alemão, distingue a lírica como uma produção em
gêneros literários. que predomina o caráter subjetivo (a vida interior do
Horácio (65 a.C - 8 d.C), teorizador latino, poeta), a épica como voltada para o mundo objetivo,
recupera, sobretudo com sua Ars Poética, o o exterior, e o drama seria um misto entre
pensamento de Aristóteles, influenciando a objetividade e subjetividade.
concepção de gênero imperante na Idade Média, no No Romantismo, condena-se a imutabilidade
Renascimento e no período Neoclássico. A sua dos gêneros literários, que passam a ser vistos como
teoria sobre os gêneros é normativa, entendendo-os produções socioculturais modificáveis em decor-
como entidades autônomas e imutáveis. As obras rência das mudanças históricas que ocorrem na
clássicas da cultura grego-Iatina (tragédias, realidade social. Além dessas mudanças, há também
comédias, epopeias) passam a se constituir em a vontade do artista, que determina de modo
paradigmas a serem imitados pelos autores. Para substantivo a mudança nos gêneros literários.
Horácio, segundo a tradição aristotélica, há uma Dentro dessa visão histórica da arte, alguns teóricos
hierarquia entre os gêneros. Os gêneros maiores românticos classificam a lírica como uma forma que
(epopeia, tragédia) representam um universo em que representa o tempo presente; a épica, o passado e
transitam personagens de mais elevado estrato no drama ocorreria uma orientação para o futuro.
social e os gêneros menores (comédia, farsa) Victor Hugo, escritor francês romântico, faz a
veiculam personagens e situações oriundas de apologia da simbiose dos gêneros em seu famoso
estratos sociais mais baixos. Para Horácio, a arte prefácio à peça teatral Cromwell (1827). Nesse
devia unir o útil ao agradável, objetivando ensinar, prefácio, o poeta observa que a beleza decorre da
deleitando. síntese dos contrários, ou seja, do cômico e do
Em 1690 houve a famosa querela entre os trágico juntos na mesma manifestação artística,
antigos e os novos, pois muitos teóricos e escritores surgindo, então, o drama romântico. Essa orientação
não aceitavam mais as artes poéticas baseadas em do Romantismo pela mistura e hibridismo dos
Horácio, visto que havia toda uma produção artística gêneros é concebida por uma visão de mundo
(o romance, a tragicomédia, a pastoral dramática) libertária que vê o poeta, o ficcionista, o dramaturgo
que não se encaixava na teorização tradicional, como criadores e não como imitadores. Essa
respaldada em Aristóteles. Sentiu-se naquele concepção da simbiose dos gêneros será
momento que o homem havia mudado e, com essa largamente retomada no século XX, sendo ampliada.

8 * Literatura Brasileira
O século XIX, além do apogeu do concepção formalista, o escritor é um operador à
Romantismo, também viu nascer e firmarem-se as proporção em que capta e seleciona alguns
teorias materialistas (Marxismo, Positivismo, aspectos formais do sistema literário que existe
Evolucionismo, Determinismo). Dentro de uma antes dele para confeccionar o seu texto. Esse é o
orientação cientificista, alguns teóricos do fenômeno resultado de combinações de formas já existentes.
literário passam a explicar os fatos artísticos como Para Roman Jakobson, teórico russo, os
se eles fossem fatos naturais. Brunetire (1849-1906) gêneros estão associados às funções da linguagem.
explica os gêneros literários a partir de uma ótica Para ele, o ato comunicativo (oral ou escrito) se
biologizante e evolucionista. Dentro de uma constitui a partir de uma inter-relação entre emissor
concepção de seleção natural dos mais fortes, e destinatário. Dependendo do objetivo da
haverá gêneros fortes e gêneros fracos. Estes comunicação, predominará uma dada função. As
últimos seriam suplantados por aqueles, como, por funções da linguagem, segundo Jakobson, são seis.
exemplo, a tragédia clássica substituída pelo drama Função Referencial é aquela em que prevalece o
e a epopeia, pelo romance. Brunetire explica a referencial, ou seja, o extra-artístico (o mundo e seus
decadência e o surgimento de certos gêneros a partir momentos). O emissor do texto enfoca de modo
da Biologia, interpretando-os como organismos vivos
mais objetivo aspectos do mundo real. A Função
cujas mutações independem da vontade dos artistas
Apelativa ocorre quando o falante, o emissor, centra
ou das condições sociais em que estes últimos estão
o texto no receptor da mensagem. A Função
inseridos. Despreza, assim, os fatores históricos
Expressiva demonstra as impressões bastante
(ascensão de uma nova classe ao poder, novas
subjetivas do emissor. Ocorre a Função
necessidades do espectador e do leitor, mudanças
Metalinguística quando o emissor fala sobre a
ideológicas) que são causas exógenas ao sistema
própria linguagem. A Função Fática visa a testar se
literário, mas que determinam sobremaneira as
a comunicação entre emissor e receptor está se
mudanças dentro do universo das produções
efetuando. E a Função Poética é aquela em que o
literárias.
emissor se utiliza dos aspectos sonoros, visuais e
formais das palavras para maximizar a comunicação.
Essa função predomina nos textos literários em que
os aspectos estruturais da linguagem são muito
3. ALGUMAS TEORiAS SOBRE OS
relevantes. Obviamente, diz o teórico, que num ato
GÊNEROS NO SÉCULO XX
comunicativo podem estar presentes simulta-
neamente todas as funções, mas, geralmente,
No século XX surgem várias teorias sobre os
dependendo das intenções do emissor, há o
gêneros literários. Algumas retomam conceitos
predomínio de uma delas. Exemplos de excertos e
anteriores, adaptando-os ao novo momento
suas respectivas funções de linguagem predomi-
histórico.
nantes:
As correntes mais formalistas entendem que
todo texto literário (conto, crônica, poema, romance)
Função Referencial:
articula determinados elementos formais que o
inserem em um determinado gênero. Assim, os “Eis São Paulo às sete da noite. O trânsito caminha
gêneros são macroestruturas e os textos realizam lento e nervoso. Nas ruas, pedestres apressados se
alguns elementos dessas estruturas. O autor, na atropelam.”
realidade, não cria algo inteiramente novo, mas
combina determinadas funções, elementos,
organizando-os formalmente num texto que, Função Apelativa:
dependendo de suas características, pertence a um “Chora de manso e no íntimo... Procura
gênero específico. Nessa linha, os gêneros são Curtir sem queixa o mal que te crucia:
vistos mais como uma realidade formal que uma O mundo é sem piedade e até riria
forma de um conteúdo, visto que nesta o criador de Da tua inconsolável amargura.”
um texto produz algo original e singular. Na (Manuel Bandeira)

Literatura Brasileira * 9
Função Expressiva/Emotiva: dramático, ocorre a ocultação do poeta e na ficção
“É noite. Sinto que é noite (romance) a audiência é inespecífica. Dentro dessa
não porque a sombra descesse linha interpretativa, temos também Mikhail Bakhtin,
(bem me importa a face negra) teórico russo deste século que distingue o lírico do
mas porque dentro de mim, romanesco, colocando aquele como um discurso
no fundo de mim, o grito direto em que o poeta é quem fala, ou seja, a poesia
se calou, fez-se desânimo” é uma fala unilinguística e o romance é classificado
(Carlos Drummond de Andrade) como um discurso indireto em que as falas das
personagens são apresentadas indiretamente pelo
Função Metalinguística: narrador. No discurso romanesco, há uma
pluralidade de vozes (várias personagens
“Eu faço versos como quem chora
posicionam-se sobre um dado assunto). Já, na
De desalento... de desencanto...
poesia, apenas a voz do poeta coloca-se em relação
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
à determinada problemática. Outro é o caso do
Tristeza esparsa... remorso vão...
drama, visto que aí se estabelece o discurso direto
Dói-me nas veias. Amargo e quente
de várias personagens sem a interferência do
Cai, gota a gota, do coração.”
narrador.
(Manuel Bandeira)
Para Bakhtin, o romance se distinguiria da
epopeia à proporção que esta serve para exaltar o
Função Fática:
passado lendário e místico de um povo, uma
“O senhor não acha? Me declare franco, peço. comunidade. Aqui, o narrador, separado temporal-
Ah, lhe agradeço. Se vê que o Senhor sabe muito, em mente dos fatos, valoriza-os e enaltece-os. No
ideia firme, além de ter carta de doutor.” romance, o narrador, tendo ou não ligação direta
(Guimarães Rosa) com os fatos narrados, apresenta-os a seu modo,
podendo denegri-los, exaltá-los ou simplesmente
Função Poética: expô-Ios de modo mais ou menos isento de juízo de
“Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada valor.
E triste, e triste e fatigado eu vinha. Modernamente, alguns teóricos têm explicado
Tinhas a alma de sonhos povoada, a questão dos gêneros de maneira a distinguir o
E a alma de sonhos povoada eu tinha.” modo literário do gênero literário. O modo literário
(Olavo Bilac) seria uma categoria atemporal e imutável. Haveria o
modo satírico, o modo trágico, o modo elegíaco, que
Para Jakobson, em todas as manifestações podem estar presentes nas diversas manifestações
artístico-literárias, independentemente do gênero ao literárias (poesia, tragédia, romance, crônica, conto,
qual pertença, ocorre o predomínio da função etc.), independentemente da forma que toma cada
poética, visto que a literatura não se importa texto escrito. Já os gêneros literários seriam
somente em formalizar um conteúdo, mas sim em categorias históricas e mutáveis que, dependentes
“como” esse conteúdo é veiculado, ou seja, a forma da visão de mundo do autor, da época em que ele
do conteúdo é imprescindível à medida que a vive e das expectativas da audiência social,
literatura é a arte de organizar bem as palavras. sofreriam mutações e transformações. Nesse
Outro teórico de renome que se posiciona posicionamento, ocorre dicotomia entre o conteúdo e
sobre os gêneros é Northrop Frye. Em seu livro a forma, visto que aquele se constitui como algo
Anatomy of Criticism (1957), explica os gêneros a universal, ou seja, o trágico, o elegíaco, o satírico
partir das relações que o autor estabelece com o estabelecem-se independentemente do espaço e do
público. No épico, haveria uma relação direta, pois a tempo. Já a forma que veicula o conteúdo é histórica.
audiência é viva, concreta. Aqui a narrativa seria oral, Assim, temos que o espírito trágico que está
com presença do público. No lírico, o público exterior presente na tragédia grega seria o mesmo que
não interfere, mas, sim, o poeta fala consigo mesmo, ocorreria nas obras modernas cuja visão de mundo
com uma musa, com Deus, com a natureza, etc. No é trágica. Para exemplificar e confirmar de certa

10 * Literatura Brasileira
forma essa interpretação, podemos pensar na apresentam, até porque isso constitui um problema
tragédia grega Medeia e na peça Gota d’Água de ainda em discussão, uma vez que é bastante atual e
Chico Buarque. Ambas apresentam uma visão a distinção e a análise das formas em prosa
trágica do mundo e dos homens, mas a partir de constituem questões relevantes da teoria e da
formas do texto bastante diferenciadas. filosofia literária. Na verdade, antes do século XVIII,
Após essa visão histórica e teórica, quase tão somente a poesia interessava aos teóricos
percebemos que é difícil chegar a uma conclusão e pensadores da Literatura (era a poesia dividida em
fechada e única sobre os gêneros literários. Com lírica, épica e dramática).
esse cabedal de informação que documentamos, Entre as técnicas, estilos, maneiras narrativas
devemos pensar tal problemática de forma aberta, ou formas narrativas - aquelas em que os literatos
tentando não classificar um texto rigidamente num (escritores) utilizam o método indireto de interpretar
determinado gênero, mas antes apreender o texto a realidade (utilizam-se de uma história que encorpe
como um conteúdo (o mundo, o homem repre- a realidade) -, a ficção é, contemporaneamente, a
sentados) que passa uma dada visão de mundo do que tem as preferências do grande público, quando
autor. Este, sem dúvida, deve ser contextualizado se trata da arte de contar histórias.
dentro de sua época histórica que vê as coisas, os Entendamos por Literatura de Ficção aquela
homens, a natureza de um modo específico. Este que contenha uma história inventada ou fingida,
último mais a concepção de vida do autor vão imaginada, resultado de uma invenção imaginativa,
determinar a forma do texto que pode se conformar com ou sem intenção de iludir.
rigidamente a determinados cânones (época grega, Portanto, na ficção e na epopeia (texto em
classicismo, neoclassicismo) ou fazer a opção pela verso, que narrava atos heroicos, o nacionalismo, o
liberdade de expressão, hibridismo, fusão de heroísmo, o maravilhoso dos feitos dos heróis
gêneros (barroco, romantismo, modernidade). nacionais), o autor, através da palavra, interpreta a
vida e a expressa por uma história.
Assim, a essência da ficção é também a
4. DESCRiçÃO DOS GÊNEROS narrativa, porque reacende o velho instinto humano
de contar e ouvir histórias. Mas só terão valor literário
as histórias que mostrarem uma técnica de arranjo e
4.1 GÊNERO ÉPICO OU NARRATIVO apresentação que comunicará à narrativa estrutura,
beleza de forma e unidade de efeito. Para isso, os
A produção literária, durante muitos séculos, episódios da narrativa tornam o enredo complexo o
foi predominantemente realizada em versos. O ato suficiente para quase terem vida própria.
de contar uma história era levado a efeito pelo Assim é que a ficção é um produto da
poema épico ou epopeia. Mas, com o advento do imaginação criadora, pois, embora tenha as suas
Romantismo e a consequente criação do romance, raízes mergulhadas na experiência humana, ela não
no sentido moderno do termo, a tarefa de contar uma pretende fornecer um simples retrato da realidade,
história passou a ser desempenhada por essa nova mas recriar uma imagem da realidade, uma
espécie, bem como por outras espécies, como o reinterpretação, pois ela é o espetáculo da vida
conto e a novela. Diante disso, alguns teóricos através do olhar interpretativo do artista-autor; então,
entenderam que a nomenclatura gênero épico era é a interpretação artística da realidade.
insuficiente para dar conta de toda uma produção A ficção pode ficar próxima ou distante do
romanesca que pouco tinha em comum com o reino da experiência humana real. Quando ela se
poema épico. Eis por que a denominação do gênero deixa dominar pelo real, temos a ficção realista;
que estamos estudando apresenta alternativas: quando ela foge ao real, surge a ficção romântica ou
épico (para respeitar a origem histórica) ou narrativo fantasista.
(para acompanhar a evolução da criação literária). É preciso traçar uma linha de distinção entre
O Gênero Épico ou Narrativo (geralmente em ficção, história e biografia, porque estas são
prosa) oferece grande dificuldade quando se tenta narrativas comprometidas com os fatos
diferenciar as diversas formas de prosa que se absolutamente reais e a ficção não; mesmo quando

Literatura Brasileira * 11
se recebe influência dos fatos reais, ela (a ficção é um comportamento convencionalizado e estere-
livre para não copiá-Ios ou reproduzi-Ios fielmente). otipado. Identifica-se pela recorrência do mesmo
Então, vale dizer que ela seleciona, omite, arruma elemento e não através da acumulação de
os dados da experiência de tal forma que faz surgir elementos diversificados. Por exemplo: uma
um plano novo, de acordo com a interpretação que o personagem que usa sempre o mesmo tipo de
autor faz da realidade. roupa, anda invariavelmente nos mesmos lugares e
Cabe agora teorizar acerca dos elementos com as mesmas companhias, procurando os
estruturais que compõem um texto narrativo-ficcional mesmos divertimentos, e cuja vida interior não é
(romance, conto, novela, crônica): personagem, preocupação da narrativa é, sem dúvida, uma
ponto de vista, linguagem, tempo, ação e espaço, ou personagem plana.
seja, acerca dos elementos da obra de ficção. Carolina, personagem principal do romance A
Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo;
Leonardo Pataca, em Memórias de um Sargento de
4.1.1 ELEMENTOS DA OBRA DE FICÇÃO Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, e Sinhá
Vitória, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, são
A) A PERSONAGEM DE FICÇÃO: alguns exemplos.

A personagem é um ser fictício, criada pelo PERSONAGENS REDONDAS OU


autor para povoar a sua história, veicular ESFÉRICAS
determinadas ideias e vivenciar certas situações.
Este ser fictício é fruto da imaginação e da As personagens redondas ou esféricas, ao
observação da realidade, realizando-se ora como ser contrário, oferecem uma complexidade muito
inventado, construído de palavras, ora enquanto acentuada, apresentando multiplicidade de
cópia dos seres humanos à proporção que passam características, pois são densas, enigmáticas,
por conflitos e enfrentam situações-limite em que se contraditórias e, por vezes, rebeldes. São
revelam aspectos essenciais da vida humana:
personalidades complexas cujo procedimento é uma
aspectos trágicos, sublimes, demoníacos, grotescos
interrogação; ninguém sabe ao certo como pensam
ou luminosos. Através do contato entre personagens
e agem. A densidade e a riqueza dessas
e leitor, este pode viver e contemplar outras
personagens, porém, não as transformam em casos
vivências, passando a ter um entendimento e uma
de absoluta atipicidade. O leitor, através das paixões
visão mais profunda de si mesmo e de seus
vivenciadas por elas e de suas qualidades e defeitos,
semelhantes.
percebe-as enquanto seres humanos possíveis de
A diversidade das personagens que habitam
se encontrar na realidade social. Geralmente, as
as narrativas ficcionais levou alguns teóricos da
personagens centrais de uma narrativa são
literatura a estabelecer uma certa tipologia que
intenta classificá-Ias. Dentro de uma certa linha redondas. Na Literatura Brasileira, podemos citar
classificatória, teremos personagens ditas planas, inúmeras personagens que geram surpresa,
redondas ou esféricas, tipos e caricaturas, que leva espanto, comoção porque complexas, misteriosas e,
em consideração a postura, o comportamento de tais principalmente, “humanas”. Por exemplo, Capitu do
personagens. Quanto à posição ocupada por elas na romance D. Casmurro, de Machado de Assis e Paulo
narrativa, podem ser definidas como protagonistas, Honório, do romance São Bernardo, de Graciliano
antagonistas, principais, secun-dárias. Ramos.

PERSONAGENS PLANAS PERSONAGEM TIPO

Em geral, a personagem plana não altera o A personagem tipo é, geralmente, a


seu comportamento no decurso da narrativa e, por representante de um grupo nacional, regional, social,
isso, nenhum ato ou nenhuma reação de sua parte ideológico, etc. O tipo não se transforma, não evolui,
podem surpreender o leitor. É, portanto, desprovida desconhecendo as mudanças íntimas (afetivas,
de profundidade psicológica e dramática, exibindo psicológicas, ideológicas) que fariam dele uma

12 * Literatura Brasileira
personagem redonda e individualizada. Como B) PONTO DE VISTA OU FOCO NARRATIVO:
exemplo, temos Rodrigo Cambará, em Um Certo
Capitão Rodrigo, de Érico Veríssimo, porque essa Histórias são contadas desde sempre e, quem
personagem se caracteriza pelas vestes, gestos, fala as conta, narra o que viu, o que viveu, o que
e atos como um típico gaúcho. Nos romances de testemunhou mas também o que imaginou, o que
Jorge Amado, os coronéis, as prostitutas e as beatas sonhou e o que desejou. Entre as histórias e o
são tipos, uma vez que encarnam comportamentos público, sempre se interpõe a figura do narrador.
padronizados e estandardizados socialmente. Este é uma das criações do ficcionista, ou seja, uma
personagem. O narrador não representa o verda-
deiro autor porque este é uma pessoa de carne e
PERSONAGEM CARICATURA osso e aquele, um ser fictício, construído de
palavras. Autor e narrador, embora seres distintos,
A personagem considerada caricatura é podem comungar de determinadas ideias. A seguir
aquela cujas qualificações ou traços são transcrevemos um trecho retirado do romance Bufo
apresentados de modo exagerado. Exemplo: & Spallanzani de Rubem Fonseca, em que se coloca
Odorico Paraguassu, da novela O Bem Amado de a questão do narrador / autor:
Dias Gomes e o personagem Pedro, de A
“Vou-lhe dizer uma coisa: o ponto de vista, a
Polaquinha, de Dalton Trevisan. Este personagem
opinião, as crenças, as presunções, os valores, as
(Pedro) é um motorista de ônibus cujas taras
inclinações etcetera dos personagens, mesmo os
sexuais, grosseria e ignorância são exageradamente
principais, não são necessariamente os mesmos do
ampliadas.
autor. Muitas vezes o autor pensa exatamente o
oposto do seu personagem”.
Além da classificação vista, há outra, que
decorre da importância que a personagem desfruta Há dois modos básicos de narrar uma história:
dentro da história, qual seja: protagonista ou em primeira pessoa (eu) no qual o narrador participa
principal para as mais importantes, visto que a da história e em terceira pessoa (ele) em que não
narrativa se desenvolve sobre e a partir delas mais ocorre parcitipação direta do narrador da história.
concretamente; e as secundárias, menos rele-
vantes, às vezes episódicas e acessórias. Há, NARRAÇÃO EM TERCEIRA PESSOA
também, a antagonista, que se contrapõe à
personagem principal. a) O narrador conhece tudo sobre as demais
De modo geral, a personagem central é uma personagens (sentimentos, pensamentos e
pessoa de quem o ficcionista narra as aventuras e segredos) e os fatos. Comenta, analisa e se introduz
desventuras. Porém, há romances em que animais, em tudo. Configura-se como um “deus” que possui
cidades, cortiços, guetos, famílias, grupos sociais plena consciência sobre o que se passa no universo
funcionam como personagens. Por exemplo, em ficcional. É chamado de narrador onisciente.
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a cachorra Exemplo:
Baleia é humanizada, ascendendo a “status” de
“A meia rua, acudiu à memória de Rubião a
personagem; em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, o
farmácia: voltou para trás, subindo contra o vento,
próprio cortiço miserável, promíscuo e turbulento se
que lhe dava de cara, mas ao fim de vinte passos,
transforma em personagem; em Germinal, de Zola,
varreu-lhe a ideia da cabeça, adeus farmácia
as minas de carvão funcionam como personagem;
adeus, pouso!”
em As vinhas da Ira, de John Steinbeck, a
(Quincas Borba, Machado de Assis)
personagem fundamental é a legião de homens das
regiões secas e pobres do sul dos Estados Unidos b) O narrador, embora domine todos os fatos,
que emigram em busca de terra fértil e, em Capitães não invade o interior das personagens. Esta posição
da Areia, de Jorge Amado, o grupo de menores cria um efeito de objetividade maior porque o
marginais se configura como personagens do narrador prefere se manter do lado de fora das
romance. personagens, comentando-Ihes as ações e

Literatura Brasileira * 13
comportamentos visíveis em vez de entrar-Ihes na C) LINGUAGEM
mente. Evitando comentar sobre o que pensam as
personagens, estas tornam-se mais enigmáticas Pensando-se em literatura, temos neces-
para o leitor. É chamado de narrador observador. sariamente que falar sobre a linguagem porque é
Exemplo: somente por seu intermédio que o escritor pode
“O rosto de Spade estava calmo. Quando seu realizar a sua obra. O mundo ficcional é apresentado
olhar encontrou o dela, seus olhos, amarelo- ao leitor através de determinados recursos de
pardos, brilharam por um instante com malícia, e linguagem dos quais estudaremos alguns:
depois tornaram-se novamente inexpressivos. Ela a) DISCURSO DIRETO: Nesse discurso, o
saiu e quando voltou, olhou de novo para Spade narrador deixa as personagens falarem diretamente,
que não respondeu aos apelos dos olhos da introduzindo-Ihes a fala por verbos denominados
moça. Encostado no batente, olhava a rua com ar “verbo de dizer” (dizer, responder, retrucar, afirmar,
desprendido.” falar, etc.). Tudo se passa como se o leitor estivesse
(Falcão Maltês, Dashiel Hammet) ouvindo literalmente a fala das personagens. Este
recurso diferencia, com bastante nitidez, a fala do
narrador da fala das personagens. Exemplo:
NARRAÇÃO EM PRIMEIRA PESSOA “Eugênio escutava a conversa dos pais que era
entrecortada de silêncios longos, de suspiros e
a) O narrador pode ser uma personagem gemidos abafados. Houve um momento em que
secundária que participa da história, vivenciando os o pai disse:
fatos juntamente com os outros personagens, mas - Queira Deus que essa guerra não venha até cá.
não possui onisciência, ou seja, não pode penetrar - Deus sabe o que faz - retrucou a mulher.”
no pensamento do outro. Pode ser chamado de (Olhai os Lírios do Campo, Érico Veríssimo)
narrador testemunha.
O narrador de Memorial de Aires, de Machado b) DISCURSO INDIRETO: Nesse discurso, o
de Assis, por exemplo, participa da narrativa, narrador introduz a fala das personagens por meio
envolvendo-se com os fatos e personagens, sem, dos “verbos de dizer” e geralmente pela conjunção
contudo, imiscuir-se na intimidade destes. Apenas “que”. O leitor tem acesso à fala das personagens
observa de modo não parcial. por via indireta, visto que o narrador enquadra o
discurso do outro dentro do seu discurso narrativo.
b) O narrador em primeira pessoa pode ser o Há um discurso citante (o do narrador) e um discurso
narrador protagonista, ou seja, faz parte da história citado (o da personagem). A fala da personagem
como elemento fulcral. Esta personagem também perde autonomia e subjetividade à medida em que é
não possui onisciência sobre os demais. Exemplo: transmitida pelo contexto do narrador. Exemplo:
“Muita religião, seu moço! Eu cá não perco ocasião
de religião. Aproveito de todas. Uma só, para mim, “O homem chega bêbado em casa e, tirando a
é pouca, talvez não me chegue! Rezo cristão, camisa azul, manda que a dona lave para o dia
católico, embrenho a certo”. seguinte - sem ela perde o lugar de vigia”.
(Pão e Sangue, Dalton Trevisan)
(Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa)

A narração em primeira pessoa cria um efeito c) DISCURSO INDIRETO LIVRE: Nesse discurso
de subjetividade visto que o narrador como caem os “verbos de dizer” e a conjunção “que”. As
protagonista ou testemunha participa dos fatos e, por falas do narrador e da personagem se intercalam,
isso, possui uma visão mais relativa e parcial da formando um híbrido em que a diferenciação se
história. Já o modo de narrar em terceira pessoa torna difícil. Do ponto de vista gramatical, o
produz um efeito de objetividade à medida que o enunciado é do narrador (continua em terceira
narrador, não se achando envolvido com os fatos pessoa) e do ponto de vista do significado, é da
ocorridos e vendo-os a distância, pode analisá-Ios e personagem. Ocorre objetividade visto que há o
apresentá-Ios de maneira mais imparcial e neutra. discurso mais analítico do narrador que transmite a

14 * Literatura Brasileira
fala da personagem e há subjetividade à medida que Nesse romance, o narrador-protagonista se
afloram os estados íntimos da personagem através utiliza do monólogo interior por aproximadamente
de mecanismos de linguagem tais como: inter- dez páginas que finalizam a narrativa.
jeições, exclamações, interrogações, etc. Exemplo:
• Fluxo de Consciência
“Baixou as mãos até o regaço. Ali estavam os
objetos de toalete: a escova, o pente, o pote de
“Eu estava ali deitado olhando através da vidraça as
creme de barbear, o talco, a loção - tudo limpo e
roseiras no jardim fustigadas pelo vento que zunia
meticulosamente arrumado. Nem naquela manhã
lá fora e nas venezianas do meu quarto e de
ele deixara de ir ao treino diário... Seria mesmo
repente recomeçava e as roseiras frágeis e
uma pena envolvê-lo. Mas por que envolvê-lo?
assustadas irrompiam a vidraça e eu estava ali o
Os outros então não sabiam perfeitamente que ele
tempo todo olhando estava em minha cama com
não podia ser o motivo? Mas ele próprio talvez se
minha blusa de lã as mãos enfiadas nos bolsos os
sentisse responsável e era uma verdadeira pena
braços colados no corpo as pernas juntas estava
toldar com algum remorso aquela transparência”.
de sapato mamãe não gostava que eu deitasse de
(Ciranda de Pedra, Lygia F. Telles)
sapatos deixe de preguiça menino!”
(Eu estava ali deitado, Luís Vilela)
d) MONÓLOGO INTERIOR E FLUXO DE CONSCIÊNCIA:
O monólogo interior como forma de apresentação
O conto acima citado é inteiramente escrito a
dos pensamentos íntimos da personagem é um
partir do uso do fluxo de consciência.
recurso linguístico bastante antigo, remontando às
epopeias greco-Iatinas. Já o fluxo de consciência é
e) MODO DRAMÁTICO: Nesse tipo de discurso
uma variante moderna do monólogo interior. Neste,
ocorre quase a eliminação da figura do narrador,
a pontuação e a sequência lógica das ideias são
aparentando-se a uma cena teatral em que
preservadas e naquela, ocorre uma linguagem
predomina o discurso direto entre as personagens.
desarticulada, presentificando o desenrolar caótico
Dalton Trevisan, escritor paranaense, utiliza-se
e ininterrupto do pensamento. Nessas duas
largamente desse recurso. Exemplo:
modalidades de citação do discurso da personagem,
o leitor tem acesso direto ao interior, à psique da
“- Monstro. Igual ao pai. Coragem de me bater.
personagem que, por intermédio da linguagem,
- Por que provocou?
opera uma autoanálise, visando ao auto-
- Motivo tão fútil.
conhecimento ou esclarecimento dos fatos. Portanto,
Nenhum motivo é fútil. Todo grande crime é por
com relação ao aspecto gramatical, ambos
motivo fútil.”
formalizam-se como discurso direto. Exemplo:
(A Trombeta do Anjo Vingador, Dalton Trevisan)

• Monólogo Interior
f) NARRAÇÃO: O texto narrativo relata as
“Se algum desses papéis tivesse caído na estrada?
mudanças progressivas de estado (físicas,
Perdido, trinta anos de cadeia, a imundície, o
ideológicas, afetivas) que vão ocorrendo com as
trabalho dos encarcerados: fabricação de pentes,
personagens no decorrer da ação. A visão de mundo
esteiras, objetos miúdos de tartaruga. Faria um livro
do autor é veiculada por meio das ações que são
na prisão. Amarelo, papudo faria um livro, que seria
atribuídas às personagens. Na narração, há relação
traduzido e circularia em muitos países. Escrevê-
de anterioridade e posterioridade entre os
lo-ia a lápis, em papel de embrulho, nas margens
enunciados porque estes devem ser dispostos de
de jornais velhos. O carcereiro me pediria umas
maneira a presentificar para o leitor a sequência
explicações. Eu responderia: - Isto é assim e
lógica dos fatos que ocorreram com as personagens.
assado. Teria consideração, deixar-me-iam escre-
Exemplo:
ver o livro. Dormiria na rede e viveria afastado dos
outros presos. A garganta doía-me, os beiços “A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de
colavam-me”. peixe, com uma das mãos espalmada no chão e
(Angústia, Graciliano Ramos) com a outra segurando a faca de cozinha, olhou

Literatura Brasileira * 15
aterrada para eles, sem pestanejar. “Estou mesmo a crer que o domingo foi o
Os policiais, vendo que ela não se despachava, primeiro dia da eternidade e que a primeira
desembainharam os sabres. Bertoleza então, coisa a ser gerada foi o amor, o amor é
erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou atração e harmonia - e, sem atração e
de um salto e antes que alguém conseguisse harmonia, o cosmos jamais poderia manter-se
alcançá-Ia. Já de um golpe certeiro e fundo rasgava em seu perpétuo equilíbrio através dos
o ventre de um lado a lado”. tempos que nunca se esgotassem e dos
(O Cortiço, Aluísio Azevedo) imensos espaços que nunca têm limite”.

Nesse fragmento, notamos que o texto relata Sintetizando os três últimos recursos literário-
as mudanças de estado da personagem (vida-morte) linguísticos, podemos dizer que a dissertação
e há relação de anterioridade e posterioridade entre trabalha com conceitos, organizando-se a partir de
os episódios relatados (personagem despreo- raciocínios; a narração se formaliza mediante
cupada, trabalhando - chegada dos policiais para ordenação das ações e transformações de estados
prendê-Ia, suicídio como libertação). das personagens e a descrição se realiza a partir da
concatenação de imagens.
Observar, na oportunidade das leituras de
g) DESCRIÇÃO: No texto descritivo, todos os obras ficcionais, que os vários expedientes
enunciados relatam ocorrências simultâneas e, por linguísticos arrolados, apesar de distintos uns dos
isso, não existe um enunciado que possa ser outros, andam juntos para atender às necessidades
considerado cronologicamente anterior ou posterior da expressão.
ao outro. O autor, pelos aspectos que seleciona e
pelos adjetivos escolhidos, vai construindo uma
visão negativa ou positiva daquilo que descreve. D) O TEMPO NA FICÇÃO
Pelo caráter estático da descrição em que se
enfocam detalhes e características de personagens, O TEMPO NA ESCRITURA E O TEMPO NA
coisas e cenários podemos compará-Ia a uma NARRATIVA
fotografia. Exemplo:

“Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio O tempo da escritura se refere a quando o
rosto era mediano, nem bonito, nem feio. Era o narrador escreve sobre a história e o tempo da
que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia narrativa a quando os fatos narrados ocorreram.
mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; Pode haver tanto distância quanto aproximação
pode ser até que não soubesse amar”. entre essas duas modalidades temporais. Há ruptura
(Missa do Galo, Machado de Assis) entre os tempos quando, por exemplo, um narrador
contemporâneo conta uma lenda ocorrida há mais
Notamos que nesse fragmento, diferente- de mil anos. Os tempos podem se aproximar se o
mente da narração, não ocorre o relato de mudanças narrador escreve à noite sobre o que se passou
de estados acontecidos com a personagem e os durante o dia. A distância pode se reduzir a zero se
enunciados descritivos podem ser alterados em sua o relato é um monólogo “estenografado” do herói e
sequência no parágrafo, sem prejuízo em relação à se este morre, a narrativa é interrompida. Este último
plasmação do retrato. procedimento cria uma ilusão de presente para o
leitor à medida que este tem a sensação de estar
h) DISSERTAÇÃO: No texto dissertativo, ocorre a vendo os acontecimentos que envolvem persona-
interpretação e análise dos fatos, acontecimentos e gens no seu suceder imediato.
ações das personagens. O autor pode interromper a O envolvimento e a identificação do leitor com
ação e expor suas ideias a respeito de determinados os fatos narrados se intensificam, visto que o relato
temas (o amor, o ódio, a educação, a arte, etc.). aparenta-se a uma cena teatral em desenvolvimento.
Exemplo: Exemplos:

16 * Literatura Brasileira
a) TEMPO DA ESCRITURA DIFERENTE DO ditas intimistas, em que se reduz a importância do
TEMPO DA NARRATIVA enredo e há pouca ação, o tempo se torna complexo
e psicológico. Nestas, dá-se mais importância àquilo
“Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou que pensam as personagens e a como pensam e
por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me cada vez menos àquilo que fazem. O tempo
escrever um livro. Jurisprudência, filosofia e política psicológico pode acelerar ou retardar a ação
acudiram-me, mas não me acudiram as forças dependendo de como ele é sentido: o tempo
necessárias (...) Foi então que os bustos pintados decorrido numa situação positiva (festa, viagem,
nas paredes entraram a falar-me e a dizer-me que, passeio) dá a sensação de passar mais rápido do
uma vez que eles não alcançavam reconstituir-me que o decorrido numa situação negativa (velório,
os tempos idos, pegasse da pena e contasse espera em filas). Exemplos:
alguns. Desse modo, viverei o que vivi e assentarei
a mão para alguma obra de maior tomo”.
(D. Casmurro, Machado de Assis) a) TEMPO PSICOLÓGICO

b) TEMPO DE NARRAÇÃO COINCIDINDO “Silêncio. Por que será que esta gente não fala e o
COM O TEMPO DA ESCRITURA relógio se aquietou? Uma ideia acabrunha-me. Se
o relógio parou, com certeza o homem dos
“O aviso não me interessa mais. Tenho que esparadrapos morreu. Isto é insuportável. Por que
transformar de novo o resto não me interessa mais. fui abrir os olhos diante da amaldiçoada porta? (...)
Se essa é a minha paix... * Dois passos aquém, dois passos além - e eu estaria
*Nota de Lygia Bojunga Nunes: livre da obsessão.
“A escritora morreu sem acabar a frase. Deram O relógio bate de novo. Tento contar as horas, mas
com ela debruçada na mesa, a ponta do lápis isto é impossível. Parece que ele tenciona encher
fincada na paixão”. a noite com sua gemedeira irritante.
(Tchau, Lygia Bojunga Nunes) Procuro dormir, esquecer tudo, mas o relógio
continua a martelar-me a cabeça dolorida. Espero
em vão o fonfonar de um automóvel, a cantiga de
Aqui notamos uma aproximação total entre o um bêbado, as vozes de comando, o rumor dos
tempo da escritura e tempo da narração. A ferros no autoclave. Tenho a impressão de que o
narradora-protagonista escreve sobre o que vive no pêndulo caduco oscila dentro de mim, ronceiro e
momento da escrita e, morrendo, a escritura é desaprumado”.
interrompida. A verdadeira autora, Lygia B. Nunes, (Angústia, Graciliano Ramos)

apresenta uma nota explicativa sobre a morte de sua


personagem, a narradora-protagonista.
b) TEMPO CRONOLÓGICO
TEMPO CRONOLÓGICO E
TEMPO PSICOLÓGICO “Amanhã faz um mês que a senhora está longe de
casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti
O primeiro é também chamado de físico e é falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa da
medido pelo relógio, sendo o mesmo para todos; o esquina”.
segundo é medido por um relógio particular, (Apelo, Dalton Trevisan)

configurando-se pelas nossas vivências subjetivas


tais como sensações, intuições, emoções e valores. E) AÇÃO OU ENREDO
O tempo físico está ligado à vida social do homem,
enquanto o psicológico, a sua individualidade. A sequência de atos praticados pelos
Nas narrativas de ação e de enredo, personagens da narrativa constitui a ação; é a soma
prevalece o tempo cronológico. Já nas narrativas de gestos e atos que compõem o enredo.

Literatura Brasileira * 17
De acordo com o assunto básico (o núcleo viagem, o deslocamento de uma sala para outra, o
temático, em torno do qual se movem as apanhar de um objeto para a defesa contra um
personagens em diferentes situações) pode-se dizer agressor, e assim por diante. Este tipo de desenrolar
que o enredo de qualquer narrativa ficcional narrativo é próprio da ficção linear (José de Alencar,
constitui-se a partir de variados temas: o amor, Aluísio Azevedo, Lins do Rego, Jorge Amado, entre
viagens, aventuras, ficção científica, angústias outros); já a ação interna passa-se na consciência
existenciais, entre outros. ou/e na subconsciência da personagem, como na
Conforme ainda a ordenação dos fatos e ficção introspectiva de Machado de Assis,
situações narradas, o enredo pode apresentar uma Guimarães Rosa, Clarice Lispector. É importante
organização linear, mais próxima da ordem da assinalar que, em uma obra de ficção, coexistem as
narrativa oral, da narrativa tradicional (mitos, lendas, duas formas de ação, ambas estabelecem relação
casos, contos populares) em que se respeita a de vasos comunicantes, em que uma pode
cronologia, obedece-se à ordem (começo, meio, prevalecer sobre a outra, sem, entretanto, anularem-
fim), ao princípio da causalidade, isto é, os fatos são se.
ligados pela relação de causa e efeito e respeita-se Para entender a organização do enredo, não
a logicidade dos fatos. basta perceber começo, meio e fim da matéria
Embora tal modelo tradicional (característico narrada; é preciso perceber o elemento estruturador:
do século XIX) persista, já é possível perceber, o conflito, que é responsável pela expectativa que os
paralelamente, um outro modelo em que tais fatos podem gerar. O conflito é qualquer componente
aspectos podem sofrer alterações mais ou menos da história (personagem, fatos, ambiente, ideias,
profundas, o que caracteriza a narrativa contemporâ- emoções) que se opõe a outro, criando uma tensão
nea moderna, que subverte a forma de narrar que organiza os fatos da história e prende a atenção
tradicional, podendo levar até mesmo à pulverização do leitor. Além dos conflitos entre personagens e
dos elementos da narrativa. Conforme diz o escritor entre estes e o ambiente, existem os conflitos
francês Jean Ricardou: “O romance tradicional é a religiosos, morais, econômicos e psicológicos
escritura de uma aventura; o romance moderno é a (conflito interior de um personagem que vive um
aventura de uma escritura”. drama existencial).
A narrativa linear apresenta um ritmo mais Nas narrativas tradicionais, o conflito
rápido porque a cronologia é respeitada. Ao determina as partes do enredo:
contrário, nas narrativas não-lineares em que há idas • exposição ou apresentação: parte inicial que
e vindas no tempo/espaço, retrospectivas, situa o leitor diante da história que irá ler;
antecipações, mistura de planos temporais, o ritmo • complicação: é a parte em que se
se retarda. Em função da narrativa se voltar mais desenvolve o conflito (ou conflitos);
para os acontecimentos exteriores, privilegiando o • clímax: o momento culminante, de maior
tempo cronológico, ou para os estados interiores das tensão; é o ponto de referência para as
personagens ou do narrador, com o predomínio do outras partes do enredo que existem em
tempo psicológico, o ritmo será afetado, ou seja, função dele;
nesta será arrastado, lento e subjetivo e naquela, • desfecho ou desenlace: é a solução dos
agilizado, objetivo, acompanhando o circunstancial. conflitos.
A ação se desenvolverá à medida que as Modernamente, um romance pode ser uma
situações vão se modificando. Pode fluir, sem narrativa sem começo, meio e fim. Pode ser uma
interrupções ou pode ser retardada por descrições narrativa circular, como o Finnegans Wake de James
de objetos, quadros ou paisagens, detalhes, gestos, Joyce que termina sem ponto e começa com uma
traços físicos ou morais da personagem, etc. A letra minúscula, demonstrando que as coisas estão
digressão, ou desvio da sequência narrativa pelo sempre num eterno retorno.
discurso, que pode apresentar reflexões, diálogos Julio Cortázar, em O Jogo da Amarelinha,
com o leitor, opiniões, considerações filosóficas, indica na introdução que o livro pode ser lido de
pode também retardar o desenrolar da história. várias maneiras. Por outro lado, Clarice Lispector,
A ação pode ser externa, por exemplo, uma em Água Viva, escreve um romance em que se

18 * Literatura Brasileira
percebe a ausência de personagens; a linguagem é maneira como se daria na vida real, segundo a
o grande tema e a grande personagem. Oswald de coerência que preside a vida real. Portanto,
Andrade, em Serafim Ponte Grande, expulsa um verossimilhança interna à própria obra, não
personagem do livro por achá-Io inconveniente. enquanto relação com o mundo real.
Nas narrativas psicológicas, os fatos nem Se, na narrativa, aparece a figura de um
sempre são evidentes porque não equivalem a animal que “fala” ou “pensa” (como em Quincas
ações concretas das personagens, mas a Borba) será verossímil que ele proceda dessa forma
movimentos interiores, fatos emocionais. até o fim da narrativa.
Duas questões são fundamentais a serem “Machucado, separado do amigo, Quincas Borba
observadas na ação: vai então deitar-se a um canto, e fica ali muito
a) sua natureza ficcional - verossimilhança; tempo, calado; agita-se um pouco até que acha
b) sua estrutura - partes que a compõem. posição definitiva, e cerra os olhos. Não dorme,
recolhe as ideias, combina, relembra; a figura vaga
do finado amigo passa-lhe acaso ao longo, muito
ao longe, aos pedaços, depois mistura-se à do
Interna amigo atual, e parecem ambas uma só pessoa;
Verossimilhança depois outras ideias”.
Externa (Quincas Borba, M. de Assis)

Entretanto, se tratar de uma situação em que


o animal está reduzido a sua própria condição, será
É a lógica interna do enredo, a essência do inconcebível que tenha atitudes diferentes das
texto de ficção. esperadas de um animal. Entretanto, se tudo na
Os fatos de uma história não precisam ser narrativa seguir as trilhas do absurdo ou da
verdadeiros, no sentido de corresponderem inverossimilhança, a obra será perfeitamente
exatamente a fatos ocorridos no universo exterior ao verossímil.
texto, mas devem ser verossímeis; isto quer dizer É o caso de Macunaíma, por exemplo, em que
que, mesmo sendo inventados, o leitor deve o “herói sem caráter” protagoniza “inverossímeis” e
acreditar no que lê. Esta credibilidade advém da mágicas façanhas, como soltar um berreiro “tão
organização lógica dos fatos no enredo. Cada fato imenso que encurtou o tamanhão da noite e muitos
da história tem uma motivação (causa), nunca é pássaros caíram de susto no chão e se
gratuito e sua ocorrência desencadeia novos fatos transformaram em pedra” ou metamorfosear-se em
(consequência). saúva, pingo d’ água ou peixe; viajar pelo Brasil de
Qualquer narrativa de ficção formula as ponta a ponta, sem obediência a qualquer noção de
próprias leis sob as quais se desenvolve, leis essas espaço ou tempo. Tais recursos caracterizam a
que cumpre ao leitor conhecer e aceitar. Isto quer prosa surrealista, kafkiana em que se busca a fusão
dizer que, ao iniciar o contato com qualquer obra de do mundo real e do irreal, do mundo onírico e do
ficção, o leitor deve aceitar as normas estabelecidas factual.
pelo ficcionista. Este inventa um mundo com base
na observação, na memória e na imaginação que o F) ESPAÇO
leitor deve entender como tal. Caso recuse o
universo fictício ou procure nele o relato de fatos Espaço é o lugar onde se passa a ação numa
verídicos, ao leitor resta fechar o romance e abrir um narrativa. Se a ação for concentrada, isto é, se
jornal. houver poucos fatos ou se o enredo for psicológico,
Uma das condições básicas para que o leitor o espaço terá menos variedade do que em narrativas
se mantenha atento ao que lê, é que a ação cheias de aventuras e acontecimentos, em que se
contenha verossimilhança, não no sentido de verificará maior afluência de espaços.
reproduzir literalmente ocorrências da vida real, pois A função principal do espaço é situar as ações
aí não seria ficção, mas que a ação se organize da dos personagens e estabelecer com eles uma

Literatura Brasileira * 19
interação, influenciando suas atitudes, pensamentos que ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o
ou emoções ou se modificando, segundo cadáver nos meus braços para fora do caixão.
determinam os personagens. Pesava como chumbo (...)”
Pode ser caracterizado mais detalhadamente
em trechos descritivos, ou ter as referências diluídas
na narração. A frequência e a intensidade com que o 3. Estar em conflito com os personagens, em
lugar geográfico se impõe no conjunto de uma obra narrativas em que se opõe aos perso-
ficcional está em função de suas outras nagens, como em Capitães da Areia, de
características. Se se trata de uma história urbana, o Jorge Amado, no qual o ambiente burguês
cenário será predominantemente o construído pelo e preconceituoso se choca com os heróis
homem: o interior de uma casa, ou as ruas; se da história.
regional ou sertaneja, o cenário será a própria
natureza. A relevância do lugar, na ficção citadina, “Os guardas vêm em seus calcanhares. Sem-Pernas
variará de acordo com a espécie literária (conto, sabe que eles gostarão de o pegar, que a captura
novela, romance) e a tendência estética ou ficcional de um dos Capitães da Areia é uma bela façanha
(a ficção romântica, realista, o romance introspectivo para um guarda. Essa será a sua vingança. Não
ou existencialista, etc.). deixará que o peguem, não tocarão a mão em seu
O termo espaço só se refere ao lugar físico corpo. Sem-Pernas os odeia como odeia a todo
onde ocorrem os fatos da história. O espaço mundo, porque nunca pode ter um carinho. E no
carregado de características socioeconômicas, dia que o teve foi obrigado a abandoná-lo porque
morais, psicológicas, em que vivem os personagens a vida já o tinha marcado demais. Nunca tivera uma
é denominado de ambiente. Neste sentido, ambiente alegria de criança. Se fizera homem antes dos dez
é um conceito que aproxima tempo e espaço, pois é anos para lutar pela mais miserável das vidas: a vida
a confluência destes dois referenciais, acrescido de de criança abandonada. Nunca conseguira amar a
um clima (conjunto de determinantes sociais, ninguém, a não ser a esse cachorro que o segue.
econômicos, morais, religiosos, etc. que cercam os Quando os corações das demais crianças ainda
personagens). estão puros de sentimentos, o de Sem-Pernas já
estava cheio de ódio (...) Apanhara na polícia, um
FUNÇÕES DO AMBIENTE homem ria quando o surravam. Para ele é esse
homem que corre em sua perseguição na figura
1. Situar os personagens no tempo, no dos guardas. Se o levarem, o homem rirá de novo
espaço, no grupo social, enfim, nas (...) Sobe para o pequeno muro, volve o rosto
condições em que vivem. para os guardas que ainda correm, ri com toda
2. Ser a projeção dos conflitos vividos pelas força do seu ódio, cospe na cara de um que se
personagens. Por exemplo, nas narrativas aproxima estendendo os braços, se atira de costas
de Noite na Taverna (Álvares de Azevedo), no espaço, como se fosse um trapezista de circo”.
o ambiente macabro reflete a mente
mórbida e alucinada dos personagens. 4. Fornecer índices para o andamento do
enredo. É muito comum, nos romances
“(...) Quando dei acordo de mim estava num lugar policiais ou nas narrativas de suspense ou
escuro: as estrelas passavam pelos raios brancos terror, certos aspectos do ambiente
entre as vidraças de um templo. As luzes de constituírem pistas para o desfecho que o
quatro círios batiam num caixão entreaberto. leitor pode identificar numa leitura mais
Abri-o: era de uma moça. Aquele branco da atenta. No conto “Venha ver o pôr do sol”,
mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, de Lygia F. Telles, nas descrições do
naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos ambiente percebemos índices de um
olhos mal apertados... Era uma defunta!... e aqueles desfecho macabro, por exemplo, no trecho
traços todos me lembravam uma ideia perdida... em que se insinua um jogo entre a vida e a
Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da igreja, morte, que é o que de fato ocorre com os

20 * Literatura Brasileira
personagens Raquel e Ricardo. vez que após o Renascimento não mais apareceram
epopeias.
“O mato rasteiro dominava tudo. E não satisfeito
de ter-se alastrado furioso pelos canteiros, subira Poema Narrativo:
pelas sepulturas, infiltrara-se ávido pelos rachões Caso complexo é o do poema narrativo.
dos mármores, invadira as alamedas de Embora tenha traços semelhantes à epopeia, dela
pedregulhos enegrecidos, como se quisesse com distancia-se em função da maior liberdade de forma
sua violenta força de vida cobrir para sempre os e/ou do tema. Diante disso, aproxima-se do gênero
últimos vestígios da morte”. lírico, tornando difícil sua classificação e con-
ceituação. Alguns exemplos de poema narrativo,
dados pelos teóricos, são: O Uraguai, de Basílio da
CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE Gama; Caramuru, de Santa Rita Durão; I Juca
Pirama, de Gonçalves Dias; O Caçador de
Para se caracterizar o ambiente, levam-se em Esmeraldas, de Olavo Bilac; O Romanceiro da
consideração os seguintes aspectos: Inconfidência, de Cecília Meireles; Juca Mulato, de
• época em que se passa a história; Menotti del Picchia.
• características físicas (do espaço); Abordando espécies do gênero narrativo em
• aspectos socioeconômicos; prosa, temos:
• aspectos psicológicos, morais, religiosos.
Novela:
Das espécies mais usuais do gênero
4.1.2 ESPÉCIES DO GÊNERO NARRATIVO narrativo- romance, conto e novela -, esta última é a
que menos tem representatividade no contexto da
Em literatura, ficção é um tipo de Gênero Literatura Brasileira. Estabelecendo uma tradição de
Narrativo e é um termo empregado para designar o conto e romance, tanto a crítica como o escritor
romance, a novela, o conto, embora outras formas deixaram a novela de lado. E esclarecemos, desde
possuam qualidades de ficção: fábula, lenda e até logo, que a novela de que estamos tratando não é a
mesmo o drama. Porém, inicialmente cabe retomar telenovela.
as origens do gênero, isto é, o épico, fazendo-se Embora haja controvérsias quanto à con-
referência à epopeia ou poema épico. ceituação, a teoria literária caracteriza a novela como
uma narrativa em que há sucessividade de conflitos,
Epopeia ou poema épico: isto é, cada episódio praticamente se constitui numa
A epopeia é uma longa narrativa de caráter narrativa autônoma em relação aos que lhe seguem.
heroico, grandioso e de interesse nacional e social. É o caso, por exemplo, de O Grande Mentecapto, de
Ela apresenta uma atmosfera maravilhosa que, em Fernando Sabino, em que cada uma das aventuras
torno de acontecimentos históricos passados, reúne de Geraldo Viramundo é um episódio que poderia
mitos, heróis e deuses. É escrita em versos. A ser destacado do livro, sem prejuízo para o
estrutura clássica da epopeia é a seguinte: entendimento da narrativa.
1. proposição;
2. invocação; Conto:
3. dedicatória; A primeira lembrança que nos vem à memória
4. narração; quando falamos em conto é o contar histórias. Os
5. epílogo. contos dos mágicos (ou contos egípcios) são os
As epopeias mais conhecidas são: llíada e mais antigos e devem ter aparecido por volta de
Odisséia, ambas de autoria do grego Homero; 4.OOO a.C. e passam por toda a história, até porque
Eneida, do romano Virgílio. Em língua portuguesa, detectam os momentos da escrita que representam
há Os Lusíadas, de Camões. a nossa cultura. A mais clara definição de
Na Literatura Brasileira, não existe uma envolvimento, entretenimento, se poderia exem-
epopeia nos moldes rigorosamente clássicos, uma plificar com os contos das Mil e Uma Noites que

Literatura Brasileira * 21
circulam da Pérsia (séc. XI) para o Egito (séc. XII) e de mistério e misticismo, próprios da alma eslava).
para toda a Europa (séc. XVIII). Durante a Alta Idade É também nessa época que surgem contistas de
Média (séc. XII a XIV), o conto conhece uma época superior gabarito em Língua Portuguesa: Machado
áurea, graças à prosificação dos gestos de Assis (“O Alienista”, “A Cartomante”, “Missa do
cavalheirescos e, no final dessa quadra histórica, ao Galo”), Fialho de Almeida, Eça de Queirós, Aluísio
aparecimento de alguns contistas, como Bocaccio Azevedo, Júlia Lopes de Almeida e outros.
(Il Decamerone) e Chaucer (Canterbury Tales). Na verdade, é muito difícil definir, caracterizar
Quando Bocaccio publicou seus contos o conto. Segundo Júlio Casares, a partir do estudo
eróticos (Il Decamerone), ao conto acrescentou-se desenvolvido por Cortázar das obras de Edgar Allan
um novo prisma, além do didático, porque o contador Poe, há três acepções para a palavra conto:
procura a elaboração artística sem perder, contudo, 1) relato de um acontecimento;
o tom da narrativa oral, pois não perde o recurso das 2) narração oral ou escrita de um aconte-
estórias de moldura (aquelas que são criadas para cimento falso;
serem contadas por alguém a alguém). 3) fábula que se conta às crianças para
Na Espanha, graças a Cervantes (Novelas diverti-Ias.
Ejemplares) e Quevedo (La Hora de Todos), o conto Segundo esse estudo, há uma característica
alcança a preferência dos autores e dos leitores. Na comum em todas elas: são modos de se contar
França, também surgem muitos contistas, como La alguma coisa a alguém e isso nos remete a uma
Fontaine (Contes). Porém, também nesse período, narrativa e ela apresenta uma sucessão de aconte-
a poesia e a prosa doutrinária (reflexo do ambiente cimentos, porque:
revolucionador e reformador) receberam grande • há sempre algo a narrar;
aplauso e culto, por isso, a ficção em prosa manteve- • esse algo desperta, revela, identifica o
se arredia. Todavia, na França, Voltaire faz escola interesse humano;
com algumas de suas narrativas de cunho filosófico • em relação a isso, surge um projeto em que
e satírico. os acontecimentos tomam significação e se
O primeiro contista em Língua Portuguesa é organizam em uma série temporal estru-
Gonçalo Fernandes Trancoso, autor de Contos e turada;
Histórias de Proveito e Exemplo, publicados em • porém, tudo acontece observando a
1575. unidade de ação.
É no século XIX que o conto conhece sua A voz do contador, seja oral ou escrita, sempre
época de maior esplendor porque, além de se tornar pode interferir no discurso. Há todo um repertório no
forma “nobre”, passa a ser larga e seriamente modo de contar e nos detalhes do modo como se
cultivado. É aí que abandona seu estágio empírico, conta - entonação de voz, gestos ou mesmo algu-
indeciso, para ingressar numa fase em que se torna mas palavras ou sugestões - que podem ser criados
produto tipicamente literário e ganha estrutura e pelo contador, porque o intuito de conquistar e
andamento característicos. manter o interesse do ouvinte é de fundamental
O conto se desenvolve estimulado pelo apego importância.
à cultura medieval, pela pesquisa do popular e do Assim é que todo contador de histórias é um
folclórico, pela acentuada expansão da imprensa contista e o verdadeiro contista é aquele que se
(que permite a publicação dos contos nas inúmeras confunde com a voz do narrador (narrador é a
revistas e jornais). Esse é o momento da criação do criação de uma pessoa).
conto moderno, quando, ao lado de um Grimm, que O conto tradicional é uma narrativa que gravita
registra contos e inicia o estudo comparativo deles, em torno de um só conflito, um só drama, uma só
um Edgar Allan Poe se afirma enquanto contista e ação. Tomemos como exemplo “Missa do Galo”, de
teórico do assunto. Outros contistas expressivos Machado de Assis, conto formado por um único
são: Balzac (Contes Dr. Latiques), Flaubert (Trois episódio: o diálogo cheio de implicações sensuais
Contes), Maupassant (que consegue dar a seus entre o narrador (um jovem de dezessete anos) e a
escritos qualidades individuais e inovadoras), Nicolai sua hospedeira, D. Conceição, casada e com trinta
Gogol e Anton Tchekov (que conferiu ao conto notas anos. O drama apresenta começo, meio e fim, pois

22 * Literatura Brasileira
apresenta o fim em si próprio. No conto, o tempo curto período de tempo.
existencial que precede o momento do conflito • Unidade de espaço: o lugar por onde
funciona como germe ou preparativo do instante circulam as personagens é de âmbito
decisivo e o tempo que se seguirá ao conflito adquire restrito.
coloração equivalente, pois o futuro se torna • Presença de poucas personagens.
previsível ou conhecido. • Quanto à linguagem, há o predomínio da
O histórico do conto inclui as narrativas orais narração. O discurso das personagens
(“contar um conto”) e o início do registro escrito (discurso direto, indireto e indireto livre)
dessas narrativas, traçando uma evolução que muitas vezes assume relevância. A
culminou na forma literária (estética) que nos descrição e a dissertação tendem a anular-
interessa estudar. Os primeiros registros de contos se.
em língua escrita mantinham estrutura semelhante
às dos contos orais, identificando-se, no texto, um Romance:
ou mais contadores e um ou mais ouvintes (para São espécies antecessoras do romance as
quem se estaria narrando). novelas de cavalaria, da Idade Média, o romance
Exemplificando: Todos os contos reunidos sob histórico e o romance picaresco, ambos do
o título As Mil e Uma Noites (Pérsia e Arábia, séc. X) Renascimento. D. Quixote (início do século XVII), de
teriam sido contados por Scheherazade (narradora) Cervantes, por seus recursos formais e pela visão
para distrair o rei (ouvinte) que ameaçava matá-la. de mundo apresentada, ultrapassa os limites da
Outro resquício da tradição oral nos contos é novela de cavalaria, que tomou como molde e
a presença de intenção moralizante, cada vez inaugura a narrativa moderna. Porém, o romance,
menos presente na atual forma. como o entendemos atualmente, só viria a surgir em
Afastando-se pouco a pouco da tradição oral, meados do século XVIII.
o conto foi obtendo autonomia em relação a outras Para diversos estudiosos da literatura, o
formas literárias, inclusive à novela e, principal- romance seria resultado da evolução da epopeia,
mente, o romance que, tendo surgido depois, que desapareceu com o advento da era industrial. O
assumira enorme importância no século XIX. Nesse principal ponto em comum entre epopeia e romance
século, o conto adquiriu a estrutura que hoje o é a visão globalizante, capaz de abranger largas
caracteriza: a de uma narrativa curta que condensa faixas da realidade. Diferencia-os, além de tantas
e potencia todas as possibilidades da ficção. características formais, o fato de que, ao contrário
É possível definir o conto como a narrativa das epopeias (voltadas para o destino de uma
que objetiva a solução de um conflito tomado perto coletividade), o romance volta-se para o homem
de seu desfecho. Em geral, as personagens são como indivíduo.
apresentadas brevemente, vivendo situações A burguesia, classe social mais beneficiada
decisivas. Segundo Edgar Allan Poe, haveria uma pela Revolução Industrial, tornou-se o público
relação direta entre a extensão do conto (breve) e o destinatário, por excelência, dos primeiros roman-
efeito que ele causa no leitor. Em virtude da ces. Tendo sido a Inglaterra o primeiro país em que
economia dos meios narrativos, o contista obtém, a Revolução Industrial ocorreu e gerou seus efeitos,
com o mínimo de recursos, o máximo de efeitos: “Se ali escreveram os primeiros romancistas, impulsiona-
sua primeira frase não tende à concretização deste dos pelo notável alargamento do público leitor e pela
efeito, então ele falhou em seu primeiro passo. Em consequente popularização da indústria gráfica e da
toda a composição não deve haver nenhuma palavra imprensa. Sobretudo no século XIX, o jornal serviu
escrita cuja tendência, direta ou indireta, não esteja de veículo para uma forma de romance que é hoje
a serviço deste desígnio preestabelecido”. considerada a origem da “literatura de massas”: o
São características do conto: romance-folhetim, produto próprio do jogo de
• Unidade de ação: uma só situação mercado, que se volta principalmente para o
importante centraliza a narrativa e envolve entretenimento.
as personagens. Na verdade, boa parte da produção de
• Unidade de tempo: a história se passa em romances da época romântica (e não apenas o

Literatura Brasileira * 23
romance-folhetim) caracteriza-se pelo anseio de intuito de defender ideias e expressar
deleitar o público, ávido por ver suas ambições e (demoradamente) determinada visão de
desejos transformados em literatura. São autores do mundo.
período: Samuel Richardson, Henry Fielding, Victor Os teóricos atribuíram nomes a determi-
Hugo, José de Alencar. nadas espécies de romances. Alguns desses nomes
Ainda no século XIX, o romance torna-se mais devem ser conhecidos.
complexo, a partir das obras de autores que, embora No início da produção de romances, o escritor
influenciados em algum grau pela estética romântica, estava voltado a retratar particularmente a burguesia
encaminharam seus romances para um intuito que urbana e seus costumes, dando origem ao chamado
sempre fora característico do romance: recriar o romance urbano ou romance de costumes. Ex.: em
mundo de modo crítico criando personagens A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, são
próximas o mais possível das pessoas. A estética mostrados os hábitos e comportamentos da
realista, o aprofundamento psicológico e o domínio burguesia fluminense do século XIX. Os escritores
de elaboradas técnicas narrativas (sobretudo no românticos buscavam em épocas passadas fontes
tocante ao tempo) colaboraram para tornar o de inspiração para seus enredos. Isso originou o
romance a mais complexa forma narrativa, que romance histórico. Ex.: Walter Scott, em Ivanhoé,
tende a absorver quase todos os outros gêneros e retrata a época medieval. A preocupação cientificista
formas literárias. São autores do período: Balzac, do Realismo deu ensejo ao surgimento do romance
Stendhal, Flaubert, Zola, Charles Dickens, de tese, utilizado pelo escritor para defender um
Dostoievski, Machado de Assis. Os autores no início ponto de vista sobre determinado assunto. Ex.: Eça
do século XX, tais como Proust, Kafka e James de Queiroz tem a opinião de que, reunidas certas
Joyce intensificaram o experimentalismo no manejo condições, a prática do adultério feminino é
das técnicas narrativas, confirmando a prevalência inevitável. No romance O Primo Basílio, por meio do
do romance sobre as demais formas literárias. enredo, ele demonstra esse ponto de vista. A partir
Romance é a narrativa que pretende dar uma do século XIX, os escritores passaram a se debruçar
visão de mundo mediante o conflito de personagens. mais intensamente na caracterização do interior das
O conflito, comumente, é tomado no ponto mais personagens, expondo densas reflexões, visando a
distante (diferentemente do conto). O romance exige uma análise dos aspectos psicológicos do ser
um enredo complexo, um tratamento cuidadoso do humano. Surgiu, então, o romance psicológico. Ex.:
tempo e uma elaborada construção das Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de
personagens. Assis, e A Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres,
São características do romance: de Clarice Lispector.
• pluralidade de núcleos de ação: várias Mais especificamente no Brasil, desde o
situações importantes se desenrolam, Romantismo, existe um tipo de romance bastante
estando elas unidas por algum núcleo de sintonizado com uma característica peculiar do
ação central, que envolve os protagonistas. nosso país: a diversidade regional. Ao romance que
• pluralidade de tempo: a história se passa em retrata as paisagens e costumes de alguma das
um largo período temporal. regiões brasileiras, deu-se o nome de romance
• pluralidade de espaço: não há limites para a regionalista. Ex.: José Lins do Rego, em quase todos
movimentação das personagens. Cada os romances (Menino de Engenho, por exemplo),
núcleo de ação pode se desenvolver em trata da região Nordeste; Jorge Amado se fixa
diferentes lugares. particularmente no retrato da Bahia (Ex.: Gabriela,
• presença de algumas personagens, sendo Cravo e Canela).
algumas delas caracterizadas deta- Há tipos de romances cuja origem não está
lhadamente. propriamente ligada a um estilo de época ou a uma
• quanto à linguagem, há o predomínio da peculiaridade de determinado país. Trata-se do
narração, mas todas as formas de discurso romance de aventuras, que narra fatos extraor-
podem ocorrer. A descrição tem muita dinários, peripécias e façanhas num cenário fabuloso
importância. A dissertação é utilizada com o (Ex.: os chamados “romances de capa e espada”,

24 * Literatura Brasileira
dos quais se destaca Os Três Mosqueteiros, de ser lida. Houve momentos estéticos - tais como o
Alexandre Dumas), e do romance policial, cujo Trovadorismo, na Idade Média, e o Simbolismo, no
enredo apresenta um crime ou um caso intricado e século XIX - em que a poesia voltou a se aproximar
sua respectiva elucidação (Ex.: os romances de bastante da música. Mesmo quando essa
Agatha Christie). aproximação não é tão evidente, a poesia lírica
costuma guardar relações com essa outra arte, pois
Crônica: privilegia a sonoridade e o ritmo.
As características peculiares da crônica O poeta lírico se ocupa do próprio “eu”.
derivam do fato de que é escrita para ser publicada Interessa-lhe a expressão de sua subjetividade, do
em jornais e revistas. Nesse contexto, diz Jorge de que lhe vai no íntimo: sentimentos, força interior,
Sá, a crônica também assume essa transitoriedade, angústias, paixões, reflexões. O lirismo é,
dirigindo-se inicialmente a leitores apressados. Sua essencialmente, a expressão de vivências intensas
colaboração também se prende a essa urgência, de um Eu no encontro com o mundo, não incluindo
pois o cronista também dispõe de pouco tempo para o desenvolvimento de ações no tempo. Por isso, o
escrever o seu texto. texto é subjetivo.
Consequentemente, do ponto de vista formal, Mesmo a poesia moderna, que reflete a
a sintaxe da crônica é mais solta, havendo, inclusive, ausência de crença na possibilidade de uma relação
certa moralidade, sem, contudo, perder a elaboração plena de sentido entre o eu do poeta e a realidade,
necessária a um texto literário. Em outras palavras, mantém a essência do lirismo, pois nela prevalece
a linguagem da crônica é dinâmica, em tom de um questionamento do sujeito sobre os modos
reportagem. possíveis de se relacionar com o mundo.
Ainda quanto à forma, as características da A poesia lírica se caracteriza pela
crônica são semelhantes às do conto, com a manifestação imediata de uma emoção, de um
diferença de que o contista desenvolve a construção sentimento ou de uma reflexão. Disso decorre a
da personagem, do tempo e do espaço com maior brevidade do poema lírico. Sendo expressão de um
preocupação formal. Outra distinção importante estado de espírito e não a narração de um
entre a crônica e o conto diz respeito ao narrador. O acontecimento, o poema lírico não apresenta
narrador-repórter se identifica mais com o próprio personagens e enredo, pois, para caracterizar uma
autor que, via de regra, emite comentários pessoais personagem e identificar suas ações, é necessário
sobre o assunto tratado. Portanto, há, na crônica, a recorrer à descrição e à narração, que não
presença da dissertação. correspondem à essência do lirismo.
Quanto ao conteúdo, a crônica se distingue do O poema lírico não admite narrador, pois o
conto porque, em geral, o cronista extrai do cotidiano sujeito lírico pretende, antes de tudo, expressar a si
a matéria para seus textos, em função do caráter mesmo. Todavia, do mesmo modo que o narrador
circunstancial da crônica. Entretanto, o cronista não deve ser confundido com a pessoa concreta do
transforma o pequeno acontecimento do dia a dia em ficcionista, a voz que fala no poema lírico não deve
motivo de reflexão. ser confundida com a pessoa física do poeta
Tais elementos dão alto poder de comu- (embora se reconheça que, dado o caráter subjetivo
nicação à crônica, dotando-lhe de grande capaci- da poesia lírica, essa proximidade se faça sentir).
dade de adaptação ao ritmo da vida contemporânea. Para operar essa distinção, os teóricos criaram o
Alguns cronistas brasileiros: Rubem Braga, termo eu lírico que se refere ao sujeito que fala no
Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes poema.
Campos e Fernando Sabino. Outra distinção terminológica importante é a
4.2 GÊNERO LÍRICO que define poesia e poema. Poema é o conjunto de
versos dispostos no papel, isto é, o aspecto concreto
A palavra lírica deriva de lira, instrumento do texto. Poesia é o “efeito” resultante da utilização
musical com o qual os poetas gregos de recursos que conferem ao texto determinado teor
acompanhavam seus poemas, ao recitá-Ios ou estilístico. Por isso, muitos poemas podem não
cantá-Ios. Posteriormente, a poesia lírica passou a conter poesia enquanto textos narrativos podem ser

Literatura Brasileira * 25
altamente poéticos. final de versos diferentes, no interior do mesmo
Embora os textos narrativos possam ter verso ou em qualquer outra posição.
poesia, o gênero lírico toma, na maioria das vezes, Denominam-se versos brancos aqueles que
como forma o verso. Cabe apresentar, então, os obedecem às regras da métrica, mas não apresen-
elementos do poema. tam rimas.
Conhecidos os elementos básicos do poema,
cabe verificar os estratos nele contidos. Essa divisão
4.2.1. ELEMENTOS DO POEMA é de caráter didático e visa a fornecer dados para
análise e interpretação do poema.
• Verso: cada uma das linhas do poema. • ESTRATO VISUAL: corresponde ao modo como
• Estrofe: cada um dos conjuntos de versos o poema é apresentado na folha de papel. Em outras
em que se divide o poema. É precedida e palavras, é a “mancha” que o poema ocupa no
seguida por linhas em branco. Alguns tipos espaço em branco. De alcance restrito nos poemas
de estrofe cuja denominação interessa tradicionais, o estrato visual é fundamental para a
conhecer: de três versos (terceto), de quatro análise dos poemas concretos.
versos (quarteto ou quadra) e de oito versos • ESTRATO FÔNICO: corresponde aos recursos
(oitava). de ordem sonora utilizados no poema. Trata-se de
• Ritmo: sucessão alternada de sons tônicos estrato importante, pois uma das características
e átonos; distribuição dos acentos (sílabas básicas do poema é a sonoridade, a musicalidade,
fortes e fracas) nos versos. obtidas por meio do ritmo e das repetições dos sons.
• Metro: o metro de um verso é definido pelo Assim, deve se investigar se há um ritmo cadenciado
número de sílabas poéticas que o compõe. ou irregular e qual a distribuição das rimas (quando
A métrica, ao contrário do ritmo, é exterior existirem). Também deve ser feito um levantamento
ao poema. O poeta opta por obedecer ou das aliterações (repetições de consoantes),
não às leis métricas. Seguindo as leis, assonâncias (repetições de vogais), repetições de
escreverá versos regulares; não as palavras e presença de onomatopeias (figura em
seguindo, comporá versos livres. Para saber que os sons lembram o som do objeto nomeado).
se os versos são regulares ou livres, é • ESTRATO MORFOLEXICAL: antes de se verificar
necessário fazer a escansão de cada verso, o sentido específico das palavras no poema, é
ou seja, dividi-Io em sílabas métricas e preciso observar as palavras em si, unidades
contá-Ias. Ao se escandir um verso, deve- mínimas de sentido do poema. O vocabulário do
se parar a contagem na última sílaba tônica. texto revela se o poeta emprega linguagem culta ou
coloquial. Em seguida, devem ser verificadas as
Ex.: Bri/lha a/lu/a/no/céu,/bri/lham/es/tre/las categorias gramaticais. A preferência do poeta pela
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
adjetivação, por exemplo, pode indicar um estilo
grandiloquente. O tempo verbal pode apontar
As sílabas em negrito são as sílabas fortes ou proximidade (presente) ou distanciamento (pas-
acentuadas. sado). O mesmo procedimento se aplica às outras
Observe que, na segunda sílaba, ocorreu a classes gramaticais.
elisão de um som. Nem sempre as sílabas poéticas • ESTRATO SINTÁTICO: embora não esteja restrito
correspondem às sílabas gramaticais. Isso ocorre às regras gramaticais, o poema pode conservar,
porque a escansão obedece à melodia do verso, aproximadamente, a estrutura sintática usada em
sendo necessário juntar ou separar sílabas quando prosa. Em primeiro lugar, pois, cabe verificar a maior
houver encontro de vogais. ou menor ruptura do poema com a sintaxe
Alguns tipos de versos possuem denominação tradicional. Também cabe levantar a existência, ou
especial: redondilha menor (verso de cinco sílabas), não, de inversões sintáticas. A pontuação também
redondilha maior (de sete sílabas) e alexandrino (de carrega significados, assim como a presença de
doze sílabas). períodos mais curtos ou mais extensos. Quando
• Rima: repetição de sons semelhantes no ocorrer o paralelismo (constru-ções sintáticas

26 * Literatura Brasileira
semelhantes, em mais de um verso), deve-se podem adquirir conotações bem diferentes conforme
verificar quais as palavras repetidas e quais palavras o tom empregado pelo poeta. Exemplos de tom:
foram substituídas. irônico, trágico, triste, alegre, humorístico, sarcástico,
• ESTRATO SEMÂNTICO: nesse passo, o sublime.
intérprete deve verificar em que sentido as palavras Metalinguagem: o poeta reflete sobre o
foram empregadas, compreendendo as metáforas e próprio poema, sobre o fazer poético ou sobre a
demais figuras de sentido, no contexto do poema. A poesia em geral. Trata-se de tendência bastante
linguagem conotativa, característica da ficção e da acentuada na lírica contemporânea.
poesia, aparece mais intensamente nesta última. Examinados os aspectos de conteúdo e de
A palavra, em poesia, assume uma impor- forma acima relacionados, resta ainda efetuar a
tância suprema. Se já na prosa o artista manipula a contextualização do poema no momento histórico
palavra com intuito estético, na poesia, em que o
em que foi escrito e, principalmente, no estilo de
texto não é construído de forma tão objetiva, a
época de que mais se aproxima (Classicismo,
palavra é, praticamente, o único instrumento de que
Romantismo, Modernismo, etc.).
o artista dispõe para expressar sua arte. Por isso,
Finalmente, o poema deve ser contextua-
além da importância sonora da palavra (estrato
lizado também na obra global do poeta.
fônico) - que norteia as escolhas do poeta - o
aspecto semântico é relevante, porque o poeta
procurará obter a maior plenitude de significado
possível de cada palavra. Para Ezra Pound,
4.2.2 ESPÉCIES E FORMAS DO
“literatura é linguagem carregada de significado” e “a
GÊNERO LÍRICO
poesia é a mais condensada forma de expressão
verbal”.
Há uma série de denominações atribuídas a
Efetuado o levantamento dos dados, parte-se
composições líricas em função do conteúdo que
para a conjugação desses elementos, a fim de se
apresentam. Atualmente, quase não se fazem essas
promover uma interpretação homogênea; afinal, os
estratos não existem isoladamente. composições, pois a poesia, desde o Modernismo, é

Há outros conceitos importantes para a extremamente variada, tendo caído em desuso o


compreensão de poemas: assunto, tema, motivo, emprego de tais denominações para os poemas
tom e metalinguagem. modernos.
Para se saber qual o assunto de determinado Por essa razão, apenas fazemos referência ao
poema, responde-se à pergunta: “de que fala o nome de algumas dessas espécies do gênero lírico:
poema?”. Para se identificar o tema, responde-se à ode, hino, canção, elegia, epitáfio e acalanto.
pergunta: “o poema trata de um assunto para refletir São muitas também as formas do gênero
acerca de quê?”. O assunto é mais objetivo, lírico, valendo citar três delas: soneto e trova (formas
enquanto o tema tende a maior grau de abstração e fixas mais frequentes) e o haicai (forma secular
generalidade. Exemplos de assunto: a partida da japonesa que vem sendo retomada na atualidade).
mulher amada, a saudade da infância na fazenda. Soneto: composição de forma fixa, clássica
Exemplos de tema: o amor, a solidão. por excelência, utilizada largamente por poetas de
Motivo: a frequência de um determinado todos os tempos (no Brasil, do Barroco ao Moder-
vocábulo ou grupo de vocábulos, quando adquire nismo). Compõe-se de duas quadras e de dois
especial relevância para o significado geral do tercetos. Em geral, predominam versos de dez ou
poema ou da obra de um autor, merece estudo doze sílabas. Exemplo:
detalhado. Por exemplo, a morte tem presença fre-
quente na obra de João Cabral de Melo Neto e, além “De repente do riso fez-se o pranto
disso, é apresentada sob enfoques diferentes, de Silencioso e branco como a bruma
poema para poema e de livro para livro. Assim, a E das bocas unidas fez-se a espuma
morte é um motivo na obra poética de João Cabral. E das mãos espalmadas fez-se o espanto
Tom: um mesmo assunto e um mesmo tema

Literatura Brasileira * 27
De repente da calma fez-se o vento Assim, cabe definir esses dois momentos. Ao
Que dos olhos desfez a última chama âmbito da literatura, que estuda textos elaborados
E da paixão fez-se pressentimento com preocupação estética, pertence, obviamente, o
E do momento imóvel fez-se o drama. texto em si, independente da representação. Um
texto dramático pode nunca vir a ser encenado e isso
De repente, não mais que de repente não lhe retira a qualidade de dramático, pois foi
Fez-se de triste o que se fez amante concebido visando à representação. A área da
E de sozinho o que se fez contente literatura que estuda o texto dramático é chamada
dramaturgia.
Fez-se do amigo próximo o distante A representação ou espetáculo, além do texto,
Fez-se da vida uma aventura errante possui outros elementos, como a atuação (trabalho
De repente, não mais que de repente.” dos atores), a coreografia, o cenário, a sonoplastia,
(Vinícius de Moraes) a iluminação, o figurino, etc. A esse conjunto dá-se
o nome de teatro, denominação idêntica ao local (ex:
Trova: Composição de uma única estrofe de Teatro Guaíra) onde ocorre a representação.
quatro versos (quadra). Forma muito popular, pode Essa transposição do texto dramático para o
ser escrita em versos de qualquer número de teatro, muitas vezes, não é feita pelo próprio autor
sílabas. A redondilha, sobretudo a redondilha maior, do texto (o dramaturgo), mas pelo diretor da peça
é o verso mais frequente. Exemplo: (hoje denominado encenador). Esse encenador
“Atirei um limão verde apresentará a sua interpretação do texto dramático.
Na janela do meu bem Isso se constitui em mais um elemento de
Quando as mulheres não amam diferenciação entre o texto e o espetáculo.
Que sono as mulheres têm!”
(Manuel Bandeira) Características do texto dramático
O texto dramático tradicional apresenta
Haicai: composição poética de origem enredo, o que o aproxima do texto narrativo.
japonesa, com estrofe de três versos, sendo o Entretanto, o texto dramático, repita-se, é escrito
primeiro e o terceiro versos com cinco sílabas e o com o objetivo de servir a uma representação em
segundo com sete. Exemplo: palco. Consequentemente, a figura do narrador,
fundamental em textos do gênero narrativo, é
“Arco íris no céu praticamente eliminada do texto dramático. Quando
Está sorrindo o menino existe narrador no texto dramático, sua
Que há pouco chorou.” caracterização é bastante diferente da do narrador
(Helena Kolody) de contos e romances e sua participação, muito
reduzida.
Limitado ou excluído o narrador, as
4.3 GÊNERO DRAMÁTICO personagens se apresentam por si mesmas e
desencadeiam a ação. Assim, o texto dramático terá,
A característica essencial do gênero dramático como elementos essenciais, personagem e ação.
é a tendência à representação. Ocorre a Além disso, o dramaturgo tem a preocupação
presentificação dos acontecimentos aos olhos do de escrever um texto que prenda, com muita
receptor. Assim, segundo alguns teóricos, o texto eficácia, a atenção do espectador. Afinal,
dramático reúne características dos demais gêneros, diferentemente do leitor, o espectador está “preso” a
conciliando a objetividade do narrativo e a subjetivi- uma cadeira enquanto durar a peça. Isso gera a
dade do lírico, unidas sob a forma de representação necessidade de o dramaturgo preservar a tensão
de ações, tudo tendendo ao desfecho, à resolução dramática, ao construir a ação. Para tanto, ele
de um conflito. Por envolver dois momentos, o do utilizará, com maior intensidade do que o autor de
texto em si e o da representação, o gênero dramático textos narrativos, recursos como o suspense, a
se distingue dos demais. surpresa, etc.

28 * Literatura Brasileira
Quanto aos demais elementos, a linguagem nos primeiros anos de existência da televisão no
aparece, obviamente, sempre sob a forma de Brasil, as telenovelas eram denominadas teleteatro.
discurso direto. Todavia, dada a multiplicidade de recursos
Os recursos referentes ao tempo têm sido existentes no cinema e na televisão, as diferenças,
cada vez mais explorados pelos dramaturgos. Por em relação ao teatro, tornaram-se muito grandes.
exemplo, em A moratória, Jorge Andrade propôs a
divisão do palco em dois planos, para apresentar Evolução do Gênero Dramático
épocas diferentes. Nelson Rodrigues utilizou com
frequência o flashback em seus textos. O gênero dramático, no mundo ocidental,
Embora alguns encenadores realizem ganhou relevo na Grécia Antiga. Pautando-se por
proezas, o espaço se vê limitado pelas dimensões regras objetivas, os dramaturgos gregos escreviam
do palco. Pode, todavia, haver referência, na fala das tragédias e comédias. A tragédia tem por finalidade
personagens, a outros espaços e ambientes não comover ou purgar os espectadores, inspirando-Ihes
presentificados. Todavia, isso deve ser feito com terror e compaixão e promovendo a catarse. A
moderação, para não reduzir a tensão dramática. comédia tem por objetivo valer-se do riso para
Na confecção de um texto dramático, o corrigir os costumes.
dramaturgo assinala a fala de cada uma das Na Idade Média, surgiram o auto, peça de
personagens e, via de regra, apresenta rápidas cunho religioso, e a farsa, espécie de comédia.
descrições de espaço e ambiente, bem como Com o advento do Romantismo, houve uma
introduz, também sucintamente, outras informações flexibilização das regras ditadas pelo teatro clássico.
(sobre o tempo, por exemplo). Esses dados vêm, em Um dos principais responsáveis por essas mudanças
geral, no início dos atos. foi Victor Hugo. Nessa mesma época, criou-se o
As maiores unidades de ação são denomi- drama romântico, que mescla elementos da tragédia
nadas atos, que se subdividem em cenas e estas, e da comédia.
em quadros. Há muitas espécies do gênero dramático, va-
Ao longo do texto, o dramaturgo pode colocar lendo citar: commedia del arte, melodrama, vaudeville.
observações sobre o estado de ânimo das No século XX, as mudanças foram mais radi-
personagens, sobre a marcação (posicionamento cais, tendo surgido dramaturgos, teóricos e encena-
dos atores no palco), etc. Todas essas informações dores que multiplicaram as experiências criadoras.
que não fazem parte da fala das personagens têm a Destacam-se: Brecht, Artaud, Stanislowski, Beckett,
denominação de rubricas. lonesco (teatro do absurdo), Bob Wilson. No Brasil,
Para concluir a caracterização do gênero, a dramaturgia ganhou grande impulso com Nelson
apresentamos algumas observações, em forma de Rodrigues. Outros dramaturgos brasileiros: Guar-
perguntas e respostas: nieri, Augusto Boal, Dias Gomes, Oduvaldo Vianna
- Uma representação sem texto pode ser Filho, Maria Adelaide Amaral. Como, atualmente, é
considerada teatro? cada vez maior a importância atribuída ao diretor (ou
Essa questão é bastante atual, dada a encenador), cabe fazer referência a alguns dos
tendência de redução do texto na representação. principais nomes dessa área na atualidade: Antunes
Para os teóricos, representação sem texto não é Filho, Cacá Rosset, Gabriel Vilela, Bia Lessa, Gerald
teatro. Pode ser happening, performance, mímica, Thomas, Ulisses Cruz.
pantomima. Para ser denominada como teatro,
ainda, para a maioria dos teóricos (não todos), a
obra deve ter texto.
- Qual é a diferença entre um texto para
cinema ou novela e um texto para ser representado
em palco para um público presente?
Os textos destinados a filmes ou telenovelas,
denominados roteiros, são semelhantes aos
destinados à representação em palco. Tanto que,

Literatura Brasileira * 29
EXERCÍCIOS Mas não haviam matado o seu pai? A vida não passava de uma luta de
vida ou morte entre as pessoas. Entre os animais. Entre os povos. Entre
as forças da natureza”.
(A Grande Arte, Rubem Fonseca)
Leia os fragmentos e, a seguir, responda ao que se pede:

“Em agonia, suspirando e gemendo, afasta a mão pesada da velha: a) Que tipos de discurso aparecem nos fragmentos?
- Deixe para me agradar depois de morto.
- Com essa megera não é que eu casei.
- ...
- Me distraí um instante, a mulher foi trocada.
- ...
- Em vez da noivinha dos meus sonhos, essa quem é, roncando ao
meu lado, o bigodinho de meu sogro no nariz torto de minha
sogra.”
(Pão e Sangue, Dalton Trevisan)
b) Transcreva passagens que comprovem a resposta anterior.

a) Que tipo de discurso predomina no texto?

c) A aproximação da fala do narrador e da fala da personagem


faz com que as visões de mundo de ambos se aproximem.
b) Que tipo de narrador ocorre no texto? Por que o autor se utiliza Que comunhão de visão de existênda há em ambos?
dele?

Leia o conto de Dalton Trevisan, transcrito abaixo e, a


seguir, faça o que se pede:
c) Explique o uso das reticências.

À MARGEM DO RIO

“Numa tarde de sábado, Abílio estacou a carroça à


margem do rio. A balsa estava do outro lado; ele saltou do banco,
onde ficaram os dois filhos menores, e encostou-se a uma das
rodas, enrolando a palha do cigarro. De longe reconheceu na
barca o seu amigo Nicolau:
- Como vai, compadre?
O Nicolau respondeu que ia bem e ao descer em terra,
de cara fechada, pediu o acerto de uma conta.
Abílio ofereceu uma cédula de cem cruzeiros. O outro
d) Por que o autor lança mão do modo dramático?
recusou, lembrando que lhe eram devidos três dias de serviço.
- Eu nunca faltei com a obrigação e sempre andei direito.
- Mas desta vez falhou.
Recolhendo as moedas dos bolsos e estendendo a mão,
Abílio retrucou que lhe entregava todo o dinheiro. O compadre
não aceitou, protestando que era pouco:
- Você é polaco! bradou o primeiro, pálido de fúria.
Nicolau, o mais forte, agarrou-o pela camisa, levou-o de
encontro à carroça e estava-o esganando. Com a gritaria dos
filhos, Abílio puxou a faca da cinta e encostou-a ao peito do
agressor:
e) Que visão das relações humanas é veiculada pelo autor? - Conhece que está morto!
Nicolau queria fugir, mas não pôde escapar,
ensanguentado e fraco. Corria aos tropeções e sem destino,
perseguido pelo compadre que o alcançou e desferiu novo golpe,
desta vez no braço, mas continuou cambaleante, recebendo a
facada seguinte defronte à casa do balseiro. A mulher surgiu à
janela e gritou:
“(...) Fuentes fez um balanço de sua vida. Vivia num país que odiava, no
- José, estão esfaqueando um homem!
meio de pessoas que desprezava e que eram inimigas. Por quê? Devia
Com as mãos agarradas à cerca, Nicolau pediu com voz
haver alguma razão. Não era apenas porque tinha um emprego de que
queixosa:
gostava, principalmente quando eram brasileiros os que tinha que matar.
- Ai, Abílio, só não me mate.
(Talvez eu esteja sendo injusto com ele, na verdade as motivações de
A quarta punhalada atingiu-o nas costas. Mantendo-se em
Fuentes eram mais complexas do que eu supus no princípio, quando
pé contra a cerca, ele arrastou-se até o portão. Sem forças para
comecei a tentar compreendê-lo). Sabia que matar era uma coisa torpe.
subir os degraus da porta, caiu numa poça de sangue.

30 * Literatura Brasileira
Abílio esfregou a faca na ripa antes de guardá-Ia, andou b) que apresente discurso direto.
até a margem e saltou no bote. Atravessando o rio, parou um
instante de remar e, as mãos em concha, gritou ao balseiro que
conduzisse para casa os filhos e a carroça”.

1. Qual o ponto de vista utilizado no texto? Comprove.

8. Transforme o exemplo de discurso direto da questão anterior


em discurso indireto:

2. Quanto ao tempo, é cronológico ou psicológico? Comprove.

9. Escreva C (certo) ou E (errado):

( ) A narrativa apresenta passagens dissertativas.


( ) O narrador também participa da história na qualidade de
personagem.
3. Em que espaço ocorre a narrativa? ( ) O espaço é único.
( ) O cenário é importante na estruturação do enredo.
( ) O autor utiliza monólogo interior.
( ) O espaço em que ocorre a história dificulta a ação das
personagens.

10. Reescreva o 4º parágrafo em discurso indireto.

4. Analisando a linguagem, que tipo de discurso se encontra?

11. Observe no 9º parágrafo, a rápida descrição de Nicolau. Com


base no texto, aprofunde a caracterização do personagem.

5. Escreva V (verdadeiro) ou F (falso), de acordo com o texto lido:


( ) É objetivo, devido ao uso do diálogo.
( ) É simples, devido ao tempo que é cronológico.
( ) Não apresenta conclusão.
( ) É linear e sintético.
( ) É acelerado pelo tempo psicológico.
( ) Está estruturado sem começo, meio e fim. 12. Nicolau poderia se chamar Sebastião?

6. Numere a 2ª coluna de acordo com a primeira: (


1 ) Abílio ( ) protagonista
( 2 ) Nicolau ( ) caricatura
( 3 ) Mulher do balseiro ( ) antagonista
( 4 ) Filhos menores ( ) personagem plano
( ) tipo
( ) personagem redondo
( ) personagem secundário
13. Quanto ao cenário, assinale o que for certo:

7. Transcreva do texto um fragmento: ( ) A descrição é pobre e irrelevante.


( ) A história poderia se passar em outro lugar, sem prejudicar
a) dissertativo o enredo.
( ) Se não fosse à margem do rio, haveria a possibilidade da
fuga de Abílio.
( ) O cenário provocou o encontro dos personagens.
( ) Balsa e rio formam um cenário condizente com a vida na
roça.

Literatura Brasileira * 31
Os exercícios a seguir têm por base a obra Olhai os lírios (1) Descrição ( ) imagens
do campo, de Érico Veríssimo. (2) Dissertação ( ) ações
1. A narrativa inicia com o final da história e, em sua estruturação, (3) Narração ( ) raciocínios
sofre “cortes”, quando o autor intercala as cartas de Olívia e as
reflexões de Eugênio, personagens centrais, através das quais 6. Identifique o tipo de discurso que ocorre nos fragmentos
ficamos conhecendo novos dados sobre a vida passada dos abaixo:
personagens. Sabedores disso, podemos afirmar que a ação a) “Os últimos dias haviam passado num atordoamento. Ele
de tal obra se desenvolve linearmente? Explique. não conseguia ver claro. Tinha de libertar-se. Mas como?
Quando? Por onde? Não podia fugir como um criminoso,
precisava dar uma explicação, uma justificativa.”

b) “Uma noite me disseste que Deus não existia porque em


mais de vinte anos de vida não o pudeste encontrar.”

2. Baseando-nos nas afirmações acima, podemos caracterizar o


tempo como:
( ) acelerado; c) “- Escutai aqui, Olívia, por que é que estais hoje tão irônica?
( ) retardado; - Não será uma forma da gente se mostrar comovida?”
( ) recuado.

3. Coloque, nos parênteses, C (para tempo cronológico) ou P 7. Caracterize os personagens tomando por base as informações
(para tempo psicológico):
dadas a seguir:
( ) “E ali na sua cama, deitado de costas, (...) procurava
vencer a escuridão, a névoa, a angústia. Quanto tempo a) Eunice é esposa de Eugênio. Culta, fútil, leva a vida igual
dormira? Horas ou minutos? Lembrava-se vagamente de
às mulheres de sua classe, sem muitas surpresas. Assim,
uma conversa que tivera ... antes de deitar”.
poderemos considerá-Ia como personagem:
( ) “Era setembro. Naquela manhã de domingo, sentado na
soleira do portão do internato, Eugênio sentia como nunca
as mudanças (...) no seu corpo e na sua vida (...)“.
b) Acélio representa o estudante muito lido, teórico e meio
( ) “Era noite de 31 de dezembro. Hans Falk olhava com
ansiedade para o relógio de cuco. Faltavam dez minutos estranho. Por isso, poderemos chamá-Io de:
para a meia-noite.
( ) “Os sinos começaram a tocar. (Eugênio) Lembrava-se de
outros sinos, de outras igrejas, em outros tempos. Viu e c) Eugênio é o personagem central da obra Olhai os lírios do
ouviu mentalmente a sineta do seu primeiro colégio. (...) campo de Érico Veríssimo, portanto ele é:
Os sinos lhe traziam tantas recordações...”.

4. Identifique o foco narrativo dos textos abaixo: e) Eugênio muda de comportamento, deixando de ser uma
a) “Eugênio aperta mais a filha contra o peito e no seu corpo pessoa atingida e guiada por um terrível complexo de
sente o calor do corpo dela. Aconteça o que acontecer - inferioridade, passando a ser um médico humano, seguro e
promete a si mesmo - nada conseguirá separá-Io da mais realizado. Por isso, poderemos dizer que ele é
criança. Por amor dela há de achar coragem para vencer
personagem:
todos os obstáculos (...)”
b) “Ouço agora um ruído. Deve ser a ambulância que vem me
buscar. Senti um calafrio e parece que minha coragem teve
um pequeno desfalecimento (...) É que sou humana,
Genoca, profundamente humana (...)” As questões a seguir tomam por base a obra A hora da
estrela de Clarice Lispector.
5. Classifique os fragmentos dados a seguir em: narrativos,
descritivos ou dissertativos.
a) “Estive pensando muito na fúria cega com que os homens 1. Classifique os textos em narrativos, descritivos ou
se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dissertativos:
dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. a) “Macabéa sentou-se um pouco assustada porque faltavam-
Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o
lhe antecedentes de tanto carinho. E bebeu, com cuidado,
que a vida Ihes oferece de melhor: as relações de criatura
para criatura. De que serve construir arranha-céus se não pela própria frágil vida, o café frio e quase sem açúcar.
há mais almas humanas para morar neles?” Enquanto isso, olhava com admiração e respeito a sala
. onde estava”.

b ) “A manhã estava fresca e tocada pela luz dum doce sol cor
de ouro velho. Pairava no ar uma fina neblina que amaciava b) “Pois que a vida é assim: aperta-se o botão e a vida acende.
todas as formas, dando à paisagem um suave tom violeta.
Só que ela não sabia qual era o botão de acender. Nem se
Envolta nessa névoa trespassada de sol, a cidade parecia
um brinquedo colorido embrulhado em papel celofane”. dava conta de que vivia numa sociedade técnica onde ela
. era um parafuso dispensável”.

c) (Eugênio) “Caminhou para Simão com ar agressivo. O


outro ficou imóvel (...) Eugênio estacou. Sentiu que alguma c) “Madama Carlota enxundiosa, pintava a boquinha
coisa (...) o retinha. Soltou um fundo suspiro (...). Passou a rechonchuda com vermelho vivo e punha nas faces oleosas
mão pelos cabelos e foi de novo sentar-se à mesa”. duas rodelas de ruge brilhoso. Parecia um bonecão de
louça meio quebrado”.
d) Baseando-se na questão anterior, relacione adequada-
mente as colunas:

32 * Literatura Brasileira
2. Identifique o tipo de discurso nos trechos abaixo:

a) “(...) mas era-lhe mais cômodo insistir em dizer que não


fizesse dieta de emagrecimento (...). Foi o que disse
enquanto receitava um tônico (...)” 6. Se a ação do romance é complexa e o autor entrecruza as
poucas aventuras da protagonista (Macabéa) com a vida do
narrador (que se dá a conhecer por meio de comentários que
faz) e ainda os questionamentos sobre os valores da
b) “Por isso não sei se minha história vai ser - ser o quê? Não
sociedade moderna e a própria existência humana, podemos
sei de nada, ainda não me animei a escrevê-Ia. Terá
dizer que o tempo que prevalece é:
acontecimentos? Terá. Mas quais? Também não sei (...) É
que realmente não sei o que me espera”.

7. Conhecendo o enredo (ainda que superficialmente) e acres-


c) “Ele: - Pois é. centando-se que Macabéa acabou vencida, pois não se ajus-
tava no emprego nem no amor nem na vida e finalizou morta
Ela: - Pois é o quê?
(atropelada), você poderia opinar se o espaço onde os fatos
Ele: - Eu só disse pois é!
acontecem (Rio de Janeiro) tornou a história mais verossímil?
Ela: - Mas “pois é” o quê?
Explique:
Ele: - Melhor mudar de conversa porque você não me
entende”.

3. Identifique o foco narrativo:

“E eis que fiquei agora receoso quando pus palavras


sobre a nordestina. E a pergunta é: como escrevo? Verifico que
escrevo de ouvido, como aprendi inglês e francês de ouvido (...).
E só minto na hora exata da mentira (...). Não tenho classe social,
marginalizado que sou”.

4. Altere para outro foco possível o texto da questão anterior.

5. Assinale as respostas que julgar corretas:


a) A autora Clarice Lispector inicia seu livro A hora da estrela
divagando sobre o ato de escrever, sobre a veracidade da
história, a construção da obra, retratando a vida de uma
moça, nordestina (Macabéa). Continua falando sobre a arte
de usar a palavra e vai entremeando isso tudo com seus
monólogos e detalhes da figura e da vida da protagonista,
ora moça, ora criança. Baseando-nos nessas informações,
podemos afirmar que a ação, quanto à sua estrutura é:
( ) linear;
( ) acelerada;
( ) do tipo vai-e-vem;
( ) complexa.

b) Macabéa (personagem central) é uma moça nordestina,


despreparada para a vida, que passa a viver sozinha e
desajustada no Rio de Janeiro, como a maioria dos
migrantes, que trocam sua terra pelo sonho da cidade
grande. Sendo assim, podemos considerá-Ia como:
( ) personagem plana;
( ) personagem tipo;
( ) personagem esférica.

Justifique:

Literatura Brasileira * 33
estilos de
época

O mundo real, que serve de ponto de partida histórico tem por base os acontecimentos políticos e
para a literatura, é dinâmico, não para. A concepção sociais mais marcantes. O literário tem por base o
de mundo é, também, dinâmica, variando de acordo surgimento de uma obra literária que reflete uma
com a época. Por isso, há mudanças na maneira de mudança significativa em relação ao estilo de época
expressar a realidade. anterior. Dois ou mais estilos podem coexistir numa
Cada época tem seu estilo. O estilo é um mesma época. O que determina a denominação da
conjunto de características específicas e cada período é o predomínio e não a exclusividade
semelhantes que se refletem na arte, na ciência, na de determinadas formas de expressão literária.
religião, nos costumes em geral.
Essa semelhança na maneira de conceber e
expressar a realidade chama-se estilo de época.
Os estilos de época, que marcam a história
literária de Portugal e do Brasil, aparecem
sintetizados no quadro seguinte:

ESTILOS DE ÉPOCA

Portugal
1189/1198

1418

1527

1580

1756

1825

1865

1890

1915
Trovadorismo

Romantismo

Modernismo
Humanismo

Classicismo

Naturalismo

Simbolismo
Arcadismo

Realismo,
Barroco

Brasil
1500

1601

1768

1836

1881

1893

1902

1922

.........
Pré-Modernismo
Parnasianismo
Quinhentismo

Romantismo

Modernismo
Naturalismo

Simbolismo
Arcadismo

Realismo,
Barroco

Essas datas são convencionais, uma vez que


é difícil dizer com exatidão quando começa e quando
termina uma época literária. A escolha das datas
obedece a dois critérios: o histórico e o literário. O

Literatura Brasileira * 35
Quinhentismo

LITERATURA JESUÍTlCA E limitou-se:


INFORMATIVA a) à literatura jesuítico-religiosa;
b) à literatura informativa.
Logo que o Brasil foi descoberto, no século Características da literatura brasileira do
XVI, o tipo de colonização a que Portugal submeteu século XVI
a Colônia tornou difícil nosso desenvolvimento 1. A literatura jesuítica, representada princi-
literário imediato pelas seguintes razões: palmente pelas obras de José de Anchieta
1. Devido à inexistência de cidades e como a e Manuel da Nóbrega, é religiosa: era um
população, constituída de senhores e escravos, dos instrumentos de que os jesuítas
estava voltada apenas para a exploração agrícola da dispunham para a conversão dos índios.
Colônia, não havia público interessado em 2. Já a literatura informativa apresenta valor
manifestações artísticas, muito menos em literatura. documental, uma vez que fornecia à
2. Quando o Brasil foi dividido em capitanias, metrópole dados sobre a nossa terra.
a longa distância entre elas acentuava ainda mais o 3. No levantamento de tais dados, os autores,
isolamento cultural a que o regime de monopólio da muitas vezes, entusiasmavam-se com os
Coroa Portuguesa submetia o Brasil. aspectos pitorescos de nossa natureza,
3. Os nativos que viviam no Brasil, quando os exaltando, por exemplo, o abacaxi, fruta
portugueses aqui chegaram não tinham tradição desconhecida na Europa, naquela época.
literária; assim, nesse sentido, o único meio foi o Esse entusiasmo de nossos primeiros
transplante para o Brasil, da literatura que se fazia escritores, ao falarem engrandecendo nos-
em Portugal, na época do nosso descobrimento. sa terra, denomina-se de ufanismo.
Por isso, quando falamos nas primeiras
manifestações literárias brasileiras, o material a que AS PRINCIPAIS OBRAS INFORMATIVAS,
nos referimos tem muito pouco a ver com o que hoje ESCRITAS NO SÉCULO XVI SÃO:
chamamos literatura. O século XVI, no Brasil, não
assistiu ao surgimento de poemas e romances: • A Carta de Pero Vaz de Caminha;
assistiu, na realidade, ao aparecimento de obras • História da Província de Santa Cruz, a que
produzidas pelos jesuítas, cujo interesse pela vulgarmente chamamos Brasil - Pero de
catequese dos índios se manifestava em sua Magalhães Gândavo;
religiosidade e didatismo. • Tratado da Terra do Brasil - Pero de
Mas, ao lado desta literatura jesuítica, um Magalhães Gândavo;
outro tipo de produção literária começou a surgir: • Tratados da Terra e da Gente do Brasil -
como o Brasil era uma terra-nova, recém- Fernão Cardim;
descoberta, inúmeros viajantes para cá se dirigiam, • Tratado Descritivo do Brasil - Gabriel Soares
onde, a propósito das coisas vistas em viagem, de Souza.
escreviam livros sobre paisagens, plantas, animais
ou índios. A estas obras chamamos literatura Como podemos ver, as atividades literárias do
informativa, pois sua finalidade era apenas informar Brasil, no século XVI, estão bem longe daquilo que
Portugal sobre a nova Terra. consideramos literatura. Com exceção de alguns
Assim, podemos resumir o que dissemos, poemas religiosos de José de Anchieta, até hoje
afirmando que, no século XVI, a literatura brasileira apreciados, todas as outras obras são ou

Literatura Brasileira * 37
documentos informativos sobre o Brasil, ou a) sim.
instrumentos jesuíticos para a conversão do gentio. b) não.
Foi só no século seguinte que nossa literatura
se enriqueceu, produzindo prosadores do porte de 3. Pero Vaz de Caminha e Pero de Magalhães
Antônio Vieira e poetas do gabarito de Gregório de Gândavo são representantes da literatura:
Matos. a) informativa.
Vamos agora fixar bem as características da b) jesuítica.
literatura brasileira do século XVI, através do estudo
de um texto extraído do livro Presença da Literatura 4. Gabriel Soares de Souza escreveu uma obra que
Brasileira, de A. Cândido e A. Castello. se encaixa na literatura jesuítica no Brasil do
“A crônica histórica e informativa que se século XVI?
intensifica em Portugal no momento das grandes a) sim.
navegações, conquistas e descobertas ultramarinas b) não.
testemunhando a aventura geográfica dos portu-
gueses, os seus ideais de expansão da cristandade, 5. As obras produzidas no Brasil do século XVI
assume um sentido épico e humanístico que se apresentam características literárias semelhantes
estende ao Brasil e logo adquire entre nós algumas às encontradas na literatura contemporânea?
características peculiares; à curiosidade geográfica e a) sim.
humana e ao desejo de conquista e domínio b) não.
correspondem, inicialmente, o deslumbramento pe-
rante a paisagem exótica e exuberante, testemu- 6. O “deslumbramento diante da paisagem exótica e
nhado pelos cronistas portugueses que escreveram exuberante” de que fala o texto proposto tem
sobre o Brasil - Pero Vaz de Caminha, Pero de relação:
Magalhães Gândavo, Gabriel Soares de Souza -, a) com a literatura jesuítica.
assim, como os ideais de catequese atestados pela b) com o ufanismo.
literatura informativa e pedagógica dos jesuítas, c) com as poesias do padre José de Anchieta.
como o padre Manuel da Nóbrega e sobretudo o
padre José de Anchieta, caso à parte, singular no 7. A “literatura pedagógica” de que fala o texto tem
nosso século XVI”. relação com:
a) a literatura jesuítica.
b) a crônica portuguesa das grandes navega-
Depois de ler atentamente o texto proposto e ções.
refletir sobre ele, relacionando as informações que c) o ufanismo.
encerra com o que já vimos inicialmente, procure
responder às questões que se seguem:

RESUMA O ASSUNTO
1. A literatura informativa que apareceu no Brasil do
século XVI já havia aparecido em
I - Literatura Brasileira do século XVI:

temunhando as grandes
a) Literatura Jesuítica

função:
e os .

2. A expansão geográfica de Portugal no século XVI


estava desvinculada da expansão do cristia-
nismo?

38 * Literatura Brasileira
representantes:

b) Literatura Informativa
função:

obras/autores:

Literatura Brasileira * 39
Barroco

1. CONTEXTO HiSTÓRiCO - implicaria a perda da humanidade soberana


PENSAMENTO FiLOSÓFiCO conquistada pelo homem renascentista. Confrontam-
se, por isso, duas formas opostas: antropocentrismo
O Renascimento (século XVI) valoriza o e teocentrismo.
homem. Tentando atingir a síntese, o homem da época
Impregnado de ideias novas, adquiridas pelo procura conciliar esses dois elementos.
conhecimento dos textos gregos e latinos, o homem
renascentista encara a vida de forma diferente da até
então pensada. Teocentrismo
Um cem-número de acontecimentos, tanto x Tensão
políticos como sociais: a descoberta da pólvora, a Antropocentrismo
invenção da imprensa, que coloca o livro na mão de
muitos (o que não ocorria antes), veio dar ao homem
uma nova perspectiva da vida, que se torna
confiante, passando a perguntar, a pensar, a Dessa tentativa, resulta a tensão que marca a
responder. maneira de pensar, as concepções sociais, políticas
Essa nova mentalidade, valorizadora do e artísticas da época.
homem, do intelecto, contrapõe-se à visão do mundo Ao novo estilo de época que reflete essa
predominante na Idade Média em que imperava uma tensão dá-se o nome de Barroco ou Seiscentismo.
concepção teocêntrica e espiritualista. Na Idade Interiormente, o homem barroco percebe os
Média, o homem subordina-se a Deus; já no desejos e atitudes contraditórias que se debatem
Renascimento, torna-se quase pagão. dentro dele. Alertado pela Contrarreforma, sente,
Reagindo contra esse paganismo e contra o mais do que nunca, o drama de possuir um corpo
classicismo renascentista que se funda na crença de mortal. Tal estado de espírito, por sua vez, gera
que não há conflito entre a ordem divina e a ordem manifestações de tensões, angústias e incertezas,
humana, entre a alma e o corpo, entre a razão e a manifestações que vão caracterizar um compor-
natureza, entre a fé e a razão; surgem o Calvinismo, tamento melancólico, instável.
o Luteranismo, a Contrarreforma que corroem os Literariamente toda essa gama de situações
fundamentos dessa crença, apresentando o homem provindas das dúvidas, angústias e incertezas,
como ser miserável, corrupto, redimível através de caracteriza o Barroco.
um ato da graça de Deus; defendendo a existência
de uma dupla moral; opondo o corpo ao espírito,
acentuando a efemeridade da vida, descobrindo no 2. LiTERATURA
homem e no universo, a incoerência, o conflito, a
contradição. CARACTERÍSTICAS:
Essa reação antirrenascentista fará com que o
homem se veja colocado entre dois polos: de um a) Contraste: contraposição de temas, de as-
lado os valores do humanismo, que a custo suntos, de motivos e de elementos
conseguirá alcançar; de outro, o espiritualismo expressivos, tais como a oposição
medieval. entre a vida terrena e a vida eterna,
O retorno à visão medieval de mundo espiritualidade e materialidade, etc.

Literatura Brasileira * 41
b) O culto da solidão: o poeta é um ser especial, e) Verbalismo: Uso exagerado de imagens, de
que se isola num mundo figuras de sintaxe, de metáforas e
particular. floreios literários.

“(...)
- METÁFORA: é empregada como recurso que
o lugar de glória, adonde estou penando; procura concretizar, através dos sentimentos, a
casa da Morte, adonde estou vivendo!” emoção, a sensação, a percepção da realidade.
(Gregório de Matos)
“Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trata a toda ligeireza
O Barroco literário apresenta dois estilos: o
E imprime em toda a flor sua pisada.”
Cultismo (ou Gongorismo) e o Conceptismo (ou
(Gregório de Matos)
Conceitismo).

- ANTÍTESE: reflete a contradição do homem


c) Cultismo: É o jogo de palavras, o uso abusivo
barroco, seu dualismo. A unidade aparente do
de metáforas e hipérboles. Cor-
mundo esconde outra face: as coisas que têm
responde ao excesso de detalhes das
aparência da essência.
artes plásticas. Manifesta-se sobre-
tudo na poesia. “Ardor em firme coração nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
SONETO Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido.”
“O todo sem a parte não é todo; (Gregório de Matos)
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte, - GRADAÇÃO:
Não se diga que é parte, sendo o todo.
“Oh não aguardes que a madura idade
Em todo o Sacramento está Deus todo, Te converta essa flor, essa beleza,
E todo assiste inteiro em qualquer parte, Em terra, em cinzas, em pó, em sombra, em nada.”
E feito em partes todo em toda a parte, (Gregório de Matos)
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte, - HIPÉRBOLE: que traduz ideia de gran-
Pois que feito Jesus em partes todo, diosidade, de pompa.
Assiste cada parte em sua parte. “Mil anos há que busco a minha estrela
Não se sabendo parte deste todo, E os Fados dizem que ma têm guardada.”
Um braço que lhe acharam, sendo parte, (Francisco Rodrigues Lobo)

Nos disse as partes todas deste todo.”


- PROSOPOPEIA: personificação de seres
(Gregório de Matos)
inanimados, para dinamizar a realidade.

“Agora que se cala o surdo vento


d) Conceptismo: É o jogo de ideias. Manifesta-se E o rio enternecido com meu pranto
sobretudo na prosa. Detém seu vagaroso movimento.”
(Francisco Rodrigues Lobo)

“Para um homem se ver a si mesmo, são


- INVERSÃO:
necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem
espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se “Se apartada do corpo a doce vida,
tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por Domina em seu lugar a dura morte,
falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há De que nasce tardar-me a morte
mister olhos”. Se ausente d’alma estou, que me dá a vida?”
(Padre Vieira) (Violante do Céu)

42 * Literatura Brasileira
f) Religiosidade: repetida frequência de assuntos Arrependido estou de coração,
envolvendo toda uma proble- de coração vos busco, dai-me os braços,
mática religiosa da época; Abraços, que me rendem vossa luz.

“Pequei, Senhor: mas não porque hei pecado, Luz, que claro me mostra a salvação,
Da vossa alta Piedade me despido, A salvação pretendo em tais abraços,
Porque quanto mais tenho delinquido, Misericórdia, amor, Jesus, Jesus!”
Vos tenho a perdoar mais empenhado.” (Gregório de Matos)
(Gregório de Matos)

i) A estética do feio: o artista barroco em vez de,


g) Sensualismo: contraposição à característica como o renascentista, formalizar o belo,
anterior; ênfase dada aos as- o equilibrado, o ideal, retrata através da
pectos táteis, visuais, sensitivos, sátira e da caricatura o lado feio,
tanto em relação à natureza macabro, grotesco dos fatos e dos
como ao corpo humano; seres. Os defeitos físicos, as situações
indecorosas e sórdidas, os vícios
repulsivos constituem temas frequentes
“Discreta e formosíssima Maria,
da poesia barroca de caráter realista e
Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
satírico. Como exemplo do barroco de
Em tuas faces a rosada Aurora,
veio satírico, no Brasil, temos Gregório
Em teus olhos, e boca, o Sol, e o dia:
de Matos. Exemplo de fragmento
Enquanto, com gentil descortesia, poético:
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora, “E nos frades há manqueiras?... Freiras
Quando vem passear-te pela fria: Em que ocupam os Serões?... Sermões
Goza, goza da flor da mocidade, Não se ocupam de disputas?.. Putas.
Que o tempo trota, e a toda ligeireza, Com palavras dissolutas
E imprime em toda a flor sua pisada. me concluo na verdade,
Oh não aguardes que a madura idade Que as lidas todas de um frade
Te converta em flor, essa beleza, São freiras, sermões e putas.”
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.”
(Gregório de Matos)
Os principais temas da literatura barroca
giram em torno da ideia de:

h) Pessimismo: nascido da oposição frontal feita a) sobrenatural;


entre o corpo e a alma, entre o eu b) morte;
e o mundo, entre o Catolicismo e c) fugacidade da vida e ilusão;
a Reforma; d) castigo;
e) heroísmo;
SONETO f) misticismo;
g) erotismo;
“Ofendi-vos, meu Deus, é bem verdade,
h) cenas trágicas;
É verdade, meu Deus, que hei delinquido,
i) apelo à religião, ao céu;
Delinquido vos tenho, e ofendido,
j) arrependimento;
Ofendido vos tem minha maldade.
I) sedução do mundo.
Maldade, que encaminha à vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido,
Vencido quero ver-me e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade,

Literatura Brasileira * 43
O BARROCO NO BRASIL Poema Sacro

A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR


Barroco ou Seiscentismo são as duas
“Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
denominações do período literário que caracterizou
Da vossa alta Piedade me despido;
as obras produzidas no Brasil entre 1601 (quando
Porque quanto mais tenho delinquido,
Bento Teixeira publicou Prosopopeia) e 1768
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
(quando Cláudio Manuel da Costa publicou seus
Se basta a vos irar tanto pecado,
poemas sob o título de Obras Poéticas).
A abrandar-vos sobeja um só gemido;
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
PRINCIPAIS AUTORES
Vos tem para o perdão lisonjeado.

GREGÓRIO DE MATOS (1636 - 1695) Se uma Ovelha perdida já cobrada,


Nasceu na Bahia, em 1636 e pertenceu a uma Glória tal e prazer tão repentino
família abonada. Cursou Direito em Coimbra e viveu Vos deu, como afirmais na Sacra História,

em Portugal de 1653 a 1681, quando regressou ao Eu sou, Senhor, a Ovelha desgarrada;


Brasil, levando vida boêmia e desregrada. Começou Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
a compor versos e sátiras, caçoando de todos, Perder na vossa Ovelha, a vossa glória.”
merecendo o apelido de “boca do inferno”. Foi
exilado para Angola, de onde voltou em 1695, Esse texto representa muito bem a poesia
fixando-se em Recife, onde morreu no ano seguinte. sacra de Gregório de Matos: a menção de Cristo,
Sua produção poética se constitui de poemas desde o título do poema, indica a religiosidade,
sacros, líricos e satíricos. É mais conhecido como reforçada pela forma respeitosa de tratamento (2ª
poeta satírico, mas é na coletânea lírica que estão pessoa do plural) e pelo vocativo “Senhor” no pri-
as melhores poesias. Revela acentuada influência meiro verso. A espiritualidade do poema é ainda
testada pela menção à parábola bíblica do pastor
dos poetas espanhóis Quevedo e Gôngora.
que mais se alegra com a recuperação de uma
Os poemas sacros apresentam o pecado
ovelha perdida do que com as 99 que estão seguras
como vício inerente ao homem. Os pecadores estão
no redil. Entretanto, se tais elementos emprestam
sempre à procura da salvação da alma, através do
religiosidade ao poema, é preciso lembrar que o
perdão de Deus.
Barroco é um período dual: ao lado do espiritualismo
As sátiras constituem uma crítica à sociedade
religioso surge sempre o humanismo terreno. Esta
da época. Revestem-se de tom agressivo e
última linha, no poema em questão, é responsável
contundente. A injúria fere as autoridades da colônia
pela presença quase acintosa do ser humano (o
e a indiferença atinge a classe inferior. Sua poeta) que, por assim dizer, “Exige” que Cristo o
linguagem é livre, espontânea, chegando, às vezes, salve. Esta inversão de posições - ora Deus, ora o
ao baixo calão. Da crítica ferina, não escapa homem, ocupa o centro de preocupações do poeta -
ninguém: corte, clero, povo, brasileiro ou português, se revela na antítese entre a atitude de arrependi-
o intelectual “branco” ou as mulatas da terra. mento contrito, evidenciado no “pequei” do primeiro
A obra lírica apresenta duas vertentes: a verso, e o emprego do imperativo “Cobrai-a” do
amorosa e a filosófica. penúltimo verso.
A vertente lírico-amorosa é fortemente mar-
Poema Lírico-amoroso
cada pelo dualismo amoroso carne/espírito, que leva
normalmente a um sentimento de culpa no plano OS AFETOS E LÁGRIMAS DERRAMADAS NA
espiritual. A mulher, muitas vezes, é a personificação AUSÊNCIA DA DAMA A QUEM QUERIA BEM
do próprio pecado, da perdição espiritual. “Ardor em firme coração nascido!
Na vertente lírico-filosófica, destacam-se Pranto por belos olhos derramado!
textos que se referem ao desconcerto do mundo e Incêndio em mares d’água disfarçado!
às funções humanas. Rio de Neve em fogo convertido!

44 * Literatura Brasileira
Tu, que um peito abrasas escondido; Mas no Sol, e na luz, falta a firmeza,
Tu, que em um rosto corres desatado; Na formosura, não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Quando fogo em cristais aprisionado;
Quando cristal em chamas derretido. Começa o mundo enfim pela ignorância,
Pois tem qualquer dos bens por natureza
Se és fogo, como passas brandamente? A firmeza somente na inconstância.”
Se és neve, como queimas com porfia?
Observe que nesse texto predomina a
Mas ai, que andou Amor em ti prudente.
consciência da transitoriedade da vida e do tempo.
Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente, Poema Satírico
Permitiu parecesse a chama fria.”
“A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana, e vinha;
Fala do sentimento do poeta que confessa os
Não sabem governar sua cozinha,
aspectos contraditórios do amor que o domina. Mais
E podem governar o mundo inteiro.
uma vez encontramos a mesma fusão entre
elementos de caráter contraditório: buscando definir Em cada porta um frequentado olheiro,
o amor que sente, o poeta compara-o a elementos Que a vida do vizinho, e da vizinha
opostos, pois, ao mesmo tempo em que o amor é Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
“incêndio”, é, também, “rio de neve”. O gosto pela Para a levar à Praça e ao Terreiro.
aproximação dos contrários é levado ao extremo no Muitos Mulatos desavergonhados,
momento em que imagens, fisicamente ina- Trazidos pelos pés os homens nobres,
proximáveis, fundem os dois conceitos: enquanto Posta nas palmas toda a picardia.
“incêndio”, o amor é disfarçado em “mares” d’água, Estupendas usuras nos mercados,
enquanto “rio de neve” o amor se converte em “fogo”. Todos, os que não furtam, muito pobres,
E estas duas metáforas - a do fogo e da água - E eis aqui a cidade da Bahia.”
continuam a alicerçar todo o soneto: na segunda
estrofe, a ideia de “fogo” reaparece em “abrasas”, Esse texto faz uma crítica aos governantes, às
“fogo” e “chama”, as de “água” em “correr” e “cristal”. pessoas que se preocupam com a vida alheia e aos
Já aqui percebemos que, além da oposição térmica mulatos da cidade da Bahia naquele tempo.
- quente-frio - as metáforas de Gregório de Matos
apresentam também oposição no sentido: enquanto PADRE ANTÔNIO VIEIRA (1608 -1697)
o cristal é duro e estático, o fogo é dinâmico, Vieira nasceu em Lisboa, em 1608 e morreu
movimentado. E assim o poema prossegue até seu na Bahia em 1697. Veio para o Brasil em 1615,
final, quando, no último terceto, a oposição entre os entrou na Companhia de Jesus e cedo começou a
elementos é total, na medida em que se manifesta destacar-se como orador. Em 1641, um ano depois
numa estrutura de substantivo-adjetivo: neve ardente de Portugal libertar-se do jugo espanhol, foi para
e chama fria. O estilo é cultista. O virtuosismo de seu Lisboa, encarregado de saudar o rei Dom João IV.
talento desdobra infinitas variações para a antítese Saiu-se tão bem da missão, que foi nomeado pelo
básica fogo/água. rei orador da Corte. Impressionado com os dotes de
oratória do Jesuíta e sua habilidade política, Dom
Poema Lírico-filosófico
João IV encarregou-o de várias missões diplomá-
À INSTABILIDADE DAS COUSAS DO MUNDO ticas no exterior. Regressando a Lisboa, Vieira
“Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, entregou-se à defesa dos cristãos novos (judeus
Depois da luz, se segue a noite escura, convertidos ao Cristianismo). Em virtude disso,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas, a alegria. passou a ser perseguido pela Inquisição até que, em
1652, voltou para o Brasil, fixou-se no Maranhão e
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a luz, por que não dura? dedicou-se à catequese; mas, em 1661, foi expulso
Como a beleza assim se transfigura? daqui, por lutar contra a escravização dos índios.
Como o gosto da pena assim se fia? Regressou a Portugal, mas foi novamente perse-

Literatura Brasileira * 45
guido: às acusações anteriores soma-se agora a de que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a
sebastianista (pregador da crença na volta de D. corrupção, mas quando se vê a terra tão corrupta como está a
Sebastião, rei português desaparecido na batalha de nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou
Alcácer-Quibir, em 1578). Vieira viaja então para qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não
Roma, alcançando o perdão do Papa. Regressa salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou
depois ao Brasil, onde morre em 1697. porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo
verdadeira a doutrina, que Ihes dão, a não querem receber; ou
Sua produção em prosa constitui-se de:
é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa, e
Sermões, Cartas e Obras proféticas, em que Vieira
fazem outra, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes
defende o sebastianismo.
querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que eles
Embora a atividade epistolar (escrita de
dizem; ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam
cartas) tenha sido considerável, a parte mais
a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os
importante da sua obra é sem dúvida Os Sermões.
ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não
Grande número de sermões escritos por ele tratam
é tudo isso verdade? Ainda mal”.
de temas importantes para a sociedade brasileira e
portuguesa. Vieira foi aquilo que, modernamente,
O texto acima foi extraído do “Sermão de
chamamos um homem “engajado”, ou seja, seus
Santo Antônio”, pronunciado pelo Padre Vieira em
escritos sempre tomaram partido a propósito das
São Luís do Maranhão, em 1564, em pleno
várias questões que, durante sua vida, agitaram florescimento do período barroco.
Portugal ou o Brasil. Como exemplo destas 1. A própria natureza do texto - é um sermão - já
campanhas, podemos citar a defesa dos índios nos anuncia a religiosidade que, como já vimos,
contra a escravização, a defesa dos judeus caracteriza o barroco ibérico e brasileiro.
convertidos, perseguidos pela Inquisição, o incentivo
2. A religiosidade, portanto, emana deste texto de
à luta contra os holandeses. São bastante
Vieira como a de G. de Matos que já vimos.
característicos, nos sermões do Padre Vieira, os
Entretanto, embora unidos pela religiosidade,
recursos de comunicação com o auditório que o
esta se manifesta diferente em cada um deles.
estava ouvindo. Vieira adequava-se aos mais
No soneto há um caráter sensorial e emotivo da
diferentes tipos de público - desde colonos semi-
religiosidade ali evidenciada. No sermão, a
analfabetos até eruditos pregadores - usando
religiosidade não é emotiva, não é despertada
sempre a técnica de diálogo com seus ouvintes:
com o concurso de elementos sensoriais: o
descrevia as cenas de modo bem real, concretizava,
sentimento religioso se manifesta através de um
frequentemente, a alusão a temas abstratos e
raciocínio constante, através do qual Vieira
metafísicos, recorria a citações bíblicas. Um dos
pretende convencer os ouvintes (e os leitores) de
recursos de que se valia Vieira para assegurar a
sua verdade religiosa.
comunicabilidade com seu auditório era a subdivisão
dos assuntos em itens. Cada um desses era objeto 3. Este caráter racional do texto de Vieira fica bem
de meticulosa comprovação por parte do orador. Isto, claro se observarmos que ele começa com uma
sem dúvida, dava a seus sermões uma aparência de citação de Cristo, gastando todo o resto do
irrefutável lógica, uma vez que, na discussão dos parágrafo na explicação desta citação. E, no
pormenores e subdivisões do tema, o ouvinte perdia intuito de explicar, surgem inúmeros “porquês”
a noção do conjunto. (orações subordinadas adverbiais causais) que
Seguidor dos clássicos, o Padre Vieira se bem demonstram o esforço do autor em
utilizou, em seu sermões, de uma linguagem fundamentar logicamente suas afirmações
escorreita, empregando um número pequeno de através de raciocínios constantes.
trocadilhos, evitando assim os excessos cultistas.
4. O esforço da fundamentação lógica se manifesta,
de certa maneira, nos constantes empregos de
SERMÃO DE SANTO ANTÔNIO (EXTRATO)
“ou”. Podemos dizer que, neste parágrafo, o
“Vós, diz Cristo Senhor Nosso, falando com os pregado- Padre Vieira não deixa a seu ouvinte margem
res, sois o sal da terra: e chama-Ihes sal da terra, porque quer para que ele escape ao seu raciocínio:

46 * Literatura Brasileira
“OU” o sal não salga, OU a terra não se deixa se portanto, na exortação que faz. Além disso,
salgar; “OU” os pregadores não pregam a percebemos também o realismo descritivo do
verdadeira doutrina OU os ouvintes não a querem jesuíta, quando descreve as consequências da
receber; “OU” os pregadores dizem uma coisa e temida invasão: as cenas são rudemente
fazem outra, OU os ouvintes querem antes imitar apresentadas aos olhos dos ouvintes, tornando-se
o que eles fazem, que fazer o que dizem; “OU” mais acentuadas em sua dimensão de horror pela
os pregadores se pregam a si, OU os ouvintes repetição constante de “chorarão”, ao início de cada
servem a seus apetites. frase. (A esta repetição de uma palavra, no início de
várias frases, chamamos anáfora).
5. Observando a simetria das construções
empregadas por Vieira, podemos verificar que ela
SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
se aproxima bastante da simetria que apontamos
em G. de Matos, ou seja, o caráter lúdico da
Vieira analisa a ineficiência dos pregadores e
literatura barroca se manifesta tanto nas obras
teoriza a respeito da arte de pregar.
cultistas como nas conceitistas.
“Há de formar o pregador uma só matéria, há de
6. Como última característica da literatura barroca
defini-Ia para que se conheça, há de dividi-Ia para que se
presente neste texto, encontramos o esforço por
distinga, há de prová-Ia com a escritura, há de declará-Ia
tornar-se acessível aos ouvintes. A citação
com a razão, há de confirmá-Ia com o exemplo, há de
bíblica, segundo a qual os pregadores são “o sal
ampliá-Ia com as causas, com os efeitos, com as
da terra” é, evidentemente, metafórica, isto é, da
circunstâncias que se hão de seguir, com os
mesma maneira que o sal preserva os alimentos
inconvenientes que se hão de evitar; há de responder às
da deterioração, cabe aos pregadores salvar a dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar
terra da degradação. Assim, através de um e refutar com toda força de eloquência a argumentos
exemplo concreto (o sal, responsável pela contrários, e depois disso há de colher, há de apertar, há
conservação dos alimentos), Vieira fala de um de concluir, há de persuadir, há de acabar”.
conceito abstrato (os pregadores, a quem cabe
salvar a terra do pecado). Vemos a importância que ocupa, em sua
teoria da oratória, a subdivisão do tema em itens e a
SERMÃO PELO BOM SUCESSO DAS planificação cuidadosa das várias etapas do sermão.
ARMAS DE PORTUGAL CONTRA AS DE
HOLANDA (EXTRATO)
RESUMA O ASSUNTO
“Finjamos, pois (o que até fingido e imaginado faz
horror) finjamos que vêm a Bahia e o resto do Brasil às I - Barroco ou

mãos dos Holandeses. O que é que há de suceder em tal 1. O que determina o aparecimento do Barroco é:
caso? Entrarão por esta cidade com fúria de vencedores
e de hereges; não perdoarão o estado, o sexo nem a
idade; com o fio dos mesmos alfanges medirão ao todo:
chorarão as mulheres, vendo que não se guarda decoro
2. Características:
a sua modéstia; chorarão os velhos, vendo que não se
a) contraste
guarda cortesia as suas cãs; chorarão os nobres, vendo
que não se guarda cortesia a sua qualidade; chorarão os
religiosos e veneráveis sacerdotes, vendo que até as
coroas sagradas os não defendem; chorarão finalmente
todos e entre todos, mais lastimosamente, os inocentes...”
b) verbalismo

Podemos perceber claramente o diálogo com


os ouvintes, quando Vieira se utiliza da primeira
pessoa do plural (finjamos: nós finjamos), incluindo-

Literatura Brasileira * 47
c) religiosidade
b) conceptismo

d) pessimismo
4. Temática

e) culto da solidão

5. Início:

data
obra
autor

3. Estilos

a) cultismo

Quadro Sinóptico

Autores Obras Características

Gregório de Matos

Padre Antônio Vieira

48 * Literatura Brasileira
6. No Brasil, o Barroco está ligado:
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
a) Ao Jesuitismo;
b) Aos dominicanos;
1.
c) Exclusivamente aos leigos;
“Bote a sua casaca de veludo
d) Ao Padre Anchieta;
E seja capitão sequer dois dias,
e) Nenhuma delas.
Conversa à porta de Domingos Dias
Que pega fidalguia mais que tudo.
7. Assinale a alternativa que contiver o fato histórico que teve
Seja um magano, um pícaro, um cornudo repercussões na literatura barroca portuguesa e brasileira:
Vá a palácio, e após das cortesias a) Tratado de Madri;
Perca quanto ganhar nas mercancias b) Grandes descobrimentos ;
Em que perca o alheio, esteja mudo.” c) Contrarreforma;
d) Expulsão dos Jesuítas;
Estes dois quartetos são de Gregório de Matos. Classifique- e) Nenhuma delas.
os em relação à obra do autor.
8. As origens do movimento barroco encontram-se:
a) Em Portugal;
b) Na França;
c) Na Espanha;
d) Na Alemanha;
e) Nenhuma das alternativas.
2.
“Entre (ó Floralva) assombros repetidos 9. Podemos dizer que:
E é pena com que vivo ausente, a) O Barroco rompeu com a tradição teocêntrica da Idade
Que palavras a voz não me consente; Média Portuguesa.
E só para sentir, me dá sentidos. b) Na base do Barroco português e brasileiro encontramos
uma tentativa de fusão do teocentrismo com o antropo-
Nos prantos e nos ais enternecidos, centrismo.
Dizer não pode o peito o mal que sente; c) A literatura barroca é desequilibrada, de mau gosto e
Pois vai confusa a queixa na corrente; confusa.
E mal articulada nos gemidos.” d) Cultismo e conceitismo são diferentes estilos encontráveis
tanto na obra de Vieira como em Gregório de Matos.
Estes dois quartetos pertencem a um soneto:
a) lírico-amoroso; 10. Vieira foi expulso do Brasil:
b) lírico-religioso;
a) Por lutar contra a escravidão dos índios;
c) satírico;
b) Por ser aliado dos holandeses invasores;
d) épico.
c) Por ter defendido os cristãos novos;
d) Por ser sebastianista;
3. Assinale a alternativa correta:
e) Nenhuma é correta.
a) A obra de Vieira é desligada do momento histórico em que
viveu o jesuíta. 11. O apelido de Gregório de Matos era:
b) Na obra de Vieira destacam-se os temas místicos e a) a Águia de Haia;
contemplativos. b) Poeta dos Escravos;
c) Homem de seu tempo, Vieira tratou, em seus Sermões, de c) Poeta da Dor;
quase todos os temas de sua época. d) Boca do Inferno.
d) Vieira é o maior poeta barroco brasileiro.

4. A linguagem de Vieira pode ser definida como: Explique o motivo:

a) Tipicamente barroca: prolixa e cheia de trocadilhos;


b) Poética e mística;
c) Clássica e escorreita;
12.
d) Incorreta e pobre.
Sermão da Sexagésima
5. “Será por ventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um
“Nasce o sol, e não dura mais que um dia. estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão
Depois da luz, se segue a noite escura, encontrado a toda arte e a toda natureza?
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria”. (...)
(Gregório de Matos) O pregador há de ser como quem semeia, e não como quem
ladrilha ou azuleja. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas,
a) Aponte características barrocas no excerto: como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras.
Se de uma parte está branco, de outra há de estar negro; se
de uma parte está dia, de outra há de estar noite? Se de uma
parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma
parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que
não havemos de ver num sermão duas palavras em paz.
Todos hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário?

b) Que visão do mundo é aí veiculada? (...)


Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje pregam do
Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como
não pregam a palavra de Deus? - Esse é o mal. Pregam
palavras de Deus, não pregam a Palavra de Deus.”

Literatura Brasileira * 49
a) Que estilo de linguagem está criticando Vieira? De que
imagem se utiliza para criticá-Ia?

b) Que figura de linguagem, bastante utilizada por poetas barro-


cos, é desvalorizada?

c) Vieira consegue desvincular-se do estilo que critica? Explique.

d) Podemos afirmar em relação à concepção de Vieira que


“métodos díspares atingem o mesmo objetivo”? Por quê?

50 * Literatura Brasileira
Arcadismo

1 - CONTEXTO HiSTÓRiCO no campo psicológico, biológico e físico é apenas


aparente e resulta da mesma evolução material.
O século XVIII caracteriza-se pela
consolidação da revolução iniciada no Renas- CONSEQUÊNCIAS:
cimento: difusão da conquista do racionalismo,
experimentalismo, espírito de observação, concep- 1ª - Uma visão de mundo científica: o homem
ção científica do mundo e na larga renovação mental da época acredita na ciência como meio de explicar
baseada no progresso das ciências e na atividade o mundo e como meio de modificar a sociedade.
científica. 2ª - A Razão passa a ser a base de todo o
saber humano: a religiosidade do Barroco é
Profundas mudanças foram registradas:
menosprezada.
Todas essas mudanças caracterizam um
a) Intenso progresso científico:
movimento cultural que marca a fisionomia da
• lei da gravidade descoberta por Newton
Europa do século XVIII: o lIuminismo.
(1642-1727);
lIuminismo (de iluminação = esclarecimento)
• abordagem das leis das sensações pela
designa um “esforço de renovação cultural de
Psicologia;
natureza sobretudo política, que tinha em vista a
• classificação dos seres vivos pela
atualização de conceitos, de normas e técnicas, uma
Biologia.
maior eficiência na ordem social e se subordinava à
b) Desse surto de progresso resulta a concepção nova de progresso humano”.
tecnologia e o consequente aumento da produção. A ideia de progresso como meio de trazer a
Generaliza-se a concepção de que negócios e felicidade ao maior número de pessoas é
ciências constituem campos independentes da predominante na época.
esfera religiosa e do estado. Por isso, o século XVIII é conhecido como
século das luzes, época em que se acredita que tudo
c) A grande quantidade de produtos gera pode ser explicado pela ciência e pela razão. Essa
novas formas de comércio, fortalecendo a burguesia. visão de mundo se concretiza na Enciclopédia,
d) A industrialização provoca a urbanização publicada na França em 1751, tendo à frente os
cada vez mais crescente, o que ocasiona o filósofos D’ Alembert, Voltaire e Diderot.
fenômeno da corrida às cidades e o abandono do Não é difícil deduzir que a propagação do
campo. saber científico se opõe às ideias predominan-
temente religiosas do período anterior, o Barroco. O
e) A Declaração dos Direitos do Homem vem despojamento religioso, o sentimento de equilíbrio
à luz em 1789, na França. de uma sociedade que acredita ter atingido a síntese
da razão com a fé, vai-se refletir na produção
f) Experiência é o meio de conhecimento da
artística do período.
realidade, e a consequência indireta disso é o culto
É nesse contexto que aparece o Arcadismo
da razão prática.
que vai se opor às ideias Barrocas, ao gosto do
g) Os progressos na investigação biológica esplêndido e grandioso, da ostentação, na busca de
fortalecem a concepção de que o mundo é qualidades clássicas de medida, conveniência,
fundamentalmente homogêneo: a heterogeneidade disciplina, pureza, simplicidade.

Literatura Brasileira * 51
SÉCULO XViii - BRASiL pastores, chefiados pelo deus Pan, dedicavam-se ao
pastoreio e à poesia.
Na primeira metade do século XVIII, Vila Rica
Neoclassicismo (neo = novo), pois o
(atual Ouro Preto-MG) centraliza o surto de desen-
movimento propunha, basicamente, a imitação dos
volvimento que Minas Gerais conhece, com a corrida
clássicos, quer voltando à Antiguidade grego-romana
do ouro, e transforma-se rapidamente na capital
quer imitando escritores quinhentistas da
econômica e cultural da Colônia. Com a riqueza, Renascença, considerados fonte de equilíbrio e
desenvolveu-se também a cultura intelectual. Os sobriedade.
humildes arraiais de catadores se transformam em
A palavra imitação, nesse caso, não deve ser
belas cidades. Vila Rica, São João del-Rei, Mariana, entendida como cópia pura e simples dos clássicos.
Diamantina constituíram-se em focos de instrução, Trata-se, antes de tudo, de seguir determinadas
onde se estudavam não só as letras clássicas, mas convenções.
também as literaturas italiana, espanhola e
portuguesa. Essa civilização do ouro produziu CARACTERÍSTICAS:
algumas das figuras mais notáveis das nossas artes:
na escultura e na arquitetura - Antônio Francisco Poesia objetiva e impessoal: o poeta busca
Lisboa (o Aleijadinho); na pintura - Manuel da Costa interpretar sentimentos comuns, não individuais.
Ataíde; na literatura - o grupo de poetas que se Predomínio da razão sobre os sentimentos: orienta-
costuma chamar a escola mineira. se pela verdade e sinceridade; preocupa-se com a
Os governadores e funcionários da colônia satisfação intelectual e lógica do leitor, antes da
cometiam abusos sem conta. Não Ihes interessava a emoção.
administração feliz e útil e sim o enriquecimento Imitação de autores clássicos (ver neoclassicis-mo):
próprio e o do Reino (= Portugal). As Cartas (“Carpe diem” = aproveitar o presente, o dia);
Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, são um relato (“Fugere urbem” = fugir da cidade);
da miséria do povo e da cobiça e arbitrariedade dos (“Locus amoenus”= lugar agradável).
mandantes. Bucolismo: fuga para o campo, considerado uma
Na pacata colônia, tem imensa repercussão espécie de paraíso perdido para o homem
as novas ideias da Revolução Francesa que (principalmente europeu). Defende a teoria de que o
conseguira destruir instituições; a independência homem é puro e feliz quando em contato com a
nacional é a Inconfidência. natureza (Rousseau).
Cláudio Manuel da Costa, Gonzaga e Pastoralismo: o poeta adota nomes de pastores e há
Alvarenga Peixoto, os poetas de destaque do uma constante referência a eles, bem como a
período, foram grandes amigos, e os três se viram descrição de sua vida, do campo e das atividades
envolvidos no movimento literário da Inconfidência pastoris. Observa-se que esta paixão pelo campo é,
(1789). A tentativa malogrou ainda no período das quase sempre, idealizada e deslocada (espe-
conversações: presos os conspiradores, Cláudio cialmente no Brasil), pois os poetas não eram
Manuel da Costa suicidou-se e os outros dois foram pastores e nem criavam ovelhinhas brancas como
desterrados para a África. afirma Gonzaga em um dos seus poemas.
Simplicidade (no conteúdo e na forma): o ideal de
vida é comum e simples, desprezando o luxo. Na
2. LiTERATURA forma, repudia as formas barrocas confusas e
rebuscadas, cultivando períodos curtos e vocabulário
O estilo que predomina na literatura da mais acessível.
época é denominado Arcadismo ou Neoclas-sicismo. Panteísmo: doutrina segundo a qual só o mundo é
Convém examinar esses dois nomes, pois real e Deus é a somatória de todas as coisas.
eles sintetizam a visão do mundo expressa pela Paganismo: em oposição à religiosidade barroca,
Literatura da época. valorização dos deuses greco-romanos.
Arcadismo: deriva de Arcádia, região mitoló-
gica da Grécia, que simbolizava o ideal de vida, onde

52 * Literatura Brasileira
CARACTERÍSTICAS DO temática, seus assuntos prediletos são o
ARCADISMO BRASILEIRO: desencanto da vida e a ausência de Nise, a
amada.
Além das anteriormente citadas, encontramos,
na poesia árcade do Brasil, as seguintes caracte- Principais obras:
rísticas:
Obras Poéticas (1768 - marcam o início do
Nativismo - com a exploração de paisagens Arcadismo).
e atividades brasileiras. Exemplos em Gonzaga,
Vila Rica, poema épico em que o autor
Basílio e Santa Rita.
pretendeu narrar a fundação da cidade e sua
Independência formal - exemplos em
história.
Basílio.
Subjetivismo - que foge aos padrões
arcádicos. Exemplos na 2ª parte de Marília de
Exemplos:
Dirceu.

O início do Arcadismo no Brasil se dá com a “Pastores, que levais ao monte o gado,


publicação de Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Vede lá como andais por essa serra,
Costa, em 1768. Chamou-se ao nosso Arcadismo de Que para dar contágio a toda a terra,
Grupo Arcádico Mineiro por ter se difundido em Basta ver-se o meu rosto magoado.
Minas Gerais, basicamente pelos Inconfidentes. Eu ando, vós me vedes, tão pesado
E a Pastora infiel, que me faz guerra,
É a mesma, que em meu semblante encerra
OS ÁRCADES BRASILEIROS A causa de um martírio tão cansado.

CLAUDIO MANUEL DA COSTA (1729-1789) Se a quereis conhecer, vinde comigo,

Pseudônimo árcade: Glauceste Satúrnio. Vereis a formosura, que eu adoro;

Musa-pastora: Nise Mas não; tanto não sou Vosso inimigo:


Biografia: Nasceu nos arredores de Mariana Deixai, não a vejais; eu vô-lo imploro;
(MG). Fez o Curso de Letras no Colégio dos Jesuítas Que se seguir quiserdes o que eu sigo,
(RJ) e formou-se em Cânones em Coimbra. Foi Chorareis, ó Pastores, o que eu choro.”
advogado em Vila Rica, secretário do governo,
minerador e inconfidente. Morreu em Vila Rica,
enforcado na prisão. Suicídio, dizem. Do poema Vila Rica:
Características: “Leia a posteridade, ó pátrio rio,
- Foi um poeta de alta consciência artística. Em meus versos teu nome celebrado;
- De formação cultista, desejava engajar-se Por que vejas uma hora despertado
na reforma arcádica. O sono vil do esquecimento frio.
- Formou-se na Europa, mas desejava Não se vê nas tuas margens o sóbrio,
exprimir a realidade do Brasil. Fresco assento de um álamo copado;
- Dos poetas do grupo mineiro, foi o mais Não vês ninfa cantar, pastar o gado
preso aos modelos arcádicos. Na tarde clara do calmoso estio.
- Era o mais culto e o mais correto na
Turvo, banhando as pálidas areias
metrificação e na linguagem.
Nas porções do riquíssimo tesouro
- Seus sonetos (a melhor parte de sua
O vasto campo da ambição recreias.
produção) mostram uma técnica esmerada,
têm linguagem e métrica perfeitas; são Que de seus raios o planeta louro
sempre formais, distantes, frios. Enriquecendo o influxo em tuas veias,
- Suas obras denunciam certa pobreza Quanto em chamas fecundo, brota em ouro.”

Literatura Brasileira * 53
“Onde estou? Este sítio desconheço: cheio de honrarias e cargos.
Quem fez tão diferente aquele prado? Não passa de lenda a velha informação
Tudo outra natureza tem tomado; biográfica que dava Gonzaga como tendo terminado
E em contemplá-lo tímido esmoreço. os seus dias em situação de miséria e loucura,
torturado pelas saudades do Brasil e de Marília.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado: Características:
Quanto pode dos anos o progresso!
Gonzaga foi árcade, mas sua poesia indica
Árvores aqui vi tão florescentes, transição do Classicismo ao Romantismo.
Que faziam perpétua a primavera: Em sua poesia, há muitas citações, até em
Nem troncos vejo agora decadentes. excesso, há devaneios ridículos, ao lado da
Eu me engano: a região esta não era: simplicidade emotiva, explorando o amor golpeado
Mas que venho a estranhar, se estão presentes pelo destino - vem daí a lenda sobre os noivos da
Meus males com que tudo degenera!” Inconfidência (como foram chamados Marília e
Dirceu) e a popularidade das liras do poeta.
A variedade métrica, imagens felizes, a
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA(1744-1810) presença da paisagem brasileira, tornam as liras
Pseudônimo árcade: Dirceu amorosas de T. A. Gonzaga, um livro de valor da
Musa-pastora: Marília literatura (colonial) brasileira.
Biografia: Nasceu no Porto (Portugal), filho de
pai brasileiro e de mãe portuguesa. Veio para o
Brasil aos oito anos, com o pai. Aos dezesseis anos Obras principais:
volta a Portugal para estudar em Coimbra. Em 1782, Marília de Dirceu (liras), obra lírica
aos 32 anos, portanto, vem para o Brasil e se fixa em Cartas Chilenas, obra satírica
Vila Rica, como ouvidor e juiz.
Os críticos o têm como autêntico brasileiro,
pela família, pela formação e, principalmente, pelos MARÍLIA DE DIRCEU
temas que desenvolveu em sua poética, sempre Nesta obra, o autor nos mostra a paixão de
preocupado com as coisas e a paisagem brasileira. um pastor (Dirceu) pela pastora (Marília). Divide-se
Em Vila Rica, já maduro, apaixonou-se por em duas partes. Na primeira, fala da felicidade do
Maria Doroteia Joaquina de Seixas, de 16 anos, e namoro e do noivado. Há descrições da amada,
dela ficou noivo. Foi denunciado como conspirador, confissões de amor e sonhos de felicidade. Na
preso e transportado para a fortaleza da Ilha das segunda, fala dos sofrimentos morais e físicos da
Cobras (RJ), de onde saiu anos após, em 1792, para prisão e da sua consolação no amor de Marília.
cumprir a sentença de desterro em Moçambique Nesta segunda parte atinge, de certo modo, a
(África), por dez anos. temática pré-romântica ao se tornar o centro de suas
Gonzaga cantara à sua amada: - “Minha bela preocupações, expressando uma forte confiança em
Marília, tudo passa” - ainda nos tempos felizes do sua conduta e revelando o seu modo de ser.
noivado. Marília deve ter conservado o amor em seu Os temas são: os encantos de Marília, os
coração, pois morreu solteira, em avançada idade. amores de Dirceu, a visão da vida futura, tranquila e
Gonzaga, advogado e procurador da Coroa e da burguesa. Tudo muito sentimental. O poeta se
Fazenda de Moçambique, figura de destaque na apresenta pacato, mas tem consciência de seu valor
sociedade local, casou-se um ano depois com uma e posição.
senhora “de mais fortuna e poucas letras” (Juliana
Mascarenhas). Exemplo:
Esgotado o prazo do desterro, Gonzaga “Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
continuou em Moçambique, onde foi nomeado juiz que vive de guardar alheio gado,
de Alfândega. Sua vida correu tranquila. Morreu de tosco trato, de expressões grosseiro,

54 * Literatura Brasileira
dos frios gelos e dos sóis queimado. Personagens das Cartas:
Tenho próprio casal* e nele assisto; Critilo (Gonzaga) - remetente
dá-me vinho, legume, fruta, azeite, Doroteu (Cláudio M. da Costa) - destinatário
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
Fanfarrão Minésio - o governador Meneses
e mais as finas lãs, de que me visto.
Chile - Brasil
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela! Santiago - Vila Rica
As cartas são treze, estando incompletas a
Os teus olhos espalham luz divina, sétima e a décima terceira.
a quem a luz do sol em vão se atreve; A maioria dos críticos reconhece o valor
papoila ou rosa delicada e fina literário dessas cartas, que são um documento de
te cobre as faces, que são cor da neve. crítica de costumes, têm valor social pela exatidão
Os teus cabelos são uns fios d’ouro; dos fatos narrados e pela verdadeira revolução que
teu lindo corpo bálsamo vapora. provocaram.
Ah! não, não fez o céu, gentil pastora, Circulavam manuscritas e anônimas entre os
para a glória de amor igual tesouro! habitantes de Vila Rica e conclamavam o povo
Graças, Marília bela, indefeso a lutar contra governadores injustos.
graças à minha estrela!”
“Pretende, Doroteu, o nosso chefe
* Casal: Pequena propriedade rústica; granja Erguer uma cadeia majestosa
Que possa escurecer a velha fama
Gonzaga destinava a Marília uma existência Da torre de Babel, e, mais, dos grandes,
calma, altamente intelectualizada, num ambiente Custosos edifícios que fizeram,
poético. Para sepulcros seus, os reis do Egito.
Na lira 3 da parte III, o poeta nos dá uma
...Desiste, louco chefe, dessa empresa:
mostra disto, vendo-se sentado à mesa de estudo:
Um soberbo edifício levantado
Sobre ossos de inocentes, construído
“Verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos; Com lágrimas dos pobres, nunca serve
Ver-me-ás folhear os grandes livros De glória ao seu autor, mas sim de opróbrio.”
E decidir os pleitos.
Enquanto resolver os meus consultos,
Tu me farás gostosa companhia, Há denúncia social, como a situação nas
Lendo os fatos da sábia mestra História prisões:
E os cantos da poesia.
“Passam, prezado amigo, de quinhentos
Lerás em alta voz a imagem bela;
Os presos que se ajuntam na cadeia.
Eu, vendo que lhe darás o justo apreço,
Uns dormem encolhidos sobre a terra,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.” Mal cobertos dos trapos, que molharam
De dia, no trabalho. Os outros ficam
Ainda mal sentados, e descansam

CARTAS CHILENAS As pesadas cabeças sobre os braços


Em cima dos joelhos encruzados.”
Poema satírico escrito (na 2ª metade do
século XVIII), sob o pseudônimo de Critilo. Constitui
As cartas satirizam os maus governantes,
uma diatribe violentíssima contra a pessoa e a
como neste exemplo:
administração do governador Luís da Cunha
Meneses e seus auxiliares em Vila Rica entre 1783 “Amarelo colete e sobretudo
a 1788. Tantos excessos, arbitrariedades cometeu Vestida uma vermelha justa farda.
que contra ele se voltou a camada esclarecida da De cada bolso da fardeta, pendem
cidade. Gonzaga, ouvidor, desde o início entrou em Listradas pontas de dois brancos lenços;
conflito com o governador, por esse motivo. Na cabeça vazia se atravessa

Literatura Brasileira * 55
Um chapéu desmarcado, nem sei como Ó tormento sem igual!
Sustenta o pobre nó do laço o peso.
Ao amor cruel e esquivo
Ah! tu, Catão severo, tu que estranhas
Entreguei minha esperança,
Rir-se um cônsul moço, que fizeras
Que me pinta na lembrança
Se em Chile agora entrasses e se visses
Mais ativo o fero mal.
Ser o rei dos peraltas quem governa?”
Não verás em peito amante
Coração de mais ternura,
MANUEL INÁCIO DA SILVA ALVARENGA Nem que guarde fé mais pura,
(1749 - 1814) Mais constanre e mais leal.
Pseudônimo árcade: Alcindo Palmireno Glaura! Glaura! não respondes?
Musa: Glaura E te escondes nestas brenhas?
Biografia: Nasceu em Vila Rica, mestiço, filho Dou às penhas meu lamento;
de um músico pobre. Graças aos amigos do pai, Ó tormento sem igual!”
estudou no Rio de Janeiro. Do pai herdou a
facilidade para a música, tocando rabeca e flauta. Silva Alvarenga fala de mangueira, cajueiros,
Era simpático e espirituoso e por isso se tornou laranjeiras:
muito popular, tanto aqui quanto em Portugal para
onde foi em 1771, a fim de estudar em Coimbra. Era “Carinhosa e doce, ó Glaura,
um estudioso das literaturas europeias, da Vem esta aura lisonjeira;
matemática e das ciências. Fundou uma sociedade E a Mangueira já florida
científica, que durou pouco, e que ele restaurou mais Nos convida a respirar.
tarde sob o nome de Sociedade Literária. Esta foi
Cajueiro desgraçado,
dissolvida pelo novo vice-rei e o poeta foi preso,
a que Fado te entregaste,
acusado de manter um clube em cujas reuniões se
Pois brotaste em terra dura,
discutia religião e política.
Sem cultura e sem senhor!”

Características: Silva Alvarenga fala do Pico da Gávea, com


ternura, do Pão-de-Açúcar:
• Variedade de sentimento e de ritmos.
• Simplicidade constante, talvez maior que a
“Nem tu, ó Pão-de-Açúcar, namorado
de Gonzaga.
Da formosa cidade, velho e forte,
• Naturalidade ao descrever cenas brasileiras.
Que dás repouso às nuvens e te avanças
• Está entre os prenunciadores do Roman-
Por defendê-la do furor das ondas”
tismo.

Obras:
INÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA PEIXOTO
Desertor das Letras, poema heroico - cômico,
(1744 - 1792)
escrito quando estudava em Coimbra. É uma sátira
Pseudônimo árcade: Eureste Fenício
aos métodos de ensino antes da reforma pombalina.
Musa: Bárbara Heliodora, sua esposa, poetisa.
Foi publicado às custas do Marquês de Pombal e
Biografia: Nasceu no Rio. Formou-se em
enaltecia a reforma universitária que este executou.
Direito, em Coimbra e voltou ao Brasil, onde foi bem
Glaura, sua obra principal. É dedicada à sua
acolhido pelo vice-rei da época. Abandona a
musa, Glaura, que realmente existiu.
advocacia e se torna minerador, enriquecendo.
Proprietário de lavras, fica descontente com a
Exemplo:
cobrança exagerada de impostos, com a derrama.
“Glaura! Glaura! não respondes? Envolveu-se na Conjuração Mineira e foi condenado
E te escondes nestas brenhas? ao desterro na África (em Ambaça), onde faleceu.
Dou às penhas meu lamento; Dizem ter sido ele quem propôs o lema da bandeira

56 * Literatura Brasileira
dos inconfidentes Libertas quae sera tamen, além de “Bárbara Bela,
contribuir financeiramente para a causa revolucio- Do Norte estrela
nária. Deixou fama de homem eloquente e imagino- Que o meu destino
so. sabes guiar
De ti ausente Triste somente
As horas passo
Características:
a suspirar.
• Começou a escrever como neoclássico,
depois escreveu liras laudatórias (= de Isto é castigo
louvor), o que constitui a maior parte de Que amor me dá.
suas obras (normalmente em louvor aos Tu, entre os braços,
poderosos). Ternos abraços
• Prega o universo do trabalho e da ordem, ao Da filha amada
fundo a paisagem mística da Arcádia. Podes gozar
• O déspota ilustrado e o seu ideal: combina o Priva-me a estrela
progressismo e o governo forte. De ti e dela,
• Preso na Ilha das Cobras, negou ter parti- Busca dois modos
cipado do movimento e se torna servil à D. De me matar.
Maria I. Isto é castigo
• Os sonetos apresentam traços pré-român- Que amor me dá.”
ticos, misturados à intenção neoclássica.
Conta-se que a filha do poeta morreu de
desgosto, com a sua condenação e que a esposa
Obras: enlouquecida, vagava pelas ruas da cidade.
Tradução: Mérope (de Maffei) Cecília Meireles, uma das maiores poetisas do
Drama: Eneias no Lácio (em versos) Modernismo, revive, no século XX, a tragédia que
Ode ao Marquês de Pombal: tema do herói marcou a família de Alvarenga Peixoto, em sua obra
pacífico. Romanceiro da Inconfidência.
Obras Poéticas: temática lírico-amorosa.
FREI JOSÉ DA SANTA RITA DURÃO
(1722 - 1784)
Exemplos: Pseudônimo árcade: não tem
Biografia: Nasceu em Cata Preta (MG) e
ODE faleceu em Lisboa. Filho de um militar português.
Doutorou-se em Filosofia e Teologia em Coimbra.
“Grande Marquês, os sátiros saltando Fugiu para a Itália (por problemas eclesiásticos) e aí
por entre verdes parras, passou mais de vinte anos, numa vida de estudos.
defendidas por ti de estranhas garras; Voltou a Portugal com a queda de Pombal. Foi
os trigos ondeando professor e reitor da Universidade de Coimbra. Sua
nas fecundas searas; principal atividade passa a ser a redação do

os incensos fumando sobre as aras, Caramuru.

à nascente cidade
mostram a verdadeira heroicidade. Características:

Ao mundo esconde o sol seus resplendores • Segue os preceitos clássicos, o modelo


e a mão da Noite embrulha os horizontes; camoniano.
não cantam aves, não murmuram fontes, • Substitui o maravilhoso pagão (deuses do
não fala Pã na boca dos pastores.” Olimpo) pelo maravilhoso cristão (milagres).
• Reflete o clima patriótico do século XVIII,
BÁRBARA BELA que antecede a independência.

Literatura Brasileira * 57
• Caramuru é mais nosso que Uraguai nas Corre a ver o espetáculo, assombrada;
alusões à flora nativa e aos costumes E, ignorando a ocasião de estranha empresa,
indígenas, mas ainda está muito distante do Pasma da turba feminil, que nada,
homem americano. Uma que às mais precede em gentileza,
• Pela correção da linguagem, figura Durão Não vinha menos bela, do que irada;
entre os nossos clássicos do idioma. Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.
Obra:
Caramuru, poema épico, em que narra o XXXVIII
naufrágio, salvamento e aventuras do português - Bárbaro (a bela diz:), tigre e não homem...
Diogo Álvares Correia, cognominado Caramuru Porém o tigre, por cruel que brame,
(“deus do trovão”, “homem de fogo”) pelos indígenas. Acha forças amor, que enfim o domem;
Durão refere-se a fatos históricos desde o Só a ti não domou, por mais que eu te ame.
descobrimento até sua época. Descreve a paisagem Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,
brasileira, suas riquezas, flora e fauna. Dá Como não consumis aquele infame?
informações sobre o índio, seus valores e tradições, Mas pagar tanto amor com tédio e asco...
seu espírito guerreiro, sua ação épica. Ah que o corisco és tu... raio... penhasco?

O poema contém dez cantos.


XXXIX
Personagens:
Caramuru; Bem puderas, cruel, ter sido esquivo,
Paraguaçu → filha do cacique (sua esposa); Quando eu a fé rendia ao teu engano;
Gupeva → chefe indígena; Nem me ofenderas a escutar-me altivo,
Moema → amante de Caramuru. Que é favor, dado a tempo, um desengano;
Porém, deixando o coração cativo,
Com fazer-te a meus rogos sempre humano,
O poema narra o naufrágio de Caramuru e
Fugiste-me, traidor, e desta sorte
seu namoro com as índias. Paraguaçu fora
Paga meu fino amor tão crua morte?
destinada pelo pai, o cacique Taparica, para esposa
de Gupeva. A índia não o aceita. Gupeva cede-a a
XL
Caramuru e ambos se apaixonam. Caramuru e a
índia deixam o Brasil numa nau francesa e se Tão dura ingratidão menos sentira
casam, em Paris, tendo por padrinhos os reis da E esse fado cruel doce me fora,
França. Se a meu despeito triunfar não vira
Essa indigna, essa infame, essa traidora.
Por serva, por escrava, te seguira.
Se não temera de chamar senhora
MORTE DE MOEMA (CANTO VI)
A vil Paraguaçu, que, sem que o creia,
Sobre ser-me inferior, é néscia e feia.

XXXVI
XLI
“É fama então que a multidão formosa
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Das damas, que Diogo pretendiam,
Flutuar, moribunda, entre estas ondas;
Vendo avançar-se a nau na via undosa,
A um ai somente, com que aos meus respondas.
E que a esperança de o alcançar perdiam,
Nem o passado amor teu peito incita
Entre as ondas com ânsia furiosa, Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
Nadando, o esposo pelo mar seguiam, (Disse, vendo-o fugir), ah! não te escondas!
E nem tanta água, que flutua vaga, Dispara sobre mim teu cruel raio...
O ardor que o peito tem, banhando apaga. E indo a dizer o mais, cai num desmaio.
XXXVII

Copiosa multidão da nau francesa

58 * Literatura Brasileira
XLII como membro da Academia Real das Ciências.

Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Características:


Pálida a cor, o aspecto moribundo;
• Fugiu aos recursos gongóricos e arcádicos.
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
• Em o Uraguai não há musas, nem estrofes
Entre as salsas escumas desce ao fundo.
regulares, nem rima.
Mas na onda do mar, que, irado, freme,
• Em lugar do maravilhoso pagão dos
Tornando a aparecer desde o profundo,
clássicos, o que aparece é a bruxaria
- Ah! Diogo cruel! - disse com mágoa,
indígena.
E, sem mais vista ser, sorveu-se na água.
• Capacidade poética. Brilho do estilo.
• Precursor do indianismo, fala do homem e
XLIII
da terra. O índio, para ele, é exemplo de
Choraram da Bahia as ninfas belas, nobreza e valor.
Que, nadando, a Moema acompanhavam;
E, vendo que sem dor navegam delas, Obra:
A branca praia com furor tornavam. Uraguai
Nem pode o claro herói sem pena vê-las, Assunto: a guerra que Portugal (ajudado pela
Com tantas provas que de amor lhe davam; Espanha) moveu contra os índios das Missões
Nem mais lhe lembra o nome de Moema, Jesuíticas denominadas Sete Povos, para fazer
Sem que eu amante a chore, ou grato gema.” cumprir o Tratado de Madri, de 1750. Os portugue-
ses deveriam se apossar dos Sete Povos das
Missões do Uraguai e os espanhóis, da Colônia do
Vocabulário:
Santíssimo Sacramento.
undoso: em que há ondas.
turba: multidão em desordem. Tempo: princípios de 1756.
sorte: forma.
lado: destino. Espaço: Sete Povos, no Rio Grande do Sul.
sobre: além de. Tema central: a luta pela posse da terra, com
néscio: ignorante, estúpido
incitar: instigar, estimular. os jesuítas organizando a resistência.
salso: salgado. Dedicatória: ao irmão do Marquês de Pombal.
fremir: rugir, bramir
ninfa: divindade fabulosa dos rios, dos bosques dos montes. Herói: General Gomes Freire de Andrada.

Personagens:
JOSÉ BASÍLIO DA GAMA (1741 - 1795) - O chefe dos portugueses - general G. F.
Pseudônimo árcade: Termindo Sipílio Andrada;
Biografia: Nasceu num sítio nos arredores de - O chefe dos espanhóis - general Catâneo;
São João del-Rei, de pai português e mãe brasileira. - O cacique Cacambo;
Órfão, foi recolhido pelos jesuítas e com eles - A esposa do cacique - Lindoia;
estudou no Colégio do Rio. Basílio foi para Portugal - O guerreiro Tatuguaçu - irmão de Lindoia;
e Itália (1766). Em Portugal, acusado de Jesuitismo, - O guerreiro índio Cepé e seu irmão - Pindó;
foi preso e deveria ser deportado para Angola. - O padre administrador das Missões - Balda;
Livrou-se do exílio ao escrever um epitalâmio para a - O filho natural de Balda - Baldeta;
filha de Pombal. Este lhe perdoou e deu-lhe carta de - A feiticeira Tanajura.
fidalguia e o cargo de secretário particular. Com a
morte do rei D. José e a consequente queda de Trama: Após a luta, os europeus incendeiam
Pombal, Basílio não perdeu as honrarias. A nova o acampamento, ocasião em que morrem Cepé e
rainha, D. Maria I, elevou-o ao cargo de escudeiro Cacambo. O padre Balda planeja casar a viúva,
fidalgo da casa real. Em 1769 publicou o poema Lindoia, com seu filho Baldeta. Mas a índia se mata,
épico Uraguai, no qual fazia comentários ferinos aos deixando-se picar por uma cobra venenosa. Os
jesuítas, aos quais devia sua educação, só para jesuítas ateiam fogo ao aldeamento e o abandonam.
agradar ainda mais a Pombal. Faleceu em Lisboa, Termina a guerra.

Literatura Brasileira * 59
URAGUAI - CANTO IV O suspirado nome de Cacambo
Inda conserva o pálido semblante
“Salvas as Tropas do noturno incêndio, Um não sei quê de magoado e triste
Aos povos se avizinha o grande Andrade, Que os corações mais duros enternece,
Depois de afugentar os índios fortes, Tanto era bela no seu rosto a Morte!”
Que a subida dos montes defendiam,
E rotos muitas vezes, e espalhados No finaI do Uraguai, Basílio fala ao seu
Os tapes cavaleiros, que arremessam poema, antevendo-lhe a perenidade:
Duas causas de morte em uma lança,
“Serás lido, Uraguai, cubra os meus olhos
E em largo giro todo o campo escrevem.
Embora um dia a escura noite eterna,
Que negue agora a perfídia calúnia,
Tu vive, e goza a luz serena e pura.”
Que se ensinava aos bárbaros gentios
A disciplina militar, e negue
Que mãos traidoras e distantes povos
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
Por ásperos desertos conduziam
1. Relacione os trechos dos textos a seus autores:
O pó sulfúreo, e as sibilantes balas;
E o bronze, que rugia nos seus muros. a) Silva Alvarenga
b) T. A. Gonzaga
Tu que viste, e pisaste, ó Blasco insigne, c) Alvarenga Peixoto
Todo aquele país, tu só pudeste, d) Cláudio M. Costa

Co’a mão, que dirigia o ataque horrendo, ( ) “Eu, Marília, não sou algum vaqueiro
Que viva de guardar alheio gado.”
E aplanava os caminhos à vitória, ( ) “Glaura! Glaura! não respondes?
Descrever ao teu Rei o sítio, e as armas E te escondes nestas brenhas?”
( ) “Pretende, Doroteu, o nosso chefe
E os ódios, e o furor, e a incrível guerra. Erguer uma cadeia majestosa.”
Pisaram finalmente os altos riscos ( ) “Bárbara Bela
Do Norte estrela.”
De escalvada montanha, que os infernos
Co’o peso oprime, e a testa altiva esconde
2. Complete:
Na região, que não perturbe o vento.”
a) O Arcadismo é o estilo de época do século
A seguir, a cena da morte de Lindoia (canto III) b) Também podemos chamar o Arcadismo de
que termina por um verso famoso cuja beleza de
forma ultrapassa à do poeta romano Petrarca de
c) Arcadismo inicia-se em
onde foi traduzido:
com a obra
“Este lugar delicioso, e triste
escrita por
Cansada de viver, tinha escolhido
d) Dê três características do Arcadismo brasileiro:
Para morrer a mísera Lindoia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
3. Faça um breve resumo das Cartas Chilenas.
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe; 4. Movimento estético que gravita em torno de três geratrizes:
Natureza, Verdade, Razão, buscando fazer da literatura a
E nem se atrevem a chamá-Ia, e temem “expressão racional da natureza, para, assim, manifestar a
verdade”.
Que desperte assustada, e irrite o monstro
Trata-se do
E fuja, e apresse no fugir a morte.
( ) Barroco;
E por todas as partes repetido

60 * Literatura Brasileira
( ) Romantismo; a) Quem é o autor?
( ) Simbolismo;
( ) Modernismo;
( ) Neoclassicismo.

5. O texto a seguir é modernista, mas recupera o Arcadismo:


“Doces invenções da Arcádia!
Delicada primavera:
pastoras, sonetos, liras, b) Que figura é valorizada? Esta valorização implica adesão
- entre as ameaças austeras a que linha política da época?
de mais impostos e taxas
que uns protelam e outros negam.
Casamentos impossíveis.
Calúnias. Sátiras. Essa paixão da mediocridade
que na sombra se exaspera.
E os versos de asas douradas, c) A expressão “infame República” alude a quê?
que amor trazem e amor levam ...
Anarda. Nise. Marília ...
As verdades e as quimeras.
Outras leis, outras pessoas.
Novo mundo que começa.
Nova raça. Outro destino.
Plano de melhoras eras.
E os inimigos atentos,
d) Como é visto o elemento selvagem?
que, de olhos sinistros, velam.
E os aleives. E as denúncias.
E as ideias”.
(Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles)

a) De que fato histórico trata o poema?

7. “Escrevestes cartas anônimas,


apontastes vossos amigos,
irmãos, compadres, pais e filhos...
(...)
Vistes caídos os que matastes,
em vis masmorras, forcas, degredos,
indicados por vosso punho,
por vossa língua peçonhenta,
b) No poema são revelados dois momentos: um literário e (...)
outro político. Quais são eles? Explique-os. - só por serdes os pusilânimes”
(Romanceiro da Inconfidência,
Cecília Meireles)

a) Há referência aos árcades no poema? Quais? Comprove.

c) Quem são Nise, Marília, Anarda?

FAÇA UMA SINOPSE DO ASSUNTO

6. “Entra no povo e ao templo se encaminha ARCADISMO


O invicto Andrade, e generoso, entanto,
Reprime a militar licença, e a todos
Co’a grande sombra ampara - alegre e brando 1. Contexto Histórico:
No meio da vitória. Em roda o cercam
(Nem se enganaram) procurando abrigo
Chorosas mães, e filhos inocentes, - Conquistas do período:
e curvos pais e tímidas donzelas
(...)
Cai a infame República por terra.
Aos pés do General as toscas armas
Já tem deposto o rude Americano,
Que reconhece as ordens e se humilha,
E a imagem do seu rei prostrado adora.”

Literatura Brasileira * 61
- Consequências:
Neoclassicismo:

- Contexto brasileiro:

2. Definição:

Arcádia:

3. Quadro Comparativo:

Características do Arcadismo Características do Barroco

62 * Literatura Brasileira
4. Quadro sinóptico:

Autores Características Obras

1. Cláudio M. da Costa

2. Tomás Antônio Gonzaga

3. Silva Alvarenga

4. Santa Rita Durão

5. Basílio da Gama

6. Alvarenga Peixoto

Literatura Brasileira * 63
Literatura Goiana – um panorama histórico

Uma síntese da literatura goiana (ou da literatura brasileira feita em Goiás, como muitos preferem)
para ser justa, tem de começar pelo reconhecimento, sem ranço de ufanismo, da expressividade
e qualidade do que aqui se escreve e publica.
Tal fato é reconhecido por críticos de nomeada, de grandes centros culturais – não obstante o
nariz arrebitado de jactância e vanglória, de alguns intelectuais, encastelados nas torres de
marfim até de universidades públicas – os quais insistem em amesquinhar sua importância, e não
reconhecer tal qualidade. Tal provincianismo, porém, não conseguiu impedir que se firmassem
como escritores de prestígio nacional, e mesmo internacional, escritores como Hugo de Carvalho
Ramos, Bernardo Elis, José J. Veiga e Cora Coralina.

Depois de quase um século do descobrimento (ou achamento) das minas auríferas na região
onde os bandeirantes paulistas construiriam Vila Boa, quase nada se escreveu por estas
paragens do Goyaz profundo, a não ser os depoimentos de viajantes que andaram pela província,
deixando relatos importantes, como os deixados por Cunha Mattos e Alencastre. De cunha Mattos
até hoje se impõe, por sua verdade e atualidade, uma frase de sabor picante: “Em Goyaz as
pessoas batem mais com a língua do que com as armas”. Gilberto Mendonça Teles, poeta,
professor e crítico literário, assinala, em sua importante obra A poesia em Goiás, que a história de
nossa literatura se divide em seis períodos. O primeiro coincide com o descobrimento de Goiás
até 1830, quando publica-se o primeiro jornal da província, A matutina Meiapontense.

Em obra intitulada “Literatura goiana – síntese histórica”, que escreveu quando proferiu palestra
sobre literatura goiana, no Canadá, o acadêmico Geraldo Coelho Vaz atesta que o primeiro poeta
brasileiro a se referir a Goiás usava o pseudônimo de Antonio Cordovil. Seu verdadeiro nome era
Antônio Lopes da Cruz, que escreveu o Ditirambo às ninfas goianas – em verdade, usou as
musas e ninfas como pretexto para bajular o governador Tristão da Cunha Menezes, que o
nomeara como professor. Uma moda que pegou entre nós, entre escribas maiores e menores.
O segundo período vai de 1830 a 1903, da publicação do primeiro jornal goiano à instalação da
Academia de Direito de Goiás, e a fundação da Academia de Letras, na cidade de Goiás, sede da
capital da Província. “Em quase um século, muitos acontecimentos marcaram a vida cultural do
Estado. Ainda no século XIX, foram criados o Liceu de Goiás e a primeira biblioteca pública, o
Gabinete Literário Goiano, o Teatro São Joaquim, o seminário Santa Cruz, onde se formaram
notáveis personalidades da vida cultural de nosso Estado. Bernardo Guimarães, importante
romancista, reside em Catalão, na condição de Juiz de Direito nomeado.
O primeiro livro impresso, já em 1863, foi Viagem ao rio Araguaia, de autoria de Couto
Magalhães, então governador. O vulto literário mais importante desta época é o poeta romântico
Antônio Félix de Bulhões Jardim (1845-1887), que defendia ideais abolicionistas. Outros nomes
importantes do período foram os poetas Higino Rodrigues (1869-1906), autor do famoso soneto A
pinta preta, Manoel Lopes de Carvalho Ramos (1865-1911), autor do célebre poema Goyania, e
mais Edmundo Xavier de Barros, Alceu Victor Rodrigues, Genuíno Correa, Matias da Gama e
Silva e Augusto Eliseu.

O terceiro período da evolução histórica de Goiás, assinala Coelho Vaz – inicia-se com a
instalação do curso da Academia de Direito, a fundação da Academia de Letras e a revolução de
1030. A publicação do livro Ontem, de Leo Lynce, marca o surgimento do modernismo em Goiás,
com atraso de seis anos, em relação à Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em
1922. O mais expressivo e talentoso autor deste período foi, inegavelmente, Hugo de Carvalho
Ramos, autor de Tropas e boiadas.
Em estilo regionalista que provocou impacto, logo após sua publicação, este autor goiano
mereceu saudação entusiástica, por parte de Monteiro Lobato, e de outros escritores e críticos de
sua época. Reconhecido como gênio literário, por parte da crítica, Hugo de Carvalho Ramos não
conheceu a glória literária, pois que matou-se, ainda muito jovem, em meio a uma crise de
depressão. Os nomes que marcaram este período foram, portanto, Hugo de Carvalho Ramos,
com Tropas e boiadas e, na poesia, Leo Lynce, com Ontem, título contraditório, pois que colocava
a longínqua paisagem do sertão profundo de Goiás no cenário da modernidade literária brasileira.

O quarto período é a fase da transição literária, encontrando as mais variadas influências das
escolas romântica, parnasiana, simbolista e moderna. É o período das grandes mudanças,
enfatiza Gilberto Mendonça Teles, em A poesia em Goiás. Neste período vêm à publicação obras
de João Accioly Barro preto, Derval de Castro páginas do meu sertão e Pedro Gomes, com Pito
aceso. A poesia teve reduzida importância nesta fase. O quinto período, para GMT, inicia-se em
1942, com o Batismo Cultural de Goiânia, e a publicação da revista Oeste, indo até a realização,
pela União Brasileira de Escritores de Goiás, da I Semana de Arte em Goiás, realizada em 1956.

Fato de grande importância foi a criação da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, que
teve Bernardo Elis como seu primeiro ganhador, com a obra Ermos e gerais. Em 1954, realizou-
se em Goiânia o I Congresso Nacional de intelectuais, com a presença de personalidades
conhecidas, de outros países, como o poeta Pablo Neruda. Lamentavelmente, Gilberto Mendonça
Teles não atualizou seu livro A poesia em Goiás, quando da publicação de sua segunda edição,
Literatura Brasileira * 65
deixando assim de registrar um número expressivo de poetas, surgidos a partir de 1970. Muitos
deles ganharam concursos de nível nacional e mesmo internacional, firmaram-se como grandes
poetas, mas não estão referidos na segunda edição desta obra, o que diminui sua importância
histórica.
A implantação do modernismo literário brasileiro, iniciada com Leo Lynce, teve continuidade com
as obras de Bernardo Elis, José Décio Filho, José Godoy Garcia, Afonso e Domingos Félix de
Sousa, além do próprio Gilberto Mendonça Teles, um pouco mais tarde, como poeta e crítico de
literatura. Uma de suas obras fundamentais é A poesia em Goiás, além de Saciologia goiana
(poesia) e obras de referência, no gênero ensaio, estudando os manifestos da modernidade
literária, e a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Neste período destacaram-se também o
romancista e contista Eli Brasiliense, com “Chão vermelho” e “Pium”. Bariano Ortêncio estreou em
1956, com O que foi pelo sertão. Ficcionista, cronista e folclorista, Bariani Ortêncio é uma das
mais destacadas personalidades literárias de Goiás.

Marcam ainda este período autores como Ursulino Leão, romancista, contista e cronista, sendo o
romance Maya um de seus trabalhos mais aplaudidos. Outros autores também destacaram-se,
como Pedro Celestino, Geraldo Ramos Jubé, Monsenhor Primo Vieira, José Lopes Rodrigues,
Demóstenes Cristino, Basileu Toledo França, Regina Lacerda, Rosarita Fleury, Nelly Alves de
Almeida, Jesus Barros Boquady, Getúlio Vaz, Mário Rizério Leite, Leo Godoy Otero e Ada
Curado.

O sexto período da evolução de nossa literatura está em curso, em meio a grandes


transformações em nosso meio sócio-econômico-cultural. A criação de duas universidades, e a
Federal e a Católica (PUC), a fundação de Brasília, em 1960, representaram uma mudança no
ambiente cultural. Surgiu o GEN (Grupo de Escritores Novos), propondo uma instauração estética
intitulada de Práxis, por seu criador, o poeta Mário Chamie. Pontificaram neste movimento literário
goiano escritores que viriam a se tornar representativos de nossa literatura, como Miguel Jorge,
Heleno Godoy, Yêda Schmaltz, Carlos Fernando Magalhães, Luiz Araújo, Luiz Fernando
Valadares e Geraldo Coelho Vaz.
A Editora Oriente, liderada pelos irmãos Taylor e José Oriente, publica centenas de títulos de
autores novos e já consagrados. Surgem, neste período, nomes como Gabriel Nascente, Alaor
Barbosa, Emílio Vieira, Eduardo Jordão, Ciro Palmerston, Marieta Telles Machado, Martiniano J.
Silva, Brasigóis Felício, Delermando Vieira, Dionísio Pereira Machado, Salomão Sousa, Helvécio
Goulart, Luiz de Aquino, Edival Lourenço, Helverton Baiano, Almáquio Bastos, Ubirajara Galli,
Tagore Biram, Pio Vargas, Itamar Pires, Edir Meireles,Fausto Valle, Jaci Siqueira, Alice
Spíndola,Ana Cárita, Diva Goulart, Kleber Adorno, Lygia Rassi, Ebert Vêncio, Celso Cláudio,
Augusta Faro, Maria Abadia Silva, Pedro Tierra, Edmar Guimarães e Valdivino Braz.
O Gen deu significativa contribuição à renovação e modernidade dos estilos literários, como
assinalou a ensaísta Moema de Castro e Silva Olival, em seu livro Gen – um sopro de renovação
em Goiás – editora Kelps 2000): “Foi, sem dúvida, um divisor de águas na vida literária de Goiás,
um vento promissor: conhecer, discutir, confrontar para renovar.” Uma renovação colocada em
xeque, pelo ensaísta Gilberto Mendonça Teles, que via no movimento de renovação praxista em
Goiás um entusiasmo juvenil, sem consistência e maturidade. O tempo veio provar que o alarde
feito em torno da dita “instauração práxis” era fogo fátuo (fogo de palha) de vez que os nomes do
Gen, que vieram a se confirmar como nomes expressivos, deram, sim, uma contribuição notável,
por sua participação no debate literário, mas as obras que escreveram posteriormente têm
(felizmente) pouco ou nada a ver com a hermética proposta estética defendida por Mário Chamie.
A confirmação como escritores veio de seu talento literário, não dos postulados estéticos
defendidos e propalados como se fossem a nova invenção da roda.

A criação da Fundação Cultural Pedro Ludovico, em substituição à Secretaria Estadual de Cultura


deu maior impulso à literatura, com o Instituto Goiano do Livro, dirigido pela poetisa Yêda
Schmaltz, criando coleções importantes, e instituindo concursos e oficinas literárias. A editora
Kelps inicia intensa atividade editorial, publicando centenas de títulos de autores goianos,
divulgando-os nas Bienais do livro, realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na crítica
literária destacam-se Gilberto Mendonça Teles, José Fernandes, Moema de Castro e Silva Olival,
Maria Zaira Turchi, Vera Maria Tietzman e Darcy França Denófrio, dentre outros. Com três nomes
consagrados, Bernardo Elis, José J. Veiga e Cora Coralina (sendo os dois últimos em nível
internacional) Goiás tem notáveis personalidades na literatura, a exemplo de Hélio Moreira,
Ursulino Leão, Mário Ribeiro Martins, Paulo Nunes Batista, Valdemes Menezes, Braz José
Coelho, Antônio José de Moura, William Agel de Mello, Gil Perini, Hilda Gomes Dutra Magalhães,
Helena Sebba, Ercília Eckel, Adelice da Silveira Barros, Leda Selma, Maria Helena Chein, Luiz
Estevão, Francisco de Brito, Isócrates de Oliveira, Célia Coutinho Seixo de Brito, Anatole Ramos,
César Baiochi, Hélio Rocha, Maria Terezinha Martins, Carmo Bernardes, Adalberto Monteiro,
Alcione Guimarães e Francisco Perna Filho.
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Literatura Brasileira * 67

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