2023 - Nhancale, Ângelo Correia

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação para a Cidadania Ambiental em


Moçambique: o caso da KUWUKA JDA

Estudante: Ângelo Correia Nhancale

Supervisor: Prof. Doutor António Cipriano Parafino Gonçalves

Maputo, Dezembro de 2022


FACULDADE DE EDUCAÇÃO

O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação para a Cidadania Ambiental em


Moçambique: o caso da KUWUKA JDA

Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade


Eduardo Mondlane como requisito parcial para a obtenção do
grau de Doutor em Educação.

Estudante: Ângelo Correia Nhancale

Supervisor: Prof. Doutor António Cipriano Parafino Gonçalves

Maputo, Dezembro de 2022


Folha de Aprovação

O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação para a Cidadania Ambiental em


Moçambique: o caso da KUWUKA JDA
Tese apresentada em cumprimento dos requisitos parciais exigidos para a obtenção do grau de
Doutor em Educação

Ângelo Correia Nhancale

Júri Examinador

Presidente
_______________________________________________
Profa. Doutora Marta Isabel do Rosário Mendonça (UEM)

Examinador Externo 1
______________________________________________
Professor Catedrático Severino Elias Ngoenha (UDM)

Examinador Externo 2
______________________________________________
Prof. Doutor Wilson Alves de Paiva (UFG)

Examinador Interno
______________________________________________
Prof. Doutor José Blaunde Patimale (UEM)

Supervisor
______________________________________________
Prof. Doutor António Cipriano Parafino Gonçalves (UEM)

Maputo, Dezembro de 2022

iii
Declaração de Originalidade

Declaro que esta tese nunca foi apresentada para a obtenção de qualquer grau ou num outro âmbito
e que ela constitui o resultado do meu labor individual. Esta tese é apresentada em cumprimento
parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Doutor em Educação, na Faculdade de Educação
da Universidade Eduardo Mondlane.

__________________________________________

Ângelo Correia Nhancale


17 de Setembro de 2022

iv
Agradecimentos
A Deus pelo dom da vida e por ter permitido que eu chegasse até esta etapa.
À Faculdade de Educação por me ter admitido e proporcionado a frequência do Curso de
Doutoramento em Educação.
À Direcção da Faculdade (o Director da Faculdade, os sucessivos directores da pós-
graduação, investigação e extensão e do curso) pelo suporte institucional.
Aos meus pais, Alfredo Correia Nhancale e Rabeca Guilherme Nhancale (em memória) pelo
suporte e educação.
Ao Professor Doutor António Cipriano Parafino Gonçalves, pelo acompanhamento sábio,
paciente e incansável durante todo o percurso da elaboração desta tese.
À minha família nuclear (Joana Nhancale, esposa, Acheler Nhancale, [M]Ayra Nhancale e
Ayller Nhancale, filhos), pelo suporte da minha presença ausente durante a fase curricular e da
redacção do texto.
Ao meu irmão, Camilo Nhancale (em memória) pelo incentivo.
A todos os Professores do Curso de Doutoramento, 1ª edição, da Faculdade de Educação,
pelas luzes.
Aos meus colegas do curso, obrigado pelo companheirismo, em especial à colega Cristina
Tomo pela força e partilha das dificuldades e sucessos na elaboração da tese.
Um agradecimento especial vai à KUWUKA JDA por permitir ser meu campo de pesquisa
e pela colaboração dos seus gestores, membros e colaboradores no fornecimento de informações
que constituíram o corpo do capítulo central desta tese (através de documentos institucionais da
organização e de outras organizações, conversas, respostas aos questionários e entrevistas).
Aos meus colegas do Gabinete Anexo do Departamento de Formação de Professores e
Estudos Curriculares (Augusto Maria, Baltazar Transval e Domingos Beula), por fechar as minhas
ausências nas turmas em diversos momentos de leccionação.
Aos funcionários não docentes da Faculdade de Educação pelo zelo no apoio e
esclarecimento de questões administrativas.
A todos que não mencionei que, directamente ou indirectamente, contribuíram para que a
minha formação fosse bem-sucedida.

v
ÍNDICE
Resumo…………………….……………………………………………....………………..........ix
Abstract……………………………………………...……...……….....…………………........…x
Lista de Abreviaturas…………………………………...….........………………….…….…......xi
Lista de Tabelas………………………………………......…......……………………………...xiii
CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO……………………………........…………………………..…14
1. Contextualização da Pesquisa……………………….........………………...………………..14
2. Problema da Pesquisa……………………….……….....……………………………………19
3. Objectivos da Pesquisa…………………....……………......…...……………………………21
4. Contribuição do Estudo…………….……...………….....…………………………….…….21
5. Estrutura da Tese………………………………………........……………………………….23
CAPÍTULO II: QUADRO TEÓRICO-CONCEITUAL……......………………………...…..25
1. Definição/Discussão dos Conceitos…………………………...…......…...…….…………….25
1.1. Educação………………………...…...…………………………….....……………………..25
1.2. Meio Ambiente…………………………...……...…………………......……….…………...32
1.3. Educação Ambiental…………………………...……...…………......………….…………...34
1.4. Cidadania…………………………...…...……………………………......……….…………40
1.5. Cidadania Ambiental……………………………...………………….....……….…………..46
1.6. Sociedade Civil……………………………………...…...………......…………….………...47
2. A Emergência do Problema Ambiental e os Principais Problemas Ambientais Globais do
Mundo Contemporâneo…...…………………..……...……………...........…………….……...61
2.1. A emergência da problemática ambiental contemporânea……......…………..…………..….63
2.2. Os principais problemas ambientais globais do mundo contemporâneo……........………..…81
2.2.1. Poluição Ambiental e Mudanças Climáticas……………………..………......………….…...…82
2.2.2. Desmatamento/Desflorestamento………………..………………........…………………………84
2.2.3. Extinção de espécies…………………………………………...……......…..……………….…….84
2.2.4. Degradação do solo…………………………………………….........……..…………….…….….85
2.2.5. Superpopulação/Superpovoamento………………………..….....………………………………86
3. A Relevância de uma Educação para a Cidadania Ambiental…….......………...……...….87
3.1. Educação para a Cidadania………………………...………………......…...………….…….88
3.2. Educação para a Cidadania Ambiental………………………….........……...….………...…90

vi
CAPÍTULO III: METODOLOGIA………………...………………….....……….…………103
1. Classificação da Pesquisa……………………………………………….......……..….….....103
1.1. Em relação à finalidade……………………………………...……...….…….......……....…103
1.2. Quanto à natureza do problema e aos objectivos………………………………..........……..104
1.3. Quanto à estratégia ou forma de abordagem do problema……………………..……............104
1.4. Quanto aos procedimentos técnicos………………...……….........……………………...…105
2. População e Amostra…………………………...……………......…...……………………..110
3. Técnicas e Instrumentos de Recolha de Dados…………………......……….......…………111
4. Estratégias de análise de dados……………...……………...………......…………………..113
5. Validade e Fiabilidade dos Resultados……………………...……….........……….…….…115
6. Considerações éticas da pesquisa…………………………………………........…………..117
7. Limitações e Constrangimentos da Pesquisa……………………………….........…...……118
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS………...........…..119
1. Sobre as Organizações da Sociedade Civil e a Educação para a Cidadania Ambiental....119
1.1 O papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação…….………………..............….119
1.2. As Organizações da Sociedade Civil e a Educação para a Cidadania Ambiental….........…..124
1.2.1. A marcha internacional em prol do Meio Ambiente……...……………………..........………124
1.2.2. A acção das Organizações da Sociedade Civil na Educação para a Cidadania
Ambiental…………………………......…………………………………………………...………………130
2. Sobre os Problemas Ambientais e Cidadania Ambiental em Moçambique….......……....142
2.1. Os Principais Problemas Ambientais em Moçambique………...…...……......…………….142
2.2. O Estágio Actual da Cidadania Ambiental em Moçambique………..…..........…………….150
2.2.1. O quadro legal nacional…………………….....……………………......…………………….....151
2.2.2. A adesão à agenda internacional…………………..……….......………..……….……...……..155
2.2.3. A acção político-governamental……….………………..…......……..……..………………….156
2.2.4. A educação ambiental…………………………..…………......……...….……………..………..159
2.2.5. A actuação da sociedade civil………………………….......………..……..…………..………..162
3. Sobre o Contributo da KUWUKA JDA na educação para a Construção de uma Cidadania
Ambiental em Moçambique……………….…........................…...………………………..…168
3.1. Historial e Identificação/Caracterização da KUWUKA JDA…......……………...……..….169
3.1.1. Historial da Criação da KUWUKA JDA……………………….......……………………….….170

vii
3.1.2. Identificação/Caracterização da KUWUKA JDA………………......………...….……….…..171
3.2. Percepções dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA sobre a emergência da
problemática ambiental contemporânea e a educação para a cidadania ambiental, o papel das
OSC’s e cidadania ambiental em Moçambique…………...……………….........…….…..…….176
3.2.1. Sobre a emergência da problemática ambiental e a relevância de uma educação para a
cidadania ambiental…………………………………………...………….....…………………….….....176
3.2.2. Sobre o papel das organizações da sociedade civil na educação para a cidadania
ambiental………………………………………..………………….….....……………………….………180
3.2.3. Sobre a cidadania ambiental em Moçambique……………......…………………..……..……183
3.3. Acções da KUWUKA JDA face aos problemas ambientais em Moçambique….......………184
3.3.1. O testemunho dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA…………......….……….….185
3.3.2. A descrição dos documentos institucionais da KUWUKA JDA………..….......….…..….….189
3.3.3. A percepção dos beneficiários das acções da KUWUKA JDA………...........………........…197
3.4. O contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma cidadania ambiental
em Moçambique…..………………………………………………...…......................…....……203
3.4.1. Pela voz dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA………......………..….....…….…203
3.4.2. Pelos relatos dos documentos institucionais da KUWUKA JDA………......…...…...….…..210
3.4.3. Pelo testemunho dos beneficiários das acções da KUWUKA JDA…….......……..…………216
CAPÍTULO V: CONCLUSÃO……...…………..……………………….....………………...228
Referências Bibliográficas……...……………………………………......……………………234
ANEXOS………………...……………………………………………….....……….…………250

viii
Resumo
A presente tese procura delinear perspectivas de reflexão e análise da construção de uma cidadania
ambiental em Moçambique, a partir do trabalho das Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) no
contexto da educação, tendo como referência a KUWUKA JDA. O problema que norteia esta
pesquisa é a preocupação com a necessidade de se promover estratégias educativas voltadas à
conservação do meio ambiente e a contribuição que o processo educativo pode representar na
busca de respostas aos múltiplos problemas socioambientais. Assim, coloca-se a seguinte questão:
qual tem sido o contributo das OSC’s na educação para a cidadania ambiental em Moçambique?
O objectivo geral da pesquisa é analisar a contribuição das organizações da sociedade civil na
consecução da educação para uma cidadania ambiental em Moçambique, tendo como instituição
de referência a KUWUKA JDA. Os objectivos específicos são: 1) Discutir o papel das
organizações da sociedade civil na promoção de uma educação para a cidadania ambiental face
aos problemas ambientais contemporâneos; 2) Descrever as acções educativas da KUWUKA JDA
para a cidadania ambiental em Moçambique; 3) Examinar o contributo educativo das acções da
KUWUKA JDA na construção da cidadania ambiental em Moçambique. Quanto à metodologia, a
pesquisa seguiu a abordagem qualitativa, servindo-se da análise bibliográfica e documental e
pesquisa de campo. Os resultados da pesquisa levam à conclusão de que as acções levadas a cabo
pelas OSC’s procuram trazer uma mudança significativa na vida das pessoas, através do exercício
de organização associativa, pressão política, educação cívica, criação de parcerias, conservação do
meio ambiente, etc.
Palavras-chave: Organizações da Sociedade Civil; Cidadania Ambiental; Educação; Sociedade
Civil, Meio Ambiente; KUWUKA JDA.

ix
Abstract
This thesis seeks to outline perspectives for reflection and analysis of the construction of
environmental citizenship in Mozambique, based on the work of civil society organizations
(CSOs) in the context of education, with reference to KUWUKA JDA. The problem that guides
this research is the concern with the need to promote educational strategies aimed at environmental
conservation and the contribution that the educational process can represent in the search for
answers to multiple socio-environmental problems. Thus, the following question arises: what has
been the contribution of CSOs in education for environmental citizenship in Mozambique? The
general objective of the research is to analyze the contribution of civil society organizations in
achieving education for environmental citizenship in Mozambique, having the KUWUKA JDA as
a reference institution. The specific objectives are: 1) Discuss the role of civil society organizations
in promoting education for environmental citizenship in the face of contemporary environmental
problems; 2) Describe KUWUKA JDA's educational actions for environmental citizenship in
Mozambique; 3) Examine the educational contribution of KUWUKA JDA's actions in building
environmental citizenship in Mozambique. As for the methodology, the research followed a
qualitative approach, using bibliographic and documental analysis and field research. The research
results lead to the conclusion that the actions carried out by CSOs seek to bring about a significant
change in people's lives, through the exercise of associative organization, political pressure, civic
education, creation of partnerships, conservation of the environment, etc.
Keywords: Civil Society Organizations; Environmental Citizenship; Education; Civil Society;
Environment; KUWUKA JDA.

x
Lista de Abreviaturas e Siglas
AAAJC – Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades
ABIODES – Associação para o Desenvolvimento Sustentável
ADEL – Associação do Desenvolvimento Económico Local
AENA – Associação Nacional de Extensão Rural
AMA – Associação do Meio Ambiente
BIOFUND – Fundação para a Conservação da Biodiversidade
CCIE – Coligação Cívica sobre a Indústria Extractiva
CCM – Conselho Cristão de Moçambique
CDS – Comissão do Desenvolvimento Sustentável
CIADAJ – Comité Internacional de Apoio do Adolescente e do Jovem
CITIES – Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens
Ameaças de Extinção
CMCM – Conselho Municipal da Cidade de Maputo
CO2 – Dióxido de Carbono
COP – Conferência das Partes
COVID-19 – Corona Virus Disease of 2019
CPDL – Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Local
CTV – Centro Terra Viva
CTW – Colectivo Teatral Wusiku
CWCD – Colectivo Wusiku Canto e Dança
DMSC – Direcção Municipal de Salubridade e Cemitérios
DNPA – Direcção Nacional de Promoção Ambiental
EA – Educação Ambiental
EPC – Escola Primária Completa
ESG – Ensino Secundário Geral
EUA – Estados Unidos da América
GRSU – Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos
INDE – Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação
IPCC – Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas
ITIE – Iniciativa para a Transparência na Indústria Extractiva

xi
JÁ! – Justiça Ambiental
JDA – Juventude, Desenvolvimento e Advocacia Ambiental
JVA – Jovens e Vida Associativa
LeaRN – Leadership Regional Network
LVIA – Leigos Voluntários Internacionais
MC – Mudanças Climáticas
MCFS – Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano
MICOA – Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental
MINED – Ministério da Educação
MJKW – Movimento Juvenil Kuwuka-Wusiku
OCB – Organização Comunitária de Base
OJCB – Organização Juvenil Comunitária de Base
OMR – Observatório do Meio Rural
ONG – Organização Não Governamental
ONP – Organização Nacional dos Professores
ONU – Organização das Nações Unidas
OSC – Organização da Sociedade Civil
PERC – Capacidade de Revisão Pós-Evento
PNGA – Programa Nacional de Gestão Ambiental
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
ROADS – Rede das Organizações para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
SDAE – Serviços Distritais de Actividades Económicas
SNV – Organização Holandesa de Desenvolvimento
UNCED – Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNFCCC – Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
UN-HABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos
WWF – World Wildlife Fund (Fundo Mundial da Natureza)
ZIP – Zona de Influência Pedagógica

xii
Lista de Tabelas Página
Tabela 1: Área queimada em Moçambique durante os meses de Agosto e Outubro de
1990..............................................................................................................................................148
Tabela 2: Situação das queimadas de 2001 a 2003……………………….......…….….…..……149
Tabela 3: Ocorrência de secas em Moçambique a partir de 1980…………………..........…...…150
Tabela 4: Ocorrência de cheias em Moçambique a partir de 1980………………..….........……151
Tabela 5: Ciclones Tropicais com maior destaque na costa de Moçambique………...........…....152

xiii
CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO
A presente tese, intitulada O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação
para a Cidadania Ambiental em Moçambique: o caso da KUWUKA JDA, procura delinear
perspectivas de reflexão e análise da construção de uma cidadania ambiental em Moçambique,
olhando para o trabalho das organizações da sociedade civil no contexto da educação, cujas
actividades focalizam problemas relacionados à degradação ambiental, resultante, principalmente,
da acção humana. Este capítulo (da introdução) está dividido em cinco tópicos: 1)
Contextualização da Pesquisa, 2) Problema da Pesquisa, 3) Objectivos da Pesquisa, 4)
Contribuição do Estudo, 5) Estrutura da Tese.

1. Contextualização da Pesquisa
Segundo Lima (2008, p.2), “após o episódio nuclear da II Guerra Mundial, o mundo não
foi mais o mesmo, tendo que conviver com a sombra permanente da ameaça de uma nova categoria
de guerra, a guerra sem vencedores”, a guerra de todos contra tudo, como refere Serres (1994). É
uma guerra contra o meio ambiente em que vive o Homem, o planeta Terra. O palco das lutas é
sempre o mesmo: o ambiente próximo ou distante - mas o mundo cósmico/físico - o planeta Terra,
que é infestado por lixo de vária natureza, os poluentes, degradação dos solos, etc. Entretanto, é a
partir das décadas de 60 e 70, do século passado, que se tornaram mais evidentes e generalizados
os sinais de uma crise socioambiental de amplas proporções e dotada de novas características.
Trata-se, em primeiro lugar, de uma crise global que incorpora e atinge, embora
diferenciadamente, todos os continentes, sociedades e ecossistemas planetários, indiferente às
fronteiras geográficas, políticas e sociais. Ressalte-se, entretanto, que a emergência dos novos
problemas ambientais globais, embora com tendência de generalização dos seus efeitos
mundialmente, atinge diferentemente as diversas nações e grupos sociais que, devido aos seus
diferenciados níveis de riqueza, educação e organização política puderam desenvolver uma maior
ou menor capacidade de defesa aos impactos socioambientais e aos danos deles decorrentes.
A constatação dessa realidade tem levado alguns analistas a diferenciar uma poluição da
miséria – subnutrição, ausência de água potável e esgotos, falta de tratamento do lixo e
falta de cuidados médicos e consumo de álcool e drogas entre outros - contraposta a uma
poluição da riqueza que se caracteriza pela presença de centros nucleares, chuva ácida,
consumo sumptuário e doenças relativas ao excesso de alimentos, álcool, drogas e
medicamentos (Lima, 2008, p.2).
Lima (2008) diz que outras características distintivas da crise socioambiental
contemporânea são apontadas por Beck (2010), ao formular sua Teoria da Sociedade de Risco.
14
Em sua análise, Beck (no entendimento de Lima, 2008) refere-se à dificuldade, ou impossibilidade
em certos casos, de perceber, prever, calcular, compensar e atribuir responsabilidade sobre os
novos riscos produzidos pela modernidade industrial e técnico-científica. Lima (2008) refere ainda
que em todo o histórico de problematização da recente crise ambiental a educação tem sido
lembrada como um instrumento capaz de contribuir com respostas à essa problemática junto aos
demais meios políticos, económicos, legais, éticos, científicos e técnicos.
Desta forma, a crescente degradação do espaço vital humano e dos outros seres vivos bem
como o risco cada vez maior da destruição do planeta Terra além de alarmantes têm provocado
contestação contra o rumo das acções prejudiciais ao meio ambiente em nome do desenvolvimento
económico e da melhoria da qualidade de vida do Homem, como atestam autores como Michel
Serres (1994) e Hans Jonas (2006). Da Silva & Reis (2009), por exemplo, sublinham que a
destruição do planeta Terra não é feita pela invasão de seres de outros planetas, mas por aqueles
que na Terra habitam e dela dependem na totalidade para a sua sobrevivência: os homens.
As constatações feitas no parágrafo anterior podem ser resultado da concepção de cidadania
que, ao longo de muito tempo, colocou de lado a consideração por outros seres da natureza: uma
cidadania antropocêntrica, anti-natureza, cujos efeitos não só ameaçam a existência de várias
espécies animais e vegetais, não só provocam o esgotamento dos recursos, mas também, e
sobretudo, degradam a Terra, ameaçando a continuidade da espécie humana na face da Terra, pelo
menos tal como a conhecemos hoje.
Os problemas resultantes da cidadania antropocêntrica, que levam à degradação do planeta
Terra, obrigam a que todos os seres humanos repensem o conceito de cidadania e a sua prática,
tendo em conta a necessidade de se manter o equilíbrio ecológico. Para tal, o sentimento de
pertença e de um vínculo antropológico, que é comum aos seres humanos, é um vector de
responsabilização dos cidadãos pelo seu agir comportamental e sua participação na manutenção
de condições favoráveis de vida e de habitabilidade.
Nesta ordem de pensamento, faz-se necessária uma educação de convivência voltada ao
outro e ao meio em que se vive, viabilizando a alteridade, além de condições de agradabilidade e
de convivência equilibrada entre os seres vivos. Neste sentido, a educação deve auxiliar os
cidadãos na formação de uma cidadania ecológica, pois todos precisam tomar consciência de que
a vida humana está interligada ao meio ambiente, fonte de todos os recursos que subsidiam a

15
sobrevivência da humanidade e, para que isso ocorra, “é necessário praticar acções ecologicamente
correctas” (Gomes et al, 2013, p.225).
É neste contexto de crise socioambiental que o debate sobre meio ambiente e educação
para a cidadania ambiental tem conquistado maior centralidade, assumindo um papel cada vez
mais desafiador e demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais
que se complexificam e riscos ambientais que se intensificam (cf. Fernandes, 2010). Colombo
(2014) diz que, para que seja possível uma nova perspectiva em relação ao meio ambiente, a
educação é elemento fundamental. Garantir a sustentabilidade do planeta implica em mudanças de
comportamentos e atitudes.
Para que isso aconteça, a educação torna-se factor necessário e imprescindível. Como
referem Grubba et al (2017, p.10), a educação permite a superação constante de “paradigmas
direccionados à tecnologia, à ciência e à racionalidade, pois não parece certo afirmar que cabe à
técnica figurar como tábua de salvação aos problemas instaurados, ou ainda, o remédio para a
crise”. O novo paradigma da modernidade deve ser a sustentabilidade, cujo suporte passa pela
educação dos indivíduos, particularmente, objectivando-se o cuidado com o meio ambiente,
capitalizando-se a cidadania ambiental.
A educação ambiental é a mediação para a efectivação do direito ambiental, necessidade e
direito do homem ao desenvolvimento ecologicamente equilibrado, mediação indispensável à vida
humana com dignidade às presentes e às futuras gerações, pois somente por intermédio da educação o
homem será consciencializado quanto ao meio ambiente e às questões ambientais (cf. Badr, 2017,
p.25). Assim entendida, a educação ambiental é um campo de conhecimentos e de actividades
pedagógicas, constituídos internacionalmente ao longo das últimas décadas, com o objectivo de
compreender e oferecer respostas a um conjunto de problemas decorrentes das relações que
envolvem a sociedade, a educação e o meio ambiente. A educação ambiental passa a constituir-se,
portanto, num campo diverso, complexo e plural, caracterizado pela presença de diferentes actores
e sectores sociais que, de forma directa ou indirecta, influenciaram e ainda influenciam seus
caminhos.
Nesse sentido, a educação ambiental afigura-se como uma mediação essencial para a
formação da cidadania ambiental contribuindo para superar os impasses da nossa sociedade. A
relação entre meio ambiente e educação ambiental para a cidadania ambiental assume um papel

16
cada vez mais desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender processos
sociais que se complexificam e riscos ambientais que se intensificam (cf. Fernandes, 2010).
A educação ambiental, como tantas outras áreas de conhecimento, é um aprendizado social
que deve ser usado a serviço da comunicação para a solução de problemas por meio da interacção
e do constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados
que podem se originar do aprendizado na sala de aula ou da experiência pessoal do aluno.
Para Colombo (2014), na esfera da educação ambiental, o conceito de cidadania deve dar
prioridade à ideia de que o verdadeiro cidadão é aquele que incorpora práticas em sua vida que
possam auxiliar na boa convivência em prol do planeta. Esse princípio orienta as formas de pensar
e repensar a escola e suas acções pedagógicas tornando possível aos educandos que exerçam de
facto, desde cedo, sua cidadania e gradativamente tomem consciência de seus direitos e deveres.
A cidadania ambiental refere-se ao conjunto de condições que possibilitam ao ser humano
actuar na defesa da vida. Trata-se da participação de cada cidadão, de qualquer lugar do mundo,
para a promoção do equilíbrio ambiental do planeta. Por esse aspecto global, a cidadania ambiental
é também conhecida como cidadania planetária (cf. Fischer, 2012).
Alguns dos pressupostos indispensáveis ao exercício da cidadania ambiental são: 1) a
participação: por um lado o Estado deve garantir os mecanismos que permitam a
participação do cidadão, e em contrapartida, por parte do próprio cidadão, pois não se
pode “conceber um cidadão apático” ou mesmo conformado com os rumos do planeta; 2)
acesso à educação e informação ambiental: imprescindível a consciencialização dos
cidadãos dos seus direitos e deveres frente à crise ambiental (Fischer, 2012, p.481).
A cidadania ambiental não é educação ambiental, mas é um legado da educação ambiental,
que busca provocar um envolvimento emocional do homem com a natureza para então construir
uma nova racionalidade civilizatória, movida por novos padrões éticos e estéticos na construção
de uma sociedade sustentável. A contribuição da educação ambiental para a construção da
cidadania ambiental pode ser feita através da sensibilização, capacitação, formação e legislação.
A cidadania ambiental tem como objectivo comum a protecção intercomunitária do bem
difuso ambiental. Fundada na solidariedade e na participação responsável dos sujeitos políticos na
protecção do bem ambiental, na cidadania ambiental, o cidadão não tem um compromisso de
lealdade nacional, mas sim, um compromisso de lealdade ecológica (cf. Leite & Ayala, 2004).
Falar de cidadania ambiental implica mergulhar no campo da educação ambiental, pois as
duas esferas estão intimamente interligadas, isto é, a cidadania relaciona-se com a identidade e a
pertença a uma colectividade. A educação ambiental como formação e exercício de cidadania
refere-se a uma nova forma de encarar a relação do homem com a natureza, baseada numa nova
17
ética, que pressupõe valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens (cf.
Colombo, 2014).
Para que a cidadania ambiental seja efectivada e continue a se fortalecer, é preciso que no
interior da actividade educativa se olhe para o seu aspecto particular ligado às questões ambientais,
isto é, à educação ambiental que, diante da actual crise socioambiental, surge como instrumento
fundamental para enfrentar os problemas ambientais, na sua grande maioria causados por acções
humanas (Guimarães et al, 2009, p.50).
Assim, o campo da educação ambiental e da cidadania ambiental deve ser objecto de
pesquisas, que visem trazer novos conhecimentos para lidar com questões tais como saneamento
básico de qualidade, diminuição da emissão de gases poluentes no ar, manutenção da fauna e flora
e um clima equilibrado, exigindo mudanças para escaparmos das catástrofes ambientais (cf.
Layrargues, 2009).
No contexto da crise ambiental em que a educação para a cidadania ambiental se afigura
como uma das respostas, as organizações da sociedade civil (OSC’s) interessadas com a
problemática ambiental (Tristão & Tristão, 2016, p.49) não só se apresentam como disseminadores
da educação ambiental que ajuda a identificar os problemas que afectam a qualidade de vida das
pessoas, como também procuram encontrar soluções e alternativas para resolver as questões
ambientais que afectam as comunidades (Fernandes, 2010), uma vez que são divulgadoras de
ideias e locais de movimentação de um grande número de pessoas, difundindo um modo (que se
pretende que seja) homogéneo de pensar.
De forma mais específica, as OSC’s que trabalham com as questões ambientais contribuem
para o processo de aprofundamento e expansão das acções de educação ambiental, impulsionam
iniciativas governamentais e dão apoio às organizações de iniciativa privada interessada no
desenvolvimento de projectos no campo da educação ambiental, visando a constituição da
cidadania ambiental.
Jacobi (2003) apud Tristão & Tristão (2016, p.53) observa que “um grande salto de
qualidade nas actividades de educação ambiental tem sido proporcionado pelas ONG’s e
organizações comunitárias”, com o desenvolvimento de uma extensa lista de acções não formais,
indicativas de práticas inovadoras, preocupadas em desenvolver a co-responsabilidade das pessoas
e grupos sociais quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais comprometidos com as
questões ambientais. É neste contexto que emerge o problema da presente pesquisa, cuja descrição

18
contextualizada e detalhada é apresentada no tópico 2 da presente introdução, que segue
imediatamente após esta contextualização.

2. Problema da Pesquisa
Em Moçambique, antes da criação de um Ministério de tutela do Ambiente, em 1994, o
governo estabeleceu, através da Comissão Nacional do Meio Ambiente, o Programa Nacional de
Gestão Ambiental (PNGA). Este programa arrolou uma série de problemas ambientais no país nos
seguintes termos:
(...) nas zonas rurais a agricultura revela-se como factor perturbador das condições
ambientais com o desflorestamento, o desaparecimento de espécies da flora e fauna, o
incremento dos processos de salinização e perdas de produtividade dos solos a revelarem-
se como os problemas ambientais mais relevantes.
Nas zonas costeiras, com cerca de 2/3 do total da população aí concentrada, caracterizam-
se por uma degradação acelerada das florestas de mangais, fenómenos localizados de
erosão costeira, especialmente em zonas com grandes concentrações populacionais
(cidades costeiras), poluição da costa por poluentes como resíduos industriais lançados
ao mar sem tratamento prévio, descargas das águas negras, entre outros.
O maior problema ambiental das zonas urbanas é a degradação dos sistemas de
saneamento e a baixa qualidade da água potável. Fenómenos como deficiente deposição
e tratamento de resíduos sólidos domésticos, hospitalares e industriais, proliferação dos
mercados informais, erosão dos solos (deficiência dos sistemas de drenagem associada à
elevada densidade populacional), assentamentos populacionais cm locais impróprios, são
problemas ambientais típicos das cidades moçambicanas (Governo de Moçambique,
1994, p.1).
A Estratégia Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável de Moçambique/2007-2017,
do Ministério para Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), refere que
Devido a factores tais como a caça furtiva, guerra, seca e perda de habitats, a diversidade
e a riqueza faunística do país sofreram um grande declínio havendo, inclusive, indicações
de que algumas espécies desapareceram ou estão em via eminente de extinção. Entre essas
espécies destacam-se o rinoceronte branco, o rinoceronte preto, a chita, a palapala
vermelha, o dugongo, a girafa, o cocone azul e a sitatunga (MICOA, 2007b, p.16).
Segundo o Relatório Final da Revisão da Despesa Pública do Sector Ambiental (2005-
2010) do MICOA, “as queimadas descontroladas tornaram-se lugar-comum, o que origina uma
destruição significativa das florestas, bens e perda de vidas humanas. Os stocks de peixes estão em
risco” (MICOA, 2011b, p.29).
O Relatório (MICOA, 2011, p. 29-30) refere ainda que a degradação da terra, incluindo a
erosão do solo e a salinização das terras agrícolas, zonas habitacionais e zonas costeiras, é
frequentemente citada como um problema ambiental-chave em Moçambique. Em relação às
calamidades naturais e mudanças climáticas, segundo o relatório em referência, Moçambique é o

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terceiro país africano mais exposto ao risco de diferentes perigos relacionados com o clima. O país
é altamente vulnerável às cheias, secas e ciclones.
O relatório salienta ainda que também existem evidências de que as mudanças climáticas
aumentaram as temperaturas e que os padrões de pluviosidade mudaram consideravelmente. No
que diz respeito à poluição das indústrias e zonas urbanas, à medida que o país se industrializa,
são constatados níveis crescentes de poluição no ar e na água (MICOA, 2011, p.29).
Outros aspectos referidos no relatório são: 1) o ordenamento territorial pouco desenvolvido
e uma ocupação desordenada da terra constituem um problema ambiental de fundo que afecta tanto
as zonas rurais como as urbanas; 2) saneamento e gestão de resíduos de má qualidade são questões
chave em zonas habitacionais superlotadas, especialmente porque ainda não existe um mecanismo
economicamente viável para a recolha de resíduos e sua reciclagem.
O Observatório do Meio Rural (OMR, 2019) aponta a contínua desflorestação,
principalmente por causa da agricultura, seguindo-se o abate das árvores para lenha, carvão e
madeira. Algumas consequências advenientes são a seca e a redução de produção e produtividade
agrícola. Com o incremento da actividade de mineração em grande escala, a poluição do ar e dos
rios também agrava-se.
Estes factos revelam a necessidade de uma maior e contínua consciencialização acerca da
finitude dos recursos naturais, da adopção do princípio da racionalidade na sua utilização e que a
protecção ambiental e o crescimento económico não devem ser antagónicos. Neste processo de
consciencialização, as OSC’s apresentam-se como parceiras importantes na sua consecução. Entre
essas organizações, em Moçambique, por exemplo, pode se referenciar a KUWUKA JDA.
Fundada em 2008, A KUWUKAJDA actua em Moçambique, nas províncias de Maputo,
Inhambane e Tete. A organização já desenvolveu e ainda desenvolve programas com o intuito de
apoiar as comunidades a fazer face aos problemas ambientais, nas áreas de educação ambiental,
cidadania, boa governação e desenvolvimento sustentável.
Algumas acções concretas desta organização são: 1) Fortalecimento das capacidades das
comunidades locais para gestão sustentável dos recursos florestais, conservação ambiental e
reflorestamento nas comunidades; 2) realização de debates públicos, através de métodos
participativos, como seminários, workshops, palestras, capacitação, mesas redondas para
influenciar processos de definição e implementação de políticas públicas para boa governação,
transparência e prestação de contas na gestão dos recursos naturais; 3) realização acções de

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engajamento cívico com os diferentes parceiros e grupos de interesse para a promoção da cidadania
informada que promova mudanças.
Posto isto, pergunta-se: Qual é papel que as organizações da sociedade civil desempenham
na promoção de uma educação para a cidadania ambiental? b) Quais são as acções educativas que
a KUWUKA JDA promove para cidadania ambiental? c) Que contributo educativo a KUWUKA
JDA tem dado na construção de uma cidadania ambiental em Moçambique?

A tese que se defende neste texto é a de que as organizações da sociedade civil contribuem
na e para a cidadania ambiental, através de várias acções de educação, consciencialização e
sensibilização das populações, apoio aos governos, propostas de políticas e estratégias para a
mitigação dos problemas ambientais, entre outras formas de actuação que visam transformar
positivamente o pensamento dos indivíduos e, por consequência, desencadear ou fortalecer
atitudes benéficas em prol do meio que nos rodeia. As organizações da sociedade civil contribuem
com uma educação baseada numa atitude crítica em relação à realidade.

3. Objectivos da Pesquisa
O objectivo geral da presente pesquisa é analisar a contribuição das organizações da
sociedade civil na consecução da educação para uma cidadania ambiental em Moçambique, tendo
como instituição de referência a KUWUKA JDA.
A concretização do objectivo geral será mediante os seguintes objectivos específicos:
1) Discutir o papel das organizações da sociedade civil na promoção de uma educação para
a cidadania ambiental face aos problemas ambientais contemporâneos;
2) Descrever as acções educativas da KUWUKA JDA para a cidadania ambiental em
Moçambique;
3) Examinar o contributo educativo dessas acções da KUWUKA JDA na construção da
cidadania ambiental em Moçambique.

4. Contribuição do Estudo
Hoje, o Homem não se pode dar ao luxo de fazer intervenções na Natureza sem reflectir
sobre o impacto da sua acção sobre o meio ambiente. Uma das formas mais eficazes, senão a mais
eficaz, para compreender como o Homem deve agir e relacionar-se com a Natureza para a
continuidade saudável de ambos é a educação, baseada numa atitude crítica em relação à realidade.

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Tendo em conta a escassez de estudos voltados a educação para a cidadania ambiental em
Moçambique, esta pesquisa será desenvolvida com vista a despertar a consciência dos cidadãos
para melhorar as condições do meio ambiente e, consequentemente, auxiliar na preservação de
áreas naturais.
Quando se fala da educação ambiental, em várias ocasiões, liga-se esta acção à escola,
enquanto lugar tido como de excelência para o processo de ensino e aprendizagem de muitos
conteúdos. A literatura que abunda sobre este assunto, em grande parte, foca a sua abordagem para
o ambiente escolar. Assim, muitos actores da educação (para a cidadania) ambiental ficam
excluídos de tal abordagem. É por esta razão que a presente pesquisa procura trazer a reflexão
sobre a necessidade de se trabalhar cada vez mais com actores fora da instituição escolar. Por isso,
esta pesquisa analisa a educação para a cidadania ambiental, tendo em conta o papel das
organizações da sociedade civil.
O tema é relevante, pois aborda um problema tão actual que afecta toda a humanidade,
directa ou indirectamente: a degradação ambiental da Terra. Do ponto de vista teórico, o tema
mostra-se pertinente na medida em que é uma reflexão sobre os mecanismos que podem ser
mobilizados para inverter o cenário, trazendo contribuições de vários autores (uns já foram
referenciados acima e outros ainda serão referenciados) que abordam a questão da educação (para
a cidadania) ambiental e mostram-nos que este assunto está no centro do debate nas várias agendas
político-sociais, a nível nacional e internacional.
Em termos práticos, a abordagem a ser desenvolvida trará propostas concretas, exequíveis,
que podem ser implementadas em diferentes sectores da sociedade. Esta abordagem parte de
experiências práticas já implementadas a nível nacional e internacional e que já deram resultados
encorajadores. Para além de focalizar o trabalho das organizações da sociedade civil, o tema traz
elementos que podem ser aproveitados para a sensibilização dos indivíduos nas comunidades, no
sentido de mudar de atitude.
Também é importante referir que o tema tem uma abrangência global, pois o presente
estudo visa atingir todos os segmentos da sociedade nacional e internacionalmente. Numa primeira
fase, o estudo dirige-se às comunidades moçambicanas, que têm sofrido muito, nos últimos
tempos, pelos efeitos da acção negativa do Homem sobre o Meio Ambiente.

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5. Estrutura da Tese
Para além do capítulo da introdução (no qual se fez uma abordagem geral, a
contextualização do tema, o problema da pesquisa, os objectivos da pesquisa e a contribuição do
estudo) o presente texto é composto por mais quatro capítulos, como se descreve a seguir.
Capítulo II: Quadro Teórico-Conceitual: neste capítulo, o objectivo é apresentar os
conceitos-chave que nortearam o texto desta tese, procurando buscar sustentação em vários
autores/teorias: Meio Ambiente, Educação, Educação Ambiental, Cidadania, Cidadania
Ambiental, Organizações da Sociedade Civil. Além dos conceitos-chave, o capítulo também
aprofunda as inquietações colocadas na introdução, a saber, a emergência do problema ambiental
e o debate sobre a educação para a cidadania ambiental (para enfrentar esse problema). Para a
consecução do objectivo supracitado, a metodologia usada circunscreve-se na pesquisa
bibliográfica (leitura, análise e confrontação de literatura diversa). Este capítulo é composto por
três subcapítulos: 1. Definição/discussão dos conceitos; 2. A emergência do problema ambiental e
os principais problemas ambientais globais do mundo contemporâneo; 3. A relevância de uma
educação para a cidadania ambiental.
Capítulo III: Metodologia, em que são apresentados todos os procedimentos levados a cabo
para o desenvolvimento da pesquisa, nomeadamente: 1. Classificação da Pesquisa; 2. População e
Amostra; 3. Técnicas e Instrumentos de Recolha de Dados; 4. Estratégias de análise de dados; 5.
Validade e Fiabilidade dos Resultados; 6. Considerações éticas da pesquisa; 7. Considerações
éticas da pesquisa. Neste capítulo, recorreu-se, também, à fundamentação bibliográfica para
sustentar os conceitos referentes às diversas ferramentas que serviram de suporte metodológico.
Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados, corporizado pelos seguintes
subcapítulos:
1. Sobre as Organizações da Sociedade Civil na Educação, corporizado por dois tópicos,
nomeadamente, 1.1. O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação e 1.2. As
Organizações da Sociedade Civil e a Educação para a Cidadania Ambiental, onde se apresenta o
trabalho que as Organizações da Sociedade Civil têm realizado em prol da formação de cidadãos
ambientalmente educados. Como metodologia para o desenvolvimento deste subcapítulo,
recorreu-se à pesquisa bibliográfica.
2. Sobre os Problemas ambientais e a Cidadania Ambiental em Moçambique – aqui
reflecte-se em torno da cidadania ambiental em Moçambique. Este subcapítulo é corporizado por

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dois pontos-chave: 2.1 os principais problemas ambientais em Moçambique e 2.2 o estágio actual
da cidadania ambiental em Moçambique face aos problemas referidos no ponto-chave 2.1. Quanto
à metodologia, neste capítulo, também foi preconizada a revisão bibliográfica.
3. Sobre o Contributo da KUWUKA JDA na Educação para uma Cidadania Ambiental em
Moçambique - este subcapítulo apresenta de forma específica como é que em Moçambique são
feitos esforços para a construção de uma cidadania ambiental, particularmente pelas OSC’s. Para
a discussão deste ponto, foi eleita a KUWUKA JDA. O subcapítulo é desenvolvido em quatro
tópicos: 3.1. Historial e identificação/caracterização da KUWUKA JDA; 3.2. Percepções dos
membros/colaboradores da KUWUKA JDA sobre a emergência da problemática ambiental
contemporânea e a educação para a cidadania ambiental, o papel das OSC’s e cidadania ambiental
em Moçambique; 3.3. Acções da KUWUKA JDA face aos problemas ambientais em
Moçambique; 3.4. O contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma
cidadania ambiental em Moçambique.
A construção deste subcapítulo baseou-se, para além da pesquisa bibliográfica, na recolha
de dados primários em pesquisa de campo (no escritório-sede da organização e em algumas
comunidades onde ela actua). O tratamento dos dados é de natureza qualitativa, pois trata-se de
um estudo teórico que prima por uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito-pesquisador,
isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objectivo e a subjectividade do sujeito-pesquisador
que não pode ser traduzida em números (cf. Mutimucuio, 2008; Creswell, 2007; De Mello, 2014).
Capítulo V: Conclusão. Neste capítulo, apresentam-se as ilações tiradas (resultados
advenientes de todo o percurso da pesquisa) a partir da revisão da literatura, passando pela
apresentação e interpretação de dados, para terminar com sugestões ou recomendações.

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CAPÍTULO II: QUADRO TEÓRICO-CONCEITUAL
Neste capítulo, o objectivo é apresentar os conceitos-chave que nortearam o texto desta
tese, procurando buscar sustentação em vários autores/teorias. Para a consecução do objectivo
supracitado, a metodologia usada circunscreve-se na pesquisa bibliográfica (leitura, análise e
confrontação de literatura diversa).

1. Definição/Discussão dos Conceitos


A discussão de problemas ligados à educação e meio ambiente tem sido uma tónica
recorrente nos últimos tempos e tem encontrado eco graças a contribuições valiosas de muitas
áreas de estudo. Este debate trouxe grandes revoluções no seio da educação em relação à
apreciação diferenciada da relação entre o Homem e a Natureza. Para a presente pesquisa, a
elucidação dos conceitos-chave é fundamental, para a compreensão da temática. Neste contexto,
este ponto discute os seguintes conceito-chave: educação, meio ambiente, educação ambiental,
cidadania, cidadania ambiental e sociedade civil.

1.1. Educação
Para que seja possível uma nova perspectiva em relação ao meio ambiente, a educação é
um elemento fundamental. A educação, em sentido amplo, representa tudo aquilo que pode ser
feito para desenvolver o ser humano e, no sentido restrito, representa a instrução e o
desenvolvimento de competências e habilidades (Vianna, 2006, p.130). Para melhor dissertarmos
sobre o conceito educação, partiremos do seu significado etimológico e de seguida faremos uma
breve descrição histórica, no sentido de apresentar as várias perspectivas de visão ao longo do
tempo. Etimologicamente, segundo Martins (2005, p.3),
Educação é a forma nominalizada do verbo educar. Aproveitando a contribuição de
Romanelli (1960), diremos que educação veio do verbo latim educare. Nele, temos o pré-
verbo e- e o verbo – ducare, dúcere. No itálico, donde proveio o latim, dúcere se prende
à raiz indo-europeia DUK-, grau zero da raiz DEUK-, cuja acepção primitiva era levar,
conduzir, guiar. Educare, no latim, era um verbo que tinha o sentido de ‘criar’ (uma
criança), nutrir, fazer crescer. Etimologicamente, poderíamos afirmar que educação, do
verbo educar, significa ‘trazer à luz a ideia’ ou filosoficamente fazer a criança passar da
potência ao ato, da virtualidade à realidade.
Na Antiguidade Clássica Grega, o ideal educacional da época era a paideia, isto é, a
formação do homem completo (formação do homem em todas as suas esferas), um homem
virtuoso, livre, racional, que soubesse falar bem (bom orador), argumentar e defender os seus
direitos. Nesta época, destacam-se as abordagens sobre a educação feitas por Platão e Aristóteles.

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Platão (A República), no contexto do ideal da paideia grega antiga, investiu o seu
pensamento educacional na direcção da formação do cidadão e da justiça, que levaria a que cada
indivíduo ocupasse o seu lugar na Cidade segundo as suas qualidades naturais. Platão privilegiou
duas características fundamentais: a primeira é o conhecimento como condição necessária para o
exercício político; a segunda, a compreensão de que o Estado tinha a incumbência de garantir a
educação dos cidadãos. É nesta perspectiva que Platão idealizou a divisão da sociedade em três
partes, obedecendo ao nível da alma correspondente.
Assim, alma apetitiva ou concupiscente se ligaria ao corpo pelo baixo-ventre, estando
sujeita à transitoriedade e à imperfeição. A alma colérica ou irascível se ligaria ao corpo pelo
coração e, por isso, seria também mortal e efémera. Por fim, a alma racional estaria ligada ao corpo
pela cabeça e seria portadora do raciocínio capaz de contemplar as ideias e de julgar o que condiz
com a realidade, o que é bom e o que é mau, podendo mover o pensamento e orientar a acção
humana conforme os preceitos da verdade, da bondade e da justiça (Platão, 2000).
Por sua vez, Aristóteles, na mesma perspectiva da paideia, mostrou-se inquieto com a
virtuosidade do homem e a sua felicidade, que culminaria com a felicidade de toda a sociedade,
para a qual o uso da razão torna-se imperioso, de modo que se alcance a excelência moral.
Aristóteles (1998, 1336a23-32) refere que “A educação deve produzir uma imitação, pois o aluno
deve captar as coisas que devem ser aprendidas com o mestre, não somente teóricas, mas também
as habilidades”.
É nesse sentido que o conceito aristotélico da imitação aplicado à Paideia, não somente
ressalta a importância do papel exemplar do professor aos olhos do aluno, mas também a prática
de exercícios, de preferência lúdicos, que tendo em vista paradigmas correctos e as narrativas
motivacionais, estimulem o aluno no aprendizado.
Sendo a paideia o escopo final da educação, os que se propõem a dedicar-se a ela devem
fazê-la bem-feita, isto é, com excelência moral. Nesta perspectiva, pela educação, o homem deve
praticar suas aptidões ao máximo, e na medida em que busca aperfeiçoar-se também percorre o
pleno desenvolvimento de suas disposições naturais. A excelência moral constitui-se em
disposições ou hábitos adquiridos ligados à educação, pois esta se constitui como um meio de
adquirir aquela.
Na Idade Média, dois pensadores, imbuídos pelo ideal religioso cristão vigente e dominante
na Europa, deram o seu contributo sobre a educação, nomeadamente Agostinho de Hipona e

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Tomás de Aquino, com influências platónica e aristotélica, respectivamente. Agostinho de Hipona,
influenciado pelo pensamento platónico, desenvolverá o seu pensamento educacional marcado
pela defesa da doutrina cristã, fazendo parte, portanto, da primeira fase da época, conhecida como
apologética e patrística. Tomás de Aquino desenvolve as suas ideias educacionais na segunda parte
da Idade Média, também conhecida como escolástica.
Agostinho de Hipona disserta em torno da teoria de iluminação, segundo a qual a educação
é um processo através do qual o indivíduo é iluminado em relação ao conhecimento que já existe
em si, através da acção do mestre. A educação é um processo de interiorização, no qual o homem
afasta-se de sua materialidade e tem condições de buscar o verdadeiro conhecimento, que se
encontra em sua alma graças à iluminação divina.
Agostinho atribui à alma racional, tal como Platão, o local da educação, onde o homem
adquire o conhecimento, mas nega que as verdades são provenientes de ideias inatas. O
conhecimento verdadeiro depende da iluminação, ou seja, Deus é quem irradia as verdades para o
homem, inclusive para o conhecimento de si. Em suma, o homem não lembra nem constrói uma
ideia, pois esta depende de Deus (Santo Agostinho, 1998, 2004, 2007).
Tomás de Aquino, influenciado por Aristóteles, à semelhança de Agostinho de Hipona,
também esboçou o seu ideal de educação dentro dos mesmos parâmetros doutrinais do
cristianismo. A educação destina-se a auxiliar o aluno da mesma forma que o médico ao doente e
o agricultor à planta, fazendo com que, assim, o professor torne em acto seu desejo de saber. No
centro da educação está a verdade.
Para Tomás de Aquino, a educação de facto é aquela que está inclinada por meio da
inteligência a buscar a verdade e, assim como uma ponte, atravessar rumo à liberdade interior. Por
outras palavras, a inteligência é o instrumento educacional e a verdade é a liberdade interior, que
é fim último da educação. O ser humano deseja naturalmente saber e, por consequência, deseja
buscar a verdade e a educação deve estar a par disto porque a verdade conduzirá o ser humano
também por suas acções à sua finalidade última, e à liberdade interior (Tomás de Aquino, 2016).
Para a Idade Moderna, não se pode falar da educação sem se referenciar Comenius, tido
como pai da pedagogia moderna, pois considera-se João Amós Comenius como o primeiro
pedagogo a instituir a educação como uma ciência sistemática. Para este autor, a educação surge
como um meio para corrigir os desvios dos homens em relação aos desígnios para os quais foram
criados.

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Assim, a cura para os desvios da humanidade está no exame da realidade e no
reconhecimento de que os problemas existem e precisam de ser tratados. Uma das formas possíveis
para conter os desvios seria a Igreja, mas ela corrompeu-se ao longo do tempo e não cumpriu com
a sua finalidade. Não querendo Deus deixar as coisas no estado precário, através da Sua
misericórdia, criou outras formas e vias para a correcção dos desvios. Entre estas formas e vias, a
mais eficaz é a educação.
Nós ousamos prometer uma Didáctica Magna, isto é, um método universal de ensinar
tudo a todos. E de ensinar com tal certeza, que seja impossível não obter bons resultados.
E de ensinar rapidamente, ou seja, sem nenhum enfado e sem nenhum aborrecimento para
os alunos e para os professores, mas antes com sumo prazer para uns e para outros. E de
ensinar solidamente, não superficialmente, e apenas com palavras, mas encaminhando os
alunos para uma verdadeira instrução, para os bons costumes e para piedade sincera
(Comenius, 2001, pp.13-14).
Como se pode depreender pela citação acima, a educação deve constituir-se numa arte de
ensinar tudo a todos, uma arte universal, uma arte correcta, fácil e sem tédio. Porém, para que a
educação alcance os seus reais objectivos, deve ter como resultados: a verdadeira formação
cultural ou ensino, os bons costumes ou moral e a piedade sincera.
Iori (s/d, p.9) diz que a educação é um acto estratégico, do qual dependem a conservação,
a evolução e a renovação e sem o qual a civilização e sua conquista cairiam no abismo. Enquanto
acção política (no sentido menos nobre do termo), o trabalho educativo não pode mais ser
considerado um facto privado, mas representa uma tarefa e responsabilidade comum. O acto
educativo não pode ser deixado ao simples bom senso nem ao improviso: pelo contrário, exige
uma profissionalização e um profissionalismo que o forma e o reforma continuamente,
exactamente por causa da sua importância e delicadeza.
Rousseau concebe a educação como um processo adaptado às necessidades individuais do
desenvolvimento, com etapas dedicadas ao aperfeiçoamento dos sentidos enquanto as
necessidades das crianças forem físicas, passando ao momento em que o educando começa a ser
orientado sobre o conhecimento do mundo através do contacto com ele.
Tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando adultos é-nos dado pela
educação. Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens, ou das coisas. O
desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da
natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens;
e o ganho de nossa própria experiência sobre os objectos que nos afectam é a educação
(Rousseau, 1995, pp.10-11).
Rousseau critica as escolas e a educação doméstica daquela época, pois pouco se via sobre
a estimulação das crianças a partir de sua própria natureza. Para Rousseau, a natureza são os

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fenómenos do estado original, primitivo e puro, ou seja, a criança não era responsável nem culpada
por nada, pois nasceu pura para ser desenvolvida.
Freire (2000, p.40) afirma que “A educação é sempre uma certa teoria do conhecimento
posta em prática, é naturalmente política, tem que ver com a pureza, jamais com o puritanismo, e
é em si uma experiência de boniteza”. Podemos interpretar esta citação no sentido de que Freire
pretende dizer que a educação parte de ideias sobre o conhecimento que devem ser postas em
prática na sociedade.
A educação, para Brandão (2005), é uma prática social da qual cujo fim é o
desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido entre os tipos de saber existentes
numa cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de
sua sociedade. A educação é um dos meios de realização de mudança social, assim tendo como
finalidade a de promover a transformação social e envolve o poder, a riqueza e a troca de símbolos
presentes em cada sociedade.
Considerando a educação como um fenómeno social, histórico e cultural, entende-se que
ela pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento e com qualquer pessoa, podendo ser
transmitida de pai para filho, ou de anciãos a aprendizes, de professores a alunos, de alunos a
alunos, independente do sexo, raça ou idade.
Assim, a educação refere-se ao desenvolvimento do indivíduo desde o nascimento até a sua
morte. Para Teixeira (s/d), são “as múltiplas formas de organização social que possibilitam as
transformações da pessoa a fim de que ela possa atingir graus mais elevados de realização pessoal
e social”.
É nesta perspectiva que Reboul (1988) apresenta a sua abordagem sobre a educação
considerando os diferentes contextos/situações, em particular a família e a escola: “A educação
tem por finalidade formar o homem, quer pela ‘escola dos sentimentos’, isto é, a família, quer pela
instrução. O ensino não é senão essa parte da instrução que tem por fim cultivar o homem,
formando o seu juízo” (Reboul, 1988, p.25).
Reboul (1988, p.8) define a educação nos seguintes termos: “A educação é a acção
consciente que permite a um ser humano desenvolver as suas aptidões físicas e intelectuais bem
como os seus sentimentos sociais, estéticos e morais, com o objectivo de cumprir, tanto quanto
possível, a sua missão como homem; é, também, o resultado desta acção”. Mas adiante, Reboul
acrescenta à sua definição o seguinte:

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A educação é, pois, uma acção. Enquanto tal, é consciente, ou pelo menos dela podemos
tomar consciência; é voluntária, ou pelo menos podemos percebê-la e assumi-la como tal.
Sem dúvida, existe uma educação espontânea que se exerce sobre o educando sem que
este disso se aperceba e até mesmo sem conhecimento do educador. A educação tem por
finalidade formar o homem, quer pela “escola dos sentimentos”, isto é, a família, quer
pela instrução (Reboul, 1988, p.25).
Para Reboul, a educação torna-nos mais corajosos, mais honestos, mais generosos. Em
geral, segundo Reboul, a educação é acção voluntária, intencional. Mas existe, sem dúvida, uma
educação espontânea, a exercer-se sobre o educando sem que ele o saiba e, por vezes, até, sem que
o educador o saiba (Reboul, 1998, pp.24 e 25).
A educação como um processo de transformação, de desenvolvimento e de
amadurecimento da vida dos indivíduos em sociedade desempenha um papel fundamental na
formação e na criação de uma cidadania responsável e comprometida pela vida e pela criação do
saber. De acordo com Morin (2003), a educação é a palavra forte, é a utilização de instrumentos e
mecanismos necessários que permitem assegurar a formação e o desenvolvimento do humano, a
formação da cabeça bem-feita: “Uma cabeça bem-feita é uma cabeça apta a organizar os
conhecimentos e, com isso, evitar sua acumulação estéril” (Morin, 2003, p.23).
Assim, para uma autêntica formação da cabeça bem-feita é necessário o elemento
educação, isto porque somente a educação é que pode assegurar um ser humano íntegro e
responsável para consigo, para com o semelhante e para com o diferente. Sem a educação, a
sociedade não poderia criar homens engenhosos e comprometidos e com uma cidadania terrestre
ou ecológica. A educação em vista à formação de uma cabeça bem-feita tem de estar ligada
directamente ao próprio indivíduo.
A educação para a cabeça bem-feita pode incentivar vários comportamentos que têm
incidência directa e importante no cuidado dos outros, do meio ambiente e ou do planeta terra.
Neste contexto, uma educação para uma cabeça bem-feita daria capacidade para se responder aos
formidáveis desafios da globalidade e da complexidade na vida quotidiana, social, política,
nacional e mundial. Para que isso seja possível, “A educação deve favorecer a aptidão natural da
mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da
inteligência geral” (Morin, 2003, p.20).
Nesta perspectiva, de acordo com Cabral (2000), a sociedade civil, através de Organizações
Não-Governamentais (ONG’s), tem contribuído para a formação humana em suas múltiplas
dimensões. Tal contribuição reflecte-se na construção de identidades dos sujeitos, de modo que

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estas entidades constituem-se como agentes sociais que realizam mediações de carácter
educacional, político, assessoria técnica, prestação de serviços entre outras acções.
Assim, é necessário pensar a educação como um movimento que acontece em todas as
esferas da sociedade. Como um fazer educativo que represente a ideia-força para a construção de
modalidades inovadoras no processo de formação humana, considerando o contexto e o quotidiano
como recursos, meios e fins na configuração de sociedades mais justas, solidárias e sustentáveis.
Esta forma de conceber a educação conduz-nos a mostrar a sua importância na compreensão e
melhoria das nossas atitudes na interacção com o nosso meio envolvente, com o meio ambiente,
nas três vertentes que abaixo apresentamos, apoiando-nos em Rego (2018).
Educação formal – Esta modalidade de educação realiza-se nas escolas e nas universidades,
sendo por isso designada ainda por educação escolar. É metodicamente organizada seguindo um
currículo, regras e leis de âmbito nacional, dividida em disciplinas e classes de conhecimento. É
uma modalidade de educação que culmina com a obtenção de certificado de habilitações. Nesta
modalidade de educação quem educa é o professor e a aprendizagem é receptiva, na qual cabe ao
professor elaborar o conhecimento e transmiti-lo ao aluno.
Educação não formal – é aquela que se realiza fora da jurisdição escolar como suplemento
à educação formal e não culmina com a obtenção de um nível académico ou diploma oficial.
Ocorre em ambientes e situações interactivos construídos colectivamente, segundo directrizes de
determinados grupos em que as pessoas participam de forma optativa com uma intencionalidade
na sua acção e no acto de transmitir ou trocar conhecimentos, enfatiza a partilha de experiências
no grupo (seminários, workshops ou trabalhos de campo, em centros culturais, museus, etc.).
Educação informal – é um processo contínuo, por meio do qual cada pessoa adquire e
acumula naturalmente saberes e habilidades, a partir das experiências diárias e da sua exposição
ao meio envolvente, é assim “um processo permanente e não organizado”. Ela ocorre durante o
processo de socialização das pessoas em espaços da família, vizinhos, clube, lazer, entretenimento,
por meio de livro ou televisão, das igrejas em casos de cultos e até na escola entre os grupos de
amigos. É uma modalidade de educação que não oferece nenhum tipo de certificação e que de um
modo geral é ocasional.
Como se pode constatar, independentemente da modalidade, a educação depende
principalmente do ideal de homem a ser formado, por isso se caracteriza como sendo um processo
de transformação das qualidades humanas e a especificidade de cada cultura. Nos tempos actuais,

31
a educação pode ser conduzida por qualquer grupo de indivíduos que prossigam tal fim, como é o
caso das organizações da sociedade civil.
Das diferentes definições acima arroladas, verifica-se que as concepções desde Platão até
Rousseau tendem para duas perspectivas de educação apresentadas por Luckesi (1994): redentora
e reprodutora. Estas concepções revelam-se pouco acertadas para o debate sobre a educação para
a cidadania ambiental, uma vez que concentram-se no discurso antropocêntrico. A primeira
perspectiva concebe a educação como redenção (exterior à sociedade, com finalidade de adaptação
do indivíduo à sociedade, garantindo a coesão desta e corrigindo os seus desvios); A segunda
perspectiva olha para a educação como reprodutora (considera a educação como parte integral da
sociedade destinada a reproduzir os condicionantes desta).
Em contrapartida, as concepções de Freire à Morin tem um pendor transformador, ligado à
terceira perspectiva preconizada por Luckesi, que atribui à educação o carácter transformador da
sociedade (é uma visão crítica, compreendendo a educação como mediação de um projecto social,
como um meio que se junta aos outros meios para realizar um projecto transformador da
sociedade). Nesta linha de pensamento, a educação está situada como fundamento no processo de
formação humana e desenvolvimento, assumindo um papel preponderante na construção de
saberes, na orientação para o desenvolvimento humano e para novas formas de perceber, pensar e
agir no mundo.
O conceito adoptado para esta tese situa-se, pois, na perspectiva transformadora,
vinculando-se à ideia de cabeça bem-feita de Morin (2003) e reforçado pelo conceito proposto por
Reboul (1988) acima apresentados, tendo sido eleita a modalidade de educação não formal,
entendida como um processo de transformação, de desenvolvimento e de amadurecimento da vida
dos indivíduos em sociedade, desempenhando um papel fundamental na formação e na criação de
uma cidadania responsável e comprometida pela vida e pela criação do saber. Assim, a educação
torna-se importante na formação de cidadãos conscientes de suas decisões, com o poder e dever
de contribuir para os desígnios da sociedade, uma vez que a cidadania está intrinsecamente ligada
ao desenvolvimento humano e suas relações sociais.

1.2. Meio Ambiente


Tal como acontece com o conceito de educação, o conceito meio de ambiente tem uma
pluralidade de definições. Segundo a ONU (1992), meio ambiente é o conjunto de elementos

32
físicos, químicos, biológicos e sociais que podem causar efeitos directos ou indirectos sobre os
seres vivos e as actividades humanas. O meio ambiente é o conjunto de unidades ecológicas que
funcionam como um sistema natural. Primavesi (1997) diz que o “meio ambiente não é apenas o
espaço em que se vive ‘mas o espaço do qual vivemos’”. Para Tostes (1994) apud Dulley (2004,
p.19),
Meio ambiente é toda relação, é multiplicidade de relações. É relação entre coisas, como
a que se verifica nas reacções químicas e físico-químicas dos elementos presentes na
Terra e entre esses elementos e as espécies vegetais e animais; é a relação de relação,
como a que se dá nas manifestações do mundo inanimado com a do mundo animado (...)
é especialmente a relação entre os homens e os elementos naturais (o ar, a água, o solo, a
flora e a fauna); entre homens e as relações que se dão entre as coisas; entre os homens e
as relações de relações, pois é essa multiplicidade de relações que permite, abriga e rege
a vida, em todas as suas formas. Os seres e as coisas, isoladas, não formariam meio
ambiente, porque não se relacionariam.
Branco (2007, p.103), ao tecer considerações sobre a definição de meio ambiente
apresentada por Coimbra (2011), ressalta alguns pontos fundamentais, a saber:
O meio ambiente não é [...] um sinónimo de ecossistema. Ele inclui o elemento antrópico
e tecnológico enquanto o ecossistema, tal como definido, com suas características
homeostáticas de controlo e evolução natural não comporta o homem, a não ser em seus
estágios primitivos, pois é incompatível com o finalismo e a deliberação característico
desta espécie. Porém, isso não implica que o homem não se inscreva ou não constitua um
elemento de um sistema maior e mais complexo: o meio ambiente, com um equilíbrio
coordenado por uma rede de informações de ordem diferente da que preside o
ecossistema, porque emanada de um princípio criador consciente, em permanente
integração com o sistema como um todo.
Para Marques (2005), o meio ambiente é a soma total das condições externas circundantes
no interior das quais um organismo, uma condição, uma comunidade ou um objecto existe,
acrescentando-se que os organismos podem ser parte do ambiente de outros organismos.
Segundo Mendonça (2004), o meio ambiente deixa de receber aquela tradicional visão
descritiva/contemplativa por parte da geografia como se fosse um santuário que existe
paralelamente à sociedade. O meio ambiente é visto então como um recurso a ser utilizado e como
tal deve ser analisado e protegido, de acordo com suas diferentes condições, numa atitude de
respeito, conservação e preservação.
De acordo com Coelho (2004), o ambiente ou meio ambiente é social e historicamente
construído. Sua construção se faz no processo da interacção contínua entre sociedade em
movimento e um espaço físico particular que se modifica permanentemente. O ambiente é passivo
e activo. Neste sentido, “o ambiente é gerado e construído ao longo do processo histórico pelo qual
o homem social ocupou e transformou espaços, ou seja, deriva da síntese histórica das relações de
intercâmbio entre natureza e sociedade” (Glasenapp & Agapito, 2013, p.30720).
33
Pereira & Curi (2012, p.40) dizem que o meio ambiente, por incluir o homem e tudo o que
o envolve constitui-se em um processo dinâmico e em permanente mudança provocada tanto por
factores externos, sem que haja influência do homem, da flora ou da fauna, como provocada pelas
acções do ser humano nos processos transformacionais das matérias-primas que o mesmo
manipula, bem como das transformações culturais provocadas por mudanças de valores induzida
pelo próprio homem.
Mais adiante, Pereira & Curi (2012, p.40) referem que o meio ambiente em constante
transformação pode alterar-se para melhor em termos de benefícios aos seres que nele vivem como
pode piorar, provocando a destruição destes mesmos seres. Deste modo, o meio ambiente, como
construção da mente e acção humana poderá servir de factor engrandecedor ou destruidor da
própria humanidade que o manipula. Os dois sentidos dependem/dependerão, em parte, do grau
de assumpção da educação ambiental.
O conceito de meio ambiente adoptado para esta tese fundamenta-se em uma perspectiva
histórico-cultural, na qual este deve ser entendido como resultado das relações de interacção entre
sociedade e natureza em determinados tempos e espaços concretos. Temos como âncora para esta
concepção a definição apresentada por Coimbra (2002) nos seguintes termos:
O meio ambiente é um conjunto de elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos
(flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere
o Homem, individual e socialmente, num processo de interacção que atenda ao
desenvolvimento das actividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das
características essenciais do entorno, dentro das leis da Natureza e de padrões de
qualidade definidos.
A definição de Coimbra, eleita para esta tese configura-se como mais completa, pois
apresenta todos os elementos que consideramos fundamentais para a percepção e concretização da
relação que o Homem deve ter com os outros seres da natureza. Note-se que esta definição não
destaca o Homem, mas o incorpora na Natureza como um elemento desta. É esta percepção sobre
o meio ambiente que julgamos que pode ajudar a construir com mais celeridade o ser cidadão
ambientalmente responsável por si e pelos outros.

1.3. Educação Ambiental (EA)


Educar expressa, acima de tudo, a auto transformação do indivíduo e a Educação Ambiental
visa a transformação educacional, política, cultural, formativa, informativa e, sobretudo,
emancipadora da humanidade (Loureiro, 2006). A ideia de Loureiro é corroborada pela seguinte
definição:

34
Entendem-se por Educação Ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a
colectividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (Constituição Federal
Brasileira, Lei n.º 9.795, de 27 de Abril de 1999 apud Badr et al, 2017, p.22).
Ainda, segundo Loureiro (2006), é de fundamental importância que esse processo se
concretize para formar cidadãos sustentáveis, orientados de modo a encarar os obstáculos
contemporâneos a fim de garantir às gerações futuras boa qualidade de vida, o que, de alguma
forma, requer a Educação Ambiental. Segundo Serra (1987), a Educação Ambiental
é uma ferramenta que visa formar uma população mundial consciente e preocupada com
o ambiente e com os problemas que lhe dizem respeito, uma população que tenha os
conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as motivações e o sentido de
participação e engajamento que lhe permita trabalhar individualmente e colectivamente
para resolver os problemas actuais e impedir que se repitam.
Marcatto (2002) considera que a Educação Ambiental é um processo de formação dinâmico,
permanente e participativo, no qual as pessoas envolvidas passam a ser agentes transformadores,
participando activamente da busca de alternativas para a redução de impactos ambientais e para o
controle social do uso dos recursos naturais.
Camargo (2002) sublinha que a Educação Ambiental é uma proposta de filosofia de vida
que resgata valores éticos, estéticos, democráticos e humanistas. Seu objectivo é assegurar a
maneira de viver mais coerente com os ideais de uma sociedade sustentável e democrática. Conduz
a repensar velhas fórmulas e a propor acções concretas para transformar a casa, a rua, o bairro, as
comunidades. Parte de um princípio de respeito à diversidade natural e cultural, que inclui a
especificidade de classe, de etnia e de género; a educação deve ser o portal para o desenvolvimento
sustentável e essa sustentabilidade é o novo paradigma do desenvolvimento económico e social.
Para Gonçalves (1990), a Educação Ambiental não deve ser entendida como um tipo
especial de educação. Trata-se de um processo longo e contínuo de aprendizagem de uma filosofia
de trabalho participativo em que todos (família, escola e comunidade) devem estar envolvidos. O
processo de aprendizagem de que trata a Educação Ambiental não pode ficar restrito
exclusivamente à transmissão de conhecimentos, à herança cultural do povo às gerações mais
novas ou a simples preocupação com a formação integral do educando inserido no seu contexto
social.
Gonçalves (1990) continua dizendo que a Educação Ambiental deve ser um processo de
aprendizagem centrado no aluno, gradativo, contínuo e respeitador de sua cultura e de sua
comunidade. Deve ser um processo crítico, criativo e político, com preocupação de desenvolver e

35
consolidar conhecimentos, a partir da discussão e avaliação crítica dos problemas comunitários e
também da avaliação feita pelo aluno, de sua realidade individual e social, na comunidade em que
vive.
Pessoa & Braga (2010) referem que a Educação Ambiental é aqui caracterizada por
processos que buscam uma sensibilização e o aumento da percepção dos sujeitos em relação à
responsabilidade na construção de melhores condições de vida. A Educação Ambiental possui
grandes possibilidades como sensibilizadora da população para as questões do ambiente, podendo
mobilizar e estimular a participação colectiva para a construção de ambientes saudáveis e
socialmente justos. Por esse motivo, ela se constitui como mediadora para a edificação da melhoria
da qualidade de vida de uma sociedade e, assim considerada, torna-se uma proposta essencialmente
política (Loureiro, 2004 apud Pessoa & Braga, 2010).
Todas as considerações acima arroladas nos remetem ao seguinte: a Educação Ambiental
procura (1) ajudar a compreender, claramente, a existência da interdependência económica, social,
política e ecológica, nas zonas urbanas e rurais; (2) proporcionar, a todas as pessoas, a
possibilidade de adquirir os conhecimentos, o sentido dos valores, o interesse activo e as atitudes
necessárias para proteger e melhorar o meio ambiente; (3) induzir novas formas de conduta nos
indivíduos, nos grupos sociais e na sociedade em seu conjunto, a respeito do meio ambiente
(Effting, 2007, p.12). Neste sentido, segundo Jacobi (2003, p.197),
Quando nos referimos à educação ambiental, situamo-la em contexto mais amplo, o da
educação para a cidadania, configurando-a como elemento determinante para a
consolidação de sujeitos cidadãos. O desafio do fortalecimento da cidadania para a
população como um todo, e não para um grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade
de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto, em actor
co-responsável na defesa da qualidade de vida. O principal eixo de actuação da educação
ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença
através de formas democráticas de actuação baseadas em práticas interactivas e
dialógicas. Isto se consubstancia no objectivo de criar novas atitudes e comportamentos
diante do consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de valores individuais e
colectivos.
A educação ambiental é atravessada por vários campos de conhecimento, o que a situa
como uma abordagem multirreferencial, e a complexidade ambiental (Leff, 2001) reflecte um
tecido conceitual heterogéneo, onde os campos de conhecimento, as noções e os conceitos podem
ser originários de várias áreas do saber. Com rápido crescimento, a Educação Ambiental estendeu
sua actuação para outras dimensões além da escola. A Educação Ambiental não formal praticada
pelas organizações da sociedade civil apresenta-se como uma nova proposta pedagógica voltada

36
para a mudança de hábitos, atitudes e práticas sociais que indiquem uma solução para o quadro de
degradação socioambiental que aflige o mundo contemporâneo.
Para esta tese, o conceito de Educação Ambiental adoptado é: um campo de conhecimento
e de actividades pedagógicas, constituídos com o objectivo de compreender e oferecer resposta a
um conjunto de problemas decorrentes das relações que envolvem a sociedade, a educação e o
meio ambiente. É uma educação cujo campo é diverso, complexo e plural, caracterizado pela
presença de diferentes actores e sectores sociais que, de forma directa ou indirecta, influenciaram
e ainda influenciam seus caminhos.
A educação ambiental não formal é um processo de práticas educativas intencionalmente
organizadas, normalmente dedicadas à população de todas as idades e que pode orientar-se em
diversas vertentes, desde a aquisição de conhecimentos ao desenvolvimento de valores e atitudes
positivas para o ambiente, passando, inclusive, por actividades de lazer. A Educação Ambiental
requer que se avance na construção de novos objectos interdisciplinares de estudo através do
questionamento dos paradigmas dominantes, da formação dos professores e da incorporação do
saber ambiental emergente em novos paradigmas curriculares e sociais.
A preocupação com a necessidade de se promover estratégias educativas voltadas à
conservação do meio ambiente e, por extensão, melhorar as condições de vida no planeta, surge
no final dos anos 1960 e início da década de 1970, quando tem início um forte movimento
ambientalista nos Estados Unidos, provocando um novo posicionamento em grande parte da
opinião pública. Este movimento revelou a necessidade de uma maior e contínua
consciencialização acerca da finitude dos recursos naturais, da adopção do princípio da
racionalidade na sua utilização e que a protecção ambiental e o crescimento económico não devem
ser antagónicos (Tristão & Tristão, 2016, p.47).
A publicação, em 1997, do relatório “Nosso Futuro Comum”, da Comissão Mundial Sobre
o Meio Ambiente e Desenvolvimento, veio alertar as autoridades governamentais para a
necessidade de adopção de políticas públicas com o objectivo de alcançar o desenvolvimento
sustentável, “aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das
gerações futuras satisfazerem as suas [necessidades – grifo nosso]” (ONU, 1992, p.2; Romeiro,
2012, p.70). Existem vários princípios de sustentabilidade. Entretanto, segundo Romeiro (2012,
p.65), para ser sustentável, o desenvolvimento deve ser economicamente sustentado (ou eficiente),
socialmente desejável (ou includente) e ecologicamente (ambientalmente) prudente (ou

37
equilibrado). Neste texto, a dimensão em destaque é a ambiental. Cada dimensão apresenta
especificidades como se descreve a seguir:
1) A dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável requer o equilíbrio entre
protecção do ambiente físico e seus recursos, e o uso destes recursos de forma a permitir que o
planeta continue a suportar uma qualidade de vida aceitável;
2) A dimensão social requer o desenvolvimento de sociedades justas, que proporcionem
oportunidades de desenvolvimento humano e um nível aceitável de qualidade de vida;
3) A dimensão económica por, sua vez, requer um sistema económico que facilite o acesso
a recursos e oportunidades e o aumento de prosperidade para todos, dentro dos limites do que é
ecologicamente possível e sem ferir os direitos humanos básicos.
Entretanto, a sustentabilidade ou o desenvolvimento sustentável é contraposto ou
comprometido pelo antropoceno que é, ao mesmo tempo, oposto ao holoceno. Conforme nos
informam Silva & Arbilla (2018, p.3-4 [1621-1622]),
O surgimento do conceito do Antropoceno tem sido amplamente discutido na literatura.
O termo foi usado pela primeira vez pelo biólogo Eugene F. Stoemer na década de 1980,
mas só foi formalizado em 2000, numa publicação conjunta com o Prémio Nobel de
Química, Paul Crutzen, na Newsletter do International Geosphere-Biosphere Programme
(IGBP) do mês de Maio. Nessa comunicação, os autores propõem o uso do termo
Antropoceno para a época geológica actual, para enfatizar o papel central do homem na
geologia e ecologia, e o início dessa época nos finais do século XVIII, que coincide com
o aumento nas concentrações de CO2 e CH4, e, também, com a invenção da máquina a
vapor, em 1784, por James Watt.
A ideia apresentada por Silva & Arbilla é corroborada por Viola & Basso (2016, p.1) nos
seguintes termos:
Uma grande mudança teve início com a Revolução Industrial, ganhou fôlego ao longo da
aceleração demográfica, económica e tecnológica ocorrida entre 1940 e 2000 e
consolidou-se nas últimas décadas, fins do século XX e início do século XXI: a transição
do Holoceno para o Antropoceno. O Holoceno foi o período de estabilidade ambiental
experimentado desde a última glaciação – terminada há aproximadamente 11 mil anos –
até o terceiro quarto do século XX, durante o qual a humanidade desenvolveu-se. O
Antropoceno é a nova e actual época geológica em que essa estabilidade está sendo
progressivamente perdida por conta da actuação da humanidade, que se tornou o principal
vector de mudanças no sistema planetário.
O antropoceno não só marca o fim da estabilidade ambiental mas também constitui a maior
ameaça para a continuidade das condições de vida na Terra e de sobrevivência humana enquanto
espécie, derivada da extrapolação dos limites planetários, uma vez que nas últimas décadas, o
homem tem-se convertido em uma força geológica, competindo com as forças naturais, no impacto
e modificação do sistema Terra.

38
Estaríamos aqui diante do binómio primeira natureza versus segunda natureza, tal como é
preconizado por Ngoenha em o Retorno do Bom Selvagem (1994). Nas primeiras páginas do livro
em questão, o autor nota que “É próprio do Homem afastar-se do domínio natural (...) Nos países
tecnicamente avançados, a ‘segunda natureza’ chega a ser oposta à primeira” (Ngoenha, 1994,
pp.10-11). Segundo o autor, o progresso científico e a tecnologia moderna romperam com o
equilíbrio ambiental, consumindo de forma vertiginosa o património natural e modificando de
forma irreversível a composição do ambiente. É preciso fazer uma reflexão em torno da relação
entre a “primeira e a segunda natureza”, uma vez que a “segunda natureza” é constituída sobre a
base da primeira; os produtos da “primeira natureza” são recicláveis, enquanto os da segunda não
o são; como na primeira natureza, também na segunda tudo é interdependente (Ngoenha, 1994,
p.13).
Ainda na relação entre as duas naturezas, Ngoenha (1994) reitera que os valores culturais
são questões relativas e, portanto, a relação com a Natureza poderá ser feita de forma sagrada, para
uns e, de forma utilitária, para outros, embora existam virtudes culturais universais. Naquilo que
deve ser universal, Ngoenha prioriza a defesa do planeta, o equilíbrio ecológico e a sobrevivência
dos seres humanos. Nesta tarefa, o importante é que haja respeito pelas dimensões simbólicas que
cada povo atribui aos valores da sua cultura (respeito pela alteridade e pelo diferente), sem ferir o
que de universal deve ser preservado.
Ngoenha faz um apelo para que haja uma mudança colectiva no que diz respeito à atitude
humana perante a natureza, convertendo-se na partilha de valores sobre a sua preservação e
moderação na utilização de seus recursos. Este respeito deverá ir até às dimensões simbólicas e
espirituais da cultura (Ngoenha, 1994, p.17).
Desta forma, o autor aponta para a necessidade de cuidarmos de forma equilibrada do
planeta que habitamos, pelo facto de haver desequilíbrios Norte/Sul; de onde decorre que os países
ricos, para protegerem o seu ambiente, fazem-no em detrimento dos países pobres. Este facto
poderá, na perspectiva de Ngoenha, fazer com que os habitantes dos países do Sul estejam
condenados a serem futuros selvagens. Em relação ao cuidado do planeta, o autor observa que há
dois perigos, sobre os quais corremos o risco de cair, na tentativa de salvar o planeta ou melhorar
as nossas condições de vida:
(1) O risco que a humanidade corre em ser demasiado naturalista (sacralizando a natureza,
protegendo-a), por exemplo, a forma como, na Índia, a vaca é venerada. Segundo Ngoenha, é um

39
animal cuja carne e derivados não são consumidos, apesar do seu alto valor nutritivo. Para além
de não ser consumida, a vaca não é lavada, o que faz dela um foco de disseminação de doenças.
Esta chamada de atenção pressupõe que o Homem deverá usar da sua capacidade para explorar a
Terra. Não precisa necessariamente ser um selvagem.
(2) Os homens podem ser demasiadamente tecnicistas ou utilitários para com a natureza,
no proveito que dela fazem. Para evitar isto, precisam de conjugar os seus esforços. Ngoenha
explica que o homem moderno/tecnicista explora a natureza a seu belo prazer. Um exemplo disso
é o facto de que, actualmente, o homem não espera pela época para obter determinados produtos
alimentares. A natureza é mecanizada a ponto de ser levada a produzir fora de época, através de
fertilizantes artificiais.
Ngoenha (1994) apela para que encontremos um meio-termo no usufruto da natureza, que
não sejamos, nem muito austeros, nem muito utilitaristas, no que concerne ao seu uso e
aproveitamento – é uma forma indirecta de nos convidar a nos servirmos da máxima da ética
clássica grega: in medio virtus est (a virtude está no meio). É com razão que o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, gerado no Fórum
Internacional das Organizações Não Governamentais (ONG’s), evento paralelo à Rio 92, definiu
princípios fundamentais da educação para sociedades sustentáveis, reiterando a necessidade de um
pensamento crítico, da interdisciplinaridade, da multiplicidade e diversidade.
Segundo Pádua (2000), com base na Carta de Belgrado (1975), a Educação Ambiental
precisa desenvolver no cidadão uma percepção consciente sobre o ambiente como um todo,
receoso sobre os problemas relacionados ao ambiente e que possua percepção, actuação, ânimo,
motivação, comprometimento e habilidades para colaborar directa ou indirectamente buscando
solucionar e prevenir os problemas presentes e futuros. A educação ambiental toma eficácia
quando a formação da cidadania é colocada no conjunto das prioridades. Nesta perspectiva, a
Educação para a cidadania ambiental é um instrumento a ser promovido e direccionado para se
alcançar o objectivo maior que é a sustentabilidade ambiental.

1.4. Cidadania
Da perspectiva acima apresentada, pode-se ressaltar que a educação é importante na
formação de cidadãos conscientes de suas decisões, com o poder e dever de contribuir para os
desígnios da sociedade, uma vez que a cidadania está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento

40
humano e suas relações sociais, como se lê nos parágrafos finais sobre a perspectiva do conceito
(educação) adoptado para esta tese.
Segundo Boff (2004), a cidadania é o processo histórico-social mediante o qual a massa
humana consegue forjar condições de consciência, de organização e de elaboração de um projecto
que lhe permite deixar de ser massa e passar a ser povo, com sujeitos históricos capazes de
implementar o projecto elaborado.
A raiz do conceito cidadania está em Roma na palavra civitas, que vem do período
republicano, anterior ao Império, e que significava, ao mesmo tempo, o habitante da cidade, a
(civis), a condição de cidadão e o direito de fazer parte da cidade enquanto espaço e assunto que
dizia respeito a todos. No contexto romano, o conceito cidadania é permeado por um carácter mais
jurídico: a palavra civis garantiria os direitos dos nativos em relação aos estrangeiros. Desse modo,
os direitos relativos aos cidadãos/civis relacionam-se ao voto – direito de paz ou guerra, às eleições
nas magistraturas, contratação de obrigações, constituição de família, ou mesmo quanto à
propriedade ou libertação de servos (Morais, 2013, p.20910-20911).
Contudo, já na Grécia Antiga se usava o termo cidadão (politeia) para o habitante da polis.
Costa & Ianni (2018, p.44) referem que “ser cidadão significava ser titular de um poder público e
participar das decisões colectivas da polis (cidade)”. Já com relação à igualdade, o status de
cidadão limitava-se a um pequeno grupo de homens (do sexo masculino) livres, excluindo-se assim
as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Apesar de altamente exclusiva, a cidadania clássica,
segundo Aristóteles (1998), legou-nos uma dimensão política que atravessa todos os aspectos de
vida na polis.
De acordo com a visão de Aristóteles, ser cidadão perpassa a titularidade de uma espécie
de poder público sem limitações e com poder de decisão no âmbito colectivo. Cidadão é o homem
que partilha os privilégios da cidade, ou seja, é um indivíduo que participa activamente das
decisões e da vida política da polis. Essa era a concepção de uma cidadania activa, embora seu
exercício estivesse vinculado à condição de ser um homem livre.
Para Funari (in Pinsky & Pinsky, 2013), “no sentido moderno, cidadania é um conceito
derivado da Revolução Francesa de 1789 para designar o conjunto de membros da sociedade que
têm direitos e decidem o destino do Estado”. O conceito de cidadania tem essa dimensão política,
mas também inclui toda uma série de direitos e deveres que resumem a obrigação que todos temos
de participar naquilo que é do interesse colectivo. O cidadão é, antes de mais nada, um ser social

41
que se relaciona com o Estado através do pagamento atempado dos impostos, do uso dos serviços
públicos, da utilização da segurança social, do cumprimento da lei, do respeito pela autoridade, do
respeito pelas regras de tolerância e de cortesia no relacionamento com os outros cidadãos.
Segundo Pinsky & Pinsky (2013, p.7),
Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é,
em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser
votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia
sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza
colectiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice
tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais.
A definição de Pinsky & Pinsky revela-se mais complexa e mais completa, ao articular as
dimensões civil, política e social. Esta forma de abordar a cidadania remete-nos à ideia de um
exercício de liberdades no terreno do Estado de Direitos, evidenciando o convívio entre as
diferenças, bem como entre diferenças e igualdades. Um dos autores que explorou as três
dimensões indicadas acima (em Pinsky & Pinsky) inerentes ao conceito de cidadania foi Marshall
(1967).
Marshall (1967, p.63) sublinha que a cidadania deve ser analisada sob três perspectivas ou
três elementos: civil, político(a) e social, relacionando-as com o surgimento e desenvolvimento de
três tipos diferentes de direitos, nomeadamente os direitos civis, que se teriam formado no século
XVIII; os direitos políticos, no século XIX, e os direitos sociais, no século XX. Tendo em conta
as perspectivas apresentadas por Marshall, entende-se a definição de cidadania proposta por Pinsky
& Pinsky.
Comparando a definição de Pinsky & Pinsky à ideia de Marshall, pode-se inferir que a
cidadania remete-nos à percepção de que ela requer o reconhecimento e a concretização dos
direitos civis, políticos e sociais, o que implica o conhecimento dos direitos e dos deveres, de forma
inclusiva e comunitária, que leva à prática de reivindicação e à consciência de que o cidadão é ou
pode ser agente destes direitos e que a prática da cidadania apresenta-se como instrumento
indispensável para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Mastrodi & Avelar (2017, p.6) referem que foi no século XVIII que, na Europa Ocidental,
surgiram as condições históricas que levaram à conquista dos direitos civis, garantindo aos
cidadãos – abstractamente, a todos os homens; concretamente, à classe burguesa – a capacidade
jurídica de lutar pelos seus direitos, aqueles necessários à liberdade individual. Bem ressalta
Marshall que não se tratava da posse concreta desses direitos pelas pessoas, mas apenas da
possibilidade de alcançá-los.
42
Segundo Marshall (1967, p.69), a consolidação desse primeiro grupo de direitos contribuiu
para o surgimento, por volta do século XIX, dos chamados direitos políticos. De acordo com o
ponto de vista de Marshall, a participação política somente se estruturou na Inglaterra após a
consolidação dos direitos civis. Nesse sentido, observou-se não só a criação de novos direitos a
partir dos direitos políticos, como os direitos políticos permitiram a ampliação dos anteriores
direitos civis a um maior contingente de pessoas, de forma a reparar uma antiga falha na
compreensão da cidadania: sua falta de democracia.
A esse novo elemento da cidadania corresponde, justamente, o direito de participar da vida
política da sociedade, “começando do ponto no qual todos os homens eram livres, em teoria,
capazes de gozar de direitos, a cidadania se desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de
direitos de que eram capazes de gozar” (Marshall, 1967, p.68).
Por fim, os direitos sociais referem-se ao direito a um mínimo de bem-estar social e sua
consolidação só seria alcançada quando todos os cidadãos tivessem acesso a esse mínimo. Os
direitos sociais começaram a ser compreendidos com mais clareza na Europa do século XIX, mas
ainda eram vistos como “casos de polícia”e não de política. Os sindicatos eram entendidos pelos
liberais muito mais como “quadrilhas”que aviltavam contra o bom instituto do contrato e que
impediam a negociação das condições de emprego entre as duas únicas pessoas interessadas na
contratação, o patrão e o empregado.
Mastrodi & Avelar (2017, p.8) revelam que a protecção no trabalho (em especial contra
acidentes dentro das fábricas, pensão por morte ou mutilação, etc.) torna-se exigência dos
trabalhadores, que passam a usar a arena política de tal modo que deixam de ser vistos como grupo
de revoltosos para passarem a ser olhados como pessoas que lutavam por seus direitos. Ao
relacionar os direitos sociais ao século XX, Marshall não tem qualquer intenção de ocultar essas
condições históricas. Apenas refere-se a uma condição específica dos direitos sociais de serem
resolvidos, dentro do Estado, não por lutas ou por debates no âmbito do poder legislativo, mas por
reivindicações políticas a serem acatadas pela administração pública.
Segundo Mastrodi & Avelar (2017, p.8) cabe, aqui, uma distinção importante, para se evitar
confusões no âmbito da teoria dos direitos humanos. A teoria das gerações (ou dimensões) dos
direitos não foi desenvolvida nos mesmos termos da perspectiva que Marshall elaborou seu
entendimento sobre os três elementos da cidadania. De acordo com essa teoria das gerações ou
dimensões, os direitos humanos (ou fundamentais) teriam tido sua afirmação histórica de modo a

43
se identificarem segundo três momentos históricos distintos (gerações de direitos) ou três
processos históricos de evolução (dimensões), cada uma relacionada a um dos valores do tríptico
da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.
Mastrodi & Avelar (2017) referem que, porém, conforme essa teoria de direitos humanos,
os direitos de primeira dimensão são compostos tanto pelos direitos civis quanto pelos políticos;
os direitos de segunda geração referem-se aos direitos sociais, e os de terceira geração, aos direitos
difusos. Por sua vez, Marshall, que não escreveu sobre direitos difusos, distinguia os direitos
sociais dos direitos civis e atribuía a estes precedência histórica e a qualidade de causa dos direitos
políticos.
Para Mastrodi & Avelar (2017), o quadro teórico sugerido por Marshall inicia-se no século
XVIII, tomando como premissa que a dificuldade de outrora de se perceber e separar as funções
estatais fazia com que os direitos também fossem entendidos como se fundidos em um só. Os
direitos não se distinguiam porque as instituições também não eram distintas. A evolução da
cidadania, na perspectiva do autor, “envolveu um processo duplo, de fusão e de separação. A fusão
foi geográfica e a separação, funcional” (Marshall, 1967 p.66).
Mastrodi & Avelar (2017) mostram que a ocorrência de um processo de separação, quando
as instituições que abarcavam os três elementos da cidadania se separaram, tornou possível, para
cada um desses elementos, “seguir um caminho próprio, viajando numa velocidade própria sob a
direcção de seus próprios princípios peculiares” (Marshall, 1967, p.66) e, por conseguinte, um
processo de fusão geográfica, ou seja, o nacionalismo das instituições não era mais o adequado a
pertencer à vida dos grupos sociais de carácter local. Foi com esse duplo processo, de fusão e
separação, que os elementos que compõem a cidadania se confirmaram, tornando-se distintos entre
si, e permitindo a Marshall, então, atribuir o período de formação de cada um de seus três
elementos a um século diferente (cf. Marshall, 1967, p.66).
A definição de cidadania traduz, pelo menos, três características: a) pertença ao Estado
nacional (critério territorial e político); b) reivindicação de direitos e exercício de deveres,
geralmente formulados por um contrato; c) invariabilidade desse status no decorrer do tempo. Na
medida em que o mundo se torna global, novas experiências demandam experiências de
proximidade, seja entre outros seres humanos ou desses com a Natureza. A experiência dos seres
humanos com a Natureza, por sua vez, demanda uma cidadania ambiental. Percebe-se, a partir
desse contexto, como os limites de uma cidadania nacional tornam-se incompatíveis com as

44
responsabilidades transfronteiriças (Staffen & Aquino, 2016, p.1086). Morin (2003, p.63) assevera
que
A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição
humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão. Um cidadão é definido, em
uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação à sua pátria. O que
supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional.
Porém, ainda na esteira de Morin, deve-se passar da ideia de que a cidadania está ligada
apenas ao Estado-Nação para a consciência e o sentimento de pertencermos à Terra e de nossa
identidade terrena. Segundo ele reitera, “a progressão e o enraizamento desta consciência de
pertencer à nossa pátria terrena é que permitirão o desenvolvimento, por múltiplos canais e em
diversas regiões do globo, de um sentimento de religação e intersolidariedade, imprescindível para
civilizar as relações humanas” (Morin, 2003, p.72).
A ideia acima de Morin faz eco à demanda de uma cidadania ambiental, resultante da
experiência dos seres humanos com a Natureza. Civilizar as relações humanas permitirá civilizar
as relações dos homens com os outros seres da Natureza, num acto de verdadeira simbiose, como
preconiza Serres (1994), e de sentimento de pertença da “casa comum”, o planeta em que vivemos.
Para Letria & Letria (2003), ser cidadão é fazer parte de um conjunto, de um colectivo e
partilhar as responsabilidades individuais e de grupo que dão razão de ser a esse colectivo. Na
cidadania cabem a solidariedade com os outros, o respeito pelas suas diferenças, a cortesia na
relação com eles, a que se pode chamar apenas civilidade, a cooperação para ajudar a ultrapassar
problemas e dificuldades, a defesa do ambiente, a higiene e a limpeza, a compreensão dos limites
e da liberdade individual e a ideia de que vivermos em conjunto é uma forma de contrato.
Ao se constatar que a experiência de uma participação plena, seja continental ou global,
não está apenas dentro do Estado-Nação, verifica-se o surgimento de novas formas de actuação
cidadã que consigam traduzir as dimensões de um mundo mais dinâmico e activo que reorganiza
diferentes redes de comunicação, trabalho, educação, artes, entre outros. A cidadania deixa de ser
uma invenção exclusiva do Estado-nação e torna-se variável no tempo e no espaço para assegurar
novos modos de ampliar os efeitos da democracia (Staffen & Aquino, 2016, p.1086).
Os novos modos de ampliar os efeitos da democracia podem ser encontrados na actuação
das organizações da sociedade civil, que se interessam por várias temáticas relativas à vida em
comunidade, uma das quais é relação entre os homens e o meio que os rodeiam. Assim, surgem
novas abordagens sobre a cidadania, entre as quais a da cidadania ambiental, cujo conceito é
desenvolvido no subtópico seguinte.

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Para o surgimento do conceito cidadania ambiental, as organizações da sociedade civil
(ambientalistas) desempenharam um papel preponderante, ao inserir paulatinamente os valores e
as atitudes para qualidade ambiental e a necessidade de mudança nas condutas de trato com o meio
ambiente. As organizações da sociedade civil têm influenciado para inserção, ainda que de forma
gradual, do debate acerca da cidadania ambiental nas agendas políticas nacionais e internacionais.

1.5. Cidadania Ambiental


A reflexão/discussão sobre a cidadania ambiental liga-se à necessidade de se estabelecer
nova atitude diante dos problemas ambientais, uma vez que estes afectam todo o planeta,
colocando em risco a vida humana e dos outros seres da Natureza. Para Waldman, (in Pinsky &
Pinsky, 2013, p.557),
A noção de cidadania ambiental pressupõe o estabelecimento de uma relação mais
harmónica com a natureza. Essa postura deve estar presente em toda a extensão da vida
quotidiana, com cada cidadão exercitando sua responsabilidade ambiental em toda
ocasião que estiver manipulando bens e materiais, buscando a finalidade mais ecológica
possível em cada atitude adoptada no seu dia-a-dia e com consciência do impacto que os
mais simples procedimentos podem provocar no meio natural.

O conceito de Waldman acima transcrito revela que a cidadania ambiental pressupõe a


consideração de aspectos socioeconómicos globais numa reflexão sobre a justiça ambiental. Leite
& Ayala (2004) consideram que cidadania ambiental tem como objectivo comum a protecção
intercomunitária do bem difuso ambiental, fundada na solidariedade e na participação responsável
dos sujeitos políticos na protecção do bem ambiental, em que o cidadão não tem um compromisso
de lealdade nacional, mas tem um compromisso de lealdade ecológica (Leite & Ayala, 2004,
pp.317-318).
O conceito de cidadania ambiental é tão recente quanto a discussão, a nível global, dos
problemas (da crise) ambientais. Pode-se associar o surgimento do conceito cidadania ambiental à
luta dos movimentos ambientalistas pela mudança (positiva) da atitude dos seres humanas em
relação ao meio ambiente.
Segundo Sáiz, Maldonado & García, (2010, p.21), a cidadania ambiental ou ecológica
representa um ponto de ruptura com a concepção clássica de cidadania em três aspectos: “1) a
cidadania ambiental trata de uma noção baseada tanto em direitos, quanto em obrigações; 2) seu
exercício possui importância tanto na esfera pública, quanto na privada; e 3) se dirige a sujeitos
que estão acima do Estado-nação, sendo por isso uma cidadania global ou cosmopolita”. Se, por

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um lado, a cidadania clássica vincula-se à ideia do Estado-nação, por outro, a cidadania ambiental
precisa está projectada para uma dimensão global, uma vez que visa à protecção do meio ambiente
em todo o planeta e a protecção da espécie humana.
Para a presente tese, adoptou-se o conceito acima apresentado de Waldman (2013). A
opção pela adopção do conceito de Waldman como âncora para nossas reflexões deu-se através do
reconhecimento de que a interdependência entre economia, sociedade e ambiente, permeada pela
dimensão política, constitui-se de facto como o ponto nodal na reflexão sobre a educação para a
cidadania ambiental (Baldin & Albuquerque, 2012, p.4).
Para enfrentar os problemas ambientais contemporâneos é imprescindível a discussão de
novas formas de se interpretar e exercer a cidadania, pois, será somente através de mudanças na
forma de se relacionar com o meio ambiente que se poderão amenizar os efeitos da destruição e
garantir um tempo a mais de vida no Planeta Terra. A cidadania ambiental pode ser promovida por
várias mediações, entre as quais as organizações da sociedade civil.

1.6. Sociedade Civil


O debate sobre a sociedade civil não é novo e o conceito é polissémico. Entre os chamados
filósofos contratualistas ou jusnaturalistas modernos do século XVII e XVIII (Thomas Hobbes,
John Locke e Jean-Jacques Rousseau) o conceito foi usado de modo recorrente para contrapor o
(hipotético) estado natural do Homem ao chamado Estado Civil. Numa acepção geral, o Estado
Civil surge como resultado do pacto que os homens estabelecem entre si de modo que cada um
deles prossiga com os seus interesses sem colidir com os dos outros, colocando, para tal, um
soberano para a sua salvaguarda.
Para Hobbes (1974), a sociedade civil nasce como consequência do contrato social entre
os homens. Pelo contrato social, os homens superam o estado natural de guerra de todos contra
todos, buscando e estabelecendo a paz. O Estado de Natureza é um estado de guerra de todos
contra todos. O ser humano, dominado pelas paixões, somente a elas obedece, principalmente
estando elas voltadas para a preservação de si, por meio da busca de bens exteriores. O desejo
humano é orientado como um elemento anti-social; ele, em regra, torna impossível a convivência
em sociedade, em paz. Isto significa que o homem é por natureza mau.

47
Deste modo, só resta ao ser humano um caminho, o de adoptar a busca da paz como guia,
em contraposição à guerra. É este o momento de criação de um vínculo definitivo, de celebração
de um contrato entre todos os homens livres e iguais, a partir da renúncia de seu direito de natureza:
Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal
considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a
todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade
que aos outros homens permite em relação a si mesmo. Porque enquanto cada homem
detiver seu direito de fazer tudo quanto queira, todos os homens se encontrarão numa
condição de guerra. Mas se os outros homens não renunciarem a seu direito, assim como
ele próprio, nesse caso não há razão para que alguém se prive do seu, pois isso equivaleria
a oferecer-se como presa (coisa a que ninguém é obrigado) e não a dispor-se para a paz
(Hobbes, 1974, p.48).
O contrato institui a sociedade e o Estado civil, num mesmo acto, por meio da união de
uma multidão em uma vontade única, delegando o poder absoluto a um soberano, que pode ser um
monarca ou uma assembleia.
Ao contrário de Hobbes, para Locke (1994), o estado de natureza do Homem é de liberdade
absoluta e igualdade. A sociedade e o Estado Civil nascem do direito, que coincide com a razão, a
qual diz que, sendo todos os homens iguais e independentes, ninguém deve prejudicar os outros
na vida, na saúde, na liberdade e na propriedade.
São, portanto, direitos naturais o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à defesa desses
direitos. O fundamento da origem do Estado é a razão e não o instinto selvagem, como queria
Hobbes. Reunindo-se em sociedade, os cidadãos renunciam apenas ao direito de se defenderem
cada qual por conta própria, com o que não enfraquecem, mas fortalecem os outros direitos.
A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e
revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntar-se e
unir-se em uma comunidade, para viverem confortável, segura e pacificamente uns com
outros, num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que
dela não fazem parte (Locke, 1994, p.139).
Os limites do poder do Estado são estabelecidos por aqueles mesmos direitos dos cidadãos
para cuja defesa nasceu. Portanto, os cidadãos mantêm o direito de se rebelarem contra o poder
estatal quando este actua contrariamente às finalidades para as quais nasceu. Por isso, os
governantes estão sempre sujeitos ao julgamento do povo.
Por sua vez, Rousseau (2011), diferentemente de Hobbes, diz que o Homem é por natureza
bom. A época do estado de natureza terminou devido ao progresso da civilização, à divisão do
trabalho, a propriedade privada, criando diferenças irremediáveis entre ricos e pobres, poderosos
e fracos. Para manter a ordem e evitar maiores desigualdades, os homens criaram a sociedade
política, a autoridade e o Estado mediante um contrato, no qual:

48
Cada um, enfim, dando-se a todos, a ninguém se dá; e como em todo sócio adquiro o
mesmo direito que sobre mim lhe cedi, ganho o equivalente de tudo quanto perco e mais
forças para conservar o que tenho (...) cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo
o seu poder sob a suprema direcção da vontade geral, e recebemos enquanto corpo cada
membro como parte indivisível do todo (Rousseau, 2011, p.26).
Esse contrato cede ao Estado parte de seus direitos naturais, os quais podem ser
exemplificados como: o direito à vida, à expressão do pensamento, à locomoção, etc., que são
direitos essenciais, criando uma organização política com vontade própria, que é a vontade geral.
Em suma, o estado civil seria a racionalização do estado natural (com base em relações sociais não
jurídicas), distinta da sociedade política (as instituições do poder soberano) (Bobbio et al, 1998).
Para Bobbio et al (1998, p.1206),
Em sua acepção original, corrente na doutrina política tradicional e, em particular, na
doutrina jusnaturalista, Sociedade civil (societas civilis) contrapõe-se a “sociedade
natural” (societas naturalis), sendo sinónimo de “sociedade política” (em
correspondência, respectivamente, com a derivação de “civitas” e de “polis”) e, portanto,
de “Estado”.
A ideia acima, da contraposição entre sociedade natural e sociedade civil, remete-nos ao
pensamento de que ambas são includentes, isto é, qualquer indivíduo da sociedade natural pode
ser membro da sociedade civil, conquanto aceite viver segundo o preceituado nesta, sendo
necessário, para isso, concordar com os outros na cedência mútua quanto aos direitos e deveres
que permitirão a convivência. Oliveira & Haddad (2001, p.62) dão um salto qualitativo na
abordagem do conceito sociedade civil ao referir que:

Em seu uso mais tradicional, é parte de um binómio e faz contraponto com o Estado.
Corresponde à população de cidadãos, ou esfera privada, e abrange suas variadas formas
de organização e expressão com ou sem fins lucrativos, podendo ser legalmente
constituídas ou espontâneas e informais.
Na perspectiva apresentada por Oliveira & Haddad, todos os indivíduos de um Estado
integram a sociedade civil. A arte de governar, baseada nas virtudes e habilidades humanas do
soberano governante e na aplicação coercitiva de um corpo de leis sobre o povo, passa a ser o
governo dos homens enquanto um conjunto populacional. A ideia de Oliveira & Haddad é
reforçada por Bobbio et al (1998, p.1210), nos seguintes termos:
Na contraposição Sociedade Civil-Estado, entende-se por Sociedade civil a esfera das
relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem à
margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Em outras
palavras, Sociedade civil é representada como o terreno dos conflitos económicos,
ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver, intervindo como
mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as solicitações às quais o sistema
político está chamado a responder; como o campo das várias formas de mobilização, de
associação e de organização das forças sociais que impelem à conquista do poder político.

49
A sociedade civil, portanto, reúne instituições públicas e privadas voltadas à prestação de
serviços e à defesa dos direitos de diferentes grupos da população. É dentro perspectiva que é
pertinente evocar a ideia de Hegel sobre a sociedade civil.
Hegel (1997), na obra Princípios da Filosofia do Direito, revela que a sociedade está
dividida em três momentos distintos e que coexistem: a família, a sociedade civil e o Estado.
Assim, a sociedade civil é o momento intermédio. A sociedade civil é, sob um olhar, produto de
relações estabelecidas entre diversas famílias actuantes autonomamente uma em relação às outras.
Hegel define a sociedade civil nos seguintes termos:
A pessoa concreta, que como particular fim para si, enquanto ela é um todo de carências
e uma mistura de necessidade natural e de arbitrário é um princípio da sociedade civil, -
mas a pessoa particular, enquanto ela está essencialmente em relação à outra tal
particularidade, assim que cada uma se faça valer e se satisfaça mediada pela outra e, ao
mesmo tempo, pura e simplesmente só enquanto mediada pela forma da universalidade,
é o outro princípio. (…) A sociedade civil é a diferença que intervém entre a família e o
Estado, embora a sua formação plena ocorra mais tarde do que a do Estado, pois, como
diferença, ela pressupõe o Estado, que ela, para existir, tem de ter diante de si como algo
subsistente por si. A criação da sociedade civil pertence, de resto, ao mundo moderno,
que, pela primeira vez, faz justiça a todas as determinações da Ideia (Hegel, 1997,
pp.167-168).

Dois princípios norteiam a definição hegeliana de sociedade civil. O primeiro é a pessoa


concreta na sua particularidade, isto é, o sujeito de interesses. O segundo momento é o da
universalidade representada na relação estabelecida entre as particularidades, dentro de um certo
contexto social. Assim, a sociedade civil é o estado exterior das necessidades, uma espécie de
arena, onde ocorre a luta de todos contra todos, à moda da teoria de Hobbes, na satisfação de suas
carências e suas necessidades, embora Hegel situe a luta no campo da sociedade civil burguesa e
não no suposto estado de natureza do jusnaturalismo.
Hegel bifurca o conceito de sociedade civil. Em primeiro lugar, a sociedade civil é
tipicamente burguesa, isto é, económica. Mas a economia não pode usurpar o universal. E, em
segundo lugar, mediante a análise da sociedade civil, procura opor-se a algum suposto estado de
natureza como origem do facto social e da autoridade.
Segundo Hegel, a sociedade civil é o espaço onde ocorrem as relações burguesas. A cidade
assumiu o dever de ser o espaço físico propício para as transacções da indústria burguesa, da
reflexão que se desenvolve e se divide, ou os indivíduos que asseguram a sua conservação por
meio do comércio com outras pessoas jurídicas. (Hegel, 1997). Esta visão de sociedade apresenta-

50
se com uma grande limitação, uma vez que exclui outros membros da sociedade, em geral, da
possibilidade de pertencerem à sociedade civil, uma vez que o foco é a para a burguesia.
Bobbio (1986) refere que Hegel procura amenizar as contradições da sociedade moderna
por intermédio de um Estado ético, proclamando o Estado ou como a forma racional da existência
social do homem, garante da ordem e da paz social ou como árbitro imparcial acima das partes.
Na perspectiva de Hegel, há um optimismo quanto à função do Estado, pois este aparece como
elemento redentor dos conflitos entre necessidade e liberdade. Este optimismo será refutado por
Marx.
Marx (2005) faz uma crítica ao Estado preconizado por Hegel, tendo como consequência
uma visão negativa do Estado, no sentido de que os homens precisam de se emancipar da opressão
do aparelho de Estado. Enquanto Hegel limitava-se ao que é, Marx dá um passo em diante,
sugerindo o que deve ser, contrapondo a sua visão negativa ao optimismo de Hegel. Para Marx
não existe ética nenhuma numa estrutura que oprime o cidadão, no lugar de emancipá-lo das
condicionantes socioeconómicas e culturais.
A razão do Estado nada tem a ver, portanto, com a divisão da matéria do Estado em
família e sociedade civil. O Estado provém delas de um modo inconsciente e arbitrário.
Família e sociedade civil aparecem como o escuro fundo natural donde se acende a luz
do Estado. Sob a matéria do estado estão as funções do estado, bem entendido, família e
sociedade civil, na medida em que elas formam partes do Estado, em que participam do
estado como tal. [...] A família e a sociedade civil são apreendidas como esferas
conceituais do Estado (Marx, 2005, p.29).
Marx (2005) vê a sociedade civil como um espaço onde, essencialmente, dão-se as relações
económicas, sendo por isso um lugar dos conflitos de classes advindos dessas relações. Assim, o
Estado representa os interesses da classe economicamente hegemónica (dominante). A sociedade
civil é a base da análise da economia política. Sendo conduzido pela classe dominante, o Estado
exerce apenas a função de reproduzir o poder da classe que domina o mundo da economia.
Relativamente ao que se disse no parágrafo anterior, Marx distancia-se de Hegel, pois para
ele (Hegel) a sociedade civil não se reduz ao campo meramente económico, uma vez que vai além
disso, apresentando-se como esfera da administração e da justiça social, enquanto para Marx, a
sociedade civil é um campo da disputa pelo domínio da produção, onde se evidencia a relação de
troca entre capital e trabalho. Apesar das diferenças entre Marx e Hegel, algumas convergências
podem ser assinaladas: 1) o vínculo social tem sua raiz nas necessidades/carências de cada
indivíduo; 1) o trabalho apresenta-se como fundamento da sociedade; 3) a sociedade civil é um
campo de tensões.

51
Em forma de síntese do debate entre Hegel e Marx, socorremo-nos em Bobbio, nos
seguintes termos:
Em outras palavras, a sociedade civil do modelo hegelo-marxiano cobre a área de uma
primeira e fundamental dimensão da sociedade moderna, em cujo interior os sujeitos
singulares, tornados livres como indivíduos autônomos graças à dissolução dos antigos
vínculos de dependência pessoal, ligam-se necessariamente entre si, para aquem da
dimensão política, com base em seus próprios carecimentos, interesses e finalidades
privadas. Nesse sentido, a bürgerliche Gesellschaft é “por natureza”, e não “por
convenção” como a societas civilis, a qual, por isso, aparece como uma instituição
artificial (Bobbio, 1986, p.147).
Tanto Hegel como Marx revelam uma limitação na abordagem do conceito sociedade civil,
ao restringirem a sua análise ao campo económico, do trabalho e de conflitos, resultando numa
visão de hegemonia dependente do poderio económico. Já no século XX, António Gramsci, ao
tecer considerações sobre a temática da sociedade civil, dá um passo de avanço qualitativo.
Gramsci, ao abordar a relação entre Estado, sociedade civil e mercado não só retoma o debate entre
Hegel e Marx sobre a sociedade civil, mas também o actualiza e o potencializa, acrescentado de
uma ideia de Estado ampliado e do importante papel desempenhado pelos intelectuais. Nos
Cadernos do Cárcere, onde Gramsci disserta sobre o conceito de sociedade civil, há dois
elementos básicos: (1) a concepção ampliada de Estado e (2) conceito de hegemonia.
Conforme as palavras de Gramsci, “ na noção geral de Estado entram elementos que devem
ser remetidos à noção de Sociedade Civil (no sentido, seria possível dizer, de que
Estado=sociedade política+sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção) ” (Gramsci,
2007, p.244). Gramsci usa o conceito sociedade civil para mostrar o conjunto de organizações
privadas responsáveis pelas operações de hegemonia. Gramsci faz a seguinte observação:
Este estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que comummente
é entendido como Sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para amoldar a
massa popular ao tipo de produção e à economia de dado momento) e não como um
equilíbrio da Sociedade política com a Sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social
sobre a sociedade nacional inteira exercida através das chamadas organizações privadas,
como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.), e justamente na sociedade civil em
particular operam os intelectuais (Gramsci, 2007, p.224).
Segundo Gramsci, seria possível dizer que todos os homens são intelectuais, mas nem todos
os homens têm na sociedade a função de intelectuais, pois formam-se, historicamente, categorias
especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos
sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações
mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. Sobre os intelectuais, Gramsci
(2001, p.15-16) aponta o seguinte:

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1) Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da
produção económica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no
campo económico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria consigo
o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura,
de um novo direito, etc.
2) Todo grupo social “ essencial”, contudo, emergindo na história a partir da estrutura
económica anterior e como expressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou —
pelo menos na história que se desenrolou até nossos dias — categorias intelectuais
preexistentes, as quais apareciam, aliás, como representantes de uma continuidade histórica
que não foi interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das
formas sociais e políticas. A mais típica destas categorias intelectuais é a dos eclesiásticos,
que monopolizaram durante muito tempo (numa inteira fase histórica, que é parcialmente
caracterizada, aliás, por este monopólio) alguns serviços importantes: a ideologia religiosa,
isto é, a filosofia e a ciência da época, com a escola, a instrução, a moral, a justiça, a
beneficência, a assistência, etc.
Na perspectiva de Gramsci, os intelectuais têm um papel importante na organização e
elaboração da cultura de uma sociedade, capaz de construir hegemonias. As organizações da
sociedade buscam obter o consenso de uma larga massa ou da sociedade inteira, originando-se
uma luta pela hegemonia cultural e política sobre a sociedade.
De Mari (2011) diz que Gramsci define as duas categorias de intelectuais, a orgânica,
proveniente da classe social que o gerou, tornando-se seu especialista, organizador e
homogeneizador e a tradicional que acredita estar desvinculado das classes sociais. São os que
nascem numa determinada classe e cristalizam-se, tornando-se casta, como exemplo mais típico
os clérigos.
Na formação dos intelectuais, Gramsci (2001) destaca o papel desempenhado pela escola.
Segundo Gramsci, a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A
complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objectivamente medida pela
quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a “ área”
escolar e quanto mais numerosos forem os “graus verticais” da escola, tão mais complexo será o
mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado.
Gramsci (2001) discute o papel dos intelectuais como os que fazem as relações entre as
diferentes classes sociais possibilitando uma visão de mundo mais unitária e homogénea. Gramsci
destaca que todas as camadas sociais possuem seus intelectuais, uns sendo profissionais, outros
inclusos nesta categoria apenas por participarem de determinada visão de mundo.
Os intelectuais possuem uma função orgânica bastante importante no processo da
reprodução social, na medida em que ocupam espaços sociais de decisão prática e teórica. Mas a
principal função destes se encontra na formação de uma nova moral e uma nova cultura, que podem

53
ser entendidas também como uma contra-hegemonia, já que o objectivo final das lutas
organizativas seria, no seu momento histórico, o socialismo.
Segundo Angeli (2011), aqui, dois princípios básicos são instituídos: primeiro, trata-se da
adesão voluntária e da iniciativa do indivíduo e dos grupos sociais e não da ordem instituída pelo
Estado. Segundo, não é da ordem da coerção, mas do consenso, do consentimento, através do
diálogo chega-se à obtenção do consentimento. Para obtê-lo, um grupo social deve usar com
sabedoria a capacidade de ser hegemónico e fazer-se portador de um projecto universal: dos de
baixo.
Para Violin (2006), Gramsci entende que a sociedade civil pertence ao momento da
superstrutura e não ao da estrutura, pois retira a sociedade civil da estrutura económica (como
aparece em Hegel e Marx) e integra-a à superstrutura. Assim, a sociedade civil já não é, como em
Marx, o momento das relações económicas, mas das relações ideoculturais e políticas, como
atestam as palavras de Gramsci:
É preciso distinguir a sociedade civil tal como é entendida por Hegel e no sentido que é
muitas vezes usada nestas notas (isto é, no sentido de hegemonia política e cultural de um
grupo social sobre toda a sociedade, como o conteúdo ético do Estado) do sentido que lhe
dão os católicos, para os quais a sociedade civil, ao contrário, é a sociedade política ou o
Estado, em oposição à sociedade familiar e à igreja (Gramsci, 2007, p.225).
Fontes (2010, p.132) refere que o teórico italiano interrogou-se triplamente sobre o
conceito de sociedade civil: primeiro, buscando desvendar como se organizava e se exercia a
dominação das classes nos países capitalistas mais desenvolvidos; em seguida, investigando sob
que condições os grupos dominados realizavam suas lutas, direccionando-as para a superação do
capitalismo; e, finalmente, ao reaproximar sua reflexão sobre o Estado das formas de organização
social, com vista a um projecto político que resultasse na plena realização dos indivíduos. Esta
ideia é confirmada pelo próprio Gramsci ao referir que:
Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da
produção económica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais
camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não
apenas no campo económico, mas também no social e no político (Gramsci, 1982, p.3).
Tendo em conta a citação acima, a questão que se coloca ao se abordar a temática da
sociedade civil é que o conceito de sociedade civil em Gramsci é inseparável da noção de
totalidade, cuja concepção original encontra-se em Marx & Engels (2005), relativa à luta entre as
classes sociais e suas fracções. É por esta razão que o conceito de sociedade civil está também
ligado às relações sociais de produção, às formas de produção da vontade colectiva e ao papel que
em ambas desempenha o Estado.
54
Gramsci parte do conceito de sociedade civil para demonstrar que a classe dominante não
mantém a hegemonia apenas mediante a coerção, mas, também, por intermédio do consentimento.
Os intelectuais assumiriam nesse processo um papel fundamental, isto é, difundir e conservar a
concepção do mundo que atende aos interesses das classes proprietárias. Segundo Gramsci,
A partir desta concepção da função dos intelectuais, segundo penso, esclarece-se a razão
ou uma das razões da queda das comunas medievais, isto é, do governo de uma classe
económica que não soube criar a sua própria categoria de intelectuais e portanto exercer
uma hegemonia além de uma ditadura; (...) As comunas foram, portanto, um estado
sindicalista que não conseguiu superar esta fase tornando-se Estado integral como em vão
indicava Maquiavel, que através da organização do exército queria organizar a hegemonia
das cidades sobre o campo (Gramsci, 2007, p.224).
Assim, a sociedade civil constitui-se numa das bases que institui o conceito de Estado
integral ou ampliado em Gramsci, ligado à ideia de sociedade política, ambos integrando a ideia
marxista de totalidade, indissociável e orgânica.
A essência do conceito de sociedade civil em Gramsci refere-se à organização e à produção
de vontades colectivamente organizadas, que implicam em visões de mundo, em consciências
sociais e em formas de ser adequadas ou opostas aos interesses burgueses. Mendonça (s/d, p.3)
assevera que a materialidade institucional específica da sociedade civil consiste num conjunto de
aparelhos privados de hegemonia, instâncias de associação voluntária, de diversas empresas e
instituições estatais, dotadas de formatos variados que vão desde clubes a jornais, associações de
moradores, revistas, etc., que espelham a própria complexificação da sociedade capitalista e a
pluralização dos interesses nela presentes, tanto de grupos dominantes quanto de grupos
dominados.
Mendonça (s/d, p.3) acrescenta que um dado, todavia, unifica todos esses aparelhos: todos
são formas organizativas que se referem às formas de produção económica (infra-estrutura) e
política (Estado), ainda que sua actuação seja basicamente cultural, ou seja, a busca de organização
de vontades colectivas, calcadas em valores e eticidade próprios, em prol da afirmação de projectos
que se tornem hegemónicos. Daí a importância dos intelectuais, responsáveis tanto pela
organização das vontades colectivas, quanto pela estruturação do convencimento para o exercício
da hegemonia ou contra-hegemonia.
Cabe ainda ressaltar (de acordo com Mendonça, s/d, p.3) que a sociedade civil em Gramsci
quer em seu registo de conjunto de aparelhos privados incumbidos da articulação do consenso,
quer em seu registo de espaço da actividade económica, que jamais foi por ele descartado, contém

55
uma relação de unidade-distinção com a sociedade política, ou seja, configurando o Estado
Ampliado ou Integral.
Como aponta Bianchi (2008, p.184), por manterem - a sociedade civil e a sociedade política
– uma relação de unidade-distinção, elas configuram dois planos super postos que só podem ser
segmentados com finalidades puramente analíticas. Por tal motivo, Gramsci destacava que a
“unidade” entre Estado e sociedade civil é sempre “orgânica” e que a “distinção” é apenas
metódica.
Bianchi (2008, p.185) diz que é a não compreensão dessa unidade orgânica entre sociedade
civil e sociedade política que leva determinados autores a afirmarem que Gramsci caracteriza a
sociedade civil como esfera autónoma do Estado, sem levar em conta o cunho dialéctico e orgânico
de todas as díades gramscianas, como coerção e consenso, por exemplo. Assim, não há oposição
entre sociedade civil e Estado restrito em Gramsci.
Partindo da ideia acima, pode-se inferir que a sociedade civil é um duplo espaço da luta de
classes sociais, através das organizações nas quais são moldadas as vontades colectivas e através
das formas de dominação transmitem ideias e atitudes de persuasão e de consenso. É por isso que
Mendonça (s/d, p.3) conclui dizendo que qualquer modificação na correlação de forças vigente na
sociedade civil, dentro ou entre aparelhos privados de hegemonia distintos tem, necessariamente,
repercussões junto à sociedade política e aos organismos estatais, em particular.
Na relação ampliada entre Estado restrito e sociedade civil, reforça Mendonça (s/d, p.4), a
persuasão é exercida numa dupla direcção: dos aparelhos privados de hegemonia rumo à ocupação
das agências do Estado restrito, e, inversamente, da sociedade política e da coerção em direcção
ao fortalecimento da direcção das fracções de classes dominantes através da sociedade civil,
reforçando, a partir do próprio Estado restrito, seus respectivos aparelhos privados de hegemonia.
Sendo que a hegemonia de uma classe fortalece-se com sua capacidade de organizar e
dirigir o consenso dos subalternos, e que para isso contribui fortemente papel do Estado restrito,
Gramsci afirma que
O partido político, para todos os grupos, é precisamente o mecanismo que realiza na
sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado, de modo mais vasto e mais
sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a soldagem entre intelectuais
orgânicos de um dado grupo dominante e os intelectuais tradicionais; e esta função é
desempenhada pelo partido precisamente na dependência de sua função fundamental, que
é a de elaborar os próprios componentes, elementos de um grupo social nascido e
desenvolvido como “económico”, até transforma-lo em intelectuais políticos qualificados,
dirigentes, organizadores de todas as actividades e funções inerentes ao desenvolvimento
orgânico de uma sociedade civil, integral e política (Gramsci, 2001, p.24).

56
Mendonça (s/d, p.4) diz que uma observação, entretanto, faz-se imperiosa: para o filósofo
italiano, a maior ocidentalização – ou seja, a complexificação da sociedade civil – longe está de
equivaler ao maior protagonismo dos subalternos. Para Liguori (2007, p.54), na visão gramsciana:
A sociedade civil é uma arena privilegiada da luta de classes, uma esfera do ser social em
que se dá uma intensa luta pela hegemonia e, precisamente por isso, não é o ‘outro’ em
relação ao Estado, mas – junto com a sociedade política, isto é, o ‘Estado-coerção’ – um
dos seus inelimináveis momentos constitutivos. Para Gramsci, nem tudo que parte da
sociedade civil é bom (nela não prevalece a ‘lei da selva’?) e nem tudo que vem do Estado
é mau (ele pode expressar instâncias universais que se originam na luta das classes
subalternas, pode servir de barreira contra as forças abusivas dos ‘poderes fortes’, pode
ser instrumento capaz de redistribuir recursos segundo critérios de justiça). Só uma
análise histórica concreta das relações de força presentes em cada momento pode definir,
da perspectiva das classes subalternas, às quais Gramsci jamais deixou de se referir, a
função e as potencialidades positivas ou negativas tanto da sociedade civil quanto do
Estado.
No entanto, como reitera Mendonça (s/d, p.5), se a luta pelas hegemonias em Gramsci não
é apenas uma luta entre visões de mundo, mas igualmente uma luta entre as agências que dão
suporte material a essas ideologias, articulando o consenso das grandes massas, é óbvio que os
cortes classistas e suas divergências atravessam as próprias agências, muitas vezes contrapondo-
as umas às outras. Neste sentido, a sociedade civil guarda não somente forte dose de
conflitualidade, como também de coerção, equivocando-se os que a tratam como mero “espaço de
liberdade”, pelo simples facto de situar-se em âmbito distinto do Estado restrito.
Segundo Mendonça (s/d, p. 5), para Gramsci, a conflitualidade tratava-se de assinalar, em
seu próprio tempo, a crescente dificuldade de se suplantar um sistema de dominação de classe
como aquele vigente sob o Capitalismo Ocidental, onde o poder de classe não se encontrava
concentrado, de forma tão visível, no Estado em sentido restrito, porém difundido por toda a
sociedade, através da proliferação das “casamatas do capitalismo”, os aparelhos privados de
hegemonia, contidos na Sociedade Civil, por intermédio de suas práticas culturais e ideológicas.
Mendonça (s/d, p.6) diz que o que muitos hoje chamam de Sociedade Civil aponta para
mudanças teórico-políticas tão profundas, quanto dramáticas. Em primeiro lugar, esta nova
“sociedade civil” parece ter perdido, por completo, seu sentido anticapitalista, assumindo
significação oposta. Esse conceito tão banalizado em nossos dias acaba por servir a tantos fins que
se torna difícil isolar uma só corrente de pensamento a ele associada ainda que, em sua esteira,
existam certos temas recorrentes. É neste sentido que, segundo Mendonça (s/d, p.6),
De maneira geral, a noção de “sociedade civil” passou a ser utilizada para delimitar “o”
espaço potencial de liberdade fora do Estado onde, teoricamente, predominam a
autonomia e a associação voluntária e plural – sem que qualquer distinção seja feita entre
uma empresa, um aparelho privado de hegemonia ou uma ONG. Dessa feita, a

57
apropriação actual do conceito enfatiza a pluralidade das relações e práticas sociais,
apesar de teimar em definir a “sociedade civil” a partir de oposições dicotómicas tais
como Estado versus espaço não-Estatal (via de regra presidido pelo mercado) ou ainda
“Poder Político” versus “Poder Social”, dentre outras.
Nesta “nova” leitura da Sociedade Civil, opera-se uma polarização que opõe a coerção –
apanágio exclusivo do Estado – à liberdade e acção voluntária – apanágios da Sociedade Civil,
como se esta somente contivesse o bem, o consenso, o idealizado. É por isso que Fontes (2010,
p.230) observa o seguinte:
Nessa nova reapropriação, o conceito de “sociedade civil” – e, por extensão, o de Estado
- ganham roupagem nova, celebrando a pluralidade e a diversidade contidas num sem
número de novas instituições e relações sociais de tipo diverso, tradicionalmente não
contempladas pelo marxismo. A Sociedade Civil transmuta-se, assim, numa “noção
guarda-chuva” que a tudo é capaz de abrigar, desde ONG’s até entidades filantrópicas
cujos gestores são remunerados por sua actividade.
O Estado, assim, pode ser identificado com uma nova cultura em que indivíduos de um grupo
social desenvolvem esforços para criar um novo tipo de homem e de cidadão, acção essa em articulação
com a sociedade civil e com o sujeito individual, quando agindo na perspectiva orgânica.
A afirmação de que o Estado se identifica com os indivíduos (com os indivíduos de um
grupo social), com elemento de cultura activa (isto é, como movimento para criar uma
nova civilização, um novo tipo de homem e de cidadão), deve servir para determinar a
vontade de construir, no invólucro da sociedade política, uma complexa e bem articulada
sociedade civil, em que o indivíduo particular se governe por si, sem que, por isto, este
seu autogoverno entre em conflito com a sociedade política, tornando-se, ao contrário,
sua normal continuação, seu complemento orgânico (Gramsci, 2001, vol. 3, p.279).
Rodrigues (2015, p.4) observa que, mais do que uma estrutura burocrática de controlo e de
regulação, com funções clássicas de legislar, administrar e julgar, como estamos acostumados a
observar no mundo contemporâneo, Gramsci, ao falar de Estado, insere uma nova função estratégica,
a de determinar uma “directriz política”, que significa também um novo modo de produção.
É nesse sentido que o Estado se apresenta como uma revolução ou nova ordem intelectual e
moral, que busca realizar um projecto, uma realidade possível, que age na dimensão de uma realidade
a ser buscada, caracterizada pelo “dever ser”, enfim uma acção política real, a redefinição do modo de
produzir na sociedade, baseado na relação de forças, dividida em três momentos (Gramsci, 2007, p.40-
44).
Segundo Gramsci (2007, p.40), o primeiro momento, ou mesmo o primeiro grau das
“relações de força”, é certificar-se das condições necessárias e suficientes para uma transformação.
Trata-se de verificar as condições dadas naquele momento, de modo objectivo identificar a
realidade material que não se pode modificar: o número das empresas e de seus empregados, o
número da população.

58
O segundo momento é avaliar o grau de homogeneidade, de autoconsciência e de
organização alcançado pelos vários grupos sociais. Este momento decorre em três etapas, a saber
(Gramsci, 2007, pp.40-41): a primeira é da consciência colectiva e é também a mais elementar,
quando um grupo percebe a necessidade de prestar solidariedade entre seus membros; a segunda
etapa é do surgimento da questão inicial do Estado, quando o grupo atinge a consciência de
solidariedade em torno de interesses de todos os membros do grupo social.
Na segunda etapa, defende-se, por exemplo, o direito de participar da formulação das leis
e da gestão social; a terceira etapa é estritamente política, quando o grupo atinge um grau de
consciência em que os interesses corporativos são superados em relação aos interesses de outros
grupos subordinados. É a passagem nítida da estrutura para a esfera da superstrutura, fase em que
há uma unidade intelectual e moral, as lutas deixam de ser corporativas e ganham sentido
“universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social sobre uma série de grupos
subordinados.
A terceira etapa explicita o Estado, um organismo próprio de um grupo, destinado a criar
as condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, isto é, o grupo dominante é coordenado
concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como
uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses
do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados (Gramsci, 2007, pp. 41-42).
Para Rodrigues (2015, p.12), é nesta etapa que se cria condições para o exercício da
hegemonia. Essas condições pressupõem a consideração por parte do grupo dirigente, aos
compromissos, em especial a questão ético-política, que caracteriza essencialmente o processo de
hegemonia.
Sobre a ideia supracitada de Gramsci, Rummert (1986, p.2) refere que o trabalho
pedagógico assume grande importância, na teoria gramsciana, uma vez que é através dele que se
poderá conduzir o homem a uma prática social coerente, unitária e capaz de forjar as
transformações históricas e também a prática pedagógica, verificada no seio das sociedades
fundadas no antagonismo entre as classes sociais fundamentais, que irá plasmar, de forma acrítica
e desagregada, a consciência do homem, alijando-o, consequentemente, de uma participação activa
em seu tempo histórico.
Da ideia acima de Rummert, sobre o trabalho pedagógico, pode-se dizer que a prática
pedagógica e as relações pedagógicas exercem uma certa influência na formação de grupos de

59
indivíduos que buscam lutar pela conquista ou partilha da hegemonia nas decisões que dizem
respeito às sociedades. Estes grupos acabam se transformando em movimentos sociais e
instituições que se localizam quer na esfera privada quer na pública e tem como objectivo intervir
no sector do mercado e no sector do Estado (cf. Cohen & Arato, 2000).
Para a presente tese, o conceito de sociedade civil adoptado resulta da fusão das
ideias/definições de Bobbio e Gramsci, nos seguintes termos: Sociedade civil é a esfera das
relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais (campo das várias formas de
mobilização, de associação e de organização das forças sociais que impelem à conquista do poder
político), que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições
estatais. A sociedade civil é o Estado ampliado, é o conjunto de organizações privadas
responsáveis pelas operações de hegemonia, onde operam os intelectuais enquanto intelectuais
sem nenhuma ligação ao aparelho de administração directa do Estado.
Segundo Ballestrin & Losekann (2013, p.181), “O conceito de sociedade civil foi
rearticulado pela Teoria Política nas últimas décadas do século XX, vinculando-se directamente
nos contextos redemocratizados com as noções de espaço público, cidadania, deliberação e
participação política”.
Dentro da sociedade civil, como Gramsci já fez referência, existem várias instituições, das
quais, de modo particular, destacam-se, actualmente, as Organizações da Sociedade Civil (OSC’s),
termo usado para referir-se aos actores colectivos que expressam um sem-número de causas e
interesses difusos da população, frequentemente vinculados ao exercício mesmo da cidadania
(Oliveira & Haddad, 2001, p.62). Dentro das OSC’s, encontram-se aquelas que se dedicam aos
problemas ambientais, incluindo nas suas actividades a educação para a cidadania ambiental. As
Organizações da Sociedade Civil ambientalistas são entidades privadas com fins públicos, sem
fins lucrativos e com alguma participação voluntária que actuam em problemas socioambientais.
Seu foco de acção é impedir a degradação ambiental e promover formas sustentáveis de
desenvolvimento (Tristão & Tristão, 2016, p.52).
Em forma de conclusão da conceituação acima, sem nos ancorarmos (referência) a nenhum
autor ou a uma teoria específica, mas a título de síntese das diferentes abordagens apresentadas ao
longo deste capítulo, como resultado do nosso entendimento, podemos dizer que:
1) O conceito de educação é bastante amplo, pois engloba uma diversidade de significados.
Porém, todos eles apontam para a educação como um processo de socialização dos indivíduos,

60
possibilitando o desenvolvimento individual, a produção e a reprodução social, cultural e a
sobrevivência humana;
2) O meio ambiente é um conjunto de elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos
(flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o
Homem, individual e socialmente, num processo de interacção que atenda ao desenvolvimento das
actividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do meio
envolvente, dentro das leis da Natureza e de padrões de qualidade definidos. Portanto, o meio
ambiente é o resultado das relações de interacção entre sociedade e natureza em determinados
tempos e espaços concretos.
3) A Educação Ambiental é um processo de aprendizagem e de acção educativa
permanentes, através do qual indivíduos e comunidades adquirem a consciência de que são parte
integrante do meio ambiente, além de conhecimento, habilidades, experiências, valores e a
determinação que os torna capazes de agir individual ou colectivamente, na busca de soluções para
os problemas ambientais presentes e futuros;
4) A Cidadania é o processo histórico-social mediante o qual a massa humana consegue
forjar condições de consciência, de organização e de elaboração de um projecto que lhe permite
deixar de ser massa e passar a ser povo, como sujeitos históricos capazes de implementar o projecto
elaborado;
5) A Cidadania ambiental é o efeito relacionado com o processo de aperfeiçoamento da
pessoa numa determinada condição de trato como meio ambiente, passando para uma outra
relativamente melhor;
6) A Sociedade Civil é a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes
sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições
estatais. É o campo das várias formas de mobilização, de associação e de organização das forças
sociais que impelem à conquista do poder político.

2. A Emergência do Problema Ambiental e os Principais Problemas Ambientais Globais do


Mundo Contemporâneo
A mudança do paradigma explicativo da realidade ocorrida na passagem da Idade Média
para a Idade Moderna (do teocentrismo para o antropocentrismo), na Europa, trouxe
transformações profundas na vida humana nas suas variadas vertentes. Habermas (2002, p.9) refere

61
que “A descoberta do ‘Novo Mundo’ assim como o Renascimento e a Reforma, os três grandes
acontecimentos por volta de 1500, constituem o limiar histórico entre a época moderna e a
medieval.”
O apelo à razão humana e à liberdade (com o Renascimento, o Iluminismo e a Revolução
Francesa) como a ferramenta fiável para compreender toda a realidade conduziu os homens a novas
maneiras de se relacionar com a Natureza e, por consequência, uma intervenção cada vez mais
acentuada sobre ela. Um dos marcos deste processo de mudanças foi a Revolução Industrial, no
século XVIII, que catalisou a ideia de que o homem caminharia num progresso doravante rumo à
emancipação em relação à Natureza. Sobre a ideia do progresso, Habermas (2002, p.19), citando
Koselleck, diz que “a época moderna só se deixa compreender como um tempo novo desde que as
expectativas começam a se afastar cada vez mais de todas as experiências feitas até então.”
Habermas (2002, p.19) reitera que o lugar dessas experiências legadas pelas gerações
precedentes é ocupado então por aquela experiência do progresso, que confere ao horizonte de
expectativa, até ai ancorado com firmeza no passado, uma qualidade histórica nova, que sempre
pode ser encoberta pela utopia. Assim, a ideia de progresso serviu não apenas para a secularização
de esperanças escatológicas e a abertura utópica do horizonte de expectativas, mas também para
mais uma vez obstruir, com o auxílio de construções teleológicas da história, o futuro visto como
fonte de inquietude. Segundo Gonçalves (2009, pp.118-119),
A ciência mostrava aos filósofos da ilustração, os principais arautos da modernidade
moderna, que a história caminhava no sentido da superação de todas as contradições da
existência, em direcção ao progresso geral e humano seria através do progresso da técnica
que se chegaria ao progresso geral.
Esta ideia de progresso foi desenvolvida nos séculos subsequentes, em que os homens
criaram uma imagem do que possivelmente seria o futuro humano, uma imagem de um novo
paraíso à maneira humana (superação de todos os problemas tidos como obstáculos para o
progresso humano), iludidos pela evolução tecnocientífica, particularmente a evolução
tecnológica, que permitiu um crescimento rápido no que diz respeito ao conhecimento do universo,
em particular do nosso planeta (Terra).
A ilusão tecnocientífica acima descrita encontra um dos seus fundamentos na obra utópica
de Francis Bacon, A Nova Atlântida, na qual faz-se uma descrição/representação do futuro da
humanidade e do universo, onde seria feito tudo o que fosse possível, permitido pelas leis da
Natureza. A Nova Atlântida é uma espécie de antevisão de um mundo novo, representado por uma

62
ilha onde a investigação científica estava perfeitamente organizada, havendo uma preocupação
clara com aplicações e o uso destas para o benefício da sociedade em geral (Bacon, 1976).
Sobre a ilusão tecnocientífica descrita anteriormente, Gonçalves (2009, p.118) refere que:
A teoria da representação, como nova concepção de mundo do homem ocidental, também
foi o germe de uma ideia ainda cara para contemporaneidade: a ideia do progresso. O
entendimento de que o objecto do conhecimento depende da representação feita pelo
sujeito levou a que o mesmo sujeito considerasse que a construção da realidade em
movimento – a história - dependia de si próprio e de sua praxis. Também seria a partir do
seu agir que o homem moderno poderia edificar um mundo à sua medida, através da
ciência.
Mas a realidade, ao longo do tempo, mostrou e mostra-nos um cenário contrário, chegando
até a apresentar situações contraditórias do que seria o mundo neste “futuro presente”. A Terra
está cada vez mais superpovoada, parece que a guerra de todos contra todos, no estado natural
preconizado por Hobbes (1974) retornou: a disputa pelos cada vez mais escassos recursos para
muitas pessoas aumenta e provoca guerras fratricidas; a degradação da Terra está em contínua
aceleração, o que por vezes, senão muitas vezes, provoca medo quando se pergunta como é que a
vida será no futuro; o meio ambiente está em contínua destruição e muitos recursos escasseiam
com permanente predominância.
Aos problemas do passado, da destruição do ambiente, da opressão dos povos, da
escravatura, da colonização, das guerras civis, da corrida para o armamento nuclear, que não foram
resolvidos, acrescentamos outros novos ligados às consequências nocivas de uma história ética
egoísta, antropocêntrica, anti-natureza, cujos efeitos não só ameaçam a existência de várias
espécies animais e vegetais, não só provocam o esgotamento dos recursos, mas também, e
sobretudo, ameaçam a continuidade da espécie humana na face da Terra, pelo menos tal como a
conhecemos hoje. Hoje, entramos numa nova temática, que têm provocado conflitos entre os
países: as mudanças climáticas, influenciadas em grande parte pelo alto nível de emissão de gases
industriais por parte dos países mais industrializados, que não raras vezes negam-se assinar os
protocolos e assumir a responsabilidade da redução dos níveis de emissão dos gases.

2.1. A emergência da problemática ambiental contemporânea


Entre as décadas de 1960 e 1970 ocorreram várias catástrofes ecológicas de grande
dimensão que iriam mudar a consciência humana no que diz respeito ao seu meio ambiente. Alguns
exemplos destas catástrofes foram (cf. Paraná Ambiental-online: disponível em
https://www.paranaambiental.com.br/noticia/1/os-09-maiores-acidentes-ambientais-da-historia):

63
O acidente marítimo de 1967, em que o petroleiro Torrey Canyon afunda-se, em recifes,
próximo da costa da Inglaterra, provocando um derrame da sua carga, que poluiu vários
quilómetros das costas, belgas, britânicas e francesas, levando, assim, a uma reflexão em busca de
uma resposta face ao ocorrido;
Seveso – Itália (1976) - tanques de armazenagem na indústria química ICMESA romperam,
libertando vários quilogramas da dioxina TCDD (2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina) na
atmosfera e o produto espalhou-se por grande área na planície Lombarda, entre Milão e o Lago de
Como. Devido à contaminação, 3000 animais morreram e outros 70000 animais tiveram que ser
sacrificados para evitar a entrada da dioxina na cadeia alimentar;
Three Mile Island – Pensilvânia – Estados Unidos (1979) - o acidente ocorrido em 28 de
Março de 1979, na usina nuclear de Three Mile Island, estado da Pensilvânia nos Estados Unidos,
foi causado por falha do equipamento devido o mau estado do sistema técnico e erro operacional.
Um dia depois foi medida a radioactividade em volta da usina que alcançava até 16 quilómetros
com intensidade de até 8 vezes maior que a letal;
Mas antes da década de 1960, em 1945, o fim da II Guerra Mundial, foi marcado por um
desastre com repercussões planetárias, referimo-nos ao lançamento das bombas atómicas em
Hiroshima e Nagasaki. A partir destas catástrofes e outras, surge, entre os anos 60 e 70, um debate
político e social sobre a protecção do meio ambiente e dos direitos do Homem. Sobre o debate à
volta da protecção ambiental, Fernandes & Sampaio (2008, p.89) referem que
A problemática ambiental, que começou a ser percebida a partir da década de 1960, é,
actualmente, amplamente discutida, principalmente nos meios académicos, como
relacionada ao modo de vida das sociedades ocidentais, no que se refere à produção e
consumo e, portanto, aos problemas sociais e económicos. É construída e definida
teoricamente, nos meios académicos, como uma problemática eminentemente social que
surge da forma como a sociedade se relaciona com a natureza – a problemática ambiental
como problemática económica, social, cultural e espiritual, dependendo da corrente
teórica e académica.
Em 1968, a Assembleia Geral das Nações Unidas exprime a sua preocupação em relação
aos impactos das mudanças repentinas do meio sobre a condição humana, o seu bem-estar físico,
mental, social e a possibilidade que lhe é dada de usufruir dos seus direitos fundamentais. No
mesmo ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas convoca a Conferência Internacional dos
Direitos do Homem (Teerão, 1968) em que se pedia um equilíbrio entre o progresso técnico-
científico e a elevação intelectual, espiritual, cultural e moral da humanidade. Foi nesta conferência

64
que, pela primeira vez, a Assembleia da ONU chamou à atenção para a interdependência entre a
protecção do ambiente e os direitos humanos.
Desta ideia, podemos avançar o seguinte: o problema ambiental surge como consequência
da relação desequilibrada que a sociedade, o ser humano, estabelece com a natureza. Em grande
parte, esta relação desequilibrada tem um móbil económico que conduz à degradação, de modo
particular, do planeta Terra. Nesta perspectiva, em muitas situações, a cidadania fica “amputada”
numa das vertentes fundamentais, que permitem a sobrevivência do Homem: a consideração pela
natureza ou pelo meio ambiente como “parceiro” incontornável da realização humana.
Os acontecimentos dos anos 60 levaram a tomada de consciência da relação directa entre a
vida, qualidade desta, saúde e ambiente, fazendo com que a década seguinte fosse marcada pela
formação de diversas organizações internacionais, com a finalidade de discutir os problemas
ambientais a nível global. Esta época marcou o início de uma intensa produção de legislação com
vista à protecção do meio ambiente, que tem como um dos pilares a reforma do conceito cidadania
e a sua prática. Para Jacobi (2003, p.192),
(...) a problemática ambiental constitui um tema muito propício para aprofundar a reflexão
e a prática em torno do restrito impacto das práticas de resistência e de expressão das
demandas da população das áreas mais afectadas pelos constantes e crescentes agravos
ambientais. Mas representa também a possibilidade de abertura de estimulantes espaços
para implementar alternativas diversificadas de democracia participativa, notadamente a
garantia do acesso à informação e a consolidação de canais abertos para uma participação
plural.
A ideia acima remete-nos à possibilidade do alargamento dos espaços de reflexão sobre a
problemática ambiental, alargando também os actores que influenciam ou podem influenciar para
as boas práticas em prol do meio ambiente. Isto significa o alargamento do espaço de participação
social e abertura de uma pluralidade de visões sobre a temática ambiental, facto que pode potenciar
a construção da cidadania ambiental.
Em 1972, teve lugar a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o ambiente, em
Estocolmo e reuniu representantes de 113 países. Esta conferência foi fundamental na busca de
soluções dos problemas ambientais, tendo sido decidido que a educação era a principal acção para
o desenvolvimento de mudanças nos hábitos e comportamentos das pessoas e da sociedade (Do
Lago, 2006).
Em 1977, realizou-se a Conferência de Tbilisi, na Geórgia, organizada em conjunto pela
UNESCO e pelo PNUMA onde foram definidos conceitos, objectivos, princípios orientadores e

65
estratégias para o desenvolvimento da educação ambiental. Segundo o IBAMA - Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (1996, p.7),
A Conferência de Tbilisi convoca os Estados-membros a incluírem em suas políticas de
educação, medidas visando incorporar um conteúdo, directrizes e actividades ambientais
em seus sistemas, com base nos objectivos e características mencionadas anteriormente;
Convida as autoridades educacionais a intensificarem seu trabalho de reflexão, pesquisa
e inovação no que tange à educação ambiental;
Incentiva os Estados-membros a colaborar nessa área, principalmente através do
intercâmbio de experiências, pesquisas, documentação e materiais, colocando, além
disso, os serviços de formação à disposição do corpo docente e dos especialistas de outros
países;
Estimula, finalmente, a comunidade internacional a dar uma generosa ajuda para
fortalecer essa colaboração numa área de actuação que simboliza a necessária
solidariedade de todos os povos, e que pode considerar-se como particularmente
alentadora na promoção do entendimento internacional e da causa da paz.

A Conferência de Tbilisi é um dos marcos mais importantes para a definição e evolução da


educação ambiental e da discussão da problemática ambiental contemporânea. Em 1987, foi
realizado o Congresso Internacional em Educação e Formação Ambiental, em Moscovo. Neste
congresso, debateu-se as dificuldades encontradas e os progressos alcançados pelas nações no
campo da educação ambiental. Foi também discutida a situação ambiental global, que apresentava
como diagnóstico o agravamento da crise ambiental, em particular no aspecto da preservação.
Segundo Ramos (1996, p.23), o Congresso Internacional em Educação e Formação Ambiental
“reafirmou os princípios expostos em Tbilisi. Partiu do princípio de que os objectivos da educação
ambiental não podem ser definidos sem ter em conta a realidade social, económica e ecológica da
sociedade, assim como os objectivos de desenvolvimento económico previsto”.
Em 1992, no Rio de Janeiro, realizou-se a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92 promovida pela própria ONU, com dois
objectivos fundamentais: (1) intensificar mais a educação ambiental e (2) elaborar a Agenda 21
(um plano de acção para o século XXI visando a sustentabilidade da vida na Terra). Esta
conferência foi clara em relação à necessidade de um novo estilo de vida: o desenvolvimento
sustentável (Do Lago, 2006).
Após esta conferência, várias reuniões, conferências e cimeiras sobre o meio ambiente têm
tido lugar anualmente, com o destaque, nos últimos anos, para a temática sobre as mudanças
climáticas, corporizada nas Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas –
Conferências das Partes (COP’s), iniciadas em 1995, em Berlim. Estas conferências são marcadas
por debates em torno das mudanças climáticas, com enfoque particular para questões relacionadas

66
ao efeito de estufa, da subida da temperatura no planeta Terra, do degelo e do aquecimento global
resultantes da acção humana (principalmente a emissão de gases para atmosfera).
As COP’s surgiram como um órgão decisório, a fim de debater metas globais e sobre o que
fazer, como fazer, quem deve fazer, quando fazer e com quais recursos. Esses eventos, por sua
vez, ocorrem periodicamente em algum lugar do mundo, uma vez por ano e discutem metas e
objectivos referentes ao aquecimento global. Para Jacobi (2003, p.200),
A problemática socioambiental, ao questionar ideologias teóricas e práticas, propõe a
participação democrática da sociedade na gestão dos seus recursos actuais e potenciais,
assim como no processo de tomada de decisões para a escolha de novos estilos de vida e
a construção de futuros possíveis, sob a óptica da sustentabilidade ecológica e a equidade
social. Torna-se cada vez mais necessário consolidar novos paradigmas educativos,
centrados na preocupação de iluminar a realidade desde outros ângulos, e isto supõe a
formulação de novos objectos de referência conceituais e, principalmente, a
transformação de atitudes.
A partir da ideia apresentada por Jacobi, acima, pode-se inferir que a problemática
ambiental demanda a intervenção da educação que passa pelo envolvimento de diferentes
intervenientes, de modo que se tenha uma consciência mais aberta relativamente às atitudes e
visões sobre como tratar dos problemas que afectam o meio ambiente. Neste sentido, as OSC’s
fazem parte destes actores diferenciados. A problemática ambiental mereceu e ainda merece a
atenção de vários filósofos, dentre os quais se destacam, nesta tese, Michel Serres, Luc Ferry e
Hans Jonas.
Michel Serres, no seu livro, O Contrato Natural (1994), diz que o contrato social impediu
a guerra de todos contra todos, mas não impediu a guerra de todos contra tudo, pois esqueceu-se
da Natureza, que é um actor fundamental na guerra no estado natural das coisas. A melhor forma
para devolver a Natureza ao seu lugar merecido só pode ser através do contrato natural,
caracterizado pelo amor e respeito pela Natureza.
A ideia de contrato natural é abstracta mas, segundo Serres (1994), poderá fundar um
verdadeiro equilíbrio entre a humanidade e o Planeta em que vivemos e que exploramos
desenfreadamente. O contrato natural deve restabelecer o elo e a paz entre os homens e o mundo
através da reciprocidade. É um acordo entre os homens para se preservar a Terra, com quem
devemos, por outro lado, estabelecer a paz para garantirmos a nossa própria sobrevivência.
Isto significa que temos que juntar ao contrato exclusivamente social um contrato natural
de simbiose e de reciprocidade, onde a nossa relação com as coisas abandonaria o domínio e a
posse e buscaria a escuta admirativa, pela reciprocidade, pela contemplação e pelo respeito. Um

67
contrato onde o conhecimento não mais suporia a propriedade nem dominação. Um contrato de
simbiose implica o reconhecimento, pela humanidade, dos direitos da Terra e de toda família
planetária. Serres (1994) preconiza a revisão conceitual do direito natural de Locke, pelo qual o
homem é o único sujeito de direito. O mundo foi visto como nosso senhor, depois tornou-se nosso
escravo, em seguida passou a ser visto como nosso hospedeiro, e agora temos que admitir que é,
na verdade, nosso simbiota.
Serres (1994) defende o estabelecimento de um contrato natural, que é o resultado da
tomada de consciência, pelo Homem, da necessidade de se autolimitar. O contrato natural seria
uma espécie de relação de obrigação entre o Homem e a Natureza: o Homem obrigar-se-ia a manter
as actuais formas de vida e as respectivas condições vitais saudáveis; a natureza continuaria a
desempenhar o seu papel de provedor de um ambiente habitável e do necessário para a
sobrevivência da contraparte contratante. O Homem já não pode tratar a Natureza como quer. Há
que se fazer um contrato natural, cujos intervenientes serão os humanistas e os ecologistas. O
Homem deve assumir uma atitude ética em relação à Natureza.
Serres (1994) alerta-nos para assinarmos em conjunto o contrato natural sob pena de
encurtarmos sem necessidade a vida em todas as suas manifestações. Segundo Serres, na
fragilidade do mundo das coisas esconde-se o vigor de uma força implacável que se orienta mesmo
contra sua própria constituição. Num vale-tudo, certamente, acreditaríamos sermos os únicos com
direito ao palco sobre o qual digladiamos e contra o qual ferimos de morte suas entranhas. Mas o
palco é tudo: sem a Terra não somos nem temos cultura nem história.
Estas observações de Serres resultam da sua análise da maneira como se construíram os
parâmetros da ciência e do direito, os contratos instituídos na regulação das relações sociais: o
contrato social; o direito natural e a declaração dos direitos humanos, todos eles ignorando a
Natureza. Assim, sua tese é a de que o peso da humanidade sobre o planeta Terra torna necessário
um novo pacto, agora assinado com o mundo: o contrato natural. Serres (1994, p.64) diz que
Existe um ou diversos equilíbrios naturais (...) as culturas inventaram um ou mais
equilíbrios de tipo humano ou social, decididos, organizados, defendidos pelas religiões,
os direitos ou as políticas. Precisamos de pensar, construir e colocar em prática um novo
equilíbrio global entre estes dois conjuntos.
Para Serres (1994), “é chegado o momento de substituirmos a Teoria do Contrato Social
de Hobbes pela Teoria do Contrato Natural” (p.40 e 71). Segundo Serres, “a guerra é um estado
de direito” (p.21) e “a história começa com a guerra, entendida como o fim e estabilização dos

68
conflitos violentos através de acórdãos jurídicos” (p.29). A guerra supõe um acordo prévio que se
confunde com o contrato social.
Serres observa que “Hobbes engana-se acerca de toda uma época quando a designa como
a época de guerra de todos contra todos que precede o contrato social, (...) pois a guerra apenas
nos protege contra a reprodução indefinida da violência” (Serres, 1994, p.29-30). O homem deve
buscar o amor e o estado de paz, renunciando o contrato social a favor do contrato natural, para
acabar com a guerra contra a Terra.
Segundo Serres (1994), a guerra não se caracteriza pela bruta explosão de violência, mas
pela sua organização e pelo seu estatuto de direito e, consequentemente, por um contrato.
“Qualquer batalha ou guerra acaba por lutar contra as coisas, ou antes, por violentá-las” (p. 26). A
Terra hoje é vítima. Se existe um direito e uma história para as guerras subjectivas, não existe
nenhum para a violência objectiva, sem limite, portanto sem história. Ao passar da guerra às
relações económicas, nada muda no raciocínio. É a continuação das operações militares por outros
meios, exploração, mercadorias, dinheiro ou informação.
Os objectos-mundo, ou seja, as fábricas de produtos químicos, as grandes criações de
animais, as centrais atómicas ou os petroleiros gigantes, por serem feios ou pela imundice que
acidentalmente espalham, trazem de volta a violência objectiva global sem outras armas senão o
poder de seu tamanho e que buscam a dominação sobre os homens. O saber reconhecido como
científico decorre do conjunto das relações da ciência e do direito, da razão e do juízo, o processo
do conhecimento passa de processo a causas, de decretos a eleições e, portanto, jamais deixa a área
jurídica (Serres, 1994, p.41-42).
Serres, num outro desenvolvimento, diz que a vitória que alcançamos através do Leviatan
sobre outras espécies da flora e da fauna pode se transformar numa derrota, pois até agora o
Homem teve uma relação com a Natureza cujos pilares de sustentação são a guerra e a propriedade.
É por isso que a Natureza reage globalmente às acções locais do Homem e ameaça voltar a dominá-
lo (Serres, 1994, p.25). Este cenário obriga o Homem a revisitar e a rever o direito natural pelo
qual ele é o único sujeito de direito (p.18-19 e 31). O universo deve ser visto como simbiota do
Homem, de modo que a relação correcta entre os dois se assente na reciprocidade, restituindo o
Homem o que é dado pela Natureza (p.141). Isto implica a conjugação dos contratos social e
natural, em que o último é de reciprocidade e simbiose (p.65-66).

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Se assumirmos estas colocações de forma comprometida, individual e colectivamente,
então seremos capazes de ultrapassar esta letargia da marcha do universo, repleta de incertezas
quanto ao seu destino e do Homem em particular. Pelo menos uma luz pairará sobre as nossas
mentes quanto ao nosso futuro e a continuidade da nossa espécie.
As colocações de Serres anteriormente abordadas surgem da constatação de que as
preocupações com os problemas globais como os danos da biosfera, provocados no século XX (e
os problemas que o Homem transportou para o século XXI), não podem ser entendidas
isoladamente, apenas a partir do contrato social, sem uma interligação e interdependência com o
contrato natural, que observa que a redução da pobreza, o impedimento da extinção das espécies e
do colapso das comunidades locais, a violência e o medo com a expansão rápida da população,
entre outros problemas, passam pela redução ao mínimo da escassez dos recursos, resultante da
degradação ambiental. Serres pergunta: “Em que tempo vivemos?” (1994, p.52). E responde:
No muito curto prazo. Para salvaguardar a Terra ou respeitar o tempo, no sentido da chuva
e do vento, será necessário pensar a longo prazo. (...) Preocupado em manter-se, o político
define alguns projectos que raramente ultrapassam as eleições seguintes; sobre o ano
fiscal ou orçamental reina o administrador e todos os dias da semana se difundem as
notícias; quanto à ciência contemporânea, ela nasce em artigos que quase nunca
remontam a mais de dez anos (Serres, 1994, p.52-53).
A partir destas ideias, podemos inferir algumas inquietações de Serres, nomeadamente:
1) O mundo vive numa crise de percepção, em que os velhos modelos explicativos não se
dão conta da interligação entre os vários seres da Natureza. A eliminação dos problemas antigos e
recentes passa pela mudança de valores, o que implica a mudança do paradigma ético e a criação
de formas de vida sustentáveis, de modo que as necessidades presentes sejam satisfeitas, sem pôr
em risco ou diminuir as possibilidades de vida das gerações vindouras.
2) É preciso desafiar e rever radicalmente o modelo cultural que dominou o Ocidente por
muito tempo e influenciou todos países do planeta Terra. Já não se pode conceber a vida em
sociedade como uma luta competitiva, já não se pode pensar no progresso ilimitado através do
crescimento económico e tecnológico.
3) O mundo precisa de ser visto como um todo integrado, em que os seus ocupantes (vivos
e não vivos) estão interligados, são interdependentes e não dissociados. Há uma interdependência
fundamental entre tudo o que faz parte do nosso planeta e de todo o universo, de tal forma que,
vivamos como indivíduos ou como sociedade, encontramo-nos dentro de vários processos cíclicos
da Natureza e dependemos de tais ciclos.

70
Serres (1994) é da opinião de que não se deve separar os seres humanos dos outros seres
da Natureza, que constituem o meio ambiente natural. Todos os seres vivos que compõem a
Natureza têm um valor intrínseco e os homens são apenas um aspecto particular desse todo. São
questões profundas que o nosso autor coloca a nível ecológico, no que diz respeito à vida colectiva
actual e às respectivas formas de vida, em que os homens estão com os olhos postos na
cientificidade da sociedade orientada para um crescimento e desenvolvimento do ponto de vista
material, esquecendo o seu lado espiritual.
A civilização criada pelo Homem encontra sérios problemas para se fundamentar,
exactamente por não incluir na perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros as
gerações vindouras e o resto dos seres que formam a rede ambiental natural de que o Homem faz
parte. Por isso, Serres (1994) acha que a sua perspectiva do contrato natural pode trazer ou ser um
ideal para modos de vida ecoéticos, assim como para acções em prol de um ambiente natural
saudável.
É preciso superar a cultura da auto-afirmação do Homem, tomada como valor, e procurar
equilibrá-la com a nova perspectiva de integração. Devemos sair da situação de estrutura
hierárquica de dominação da Natureza pelo Homem, movida pela ganância pelo poder e pela
riqueza. Temos que superar a visão antropocêntrica e orientarmo-nos pelo poder não hierárquico.
Este novo poder será em forma de uma teia, cujos valores serão ecocêntricos, que
reconhecerão que todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às
outras de forma interdependente. É preciso reformular completamente o sistema actual de ética:
os homens devem estar conscientes de que já não se pode tolerar a separação com a Natureza, pois
esta e eu somos uma só realidade. É preciso estender o eu até à identificação com Natureza. O
Homem deve deixar de ser parasita que destrói o hospedeiro (Serres, 1994, p. 65-66).
A guerra referida por Serres só pode ser vencida se, no contrato natural, evitarmos o
distanciamento entre os representantes e os representados (evitando o agravamento da situação
doentia actual do meio ambiente). A primeira acção é a descentração do Homem no universo e a
flexibilização dos direitos dos outros seres da Natureza. A segunda é tornar competentes os
representantes na área de negociação, munindo-os de argumentos discursivo-racionais, de modo
que as áreas fundamentais da sobrevivência das espécies não escapem ao debate público (neste
aspecto, a educação para a cidadania ambiental é fundamental).

71
No Contrato Natural (1994, p.56), Serres analisa a construção da visão dominante que irá
reger os princípios da ciência. Tais princípios influenciarão a nossa concepção de natureza:
“Domínio e possessão, eis a palavra-chave lançada por Descartes no dealbar da idade científica e
técnica, quando a nossa razão ocidental partiu à conquista do universo”. Neste sentido, a Natureza
fica fora dos contratos, não tem nenhuma palavra a dizer, senão ficar à espera de servir os homens,
tidos como os senhores (dominadores).
Desconsiderar a Natureza nos contratos que regulam a vida em sociedade ou ainda, ao
encará-la como um recurso a ser dominado e utilizado, remete às ideias de Serres de que não existe
mais Natureza senão para o sonhador solitário, pois a sociedade a esqueceu. Os meteoros se
evaporam nas filosofias políticas, tão acosmíticas quanto as ciências sociais, após alguns primeiros
momentos evocados ou pensados, justamente, como originários para melhor eliminar o mundo.
A consequência desta forma de encarar o mundo das coisas faz reflectir sobre os limites da
Terra e pensar a necessidade de refundar a maneira de nos relacionarmos com ela, já que “a nossa
relação fundamental com os objectos resume-se à guerra e à posse”, pois o homem luta desde
sempre para dominar a Natureza (Serres, 1994). Esta nova atitude (reflexão sobre os limites da
Terra) diante da Natureza que, antes de tudo, segundo Serres (1994, p.62), é “o conjunto das
condições da própria natureza humana, as suas limitações globais de renascimento ou de extinção,
a estalagem que lhe dá alojamento, aquecimento e comida; além disso, ela priva-a disso, logo que
abuse (...)” será construída por meio de uma acção educativa que cuide da formação do juízo
prudente.
Para Serres, o equilíbrio ecológico passa pela mudança na estrutura social, nas atitudes, nas
práticas, nos costumes e nos valores, o que equivale a uma reestruturação cultural, social e
económica. É preciso criar uma ética ambiental plausível, que traga novas formas de ser, de viver
e de relacionamento entre o Homem e a Natureza. Só assim é que se poderá parar com a degradação
ecológica que, continuando no seu ritmo actual, pode significar o fim das espécies, o esgotamento
dos recursos e até o desaparecimento do próprio Homem. Uma das grandes inquietações de Serres
é saber se as sociedades que o Homem construiu para si são adequadas a ele mesmo. O objectivo
de Serres (1994) é que os homens lutem para que o espaço em que habitam continue sustentável,
através de uma relação cooperativa e amigável com a Natureza.
Desta reflexão de Serres, pode-se concluir que a crise ambiental obriga a repensar o tipo
de relações que se deve ter com a Natureza, a procurar um modelo viável nas relações entre os

72
homens e os outros seres da Natureza. A recolocação do tipo de contrato a estabelecer, no caso
vertente o contrato natural proposto por Serres, implica redefinir as relações entre a cultura e a
Natureza, dado que esta constitui um conjunto de fios que formam uma rede vital complexa, mas
ao mesmo tempo frágil, dos vários ecossistemas da Terra, que permitem a existência da vida. Outro
aspecto importante do pensamento de Serres é o de que devemos esquecer:
a palavra ambiente, utilizada nestas matérias. Ela pressupõe que nós, homens, estamos no
centro de um sistema de coisas que gravitam à nossa volta, umbigos do universo, donos
e possuidores da natureza. (...) é necessário colocar bem as coisas no centro e nós na sua
periferia, ou melhor ainda, elas por toda parte e nós em seu seio, como parasitas (Serres,
1994, p.58).
A proposta do presente texto é a de que só com a interiorização e o aprofundamento deste
pensamento ético acerca das mudanças desastrosas da Natureza é que poderemos ver que já não
há nenhum centro de gravidade ou, então, precisamos de definir um outro centro de gravidade, que
não seja o Homem. Isto é urgente.
Se não adoptarmos esta nova perspectiva como prioritária, corremos graves riscos de uma
vida em comum insuportável e insustentável. É tempo de cada um assumir uma tarefa de modo
que esta nova visão ética entre em marcha acelerada, para o bem de todos, no presente e no futuro,
como quer Jonas (2006). Esta atitude vai permitir ultrapassar os sintomas de mal-estar resultantes
da crise ambiental e conferir novas tarefas aos cidadãos de todo o mundo na luta pelo bem-estar
social.
Serres (1994) defende uma nova cultura ética que coloque fim à dicotomia Homem-
Natureza, para passarmos a entender estes dois conceitos (estas duas realidades) como parte
integrante da História evoluindo em conjunto e não um contra o outro, que pode conduzir ao fim
desastroso dos dois. Serres é apologista da construção de uma nova ética com a Natureza, que seria
a maneira de habitar o planeta Terra e o universo em geral. Para tal, devemos passar pela resolução
da crise cultural que se expressa na crise ambiental.
Esta tarefa passa por 1) um comportamento justo e correcto na relação com a Natureza e
outros seres da mesma (servir-se da Natureza de forma racional, permitindo a sua conservação e a
sobrevivência de outras espécies, bem como manter as condições de habitabilidade que
possibilitem a continuação ou a manutenção das actuais formas de vida); 2) o Homem deve
colocar-se à escuta do mundo que o rodeia, em sintonia com ele; 3) a ética será um acto de juízo e
não de volição; 4) o Homem deve conformar-se com a realidade e não organizar as coisas segundo

73
os seus desejos; e 5) ultrapassar a ética utilitária e antropocêntrica na qual tudo é para a disposição
dos homens.
É sobretudo neste último aspecto que os homens devem concentrar as suas forças, no
sentido de inverter a situação em que vivem há séculos, responsável pela recusa da diversidade
natural, racial e cultural e, por consequência, do respeito pelos outros seres da Natureza como
integrantes do mesmo espaço e com o mesmo estatuto ontológico.
O pensamento de Serres mereceu críticas, por ser considerado um dos defensores radicais
da ecologia profunda, por tocar a base do problema ecológico: a relação entre o Homem e a
Natureza, preconizando uma nova postura, uma nova atitude, uma nova relação entre o Homem e
a Natureza. Isto implica o rompimento com pensamentos e atitudes herdados do pensamento
ocidental, destacando-se o antropocentrismo.
A ecologia profunda questiona o conjunto da relação entre o Homem e a Natureza e faz
uma crítica cerrada ao modo de vida civilizacional do Ocidente que se tornou hegemónico. É
ecologia profunda porque procura atingir questões que outras correntes ecológicas abordam de
modo apenas superficial. Por exemplo, enquanto as outras correntes limitam-se apenas a questões
de conservação dos espaços verdes, de prevenção e mitigação de desastres naturais, a ecologia
profunda questiona a etnicidade da relação que se estabelece entre o Homem e a Natureza.
A ecologia profunda procura respostas que estão a um nível mais profundo, que outros
defensores da ecologia não atingiram. Estes ocuparam-se ou ocupam-se com manutenção do meio
ambiente sem olhar para a sociedade que periga a sua existência, através das suas acções, ou então
estão voltados exclusivamente para as necessidades dos seres humanos. A ecologia profunda parte
do reconhecimento do valor intrínseco da Natureza.
Um dos críticos do pensamento de Serres é Lux Ferry em A Nova Ordem Ecológica: A
árvore, o animal e o homem (1993), onde analisa as origens filosóficas e históricas da ecologia,
ciência indispensável para todo o ser humano. Segundo ele, ao longo dos anos, ela aproximou-se
de ideologias perigosas, com raízes mais profundas no ideal de pureza que animou grandes leis
governamentais ao redor do mundo sobre a conservação de animais. Ferry questiona:
Que é que se sabe no entanto dos seus fundamentos? O que é que, por exemplo, se conhece
do contexto intelectual em que a Alemanha nazista elaborou as primeiras grandes
legislações sobre a protecção dos animais (1933) e da natureza em geral (1935)? Quais
são, hoje, os objectivos filosóficos ou políticos das correntes fundamentalistas que, nos
Estados Unidos e no norte da Europa, tentam criar um direito das árvores, das ilhas e das
montanhas? Que argumentos utilizam em favor de um direito dos animais os milhões de
simpatizantes do “Movimento de libertação animal”? Por que é que as reivindicações de

74
um “contrato natural” assumem a forma de uma absoluta antimodernidade e de uma
“desconstrução do Ocidente em declínio’?” (Ferry, 1993, contracapa).
É a partir destas questões que Ferry vai empreender as suas críticas à ecologia profunda,
em particular ao pensamento de Serres (seu conterrâneo e contemporâneo), que de seguida
passamos a apresentar. Para Ferry, os ecologistas profundos colocam premissas ecléticas anti-
humanistas. Ferry rejeita qualquer tipo de transcendência de valor supremo situado fora ou acima
da realidade concreta, além da vida e que se apresente como anti-humanista, em benefício de uma
exacerbação valorativa do cosmos. Ferry rejeita o antropocentrismo moderno, que não faz justiça
à Natureza em si mesma. Ferry rejeita também o ecocentrismo que desvaloriza e minimiza o ser
humano para render louvores de exaltação à Natureza.
O pensamento ecológico pretende romper com três princípios básicos do humanismo: 1) o
homem, como fim e valor absoluto, perde tal prerrogativa na medida em que a realização plena do
homem deixa de ser a meta principal da vida; 2) a centralidade do homem no mundo desaparece
para dar lugar a uma dimensão maior do que o homem, a biosfera ou o ecossistema, em que o
homem constitui tão somente uma espécie entre as outras que compõem o mesmo habitat; 3) e,
por último, a racionalidade perde o papel de atributo maior do homem, devido aos excessos e
prejuízos praticados, alguns irreparáveis, em nome da razão.
Ferry (1993, p.25-27) observa que existem três correntes no que diz respeito ao pensamento
ecológico: a primeira parte da ideia de que, através da natureza, é ainda e sempre o homem que se
trata de proteger, ainda que seja dele próprio quando representa o aprendiz de feiticeiro. O
ambiente, neste caso, não é dotado de valor intrínseco. A este título, não poderá ser considerado
como um sujeito de direito.
A segunda dá um passo no sentido da atribuição de uma significação moral a certos seres
não humanos. Consiste em tomar a sério o princípio utilitarista segundo o qual é preciso não
somente descobrir o interesse próprio dos homens, mas, de um modo mais geral, tender a reduzir
ao mínimo o total dos sofrimentos do mundo, assim como aumentar tanto quanto possível a
quantidade de bem-estar. Nesta perspectiva, todos os entes susceptíveis de prazer e de dor devem
ser tidos por sujeitos de direito e tratados como tais.
A terceira é a que se encontra na reivindicação de um direito das árvores, ou seja, da
Natureza enquanto tal, designadamente nas suas formas vegetal e mineral. Não só esta corrente
tende a tornar-se ideologia dominante dos movimentos alternativos na Alemanha e nos Estados
Unidos, como é também ela quem coloca nos termos mais radicais a questão da necessária

75
reconsideração do humanismo. Aqui destacam-se Aldo Leopold (EUA), Hans Jonas (Alemanha)
e ainda Michel Serres (França). Em consonância com as três correntes ecológicas, Ferry destaca a
existência de três posições filosóficas opostas respeitantes à questão dos direitos dos animais:
(1) A posição cartesiana, segundo a qual a natureza, incluindo o reino animal, está
inteiramente privada de direitos em benefício desse pólo único de sentido e de valor que
é o sujeito humano. (2) A tradição republicana e humanista tal como se esboça em
Rousseau ou Kant, mas também em boa parte, na França do século XIX: o Homem é o
único ser titular de direitos; o fim último da sua actividade moral e política é a liberdade;
apesar de tudo, o ser humano está ligado por certos deveres aos animais, em particular
pelo de não lhes infligir sofrimentos inúteis. (3) O pensamento utilitarista, no qual o
homem não é o único detentor de direitos, mas em que o são, com ele, todos os entes
susceptíveis de prazeres e de dores. Ultrapassa-se, pois, aqui o princípio do humanismo
antropocêntrico (Ferry, 1993, p.65).
Ferry (1993, p.27) afirma que “Segundo uma terminologia já clássica nas universidades
americanas, deve-se opor a «ecologia profunda (deep ecology)» «ecocêntrica» ou «biocêntrica», à
«ecologia superficial» (shallow ecology), ou «ambientalista», fundada no velho
antropocentrismo”. Na sua crítica à ecologia profunda, Ferry atém-se de modo particular ao
pensamento de Serres, ao afirmar que se pode duvidar da compreensão das teses dele (Serres) em
França, pelo que representam
Uma autêntica cruzada à americana, contra o antropocentrismo, em nome dos direitos da
natureza. Porque é bem disso que se trata nesta última versão da ecologia, onde o antigo
«contrato social» dos pensadores políticos é suposto dar lugar a um «contrato natural»,
em cujo âmbito o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: já não é o homem,
considerado como centro do mundo, que se deve, prioritariamente, proteger de si próprio,
mas sim o cosmo enquanto tal que deve ser defendido contra os homens (Ferry, 1993,
p.27).
Para Ferry (1993), a ecologia proposta por Serres é controladora e totalitária, por isso é um
tipo de nazismo ou então, no mínimo, tem alguma ligação com ele. Porquê? Para Ferry, uma
legislação que inclui outros seres ou paisagens coloca em risco de extinção a humanidade ou o
humanismo ou a tradição humanista. Ferry sustenta que o que deve acontecer é o ajuste do quadro
jurídico para que se mantenha o equilíbrio desejado, e não a mudança ou a desmontagem dos
fundamentos do direito.
Para Ferry, a tese do contrato natural não possui argumentos consistentes para mostrar que
a Natureza emigra da condição de objecto para a de sujeito. A ecologia profunda parece não
considerar que “ao imaginar que o bem está inscrito no ser das coisas, acaba esquecendo que toda
a valorização, compreendendo a da Natureza, é feita pelo Homem e, por consequência, toda a ética
normativa é humanista e antropocêntrica.

76
É verdade que a tradição precisa de se renovar para sobreviver, pois muita coisa perdeu
sentido e os pressupostos jurídicos são colocados em questão pelos novos tempos. Mas, se
admitirmos que os outros seres são contratantes, no novo contrato (natural), então estaremos num
processo de desconstrução da modernidade, tarefa iniciada com os movimentos de luta pela
libertação e libertários dos anos sessenta do século XX.
Segundo Ferry (1993), a teoria ecológica de Serres e outros ecologistas profundos é
incompatível com a presente civilização devido ao seu carácter anti-individualista, pois ela atribui
um carácter sagrado a todas as formas de vida, passando a totalidade a ser moralmente superior
aos indivíduos. Assim sendo, a Natureza é a totalidade onde os seres humanos são uma parte,
passando a Natureza a ter um valor intrínseco em si mesmo. Isto é inaceitável porque põe em risco
as liberdades resultantes das revoluções burguesas.
Serres (1994) diria que o que é inaceitável é a manutenção do liberalismo insaciável, que
constantemente degrada o ambiente e determina a Natureza segundo os seus interesses imediatos
e coloca em risco a sobrevivência do próprio ser humano. Serres (1994) perguntaria ainda: como
é que se pode falar de liberdades humanas se os humanos não existem? E responderia: o que os
ecologistas propõem é a ampliação dos direitos humanos para outros seres da Natureza. Mas a
ideia de um direito da natureza, na óptica de Ferry, é apenas uma metáfora literária, destinada a
atrair a atenção de uma opinião pública mergulhada num sono letárgico.
Assim, Michel Serres não considerará seriamente que o homem e a natureza possam
celebrar juntos um autêntico «contrato», no qual se apresentariam – como, no entanto,
sugere – em pé de igualdade. Seja. Mas qual é o interesse de uma tal liberdade poética se
logo tem de se lhe retirar o peso filosófico? Que relação haverá ainda entre o contrato
social e a sua réplica natural, se esta última não for um verdadeiro pacto, mas um acessório
decorativo acrescentado à pressa ao primeiro? Porquê utilizar uma imagem tão forte, se
há que anular-lhe os significados – se ela não indica uma real preocupação de transformar
os seres da natureza em sujeitos de direito? E que diferença subsiste então entre esta visão
pretensamente nova das nossas relações com a natureza e a dos ecologistas «superficiais»
e «antropocentristas»? (Ferry, 1993, p.186).
Desta breve crítica a Serres, Ferry pensa que tal ecologia, instituindo a Natureza em pessoa
jurídica, chega absolutamente a fazer do universo material um modelo ético a imitar pelos homens,
como se a ordem do mundo fosse boa em si própria e toda a corrupção emanasse do homem. A
sacralização da Natureza é insustentável, pois a Natureza encerra em si aspectos odiosos que a
ecologia profunda oculta, retendo apenas a harmonia e a beleza.
A Natureza, tomada como um todo, não é boa em si, pois contém tanto o melhor como o
pior. Não se trata de negar que a Natureza possa ser por si mesma bela, útil ou generosa, mas sim

77
pretende-se sublinhar que ela não o é de maneira voluntária e constante. Assim, o homem pode e
deve modificar a Natureza, como pode e deve protegê-la (Ferry, 1193, p.186-187).
No que diz respeito aos deveres com a Natureza, Ferry diz que existem duas dificuldades
fundamentais no projecto da ecologia profunda (em particular de Serres) de constituir a natureza
como sujeito de direito:
A primeira é a de natureza não ser um agente, um ser susceptível de agir com a
reciprocidade que se espera de um alter-ego jurídico. É sempre para os homens que o
direito existe, é para eles que a árvore ou a baleia se podem tornar os objectos de uma
forma de respeito reconhecida pelas legislações – não o inverso. (...) a segunda: admitindo
que seja possível falar metaforicamente «da natureza» como de uma «parte contratante»,
seria ainda necessário precisar o que, nela, é suposto possuir um valor intrínseco. (...)
Poderá, com seriedade, dizer-se que o HIV é sujeito de direito ao mesmo título que o
homem? (Ferry, 1993, p.194).
A questão dos direitos da Natureza, segundo Ferry, deve ser posta à margem do
antropocentrismo cartesiano e do fundamentalismo ecológico. Nesta perspectiva, pode-se e deve-
se elaborar uma teoria dos deveres para com a Natureza, e não no sentido em que ela seja sujeito
e parte de um contrato natural. Para tal, sublinha, Ferry, é preciso que a ecologia profunda deixe
de ser marginal relativamente à paixão que hoje suscita, em todos os países industrializados, o
cuidado com o ambiente. “No essencial, o amor pela natureza parece-me ser composto de paixões
democráticas, partilhadas pela imensa maioria dos indivíduos que desejam evitar uma degradação
da sua qualidade de vida” (Ferry, 1993, p.199).
Das considerações de Ferry (1993), convém notar que o autor (Ferry) propõe uma ecologia
democrática, oposta ao antropocentrismo e à ecologia profunda. Ferry não ignora o valor intrínseco
da Natureza, apenas não aceita que o homem seja diminuído em favor da Natureza. É daí que surge
a sua crítica à ecologia profunda, afirmando que ela ignorou o facto de que qualquer valorização,
até da própria natureza, é feita pelos homens. Como forma de superar o antropocentrismo moderno
e a ecologia profunda (ou o ecocentrismo), Ferry propõe um antropocentrismo ou humanismo não
metafísico e uma ecologia democrática.
Apesar da crítica de Ferry, o pensamento de Serres prevalece pertinente e útil para a
presente tese. É verdade que qualquer valorização é feita pelos homens. Aqui Ferry deixa uma
lacuna para não concordarmos com o seu posicionamento, pois mesmo que se enverede por uma
ecologia democrática, a Natureza terá um certo grau de prioridade e, mais uma vez, o apelo ao
contrato natural preconizado por Serres vinga. Assim, continuamos a defender a ideia de Serres: a
educação do homem para que se reconheça como um dos elementos da Natureza.

78
Outro eminente pensador contemporâneo que se dedicou à reflexão sobre a relação
Homem-Natureza e sobre a problemática ambiental é Hans Jonas. Este filósofo propõe uma ética
da civilização presente que deve assumir a responsabilidade pelas civilizações futuras. Ele dedica-
se a responder uma questão central, que é a de construir uma ética nova, uma vez que a ética
tradicional não é compatível com a actual era tecnológica.
A mudança do paradigma ético deve estar directamente ligada a uma reflexão sobre a
essência das tarefas que o cidadão deve assumir para a inversão do cenário actual da crise
ecológica. A crítica do modelo ético tradicional, que colocava os outros seres da Natureza na
periferia, não deve contudo permitir que caiamos numa argumentação sofística entre os direitos
humanos e os direitos da Natureza ou do ambiente. Pelo contrário, devemos reforçar a crítica,
mesmo em relação às novas tarefas.
O reforço da crítica passa pela determinação das novas tarefas fundamentadas na
responsabilidade dos homens para com o ambiente que os envolve, isto é, para com a Natureza ou
outros seres da Natureza, numa relação directa com o poder técnico e tecnológico humano sem
medida, cuja ameaça transforma-se em catástrofe, através da destruição da sua própria base
natural. É exactamente o poder técnico e tecnológico que nos obriga a repensar e a mudar a nossa
atitude e a nossa visão ética, o que passa pela colocação do Homem em relação com outros seres
da Natureza. A mudança de atitude e de visão implica também a mudança no campo do direito, da
política e das relações sociais.
A verdade é que a nova relação Homem-Natureza é vista como sendo difícil e até, por
vezes, prefere-se negar o pensamento (uma reflexão) sobre ela, se não se preconiza um silêncio
total. Esta atitude é resultado da preocupação milenar da filosofia em relação à acção humana,
olhando-a mais como acção do homem para com o homem e menos como uma força que actua na
Natureza (Jonas, 2006, p.35).
Jonas (2006) diz que isto acontece porque os críticos da nova proposta ética caíram apenas
na luta contra a ecologia profunda. Mas preconizar a responsabilidade humana para com a vida
como um todo não significa quedar nas malhas da ecologia profunda. Os direitos do ambiente ou
são direitos humanos ou não são direitos, pois estes pressupõem a existência de uma reciprocidade
que é apenas possível entre os seres humanos. Esta é que devia ser a visão e a reflexão dominante
em relação à nova ética

79
Esta última colocação de Jonas parece ir de acordo com crítica de Ferry (1993) ao contrato
natural de Serres (1994). Por outras palavras, Jonas parece querer nos dizer que as relações do
Homem com outros seres da Natureza estão longe de se delimitar numa dimensão jurídica. Senão
vejamos: o que impede a um ser humano de provocar dor a um animal pode ser a voz da
consciência comum que alerta para a repugnância que causa a morte ou destruição, intencional e
consciente de um ser da Natureza pelo Homem.
Em termos jurídicos, não há qualquer que seja a relação entre o ser humano e outros seres
da Natureza, pois estes não têm nenhum direito ou dever para com aquele. É a condição humana
de agente racional que o obriga, pela relação com os outros seres racionais, a considerar a sua
relação com os seres não racionais do ponto de vista jurídico. Esta consideração pelos outros seres
é uma espécie de alargamento e aprofundamento dos direitos humanos. É por isso que na obra O
princípio responsabilidade (2006, p.41), Jonas levanta questões que importa aqui referir:
(1) Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida
humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie; (2) A orientação
antropocêntrica de toda ética clássica estabelece um desenho ético, de tal forma, que tem
o ser humano como finalidade de todas as acções e a natureza como sua simples
plataforma; (3) A constatação dos efeitos prejudiciais dessa ética antiga propõe a inclusão
dos seres não humanos no conceito de bem humano: isso significaria procurar não só o
bem humano, mas também o bem das coisas extra-humanas, isto é, ampliar o
reconhecimento de “fins em si” para além da esfera do humano e incluir o cuidado com
estes no conceito de bem humano.
A ética da responsabilidade é construída a partir de uma certa suspeita no que diz respeito
às capacidades do ser humano e também a partir do medo do efectivo potencial destrutivo de que
dispõe o ser humano: a técnica. Hoje, na forma da moderna técnica, a techne transformou-se em
um infinito impulso da espécie para adiante, seu empreendimento mais significativo.
A mudança da atitude humana requer uma urgência ética. A verdade é que Jonas defende
a tese de que com a ampliação das exigências e dos limites do agir é preciso uma ética de
responsabilidade que seja compatível com tais limites e exigências. Por exemplo, Jonas (2006) faz
uma reflexão em torno da manipulação genética, para a qual, a ética tradicional não tem capacidade
de oferecer respostas: “Saber se temos o direito de fazê-lo, se somos qualificados para esse papel
criador, tal é a pergunta mais séria que se pode fazer ao Homem que se encontra subitamente de
posse de um poder tão grande diante do destino” (Jonas, 2006, p.61).
Sendo que Hans Jonas defende a ideia de que a situação exige transformações da atitude
humana, então o imperativo categórico kantiano segundo o qual age apenas segundo uma máxima
tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal já não se mostra mais

80
adequado para a actual civilização tecnológica. É por isso que Hans Jonas modifica o imperativo
kantiano, fazendo sobressair um novo imperativo, que pretende ser mais amplo ao envolver o ser
humano integralmente e a vida em geral. Segundo Jonas, o imperativo categórico para a era
tecnológica, deve ser assim enunciado:
Age de modo a que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma
autêntica vida humana sobre a Terra. Age de modo a que os efeitos da tua acção não sejam
destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida. Não ponha em perigo as condições
necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra. Inclua na tua
escolha presente a futura integridade do homem como um dos objectos do teu querer
(Jonas, 2006, p.47-48).
Esta formulação remete-nos à ideia de que uma pessoa pode até arriscar a sua própria vida,
colocá-la em perigo, mas não pode fazer o mesmo com a humanidade futura. Jonas demonstra que
deseja uma reedição, uma tentativa de redescoberta da universalização das máximas normativas.
Também Hans Jonas (como Serres) vai além do horizonte antropocêntrico.
A ampliação do horizonte leva o Homem a dar-se conta dos grandes danos que ele próprio
provoca na natureza que, ao mesmo tempo, são danos para si, uma vez que ele depende desta
natureza, como se tem referido “o homem precisa da natureza, mas a natureza não precisa do
homem”. É, pois, sobre os danos que homem provoca na natureza que nos debruçamos no tópico
seguinte, aos quais denominamos problemas ambientais contemporâneos.

2.2. Os principais problemas ambientais globais do mundo contemporâneo


Os problemas ambientais, num sentido geral e biológico, podem ser entendidos como
decorrentes de um desequilíbrio entre a espécie e suas possibilidades de adaptação ao meio
ambiente biótico e abiótico. Nas sociedades humanas, esses problemas, mediados pelas relações
sociais específicas e históricas, são em boa medida consequência directa da intervenção humana
nos diferentes ecossistemas da Terra, causando desequilíbrios por meio do esgotamento e
contaminação de recursos naturais, e interferindo nos ciclos ecológicos que sustentam a vida
humana e de outras espécies (Borinelli, 2011, p.66).
Tais problemas podem ser categorizados da seguinte maneira: poluição do ar e mudanças
climáticas, desmatamento/desflorestamento, extinção de espécies, degradação do solo e
superpopulação (Da Silva & Reis, 2009; Nogueira-Neto, s/d; Veraszto et al, 2014). A esta lista
acrescente-se a desertificação, o degelo e o aquecimento global.

81
2.2.1. Poluição Ambiental e Mudanças Climáticas
Antes de nos referirmos à poluição ambiental, é preciso nos atermos ao conceito poluição.
Este conceito recebe várias definições, que se resumem em qualquer interferência prejudicial no
uso da água, do solo e do ar, relativamente às condições naturais preexistentes.
Segundo Ambiente Brasil (2007, p.174), “a poluição é a adição ou o lançamento de
qualquer substância, matéria ou forma de energia (luz, calor, som) ao meio ambiente em
quantidades que resultem em concentrações maiores que as naturalmente encontradas”.Mais
adiante (p.174), apresenta-se outra definição da poluição nos seguintes termos: “É a mudança
indesejável no ambiente, introdução de concentrações exageradamente altas de substâncias
prejudiciais ou perigosas, calor ou ruído, que geralmente decorre de actividades humanas”.
Com efeito, a atmosfera e os oceanos estão sobrecarregados de carbono. É bom que o
dióxido de carbono (CO2) atmosférico absorve a reediteradiação infravermelha, o que faz com que
o ar, os solos e as águas superficiais dos oceanos fiquem mais quentes, caso contrário, o planeta
estaria congelado se isso não acontecesse. Mas há muito carbono no ar. A queima de combustíveis
fósseis, o desmatamento para a agricultura e as actividades industriais aumentam as concentrações
atmosféricas de CO2 a cada ano que passa, resultando em mudanças climáticas. O excesso de
carbono é apenas uma forma de poluição do ar causada pela queima de carvão, petróleo, gás e
lenha (Da Silva & Reis, 2009; Nogueira-Neto, s/d; Veraszto et al, 2014).
A partir das constatações do parágrafo anterior, chegámos ao conceito de poluição
ambiental. Ambiente Brasil (2007, p.174) diz que a poluição ambiental é
Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente,
causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das actividades humanas
que, directa ou indirectamente, afectam a saúde, a segurança e o bem-estar da
população, as actividades sociais e económicas, a abiota, as condições estéticas e
sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais
Por sua vez, Valle (2004) apud Vianna (2015, p.24) diz que:
Poluição ambiental pode ser definida como toda acção ou omissão do homem que, pela
descarga de material ou energia actuando sobre as águas, o solo, o ar, causa um
desequilíbrio nocivo, seja ele de curto, seja de longo prazo, sobre o meio ambiente. A
definição do agente causador de poluição é dada como uma pessoa física ou jurídica de
direito público ou privado, responsável directa ou indirectamente pela actividade
causadora da degradação ambiental.
As duas definições acima remetem-nos à ideia do prejuízo ambiental quer de forma natural
quer pela acção humana, ocorrendo em diferentes meios: água, ar (atmosfera) e solo e implicando

82
em alterações significativas que põem ou podem pôr em causa as condições preexistentes e
afectando negativamente o quotidiano dos diferentes seres vivos dependentes e utentes dos
recursos poluídos.
Os debates sobre a poluição ambiental tornaram-se recorrentes nos últimos tempos uma
vez que este problema ambiental tem-se tornado cada vez mais importante para a tomada de
decisões de interesse social que afectam o presente e podem afectar o futuro das sociedades, de
modo particular se nos fixarmos na perspectiva das mudanças climáticas.
De acordo com o Quadro da Convenção sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas
(UNFCCC), no Artigo 1, Número 2, “‘Mudança do clima’ significa uma mudança de clima que
possa ser directa ou indirectamente atribuída à actividade humana que altere a composição da
atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada
ao longo de períodos comparáveis.”. Esta definição é complementada pelo Painel
Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC, 2001), apud Nahur et al (2015, p.10),
que diz que:
Mudança climática refere-se a uma variação estatisticamente significativa nas condições
médias do clima ou em sua variabilidade, que persiste por um longo período – geralmente
décadas ou mais. Pode advir de processos naturais internos ou de forçamentos naturais
externos, ou ainda de mudanças antropogénicas persistentes na composição da atmosfera
ou no uso do solo.
À semelhança do que acontece com a poluição ambiental, o problema das mudanças
climáticas tem sido debatido com frequência nos últimos tempos, constituindo-se em um dos
grandes desafios da humanidade para o século XXI, pois já afectam a disponibilidades dos recursos
naturais e a qualidade de vida. Ligado às mudanças climáticas encontramos o fenómeno do
aquecimento global, do qual derivam ou podem derivar a desertificação, degelo e intempéries.
Segundo Nahur et al (2015, p.10),
O aquecimento global, fenómeno ocasionado pelo aumento da concentração de Gases de
Efeito Estufa (GEE) na atmosfera tem-se apresentado como um problema de gravidade
crescente, impactando significativamente as condições de vida na Terra. O aumento do
nível dos oceanos, o crescimento e o surgimento de desertos, o aumento do número de
furacões, tufões e ciclones e a observação de ondas de calor em regiões de temperatura
tradicionalmente amena são os exemplos mais notórios desse fenómeno, motivando a
adopção de medidas para o seu combate.
Os autores acima citados referem que o aquecimento global é o aumento da temperatura
média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra, que pode ser consequência
de causas naturais e de actividades humanas. O aquecimento global está ligado ao efeito de estufa,
que corresponde a uma camada de gases que cobre a superfície da Terra.

83
2.2.2. Desmatamento/Desflorestamento
As florestas ricas em espécies estão a ser destruídas, especialmente nos trópicos, para
muitas vezes abrir espaço para a criação de gado e plantações de monoculturas. O desmatamento
ou desflorestamento é a operação que consiste na remoção da vegetação nativa de determinada
área para o uso alternativo do solo, tais como pecuária, agricultura ou expansão urbana. Segundo
Falcão & Noa (2016, p.18),
Desmatamento (ou desflorestamento) é a conversão, directamente induzida pelo homem,
de terra com floresta para terra sem floresta. Degradação florestal é a redução a longo
prazo da cobertura da copa e/ou stock da floresta que leva a diminuição do fornecimento
de benefícios a partir da floresta, os quais incluem madeira, biodiversidade e outros
produtos e serviços. Esta redução é através da exploração madeireira, queimadas, ciclones
e outros, desde que a cobertura da copa se mantenha acima de 30%.
Cerca de 30% da área terrestre do planeta é coberta por florestas – cerca de metade do que
existia antes do início da agricultura, 11 mil anos atrás. Cerca de 7,3 milhões de hectares de floresta
são destruídos a cada ano, principalmente nos trópicos. Florestas tropicais costumavam cobrir
cerca de 15% da área terrestre do planeta. Actualmente elas cobrem de 6% a 7%. Grande parte do
que sobrou foi degradada pelo corte de árvores ou queimadas (Da Silva & Reis, 2009; Nogueira-
Neto, s/d; Veraszto et al, 2014).
As florestas naturais não actuam apenas como reservas da biodiversidade, elas também são
reservatórios, que mantêm o carbono fora da atmosfera e dos oceanos. Veraszto et al adiantam
como soluções para o problema do desmatamento/desflorestamento (1) a conservação do que resta
das florestas naturais e (2) a recuperação das áreas degradadas com o replantio de espécies arbóreas
nativas.

2.2.3. Extinção de espécies


Segundo Ross (2012, p.1494), “A extinção é o desaparecimento de espécies, de subespécies
ou de grupos de espécies, sejam elas animais ou vegetais”. Actualmente, a perda de tantas espécies
e os processos de alterações de zonas naturais tem acelerado de forma acentuada. Para poder
alimentar, alojar, transportar os bilhões de seres humanos que vivem no Planeta, alteram-se
fragmentos de ecossistemas e danificam-se completamente sistemas inteiros. Sobre a extinção de
espécies, Ross (2012, pp.1496-1497) refere que
O aniquilamento das espécies aconteceu e acontece de forma natural desde o princípio da
vida na Terra. Entre as suas principais causas naturais estão os processos de
desertificação, as glaciações e alterações na atmosfera como as provocadas por
actividades vulcânicas ou meteoros. Entre os processos não naturais está como a principal
causa a acção humana.

84
O emprego de fertilizantes e insecticidas e o despejo de esgotos domésticos e industriais
estão degradando e envenenando os sistemas naturais, o que causa o desaparecimento dos animais
e vegetais de que deles dependem. A destruição daí resultante não afecta somente as regiões onde
estes poluentes são lançados: o vento, os rios e as correntes marinhas podem transportar as
substâncias contaminantes até centenas de quilómetros da fonte. Nesta perspectiva, Ross (2012,
p.1497) observa que
A extinção das espécies é uma das consequências da utilização inadequada do meio
ambiente, das formas de vida e da nossa própria maneira de entender o que realmente é
necessário para a nossa sobrevivência, pois estamos usando demasiadamente os recursos
naturais, não podendo “dar tempo ao tempo” para que estes recursos possam se
reestruturar e continuarem a existir.
O problema da extinção de espécies é observável em terra, onde animais selvagens estão
sendo caçados até a extinção para a obtenção de carne, marfim ou para a produção de produtos
“medicinais”. No mar, grandes barcos de pesca industrial, equipados com redes de arrastão ou de
cerco, estão dizimando populações inteiras de peixes (Da Silva & Reis, 2009; Nogueira-Neto, s/d;
Veraszto et al, 2014).
A perda e a destruição de habitat também é um factor importante para a onda de extinção
– algo sem precedentes se for considerado que ela está sendo causada por uma única espécie: os
humanos. Como soluções, esforços conjuntos devem ser feitos para evitar a diminuição da
biodiversidade. Proteger e recuperar habitats é apenas um lado da questão – combater a caça e a
pesca ilegais e o comércio de vidas selvagens é outro. Isso deve ser feito em parceria com
populações locais, para que a conservação da vida selvagem seja do seu interesse, tanto social
como económico.

2.2.4. Degradação do solo


Segundo Cooper (2008, pp.5-6),
Degradação do solo é definida como o declínio da qualidade do solo através do uso
incorrecto pelo homem. É um termo amplo e vago, no entanto se refere ao declínio da
produtividade através de mudanças adversas no status dos nutrientes, atributos
estruturais, e concentração de electrólitos e elementos tóxicos. Em outras palavras, se
refere à diminuição da capacidade actual ou potencial do solo para produzir bens ou
serviços quantitativos ou qualitativos como resultado de um ou mais processos
degradativos.
O problema da degradação do solo prende-se com a exploração excessiva das pastagens,
as monoculturas, a erosão, a compactação do solo, a exposição excessiva a poluentes, a conversão
de terras – a lista de maneiras como os solos estão sendo danificados é longa (Da Silva & Reis,
2009; Nogueira-Neto, s/d; Veraszto et al, 2014). Considerando que a segurança alimentar depende

85
da manutenção dos solos em boas condições, é provável que este desafio seja solucionado no longo
prazo. Ainda é uma questão em aberto, porém, se isso vai beneficiar igualmente todas as pessoas
do globo terrestre.
Um dos fenómenos da degradação do solo é a desertificação, um problema cada vez mais
presente em todo o mundo, com graves consequências para os ecossistemas e populações que neles
habitam a nível ambiental, social e económico. Segundo Charrua (2014, p.6),
O termo desertificação está relacionado com a degradação das terras em áreas áridas,
semiáridas e sub-húmidas resultantes de vários factores incluindo alterações climáticas e
actividades humanas. Quando a degradação da terra acontece em terras secas, na maior
parte das vezes são criadas condições desérticas nestas mesmas áreas. A degradação de
terras, actualmente, ocorre um pouco por toda a parte, mas está definida como
desertificação quando esta degradação ocorre nas terras secas.
Charrua refere ainda que o solo das terras degradadas tem menos capacidade para suportar
o crescimento das plantas, resultando numa perda de vegetação e de produtividade económica.
Apesar dos animais e plantas terem capacidade de se adaptar às terras secas, a desertificação tem
graves consequências para o ambiente.
Para Cooper (2008, p.6), a degradação de solos implica na diminuição da sua capacidade
produtiva através do uso intensivo e indiscriminado que leva a mudanças adversas nas
propriedades do solo. Os processos que provocam a degradação de solos podem ser físicos,
químicos, ou biológicos. Importante entre estes factores está o declínio da estrutura do solo,
compactação, redução da capacidade de infiltração, depleção de matéria orgânica e redução da
biomassa de carbono, desequilíbrio de sais e o aumento de patogénicos do solo. A taxa de
degradação do solo por diferentes processos é acentuada pela má utilização da terra e por métodos
de manejo inviáveis do solo e das culturas.

2.2.5. Superpopulação/Superpovoamento
A população humana continua a crescer rapidamente em todo o mundo. A combinação de
crescimento populacional com ascensão social está pressionando cada vez mais os recursos
naturais essenciais, como a água. Se forem feitos correctamente, sistemas de assistência podem
tirar mulheres da pobreza extrema, mesmo em países onde a actuação do Estado permanece
deficiente (Da Silva & Reis, 2009; Nogueira-Neto, s/d; Veraszto et al, 2014). De Mello & Hogan
(2006, p.3) referem que
O crescimento populacional e económico do pós-guerra criou o cenário perfeito para o
surgimento, explosão e consolidação do consumo de massa e, consequentemente, deu
início ao processo de estabelecimento de uma cultura baseada no consumo. Surgia, então,
o verdadeiro problema a ser enfrentado e, talvez, o provável causador do colapso

86
socioeconómico de nossa sociedade, apesar de, por muito tempo, o “vilão” ainda
conseguir passar desapercebido. Passamos a consumir cada vez mais e, mais que isso,
adoptou-se em todo o mundo padrões de produção e consumo incompatíveis com a
capacidade dos ecossistemas e das reservas existentes de recursos se recuperarem. A
espiral para baixo tinha começado a ser trilhada.
O superpovoamento corresponde a um descompasso entre as condições socioeconómicas
da população e a área ocupada. Isso quer dizer que o superpovoamento não depende apenas da
densidade demográfica, mas principalmente das condições de vida da população.
Os problemas ambientais acima mencionados (e outros na perspectiva ambiental)
impulsionaram o nascimento de debates acerca do futuro que se quer para o planeta Terra e para
as gerações vindouras. A discussão sobre os problemas ambientais contemporâneos emerge na
segunda metade do século XX, com o crescente desenvolvimento industrial e a exploração cada
vez maior dos recursos naturais, que proporcionou uma maior intervenção humana sobre a
natureza, acompanhada de consequências nefastas para o meio ambiente. Estas consequências
remetem-nos a uma reflexão sobre a necessidade e a relevância da educação para a cidadania
ambiental, assunto que desenvolvemos no tópico seguinte.

3. A relevância de uma educação para a cidadania ambiental


Este tópico procura reflectir em torno da educação para cidadania ambiental, partindo da
relação entre a educação e a cidadania, numa perspectiva histórica. Sobre a cidadania, importa
referir o pensamento de Marshall (1967, p.63), que apresenta três perspectivas sobre o conceito,
nos seguintes termos:
Chamarei estas três partes, ou elementos, de civil, política e social. O elemento civil é
composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade
de imprensa (...). Por elemento político se deve entender o direito de participar no
exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade
política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições
correspondentes são o parlamento e conselhos do governo local. O elemento social se
refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar económico e segurança
ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado
de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade.
Independentemente da perspectiva, podemos afirmar que a cidadania, sendo resultado das
relações sociais, requer a educação para a sua formação e consecução. Vários autores concordam
com a ideia de que a educação (formal e informal) esteve sempre voltada para a construção de uma
identidade cidadã. Por exemplo, Lopes (2014, p.21), citando Vasconcelos (2010) diz que
a educação não formal historicamente tem contribuído para o processo de compreensão
da cidadania, pois valores que tradicionalmente são ensinados pela família, como a

87
honestidade, solidariedade e moral, também são aplicados em uma sociedade onde se
prima pela civilidade e cidadania.
A educação é um processo de influências exercidas involuntária ou voluntariamente por
um ser humano sobre o outro. Essas influências compreendem acções que pretendem alcançar um
determinado propósito no indivíduo para que ele possa desempenhar alguma função nos contextos
sociais, económicos, culturais e políticos de uma sociedade.

3.1. Educação para a Cidadania


A educação para a cidadania é um tema cuja origem remonta à Antiguidade. A título de
exemplo, os gregos, para a classe dominante, preconizavam uma educação cujo escopo era ser
político na velhice, como atesta Manacorda (1997, p.42): “Os indivíduos das classes dominantes
são guerreiros na juventude e políticos na velhice.” Melo da Silva corrobora esta ideia ao afirmar
que
Falamos de um conceito com origem na Grécia Antiga e em todos os seus pensamentos
em torno da polis, aquela que, segundo Maria Luísa Branco (2007: 27), era vista como
uma entidade activa e formativa do carácter dos cidadãos devendo preencher a totalidade
das suas vidas. É neste seio que nasce a cidadania, num contexto associado à educação e
à lei, bem como à vida na cidade, às quais é atribuída a função educadora. A cidade surge
aqui como o meio que ajuda o indivíduo a aperfeiçoar-se na sua humanidade e no ser
político que é (Melo da Silva, 2012, p.17).
Ainda na Antiguidade, os romanos, cuja cultura teve uma considerável contribuição dos
gregos, também usaram a educação como meio para a formação do cidadão, tendo como base a
família, sendo o primeiro educador o pater familias. Sobre isto, Manacorda (1997, p.73-74) diz
que
Em Roma, a educação moral, cívica e religiosa (...) tem uma história com características
próprias, ao passo que a instrução escolar no sentido técnico, especialmente das letras, é
quase totalmente grega. (...) “os jovens de uma cidade, especialmente nova, deveriam ser
educados de maneira uniforme, tendo desde o início o modelo e a imagem de uma mesma
comum virtude” (...) isto significa que, desde os primeiros tempos da cidade, a autonomia
da educação paterna era uma lei do Estado.
E Melo da Silva confirma as considerações acima nos seguintes termos:
Também os romanos associaram a cidadania e o conceito de cidadão à educação, à
semelhança dos sábios gregos. Contudo, há o surgimento de uma nova influência na
formação de cidadãos e que irá acabar por se perpetuar, a família. Para os romanos o papel
da família é fundamental para o desenvolvimento moral do indivíduo, sendo que a sua
educação se baseia pelo respeito à pátria, à tradição nacional e à tradição familiar (Melo
da Silva, 2012, p.17).
Na Idade Média, como refere Gadotti (2006, p.56), temos uma educação virada para a
cidadania, uma vez que discutia-se a gratuidade do ensino e o pagamento dos professores. Esta
época foi fecunda em lutas pela autonomia, com greves e grandes debates livres. Apesar disso “há

88
um desaparecimento da cidadania, pois é nesta altura que a Igreja e o poder monárquico dominam
as sociedades” (Melo da Silva, 2012, p.18).
A Idade Moderna é marcada por diversificadas reflexões sobre a educação para a cidadania,
cujos pressupostos situam-se na noção de poder muito discutida pelos filósofos contratualistas
(Hobbes, Locke e Rousseau) a que já nos referimos no primeiro capítulo. Doravante, o conceito
cidadão/cidadania passa a ser associado ao Estado, facto que prevalecerá até aos nossos dias. É
desta visão que se tem debatido a questão da educação para a cidadania ambiental.
Lopes (2014, p.23) refere que a educação para a cidadania é um trabalho que não termina
e a escola é um dos lugares onde este trabalho deve ser tomado com muita consciência, com o
objectivo de se alcançar uma formação que possa garantir a vivência da autonomia moral, a
capacidade de escolha e decisão, de cooperação, intervenção e compromisso social. Segundo
Lopes (2014), estes aspectos enquadram-se nos quatro pilares da educação preconizados por
Delors et al, nomeadamente: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a
viver juntos. Destes pilares, interessa, de modo particular, para o presente texto, atermo-nos aos
dois últimos, nas palavras de Delors et al (1998, p.97, 99 e 102):
Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros - parece, pois, que a educação
deve utilizar duas vias complementares. Num primeiro nível, a descoberta progressiva do
outro. Num segundo nível, e ao longo de toda a vida, a participação em projectos comuns,
que parece ser um método eficaz para evitar ou resolver conflitos latentes (p.97).
A educação formal deve, pois, reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas
para iniciar os jovens em projectos de cooperação, logo desde a infância, no campo das
actividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua
participação em actividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos,
acções humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações... As outras organizações
educativas e associações devem, neste campo, continuar o trabalho iniciado pela escola.
Por outro lado, na prática lectiva diária, a participação de professores e alunos em
projectos comuns pode dar origem à aprendizagem de métodos de resolução de conflitos
e constituir uma referência para a vida futura dos alunos, enriquecendo a relação
professor-aluno (p. 99).
Aprender a ser - a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa —
espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,
espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação
que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autónomos e críticos e para formular
os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas
diferentes circunstâncias da vida (p. 99).
Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com
cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal.
Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo:
memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se (p.
102).
A partir dos dois pilares supracitados, podemos inferir o seguinte: 1) a educação para a
cidadania permite o aprendizado do respeito pelos outros; 2) o respeito pelos outros implica

89
solidariedade; 3) a solidariedade implica ajuda mútua; 4) onde predomina a ajuda mútua há
afastamento (ou, pelo menos, esforço para tal) de tudo o que seja/pode ser prejudicial para o outro.
Tomando em consideração o aspecto (4), a educação para a cidadania possibilita uma
aprendizagem para a vida e para uma visão mais ampla sobre a realidade (socioambiental).
É assim que a educação para a cidadania se apresenta como um elemento determinante na
formação de indivíduos participantes e activos para assumirem a responsabilidade de cumprir seus
deveres e lutar por seus direitos. Nesta linha de pensamento, apropriamo-nos do conceito
apresentado por Serrão & Baleeiro (1999) apud Oliveira (s/d, p.1462), sobre a educação para a
cidadania:
Educar para a cidadania é construir e/ou fortalecer a auto-estima, o autoconhecimento e
o conhecimento dos outros, de modo a possibilitar a inserção no colectivo, percebendo-
se como alguém com direitos e deveres e como agente de transformação social
responsável e consciente dos seus próprios limites.
A citação acima remete-nos à ideia de que a educação para a cidadania capacita o cidadão
a ser um interlocutor formalmente válido na sociedade na discussão sobre os direitos e sua
implementação, tanto nas instituições públicas como nas privadas. A partir desta visão chegamos
à educação para a cidadania ambiental.

3.2. Educação para Cidadania Ambiental


O agravamento da degradação ambiental levou a que, na segunda metade do século XX,
surgissem questionamentos acerca do modelo de desenvolvimento e da qualidade de vida no
planeta, pois já eram notórios eventos que prenunciavam o advento da crise ambiental. Segundo
Pessoa & Braga (2010, p.145),
No interior dessa crise está o homem, vítima e, simultaneamente, sujeito de culturas e
ideologias atreladas a modos de produção que separam homem e natureza e consideram
a última apenas como recursos a serem apropriados e utilizados impunemente e à
exaustão. A crise ambiental, resultante da relação sociedade/natureza, passou a exigir uma
reflexão cuidadosa, uma vez que apontou para um desafio a ser equacionado em curto
espaço de tempo e para o qual toda a sociedade precisa ser mobilizada. Esta crise exige
grandes mudanças nos hábitos e na filosofia de vida da sociedade contemporânea. A
educação surge, então, como uma das principais alternativas para a edificação dos
fundamentos que podem motivar as alterações das práticas socioambientais a serem
construídas.
Assim, a educação processa-se através de situações presenciadas e experiências vividas por
cada indivíduo ao longo da sua vida, incluindo a relação com os outros e com o meio ambiente,
que conduzem à construção e exercício da cidadania, através do auxílio da educação.

90
A educação permite-nos dar sentido de valor e até de pertença ao meio de que fazemos
parte. Assim, ela pode e deve ajudar a evitar a destruição deste meio, mostrando-nos os caminhos
para uma relação de respeito e reciprocidade, onde o ser humano explora a natureza a fim de suprir
apenas as suas necessidades. Como forma de concretizar este desejo, a educação ambiental
apresenta-se como uma forma de intervenção em todos os aspectos sociais, económicos, políticos,
culturais, éticos e estéticos com o objectivo de gerar uma consciência ecológica em cada ser
humano, permitindo assim mudar o comportamento do mesmo em relação à natureza – dando lugar
ao que designamos cidadania ambiental (Castro & Pelicioni, 2007).
O meio ambiente pode ser visto como o conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos
e sociais que podem causar efeitos directos ou indirectos sobre os seres vivos e as actividades
humanas. A cidadania ambiental é o efeito relacionado com o processo de aperfeiçoamento da
pessoa numa determinada condição de trato com este meio, passando para uma outra relativamente
melhor.
Segundo Serres (1994), a educação é que pode criar e reforçar um ser prudente, que se
julgue finito, e que a instrução da razão verdadeira lance-o em um infinito devir. As pessoas
capazes de “assinar” o contrato natural serão fruto dessa nova concepção de educação, uma vez
que, segundo o autor, “(...) não acreditamos mais na faculdade da consciência, razão e juízo (...),
mas, conhecemos homens; é preciso inventá-los; para os formar, é preciso um ensino e, para este,
um modelo. Tracemos, pois um retrato, nunca exemplificado, para que ele possa suscitar
imitadores” (Serres, 1994, p.146).
“Terceiro instruído” é a denominação dada por Serres àquele que será o exemplo na
formação dos novos homens. Ao mesmo tempo, aponta algumas das características que ele deve
reunir:
(...) “perito” em conhecimentos, formais ou experimentais, versado em ciências naturais,
do inerte e do mundo vivo, à margem das ciências sociais de verdades mais críticas que
orgânicas e de informação banal e não rara, preferindo as acções às relações, a experiência
humana directa aos inquéritos e aos processos, viajante da natureza e da sociedade (...)
enfim, sobretudo ardendo de amor pela Terra e pela humanidade (Serres, 1994, p.147).
O Terceiro instruído compreende a necessidade de se firmar um contrato natural com o que
possamos acabar com a guerra declarada contra o planeta Terra, que Serres denomina guerra
objectiva. Só o Terceiro instruído pode compreender o seguinte:
Ora, se existe um direito e, portanto, uma história para as guerras subjectivas, não existe
nenhum para a violência objectiva, sem limite nem regra, por conseguinte, sem história.
O crescimento dos nossos meios racionais conduz-nos a uma velocidade difícil de
calcular, na direcção da destruição do mundo que, por um efeito de retorno muito recente,

91
pode condenar-nos a todos, e não já por localidades, à extinção automática. (...)
precisamos novamente de inventar, sob a ameaça de morte colectiva, um direito para a
violência objectiva (Serres, 1994, p.31).
O direito a inventar, segundo Serres, passa pela assinatura do contrato natural que, como
se referiu no tópico sobre “emergência da problemática ambiental contemporânea”, é de simbiose
e de reciprocidade, onde a nossa relação com as coisas abandonaria o domínio e a posse e buscaria
a escuta admirativa, pela reciprocidade, pela contemplação e pelo respeito.
É um contrato onde o conhecimento não mais suporia a propriedade nem dominação. Um
contrato de simbiose implica o reconhecimento, pela humanidade, dos direitos da Terra e de toda
família planetária. Serres (1994) preconiza a revisão conceitual do direito natural de Locke, pelo
qual o homem é o único sujeito de direito. O mundo foi visto como nosso senhor, depois tornou-
se nosso escravo, em seguida passou a ser visto como nosso hospedeiro, e agora temos que admitir
que é, na verdade, nosso simbiota.
Nesta perspectiva, é preciso continuar com o debate sobre a educação, meio ambiente e
cidadania ambiental, que tem conquistado maior centralidade, assumindo um papel cada vez mais
desafiador e demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais que se
complexificam e riscos ambientais que se intensificam (Fernandes, 2010).
Entende-se que a educação ambiental, como tantas outras áreas de conhecimento, é um
aprendizado social que deve ser usado a serviço da comunicação para a solução de problemas por
meio da interacção e do constante processo de recriação e reinterpretação de informações,
conceitos e significados que podem se originar do aprendizado em sala de aula ou da experiência
pessoal do aluno.
Para Colombo (2014), na esfera da educação, o conceito de cidadania deve ter como
prioridade a ideia de que o verdadeiro cidadão é aquele que incorpora práticas em sua vida que
possam auxiliar na boa convivência em prol do planeta. Esse princípio orienta as formas de pensar
e repensar a escola e suas acções pedagógicas tornando possível aos educandos que exerçam de
facto, desde cedo, sua cidadania e gradativamente tomem consciência de seus direitos e deveres.
A agenda internacional (Agenda 21 da ONU) tem como princípio na dimensão social, o
desenvolvimento humano, com destaque para a melhoria na qualidade de vida com o crescimento
económico e conservação ambiental em busca da equidade social. Para isso, julga-se necessário
implementar iniciativas de educação para a cidadania ambiental com fundamento na
sustentabilidade tendo em conta a realidade da população, sua cultura e seu modo de vida. “É

92
importante, além disso, realizar campanhas de informação e consciencialização da população sobre
os temas da gestão dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável” (Fernandes, 2010,
p.81).
Educação ambiental e cidadania estão intimamente interligadas, isto é, cidadania relaciona-
se com a identidade e a pertença a uma colectividade. A educação ambiental como formação e
exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de encarar a relação do Homem com a Natureza,
baseada numa nova ética, que pressupõe valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e
os homens (Colombo, 2014).
Assim, segundo Colombo (2014), é necessária uma nova ética global que possibilite a todos
ter qualidade de vida sem prejudicar o outro. É preciso pensar que a aquisição de conhecimentos
e habilidades, de valores e atitudes, visa um avanço na qualidade de vida que se reflecte sobre os
cuidados necessários com o meio ambiente. É urgente também repensar atitudes perante o grande
e exagerado consumismo actual, já que os recursos existentes no planeta devem beneficiar a todos
os habitantes e garantir-lhes uma melhor qualidade de vida. Por sua vez, Jacobi (2003, p.192-193)
diz que
(...) a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as
pessoas para transformar as diversas formas de participação na defesa da qualidade de
vida. Nesse sentido, cabe destacar que a educação ambiental assume cada vez mais uma
função transformadora, na qual a co-responsabilização dos indivíduos torna-se um
objectivo essencial para promover um novo tipo de desenvolvimento – o desenvolvimento
sustentável. Entende-se, portanto, que a educação ambiental é condição necessária para
modificar um quadro de crescente degradação socioambiental, mas ela ainda não é
suficiente, o que, no dizer de Tamaio (2000), se converte em “mais uma ferramenta de
mediação necessária entre culturas, comportamentos diferenciados e interesses de grupos
sociais” para a construção das transformações desejadas.
Entende-se que a educação ambiental, como tantas outras áreas de conhecimento, é um
aprendizado social que deve ser usado a serviço da comunicação para a solução de problemas por
meio da interacção e do constante processo de recriação e reinterpretação de informações,
conceitos e significados que podem se originar do aprendizado ou da experiência pessoal do
indivíduo, levando à cidadania ambiental.
Importa referir que, como já o dissemos no capítulo anterior, a modalidade de educação em
uso nesta tese é a não formal, ancorada no seguinte conceito: um processo de transformação, de
desenvolvimento e de amadurecimento da vida dos indivíduos em sociedade, desempenhando um
papel fundamental na formação e na criação de uma cidadania responsável e comprometida pela
vida e pela criação do saber. Nesta linha de pensamento, a educação está situada como fundamento

93
no processo de formação humana e desenvolvimento, assumindo um papel preponderante na
construção de saberes, na orientação para o desenvolvimento humano e para novas formas de
perceber, pensar e agir no mundo.
Sendo que, neste tópico, estamos a discutir a relevância da educação para a cidadania
ambiental, é pertinente lembrarmos que adoptamos como conceito de cidadania ambiental o
seguinte: refere-se ao conjunto de condições que possibilitem ao ser humano actuar na defesa da
vida. Trata-se da participação de cada cidadão, de qualquer lugar do mundo, para a promoção do
equilíbrio ambiental do planeta.
Assim, a educação para a cidadania ambiental é uma acção que permite mostrar/ver o
mundo como um todo integrado, em que os seus ocupantes (vivos e não vivos) estão interligados,
são interdependentes e não dissociados. Há uma interdependência fundamental entre tudo o que
faz parte do nosso planeta e de todo o universo, de tal forma que, vivamos como indivíduos ou
como sociedade, encontramo-nos dentro de vários processos cíclicos da Natureza e dependemos
de tais ciclos.
A educação para a cidadania ambiental ajuda a perceber que não se deve separar os seres
humanos dos outros seres da Natureza, que constituem o meio ambiente natural. Todos os seres
vivos que compõem a Natureza têm um valor intrínseco e os homens são apenas um aspecto
particular desse todo. Leff (2011, p.113) diz que
A década de 70 traz especial transformação ao ambientalismo, desde que Estocolmo
(1972) saiu de um enclausuramento natural e tomou dimensões em escalas mundiais. A
Conferência de Tbilisi (1977), considerada marco conceitual definitivo da Educação
Ambiental, rompe com a educação meramente conservacionista, baseada na prática
conteudista, biologicista, pragmática, frequentemente descontextualizada, ingénua e
simplista. Ela fundamentou a Educação Ambiental em “dois princípios básicos: 1. Uma
nova ética que orienta os valores e comportamentos para os objectivos de sustentabilidade
ecológica e equidade social; 2. Uma nova concepção do mundo como sistemas
complexos, a reconstituição do conhecimento e do diálogo de saberes”, convertendo a
interdisciplinaridade em um princípio metodológico a ser privilegiado pela Educação
Ambiental.
A nova ética preconizada no trecho acima remete-nos à ideia de uma educação ambiental
preocupada com o comportamento do ser humano em relação à Natureza, que a educação
ambiental e a cidadania estão intimamente interligadas, isto é, a cidadania relaciona-se com a
identidade e a pertença a uma colectividade. Colombo (2014) diz que, para que seja possível uma
nova perspectiva em relação ao meio ambiente, a educação é elemento fundamental. Garantir a
sustentabilidade do planeta implica em mudanças de comportamentos e atitudes. Para que isso
aconteça, a educação torna-se factor necessário e imprescindível.

94
Nesta perspectiva, a educação revela-se importante, pois, como referem Grubba et al (2017,
p.10), ela permite a superação constante de “paradigmas direccionados à tecnologia, à ciência e à
racionalidade, pois não parece certo afirmar que cabe à técnica figurar como tábua de salvação aos
problemas instaurados, ou ainda, o remédio para a crise”. O novo paradigma da modernidade deve
ser a sustentabilidade, cujo suporte passa pela educação dos indivíduos, particularmente
objectivando-se o cuidado com o meio ambiente, capitalizando-se a cidadania ambiental.
Para que a cidadania ambiental seja efectivada e continue a se fortalecer, é preciso que no
interior da actividade educativa se olhe para o seu aspecto particular ligado às questões ambientais,
isto é, à educação ambiental que, diante da actual crise socioambiental, surge como instrumento
fundamental para enfrentar os problemas ambientais, na sua grande maioria causados por acções
humanas (Guimarães et al, 2009). Segundo Jacobi (2003, p.197),
Quando nos referimos à educação ambiental, situamo-la em contexto mais amplo, o da
educação para a cidadania, configurando-a como elemento determinante para a
consolidação de sujeitos cidadãos. O desafio do fortalecimento da cidadania para a
população como um todo, e não para um grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade
de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto, em actor
co-responsável na defesa da qualidade de vida. O principal eixo de actuação da educação
ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença
através de formas democráticas de actuação baseadas em práticas interactivas e
dialógicas. Isto se consubstancia no objectivo de criar novas atitudes e comportamentos
diante do consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de valores individuais e
colectivos.
Assim, o campo da educação ambiental deve ser objecto de (muitas) pesquisas, com o
objectivo de trazer novos conhecimentos para lidar com questões tais como saneamento básico de
qualidade, diminuição da emissão de gases poluentes no ar, manutenção da fauna e flora e um
clima equilibrado, exigindo mudanças para escaparmos das catástrofes ambientais (Layrargues,
2009). Cândido (2010, p.47) diz que
A relação entre meio ambiente e educação para a cidadania assume um papel cada vez
mais desafiador, no sentido de formular uma educação ambiental que seja crítica e
inovadora, em dois níveis: formal e não formal. Assim, a educação ambiental deve ser
acima de tudo um acto político voltado para a transformação social. A sua acção deve
buscar uma perspectiva que relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo em conta
que os recursos naturais se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é
o homem.
Portanto, a educação ambiental representa um instrumento essencial para superar os actuais
impasses da nossa sociedade. Neste sentido, segundo Castro & Pelicioni (2007, p.12), “torna-se
evidente o papel da educação como formadora das consciências, na construção de conhecimento
e no desenvolvimento de competências para a melhoria da qualidade de vida, alcançada por meio
de transformação social”. Em suma, podemos dizer que a educação é o processo de assimilação,
95
difusão e renovação cultural e moral conducente ao desenvolvimento integral dos indivíduos e das
sociedades.
Outro aspecto não menos importante é a relação entre a ética e a educação ambiental. A
filosofia da natureza e a ética ambiental surgiram junto com a emergência do pensamento da
complexidade e dos métodos da interdisciplinaridade (Leff, 2001, p.241). A ética ambiental traz
novos valores e princípios gerais que foram assimilados pelas orientações e conteúdos de alguns
programas educacionais. Os princípios e valores ambientais promovidos por uma pedagogia do
ambiente devem enriquecer-se com uma pedagogia da complexidade, que induza nos educandos
uma visão da multicausalidade e das inter-relações dos diferentes processos que conduzam à
sustentabilidade.
Podemos, então, afirmar que entre a ética e a educação ambiental existe uma relação
necessária, tal como afirma Avzaradel (s/d). Sobre a relação entre cidadania e educação ambiental,
Jacobi (2003, p.198) refere que
E como se relaciona educação ambiental com a cidadania? Cidadania tem a ver com a
identidade e a pertença a uma colectividade. A educação ambiental como formação e
exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de encarar a relação do homem com a
natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma
diferente de ver o mundo e os homens. A educação ambiental deve ser vista como um
processo de permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento
e forma cidadãos com consciência local e planetária.
A racionalidade ambiental conjuga uma nova ética e novos princípios produtivos com um
pensamento da complexidade que questiona as ciências para incorporar o saber ambiental
emergente. A educação ambiental na educação formal básica procura vincular a pedagogia do
ambiente a uma pedagogia da complexidade – induzir e fomentar as capacidades e habilidades
mentais para ver o mundo como sistemas complexos, para compreender a causalidade múltipla, a
interdeterminação e interdependência dos diferentes processos. As estratégias educacionais para o
desenvolvimento sustentável implicam a necessidade de reavaliar e actualizar os programas de
educação ambiental, ao tempo que se renovam seus conteúdos com base nos avanços do saber e
da democracia ambiental (Leff, 2001, p.250-251).
Neste sentido, a educação ambiental é um processo histórico que exige o compromisso do
Estado e da cidadania para elaborar projectos nacionais, regionais e locais, onde a educação se
defina através de um critério de sustentabilidade que corresponda ao potencial ecológico e aos
valores culturais de cada região. Assim, o conceito de racionalidade articula as formações
ideológicas e conceituais com os processos de produção e aquisição de conhecimentos e saberes,

96
num projecto histórico de transformação social (Leff, 2001, p.251-252). Pessoa & Braga (2010,
p.146), comentando Dias (2003), dizem que
Essa nova modalidade de educação se define como um novo processo educacional capaz
de inspirar mudanças profundas nos modelos de desenvolvimento, nos hábitos e
comportamentos dos indivíduos e da sociedade, visando a busca de soluções colectivas
para os problemas ambientais. Para tanto, a Educação Ambiental deveria se constituir
como uma prática permanente e interdisciplinar, minimizadora dos problemas ambientais
e integradora das práticas sociais.
O papel da pedagogia da interdisciplinaridade deve ser o de construir territórios do saber,
fertilizados pelas luzes multifacetadas que o olhar ambiental lança sobre a reconstrução do mundo.
Esta perspectiva serve para o contexto moçambicano, unindo esforços das diferentes instituições
de ensino e o trabalho realizado pelas organizações da sociedade civil. A materialização desta
perspectiva deve ser sempre na articulação de cursos, formações e projectos de acção
implementados e os que estão em vista, rumo à consciencialização para a complexidade da questão
ambiental. Desta forma, poder-se-á concretizar a cidadania ambiental com eficácia.
Abordar a questão de um projecto de uma cidadania ambiental é procurar ampliar o
horizonte de problemas a que a educação deve ater a sua atenção e tentar colocar no centro dos
debates o papel da mesma educação na mudança da atitude humana em relação ao meio ambiente.
Por isso, Jacobi (2003, p.199) diz que
A educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as
pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais caminhos de
dinamização da sociedade e de concretização de uma proposta de sociabilidade baseada
na educação para a participação.
A sociedade encontra na educação ambiental um subsídio para melhorar a qualidade de
vida e do ambiente, uma vez que a sua prática, além de ser um processo participativo do educador
e dos aprendizes, é também uma forma de amor para com a vida e a natureza (Charbaje et al,
2013). Por isso se faz necessário dar atenção especial à educação dos indivíduos e que se trabalhe,
desde já, as consequências de nossas acções diárias e a importância de cuidarmos do que está ao
nosso alcance.
Glasenapp & Agapito (2013, p.30719) referem que nos dias actuais, dadas as
transformações ambientais decorrentes da acção humana ao longo da história da constituição de
suas sociedades, emergem debates em diversas esferas sociais acerca das questões referentes ao
meio ambiente, ou seja, às possibilidades sustentáveis de manter a relação homem
moderno/Natureza com vista à manutenção da interacção entre ambos.

97
Nos referidos debates, é consensual que o Homem precisa de mudar positivamente de
atitude perante a Natureza, não só pela preservação desta, mas também pela preservação do próprio
Homem, através da garantia de condições de sobrevivência para as gerações vindouras, como
defende Jonas (2006). Entretanto, surgem controvérsias quando se trata de assumir o compromisso,
particularmente a nível das nações, uma vez que nem todas aderem aos protocolos em prol do
Meio Ambiente ou então violam os referidos protocolos.
Baldin & Albuquerque (2012, p.1), ao introduzirem relatos de suas pesquisas sobre
cidadania ecológica com estudantes universitários do Brasil e de Portugal, sustentam que
A nova concepção de Mundo que se afirma no presente século, baseada nos conceitos de
éthos global, de ecologia, de preservação da História do homem no seu habitat, de
urbanismo e crescimento sustentável e de qualidade de vida, coloca-nos perante questões
inéditas e fundamentais, associadas à finitude e fragilidade dos recursos naturais e à
consequente possibilidade de supressão da vida.
Os resultados dessas pesquisas foram: 1) Na fase inicial, foi possível perceber que as
crianças tinham consciência de que diversas atitudes humanas são prejudiciais ao meio ambiente,
porém não possuíam claramente o entendimento do conceito de saneamento básico, suas
implicações na qualidade de vida humana e de que forma podem contribuir para garantir a
manutenção desse serviço no município.
2) A segunda etapa objectivou estender a reflexão para além do ambiente escolar e analisar
o comportamento referente às práticas de saneamento existentes entre os membros da comunidade
local. Os resultados da pesquisa apontaram para atitudes positivas em relação às práticas de
saneamento básico.
3) A realização do estudo de campo nas ruas próximas à escola se configurou como a
terceira etapa do projecto e foi bastante significativa, visto que permitiu aos alunos observarem de
forma crítica e minuciosa as condições de saneamento presentes no bairro. Foi possível perceber
que parte da população toma cuidados relacionados ao armazenamento adequado do lixo, possui
o hábito de separar materiais recicláveis, entre outras práticas. Dessa forma, a comunidade escolar
teve a oportunidade de reflectir sobre as condições de saneamento básico presentes no bairro.
4) A quarta etapa do projecto consistiu no resgate histórico do processo de urbanização. O
resgate desse processo histórico foi desencadeado através da contribuição de um aluno da turma
que trouxe para a sala de aula o livro de Tebaldi (2008), intitulado Projecto mangue: preservação
dos manguezais e zonas de maré, que relata esta história por meio da voz dos moradores da
comunidade. Através desse material as crianças puderam melhor compreender o que é saneamento

98
básico e visualizar como se deu o processo de transformação de uma área de invasão em uma área
urbanizada.
5) A quinta etapa do processo trata-se de uma palestra ministrada aos alunos sobre o uso
racional da água potável e aproveitamento da água da chuva. Com base nas informações obtidas
na palestra os alunos construíram um painel com o tema Os Rios que Temos e os Rios que
Queremos Ter. O painel foi elaborado com material 100% reutilizado, em perspectiva 3D, e ao
mesmo tempo interactivo, pois qualquer pessoa que por ali passasse poderia colocar nas folhas da
árvore sua sugestão para a preservação da natureza.
6) A sexta etapa consistiu na abordagem do tema Destinação Adequada do Lixo. Para isso
a turma assistiu a dois vídeos que abordam os impactos do lixo na natureza. Os alunos também
estudaram o tempo de degradação dos materiais que são descartados de forma incorrecta na
natureza. Com base neste estudo, organizaram uma exposição, no jardim da escola, utilizando o
lixo para ilustração e apontando o tempo de degradação de cada um dos materiais, a fim de
consciencializar os demais colegas, professores e pais, da importância de destinarmos
correctamente o lixo que produzimos diariamente, direccionando-o para os locais adequados de
tratamento, como reciclagem e aterro sanitário.
Estas pesquisas e os respectivos resultados enquadram-se na temática em debate neste
texto, uma vez que tocam nos diferentes aspectos atinentes à educação para cidadania ambiental.
Pelo relato acima, percebe-se que as pesquisas giraram em torno da educação, consciencialização
e ética ambiental, elementos essenciais para a formação da cidadania ambiental.
Com a ideia de cidadania ambiental, pretende-se colocar o debate sobre a educação e ética
ambiental como reajuste contextualizado da acção humana sobre o meio ambiente. A hipótese
geral é a de que cada sociedade deve encontrar alternativas próprias, que não ponham em causa o
seu modus vivendi, para uma coexistência saudável entre os diferentes seres da Natureza.
Neste contexto, a educação ambiental torna-se imprescindível na medida em que possibilita
um aumento do nível de consciência ambiental dos indivíduos, destacando os problemas
ambientais que levam ou podem levar à degradação da qualidade de vida das sociedades humanas
e de todos os seres viventes, bem como do meio envolvente. A educação ambiental, para além de
elevar o nível de consciência ambiental pode fortalecer o exercício da cidadania e a reformulação
de valores éticos e morais, individuais e colectivos, numa perspectiva orientada para o
desenvolvimento sustentável. Como diz Jacobi (2003, p.200),

99
A educação ambiental, como componente de uma cidadania abrangente, está ligada a uma
nova forma de relação ser humano/natureza, e a sua dimensão quotidiana leva a pensá-la
como somatório de práticas e, consequentemente, entendê-la na dimensão de sua
potencialidade de generalização para o conjunto da sociedade. Entende-se que essa
generalização de práticas ambientais só será possível se estiver inserida no contexto de
valores sociais, mesmo que se refira a mudanças de hábitos quotidianos.
O problema da degradação do planeta Terra obriga a que se repense o conceito de cidadania
e a sua prática, tendo em conta a necessidade de se manter o equilíbrio ecológico. Para isso, o
sentimento de pertença e de um vínculo antropológico, que é comum aos seres humanos, é um
vector de responsabilização dos cidadãos pelo seu agir comportamental e sua participação na
manutenção de condições favoráveis de vida e de habitabilidade. Neste sentido, Jacobi (2003,
p.203) diz que
Nessa direcção, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e
sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais
factores de dinamização da sociedade e de ampliação do controle social da coisa pública,
inclusive pelos sectores menos mobilizados. Trata-se de criar as condições para a ruptura
com a cultura política dominante e para uma nova proposta de sociabilidade baseada na
educação para a participação.
Os aspectos elencados nesta ideia de educação para a cidadania, proposta por Jacobi,
podem ser reconduzidos para a ideia de educação para a cidadania ambiental, uma vez que esta
também requer a participação/envolvimento de todos os indivíduos de uma sociedade, dos mais
novos aos mais velhos. E a educação é uma acção que cabe bem para levar a bom termo esta
participação, dado que a educação ocorre ao longo de toda a vida, sem excepção de idade.
Nesta ordem de pensamento, propõe-se uma educação de convivência voltada ao outro e
ao meio em que se vive, viabilizando a alteridade, além de condições de agradabilidade e de
convivência equilibrada entre os seres vivos. A educação ambiental deve auxiliar os cidadãos na
formação de uma consciência ecológica, pois todos precisam tomar consciência de que o futuro
humano está interligado ao meio ambiente, fonte de todos os recursos que subsidiam a vivência da
humanidade e, para que isso ocorra, “é necessário praticar acções ecologicamente correctas”
(Gomes et al, 2018, p.225). Sobre a relação entre a educação e a consciência ecológica, Jacobi
(2003, p.196) sublinha que
As políticas ambientais e os programas educativos relacionados à consciencialização da
crise ambiental demandam cada vez mais novos enfoques integradores de uma realidade
contraditória e geradora de desigualdades, que transcendem a mera aplicação dos
conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis. O desafio é, pois, o de formular
uma educação ambiental que seja crítica e inovadora, em dois níveis: formal e não formal.
Assim, a educação ambiental deve ser acima de tudo um acto político voltado para a
transformação social. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva holística de acção, que
relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo em conta que os recursos naturais se
esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o homem.

100
Da citação acima, podemos dizer que dos novos enfoques a que se refere o autor, inclui-se
as acções das OSC’s, em particular as que lidam com questões ligadas à preservação/protecção do
Meio Ambiente, bem como à educação para a formação da cidadania ambiental. As OSC’s, ao
desenvolver tais acções, de certa forma, exercem um acto político, pois elas também estão
empenhadas na luta pela transformação social positiva, particularmente em prol do Meio
Ambiente.
Assim, nesta perspectiva e apoiando-nos em Bassani (s/d), concordamos que a educação
ambiental é um processo de aprendizagem contínua, baseada na ética, valores, no bem comum, em
respeito a todas formas de vida. Este tipo de educação contribui para transformação humana, social
e preservação ecológica; no estímulo da formação de sociedades mais justas e ecologicamente
equilibradas, estimulando a solidariedade, igualdade e respeito aos direitos humanos, promovendo
oportunidades de mudanças democráticas de base, de modo diversificado, interdisciplinar e
principalmente holístico. Do que se disse acima, e apoiando-nos em Loureiro (2006, p.3), podemos
concluir que
A Educação Ambiental se constituiu com base em propostas educativas oriundas de
concepções teóricas e matrizes ideológicas distintas, sendo reconhecida (…) como de
inegável relevância para a construção de uma perspectiva ambientalista de sociedade. Tal
fato é relativamente simples de compreender quando pensamos a Educação Ambiental –
EA como uma praxis educativa que se definiu no próprio processo de actuação, nas
diferentes esferas da vida, das forças sociais identificadas com a “questão ambiental”.
Estas, em suas múltiplas tendências, nas últimas três décadas, procuram materializar
acções distintas e por vezes antagónicas, almejando alcançar patamares societários
distintos do actual por meio de caminhos vistos como sustentáveis, requalificando a
compreensão e o modo de nos relacionarmos na natureza.
A educação é fundamental na construção da comunhão entre a vida humana e o planeta
Terra em sua totalidade, pois a educação é um processo contínuo que dura toda a vida. Educar é
criar espaços de convivências e de conversações, é levar o indivíduo humano a conhecimento de
seu mundo no respeito e na reflexão e não negá-lo ou destruí-lo, tornando-o capaz de se envolver
sistematicamente na gestão dos negócios da comunidade, dando-lhe sentido de responsabilidade e
cidadania. Assim, o conhecimento levará ao entendimento, à compreensão e a uma acção
harmoniosa e ajustada com os outros e o meio.
Portanto, a educação para a cidadania ambiental é relevante na medida em que contribui na
formação para a transformação do indivíduo em pessoa e em cidadão; é um subsídio para melhorar
a qualidade de vida e do ambiente; possibilita um aumento do nível de consciência ambiental; a
educação ambiental como formação e exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de

101
encarar a relação do Homem com a Natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe valores
morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens, na perspectiva de uma cabeça bem-
feita preconizada por Morin ou do terceiro instruído idealizado por Serres.
Relativamente aos problemas ambientais contemporâneos, no contexto da educação para a
cidadania ambiental, as organizações da sociedade civil (OSC’s), enquanto instituições de
educação, podem desempenhar um papel preponderante, uma vez que se apresentam como
disseminadores da educação ambiental que ajuda a identificar os problemas que afectam a
qualidade de vida das pessoas, além de encontrar soluções e alternativas para resolver as questões
ambientais que afectam as comunidades (Fernandes, 2010).
De forma mais específica, as OSC’s ambientais podem ser fundamentais no processo de
aprofundamento e expansão das acções de educação ambiental, pois, muitas vezes, impulsionam
iniciativas governamentais e dão apoio às organizações de iniciativa privada interessada no
desenvolvimento de projectos nesta área. Estas organizações fazem parte do grupo de interessados
preocupados com a problemática ambiental (Tristão & Tristão, 2016, p. 49).
Jacobi (2003) observa que um grande salto quantitativo e qualitativo nas actividades de
educação ambiental e outras de carácter conservacionista tem sido proporcionado pelas ONG’s e
organizações comunitárias, crescendo anualmente, com o desenvolvimento de uma extensa lista
de acções não formais, indicativas de práticas inovadoras, preocupadas em desenvolver a co-
responsabilidade das pessoas e grupos sociais quanto à importância de formar cidadãos cada vez
mais comprometidos com as questões ambientais.
O tema sobre as acções das OSC’s relativas à educação ambiental e à educação para a
cidadania ambiental será desenvolvido no capítulo IV, ao reflectirmos em torno das organizações
da sociedade civil e a educação para a cidadania ambiental, no qual procurar-se-á trazer alguns
possíveis contributos das OSC’s para a educação e para a educação para a cidadania ambiental.
Segue o capítulo III, da metodologia, no qual será o descrito o caminho trilhado para a consecução
dos objectivos preconizados na introdução deste texto.

102
CAPÍTULO III: METODOLOGIA
A metodologia é o caminho trilhado para a realização de um trabalho, seja de que natureza
for. Esta pesquisa não esteve isenta desse caminho. O primeiro passo para a consecução desta
pesquisa foi a delimitação do tema, que passou por vários momentos de reescrita, desde a
submissão do pré-projecto de candidatura para a admissão ao curso de Doutoramento até à
aprovação do projecto final da tese.
Foi do projecto final que se adoptou a actual designação da pesquisa: O Papel das
Organizações da Sociedade Civil na Educação para Cidadania Ambiental em Moçambique: o
caso da KUWUKA JDA. A partir desta delimitação temática, chegou-se à outra, a espacial, que se
circunscreve ao espaço de actuação da KUWUKA JDA, nomeadamente, a Cidade e Província de
Maputo, a Província de Inhambane e a Província de Tete. Porém, por uma questão de contexto,
buscou-se outros espaços do ponto de vista teórico, não se estabelecendo, por isso, uma
delimitação do ponto de vista temporal.
A presente pesquisa é de natureza teórico-empírica, pois, além da utilização de dados
secundários, faz-se a recolha de dados primários em pesquisa de campo. Quanto ao tratamento de
dados, a pesquisa é qualitativa, pois é um estudo que prima por uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito-pesquisador, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objectivo e a
subjectividade do sujeito-pesquisador que não pode ser traduzida em números (Mutimucuio, 2008;
Creswell, 2007; De Mello, 2014).
Dadas as premissas acima, segue abaixo, de forma mais detalhada, a caracterização da
pesquisa, que compreenderá quatro momentos: 1) classificação da pesquisa, 2) procedimentos
técnicos, 3) validade e fiabilidade dos resultados e 4) considerações éticas da pesquisa.

1. Classificação da Pesquisa
Neste tópico é caracterizada a pesquisa tendo em conta os seguintes elementos: finalidade,
natureza do problema e objectivos, procedimentos técnicos e estratégia ou forma de abordagem do
problema.

1.1. Em relação à finalidade: a pesquisa é básica. Segundo Do Nascimento (2016, p.2),


“A pesquisa básica objectiva gerar conhecimento novo para o avanço da ciência, busca gerar
verdades, ainda que temporárias e relativas, de interesses mais amplos (universalidade), não

103
localizados. Não tem, todavia, compromisso de aplicação prática do resultado”. A ideia
anteriormente exposta é corroborada por Gil (2008, p.26), ao afirmar que
A pesquisa pura busca o progresso da ciência, procura desenvolver os conhecimentos
científicos sem a preocupação directa com suas aplicações e consequências práticas. Seu
desenvolvimento tende a ser bastante formalizado e objectiva a generalização, com vista
à construção de teorias e leis.
A pesquisa básica está menos voltada para o desenvolvimento de teorias de valor universal
que para a aplicação imediata numa realidade circunstancial. De modo geral é este o tipo de
pesquisa a que mais se dedicam os pesquisadores sociais. Portanto, a pesquisa básica é um estudo
teórico ou experimental original ou incremental que visa compreender factos e fenómenos
observáveis, sem ter em vista o uso ou a aplicação específica imediata e analisar propriedades,
estruturas e conexões para formular e comprovar hipóteses ou teorias.

1.2. Quanto à natureza do problema e aos objectivos: a presente pesquisa é descritiva.


Para Do Nascimento (2016, p.4), as pesquisas descritivas “buscam a descrição de características de
populações ou fenómenos e de correlação entre variáveis”. Segundo Gil (2008, p.28),
As pesquisas deste tipo têm como objectivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenómeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis.
São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob este título e uma de suas
características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de colecta
de dados.
As pesquisas descritivas visam identificar e descrever as características de determinada
população, indivíduo, local, máquina, empresa ou fenómeno ou o estabelecimento de relações
entre variáveis. “A pesquisa descritiva observa, regista, analisa e correlaciona factos e fenómenos
(variáveis) sem manipulá-los” (Cervo et al, 2007, p.66).

1.3. Quanto à estratégia ou forma de abordagem do problema: a pesquisa é qualitativa,


uma vez que tem por base conhecimentos teórico-empíricos que permitem atribuir-lhe
cientificidade, empregando mais de uma fonte de dados. Além disso, a pesquisa fundamenta-se
principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de
instrumentos estatísticos na análise dos dados.
Do Nascimento (2016, p.3) refere que a pesquisa qualitativa “baseia-se na interpretação
dos fenómenos observados e no significado que carregam, ou no significado atribuído pelo
pesquisador, dada a realidade em que os fenómenos estão inseridos. Considera a realidade e a
particularidade de cada sujeito-objecto da pesquisa.”

104
Optou-se por uma abordagem qualitativa, aquela que, segundo Afonso (2014, p.14),
“preocupa-se com a recolha de informação fiável e sistemática sobre aspectos específicos da
realidade social usando procedimentos empíricos com o intuito de gerar e inter-relacionar
conceitos que permitam interpretar essa realidade”. Esta opção fundamenta-se numa investigação
de carácter empírico, que pode ser traduzida como todo o processo de produção científica que se
enraíza na relação entre a observação empírica rigorosa e sistemática e a sua construção narrativa,
por meio de um raciocínio lógico.
Ainda sobre a abordagem qualitativa, Silva & Menezes (2005, p.20) dizem que nela há uma
relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, aquela que se caracteriza pela interpretação dos
fenómenos e a atribuição de significados, aquela onde o ambiente natural é a fonte directa para a
colecta de dados e o pesquisador o seu instrumento-chave, aquela que é descritiva e os seus dados
são analisados indutivamente e, por último, aquela onde o processo e o seu significado são os focos
principais de abordagem.
O processo é descritivo, indutivo, de observação que considera a singularidade do sujeito
e a subjectividade do fenómeno, sem levar em conta princípios já estabelecidos. Permite
generalizações de forma moderada, tendo em vista que parte de casos particulares.

1.4. Quanto aos procedimentos técnicos: a pesquisa é bibliográfica, entretanto, será


permeada pela pesquisa documental e pelo estudo de campo. O primeiro procedimento técnico
adoptado para este estudo é a pesquisa bibliográfica, que é a busca sistemática de conhecimento
sobre o assunto, do que já existe, o que os diferentes autores já discutiram, propuseram ou
realizaram. Esta pesquisa é elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente
por livros, artigos de periódicos e material disponibilizado na Internet. Em relação a este
procedimento, Gil (2008, p.50) diz que
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos. (...) Parte dos estudos exploratórios podem
ser definidos como pesquisas bibliográficas, assim como certo número de pesquisas
desenvolvidas a partir da técnica de análise de conteúdo. A principal vantagem da
pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama
de fenómenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar directamente. Esta
vantagem se torna particularmente importante quando o problema de pesquisa requer
dados muito dispersos pelo espaço.
O segundo procedimento técnico é a pesquisa documental. Do Nascimento (2016, p.6) diz
que a pesquisa documental, ou histórica, consiste, de modo geral, na procura, leitura, avaliação e
sistematização, objectivamente, de provas para clarificar fenómenos passados e suas relações com

105
o tempo sócio-cultural-cronológico, visando obter conclusões ou explicações para o presente. De
acordo com Gil (2008, p.51),
a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento
analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objectivos da pesquisa.
(...) O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da pesquisa
bibliográfica. Apenas há que se considerar que o primeiro passo consiste na exploração
das fontes documentais, que são em grande número.
Nas palavras de Do Nascimento (2016), a pesquisa documental é uma técnica que permite
estudar um problema a partir da expressão dos indivíduos. Ou seja, considera-se que a linguagem
e a comunicação constantes dos documentos produzem factos sociais a partir do que se pretendeu
dizer. É tipicamente uma análise de conteúdos para permitir cotejo entre o que o documento
objectivou transmitir ou comunicar e a realidade. A selecção da amostra do material deve ser
“proposital” ou “intencional”, escolhida por deliberação do pesquisador mediante pressuposto de
adequação para a pesquisa.
O terceiro procedimento técnico é o estudo de campo, pois o pesquisador procurou
aprofundar a realidade específica e envolveu a observação directa das actividades dos grupos
estudados, neste caso, a KUWUKA JDA, bem como a aplicação de questionários e entrevistas a
estes, de modo a captar explicações e interpretações aí decorrentes. Sobre a pesquisa de campo,
Gil (2008, p.57) diz que
(...) os estudos de campo procuram muito mais o aprofundamento das questões propostas
do que a distribuição das características da população segundo determinadas variáveis.
Como consequência, o planeamento do estudo de campo apresenta muito maior
flexibilidade, podendo ocorrer mesmo que seus objectivos sejam reformulados ao longo
do processo de pesquisa. Outra distinção é a de que no estudo de campo estuda-se um
único grupo ou comunidade em termos de sua estrutura social, ou seja, ressaltando a
interacção de seus componentes. Assim, o estudo de campo tende a utilizar muito mais
técnicas de observação do que de interrogação.
Esta fase foi realizada após o estudo bibliográfico e documental, para que o pesquisador
tivesse um bom conhecimento sobre o assunto e definir com mais propriedade os meios de colecta
de dados. Foi uma fase exploratória, pois teve como finalidade aprofundar o conhecimento do
pesquisador sobre o assunto estudado.
Boa parte da tese é fundamentada com base na revisão bibliográfica. Afonso (2014, pp. 50-
51) afirma que a revisão bibliográfica ajuda a contextualizar a investigação em três planos, a saber:
1) O plano político e social, onde se aborda o tema por se estudar dentro de um
enquadramento político e social relevante para a sua adequada compreensão;

106
2) O contexto teórico, onde se identifica os campos teóricos e as linhas de investigação em
função dos quais o problema vai ser reconceptualizado;
3) A contextualização metodológica, onde se insere o projecto em uma linha de
investigação específica (que pode ser o estado da arte, a avaliação do panorama de pesquisa já
realizada ou o desenvolvimento/adopção de uma estrutura conceptual específica).
Procedeu-se à consulta de fontes primárias e secundárias consideradas imprescindíveis para
a realização da pesquisa, tomando em especial consideração o seu valor informativo, as
experiências globais e o seu grau de adaptação ao contexto moçambicano. Por isso, foi cruzada
informação de âmbito internacional com a de âmbito nacional, emanada em livros, artigos e
documentos institucionais.
Para além da revisão bibliográfica e pesquisa documental, recorreu-se ao método
fenomenológico ou à fenomenologia. A fenomenologia surgiu, no século XX, como um projecto
filosófico sob a égide de Edmund Husserl, ao anunciar um novo modo de consideração, bem como
um método de evidenciação para a abertura de uma nova objectividade do mundo, em cuja
imanência os objectos se revelariam na e para a consciência, em sua doação originária. A
estratégia metodológica adoptada pela fenomenologia é a evidenciação do que se mostra
originariamente à consciência intencional e, num segundo momento, em torno da possibilidade do
uso dessa mesma estratégia nas ciências humanas (Tourinho, 2017, p.2).
A fenomenologia nasce de uma inspiração de Husserl frente ao problema da busca do
elemento universal presente nas filosofias modernas. Estas pressupunham que era possível
conhecer a verdade essencial e, portanto, universal das coisas. Assim, na tentativa de alcançar a
determinação das coisas, fazia-se necessária a presença daquele que pode alcançar essas
determinações. Para Husserl (2000, p.6-7), a fenomenologia é:
Uma descrição da estrutura específica do fenómeno (fluxo imanente de vivências que
constitui a consciência) e, como descrição de estrutura da consciência enquanto
constituinte, isto é, condição a priori de possibilidades do conhecimento, o é na medida
em que ela, enquanto Consciência Transcendental, constitui as significações e na medida
em que conhecer é pura e simplesmente apreender (no nível empírico) ou constituir (no
nível transcendental) os significados dos acontecimentos naturais e psíquicos. A
fenomenologia aparece, assim, como filosofia transcendental.
A ideia que mantém, por um lado, aquele que é capaz de conhecer, alcançando as
determinações do objecto, ou seja, o sujeito, e por outro lado o objecto, que tem suas determinações
como coisa, opera uma cisão do sujeito que pergunta e da coisa investigada. A dúvida com relação
à crença de que se pode alcançar a verdade universal por meio do sujeito que conhece ofereceu um

107
momento propício para o surgimento da fenomenologia. Com a fenomenologia, Husserl pretende
superar as epistemologias realistas e idealistas (Feijoo & Mattar, 2014, p.442).
Nas palavras de Husserl (2000, p.8), “Assim, a descrição do vivido, dos actos intencionais
da consciência e das essências que eles visam, isto é, dos correlatos intencionais – enfim, a
disciplina que poderá fundamentar a lógica – é a fenomenologia”. Esta ideia pode ser traduzida
nos seguintes termos: em todo o conhecimento, um cognoscente (sujeito) e um conhecido (objecto)
encontram-se “face a face”. A relação que existe entre os dois é o próprio conhecimento.
A oposição dos dois termos não pode ser suprimida; esta oposição significa que os dois
termos são originariamente separados um do outro, transcendentes um ao outro. Os dois termos da
relação não podem ser separados dela sem deixar de ser sujeito e objecto. O sujeito só é sujeito
(pesquisador) em relação a um objecto (pesquisado ou de pesquisa) e o objecto só é objecto em
relação a um sujeito. Cada um deles é o que é em relação ao outro. Estão ligados um ao outro por
uma estreita relação; condicionam-se reciprocamente. A sua relação é de correlação. Assim,
A unidade entre o acto de conhecer e o objecto que é conhecido encontra na
fenomenologia, na ciência do fenómeno, isto é, da consciência enquanto manifestação de
si mesma e das significações objectivas, a possibilidade de instauração da “filosofia como
uma ciência rigorosa” (Husserl, 2000, p.8).
A relação constitutiva do conhecimento é dupla, mas não é reversível. O facto de
desempenhar o papel de sujeito (pesquisador) em relação a um objecto (pesquisado) é diferente de
desempenhar o papel de objecto em relação a um sujeito. No interior da correlação, sujeito e
objecto não são, portanto, permutáveis, a sua função é a na sua essência diferente.
A função do sujeito (pesquisador) é de apreender (captar) o objecto; a do objecto é de poder
ser apreendido (captado) pelo sujeito e em sê-lo efectivamente. Considerada do lado do sujeito (do
pesquisador), essa apreensão (captação) pode ser descrita como a saída do sujeito para fora da sua
própria esfera e como uma incursão na esfera do objecto, a qual é, para o sujeito, transcendente e
heterogénea.
O sujeito apreende as determinações do objecto e, ao apreendê-las, introdu-las e fá-las
entrar na sua própria esfera. “Como pode o fenómeno puro do conhecimento atingir algo que lhe
não é imanente, como pode o conhecimento (absolutamente dado em si mesmo) atingir algo que
não se dá em si absolutamente? E como pode compreender-se este atingir?” (Husserl, 1973, p.27).
A resposta à pergunta acima pode ser esta: o sujeito (pesquisador) não pode captar as
propriedades do objecto senão fora de si mesmo, pois a oposição do sujeito e do objecto não
desaparece na união que o acto do conhecimento estabelece entre eles; permanece indestrutível. A

108
consciência dessa oposição é um aspecto essencial da consciência do objecto. O objecto, mesmo
quando é apreendido, permanece para o sujeito algo exterior; é sempre o que está diante dele. Ao
conhecer, o sujeito apreende as determinações do objecto para posteriormente representar o
objecto, mesmo que este esteja ausente – é a consciência.
Assim, a fenomenologia é um método de pesquisa qualitativo orientado para os
significados da existência humana. O primeiro passo da reflexão fenomenológica e a eliminação
de todos os preconceitos, isto é, de todas as pressuposições prévias. No método fenomenológico,
é fundamental a preocupação com a suspensão de qualquer tipo de crença no mundo exterior, seja
a crença do senso comum, do homem ingénuo, do filósofo ou cientista. Como já anunciado, a
realidade deve ser posta entre parênteses, num acto de redução fenomenológica ou, se quisermos,
de abstracção.
O primeiro grau de clareza é, pois, este: o imanente ingrediente, ou o que aqui significa
o mesmo, o adequadamente dado em si mesmo é inquestionável, e que me é permitido
utilizar. O transcendente (o não inclusivamente imanente) não me é lícito utilizá-lo, por
isso, tenho de levar a cabo uma redução fenomenológica, uma exclusão de todas as
posições transcendentes (Husserl, 1973, p.24).
A ideia acima de Husserl vai de encontro com um dos procedimentos metodológicos do
presente estudo, no qual o pesquisador evitou que suas experiências pessoais interferissem na
busca da essência da experiência do outro – é a epoché. As entrevistas/os questionários foram
conduzidas de modo que o entrevistado tivesse liberdade e condições para descrever a experiência
vivenciada. O objectivo da fenomenologia é transformar a experiência vivida em uma expressão
textual de sua essência (De Mello, 2014, p.329).
A fenomenologia faz-se forte quando acompanhada pela hermenêutica enquanto método.
Destaca-se, neste aspecto, Gadamer (1999). A ideia central do pensamento de Gadamer reside em
sua hermenêutica filosófica. Na hermenêutica filosófica, a interpretação assume o papel de
compreensão de uma tradição, de um texto, de uma sociedade e, concomitantemente, de
autocompreensão do próprio intérprete.
Relativamente aos preconceitos que envolvem o pesquisador, Gadamer propõe que a
hermenêutica deve a analisar e especular as suas “pré-compreensões” e “pré-juízos” e buscar na
dinamicidade, interpretações potencialmente mais apropriadas. Nas palavras de Gadamer (1999,
p.91),
(…) quem procura compreender fica exposto aos erros derivados de pressuposições que
não encontram confirmação no objecto. (…) A compreensão de tudo o que se deve
compreender consiste totalmente na elaboração desse projecto preliminar, que

109
obviamente é revisto continuamente com base no resultado da penetração ulterior do
texto.
O encontro entre a fenomenologia e a hermenêutica é fundamental para a compreensão da
educação, uma vez que permite perceber que vivência da educação é inseparável da vida e nos
acompanha em cada passo. A experiência da educação nos abre a percepção de um ser humano
que se desenvolve educando-se. Por isso, Gadamer (1999, p.91) assevera que
(...) quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que o texto lhe diga
algumas coisas. Por isso, uma consciência educada hermeneuticamente deve ser
preliminarmente sensível à alteridade do texto. Tal sensibilidade não pressupõe
‘neutralidade’ objectiva nem um esquecimento de si mesmo, mas implica uma precisa
tomada de consciência das próprias pressuposições e dos próprios preconceitos.
A experiência da educação nos remete de imediato à fenomenologia genética que revela a
constituição do ser humano em sua formação no tempo (Josgrilberg, 2015).
O ser humano revela suas características essenciais em formação. O ser humano está
sendo. A educação aparece na base da antropogenética. Na análise da vivência intencional
e eidética da educação constatamos inicialmente que há sempre um outro implicado,
directa ou indirectamente. O fenómeno educativo é um fenómeno da convivência
humana. É intencional porque implica as condições de percepção de um indivíduo que
percebe ou recebe passivamente (no caso do bebé) algo transmitido por outro (Josgrilberg,
2015, p.9).
Assumir uma postura fenomenológica na Educação é considerar o âmbito educacional em
toda a sua complexidade e reflectir sobre os modos como cada um age e sente, de acordo “com as
nuances do seu sentir e como cada um vê o mundo a partir de sua própria experiência e de sua
cultura”. Portanto, assumir na educação uma “atitude fenomenológica”, significa compreender o
educar como um projecto “que se actualiza em acções e programações na temporalidade e na
espacialidade mundanas (Bicudo, 1999, pp.14, 48) ”, ou seja, no existir.
Estas considerações de Bicudo coadunam com a perspectiva de Morin sobre a educação:
formação dos indivíduos e sua transformação. Como vimos em Morin, a transformação requer a
abertura dos indivíduos para a acomodação dos novos saberes e estes devem ser partilhados pela
comunidade de modo que cumpram com a sua finalidade de levar os indivíduos à consciência e
autoconsciência.

2. População e amostra
Mutimucuio (2008, p.35) diz que a população-alvo é o conjunto de elementos (empresas,
produtos, pessoas) a quem a pesquisa se aplica. Todos os elementos possuem características que

110
serão objecto de estudo. Idealmente, uma população-alvo deveria ser representada por uma lista
finita de todos os seus membros.
A amostra é a parte do universo (população) escolhida por algum critério de
representatividade. Uma noção importante referente à amostragem é reconhecer que uma amostra
válida simplesmente não é o conjunto de respostas que adquirimos quando administrarmos um
questionário. Um conjunto de respostas só é amostra válida, em condições estatísticas, se for obtido
por um processo de amostragem aleatório (Mutimucuio, 2008, p.35).
Para a colecta de dados, a população e a amostra do estudo são compostas por gestores,
membros, colaboradores da KUWUKA JDA e alguns membros das comunidades beneficiárias das
actividades desta associação. A selecção da amostra foi por conveniência e intencional, isto é,
obtenção de respostas de pessoas que estão disponíveis e dispostas a participar. É uma amostra
não probabilística na qual os respondentes são escolhidos com base em sua conveniência e
disponibilidade (Babbie, 1990 apud Creswell, 2007, p.164) e no conhecimento da população e do
subgrupo que é representativo. A amostragem por conveniência permite obter informações de
forma rápida, o que foi bom para a celeridade da pesquisa. O conhecimento do subgrupo garante
maior fiabilidade de informação colhida.

3. Técnicas e Instrumentos de Recolha de Dados


Os passos da colecta de dados incluem estabelecer as fronteiras para o estudo, colectar
informações através de observações e entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas, documentos e
materiais visuais, bem como estabelecer o protocolo para registar informações (Creswell, 2007,
p.189).
Uma das técnicas usadas neste estudo foi a observação. Para Afonso (2014, p.91), a
observação é uma técnica de recolha de dados particularmente útil e fidedigna, na medida em que
a informação obtida não se encontra condicionada pelas opiniões e pontos de vista dos sujeitos,
como acontece nas entrevistas e nos questionários.
Além da observação, esta pesquisa priorizou questionários de perguntas abertas e
entrevistas semi-estruturadas. Questionário é um conjunto de perguntas feitas para gerar os dados
necessários para se verificar se os objectivos de um projecto foram (ou não) atingidos
(Mutimucuio, 2008, p.44; Creswell, 2007).

111
A entrevista, na perspectiva de Mutimucuio (2008, p.55), trata-se de uma conversa entre o
entrevistador e o sujeito respondente. Há uma maior flexibilidade para o entrevistador. Este tem
oportunidade de observar atitudes, reacções e condutas durante a entrevista. Segundo Mutimucuio
(2008, p.56), na entrevista semi-estruturada existe um roteiro preliminar de perguntas contendo as
ideias principais, que se molda à situação concreta de entrevista. O entrevistador pode adicionar
novas perguntas de seguimento se for necessário. Para a realização das entrevistas, elaborou-se um
guião com um leque de questões.
A colecta incluia um mínimo de uma entrevista semestral, com os informantes; observações
das actividades KUWUKA JDA contempladas pela pesquisa. Por constrangimentos ligados à
COVID-19, a delimitação temporal foi redimensionada, reduzindo-se a sua extensão (durante um
período de sensivelmente um ano, tempo estipulado em função dos ajustes de disponibilidade dos
entrevistados para a sua realização), de forma a arrolar o seu conhecimento sobre as questões
colocadas. Ainda por constrangimentos provocados pela COVID-19, uma parte da colecta de
dados foi feita por telefone.
Neste contexto, foram conduzidas entrevistas e aplicados questionários aos representantes
dos membros, aos gestores e colaboradores da KUWUKA JDA e alguns representantes das
comunidades onde a actua a organização. As entrevistas e os questionários foram aplicada(o) s de
forma individual e em grupos (focus group). No caso da recolha de dados em grupos, o pesquisador
contou como o apoio dos pontos focais (focal point). Sobre a recolha de dados em grupos, Gil
(2008, p.115) diz que “O focus group é conduzido pelo pesquisador, que actua como moderador,
ou por uma equipe, que inclui, além do pesquisador, um ou mais moderadores e um assistente de
pesquisa. O número de participantes varia entre 6 e 12 pessoas.”
O critério de selecção dos representantes das comunidades teve como base a mais-valia que
o seu depoimento poderia proporcionar em função da experiência e conhecimento que detêm sobre
as acções da KUWUKA JDA e da educação e promoção do exercício da cidadania ambiental em
Moçambique. Fora da rigidez dos instrumentos de recolha de dados, os informantes foram
solicitados a transmitir as suas experiências, de forma livre, julgando conveniente e sem
constrangimentos de suas considerações e de seus sentimentos. As experiências foram registadas
por escrito.
Como se pode notar, esta pesquisa orientou-se pelo método indutivo que, segundo Silva &
Menezes (2005, p.26), considera que o conhecimento é fundamentado na experiência (não levando

112
em conta princípios preestabelecidos), que a generalização deriva de observações de casos da
realidade concreta e que as constatações particulares levam à elaboração de generalizações.

4. Estratégias de tratamento de dados


De acordo com Creswell (2007, p.194), a discussão do plano de análise dos dados deve ter
diversos componentes. O processo de análise de dados consiste em extrair sentido dos dados de
texto e imagem. Envolve preparar os dados para análise, conduzir análises diferentes, aprofundar-
se cada vez mais no entendimento dos dados, fazer a representação dos dados e fazer uma
interpretação do significado mais amplo dos dados. A proposta pode incluir diversos processos
genéricos que transmitam um sentido das actividades gerais de análise de dados qualitativos.
O tratamento de dados desta tese adoptou alguns passos propostos por Creswel (2007,
p.195-199), nomeadamente:
1) Organização e preparação os dados em diferentes tipos, dependendo das fontes de
informações;
2) Leitura de todos os dados. Um primeiro passo geral é obter um sentido geral das
informações e reflectir sobre seu sentido global;
3) Começo da análise detalhada com um processo de codificação. A codificação é o
processo de organizar materiais em “grupos” antes de dar algum sentido a esses “grupos”. O
processo de codificação serve para gerar uma descrição do cenário ou das pessoas além das
categorias ou dos temas para análise;
4) A descrição, que envolve o fornecimento de informações detalhadas sobre pessoas,
locais ou factos em um determinado cenário. Com a codificação pode-se gerar um pequeno número
de temas ou categorias, para um estudo de pesquisa. Pode-se usar o processo de codificação para
gerar uma descrição do cenário ou das pessoas além das categorias ou dos temas para análise.
Além de identificar os temas durante o processo de codificação, os pesquisadores qualitativos
podem aproveitá-los para construir camadas adicionais de análises complexas;
5) Previsão da forma como a descrição e os temas serão representados na narrativa
qualitativa. O método mais popular é usar uma passagem narrativa para transmitir os resultados da
análise. Pode ser uma discussão que mencione uma cronologia dos factos, a discussão detalhada
de diversos temas ou uma discussão com temas interconectados.

113
6) Um passo final na análise de dados envolveu fazer uma interpretação ou extrair
significado dos dados. Quais foram as lições aprendidas? Essas lições podem ser a interpretação
pessoal do pesquisador, expressa no entendimento individual que o investigador traz para o estudo
a partir de sua própria cultura, sua história e suas experiências. Também pode ser um significado
derivado de uma comparação de resultados com informações extraídas da literatura ou de teorias
existentes.
Para Silva & Menezes (2005, p.35), toda a análise de dados deve ser feita para atender aos
objectivos da pesquisa e para comparar e confrontar dados e provas com o objectivo de confirmar
ou rejeitar a (s) hipótese (s) ou os pressupostos da pesquisa. Pawluch (2005, p.231), por seu lado,
refere que o objectivo de uma análise qualitativa é, ao contrário de meramente contar ou medir
dados, o de capturar os significados subjectivos de situações que determinam a vida em sociedade
e o de entender os processos sociais pelos quais esses significados são construídos.
Berger & Luckman (1967), ao se debruçar sobre modelos globais de abordagem do saber
no domínio das ciências sociais, em geral, e no domínio das ciências da educação, em particular,
também destacam que, no processo de construção do saber, é tarefa do investigador “precisamente
ir buscar junto daqueles que sabem, o discurso de que são portadores” (Berger & Luckman, 1967,
p.178). Nesse exercício, estes autores propõem duas técnicas de investigação, também escolhidas
no contexto da presente tese como recursos metodológicos para poder conduzir a pesquisa.
Berger e Luckman (1967) salientam, por um lado, o que designam de “epistemologia da
escuta”, que faz com que o observador se envolva no aparecimento e no desenvolvimento dos
fenómenos que estuda priorizando o que lhe é dito pelo entrevistado/inquirido (Berger & Lucman,
1967, p.189) e, por outro, o que chama de “epistemologia do sentido”, onde o mais importante não
é só o que se é dado a ouvir ou a ver ao investigador, mas também o sentido de tais situações para
aqueles que nelas estão envolvidos (Berger & Luckman, 1967, p.190).
O tratamento de dados e sua interpretação, nesta pesquisa, segue fundamentalmente as
seguintes etapas:
1) Agregação categórica, na qual o pesquisador procurou uma colecção de instâncias de
dados, esperando que questões com significados relevantes emerjam;
2) Interpretação directa, em que o pesquisador observou uma instância simples e extraiu o
significado dela sem olhar as múltiplas instâncias;

114
3) Estabelecimento de padrões, onde o pesquisador observou se havia correspondência
entre duas ou mais categorias, levantando similaridades e diferenças entre os casos;
4) Generalizações (naturalísticas), nas quais o pesquisador desenvolveu generalizações que
podem ser aprendidas do caso ou que podem ser aplicadas a outros casos.
5) Descrição detalhada dos factos e resultados, para aferir se confirmam informações
passadas ou divergem delas. Isso também pode sugerir novas questões que precisam ser
respondidas - questões levantadas por dados e análises que não foram previstas no começo do
estudo.
A fase da descrição, análise e interpretação dos dados realizou-se seguindo os mesmos
procedimentos metodológicos de uma pesquisa qualitativa. Segundo Afonso (2014, p.115), “na
construção do texto descritivo, a informação disponível deve ser tratada de um modo estratégico,
em função da sua relevância na economia da descrição”, de modo a não esconder o essencial entre
o acessório. Por conseguinte, procurou-se descrever o conteúdo das entrevistas e dos questionários,
priorizando o essencial do que foi dito por cada um dos entrevistados/inquiridos (e não a
transcrição total do seu enunciado) em cada uma das questões do guião de entrevista/do
questionário.
Para o tratamento/a discussão de dados foi fundamental a análise documental, análise do
conteúdo e a análise discurso, uma vez que são analisados documentos institucionais e as perguntas
colocadas aos respondentes são abertas, permitindo que sejam desenvolvidos discursos de acordo
com a percepção de cada um dos envolvidos.

5. Validade e fiabilidade dos resultados


Embora a validação de resultados ocorra em todos os passos do processo de pesquisa, esta
discussão a destaca para enfatizar sua importância. Quem desenvolve uma proposta precisa
informar os passos que vai dar no estudo para verificar a precisão e credibilidade de seus resultados
(Creswell, 2007, p.199). Para assegurar validade interna dos resultados, o pesquisador empregou
as seguintes estratégias:
1) Triangulação de dados – os dados são colectados através de fontes múltiplas para incluir
questionários, entrevistas, observações e análise de documentos;

115
2) Verificação de membro – o informante actuou como conferente durante todo o processo
de análise. Um diálogo contínuo relativo às interpretações da realidade e dos significados do
informante assegura o valor de verdade dos dados;
3) Observações a longo prazo e repetidas no local de pesquisa e da actuação dos
informantes – observações regulares e repetidas de fenómenos e cenários similares ocorreram nos
locais referidos durante a recolha de dados;
4) Exame dos pares – colegas do curso, do trabalho e outros pesquisadores actuaram como
examinadores pares;
5) Modos de pesquisa participativos – alguns informantes estiveram envolvidos na maioria
das fases do estudo, desde a recolha de dados até à verificação das interpretações e conclusões;
6) Esclarecimentos dos vieses do pesquisador – no início deste estudo, os vieses do
pesquisador foram articulados ao redigir a proposta de tese.
A estratégia primária utilizada nesta pesquisa para assegurar validade externa é a provisão
de descrições ricas, densas e detalhadas, de forma que qualquer pessoa interessada no que for
transferível tenha uma estrutura sólida para comparação (Merriam, 1998). Três técnicas para
assegurar confiabilidade foram empregadas neste estudo.
Primeiro, o pesquisador fez um relato detalhado do foco do estudo, do papel do
pesquisador, da posição dos informantes e da base para selecção e do contexto no qual os dados
foram colectados (LeCompte & Schensul, 1999). Segundo, foram usadas triangulações ou métodos
múltiplos de colecta e análise de dados, o que aumenta a confiabilidade e a validade interna
(Merriam, 1998). Finalmente, as estratégias de colecta e análise de dados são relatadas em detalhes
para garantir um quadro claro e acurado dos métodos usados neste estudo. Todas as fases desta
pesquisa foram sujeitas à investigação de um pesquisador com experiência em métodos de
pesquisa qualitativa.
A recolha de informação qualitativa foi crucial e indispensável para a realização do estudo.
Segundo Afonso (2014, p.112), “dados qualitativos podem consistir em textos recolhidos de
documentos arquivados ou publicados, relatórios de observação produzidos pelo investigador e
discurso de actores sociais recolhidos em entrevistas, ou em respostas não estruturadas de
questionários”. Mais adiante, Afonso (2014) avança três critérios de avaliação da qualidade dos
dados, nomeadamente a fidedignidade, a validade e a representatividade.

116
A sua validade pode ser atestada pelo facto de a informação recolhida ter sido
providenciada pelos actores directos da realidade em estudo (uns na qualidade de meros
membros/colaboradores da KUWUKA JDA ou, cumulativamente, exercendo cargos de direcção
ou outros, por exemplo, os beneficiários das acções da KUWUKA JDA directamente associados
ao tema da pesquisa).
Quanto à representatividade dos dados, embora tenham sido recolhidos através de
entrevistas/questionários a membros e colaboradores da KUWUKA JDA e alguns representantes
das comunidades (não sendo, por isso, passíveis de generalização) os sujeitos envolvidos e os
contextos seleccionados podem representar, num maior ou menor grau, os conjuntos dos sujeitos
e dos contextos a que a pesquisa se refere.

6. Considerações éticas da pesquisa


Boa parte dos autores que discute sobre pesquisa qualitativa aborda a importância das
considerações éticas, como atestam Locke et al (2000); Marshall & Rossman (1999); Merriam
(1998); Spradley (1980). O pesquisador tem obrigação de respeitar direitos, necessidades, valores
e desejos dos informantes, particularmente na observação participante, pois se invade a vida do
informante (Spradley, 1980) e informações confidenciais são frequentemente reveladas. Isso é
particularmente uma preocupação neste estudo, no qual as funções e a instituição dos informantes
são bem visíveis. Usou-se os seguintes salvaguardas para proteger os direitos dos informantes:
1) Os objectivos desta pesquisa foram articulados verbalmente e por escrito, de forma que
fossem claramente entendidos pelos informantes (incluindo uma descrição de como os dados
seriam utilizados);
2) Os informantes deram permissão escrita para prosseguir com o estudo da forma como
foi articulado;
3) Foi protocolado um formulário de isenção de pesquisa institucional;
4) Os informantes foram comunicados sobre todos os mecanismos e sobre todas as
actividades de colecta de dados;
5) Transcrições literais, interpretações escritas e relatórios foram disponibilizados para os
informantes;
6) Direitos, interesses e desejos do informante foram considerados em primeiro lugar
quando foi necessário fazer escolhas em relação ao relato dos dados;

117
7) A decisão final em relação ao anonimato dos informantes foi deles.
Em suma, em todas as etapas desta pesquisa, os critérios de confiabilidade e validade foram
extremamente importantes, posto que proporcionaram maior credibilidade à pesquisa e
aumentaram a possibilidade de se fazer generalizações analíticas. Considerando os aspectos desse
processo, é relevante, e faz-se necessário, lembrar que o pesquisador é um sujeito multicultural,
possui diferentes visões sobre as concepções do eu e do outro. Apresentada a metodologia, segue
no capítulo IV a apresentação e análise dos resultados obtidos a partir do roteiro acima descrito.

7. Limitações e Constrangimentos do Estudo


Tal como qualquer actividade humana é envolvida por constrangimentos e limitações,
também este estudo esteve sujeito a alguns obstáculos que, de certa forma, dificultaram a sua
consecução na perspectiva em que foi projectado. Das limitações que se impuseram ao estudo,
destacam-se quatro, nomeadamente:
1) A escassez de material bibliográfico nacional e internacional que versa directamente
sobre a cidadania ambiental em Moçambique, o que obrigou o pesquisador a desdobrar-se em
reinterpretações para atribuir significados ou adaptar os conceitos plasmados em literatura sobre a
problemática ambiental ao contexto da pesquisa;
2) Dificuldade de acesso à informação decorrente da falta de compromisso por parte de
alguns informantes;
3) Dificuldade de acesso a alguns informantes por conta das restrições impostas pelas
autoridades moçambicanas no contexto da pandemia da COVID-19.
4) Morte de um dos principais informantes da KUWUKA JDA e saída de outro da
organização, reduzindo o horizonte qualitativo e quantitativo de colecta de informações/dados.
Para superar estas dificuldades, optou-se pela representatividade dos potenciais grupos de
informantes e capitalizou-se o recurso à documentação que relata as práticas dos grupos-alvo bem
como da KUWUKA JDA. Como consequência destas limitações, algumas questões tratadas neste
estudo são permeadas de algumas penumbras que, poderão ser aclaradas em estudos posteriores
pelo pesquisador ou por outros pesquisadores.

118
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
Este capítulo dedica-se à apresentação e análise dos resultados a partir do cruzamento dos
diferentes dados obtidos a partir de informações recolhidas na literatura e das contribuições dos
membros, colaboradores e beneficiários das acções da KUWUKA JDA. O capítulo começa por
fazer uma abordagem geral, passando pelo nível intermédio, correspondente a Moçambique e
termina fazendo uma discussão particularizada, referente ao contributo da KUWUKA JDA.

1. Sobre as Organizações da Sociedade Civil e a Educação para a Cidadania Ambiental


Neste tópico, pretende-se apresentar o contributo que as Organizações da Sociedade Civil
(OSC’s) podem dar em prol da formação de cidadãos ambientalmente educados. O objectivo que
norteia este tópico é: Discutir o papel das organizações da sociedade civil na promoção de uma
educação para a cidadania ambiental face aos problemas ambientais contemporâneos. Como
metodologia para o alcance deste objectivo, recorreu-se à pesquisa bibliográfica, fazendo-se um
exercício similar aos dos capítulos anteriores. O presente tópico comporta dois momentos: (1) o
papel das OSC’s na educação e (2) As OSC’s e a educação para a cidadania ambiental.
O tópico procura responder à seguinte pergunta de pesquisa: “Qual o é papel que as
organizações da sociedade civil desempenham na promoção de uma educação para a cidadania
ambiental?” Antes de se entrar no cerne deste tópico, é preciso clarificar que usar-se-á (de forma
indiscriminada) os termos Organização Não-Governamental (ONG) e Organização da Sociedade
Civil (OSC), para referir à mesma realidade.

1.1. O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação


Como forma de introduzir este tópico, importa retomar/repetir o pensamento de Gramsci
sobre a sociedade civil, hegemonia e educação/trabalho pedagógico. Convém lembrar que Gramsci
usa o conceito sociedade civil para mostrar o conjunto de organizações privadas responsáveis pelas
operações de hegemonia.
A conquista da hegemonia pelas classes subalternas configura-se, portanto, como um
processo que implica a conquista da consciência política, ou consciência de classe que, por sua
vez, possibilita a cada homem a conquista da autoconsciência, através da visão crítica de si mesmo.
A conquista da autoconsciência só é possível com a educação, por meio das relações pedagógicas

119
que, segundo Gramsci, não se limitam à escola e à relação professor-aluno, dado que a educação
tem um carácter mais amplo, ocorrendo nas relações interpessoais e sociais. Gramsci elucida esta
ideia nos seguintes termos:
(...) a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente ‘escoláticas’
através das quais as novas gerações entram em contacto com as antigas e absorvem as
suas experiências e os seus valores historicamente necessários, “amadurecendo” e
desenvolvendo uma personalidade própria, histórica e culturalmente superior. Esta
relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo com relação' aos
outros indivíduos, bem como entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre
governantes e governados, entre elite e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre
vanguardas e corpos de exército. Toda relação de “hegemonia” é necessariamente uma
relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas
forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de
civilizações nacionais e continentais (Gramsci, 2010, p.37).
Sobre a ideia supracitada de Gramsci, Rummert (1986, p.2) refere que o trabalho
pedagógico assume grande importância, na teoria gramsciana, uma vez que é através dele que se
poderá conduzir o homem a uma prática social coerente, unitária e capaz de forjar as
transformações históricas e também a prática pedagógica, verificada no seio das sociedades
fundadas no antagonismo entre as classes sociais fundamentais, que irá plasmar, de forma acrítica
e desagregada, a consciência do homem, alijando-o, consequentemente, de uma participação activa
em seu tempo histórico.
O trabalho pedagógico encontra nas organizações da sociedade civil (OSC’s), um lugar
privilegiado para a sua realização. As OSC’s apresentam-se como instituições sem fins lucrativos
com o objectivo de atender a demandas por serviços sociais, favorecer o desenvolvimento
económico local, obstar a degradação ambiental, defender os direitos civis e procurar atender
muitos outros anseios da sociedade, ainda não atendidos, ou deixados sob a responsabilidade do
Estado, como é o caso da educação.
Feitosa & Abílio (s/d) referem que a educação está situada como fundamento no processo
de formação humana e seu desenvolvimento, assumindo um papel preponderante na construção de
saberes, na orientação para o desenvolvimento humano e para novas formas de perceber, pensar e
agir no mundo. É necessário pensar a educação como um movimento que aconteça em todas as
esferas da sociedade. Como um fazer educativo que represente a ideia-força para a construção de
modalidades inovadoras no processo de formação humana, considerando o contexto e o quotidiano
como recursos, meios e fins na configuração de sociedades mais justas, solidárias e sustentáveis.
Nesta perspectiva, de acordo com Cabral (2000), a sociedade civil, através de Organizações
Não-Governamentais (ONG’s), tem contribuído para a formação humana em suas múltiplas

120
dimensões. Tal contribuição se reflecte na construção de identidades dos sujeitos, de modo que estas
entidades constituem-se como agentes sociais que realizam mediações de carácter educacional,
político, assessoria técnica, prestação de serviços e apoio material e logístico para comunidades
específicas e para diferentes segmentos da sociedade, nas esferas local, regional, nacional e
internacional.
Assim, as actividades das OSC’s comportam, mesmo que de forma implícita, muito de
educacional e, de certa forma, pode-se dizer que todas as suas actividades são educacionais. Por
exemplo, as OSC’s educam quando fazem denúncias de poluição ambiental, de violação dos
direitos humanos, quando promovem palestras e informações sobre doenças de transmissão sexual,
quando assessoram e capacitam as comunidades para enfrentar diferentes problemas que lhes
afligem, quando actuam em outras tantas frentes. Em simultâneo, muitas OSC’s intervêm de forma
explícita nas áreas amplamente reconhecidas como educacionais, através de programas e projectos
cujas actividades estão ligadas ao âmbito escolar, seja privado ou público. Ghanem (2012, p.54)
diz que
As organizações da sociedade civil oferecem directamente serviços educacionais
mediante convénios e terciarização ou substituem funções técnicas de órgãos públicos na
formação de pessoal, na elaboração de materiais de estudo e na formulação de orientações
pedagógicas. Ao mesmo tempo, ONG’s com propósitos sedimentados na promoção dos
direitos humanos e da democracia procuraram contribuir para o redireccionamento e o
fortalecimento da actuação do Estado em educação. Contudo, quer educando, quer
influindo em outras práticas educacionais, o carácter privado das ONG’s as coloca no
centro de um desafio: a realização do direito à educação. Desafio que remete
imediatamente às escolas públicas.
Segundo Dos Santos et al (2010, p.1), “As organizações da sociedade civil têm
desempenhado um papel de prestador de serviços de educação, de influência de políticas e práticas
de educação, essencialmente nos Estados considerados frágeis, onde o papel do Estado se encontra
mais enfraquecido.” Desta feita, as OSC’s têm o papel de promover uma educação para os direitos
sociais e económicos dos cidadãos, prestando apoio aos governos, como atesta Ghanem (2012, p.54):
A actuação das ONG’s em educação escolar pode ser considerada a partir das
perspectivas: paliativa, inovadora, de mudança ou de pressão política. O carácter paliativo
do trabalho das ONG’s se verifica quando mantêm serviços escolares ou quando se
constituem como estabelecimentos escolares. Nesta linha, remedeiam provisoriamente as
lacunas do poder público na garantia do direito à educação em sua expressão escolar. Na
perspectiva inovadora, as ONG’s questionam práticas ineficientes com experimentos de
alternativas às realidades que criticam. Tais experimentos servem de inspiração a outros
grupos e de fundamento para programas governamentais. O impacto desta actuação varia
conforme o êxito em estabelecer novos programas públicos ou em obter apoio do Estado
para implementar programas próprios em maior escala. Na perspectiva de mudança, as
ONG’s podem actuar para fazer convergir práticas orientadas pela lógica de inovação
com outras orientadas pela lógica de reforma educacional. (...) A perspectiva da pressão

121
política se distancia das práticas educacionais directas e se concentra nas condições gerais
de recursos para aquelas práticas outras, cujo suprimento depende de prescrições legais e
de seu cumprimento.
Apesar deste papel saudável, há um risco neste momento de que a participação das ONG’s
se dê no rumo do esvaziamento do papel do Estado na área social, assumindo responsabilidades
por acções antes nas mãos dos sectores públicos, particularmente, em uma conjuntura de
diminuição dos recursos da cooperação internacional. Ao mesmo tempo, contraditoriamente, em
uma situação de desmonte dos serviços públicos, a actuação das ONG’s no campo da educação
pode ajudar na qualificação das acções educacionais oferecidas pelo Estado, garantindo o seu
fortalecimento (Oliveira & Haddad, 2001).
As OSC’s devem ser vistas como um espaço da problematização do saber e do
conhecimento, pois elas são abertas, conservadoras, regeneradoras e geradoras. A dimensão aberta,
conservadora, regeneradora e geradora das OSC’s deve-se ao facto de proporcionarem e promover
no seu meio o espírito de diálogo e de encontro de diversos saberes, um encontro de diferentes
interlocutores. Deste modo, as OSC’s têm o papel de construir uma identidade cidadã num processo
dialéctico de relação com o mundo e o indivíduo, o local e o universal.
As OSC’s são uma escola que educa e eleva os indivíduos à cidadania e ao seu exercício.
Sendo assim, neste século XXI, caracterizado pelo espírito do consumismo, pela acelerada
degradação ambiental, pela globalização dos problemas ambientais, as OSC’s, através da
racionalidade aberta, aquela que proporciona o debate crítico e produtivo das ideias, são um
instrumento fundamental na educação e transformação dos indivíduos em cidadãos, uma educação
criativa e não reprodutiva que visa promover a cultura da valorização do pensar diferente, que
ensina a ética da compreensão planetária.
Além disso, as OSC’s, tomadas como um espaço privilegiado para o aperfeiçoamento do
exercício da cidadania, do conhecimento e para a iniciação na pesquisa científica, têm o papel de
repensar o modo como elas podem responder e aprofundar os grandes temas da humanidade e das
pessoas: isto implica a reforma do pensamento. “A reforma do pensamento teria, pois, consequências
existenciais, cívicas e éticas” (Morin, 2003, p.96). Esta reforma levaria a um modo de pensar que
permite compreender os problemas planetários e tomar consciência das necessidades políticas, sociais
e éticas; isso é ainda mais importante na medida em que o papel da consciência humana é agora
primordial para a salvação do planeta.
Parafraseando Morin (2000), podemos dizer que as OSC’s são também um local de
formação da condição humana, pois elas são um produto das potencialidades e das competências
122
do ser humano que guiado pela razão consegue construir saberes e conhecimentos vitais para si e
para o seu meio cultural. É uma realidade social, uma vez que está inserida num meio social, que
é por sua vez um fenómeno complexo.
A importância das OSC’s na educação, no contexto global e local ficou mais evidente com
a aprovação da Agenda 21, considerado o documento mais importante da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente – ECO 92, que tem por finalidade reorientar o desenvolvimento em
direcção à sustentabilidade, constituindo-se num plano de acção de médio e longo prazo,
estabelecendo um compromisso com um processo participativo e descentralizado, para que as
propostas nela contidas sejam assumidas e interiorizadas pela sociedade, com vista a alcançar um
consenso para a elaboração de uma Agenda 21 local para a comunidade (Coimbra & Fernandes,
2011, p.134).
Porém, quando focamos a educação para o plano ambiental, o papel das OSC’s torna-se
mais delicado, pois surge o desafio de fazer com que todos entendam a importância do meio
ambiente para a preservação da própria vida humana, através de uma educação ambiental que se
pretenda colectiva, solidária, crítica e permanente, aliadas à especificidade do momento em que
vivemos. Atingir este objectivo torna-se uma empresa gigantesca e complexa, uma vez as práticas
prejudiciais ao meio ambiente estão de tal fossilizadas que se precisa de um grande esforço para
modificar a mentalidade das nossas sociedades, caracterizadas pela racionalidade posta pela
modernidade e habituada ao que o modo de produção e o consumismo proporcionam.
Neste âmbito, é relevante o papel das OSC’s tendo em conta que a Educação Ambiental
pode contribuir para uma maior reflexão sobre o nosso actual modo de produção e consumo. A
nível da educação formal, as OSC’s podem ajudar os educadores/professores a compreenderem
que os problemas ambientais decorrem dos conflitos entre os interesses privados e o bem de todos,
bem como questionando as causas profundas da crise ambiental, difundindo-as nas esferas sociais
e nas escolas.
A participação das OSC’s em diferentes fóruns torna-as actores importantes nas
formulações e implementações de políticas públicas no que diz respeito à educação, seja a nível
de apoio na capacitação institucional (profissional), seja a nível de apoio material aos governos e
instituições de tutela educacional assim como a nível de intervenção nos processos pedagógicos.
Neste sentido, as OSC’s desempenham um papel de suma importância, uma vez que promovem
uma maior articulação local, com vista a garantir a representação das diferentes realidades e

123
anseios das populações, onde se caminhará para uma participação plena e presente. As OSC’s são
relevantes no desenvolvimento de uma educação que encerra em si conhecimentos que abrem
espaço para que os indivíduos e grupos usufruam do direito de exercício da cidadania, buscando a
construção e efectivação de uma identidade nacional e global, a partir de contextos locais (Coimbra
& Fernandes, 2011, p.134-135).
Entretanto, esta educação deve procurar ser crítica, abarcando as diferentes crises que o
mundo vive, a sua complexidade e as dificuldades daí decorrentes. Assim, poderemos caminhar
para uma educação cujo escopo é a cidadania ambiental, que levará não só à salvação do meio
ambiente mas também da humanidade. As OSC’s têm a missão de desenvolver uma Educação
Ambiental cuja base deve ser o pensamento crítico e inovador, nos âmbitos formal, não formal e
informal. Sobre o papel que as OSC’s desempenham ou podem desempenhar para a consecução
de tal educação, discutimos no ponto seguinte.

1.2. As Organizações da Sociedade Civil e a Educação para a Cidadania Ambiental


Com as mudanças que vem ocorrendo no meio ambiente (afectando-o negativamente), em
parte como consequência da acção humana, é imprescindível que se procure formas diversificadas
no sentido de se aperfeiçoar ou melhorar a actuação colectiva para a superação das dificuldades da
sociedade, sendo a educação para a cidadania ambiental uma das formas de consciencializar os
indivíduos da importância de conservar o meio em que vivem, demonstrando que é a
transformação de conduta que pode mitigar os efeitos nocivos à Natureza.
Sendo que o caminho é a sobrevivência e a permanência de vida na Terra, é necessário
articular a educação à questão da cidadania ambiental, de modo que se promova a responsabilidade
ética na relação sociedade-natureza. Assim, a educação é indispensável para o desenvolvimento
do sujeito e o procedimento educativo há-de pautar, também, pela educação para a cidadania
ambiental, uma vez que a formação da consciência ecológica é de fundamental importância para a
garantia de vida futura.

1.2.1. A Marcha Internacional em prol do Meio Ambiente


Antes de falarmos do papel que as OSC’s desempenham na educação para a cidadania
ambiental, convém percorremos brevemente a história internacional na luta pela causa ambiental,
de modo particular a partir da segunda metade do século XX. É uma história rica em reuniões,
conferências, debates, tratados, protocolos, convenções, declarações entre outras formas de

124
comprometimento com a melhoria de qualidade de vida, a partir do bom trato do Meio Ambiente.
A título de exemplo, apresentaremos alguns eventos e documentos que constituem grandes marcos
dos esforços internacionais para a mudança da atitude humana perante o Meio Ambiente.
O primeiro evento de grande dimensão em prol da causa ambiental foi a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. Os sérios
problemas ambientais que afectavam o mundo foram a causa da convocação pela Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1968, da Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano, que se realizaria em Junho de 1972, em Estocolmo.
A Conferência chamou a atenção das nações para o facto de que a acção humana estava
causando séria degradação da natureza e criando severos riscos para o bem-estar e para a própria
sobrevivência da humanidade. A Conferência foi marcada por uma visão antropocêntrica de
mundo, em que o Homem era tido como o centro de toda a actividade realizada no planeta,
desconsiderando o facto de a espécie humana ser parte da grande cadeia ecológica que rege a vida
na Terra (Governo de São Paulo, 1997).
Nesta Conferência, houve confronto entre as perspectivas dos países desenvolvidos e dos
países em desenvolvimento. Por um lado, os países desenvolvidos estavam preocupados com os
efeitos da devastação ambiental sobre a Terra, propondo um programa internacional voltado para
a conservação dos recursos naturais e genéticos do planeta, pregando que medidas preventivas
teriam que ser encontradas imediatamente, para que se evitasse um grande desastre.
Por outro lado, os países em desenvolvimento argumentavam que se encontravam
assolados pela miséria, com graves problemas de habitação, saneamento básico, doenças
infecciosas e que necessitavam desenvolver-se economicamente, e rapidamente. Questionavam a
legitimidade das recomendações dos países ricos que já haviam atingido o poderio industrial com
o uso predatório de recursos naturais e que queriam impor a eles complexas exigências de controlo
ambiental, que poderiam encarecer e retardar a industrialização dos países em desenvolvimento
(Governo de São Paulo, 1997).
Da Conferência resultou a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, uma declaração
de princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam governar as decisões
concernentes a questões ambientais. Outro resultado formal foi um Plano de Acção que convocava
todos os países, os organismos das Nações Unidas, bem como todas as organizações internacionais
a cooperarem na busca de soluções para uma série de problemas ambientais.

125
Vinte anos depois da Conferência de Estocolmo, realizou-se o segundo grande evento, a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Cidade do Rio de
Janeiro, em 1992. À semelhança da Conferência de Estocolmo, a realização da Conferência do
Rio foi decidida quatro anos antes pela Assembleia Geral das Nações Unidas (em 1988), com o
intuito de avaliar como os países haviam promovido a protecção ambiental desde a Conferência
de Estocolmo. A Conferência propiciou um debate e mobilização da comunidade internacional em
torno da necessidade de uma urgente mudança de comportamento visando a preservação da vida
na Terra. A Conferência ficou conhecida como Cúpula da Terra e realizou-se no Rio de Janeiro
entre 3 e 14 de Junho de 1992. Esta conferência foi acompanhada por cerca de 1.400 organizações
não-governamentais.
A Conferência produziu a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
visando estabelecer um novo estilo de vida, um novo tipo de presença do Homem na Terra, através
da protecção dos recursos naturais e da busca do desenvolvimento sustentável e de melhores
condições de vida para todos os povos. Segundo o Governo de São Paulo (1997, p.21),
Dentre os acordos assinados na Cúpula da Terra, de particular importância por seu
ineditismo, por representar um consenso mundial e um compromisso político de alto
nível, e, ainda, por constituir o primeiro esforço de sistematização de um amplo programa
de acção para a transição para o desenvolvimento sustentável, destaca-se a Agenda 21.
Esse programa está voltado para os problemas prementes de hoje, mas tem o objectivo de
preparar o mundo para os desafios do século XXI.
A Agenda 21 é um abrangente plano de acção a ser implementado pelos governos,
agências de desenvolvimento, organizações das Nações Unidas e grupos sectoriais
independentes em cada área onde a actividade humana afecta o meio ambiente. A
execução deste programa deverá levar em conta as diferentes situações e condições dos
países e regiões e a plena observância de todos os princípios contidos na Declaração do
Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Trata-se de uma pauta de acções a longo prazo, estabelecendo os temas, projectos,
objectivos, metas, planos e mecanismos de execução para diferentes temas da Conferência. O
programa divide-se em quatro secções. A terceira secção preconiza o “Fortalecimento dos Grupos
Sociais: trata das formas de apoio a grupos sociais organizados e minoritários que colaboram para
a sustentabilidade” (ONU, 1992, p.297ss). É na terceira secção (Cap. 27) onde o documento
apresenta de forma explícita o papel das OSC’s, ao falar do fortalecimento do papel das
organizações não-governamentais: parceiros para um desenvolvimento sustentável. Nos
parágrafos 27.1 e 27.3 lê-se:
As organizações não-governamentais desempenham um papel fundamental na
modelagem e implementação da democracia participativa. A credibilidade delas repousa
sobre o papel responsável e construtivo que desempenham na sociedade. As organizações
formais e informais, bem como os movimentos populares, devem ser reconhecidos como

126
parceiros na implementação da Agenda 21. A natureza do papel independente
desempenhado pelas organizações não-governamentais exige uma participação genuína;
portanto, a independência é um atributo essencial dessas organizações e constitui
condição prévia para a participação genuína.
As organizações não-governamentais, inclusive as organizações sem fins lucrativos que
representam os grupos de que se ocupa esta secção da Agenda 21, possuem uma variedade
de experiência, conhecimento especializado e capacidade firmemente estabelecidos nos
campos que serão de particular importância para a implementação e o exame de um
desenvolvimento sustentável, ambientalmente saudável e socialmente responsável, tal
como o previsto em toda a Agenda 21. Portanto, a comunidade das organizações não-
governamentais oferece uma rede mundial que deve ser utilizada, capacitada e fortalecida
para apoiar os esforços de realização desses objectivos comuns.
A par da Agenda 21, foram assinadas as seguintes convenções: Convenção da
Biodiversidade e Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, cujos objectivos
apresentaremos ao falarmos da adesão de Moçambique à Agenda Internacional, no capítulo sobre
Problemas Ambientais e Cidadania Ambiental em Moçambique. Quando adoptaram a Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em 1992, os governos reconheceram que ela
poderia ser a propulsora de acções mais enérgicas no futuro. Ao estabelecer um processo
permanente de revisão, discussão e troca de informações, a Convenção possibilita a adopção de
compromissos adicionais em resposta a mudanças no conhecimento científico e nas disposições
políticas.
A primeira revisão da adequação dos compromissos dos países desenvolvidos foi
conduzida, como previsto, na primeira sessão da Conferência das Partes (COP-1), que ocorreu em
Berlim, em 1995. As Partes decidiram que o compromisso dos países desenvolvidos de voltar suas
emissões para os níveis de 1990, até o ano 2000, era inadequado para se atingir o objectivo de
longo prazo da Convenção, que consiste em impedir “uma interferência antrópica (produzida pelo
Homem) perigosa no sistema climático” (Protocolo de Quioto, Versão Brasileira, Introdução, p.1).
Apesar dos avanços alcançados, a Rio-92 não escapou às críticas. Segundo Pessini &
Sngarzela (2016, p.4-5)
Uma das principais críticas a este evento foi a respeito da falta de resoluções, vinculantes,
ou seja, com valor jurídico, que estabelecessem prazos e metas específicas a serem
cumpridas pelos Estados membros. As linhas de acções praticamente não foram
implementadas e neste sentido pouco se avançou. Diz-se que a Rio-92 não apresentou
uma solução política para os problemas que ela apontava. Os movimentos ambientais e
os cientistas envolvidos não constituíam uma força social e política capaz de fazer frente
ao conjunto de interesses na manutenção de uma economia embasada no fossilismo dos
países economicamente mais abastados do planeta.
A Rio-92 dividiu o mundo em duas facções: os países desenvolvidos, considerados os
grandes poluidores, e as nações em desenvolvimento que foram isentas das medidas de
controlo de emissões de gases. Segundo especialistas, isto foi um erro, pois a China, que
ficou neste segundo bloco, hoje é um dos maiores poluidores do mundo, tendo
ultrapassado os EUA em emissões absolutas, em 2006.

127
Apesar destas críticas, a Rio-92 continua a ser uma das conferências, senão a Conferência
mais ressonante sobre questões ambientais de todos os tempos. A questão ecológica ganha
visibilidade mediática e se transforma numa questão política importante de muitas nações
particularmente a partir da Eco-92. Uma das lições da Rio-92 é a continuidade do chamado
desenvolvimento sustentável (Pessini & Sngarzela, 2016, pp.3 e 6).
Outro momento marcante foi a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável (também
chamada de Rio+10 e Cúpula da Terra) realizada em Joanesburgo, de 26 de Agosto a 4 de
Setembro de 2002, e teve como objectivos centrais: fortalecer o compromisso de todas as partes
com os acordos aprovados anteriormente (especialmente em relação à Agenda 21, assinada em
1992 na Conferência do Rio); e identificar as novas prioridades que emergiram desde 1992. Das
reuniões oficiais da Rio+10, resultaram dois documentos principais: uma declaração política, que
expressa os compromissos e os rumos para implementação do desenvolvimento sustentável; e um
plano de acção, que estabelece metas e acções de forma a guiar a implementação dos
compromissos assumidos pelos países.
Na Declaração é afirmado o compromisso com o desenvolvimento sustentável, expresso
em 37 princípios. No Plano de Acção, são reafirmados os compromissos com os princípios
firmados na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em 1992, e com a implementação completa da Agenda 21 e do Programa para a
Implementação da Agenda 21. Há, ainda, o compromisso de se alcançar as metas de
desenvolvimento internacionalmente acordadas, incluindo as contidas na Declaração do Milénio e
as resultantes das grandes conferências das Nações Unidas e dos acordos internacionais firmados
desde 1992 (ONU, 2002).
Entre os dias 13 e 22 de Junho de 2012, a comunidade mundial reuniu-se novamente na
Cidade do Rio de Janeiro, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(Rio + 20), com o objectivo de actualizar os compromissos dos países com o desenvolvimento
sustentável, firmados há 20 anos na Conferência Rio 92, e difundir o conceito de economia verde,
que contempla actividades económicas capazes de acelerar a economia, com baixo impacto
ambiental e uso racional de energia (Pessini & Sngarzela, 2016, p.8-10).
A Conferência terminou com a assinatura da Declaração “O Futuro que Queremos”.
Também foi criado o Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável para substituir a
Comissão do Desenvolvimento Sustentável, criada na Rio-92. O Fórum tem a função de fiscalizar

128
o cumprimento de compromissos sobre desenvolvimento sustentável assumidos na Agenda 21.
Foram firmados compromissos voluntários entre ONG’s, empresas, governos e universidades,
para acções de desenvolvimento sustentável nos 10 a 15 anos seguintes, principalmente nas áreas
de transporte e energia limpa, redução de desastres e protecção ambiental.
Foi assinado o Pacto Global por muitas empresas, visando a transição para a economia
verde, o que inclui a redução das emissões de gases poluentes, maior eficiência energética, entre
outras acções no processo produtivo. À margem da Conferência, a sociedade civil realizou a
Cúpula dos Povos e submeteu um documento reivindicativo ao Ex-Secretário Geral da ONU Ban
Ki-Moon (ONU, 2012; Pessini & Sngarzela, 2016, p.8-10).
Esta Conferência sofreu e tem sofrido várias críticas, particularmente no que diz respeito à
Declaração “O Futuro que Queremos”. Muitos actores sociais, entre os quais ambientalistas,
OSC’s, observadores e até negociadores estrangeiros consideraram que o documento aprovado na
Rio+20 foi mais para o lado de boas intenções do que uma afirmação de compromissos. Alguns
pensam que a Conferência é uma espécie de retrocesso, se comparada com a Rio 92 (Pessini &
Sngarzela, 2016, pp. 10-11).
O percurso histórico internacional em prol do meio Ambiente gerou diversos organismos
internacionais para esta causa, dos quais podemos destacar os seguintes: Comissão de
Desenvolvimento Sustentável (CDS), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), Conselho Consultivo de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável e o Comité
Inter-Agências sobre Desenvolvimento Sustentável.
A Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS) monitora a integração dos objectivos
desenvolvimentistas e ambientais que permeiam todo o sistema das Nações Unidas, coordena o
processo decisório entre governos nessas matérias e faz recomendações sobre quaisquer medidas
necessárias para a promoção do desenvolvimento sustentável. A CDS recebe relatórios de órgãos,
organizações, programas e instituições, bem como informações fornecidas por governos na forma
de comunicações periódicas, ou de organizações não-governamentais. Tem também a função de
rever os compromissos financeiros assumidos na Agenda 21 (Governo de São Paulo, 1997).
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) tem como objectivos (i)
facilitar a cooperação internacional no campo do meio ambiente; (ii) promover o desenvolvimento
de conhecimento nessa área; (iii) monitorar o estado do meio ambiente global; (iv) chamar a
atenção dos governos para problemas ambientais emergentes de importância internacional.

129
O Conselho Consultivo de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável tem como papel
auxiliar na formulação de propostas de políticas e identificar questões emergentes que devem
receber especial atenção dos organismos internacionais, particularmente da Comissão de
Desenvolvimento Sustentável e do Conselho Económico e Social da ONU. O Comité Inter-
Agências sobre Desenvolvimento Sustentável é um dos actores principais na implementação da
Agenda 21, pois assegura a cooperação e a coordenação das acções dentro do sistema das Nações
Unidas.
Todos os eventos, documentos e organismos internacionais em prol do Meio Ambiente
aqui apresentados sempre tiveram em conta o papel e o contributo das OSC’s na consecução dos
seus objectivos. De modo particular, a partir da Conferência do Rio (1992), as opiniões e acções
das OSC’s passaram a ganhar notoriedade na agenda internacional empenhada pela causa
ambiental. Uma das acções das OSC’s merecedoras de apreço é a educação para a cidadania
ambiental, tema de reflexão do próximo subtópico.

1.2.2. A Acção das Organizações da Sociedade Civil na Educação para a Cidadania


Ambiental
A intervenção de vários actores na educação para a cidadania ambiental é importante e
necessária. Entre tais actores, estão as Organizações da Sociedade Civil (OSC’s), que podem
contribuir na consolidação da percepção de que a educação para a cidadania, em particular a
cidadania ambiental, constitui um instrumento fundamental de democratização e participação
pública na gestão/solução dos problemas ambientais e na assumpção de que o “assunto ambiente”
é nosso e, por isso, todos devemos nos engajar nesta causa.
Segundo Delgado (2005), as ONG’s (OSC’s) são organizações sem fins lucrativos, criadas
pela sociedade civil para dar auxílio ao Estado na realização de seus objectivos mais importantes:
garantindo assim o pleno exercício da cidadania e da democracia. Nesta perspectiva, as OSC’s
apresentam-se como canais de participação que articulam os anseios das diversidades, entre a
sociedade civil, entidades privadas e o poder público estatal. Sobre esta questão, Coimbra &
Fernandes (2011, p.132) asseveram que
A construção da cidadania e da democracia é um processo historicamente relacionado à
capacidade de luta e de organização da sociedade, pois é uma discussão que produziu e
produz, ao longo da história, várias propostas e abordagens, fazendo-se necessária uma
análise entre Estado, sociedade e participação, sendo categoria básica para os movimentos
sociais, relacionados principalmente à sua participação nos conselhos locais, em especial
ao de meio ambiente.

130
Para o caso concreto do meio ambiente, a presença e consequente actuação das OSC’s a
partir da luta pela questão socioambiental são factores de extrema relevância nas sociedades
contemporâneas, pois concorrem positivamente para a construção da cidadania ambiental, tendo
como um dos instrumentos basilares a educação, cuja consecução acontece a vários níveis. Mas a
educação para a cidadania ambiental só surte efeitos na medida em que compreendemos que
A cidadania tem assumido historicamente várias formas em função dos diferentes
contextos culturais. A cidadania é constituída como um fenómeno emancipatório onde se
constrói de forma permanente, para dar aos indivíduos formas de conquistas para cumprir
um papel de liberdade, partindo ainda para a criação de novos espaços de liberdade
(Coimbra & Fernandes, 2011, p.132).
Nesta perspectiva, pode-se dizer que as OSC’s têm o papel de buscar recursos e alternativas
para resolver problemas causados pela globalização, na tentativa de garantir a sustentabilidade, a
justiça social e o equilíbrio ambiental para as presentes e futuras gerações. Diante dessas
mudanças, é preciso que cada um estabeleça seu espaço na sociedade, exercendo o
desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente justo.
Pode-se afirmar que a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de
1972, ao chegar à conclusão de que era preciso redefinir o conceito de desenvolvimento, tendo em
vista a variedade e complexidade das questões envolvidas, particularmente ambientais, foi o
primeiro passo ou um dos grandes passos da caminhada contemporânea concernente à educação
para a cidadania ambiental. Já em 1987, o relatório “Nosso Futuro Comum”, também denominado
Relatório Brundtland, trouxe à tona um novo conceito: o desenvolvimento sustentável (Pessini &
Sngarzela, 2016).
A ideia de desenvolvimento sustentável fez nascer a necessidade de se pensar numa nova
forma de actuação do Homem, enquanto cidadão, face ao meio ambiente e do reconhecimento de
que o planeta Terra é finito, bem como da finitude e do esgotamento dos seus recursos. Esta
constatação levou à tomada de consciência de que um crescimento ilimitado seria impossível
enquanto o planeta Terra é limitado sem possibilidade de se expandir, para além de que um
consumo crescente e desenfreado de bens poderia levar a um caos ambiental.
A Agenda 21 Global, programa de acção para a implementação do desenvolvimento
sustentável, um documento importante resultante da Conferência do Rio de Janeiro (1992), no seu
capítulo 27, refere que “As ONG’s desempenham um papel vital da formação e implementação da
democracia participativa. Esta credibilidade resulta do papel responsável e construtivo que elas
desempenham na sociedade” (ONU, 1992, p.265). Pode-se dizer que a conferência de 1992 trouxe

131
um novo paradigma no campo da educação para a cidadania ambiental, ao destacar a importância
das ONG’s (OSC’s) neste processo, passando a incorporar questões ligadas com o
desenvolvimento e a pobreza.
As OSC’s tornam-se relevantes neste aspecto uma vez que proporcionam uma Educação
Ambiental que se apresenta como um acto político baseado em valores para a transformação social,
que deve enfocar a relação entre o ser humano e a natureza de forma interdisciplinar. É uma
educação que deve estimular também a cidadania ambiental, uma cidadania fundada na
solidariedade, igualdade e respeito aos direitos humanos, ajudando a desenvolver uma consciência
ética sobre todas as formas de vida com as quais os seres humanos compartilham o planeta Terra,
respeitando seus ciclos vitais e impondo limites à sua exploração bem como a outros recursos.
Doravante, as conferências subsequentes e outros eventos similares passaram a convocar
as OSC’s, reconhecendo-as incondicionalmente como actores preponderantes na luta pela
construção da cidadania ambiental. São exemplo as Conferências das Nações Unidas para o Meio
Ambiente no ano de 2002 (Rio+10), na Cidade de Joanesburgo, e a Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável, no ano 2012, na Cidade de Rio de Janeiro (Rio+20) e as
COP’s, nas quais se verifica um incremento da participação das OSC’s.
O alcance e o crescimento da participação das OSC’s caracterizam uma revolução
associativa global, que resulta na formação de um terceiro sector (sociedade civil), que vem
crescendo em razão de diferentes pressões, necessidades e demandas dos indivíduos, como
cidadãos, das instituições e até dos próprios governos, reflectindo um conjunto de alterações
sociais, e a globalização dos riscos ambientais (Salamon, 1998; Fernandes, 2005, apud Tristão &
Tristão, 2016, p.52). Um exemplo do fortalecimento das OSC’s foi a realização, paralelamente à
Conferência de Rio+20, da Cimeira dos Povos, evento organizado por entidades da sociedade civil
e movimentos sociais de vários países com o objectivo de discutir as causas da crise
socioambiental, apresentar soluções práticas e fortalecer movimentos sociais a nível nacional e
internacional. Para Coimbra & Fernandes (2011, p.134-135),
As ONG’s devem promover uma maior articulação local, para garantir a representação
das diferentes realidades e anseios das populações, onde se caminhará para uma
participação plena e presente. O destaque para a actuação das ONG’s Ambientalistas e
suas repercussões para a Educação Ambiental torna-se relevante, à medida que possibilita
o conhecimento sobre as demandas advindas da sociedade civil, reconhecendo ainda que
a inserção de homens, mulheres e entidades de classes nos movimentos sociais podem
fomentar o exercício da cidadania e a construção de uma identidade colectiva, que se
inicia a partir da esfera local.

132
A Agenda 21 destacou, também, no seu capítulo 36, a “promoção da educação,
consciencialização pública e formação” (ONU, 1992, p.301), a importância do papel da educação
para o alcance de um modelo de desenvolvimento que leve em conta as pressões sobre o meio
ambiente, sendo que o ensino, o aumento da consciência pública e a formação são temas
transversais em todas as áreas de programas da Agenda 21. Porém, cresce a consciência de que o
alcance deste objectivo passa pelo envolvimento das OSC’s, uma vez que, parafraseando Morin e
Kern (2003, p.115) o Estado-nação moderno, forte o bastante para destruir homens e sociedades,
tornou-se demasiado pequeno para se ocupar dos grandes problemas agora planetários, embora
seja demasiado grande para se ocupar dos problemas singulares concretos de seus cidadãos.
Porém, as OSC’s deparam-se com o problema de financiamento. Esta situação leva a que
haja conflito entre as agendas dos potenciais financiadores, geralmente as grandes multinacionais,
e as agendas das OSC’s, fazendo que algumas acções sejam inviabilizadas ou levem mais tempo
a ser implementadas. Apesar deste empecilho, as OSC’s não claudicam nos seus intentos e até o
obstáculo torna-se no momento forte para avançar.
As OSC’s contribuem grandemente na promoção de uma Educação Ambiental que
consciencializa e envolve capacidade crítica, diálogo e a assimilação de saberes distintos que
possam compreender a nossa realidade e melhorar as nossas condições de vida. As OSC’s
mostram-nos a necessidade de compreender que há níveis de responsabilidade que vão muito além
da esfera pessoal e de situações particulares. Daí a importância de se actuar em esferas colectivas,
políticas e problematizadoras da realidade. Esta compreensão só é possível através da educação.
Assim, as OSC’s desempenham um papel relevante dentro de uma determinada sociedade
ou comunidade, no contexto de educação para a cidadania ambiental tendo em conta que elas
também têm como enfoque a construção de conhecimentos. Esta actividade inclui saber conservar
de forma dinâmica a herança cultural do povo, nos seus saberes, ideias e valores, na medida em
que não é possível construir o futuro sem conservar, salvaguardar ou preservar o passado histórico
e cultural, que pode ser o património local, nacional e da humanidade.
Parafraseando Morin (2005), esta natureza conservadora não se trata de preservar de forma
vazia e acrítica a herança cultural, mas, trata-se de preservar, de salvaguardar não só as
diversidades culturais e naturais degradadas por inexoráveis processos de uniformização e
destruição, não apenas as conquistas civilizacionais ameaçadas pelos retornos e as manifestações

133
de barbárie, mas outrossim, a vida da humanidade ameaçada pela arma nuclear e a degradação da
biosfera, dupla ameaça resultante da grande barbárie.
De acordo com os preceitos da Agenda 21, os mais variados programas no campo da
educação devem ser promovidos com a colaboração das ONG’s (OSC’s). Em 1997, a Declaração
de Thessaloniki, veio reforçar os fundamentos anunciados na Conferência do Rio de Janeiro,
determinando que as acções de educação ambiental sejam articuladas com base nos conceitos de
ética e sustentabilidade, identidade cultural e diversidade, mobilização e participação, além de
práticas interdisciplinares (Jacobi, 2005 apud Tristão & Tristão, 2016, p.48). Em relação a este
assunto, Jacobi (2003, p.199) diz que
O grande salto de qualidade tem sido feito pelas ONG’s e organizações comunitárias, que
tem desenvolvido acções não formais centradas principalmente na população infantil e
juvenil. A lista de acções é interminável e essas referências são indicativas de práticas
inovadoras preocupadas em incrementar a co-responsabilidade das pessoas em todas as
faixas etárias e grupos sociais quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais
comprometidos com a defesa da vida.
Morin (2003, p.47ss) diz que o seu verdadeiro estudo é o da condição humana e conhecer
o humano não é separá-lo do universo, mas situá-lo nele. E por isso, interrogar nossa condição
humana implica questionar primeiro nossa posição no mundo. Assim, a filosofia, ao retomar sua
vocação reflexiva sobre todos os aspectos do saber e dos conhecimentos, poderia e deveria fazer
convergir a pluralidade de seus pontos de vista sobre a condição humana, incluindo a questão da
cidadania ambiental.
Deste modo, o papel das OSC’s neste aspecto seria o de ajudar os homens a assumir a sua
condição de cidadãos comprometidos com o meio ambiente. Assim sendo, seria possível, daí em
diante, chegar a uma tomada de consciência da colectividade do destino próprio de nossa era
planetária, onde todos os humanos são confrontados com os mesmos problemas vitais e mortais,
entre os quais os problemas ambientais. As OSC’s terão também o papel de fornecer os
conhecimentos, valores, símbolos que orientam e guiam as vidas humanas na sua relação com os
outros seres da Natureza.
Para a formação da condição humana, é necessário que se opte pelo ensino da
aprendizagem da cidadania ambiental, como diz Morin (2003, p.63), ensinar como se tornar
cidadão, isto porque um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e
responsabilidade em relação à sua pátria (e nós diremos em relação ao meio ambiente/à natureza).
As OSC’s vêm desempenhando um papel fundamental nesse processo não apenas em função do

134
expressivo aumento quantitativo que vem apresentando, mas, principalmente, em função da
evolução qualitativa de sua participação.
As OSC’s também actuam na implementação de projectos para efeito demonstrativo e na
indução de novas práticas. Esta multiplicidade de papéis vem consolidando o que pode ser definido
como uma evolução qualitativa da actuação dessas organizações. Como resultado da sua
experiência, as OSC’s passaram a incorporar novos e importantes papéis: assessoria, disseminação
e multiplicação de ideias e práticas de actuação.
Assim, as OSC’s desempenham um papel relevante dentro de uma determinada sociedade
ou comunidade na educação para a cidadania ambiental, através de diferentes acções, em vários
âmbitos, quer individualmente, quer em parcerias inter-organizacionais ou com instituições
governamentais. Por exemplo, no campo de tomada de decisões, as OSC’s pressionam os
governos, influenciam a sua postura nas negociações internacionais e participam activamente
como observadores reconhecidos pela ONU, acompanhando os diferentes processos de discussão
de vários assuntos, chegando a influenciar delegações governamentais de vários países.
Para tal, é necessário que as OSC’s apostem numa educação para a cidadania ambiental
não instrutiva, visto que essa apenas se preocupa por uma e única dimensão humana, neste caso, a
dimensão intelectiva do estudante ou do ser humano. As OSC’s devem incentivar uma educação
para a cidadania ambiental integral que possa levar o ser humano a um desenvolvimento pessoal e
social íntegro, respeitando e valorizando aquilo que é cultural e local, preservando os valores éticos
e morais nelas existentes, respeitando os outros seres da Natureza (o meio ambiente): a formação
da cabeça bem-feita (Morin, 2003). Assim, de acordo com Jacobi (2003, p.200-201),
Nesse amplo universo de ONG’s, algumas fazem trabalho de base, outras são mais
voltadas para a militância, outras têm um carácter mais político e outras implementam
projectos demonstrativos. Embora ocorra uma certa queda na capacidade mobilizatória
dos movimentos ambientalistas, observa-se também um grau de amadurecimento das
práticas e a consolidação de um perfil de actuação de instituições numa perspectiva
proactiva e propositiva, dentro de moldes de sustentabilidade. O que representa a marca
da actuação das ONG’s? Seus pontos fortes estão na sua credibilidade e capital ético; na
sua eficiência quanto à intervenção na microrrealidade social (grupos e comunidades), o
que lhes permite formular aspirações e propor estratégias para atendê-las; na maior
eficiência quanto à aplicação de recursos e agilidade na implementação de projectos que
têm a marca da inovação e da articulação da sustentabilidade com a equidade social.
Nesta perspectiva, o único mecanismo que pode favorecer a construção e a projecção de
uma cabeça bem-feita, comprometida com a cidadania ambiental e com o próprio meio ambiente
é, indubitavelmente, o factor educativo. A educação para a cidadania ambiental deve favorecer a
aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o

135
pleno emprego da inteligência geral para superar os problemas ambientais do nosso tempo e os
prováveis vindouros.
O emprego da inteligência abre possibilidades para o desenvolvimento da aptidão para
contextualizar e globalizar os saberes e torna-se um imperativo da educação. O desenvolvimento
da aptidão para contextualizar tende a produzir a emergência de um pensamento ecologizante, no
sentido em que situa todo acontecimento, informação ou conhecimento em relação de
inseparabilidade com seu meio ambiente cultural, social, económico, político e, é claro, natural
(Morin, 2003, pp.24-25).
O que se disse acima quer significar que as OSC’s devem promover a educação para a
cidadania ambiental que deve enfatizar a cultura ou transmissão à nova geração do sistema de
ideias sobre o mundo e o homem que alcançou a maturidade na geração anterior, pois sem o
passado histórico, o ser humano é incapaz de entender e ler o presente. A educação para a cidadania
ambiental tem também o papel de regenerar essa herança cultural, actualizando-a,
reencaminhando-a regularmente e transmitindo-a às gerações vindouras. Como as OSC’s não estão
isoladas da sociedade e da comunidade, todavia estão nela inseridas, elas devem saber gerar
saberes, ideias e valores para o bem da sociedade e o bem-estar dos seus cidadãos.
Assim, as OSC’s, ao promover a educação para a cidadania ambiental, mesmo que tenham
que enfrentar grandes dificuldades, não devem deixá-la de lado, pois ela deve ser entendida como
uma grande contribuição filosófica e metodológica à educação em geral, que possibilita a
ampliação da participação política dos cidadãos. A educação para a cidadania ambiental deve
buscar também a consolidação da democracia, bem como a solução dos problemas ambientais e
uma melhor qualidade de vida para todos, buscando, por sua vez, estabelecer um novo elo entre a
humanidade e a natureza, desenvolvendo uma razão que não se baseie numa autodestruição.
Uma das propostas para o estabelecimento do elo entre a humanidade e a natureza é
apresentada por Serres (1994), ao falar do contrato natural, que visa restabelecer o elo e a paz entre
os homens e o mundo através da reciprocidade. É um acordo entre os homens para se preservar a
Terra, com quem devemos, por outro lado, estabelecer paz para garantirmos a nossa própria
sobrevivência. Isto significa que temos que juntar ao contrato exclusivamente social um contrato
natural de simbiose e de reciprocidade, onde a nossa relação com as coisas abandonaria o domínio
e a posse e buscaria a escuta admirativa, pela reciprocidade, pela contemplação e pelo respeito.

136
Desta forma, as OSC’s, ao desenvolver a educação para a cidadania ambiental, podem
construir novas maneiras dos grupos sociais se relacionarem com o meio ambiente. Assim, a
questão central é reflectirmos sobre fundamentos e conceitos de educação para a cidadania
ambiental que não busquem um modelo padrão a ser seguido por todos, pois isso se trataria não só
de um reducionismo de uma complexa realidade, mas também da negação do educar como
processo dinâmico.
Neste aspecto (da educação para a cidadania ambiental), as OSC’s apontam a constituição
de valores sociais, informações, capacidades, costumes virados para a conservação ambiental e
sua sustentabilidade. As OSC’s podem ajudar na promoção de uma educação para a cidadania
ambiental vista hoje como uma possibilidade de transformação activa da realidade e das condições
da qualidade de vida, por meio da consciencialização advinda da prática social reflexiva sustentada
pela teoria.
Segundo Loureiro (2006), essa consciencialização é obtida com a capacidade crítica
permanente de reflexão, diálogo e assimilação de múltiplos conhecimentos. Esse procedimento
torna-se essencial para se desenvolver sociedades sustentáveis, ou seja, orientadas para enfrentar
os desafios da contemporaneidade, garantindo qualidade de vida para esta e futuras gerações.
Não se trata, porém, de estabelecer um caminho único para a salvação do meio ambiente,
mas sim a possibilidade de construirmos, através de uma educação para a cidadania ambiental
crítica, uma sociedade que vise romper com a perpetuação das relações de poder e interesses
globais colocados, nas quais as nossas necessidades vitais se encontram cada vez mais submissas
à necessidade do lucro imediato e nem mesmo o meio físico se encontra protegido dessas
necessidades. Esse é um dos pilares da educação para a cidadania ambiental que não se contenta
com o senso comum.
O facto é que Homem e Natureza são conceitos que necessitam de uma reflexão mais
lúcida, levando em consideração que o Homem não é externo à Natureza, muito pelo contrário,
ambos implicam em condicionamento e reciprocidade. Desta forma, é essencial deixarmos para
trás essa fragilidade reflexiva que afecta e prejudica o entendimento no que se refere à natureza.
Nesta perspectiva, ainda seguindo o pensamento de Serres (1994), não se deve separar os seres
humanos dos outros seres da Natureza, que constituem o meio ambiente natural. Todos os seres
vivos que compõem a Natureza têm um valor intrínseco e os homens são apenas um aspecto
particular desse todo.

137
Sobre as considerações acima, Jonas (2006) propõe uma ética da civilização presente que
deve assumir a responsabilidade pelas civilizações futuras. Ele dedica-se a responder uma questão
central, que é a de construir uma ética nova, uma vez que a ética tradicional não é compatível com
a actual era tecnológica. Jonas levanta questões que importa aqui referir:
Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana
e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. A orientação antropocêntrica de toda
ética clássica estabelece um desenho ético, de tal forma, que tem o ser humano como
finalidade de todas as acções e a natureza como sua simples plataforma. A constatação
dos efeitos prejudiciais dessa ética antiga propõe a inclusão dos seres não humanos no
conceito de bem humano: isso significaria procurar não só o bem humano, mas também
o bem das coisas extra-humanas, isto é, ampliar o reconhecimento de “fins em si” para
além da esfera do humano e incluir o cuidado com estes no conceito de bem humano
(Jonas, 2006, p.41).
Na perspectiva da ideia de Jonas (2006), as OSC’s, ao preconizar a educação para a
cidadania ambiental, as OSC’s não devem preocupar-se apenas com a aquisição de conhecimento,
mas também, fundamentalmente, devem possibilitar um processo de mudança de comportamento
e aquisição de novos valores e conceitos convergentes às necessidades do mundo actual, com as
inter-relações e interdependências que se estabelecem entre o ambiente social, cultural,
económico, psicológico, humano.
Neste sentido, as OSC’s contribuem no sentido de a educação para a cidadania ambiental
ser visualizada no seu sentido de diálogo e alteridade, do “Eu-Tu” e/ou “Entre Nós”, tal como
sugerem os autores Martin Buber (1974) e Emmanuel Levinas (1997). Em relação à consideração
anterior, Venturi & Ferri (2015) dizem que
Pode-se considerar Buber o filósofo do diálogo, da relação, o que implica no encontro do
indivíduo com o seu semelhante, ou mesmo com outro ser, para sua verdadeira síntese
compreensiva. Lévinas, por sua vez, pode ser tido como o filósofo da alteridade, ou seja,
da compreensão das imediações e mediações do ser, da aliança ética entre os homens,
fundada na responsabilidade inolvidável da ética enquanto filosofia primeira.
A ideia supracitada permite-nos pensar que as OSC’s, através da educação para a cidadania
ambiental, possibilitam a efectivação de uma sociedade sustentável, com espaços compartilhados
e democráticos, essenciais na troca de experiências e no ideal de participação ao qual a cidadania
se propõe. Assim, a educação torna-se um fundamento capaz de viabilizar e concretizar a cidadania
ambiental a partir do sentimento de pertença e do fortalecimento de vínculos que unem a
humanidade aos demais seres vivos. Para tal, é preciso “educar para a compreensão humana”,
como diz Morin (2000, p.93ss).
Numa perspectiva diferenciada, remete-se, hoje, à ideia de que a Natureza é uma parceira
obrigatória à manutenção da vida humana na Terra. Não se trata de contrastar a humanidade com

138
os demais seres, mas de fomentar vínculos de responsabilidade e principalmente de pertença, que
absorvam a ideia de lar comum no quotidiano. Um desafio tão complexo – que é superar o
individualismo em prol de uma compreensão sistémica da sustentabilidade – requer uma “tomada
de consciência de pertença a uma mesma “terra pátria” (Grubba et al, 2017, p17).
Assim, as OSC’s têm um papel preponderante na efectivação de uma educação (para a
cidadania) ambiental entendida como um ramo da educação cujo objectivo é a disseminação do
conhecimento sobre o meio ambiente, a fim de ajudar na sua preservação e na utilização
sustentável de seus recursos. Nesta perspectiva, as OSC’s podem propor a modificação das bases
do nosso olhar sobre a Natureza, transformar nossa maneira de concebê-la e reavaliar nossas
acções sobre o planeta.
Para Reigota (2004), mais do que educar os cidadãos para ajudar a preservar o meio
ambiente natural, a educação ambiental (acrescente-se: educação para a cidadania ambiental) deve
ser uma educação política. A principal causa dos problemas socioambientais é a quantidade de
pessoas no planeta que precisam cada vez mais transformar os elementos naturais em recursos para
conseguir alimentos, roupas e moradias. É primordial compreender que a maior parte do problema
reside no excessivo consumo desses elementos por uma pequena parcela da população mundial e
no desperdício e produção de artigos inúteis e nefastos à qualidade de vida.
Na senda de Reigota (2004, p.11), a solução não é simplesmente preservar determinadas
espécies de animais e vegetais e os elementos naturais, mas primordialmente reflectir sobre e
transformar as relações políticas, socioeconómicas e culturais entre os homens e entre a
humanidade e a Natureza. A educação (para a cidadania) ambiental como educação política dá
prioridade à ética e enfatiza antes a questão do “porquê” fazer para depois perguntar “como” fazer.
Ela contribui para que os cidadãos possam reflectir e exigir justiça social, cidadania, autogestão e
ética nas relações sociais e com a natureza. Assim, está “impregnada da utopia de mudar
radicalmente as relações que conhecemos hoje, sejam elas entre a humanidade, sejam entre esta e
a Natureza” (Reigota, 2004, p.11).
É vital que os cidadãos do mundo lutem por um crescimento económico sem repercussões
nocivas sobre a população, que não deteriore de nenhum modo seu meio ambiente nem suas
condições de vida. A educação para a cidadania ambiental deve orientar-se para a comunidade e
procurar incentivar o indivíduo a participar activamente da resolução dos problemas em seus

139
contextos específicos, nos sentidos de pensamento global e acção local, acção global e pensamento
local (De Quadros, 2007).
Obviamente, a educação para a cidadania ambiental não resolverá todos os problemas
socioambientais por si só, mas ela pode contribuir decisivamente para isso, na medida em que
ajuda a formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres e da problemática global, que
actuam de forma positiva em suas comunidades. Embora os resultados não sejam imediatos, são
enraizados na ética e no profundo conhecimento sobre a realidade global.
Assim, as OSC’s contribuem na efectivação de uma educação para a cidadania ambiental
que possibilita nos sujeitos envolvidos na questão ambiental a aquisição do saber (conhecimento
significativo), do saber fazer (agir na realidade com responsabilidade e exercer as tomadas de
decisões democráticas, reconhecendo a sua participação na definição do futuro da comunidade, o
que possibilita a prática da cidadania) e permite ao mesmo tempo o trabalho colectivo,
incentivando a elaboração de seu próprio ser (cognitivo, afectivo e espiritual) e aprecia a
importância do processo de conviver com os outros a partir de acções solidárias, de
comprometimento, cooperação, sensibilidade e responsabilidade (De Quadros, 2007, p.18).
Porém, a educação para a cidadania ambiental que pode ser promovida pelas OSC’s não
deve se limitar à transmissão de conhecimentos sobre a Natureza, pois deve conduzir à
possibilidade de ampliação da participação política dos cidadãos. Deve procurar consolidar a
democracia, a solução de problemas ambientais e uma melhor qualidade de vida para todos, através
do diálogo entre gerações e culturas em busca de cidadania. Assim, a educação para a cidadania
ambiental estaria empenhada na realização de um projecto utópico de estabelecimento de uma
sociedade mais justa para todos. Como diz Reigota (2004, p.58-59): “Ela busca estabelecer uma
nova aliança entre a humanidade e a Natureza, desenvolver uma nova razão que não seja sinónimo
de autodestruição, exigindo o componente ético nas relações económicas, políticas e sociais”.
Ao trabalhar em actividades de educação para a cidadania ambiental que envolva todas as
esferas, as OSC’s dão ao cidadão a oportunidade de intervir e participar das decisões que afectam
o seu meio físico-natural e sócio-ambiental, em particular às gerações presentes, para que tenham
outra mentalidade/sensibilidade e responsabilidades com o ambiente em que vivem. As OSC’s
podem influenciar na mudança nos currículos escolares, na capacitação contínua dos actores
envolvidos na educação, nas alterações nos conteúdos de forma a ficarem mais próximos da
realidade de cada local e comunidade (De Quadros, 2007, pp.21-23).

140
Das considerações acima feitas, nota-se que é grande o desafio da educação para a
cidadania ambiental para lidar com as actuais sociedades, visto que deve relacionar a destruição
ambiental, o actual padrão de produção e consumo e os problemas sociais, bem como trabalhar a
diversidade cultural, o sistema de ideias e os diferentes interesses da sociedade no campo da
protecção ambiental. Por esta e outras razões ligadas à degradação ambiental, torna-se necessária
a intervenção de diferentes actores, em busca melhores condições ambientais e de convívio
homem-homem e Homem-Natureza. Neste processo, torna-se relevante a actuação das OSC’s.
As OSC’s ajudam na fundamentação e desenvolvimento de valores igualitários e aptidões
voltadas para a precaução ambiental, com a intenção de garantir uma condição de vida saudável
para as gerações actuais e futuras, compreendendo, deste modo, uma dimensão humanitária,
holística, interdisciplinar e democrática da protecção ambiental. Isto é possível com a contribuição
de uma educação para a cidadania ambiental que, parafraseando Reigota (2004), na escola ou fora
dela continuará a ser uma concepção radical de educação, não porque prefere ser a tendência
rebelde do pensamento educacional contemporâneo, mas sim porque nossa época e nossa herança
histórica e ecológica exigem alternativas radicais, justas e pacíficas.
As OSC’s proporcionam uma educação para a cidadania ambiental que pode estimular uma
racionalidade moral e ecológica e promovendo atitudes e valores subjectivos de aprendizados
sociais compatíveis com a sustentabilidade da vida na Terra. A educação para a cidadania
ambiental é parte fundamental e necessária, pois é uma das formas mais directas e funcionais de
se alcançar a participação da população na solução dos problemas ambientais.
Com a educação para a cidadania ambiental, as OSC’s contribuem com acções reflexivas
e conscientes nas mudanças éticas para a transformação da mentalidade humana, pois essa
transformação influi directamente na percepção e no comportamento, para que os seres humanos
aprendam a pensar ambientalmente, isso deverá reajustar o comportamento humano na construção
de uma verdadeira harmonia entre os seres humanos, a sociedade e a Natureza, como diz Morin
(2003). Essa transformação por meio da educação deverá contribuir na mudança do carácter
humano, social e ecológica na qual se estimule a formação de sociedades justas e ecologicamente
equilibradas. Nesta perspectiva, Moçambique tem dado passos significativos, pois, segundo indica
MICOA (2011), existe um grande número de ONG’s a operar no sector ambiental.
Sobre o papel das OSC’s na educação para a cidadania ambiental em Moçambique, mais
detalhes serão arrolados nos tópicos 2 e 3 ao abordarmos a questão da cidadania ambiental em

141
Moçambique e ao discutirmos sobre o contributo da KUWUKA JDA na educação para a
construção de uma cidadania ambiental em Moçambique. Segue, de imediato, o tópico 2, no qual
apresentaremos os problemas ambientais em Moçambique e os esforços em prol da construção de
uma cidadania ambiental no país.

2. Sobre os Problemas Ambientais e Cidadania Ambiental em Moçambique


No contexto globalizado que hoje vivemos, nenhuma sociedade deve estar alheia aos
problemas ambientais que assolam o planeta Terra. Nesta perspectiva, Moçambique não pode ser
um caso isolado do mundo na busca de soluções para reverter o processo de degradação ambiental
e, por consequência, da qualidade de vida. A busca de tais soluções, como foi abordado nos
capítulos anteriores, passa necessariamente pela educação, particularmente pela educação para a
cidadania ambiental. Esta cidadania exige a intervenção e acção de cada sujeito e de cada nação
na participação no destino do planeta Terra.
É neste contexto que, no presente tópico, objectiva-se reflectir em torno da cidadania
ambiental em Moçambique. A reflexão é corporizada por dois pontos-chave: 1) os principais
problemas ambientais em Moçambique e 2) o estágio actual da cidadania ambiental em
Moçambique face aos problemas referidos no ponto-chave 1). Para a consecução deste tópico, o
método preconizado é também a pesquisa bibliográfica.

2.1. Os principais problemas ambientais em Moçambique


Neste tópico, apresenta-se os problemas ambientais que assolam Moçambique. No
contexto moçambicano, fazem parte dos grandes problemas ambientais a caça furtiva, o abate
indiscriminado de árvores (em particular para alimentar a indústria madeireira nacional e
internacional), as queimadas descontroladas, o garimpo que polui as águas dos rios, erosão
costeira, períodos de seca cada vez mais prolongados, aumento da degradação da terra, surgimento
de vagas de ciclones consecutivos antes desconhecidos, problemas de resíduos sólidos e
saneamento urbano. Esta asserção é corroborada por vários documentos institucionais
governamentais e não-governamentais, dos quais alguns exemplos serão arrolados mais adiante.
Um dos grandes marcos da preocupação do Estado moçambicano para com os problemas
ambientais foi a criação do Ministério para Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), pelo
Decreto Presidencial n.º 2/94 de 21 de Dezembro, com o intuito de promover uma maior

142
coordenação de todos os sectores da actividade e incentivar uma correcta planificação e utilização
dos recursos naturais do país, de forma duradoira e responsável (cf. MICOA, 2007a, p.14).
Segundo o Diploma Ministerial 49/97 de 2 de Julho, o Decreto Presidencial n.º 6/95, de 16
de Novembro define o Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental como órgão central do
aparelho de Estado responsável pela direcção da execução da política ambiental do país e pela
promoção do desenvolvimento sustentável (BR, I Série, n.º 27, 1997).
Segundo MICOA (2007a, p.14-15), no plano do desenvolvimento do sector ambiental, o
MICOA tem os seguintes objectivos:
- Promover o desenvolvimento de forma sustentável, no processo de utilização dos recursos
naturais, renováveis e não renováveis;
- Velar pela introdução de uma cultura de sustentabilidade no processo de tomada de
decisões em matéria de gestão e uso dos recursos naturais, principalmente, na fase de planificação
e exploração;
- Capacitar os diversos sectores, de modo a incluírem e observarem os princípios
ambientais nas suas actividades, projectos e programas de trabalho;
- Normalizar, regular e fiscalizar, através de mecanismos legais apropriados, todas as
actividades relacionadas com a exploração dos recursos naturais;
- Manter a qualidade do ambiente e proceder à sua monitoria;
- Capacitar as comunidades locais no uso sustentável dos recursos naturais, com vista à
redução gradual da pobreza;
- Assegurar que as comunidades locais tenham acesso e direito à ocupação e uso de terras
férteis, água e outros recursos básicos para o sustento e desenvolvimento; e
- Estabelecer, manter e desenvolver relações de cooperação a nível regional e internacional
com instituições congéneres.
Antes da criação do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, o governo
moçambicano estabeleceu o Programa Nacional de Gestão Ambiental (PNGA). O PNGA (1994,
p. 1), que expõe uma série de problemas ambientais no país nos seguintes termos:
Assim, nas zonas rurais, a agricultura revela-se como factor perturbador das condições
ambientais com o desflorestamento, o desaparecimento de espécies de flora e fauna, o
incremento de processos de salinização e perdas de produtividade dos solos a revelarem-
se como os problemas ambientais mais relevantes. As zonas costeiras, com cerca de 2/3
do total da população aí concentrada, caracterizam-se por uma degradação acelerada das
florestas de mangais, fenómenos localizados de erosão costeira, especialmente em zonas
com grandes concentrações populacionais (cidades costeiras), poluição da costa por

143
poluentes como resíduos industriais lançados ao mar sem tratamento prévio, descargas
das águas negras, entre outros. O maior problema ambiental das zonas urbanas é a
degradação dos sistemas de saneamento e a baixa qualidade da água potável. Fenómenos
como deficiente deposição e tratamento de resíduos sólidos domésticos, hospitalares e
industriais, proliferação dos mercados informais, erosão dos solos (deficiência dos
sistemas de drenagem associados à elevada densidade populacional), assentamentos
populacionais em locais impróprios, são problemas ambientais típicos das cidades
moçambicanas.
Com a criação do MICOA e no contexto das suas competências e seus objectivos, foram
elaboradas leis, políticas (sobre leis e políticas abordaremos no tópico acerca do quadro legal),
mobilizados planos de acção e operacionalizados através de estratégias de combate e mitigação
dos problemas ambientais de que se seguem alguns exemplos:
- A Estratégia Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável de Moçambique 2007-2017,
aprovada pela 9ª Sessão do Conselho de Ministros, 24 de Julho de 2007, instrumento que fornece
orientações gerais sobre acções a serem tomadas para o controlo às queimadas descontroladas e
outras acções a serem desencadeadas para reduzir os actuais índices.
A Estratégia Ambiental para o Desenvolvimento toma como ponto de partida que o
ambiente não é da responsabilidade exclusiva do governo, de uma organização específica
ou de grupo de indivíduos. A implementação da presente estratégia é, portanto, da
responsabilidade de todos. Ela enfatiza que devemos trabalhar todos sem distinção de
grupos sociais, de género, de crenças religiosas ou de convicções políticas. Pressupõe um
conjunto de acções harmonizadas numa atitude de divisão de responsabilidades (MICOA
2007b, p.6).
Mais adiante, a Estratégia Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável de
Moçambique/2007-2017 refere que
Devido a factores tais como a caça furtiva, guerra, seca e perda de habitats, a diversidade
e a riqueza faunística do país sofreram um grande declínio havendo, inclusive, indicações
de que algumas espécies desapareceram ou estão em via eminente de extinção. Entre essas
espécies destacam-se o rinoceronte branco, o rinoceronte preto, a chita, a palapala
vermelha, o dugongo, a girafa, o cocone azul e a sitatunga (MICOA, 2007b, p.16).
- Estratégia e Plano de Acção De Género, Ambiente e Mudanças Climáticas (MICOA,
2010), que visam garantir a igualdade de acesso e controle dos recursos naturais, das tecnologias
de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, dos benefícios e oportunidades de
desenvolvimento entre homens e mulheres, rapazes e raparigas, usando de forma sustentável os
recursos naturais no combate à pobreza.
Esta Estratégia tem por missão promover a igualdade e a equidade de género e melhorar a
participação da mulher e das comunidades mais pobres na preservação dos recursos naturais,
gestão ambiental e nas acções de mitigação e adaptação às mudanças climáticas através do seu
empoderamento.

144
- O Plano de Acção para a Prevenção e Controlo às Queimadas Descontroladas 2008-
2018, cuja missão é promover acções conducentes à redução dos índices de queimadas
descontroladas no país, aplicando investimentos adequados, responsabilizando os conselhos
consultivos distritais na elaboração, aprovação e implementação de planos e programas relativos
à redução de queimadas descontroladas nas suas áreas de jurisdição, atribuindo tarefas a todos
intervenientes, em particular às Autoridades e Comunidades Locais (MICOA, 2007a, p.18).
- Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de Mudanças Climáticas 2013-25, cujo
objectivo geral é “estabelecer as directrizes de acção para criar resiliência, incluindo a redução dos
riscos climáticos, nas comunidades e na economia nacional e promover o desenvolvimento de
baixo carbono e a economia verde, através da sua integração no processo de planificação sectorial
e local” (MICOA, 2012, p.x).
A Estratégia define como prioridade nacional a adaptação e redução do risco climático,
ao mesmo tempo que reconhece a necessidade de aproveitar as oportunidades que o país
tem, sem prejuízo das acções de desenvolvimento, para reduzir os impactos das MC
através de um conjunto de acções de mitigação e desenvolvimento de baixo carbono
(MICOA, 2012, p.x).
Segundo o Relatório Final da Revisão da Despesa Pública do Sector Ambiental (2005-
2010), do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, “as queimadas descontroladas
tornaram-se lugar-comum, o que origina uma destruição significativa das florestas, bens e perda
de vidas humanas” (MICOA, 2011b, p.29).
De acordo com o MICOA (2007a, p.3), entre 6 a 15 milhões de hectares de florestas são
queimados anualmente em Moçambique e entre 9 a 15 milhões de hectares de outras áreas.
Geralmente, cerca de 90% de queimadas são resultados das actividades humanas e restantes 10%
são geradas por causas naturais e desconhecidas.
A tabela 1 mostra a área queimada em Moçambique, em 1990, nas Regiões I, II e III, onde:
a Região I é a que possui maior índice de queimadas descontroladas e inclui quase a totalidade das
províncias de Niassa, Tete e Manica, acrescida da parte ocidental de Cabo Delgado, Nampula,
Zambézia e Sofala; a Região II é a que engloba as partes centrais das províncias de Cabo Delgado,
Nampula, Zambézia e Sofala e as províncias do Sul do Save, Maputo, Gaza e Inhambane; e a
Região III é a menos sujeita a queimadas descontroladas e envolve toda a faixa costeira.

Tabela 1: Área queimada em Moçambique durante os meses de Agosto e Outubro de1990.

Região Superfície (hectares) Área Queimada


Hectares %

145
I 34400000 25318400 73
II 24800000 5406400 22
III 20800000 956800 5
Total 80000000 31681600 100
Fonte: Taquidir (1996) apud MICOA (2007a, p.4).

Para aferir o grau de gravidade das queimadas descontroladas e a sua evolução em


Moçambique, atentemos, a título de amostra, à tabela 2 abaixo:

Tabela 2:Situação de queimadas em 2001, 2002 e 2003.


ID Província 2001 2002 2003
1 Cabo Delgado 658 216 5605
2 Niassa 926 672 7386
3 Nampula 366 216 4407
4 Zambézia 385 220 5742
5 Tete 319 497 6306
6 Sofala 157 145 4865
7 Manica 207 229 4540
8 Gaza 55 113 797
9 Inhambane 47 11 812
10 Maputo 66 51 576
11 Soma 3206 3119 41036
Fonte DNFFB (Direcção Nacional de Florestas e Fauna Bravia) apud MICOA, 2007a, p.4).

Sobre as queimadas descontroladas, MICOA (2007a, p.4) acrescenta que


Outros estudos recentes efectuados pelo MICOA, GTZ – PRODER revelam que as
queimadas descontroladas em Moçambique são responsáveis pela devastação de cerca de
30 milhões de hectares por ano. As principais causas dessas queimadas estão ligadas a
acção do Homem constituindo 90% do total das queimadas efectuadas.
MICOA (2007a, p.v) mostra que as queimadas descontroladas constituem um dos maiores
problemas ambientais em Moçambique, nos seguintes termos: “Nos últimos tempos e de forma
sistemática, vemos o país em chamas devido às queimadas descontroladas, devastando recursos
naturais que são a base da economia nacional”. Mais adiante, MICOA (2007a, p.1) assevera que
Em Moçambique, as queimadas descontroladas constituem um dos problemas ambientais
que preocupa toda a sociedade, agravado pelos índices elevados de pobreza em que vive

146
a maioria da população rural e periurbana do país. O problema de queimadas
descontroladas está relacionado com a prática de actividades agrícolas impróprias, caça,
necessidade de combustível lenhoso principalmente em grandes aglomerados
populacionais, questões socioculturais, resultando na destruição da biodiversidade e dos
habitats, na perda da fertilidade de solos, entre outros.
As queimadas descontroladas, vezes sem conta, têm levado à degradação do solo e ao
desflorestamento, contribuindo em, certa medida, para a reincidência de períodos de seca. Em
relação ao desflorestamento, segundo Saket (1997 e Marzoli (2007) apud Zolho (2010, p.12)
“estima-se que a taxa anual de desmatamento é de cerca de 0.58%,equivalente a 220.000 hectares
de florestas que se perdem anualmente”.
Oreste e Cumbe (2007) e Marzoli (2007) apud Zolho (2010, p.12) “avançam como causas
principais desse desmatamento a pressão humana através da agricultura itinerante, produção de
carvão, recolha de lenha e as queimadas descontroladas.” Por outro lado, a exploração florestal
desorganizada e ilegal contribuem em 50 a 70% da produção total anualmente (Mackenzie, 2006
apud Zolho, 2010, p.12). Relativamente à seca, segundo MICOA (2005, p.4),
Em Moçambique as secas severas têm ocorrido em intervalos de 7 a 11 anos, sendo as
secas de menor intensidade as que ocorrem mais regularmente. A seca de 1991-92 foi a
pior na memória, tendo afectado a maior parte da região austral da África. De acordo com
dados históricos, as secas ocorrem na África Austral num regime cíclico, mas ainda não
foi possível prevê-las com precisão.
De 1980 a 2002, Moçambique passou por oito (8) ciclos de seca, afectando milhões de pessoas,
como ilustra a tabela 3, relativamente à ocorrência de secas em Moçambique a partir de 1980, sendo
que o ciclo de 1981-1983 foi o mais impactante, ao afectar cerca de 2,46 milhões de pessoas.

Tabela 3:Ocorrência de secas em Moçambique a partir de 1980.

Ano Descrição
2002 43 Distritos afectados nas províncias do Sul e Centro
de Moçambique
1999 1000.000 pessoas afectadas
1994-95 Sul e Centro de Moçambique. 1,5 Milhões de pessoas
afectadas. Escassez de água potável e aparecimento
de surto de cólera.
1991-93 Todo o país afectado.1,32 milhões de pessoas
afectadas; grande fracasso agrícola; escassez de água
potável
1997 Inhambane 8.000 pessoas afectadas.
1983-84 Maior parte do país afectado. Epidemia de cólera.
Muitos morrem de seca e guerra.
1981-83 Cerca de 2,46 milhões de pessoas afectadas no Sul e
Centro de Moçambique.
1980 60,000 pessoas afectadas no Centro e Sul de
Moçambique

147
Fonte: UEM/FEWS Net/INGC (2002) apud MICOA (2005, p.5).

MICOA (2011b, p.29-30) diz que a degradação da terra, incluindo a erosão do solo e a
salinização das terras agrícolas, zonas habitacionais e zonas costeiras, é frequentemente citada
como um problema ambiental chave em Moçambique. Em relação às calamidades naturais e
mudanças climáticas, segundo o relatório em referência, Moçambique é o terceiro país africano
mais exposto ao risco de diferentes perigos relacionados com o clima. O país é altamente
vulnerável às cheias, secas e ciclones. A Estratégia Nacional de Adaptação e Mitigação de
Mudanças Climáticas 2013-25 refere que
Os registos sobre eventos extremos para o período de 1956 a 2007 indicam que os eventos
que provocaram maior número de óbitos e afectados foram as secas que afectaram o país
por um período superior a um ano. Contudo, considerando eventos de duração inferior a
um ano, as cheias de 2000 afiguram-se como sendo o evento que mais mortes causou,
com 699 mortos e 4,5 milhões de afectados (MICOA, 2012, p.5).
Em relação às cheias em Moçambique, MICOA (2005, p.7) diz que todo o país é vulnerável
a este fenómeno, causado não só pela precipitação que ocorre dentro do território nacional, mas
também pelo escoamento das águas provenientes das descargas das barragens dos países vizinhos
situados a montante. Nos últimos anos, o país tem sido afectado por graves cheias, conduzindo
assim a um agravamento do débito dos rios internacionais e consequente alargamento das áreas
ribeirinhas. A tabela 4 confirma o que se disse acima, ilustrando a ocorrência de cheias em
Moçambique de 1980 a 2001.

Tabela 4:Ocorrência de cheias em Moçambique a partir de 1980.

Ano Descrição
2001 Rio Zambeze, 115 pessoas mortas, 500,000
afectados
2000 Rio Limpopo, Maputo, Umbeluzi, Incomáti, Buzi e
Save, causadas por chuvas jamais vistas. 640
mortos, 2 milhões de pessoas afectadas, piores
cheias dos últimos 150 anos.
1999 Cheias nas províncias de Sofala e Inhambane.
Maiores precipitações em 37 anos. Estrada Nacional
N1 interrompida durante 2 semanas. 100 mortos e
300,000 pessoas afectadas.
1997 Cheias nos rios Búzi, Púngue e Zambeze com corte
de tráfego rodoviário para Zimbabwe durante duas
semanas. 78 mortos e 300,000 pessoas afectadas
1996 Cheias em todos os rios do Sul.200,000 pessoas
afectadas

148
1985 Nas províncias do Sul, 9 rios inundados. Piores
cheias em 50 anos depois de 4 anos de seca. 500,000
pessoas afectadas
1981 Rio Limpopo, 500,000 pessoas afectadas.
Fonte: UEM/FEWS Net/INGC, 2002 apud MICOA (2005, p. 8).

Outro evento resultante das mudanças climáticas que assola Moçambique é o fenómeno
ciclónico, que tende a ser recorrente no país, chegando a ocorrer várias vezes em poucos anos ou
num mesmo ano, como ocorreu no ano 2000 (Elline, Glória e Hudah) ou em anos consecutivos,
como ocorreu entre 2019 e 2022 (Idai, Kenneth, Chalane, Eloise, Guambe e Ana). Sobre os
ciclones, MICOA (2005, p.5) diz que
Moçambique é um país bastante exposto a este fenómeno, uma vez que a sua costa forma
a fronteira ocidental duma das mais activas bacias dos ciclones tropicais, o Sudoeste do
Oceano Índico. Todos os anos, esta bacia sozinha produz cerca de 10% de todos os
ciclones do mundo. Os ciclones tropicais que se formam nesta zona atingem Moçambique
em média uma vez por ano, enquanto as depressões de menor intensidade ocorrem três a
quatro vezes por ano. A parte do país atingida com mais frequência é a zona entre Pemba
e Angoche e nas proximidades da cidade da Beira. A estação ciclónica em Moçambique
vai de Novembro a Abril e os ciclones que atingem o país formam-se no leste de
Madagáscar e no Canal de Moçambique. Enquanto os primeiros tendem a causar ventos
mais fortes, intensificando ao atingir as águas quentes do Canal de Moçambique, os
últimos são normalmente acompanhados por chuvas mais intensas por vezes causando
cheias. De facto, os ciclones e as depressões tropicais contribuíram bastante para a
ocorrência das catastróficas cheias do ano 2000.
A título de exemplo, para elucidar o que se disse acima, atentemos à tabela 5, que reflecte
o impacto dos eventos ciclónicos de maior destaque em Moçambique, em seis (6) anos, até o ano
2000.

Tabela 5: Ciclones tropicais com maior destaque na costa de Moçambique

Nome Nº Pessoas afectadas Nº Pessoas Mortas


Domoina, 1984 350,000 109
Filão, 1988 90,000 100
Nádia, 1994 900,000 52
Bonita, 1996 200,000 11
Lisette, 1997 80,000 87
Elinne, 2000 650,000 700 pessoas mortas por cheias em
Glória, 2000 650,000 parte causadas por estes ciclones
Hudah, 2000 11,000
Fonte: UEM/FEWS Net/INGC, 2002 apud MICOA (2005, p.6)

Em 2019, segundo um estudo de Capacidades de Revisão Pós-Evento (PERC) da Zurich


Flood Resilience Alliance (2020), o ciclone Idai afectou 1.8 milhões de pessoas, fez 603 mortes,
400.000 deslocados, 700.000 hectares de terras agrícolas afectadas, 2.165km2 de área inundada.
No mesmo ano, o ciclone Kenneth afectou 374.000 pessoas, fez 45 mortos e 18.000 deslocados.

149
MICOA (2011, p.29-30) salienta que também existem evidências de que as mudanças
climáticas aumentaram as temperaturas e que os padrões de pluviosidade mudaram
consideravelmente. No que diz respeito à poluição das indústrias e zonas urbanas, à medida que o
país se industrializa, são constatados níveis crescentes de poluição no ar e na água.
Outros aspectos referidos por MICOA (2011) são: 1) o ordenamento territorial pouco
desenvolvido e uma ocupação desordenada da terra constituem um problema ambiental de fundo
que afecta tanto as zonas rurais como as urbanas; 2) saneamento e gestão de resíduos de má
qualidade são questões-chave em zonas habitacionais superlotadas, especialmente porque ainda
não existe um mecanismo economicamente viável para a recolha de resíduos e sua reciclagem.
O que se descreveu acima corrobora a situação actual de Moçambique. Por exemplo,
Observatório do Meio Rural (OMR, 2019) aponta a contínua desflorestação principalmente por
causa da agricultura, seguindo-se o abate das árvores para lenha, carvão e madeira. Algumas
consequências advenientes são a seca e a redução de produção e produtividade agrícola. Com o
incremento da actividade de mineração em grande escala, a poluição do ar e dos rios também
agrava-se.
Os factos descritos acima revelam a necessidade de uma maior e contínua
consciencialização acerca da finitude dos recursos naturais, da adopção do princípio da
racionalidade na sua utilização e que a protecção ambiental e o crescimento económico não devem
ser antagónicos. Neste processo de consciencialização, as OSC’s apresentam-se como parceiras
importantes na sua consecução e na construção de uma cidadania ambiental nacional, de que
passamos a falar no subtópico seguinte.

2.2. O Estágio Actual da Cidadania Ambiental em Moçambique


Há um esforço em Moçambique no sentido de se construir/desenvolver uma cidadania
ambiental consciente dos problemas ambientais que enfermam o país. Este facto observa-se nas
diferentes acções levadas a cabo pelo governo (elaboração de vários documentos orientadores e
legislação correspondente) e pelos diferentes actores sociais (em particular pelas OSC’s), através
de campanhas de educação, sensibilização, monitoria e consultoria junto às comunidades, às
empresas, escolas, instituições governamentais e outros intervenientes/interessados no sentido de
tornar cada vez mais evidente a necessidade de uma convivência saudável entre os diferentes seres
da Natureza.

150
2.2.1. O Quadro Legal Nacional
Do que se disse acima, pode-se afirmar que há um trabalho sério e profundo em prol da
cidadania ambiental em Moçambique, plasmada em documentos nacionais emanados pelo
governo e parceiros, na adesão aos protocolos e às convenções internacionais e nas acções
desenvolvidas pelo governo, por algumas OSC’s e individualidades pro-ambientalistas. Seguem
alguns exemplos (não esgotamos a vasta legislação sobre o assunto, apresentamos alguns
documentos a título ilustrativo) de documentos de legislação e institucionais nacionais e
internacionais que julgamos serem exaustivos para confirmar a ideia anteriormente apresentada.
1) A Política Nacional sobre o Ambiente - Resolução 5/1995 de 3 de Agosto, que estabelece
as bases para o desenvolvimento sustentável de Moçambique através de um compromisso aceitável
e realista entre o desenvolvimento socioeconómico e a protecção ambiental. O desenvolvimento
sustentável em Moçambique tem como meta a erradicação da pobreza, melhoria da qualidade de
vida e redução de danos ambientais.
2) A Política e Estratégia de Desenvolvimento de Florestas e Fauna Bravia, aprovada
através da Resolução 8/97, de 1 de Abril, no número 3 da sua introdução refere que o
desenvolvimento do subsector de Floresta e de Fauna, em Moçambique, reflecte também os
objectivos e as prioridades consagradas no capítulo 11 da Agenda 21 aprovada na Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) realizada no Rio de Janeiro, em
1992, e os princípios florestais a ele associados, especificamente em relação a:
(i) geração de benefícios económicos e sociais da actual e futura geração;
(ii) envolvimento de pessoas dependentes dos recursos florestais na planificação e seu
aproveitamento sustentável;
(iii) conservação dos recursos de base, incluindo a diversidade biológica.
3) A Lei de Terras – Lei nº 19/97, de 1 de Outubro: esta Lei estabelece que a terra é
propriedade do Estado e é o recurso mais importante e valioso de que o país dispõe e que serve
como base para o desenvolvimento da economia. No âmbito do licenciamento das actividades
económicas, a Lei estabelece, no artigo 20, a necessidade de protecção do meio ambiente.
Adicionalmente, no artigo 24, reconhece o papel das comunidades locais na gestão dos recursos
naturais com base na utilização de normas e práticas costumeiras.
4) A Lei do Ambiente – Lei nº 20/97 de 1 de Outubro: na sua introdução, refere que a
materialização do direito do cidadão, consagrado na Constituição da Republica, de viver num

151
ambiente equilibrado, passa necessariamente por uma gestão correcta do ambiente e seus
componentes e pela criação de condições propícias à saúde e ao bem-estar das pessoas, ao
desenvolvimento socioeconómico e cultural das comunidades e a preservação dos recursos
naturais que as sustentam.
5) O Regulamento da Lei de Terras, aprovado através do Decreto 66/98 de 08 de
Dezembro, determina, na alínea a) do artigo 14, que os titulares do direito de uso e aproveitamento
de terra devem usar a terra respeitando os princípios definidos na Constituição e demais legislação
em vigor, e, no caso de exercício de actividades económicas, em conformidade com o plano de
exploração e de acordo com o definido na legislação da respectiva actividade.
6) A Lei de Florestas e Fauna Bravia – Lei nº 10/99 de 7 de Julho, na sua introdução, realça
que a importância económica, social, cultural e científica dos recursos florestais e faunísticos para
a sociedade moçambicana justifica que se estabeleça uma legislação adequada, que promova a sua
utilização sustentável, bem como a promoção de iniciativas para garantir a protecção, conservação
dos recursos florestais e faunísticos, visando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
A Lei de Florestas e Fauna Bravia estabelece os princípios e normas básicas sobre a
protecção, conservação e utilização sustentável dos recursos florestais e faunísticos no quadro de
uma gestão integrada para o desenvolvimento económico e social do país. É preciso acrescentar
que a Lei de Florestas e Fauna Bravia considera as queimadas descontroladas como crime punido
por pena de prisão até 12 meses e multa correspondente, para quem puser fogo e, por consequência,
destruir total ou parcialmente a seara, mata ou floresta. A Lei de Florestas e Fauna Bravia
estabelece que a multa é acompanhada de medidas de recuperação ou compensação obrigatória
dos danos causados, sem prejuízo de outras sanções a que derem lugar.
7) O Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia, aprovado pelo Decreto 12/2002,
que, no seu Artigo 106, proíbe o uso de queimadas de florestas, sob pena de responsabilidade civil,
administrativa e criminal nos termos da Lei. Este regulamento delega às Direcções Distritais de
Agricultura a competência para autorizar a derruba por meio de fogo, estabelecendo as regras de
operação seguintes:
a) Delimitar, por meio de aceiros, a área objecto de derrube;
b) Salvaguardar as espécies ora exceptuadas de derruba, nos termos do artigo anterior;
c) Estabelecer uma equipa de extinção do fogo, com o envolvimento das comunidades
locais para prevenção do seu alastramento;

152
d) Inventariar os recursos existentes e pagamento da taxa de abate relativa as espécies que,
necessariamente, serão atingidas pelo fogo.
8) O Regulamento sobre Padrões de Qualidade Ambiental e de Emissão de Efluentes,
aprovado pelo Decreto 18/2004, de 2 de Junho, que estabelece os padrões de qualidade ambiental
e de emissão de efluentes para águas receptoras, tecnologias, sistemas e métodos de tratamento,
de modo a assegurar um controlo e fiscalização efectivos sobre a qualidade do ambiente e dos
recursos naturais no país. Regulamenta também sobre a qualidade ambiental e os padrões de
qualidade ambiental relativos ao ar, água e solo.
9) O Regulamento Ambiental para Actividade Mineira, aprovado pelo Decreto 26/2004,
de 20 de Agosto, que regulamenta o uso e aproveitamento dos Recursos Minerais com observância
dos padrões de qualidade ambiental e com vista a um desenvolvimento sustentável a longo prazo.
10) O Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental, aprovado pelo
Decreto nº 45/2004 de 29 de Setembro e pelo Decreto nº 42/2008 de 4 de Novembro, refere que a
Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) constitui um requisito legal em termos da Lei do Ambiente
(Lei nº 20/97 de 1 de Outubro) para qualquer actividade que possa ter impacto directo ou indirecto
sobre o ambiente e este processo está regido pelo Regulamento sobre o Processo de Avaliação do
Impacto Ambiental.
11) O Regulamento sobre a Qualidade da Água para o Consumo Humano constante do
Diploma Ministerial 180/2004: estabelece os parâmetros de qualidade para a água para o consumo
humano e os procedimentos visando o seu controlo, de forma a proteger os consumidores contra
quaisquer efeitos nocivos de qualquer contaminação que possa ocorrer nas várias fases do sistema
de abastecimento de água.
12) A Constituição da República da Moçambique de 2004, no seu Artigo 90, diz o seguinte:
(i) Todo o cidadão tem direito de viver num ambiente equilibrado e o dever de o defender.
(ii) O Estado e as autarquias locais, com a colaboração das associações de defesa do
ambiente, adoptam políticas de defesa do ambiente que velam pela utilização racional de todos
recursos naturais.
13) O Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA II), aprovado pelo
Conselho de Ministros a 02 de Maio de 2006, para área ambiental (pp.64-65), destaca como
grandes prioridades a prevenção da degradação de solos, gestão de recursos naturais, o controlo

153
de queimadas descontroladas, capacitação institucional, redução da poluição do ar, águas e solos,
prevenção e redução dos efeitos das calamidades naturais, entre outros.
14) O Regulamento sobre a Gestão de Resíduos, aprovado pelo Decreto n.º 13/2006, de
15 de Junho, que define o quadro legal em que se deverá processar a gestão de resíduos no território
nacional, resultantes das actividades humanas.
15) O Diploma Ministerial n.º 129/2006 do MICOA, de 19 de Julho: Directiva Geral para
a Elaboração de Estudos de Impacto Ambiental, elaborado com vista à normalização dos
procedimentos, bem como a adopção de linhas mestras para orientar a realização dos Estudos de
Impacto Ambiental, nas diferentes áreas de actividades económica e social.
16) O Regulamento para a Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e
Costeiro aprovado pelo Decreto nº 45/2006, de 30 de Novembro: tem como objectivo prevenir e
limitar a poluição derivada das descargas ilegais efectuadas por navios, plataformas ou por fontes
baseadas em terra, ao largo da costa moçambicana bem como o estabelecimento de bases legais
para a protecção e conservação das áreas que constituem domínio público marítimo, lacustre e
fluvial, das praias e dos ecossistemas frágeis.
17) O Regulamento Ambiental para as Operações Petrolíferas, aprovado pelo Decreto
56/2010, de 22 de Novembro, com o intuito de promover a correcta e eficiente gestão ambiental
dos recursos petrolíferos, com vista ao desenvolvimento sustentável do país.
18) O Regulamento sobre Processo de Auditoria Ambiental, aprovado pelo Decreto
25/2011, de 15 de Junho, que é um instrumento de gestão de avaliação sistemática, documentada
e objectiva do funcionamento e organização do sistema de gestão e dos processos de controlo e
protecção do ambiente. O regulamento é aplicável às actividades públicas e privadas, que durante
a fase da sua implementação, desactivação e restauração, directa ou indirectamente, possam influir
nas componentes ambientais (Artigos 1 e 2).
19) O Regulamento Sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora
Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), aprovado pelo Decreto n.º 16/2013, de 26 de Abril:
estabelece as regras sobre a exportação, importação, reexportação, trânsito e introdução por mar
ou por qualquer estância aduaneira dos espécimes das espécies constantes dos anexos I, II e III da
CITES no território nacional com vista à protecção da saúde pública e do ambiente.
20) A Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica – Lei
n.º 16/2014, de 20 de Junho, cujo objecto é o estabelecimento dos princípios e normas básicas

154
sobre a protecção, conservação, restauração e utilização sustentável da diversidade biológica nas
áreas de conservação, bem como o enquadramento de uma administração integrada, para o
desenvolvimento sustentável do país (Artigo 2).
21) O Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental, aprovado pelo
Decreto 54/2015, de 31 de Dezembro, que estabelece normas sobre o processo de avaliação do
impacto ambiental.

2.2.2. A Adesão à Agenda Internacional


Além do quadro legal produzido a nível nacional, o esforço de Moçambique em prol da
cidadania ambiental observa-se na adesão a protocolos e convenções internacionais e na ratificação
dos respectivos documentos, dos quais passamos a citar alguns, nomeadamente:
1) Convenção das Nações Unidas sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna
e Flora Ameaçadas de Extinção (CITES). Moçambique aderiu à CITES através da resolução
Número 20/81, publicada no Boletim da República Número 52/81 de 30 de Dezembro. Esta
convenção tem como objectivo proteger as populações de espécies nativas ameaçadas, evitando a
sua exploração através do comércio internacional.
2) A Convenção Sobre Diversidade Biológica, ratificada pela Assembleia da República,
através da Resolução 2/94, de 24 de Agosto, procura proteger a riqueza da vida, incluindo genes,
espécies e ecossistemas. A convenção visa a conservação da biodiversidade, mantendo a maior
variedade de organismos vivos, comunidades e ecossistemas, para atender às presentes e futuras
gerações. A biodiversidade providencia bens e serviços, desde materiais de construção, alimentos,
plantas medicinais e água que podem aliviar a pobreza.
A convenção realça a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus
componentes e a divisão equitativa e justa dos benefícios gerados com a utilização de recursos
genéticos, através do acesso apropriado a referidos recursos, e através da transferência apropriada
das tecnologias relevantes, levando-se em consideração todos os direitos sobre tais recursos e sobre
as tecnologias, e através de financiamento adequado. Moçambique faz uso dos instrumentos
desenvolvidos pela Convenção mais concretamente em relação à colaboração na conservação e no
uso sustentável dos ecossistemas, incluindo florestas, recursos hídricos, zonas marinhas e
costeiras, terras secas e sub-húmidas e terras agrícolas.
3) A Convenção Quadro sobre as Mudanças Climáticas, ratificada pela Assembleia da
República no dia 24 de Agosto de 94 e publicada no Boletim Número 34/94, tem como objectivo

155
minimizar os impactos negativos do aquecimento global através do regresso aos níveis seguros de
concentração do gás com efeito de estufa. A Convenção-Quadro foi criada com o objectivo de
alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que
impossibilitasse a interferência perigosa induzida pelo Homem no sistema climático. A convenção
não determina a maneira de alcançar seus objectivos, porém criou e dispõe de mecanismos de
negociação para o efeito.
A Convenção apresenta como princípio fundamental a protecção do sistema climático e o
benefício das gerações presentes e futuras da humanidade, evidenciando, dessa forma, o
desenvolvimento sustentável. No mesmo sentido, essa protecção deve estar centralizada na
equidade e de acordo com as responsabilidades comuns e diferenciadas dos países partes da
convenção.
Esta convenção surge do facto de as actividades humanas causarem uma concentração na
atmosfera de gases de efeito estufa, que resulta num aquecimento da superfície da Terra e da
atmosfera, o que afecta adversamente ecossistemas naturais e a humanidade. Os objectivos da
convenção são: (a) estabilizar a concentração de gases efeito estufa na atmosfera num nível que
possa evitar uma interferência perigosa com o sistema climático; (b) assegurar que a produção
alimentar não seja ameaçada; (c) possibilitar que o desenvolvimento económico se dê de forma
sustentável.
4) A Convenção sobre o Combate à Seca e à Desertificação, ratificada pela Assembleia da
República no dia 26 de Novembro de 1996 e publicada no Boletim da República Número 20/96,
reconhece que algumas das comunidades e ecossistemas mais vulneráveis do mundo estão
localizados em zonas áridas e semi-áridas. Esta Convenção reconhece a importância do combate
à pobreza, da melhor distribuição dos benefícios do desenvolvimento e do atendimento às
necessidades de saúde e bem-estar das populações afectadas pela desertificação.
A Convenção enfatiza a colaboração internacional e o desenvolvimento de projectos
participativos através da implementação de Programas Nacionais desenvolvidos através de
consultas participativas nos países afectados, partilhando ideias e melhores práticas com os países
vizinhos, valorizando e protegendo o conhecimento tradicional das comunidades locais.

2.2.3. A Acção Político-Governamental


Como forma de operacionalizar a vasta legislação nacional e internacional, os tratados, as
convenções e outros compromissos ligados à problemática ambiental, os sucessivos governos

156
moçambicanos têm incluído, nos seus programas quinquenais, a gestão sustentável do ambiente
como uma das suas prioridades. Seguem, a título de exemplo, algumas considerações sobre a
questão ambiental, patentes em alguns programas quinquenais.
O Programa Quinquenal 2005-2009 (Boletim da República, 2005, I Série, Número 19,
p.189) enfatiza o uso sustentável dos recursos naturais, nos seguintes termos:
- Acelerar o processo de autorização de direitos de uso e aproveitamento da terra;
- Melhorar a gestão dos recursos florestais e faunísticos, assegurando benefícios às
comunidades locais e a participação destas na sua conservação;
- Criar um ambiente favorável para uma gestão sustentável de florestas e fauna bravia por
parte do sector privado e das comunidades locais;
- Promover a produção f1orestal e desenvolvimento de actividades sinergéticas, de modo a
garantir um desenvolvimento sustentável da indústria f1orestal e faunística, criação e pecuarização
dos animais bravios;
- Reabilitar e desenvolver as áreas de conservação para garantir as actividades de extensão
e multiplicação de destinos turísticos em Moçambique;
- Potenciar a gestão das águas interiores para promover a irrigação e concentrar as
prioridades no desenvolvimento de esquemas de irrigação ligados ao pequeno produtor.
O Programa Quinquenal 2010-2014 (p.53), em relação às florestas, determina o seguinte:
1) Redefinir e implementar uma política para a exploração sustentável dos recursos florestais; 2)
Definir e implementar uma estratégia de valorização e protecção das plantas nativas e de incentivo
ao estabelecimento de Plantações Florestais.
Mais adiante (p.101), nos assuntos transversais, o Programa Quinquenal 2010-2014
discorre nos seguintes termos: “O sucesso no combate à pobreza pressupõe que, em todas as áreas
de actividade, seja tomada em conta a preservação do meio ambiente, através do uso racional dos
recursos naturais, com base numa planificação e controlo correctos das actividades humanas”.
Assim, o Governo continuará a promover a integração dos aspectos ambientais nos
processos de formulação de políticas, programas, planos e projectos de desenvolvimento,
assegurando que os recursos naturais sejam usados de forma racional e harmoniosa. O Governo
propõe-se a alcançar este desiderato mediante os seguintes objectivos estratégicos:
i. Promover a qualidade ambiental, bem como políticas e estratégias de mitigação e
adaptação às mudanças climáticas;

157
ii. Fortalecer o quadro institucional e legal para o uso sustentável de recursos naturais e
manutenção da biodiversidade;
iii. Promover a educação ambiental e difundir a pertinência da preservação do ambiente
junto das comunidades;
iv. Adoptar e implementar estratégias e medidas de combate à erosão, desmatamento,
queimadas descontroladas, poluição e disseminar as boas práticas de gestão ambiental;
v. Desenvolver infra-estruturas de gestão de resíduos sólidos urbanos, saneamento do meio;
vi. Promover o planeamento e ordenamento territorial à escala nacional com ênfase nas
cidades, vilas e zonas costeiras e assegurar que as prioridades ambientais sejam devidamente
integradas nos programas de desenvolvimento.
No Programa Quinquenal 2015-2019 (p.35ss), “assegurar a gestão sustentável e
transparente dos recursos naturais e do ambiente” é uma das cinco prioridades. Esta prioridade é
descrita nos seguintes termos:
A gestão criteriosa e económica dos recursos naturais e do ambiente é um factor
determinante para o alcance do desenvolvimento sustentável inclusivo e base sólida para garantir
a satisfação das necessidades actuais, mantendo sempre a preservação dos recursos naturais para
a satisfação das necessidades de desenvolvimento das futuras gerações.
A emancipação económica individual, familiar e comunitária assenta no acesso, gestão
correcta e uso adequado dos recursos naturais disponíveis, facto que exige do Governo o
estabelecimento de normas que garantam uma melhor articulação e maior transparência no acesso
e exploração dos recursos naturais entre os indivíduos, as comunidades, as pequenas e médias
empresas e os grandes projectos de desenvolvimento.
No quadro do actual contexto de desenvolvimento económico e social do país, é imperativo
fortalecer a acção de planeamento e ordenamento territorial e assegurar a adopção de tecnologias
apropriadas para garantir que as actividades produtivas, incluindo a exploração dos recursos
naturais minimizem o impacto negativo sobre o ambiente e as comunidades. Para garantir a gestão
e uso sustentável dos recursos do ar, da terra, da água e do subsolo, a manutenção da biodiversidade
em harmonia com as necessidades de desenvolvimento nacional, o Governo estabelece os
seguintes objectivos estratégicos:
(i) Aprimorar o planeamento e ordenamento territorial e fortalecer a monitoria, fiscalização
e responsabilização na elaboração e implementação dos planos;

158
(ii) Garantir a integração da Economia Verde-Azul e da agenda de crescimento verde nas
prioridades nacionais de desenvolvimento, assegurando a conservação de ecossistemas, a
biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais;
(iii) Reforçar a capacidade de avaliação e monitoria da qualidade ambiental, em especial
nas áreas de implementação de projectos de desenvolvimento;
(iv) Promover estudos e investigação visando a redução do risco de calamidades e
adaptação às mudanças climáticas; e
(v) Reduzir a vulnerabilidade das comunidades, da economia e infra-estruturas aos riscos
climáticos e às calamidades naturais e antropogénicas.
O Programa Quinquenal 2020-2024 (p.42ss) repete ad litera e reforça a política
apresentada no programa anterior, apresentando o “Fortalecimento da Gestão Sustentável dos
Recursos Naturais e do Ambiente” como terceira prioridade. Neste programa, alguns dados novos
são apresentados nos objectivos estratégicos, nomeadamente:
(ii) Assegurar a conservação de ecossistemas, a biodiversidade e o uso sustentável dos
recursos naturais;
(v) Garantir a transparência e a sustentabilidade da actividade de extracção de minerais e
hidrocarbonetos; e
(vi) Reforçar a capacidade de monitoria e inspecção em áreas onde ocorrem actividades
mineiras.
Os objectivos propostos nos diferentes programas quinquenais encontram a sua
exequibilidade nos diferentes sectores da vida socioeconómica do país, entre eles a educação,
particularmente a educação ambiental, que é objecto de uma breve reflexão no subtópico 2.4.

2.2.4. A Educação Ambiental


Em relação à educação ambiental, em Moçambique, tem-se registado progressos, nas
vertentes formal e informal. A Estratégia do Ensino Secundário Geral, aprovada na XXI Sessão
Ordinária do Conselho de Ministros, de 24/11/2009 (p.71), refere que
A conservação do meio ambiente é um dever de todo o cidadão. Para que se viva num
ambiente saudável é importante introduzir acções temáticas educativas orientadas para a
promoção da participação de alunos na conservação do ambiente que o rodeia,
contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento sustentável do país.
No campo da educação formal, Cândido (2010, p.86) apresenta-nos a importância da
educação ambiental em Moçambique nos seguintes termos: “Em Moçambique, por exemplo, a

159
introdução da componente ambiental nos dois graus iniciais do sistema do ensino, nomeadamente
o EP1 e o EP2, foi um dos objectivos num trabalho conjunto entre o MICOA e o Ministério da
Educação (Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação – INDE)”. Posse (2011) diz que
A crescente degradação ambiental em Moçambique tem obrigado o governo a procurar
mecanismos que possam minimizar os impactos negativos, dentre eles, investimentos em
campanhas de EA na sociedade, desenhadas e implementadas pelo Ministério para
Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) e pelo Ministério da Educação (MINED).
O MICOA tem como responsabilidade a prática da EA no meio informal – fora do sistema
de ensino e o MINED no meio formal – instituições de ensino.
No ensino primário e no secundário geral, as diferentes disciplinas contemplam a
abordagem sobre a educação ambiental, quer como conteúdo obrigatório programático quer como
um assunto transversal, como atestam Da Conceição et al (2016) ao escreverem sobre
Oportunidades de ensinar e aprender Educação Ambiental no 1º Ciclo do Ensino Secundário
Geral em Moçambique. Na mesma linha, Posse (2011) diz que “No novo currículo do ESG a EA
foi introduzida numa abordagem transversal de forma a permitir efectivar a interdisciplinaridade
de modo a provocar debate dentro e fora da sala de aula.” Em relação à educação informal, Cândido
(2010, p.86) refere que
O aumento do papel dos jovens e seu envolvimento activo na protecção do ambiente e na
promoção do desenvolvimento económico e social tem sido considerável. Tem havido
entusiasmo das pessoas inerentes a esta faixa etária, nos bairros, escolas, organizações
juvenis e em outros locais de aglomeração de jovens, fazendo com que se multiplicasse o
surgimento de “Clubes” e “Associações” do Ambiente.
No geral, a educação ambiental, formal ou informal, pode ser tomada de forma holística,
mais abrangente, pois objectiva alcançar todos os cidadãos. A educação ambiental se constitui num
processo pedagógico participativo que procura despertar no indivíduo uma consciência crítica
sobre os problemas ambientais, fazendo reconhecer que todos temos não só o direito de gozar de
um ambiente saudável, mas também a obrigação de lutar pela sua preservação. Voltando para o
caso específico de Moçambique, Cândido (2010, p.86) diz que
Vários programas de educação ambiental têm tido lugar fundamentalmente nas escolas
no âmbito dos “Clubes do Ambiente” ou através da Organização Nacional dos
Continuadores. Importa destacar a criação do Comité Intersectorial de Apoio ao
Desenvolvimento do Adolescente e Jovem (CIADAJ) que congrega o governo,
associações juvenis e organizações religiosas que têm como objectivo permitir ao governo
auscultar a opinião pública sobre as questões relativas ao desenvolvimento dos
adolescentes e jovens. Assim, são objectivos do CIADAJ propor ao governo políticas
estratégicas e programas que visam fundamentalmente educar o adolescente e o jovem na
conservação e preservação do ambiente, educação para o trabalho, no combate à droga,
ao SIDA, e outros problemas que afectam esta camada.
Neste âmbito, merecem ainda destaque os seguintes aspectos: a introdução de disciplinas
ambientais em vários cursos do ensino superior nas várias instituições a este nível bem como de

160
cursos afins, como é o caso do Curso de Educação Ambiental na Faculdade de Educação da
Universidade Eduardo Mondlane, cujo início foi no ano de 2010. Os jornalistas têm desempenhado
um papel de reconhecido destaque na divulgação de questões ambientais, daí que seja relevante
esta orientação (Cândido, 2016, p.87). Sobre a importância do jornalismo em matéria de educação
ambiental, Cândido refere que
Tanto o Governo como a Sociedade Civil desenvolveram com o apoio dos meios de
comunicação social programas que visavam o aumento da consciência ambiental dos
cidadãos sendo de destacar: Programas da Rádio Nacional e Rádios Comunitárias de
Divulgação Ambiental. Séries Televisivas de Educação Ambiental, nomeadamente “ABC
do Ambiente” e “Recursos e Vida” que foram apresentadas tanto na Estação Televisiva
Nacional como na Estação RDP África que é difundida internacionalmente e em
particular para os falantes do Português. Divulgação de temas ambientais através de
artigos e folhetos. Produção de uma revista especializada sobre Ambiente e
Desenvolvimento (Cândido, 2016, p.87).
Outra acção destacada por Cândido (2016, pp. 87-88) é a realização de jornadas de
consciencialização ambiental por ocasião das comemorações do Dia Mundial do Ambiente que é
comemorado no país todos os anos, sendo as cerimónias centrais realizadas rotativamente numa
das capitais provinciais do país. Estas comemorações incluem actividades de plantio de árvores,
campanhas de limpeza, exposições, palestras, actividades desportivas e culturais, etc.
MICOA (s/d, p.7) refere que a educação ambiental é uma das grandes preocupações e
prioridades do Ministério para a Coordenação e Acção Ambiental. As crianças e adolescentes
constituem um grupo muito importante para a Educação Ambiental, uma vez que apreendem
facilmente novos conceitos e da mesma forma divulgam a mensagem ambiental aos amigos e
famílias. A educação ambiental deve ser vista como um processo de permanente aprendizagem
que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com consciência local e
planetária.
Segundo MICOA (s/d, p.7), entende-se, portanto, que a educação ambiental é condição
necessária para modificar um quadro de crescente degradação socioambiental, mas ela ainda não é
suficiente. Converte-se em “mais uma ferramenta de mediação necessária entre culturas,
comportamentos diferenciados e interesses de grupos sociais para a construção das transformações
desejadas”. O educador tem a função de mediador na construção de referenciais ambientais e deve
saber usá-los como instrumentos para o desenvolvimento de uma prática social centrada no conceito
da Natureza.

161
A par dos esforços do governo, surgiram e continuam a surgir, no país, movimentos,
campanhas e organizações empenhadas pela causa da cidadania ambiental, resultantes dos esforços
empreendidos pela sociedade civil, assunto que abordaremos no subsónico que segue.

2.2.5. A Actuação da Sociedade Civil


Os esforços para a construção de uma cidadania ambiental em Moçambique não se cingem
apenas às acções do governo e da produção de um quadro legal sobre o meio ambiente. Outros
actores intervêm e são chamados a intervir no sentido de mudança (de forma positiva) de atitude
em relação ao meio que nos envolve. Por isso, MICOA (2007, p.6) adverte que
A materialização da Estratégia Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável em
Moçambique, só será possível com a participação de todos os interessados: sectores
público e privado, instituições académicas e de pesquisa, sociedade civil, as comunidades
aos diferentes níveis e as organizações ou agências internacionais de cooperação para o
desenvolvimento.
Esta citação reflecte a necessidade da conjugação de esforços de vários actores na luta pela
construção de uma cidadania ambiental em Moçambique. Neste contexto, Barroso (2017, p.16)
refere que
Nesse sentido, e buscando colmatar esse constrangimento, algumas organizações da
sociedade civil, movimentos sociais e indivíduos têm desenvolvido, em Moçambique e
de forma crescente, esforços alternativos de formação para a cidadania e privilegiado
contextos, espaços e recursos educativos não-formais ou informais.
As organizações da sociedade civil são, por conseguinte, uma forma inovadora de
participação cívica que possibilita aos cidadãos monitorar criticamente as acções dos governos e
os interesses corporativistas, a terem escolhas políticas em função de recomendações das suas
redes de discussão e a interagirem directamente com organizações políticas convencionais ou não
convencionais. Paralelamente, por permitir uma forte interactividade com o público e por gerar
um novo tipo de discussão pública, as OSC’s podem transcender os espaços/limites de actuação
governamental, uma vez que se apresentam de forma identitária com as comunidades.
É nesta perspectiva que várias OSC’s têm actuado em Moçambique, das quais passamos a
mencionar algumas e as respectivas acções. Há várias OSC’s activas no sector do ambiente no país
cujo perfil é diversificado. A título de exemplo, passamos a fazer uma breve apresentação e
descrição de actividades de algumas delas. A consulta de informação nos websites ocorreu por
diversas vezes em períodos de tempo longamente separados, por isso não se apresentam aqui as
datas de acesso.

162
A AAAJC – Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades, operando em
Tete, define como sua missão “Apoiar as comunidades locais através da consciencialização sobre
os seus direitos, divulgação da legislação, produção de conhecimento, resolução de conflitos
através da assistência jurídica e promoção do desenvolvimento com base no uso e aproveitamento
da terra e outros recursos naturais” (Fonte: http://www.aaajc.org/).
A ABIODES – Associação para o Desenvolvimento Sustentável, sediada na Cidade de
Maputo, cuja missão é infundir o desenvolvimento sustentável e inclusivo através da agricultura e
uso racional dos recursos naturais, tem como visão ser uma organização de actuação e
reconhecimento nacional em desenvolvimento agrário e gestão sustentável dos recursos naturais
(Fonte: https://www.abiodes.org.mz).
A ABIODES é constituída por um grupo de membros moçambicanos especializados em
áreas relevantes à problemática de desenvolvimento sustentável, agricultura biológica, ambiente e
recursos naturais, com experiencia de trabalho de muitos anos em vários domínios da actividade
económica de Moçambique, incluindo execução de projectos, assessoria na definição de políticas
e estratégias, investigação e extensão, consultoria, ensino formal e informal, etc. (Fonte:
https://www.abiodes.org.mz).
A ADEL – Associação do Desenvolvimento Económico Local, circunscrita à Província de
Sofala, procura incentivar o empreendedorismo nas comunidades, permitindo gerar uma renda
sustentável para as famílias e para as pequenas e médias empresas. A organização dedica-se ao
desenvolvimento da província de Sofala e do país no geral, concentrando-se em mitigar a fome e
a pobreza, bem como a melhoria da saúde e da educação.
A visão da ADEL é um Moçambique mudando e progredindo, onde os esforços da
sociedade civil, sector público e privado são sinergéticos, patrocinando opções de
desenvolvimento apropriadas, que contribuam para erradicação da pobreza (geração de riqueza),
eliminação da exclusão socioeconómica, sendo ambientalmente sustentável e socialmente
responsável (Fonte:http://www.adelsofala.org.mz/adel/nossa-visao-e-missao/).
A AENA – Associação Nacional de Extensão Rural, é uma organização nacional
vocacionada ao desenvolvimento rural, com o objectivo de contribuir na melhoria do nível de vida
das comunidades rurais, incentivando iniciativas locais e promovendo a gestão e governação
sustentável dos recursos naturais nas comunidades rurais. (Fonte: https://www.aena-mz.org).

163
A AENA, com sede em Nampula, tem como missão facilitar o desenvolvimento
socioeconómico das comunidades rurais através do fortalecimento de capacidades, geração e
partilha de conhecimentos e realização de campanhas de advocacia. A sua visão foca as
comunidades rurais autónomas com meios de vida resilientes, vivendo numa sociedade justa com
equidade de género e ambiente saudável, gerindo a terra e os recursos naturais de forma sustentável
e participativa (Fonte: https://www.aena-mz.org).
AMA (Associação do Meio Ambiente) – foi fundada em 1990 e sediada na Cidade de
Pemba, na Província de Cabo Delgado, circunscrição geográfica a que se limita a sua a actuação.
A sua missão é a promoção da gestão sustentável do meio ambiente, baseada na valorização do
potencial endógeno das comunidades, através da educação ambiental e da promoção da boa
governação, tornando-se referência a nível nacional. A visão da AMA é: um ambiente protegido e
conservado através do uso sustentável dos recursos naturais, para o bem-estar das comunidades
(Fonte: https://ama-amigosdaterra.org/associacao/).
Na educação ambiental formal, a AMA conduz acções de advocacia para introdução de
conteúdos ambientais e recursos naturais no currículo do ensino geral dos distritos, aproveitando
os 20% do curriculum local. Também desenvolve acções de fortalecimento institucional das
instituições de educação deste sector para correcta utilização desta ferramenta, com destaque para
professores, pessoal do sector de educação do nível provincial e distrital e conselhos de escolas.
Assim foram produzidos e alocados a várias escolas de diferentes níveis múltiplos manuais para
estudantes e para professores (Fonte: https://ama-amigosdaterra.org/associacao/).
A BIOFUND – Fundação para a Conservação da Biodiversidade – é uma instituição que
mobiliza, aplica e gere recursos financeiros em benefício exclusivo da conservação da
biodiversidade em Moçambique. A Fundação também traz ao esforço da conservação em
Moçambique o contributo do sector privado, da sociedade civil e da academia. (Fonte:
https://www.biofund.org.mz/).
A BIOFUND, também sediada na Cidade de Maputo, tem como missão o financiamento
sustentável da conservação da biodiversidade, com especial foco no sistema nacional de áreas de
conservação, como contributo para o desenvolvimento equilibrado do país. A visão desta
organização é ser mecanismo preferencial para financiamento da conservação da biodiversidade
em Moçambique (Fonte: https://www.biofund.org.mz/).

164
O Centro Terra Viva – Estudos e Advocacia Ambiental (CTV) é uma organização
moçambicana não governamental criada (em 2002) com o intuito de promover e assegurar a
participação da sociedade civil na educação e informação ambiental, bem como na adopção e
aplicação de legislação sobre a mesma temática. Em termos interventivos, sempre foi uma
organização focada na investigação e advocacia ambiental, dedicando-se principalmente à
investigação e consultoria na área de políticas. Colabora frequentemente com o Governo de
Moçambique, fornecendo estudos, aconselhamento jurídico e formação (Fonte:
http://ctv.org.mz/quem-somos/centro-terra-viva/).
O CTV tem como missão contribuir para o desenvolvimento sustentável, baseado na
legalidade, justiça e numa melhor fundamentação técnico-científica das decisões ambientais, para
que os apelos à participação pública na gestão ambiental incluídos nas políticas, estratégias e na
legislação ambiental nacional sejam respondidos positivamente por uma sociedade civil com
capacidade para fazer contribuições informadas e relevantes nesta área (Fonte:
http://ctv.org.mz/quem-somos/centro-terra-viva/).
A visão do CTV é uma gestão dos recursos naturais em Moçambique que seja socialmente
justa, ambientalmente sã, economicamente viável e institucionalmente responsável, baseada em
conhecimentos científicos que garantam a sustentabilidade e uma partilha justa e equitativa de
benefícios (Fonte: http://ctv.org.mz/quem-somos/centro-terra-viva/).
A Justiça Ambiental (também conhecida pelo acrónimo JA!) é uma ONG de carácter
voluntário que opera em Moçambique. A organização foi fundada em 2004 por um grupo de
amigos com uma preocupação crescente sobre a maneira como o país estava se desenvolvendo na
economia global sem muitas regras. A rapidez da entrada do investimento estrangeiro na nossa
frágil democracia, caracterizada por uma sociedade civil relativamente fraca e um sistema jurídico
praticamente inacessível, criava o risco de se perder muito da nossa beleza natural, que acreditamos
pertencer às pessoas deste país e que não deve ser posta à venda aos grandes grupos empresariais
(Fonte: https://justica-ambiental.org/sobre/).
Os membros da JA! vêem o ambiente como um conceito holístico e a justiça ambiental
como o veículo para assegurar a equidade e a igualdade de toda a sociedade através do ambiente.
Em defesa do desenvolvimento sustentável, nós tentamos ver o conceito de igualdade em grande
escala, e assim, valorizar e assegurar os direitos das futuras gerações a um ambiente saudável e

165
seguro, da mesma forma que valorizamos esse direito para nós mesmos (Fonte: https://justica-
ambiental.org/sobre/).
A Kubecera, sediada em Tete, tem como missão promover a governação participativa,
transparente e sustentável na exploração e conservação dos recursos naturais em Moçambique. A
visão da organização é ser uma instituição de referência da sociedade civil pela sua capacidade de
inovação, qualidade técnica e eficácia dos modelos de lobby e advocacia para a justiça social e
sustentabilidade das mudanças pro-pobres em Moçambique (Fonte:
https://www.kubecera.org,mz).
A Livaningo define a sua missão como sendo a de tornar-se agente catalisador do
desenvolvimento baseado em resultados através da promoção da prestação de contas na gestão dos
recursos naturais em Moçambique, boa governação urbana, adaptação às mudanças climáticas e
uso de energias renováveis visando a justiça social e o bem-estar das comunidades. A visão da
Livaningo é de “ser reconhecida como referência da sociedade civil no mundo pela sua capacidade
de inovação, qualidade técnica e eficácia dos modelos de lobby e advocacia para a justiça social e
sustentabilidade das mudanças pro-pobres em Moçambique (Fonte: https://livaningo.co.mz/sobre-
nos/).
A Livaningo, primeira OSC ambiental em Moçambique, e o Fórum Natureza em Perigo
(FNP), entre outras, desempenham um papel mais activista, conduzindo campanhas de advocacia,
denunciando más condutas ambientais e questionando as políticas do governo que ameacem a
conservação e a gestão sustentável dos recursos naturais. A Livaningo, por exemplo, descreve a
sua acção como “luta de rua” e já teceu duras críticas ao governo pela sua apatia em relação às
actividades ilegais de abate de árvores, pesca desenfreada e estabelecimento de infra-estruturas de
turismo na zona costeira. As OSC’s apontam a falta de uma consciência pública sobre o ambiente,
o que se crê dever-se ao desapego da população em relação à terra. (Fonte:
https://livaningo.co.mz/sobre-nos/).
A MAHLAHLE – Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Mulher, sediada em
Inhambane, é uma ONG nacional fundada em 1997, cuja missão é impulsionar o desenvolvimento
comunitário, trabalhando com as comunidades e grupos cívicos locais para elevar a sua cidadania,
resiliência a desastres e capacidade de aproveitamento sustentável de recursos e oportunidades
locais, dando especial enfoque à participação e empoderamento da mulher, rapariga e crianças em
todos os processos de mudança (Fonte:https://mahlahle.org.mz).

166
A visão desta organização é: “comunidades moçambicanas com qualidade de vida digna,
elevando a sua capacidade de enfrentar todo o tipo de desastres, com respeito aos direitos da
criança, rapariga e mulher, valorizando o seu papel na sociedade”. A organização tem como
principais valores: integridade, inclusão, respeito, cidadania e equidade (Fonte:
https://mahlahle.org.mz).
A ROADS é uma Rede das Organizações para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,
baseada na Província de Niassa. Esta organização propõe-se a intervir colectivamente no processo
de tomada de decisões ambientais através de lobby e advocacia de baixo ao alto nível. A visão
desta organização é de aumentar a reversão da perda de recursos naturais e faunísticos ambientais
através dos princípios de prevenção, minimização de impactos ambientais, acesso público à
informação ambiental, investimento e desenvolvimento sustentável, gestão de terras, criação e
gestão de áreas de conservação do Niassa (Fonte: https://roadsniassa.or.mz).
Um dos princípios da ROADS é o acesso público à informação ambiental, onde se prioriza
a promoção de mecanismos claros e eficazes de acesso público à informação ambiental e à
condução de processos transparentes de tomada de decisões sobre a gestão do ambiente e dos
recursos naturais (Fonte: https://roadsniassa.or.mz).
Os perfis das organizações da sociedade civil acima apresentados revelam que, de forma
colectiva ou isolada, estas organizações produzem as suas próprias ideias, notícias, agendas,
práticas discursivas, estratégias e tácticas de intervenção, facilitando o envolvimento de cidadãos
na observação e interpretação de eventos. Estes actores partilham um sentido de pertença a um
colectivo e a uma proposta alternativa ao status quo, interessando-se mais em elevar a
consciencialização dos cidadãos nas diferentes frentes, em particular a ambiental.
A actuação das OSC’s tem alterado de certa forma como as sociedades modernas têm
funcionado. Esta mudança reflecte-se não só na forma como tais sociedades vivem o seu
quotidiano, como também no modo como os seus membros interagem uns com os outros ou com
as estruturas políticas, sociais, económicas ou culturais nelas existentes.
Apesar destes avanços, pode-se dizer que há ainda um longo caminho por percorrer, a partir
mesmo do acesso a programas de educação ambiental formal e informal, de modo a que se possa
ter um número cada vez maior de cidadãos ambientalmente conscientes e responsáveis.
O país dispoõe de uma estratégia ambiental mas não dispõe de uma estratégia nacional de
educação ambiental: a nível dos conteúdos curriculares (nas diferentes disciplinas); a nível da

167
organização das escolas – regulamentos que incluem a obrigatoriedade da observância da atitude
pró-ambiente por parte de toda a comunidade escolar; redimensionamento/adaptação das escolas
para padrões ambientais; as novas construções escolares devem incluir de forma obrigatória o
compromisso com a questão ambiental.
Outra fraqueza reside na falta de uma legislação específica sobre gestão dos solos locais,
nos bairros, cidades e aldeias, que possa incentivar o uso sustentável da Terra e dos recursos nela
existentes. A promoção da formação cívico-ambiental formal e informal ainda é muito fraca. Não
existem acções atinentes à aglutinação dos vários quadros formados em matéria ambiental ou que
trabalham em sectores ligados directa ou indirectamente com o meio ambiente: activistas, gestores
e educadores ambientais, arquitectos, técnicos de planeamento físico urbano, entre outros.
Pelas fraquezas apresentadas acima e por outras aqui não mencionadas, urge a intervenção
de todos os segmentos da sociedade e, de modo particular, é preciso que se dê espaço às OSC’s de
modo que continuem a empreender esforços para que se alcance resultados quantitativa e
qualitativamente acima do estágio actual. Uma das OSC’s que julgamos poder desempenhar um
papel preponderante é a KUWUKA JDA, cujo contributo será apresentado no tópico seguinte.

3. Sobre o Contributo da KUWUKA JDA na Educação para a Construção de uma Cidadania


Ambiental em Moçambique
Este tópico visa apresentar de forma específica como é que em Moçambique são feitos
esforços para a construção de uma cidadania ambiental, particularmente pelas OSC’s. Nesta
perspectiva, o estudo procurará reflectir em torno do impacto das OSC’s na educação, do seu papel
e contributo na educação para a cidadania ambiental em Moçambique, tendo em conta o caso
concreto do trabalho desenvolvido pela KUWUKA JDA. O tópico procura responder aos seguintes
objectivos: 1) Descrever as acções educativas da KUWUKA JDA para a cidadania ambiental em
Moçambique; e 2) Examinar o contributo educativo dessas acções da KUWUKA JDA na
construção da cidadania ambiental em Moçambique.
A construção deste capítulo baseia-se, para além da pesquisa bibliográfica, na recolha de
dados primários em pesquisa de campo (no endereço da organização e em algumas comunidades
onde ela actua). O tratamento dos dados é de natureza qualitativa, pois trata-se de uma pesquisa
básica que prima por uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito-pesquisador, isto é, um

168
vínculo indissociável entre o mundo objectivo e a subjectividade do sujeito-pesquisador que não
pode ser traduzida em números (Mutimucuio, 2008; Creswell, 2007; De Mello, 2014).
Duas perguntas de pesquisa norteiam este tópico, nomeadamente: 1) Quais são as acções
educativas que a KUWUKAJDA promove para cidadania ambiental?; 2) Que contributo educativo
a KUWUKAJDA tem dado na construção de uma cidadania ambiental em Moçambique?

Este tópico será desenvolvido em quatro partes: (1) historial e identificação/caracterização


da KUWUKA JDA, (2) percepções dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA sobre a
emergência da problemática ambiental contemporânea e a educação para a cidadania ambiental, o
papel das OSC’s e cidadania ambiental em Moçambique; (3) acções da KUWUKA JDA face aos
problemas ambientais em Moçambique e (4) o contributo da KUWUKA JDA na educação para a
construção de uma cidadania ambiental em Moçambique.

3.1. Historial e Identificação/Caracterização da KUWUKA JDA


Em várias partes do mundo, particularmente em Moçambique, as Organizações Não
Governamentais (ONG’s), doravante Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) não
governamentais ambientais têm desempenhado um importante papel no processo de
aprofundamento e expansão das acções de educação ambiental não formal e, muitas vezes,
impulsionam iniciativas governamentais e dão apoio às organizações da iniciativa privada
interessadas no desenvolvimento de projectos na área (Dos Santos et al, 2010).
Estas organizações fazem parte do grupo de interessados preocupados com a problemática
ambiental. São os denominados stakeholders das demandas ambientais como: os órgãos estatais
encarregados de proteger o meio ambiente, gestores públicos, instituições e grupos científicos,
gestores de empresas privadas, imprensa, profissionais ligados à implementação da questão
ambiental na gestão de processos produtivos, consumidores “verdes”, comunidade académica,
cidadãos, etc. Para a presente pesquisa, o foco é para as associações, tendo como ponto de partida
a KUWUKA JDA – Juventude, Desenvolvimento e Advocacia Ambiental, que servirá de elo para
a compreensão do papel das demais na educação para a cidadania ambiental em Moçambique.

169
3.1.1. Historial da criação da KUWUKA JDA (cf. Planos Estratégicos 2010-2014 e 2018-
2022 da KUWUKA JDA)
A KUWUKA JDA foi fundada em 2001 como uma Organização Juvenil Comunitária de
Base (OJCB) coligada a uma outra denominada Colectivo Wusiku Canto e Dança (CWCD),
formando o Movimento Juvenil Kuwuka/Wusiku (MJKW). O CWCD surgiu em 1994 como
continuidade do Colectivo Teatral Wusiku (CTW), fundado em 1991 e hospedado na Paróquia de
Santo António da Malhangalene, em Maputo. O colectivo encenou várias peças teatrais
Em finais de 1994 e princípios de 1995, o CTW transforma-se em CWCD com mais de 30
membros jovens e adolescentes. Encena danças tradicionais e contemporâneas moçambicanas,
levando a cultura como um vínculo educativo dos jovens, para que estes se enraízem nela e
difundam-na junto das comunidades, transmitindo mensagens educativas à sociedade.
O colectivo participou em várias actividades de educação cívica às comunidades locais e
em festivais nacionais e internacionais, destacando-se o II Festival Nacional de Canto e Dança
Tradicional (1996), Festival Internacional em parceria com o Colégio Verney (Portugal, 1997),
educação cívica eleitoral (Rota do voto, 1999), 500 anos de Evangelização em Moçambique
(2000), entre outros.
O CWCD era de carácter sociocultural sem actividades relacionadas com o
desenvolvimento sócio-comunitário. Assim, em 2001 foi fundada a KUWUKA JDA como braço
do CWCD, formando assim o MJKW. O MJKW levou a cabo actividades conjuntas no âmbito de
associativismo juvenil e implementou o projecto de debates intitulado “Juventude e Desafios:
estratégias a adoptar”, apoiado pela LeaRN (Leadership Regional Network) Mozambique Country
Hub, através do programa Youth 21, financiado pela Fundação W. K. Kellogg.
O movimento organizou jornadas de limpeza nas praias da Costa do Sol e Katembe e nos
bairros da Malhangalene, Coop, Maxakeni e Polana Caniço, trabalhou em parceria com a Direcção
da Acção Social do então Distrito Urbano N.o 3 (hoje, Distrito Municipal Ka-Maxakeni) e
promoveu intercâmbios com idosos no Lar dos Idosos Desamparados de Maxakeni, arredores da
Cidade de Maputo.
O MJKW participou na rede de organizações juvenis da JVA (Jovens e Vida Associativa)
e tornou-se coordenadora desta iniciativa ao nível do Distrito Municipal Ka-Maxakeni. Participou
em vários eventos e actividades juvenis e esteve envolvido nos preparativos da primeira
Conferência Nacional da Juventude, que se realizou na Cidade de Chókwe, Província de Gaza.

170
Com a saída de alguns membros influentes para o estrangeiro a fim de prosseguir os estudos, de
2004 a 2005 o MJKW hibernou, restando-lhe participar em eventos em que era convidado e
algumas aparições públicas através do CWCD.
Em 2006, a KUWUKA JDA desenhou uma proposta de projecto para a capacitação das
comunidades locais para o seu envolvimento na gestão dos recursos naturais na área de
conservação transfronteiriça dos Libombos. A proposta foi submetida à Fundação W.K. Kellogg
que se mostrou interessada em apoiar.
Uma vez que a KUWUKA JDA era uma OCB (Organização Comunitária de Base) sem
existência legal, a Fundação Kellogg recomendou que a mesma identificasse uma organização
hospedeira que a representasse juridicamente. Também recomendou que a proposta do projecto
focasse mais no aspecto da capacitação institucional e estabelecimento legal incluindo um
projecto-piloto ao nível da capacitação das comunidades locais.
A KUWUKA JDA solicitou o Cruzeiro do Sul - Instituto de Investigação para o
Desenvolvimento José Negrão, para que fosse a instituição hospedeira. O Cruzeiro do Sul aceitou
prontamente e passou desde então a ser a organização hospedeira e representante legal da
KUWUKA JDA junto do parceiro financeiro. É neste âmbito que a KUWUKA JDA capacitou-se
institucionalmente e desenhou de forma participativa o seu primeiro Plano Estratégico (2010-
2014), que foi o primeiro guia programático orientador das suas actividades durante os primeiros
cinco anos. Para terminar este breve historial, importa referir que a palavra kuwuka significa
“acordar/despertar” na língua Cicopi.

3.1.2. Identificação/Caracterização da KUWUKA JDA


A KUWUKA JDA - Associação para a Juventude, Desenvolvimento e Advocacia
Ambiental, adiante designada por KUWUKA JDA, é uma pessoa colectiva de direito privado,
dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, de carácter
sociocultural e sem fins lucrativos que, sem prejuízo das leis vigentes, se rege por estatutos e
regulamento (KUWUKA JDA, 2019, Estatutos).
Segundo os dados colhidos a partir das respostas ao questionário aplicado aos membros e
colaboradores, conjugadas com os diversos documentos da KUWUKA JDA, esta instituição foi
fundada em 2001, mas foi reconhecida juridicamente 2008 “através do despacho ministerial do dia
7 de Março de 2008 e a publicação no Boletim da República, III série, Número 38, no dia 17 de
Setembro de 2008 (o seu registo definitivo na conservatória de registo de entidades legais foi no

171
dia 12 de Setembro de 2008” (KUWUKA JDA, 2009, Relatório Anual de Actividades de 2008,
p.3).
A KUWUKA JDA é composta pelos seguintes órgãos sociais: Assembleia Geral e
Conselho Fiscal, eleitos por mandatos com duração de cinco anos renováveis uma vez, e a
Direcção Executiva, cujo mandato é ilimitado. Destes órgãos, a Assembleia Geral é o órgão
máximo deliberativo da organização, constituída por todos os membros efectivos, associados e
honorários em pleno gozo dos seus direitos e não se fazendo representar por delegação de um outro
membro (KUWUKA JDA, 2019, Estatutos, p.5).
A KUWUKA JDA tem como missão: “Por uma sociedade participativa para a boa
governação e gestão racional dos recursos naturais para o desenvolvimento sustentável.” A visão
da organização é: “Despertar o exercício da cidadania para governação participativa e transparente
dos recursos naturais para o desenvolvimento sustentável, com justiça social, económica e
ambiental”.
Esta organização actua em Moçambique, tendo como focos as Províncias de Maputo,
Inhambane e de Tete. A organização já desenvolveu e ainda desenvolve programas com o intuito
de apoiar as comunidades a fazer face aos problemas ambientais, nas áreas de educação ambiental,
cidadania, boa governação e desenvolvimento sustentável. A organização desenvolve as suas
actividades assentes em cinco pilares, nomeadamente (cf. KUWUKA JDA, Relatório anual
compacto 2019-2020, p.7):
1) Governação e Participação – promove a participação activa de uma sociedade
informada na governação dos recursos naturais para o desenvolvimento sustentável e para o
respeito pelos direitos humanos, através de promoção e facilitação de espaços de diálogo
construtivo na governação dos recursos naturais.
2) Desenvolvimento Comunitário e Educação Cívica Ambiental – promove a participação
activa e efectiva das comunidades locais, na gestão sustentável dos recursos naturais e conservação
ambiental; fortalecendo as capacidades das comunidades locais sobre iniciativas para a mitigação,
adaptação e resiliência às mudanças climáticas.
3) Estudos e Pesquisas – documenta, analisa informação, reporta evidências e recomenda
boas práticas no âmbito da implementação de políticas públicas, para alimentar a advocacia
baseada em evidências, para além de orientar intervenções programáticas futuras da organização.

172
4) Advocacia e Comunicação – informa e mobiliza a sociedade para uma participação
informada na demanda e monitoria de políticas públicas, programas e projectos de
desenvolvimento, para influenciar processos de tomada de decisão na governação e respeito pelos
direitos dos cidadãos.
5) Desenvolvimento Institucional e Sustentabilidade – responde aos desafios de mudanças
e crescimento institucional, guiando-se por princípios de excelência organizacional,
implementando políticas e procedimentos internos transparentes e de prestação de contas,
adoptando e estabelecendo parcerias estratégicas.
No âmbito internacional, a KUWUKA JDA participa desde Fevereiro de 2012 como
observador do Fundo de Investimento Climático – gerido pelo Banco Mundial; no subcomité de
projectos-piloto para a resiliência climática, representando África, tendo participado em diversos
encontros em Washington DC e no Fórum de Parceiros em Istambul – Turquia.
Adicionalmente, a KUWUKA JDA é membro do Comité de Coordenação da ITIE
Moçambique desde Março de 2013 e, desde Junho de 2013, é membro do comité instalador da
Aliança da Sociedade Civil da África Austral e Oriental para Petróleo e Gás em representação de
Moçambique e da Plataforma da Sociedade Civil para Recursos Naturais e Indústria Extractiva.
A KUWUKA JDA (KUWUKA JDA, 2019, Estatutos, p. 2) prima pelos seguintes objectivos:
a) Promover a gestão racional, criteriosa, responsável e transparente dos recursos naturais
e partilha equitativa de benefícios, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e integrado;
b) Promover a justiça social, económica e ambiental no seio da sociedade;
c) Promover oportunidades de participação activa e efectiva dos cidadãos no processo de
tomada de decisões para uma governação participativa e transparente dos recursos naturais;
d) Contribuir para uma reflexão colectiva e participativa na procura de metodologias,
estratégias e soluções face aos desafios presentes e futuros da sociedade como oportunidades de
desenvolvimento;
e) Promover a participação, responsabilização e mobilização dos cidadãos e da sociedade
em geral, como actores activos no processo de desenvolvimento local para uma boa governação
dos recursos naturais;
f) Promover a igualdade e equidade de género (homens e mulheres) em todas as suas
actividades e no seio da sociedade;

173
g) Promover a valorização e preservação da cultura moçambicana no seio da sociedade
como meio de identidade nacional;
h) Promover e realizar estudos e pesquisas que contribuam para o desenvolvimento de
advocacia ambiental baseada em evidências e uma cidadania que influencia a gestão regrada e
racional dos recursos naturais, do meio ambiente, com responsabilidade e partilha de benefícios;
i) Promover a advocacia baseada em direitos humanos à luz da legislação vigente no país.
Os objectivos c), e) e h) respondem directamente a uma parte do tema da presente pesquisa,
ao referenciarem a preocupação da KUWUKA JDA pela cidadania, no âmbito da sua promoção,
da participação activa dos cidadãos e da sua responsabilização em relação aos problemas
ambientais e à sua solução. Por sua vez, os estatutos da organização revelam que os objectivos
acima expostos são alcançáveis mediante a realização de actividades que respondam aos mesmos
(objectivos), tal como se elucida a seguir (KUWUKA JDA, 2019, Estatutos, pp.2-3):
a) Formar, treinar, capacitar jovens, homens e mulheres no seio da sociedade para activa
participação nos diferentes pilares de desenvolvimento socioeconómico e ambiental;
b) Promover metodologias participativas e formas adequadas que se adaptem à realidade
local na identificação dos problemas e desafios; na definição de soluções e implementação dos
programas de desenvolvimento;
c) Consciencializar e promover o diálogo no seio da sociedade, em particular das
comunidades e grupos de interesse (homens, mulheres, jovens e crianças) para a procura de
soluções e estratégias face aos desafios presentes e futuros;
d) Realizar estudos, advocacia e implementação de programas de desenvolvimento e gestão
racional dos recursos naturais, meio ambiente e biodiversidade;
e) Estabelecer parcerias para a implementação de programas de desenvolvimento com
parceiros que prossigam fins consentâneos aos seus;
f) Realizar debates públicos, através de métodos participativos, como seminários,
workshops, palestras, capacitação, mesas redondas para influenciar processos de definição e
implementação de políticas públicas para boa governação, transparência e prestação de contas na
gestão dos recursos naturais;
g) Realizar acções de engajamento cívico com os diferentes parceiros e grupos de interesse
para a formação de uma cidadania informada que promova mudanças positivas; e

174
h) Exercer quaisquer outras actividades que se enquadrem no âmbito dos seus objectivos,
mediante consenso e aprovação da assembleia-geral.
As actividades acima descritas respondem à outra parte do tema, a educacional, ao
referenciar a questão de formação, capacitação, treinamento, consciencialização, realização de
debates públicos e de acções de engajamento cívico, como mostram as actividades a), c) e f).
Analisando os objectivos e as actividades da KUWUKA JDA, pode-se inferir que esta OSC
trabalha com a educação não formal, através das actividades organizadas, com carácter de
intencionalidade, realizadas dentro e fora das instituições formais de ensino, com determinado grau
de sistematização e estruturação, com a finalidade de oferecer formas seleccionadas de educação
a subgrupos específicos da população, que desembocam na formação da cidadania ambiental.
Desde a sua criação, a KUWUKA JDA promove e apoia campanhas para protecção de
áreas naturais e criação de unidades de conservação. De modo articulado em rede com outras
OSC’s nacionais e internacionais, analisa, questiona e contribui na busca de medidas e políticas
de compensação para os grupos atingidos por (mega) projectos com forte impacto ambiental e
social, como as mineradoras e projectos agrícolas e de industrialização.
A KUWUKA JDA associa a acção política no sentido amplo do termo e a pesquisa
científica, envolvendo comunidades, instituições de ensino e pesquisa (como é o caso da criação e
assessoria dos clubes ambientais escolares e a colaboração com a Universidade Eduardo
Mondlane, através da Faculdade de Educação, recebendo estudantes finalistas para o estágio e
promovendo palestras naquela instituição de ensino superior), instituições governamentais e outras
organizações não-governamentais, com o intuito de promover campanhas e processos de diálogos
multissectoriais criando, assim, espaços de reflexão, negociação e decisão frente a questões
prioritárias para a formação da cidadania ambiental, a conservação ambiental e a sustentabilidade.
Uma das principais características da instituição é o permanente contributo no surgimento
e desenvolvimento de redes, fóruns, articulações e organizações locais em Moçambique. A
KUWUKA JDA pauta por ser uma organização que não se vincula ao governo, mas parceira nas
diferentes frentes em prol do ambiente e da construção da cidadania ambiental em Moçambique.
Tal como a maioria das OSC’, a KUWUKA JDA recebe maior parte da ajuda financeira
externamente, por parte de governos de outros países estrangeiros e/ou respectivas organizações
da sociedade civil que perseguem objectivos consentâneos aos da KUWUKA JDA.

175
A KUWUKA JDA foi fundada com a finalidade de desenvolver acções e programas de
educação e protecção ambiental no meio urbano e rural, com o intuito de integrar a participação
das comunidades na formulação de políticas (públicas) para o meio ambiente, promovendo
capacitações e a produção de informações sobre a cidadania e a sustentabilidade ambiental,
económica, cultural e social das comunidades locais.
Como vimos nos seus objectivos, a KUWUKA JDA procura também promover a utilização
racional dos recursos naturais e a manutenção da qualidade de vida num ambiente saudável, através
de eventos sobre questões ambientais, emissão de pareceres técnicos, quando julgar necessário ou
quando solicitada.
A KUWUKA JDA realiza as suas actividades através dos seus membros e colaboradores
responsáveis por cada pilar ou programa ou projecto, orientando e capacitando as populações e/ou
as associações das comunidades locais, no sentido de elas tomarem a postura de auto liderança na
conquista dos seus direitos bem como no reconhecimento dos seus deveres para com a causa
ambiental. Isto significa que a KUWUKA JDA trabalha directamente com e nas comunidades,
partindo da compreensão das particularidades da localidade abrangida e buscando soluções locais
para a conservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável dessas comunidades.
Nas suas actividades, a KUWUKA JDA coloca na linha de frente a educação, em particular
a educação ambiental, virada para a cidadania ambiental. Neste aspecto, a organização busca
desenvolver as suas actividades de modo integral, combinando os aspectos social, cultural e
económico. Sobre as actividades da KUWUKA JDA, mais detalhes serão trazidos no tópico 2,
onde se aborda acerca das acções da KUWUKA JDA face aos problemas ambientais em
Moçambique.

3.2. Percepções dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA sobre a emergência


da problemática ambiental contemporânea e a educação para a cidadania ambiental, o papel
das OSC’s e cidadania ambiental em Moçambique

3.2.1. Sobre a emergência da problemática ambiental e a relevância de uma educação


para a cidadania ambiental
Sobre este subtópico, os membros e colaboradores da KUWUKA revelam uma percepção
informada e domínio do conhecimento sobre a problemática ambiental e a educação para cidadania
ambiental. Nas respostas dadas às questões relativas a este assunto, encontramos uma

176
concordância das ideias dos respondentes. As duas perguntas-chave deste subtópico são: 1.
Quando é que emerge (a discussão/o debate sobre) o problema ambiental? 2. Acha que uma
educação para a cidadania ambiental é relevante? Porquê?
Em relação à questão 1, a respondente A, refere que A discussão sobre o problema
ambiental surge na segunda metade do século XX, como uma das estratégias da sociedade para
fazer frente aos problemas ambientais, a partir desta época, como ameaças à qualidade de vida e
à vida no Planeta.
O respondente B considera que Quase três séculos se passaram desde a Revolução
Industrial, porém a discussão profunda e constante sobre a problemática ambiental começou a
ser levantada somente no final da década de 1960 e início da de 1970.
A respondente E disse que A problemática ambiental surge no princípio dos anos 70, no
contexto da Conferência de Estocolmo, tendo em vista as sérias mudanças climáticas, perda de
biodiversidade, aquecimento global e todas as consequências desses processos.

As ideias apresentadas pelos respondentes A, B e E revelam-se alinhadas entre si e vão de


encontro ao que dizem Fernandes & Sampaio (2008, p.3) quando referem que
A problemática ambiental, que começou a ser percebida a partir da década de 1960, é,
actualmente, amplamente discutida, principalmente nos meios académicos, como
relacionada ao modo de vida das sociedades ocidentais, no que se refere à produção e
consumo e, portanto, aos problemas sociais e económicos. É construída e definida
teoricamente, nos meios académicos, como uma problemática eminentemente social que
surge da forma como a sociedade se relaciona com a natureza – a problemática ambiental
como problemática económica, social, cultural e espiritual, dependendo da corrente
teórica e académica.
Foi neste contexto, que na década de 1970, foram realizadas duas grandes reuniões de
dimensão internacional, nomeadamente a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente, em Estocolmo, em 1972 e a Conferência de Tbilisi, na Geórgia, organizada em conjunto
pela UNESCO e pelo PNUMA. A conferência de Estocolmo reuniu representantes de 113 países
e foi fundamental na busca de soluções dos problemas ambientais, tendo sido decidido que a
educação era a principal acção para o desenvolvimento de mudanças nos hábitos e
comportamentos das pessoas e da sociedade (Do Lago, 2006). Na Conferência de Tbilisi foram
definidos conceitos, objectivos, princípios orientadores e estratégias para o desenvolvimento da
educação ambiental (IBAMA, 1996, p.7).
O respondente D revela que A discussão/debate sobre o problema ambiental surgiu quando
se constatou que o consumismo nos países desenvolvidos, aliado à industrialização e uso não

177
racional dos recursos naturais, incluindo a libertação de gases de carbono (estufa) causavam o
aumento da temperatura e do nível do mar, calamidades naturais, exacerbando a pobreza nos
países subdesenvolvidos, como razões que impediam o desenvolvimento equilibrado e as crises
ambientais, e a partir daí usou-se o termo desenvolvimento sustentável como forma de equilibrar
as necessidades actuais (consumismo) e das gerações vindouras, enquanto preservamos o meio
ambiente, responsável por oferecer a matéria-prima e o sustento dos seres vivos. Assim, o conceito
desenvolvimento sustentável foi abraçado na Cimeira sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável Rio-92 no Rio de Janeiro, Brasil. Desde esta cimeira, o conceito ganhou a consciência
de todos os países do mundo.
As considerações do respondente D, mesmo sem referir a datas, mostram-se como um
complemento importante às ideias dos respondentes A, B e E. Os problemas levantados pelo
respondente D são os mesmos que levaram ao desencadeamento de acções em prol do meio
ambiente nas décadas de 1960 e 1970 e doravante até aos nossos dias.
Relativamente à questão 2, o respondente B disse que A educação ambiental é muito
importante porque ensina-nos a saber ser perante o meio ambiente. Desperta um interesse sobre
as questões ambientais e a ter consciência ambiental, isto é, estarmos conscientes de que temos
que cuidar do meio ambiente como um bem precioso que é bastante frágil.
A respondente E revelou que É imprescindível para o desenvolvimento de geração
ambientalmente consciente e com uma mentalidade focada na preservação do ambiente e no uso
sustentável dos recursos naturais.
As respostas dos respondentes B e E são corroboradas por Ramos (1996, p.23) quando
refere que o Congresso Internacional em Educação e Formação Ambiental “reafirmou os
princípios expostos em Tbilisi. Partiu do princípio de que os objectivos da educação ambiental não
podem ser definidos sem ter em conta a realidade social, económica e ecológica da sociedade,
assim como os objectivos de desenvolvimento económico previsto”.
Na mesma linha de pensamento, Do Lago (2006) refere que em 1992, no Rio de Janeiro,
realizou-se a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida
como Rio-92 promovida pela própria ONU, com dois objectivos fundamentais: (1) intensificar
mais a educação ambiental e (2) elaborar a Agenda 21 (um plano de acção para o século XXI
visando a sustentabilidade da vida na Terra). Esta conferência foi clara em relação à necessidade
de um novo estilo de vida: o desenvolvimento sustentável.

178
A resposta do respondente C apresenta-se como síntese das respostas dos respondentes B
e E e das ideias acima apresentadas de Ramos (1996) e de Do Lago (2006). O respondente C
afirma que No contexto actual, em que, infelizmente, o mundo depende de produtos químicos e
não biodegradáveis, a cidadania ambiental é cada vez mais relevante. A produção de produtos
químicos é um processo industrial, cuja produção liberta produtos tóxicos para a humanidade,
destruindo a biodiversidade e consequentemente a vida no mundo. Pelo que a cidadania ambiental
significa cidadãos informados, de que as suas acções podem ser benéficas ou maléficas ao meio
ambiente. Para o efeito, a cidadania ambiental leva a uma consciência e uma forma de ser e estar
que pode levar o mundo a um desenvolvimento sustentável, pois os recursos naturais serão usados
de forma racional, para além de que os hábitos de vida também serão saudáveis. Os cidadãos
ambientais adoptam uma forma de vida saudável, incluindo o uso de produtos naturais em
detrimento dos químicos, reduzem, reciclam e reutilizam os objectos; usam energias limpas,
degradam menos o meio ambiente; e podem ser uma referência, para uma gestão e conservação
dos recursos para o seu benefício, e das gerações vindouras. A cidadania ambiental contribui
para menos poluição ambiental e um mundo equilibrado, onde os cidadãos usam energias limpas.
As respostas dos respondentes B, C e E confirmam o pensamento plasmado no documento
da Conferência de Tbilisi, nos seguintes termos:
Tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais, a educação ambiental deve contribuir para a
formação de cidadãos capazes de julgar a qualidade dos serviços públicos (saneamento,
segurança, habitação, educação, locais de recreação etc.). Em resumo, trata-se de dotar
os cidadãos de espírito crítico e, ao mesmo tempo, fazê-los apoiar as medidas ambientais
que realmente atendam às suas necessidades e ao desejo de melhorar a qualidade do meio
ambiente e da sua própria existência (IBAMA, 1996, p.63).
De um modo geral, as respostas dadas pelos respondentes apontam para duas perspectivas
apresentadas por Serres (1994): (1) a necessidade de um contrato natural e (2) a formação do
terceiro instruído. A primeira perspectiva é desenrolada à medida que os respondentes se debruçam
sobre a emergência da problemática ambiental, mesmo que não seja de forma explícita, ao
apresentarem as motivações que suscitaram o debate em torno dos problemas ambientais
contemporâneos.
A segunda perspectiva encontra-se patente nas respostas relativas à relevância de uma
educação para a cidadania ambiental. Neste ponto, os respondentes apresentam os “efeitos” da
educação para a cidadania ambiental: cidadãos informados e conscientes das suas acções, uso
racional dos recursos. Nas respostas que dão corpo à segunda perspectiva, encontra-se também a

179
ideia da responsabilidade preconizada por Jonas (2006), quando os respondentes se referem à
gestão e conservação dos recursos naturais tendo em vista as gerações vindouras.

3.2.2. Sobre o papel das organizações da sociedade civil na educação para a cidadania
ambiental
Em relação a este subtópico a questão central é Que papel as OSC’s podem desempenhar
na educação para a cidadania ambiental?
A respondente A acha que as OSC’s Podem desempenhar o papel de fiscalizador (as) na
recuperação e conservação da natureza, recursos minerais e energéticos, transmitindo os
conhecimentos sobre a Lei ambiental ou Regulamentos sobre o ambiente de forma a despertar as
comunidades ou pessoas a quem for interessar.
Para o respondente B, As OSC´s podem dar o seu contributo no fortalecimento das
capacidades do cidadão em matérias sobre a educação ambiental; também podem influenciar os
tomadores de decisão para que estes possam tomar em consideração aspectos relativos à
educação ambiental aquando do desenho de leis, políticas e estratégias de desenvolvimento do
país.
Na perspectiva dos respondentes A e B, e de acordo com Cabral (2000), a sociedade civil,
através de Organizações Não-Governamentais (ONG’s), tem contribuído para a formação humana
em suas múltiplas dimensões. Tal contribuição se reflecte na construção de identidades dos
sujeitos, de modo que estas entidades constituem-se como agentes sociais que realizam mediações
de carácter educacional, político, assessoria técnica, prestação de serviços e apoio material e
logístico para comunidades específicas e para diferentes segmentos da sociedade, nas esferas local,
regional, nacional e internacional, como refere o respondente D nos seguintes termos:
As OSC’s, como agentes de mudança, podem contribuir com o seu saber e capacidade
para levar a cabo acções simples nas comunidades, através de campanhas e programas de
educação ambiental, para práticas amigas ao meio ambiente, como, por exemplo, ensinar as
crianças, a partir de higiene pessoal nas famílias; os conceitos de reduzir, reutilizar, reciclar e
responsabilidade; e desta forma contribuir para uma geração futura com consciência ambiental.
Estas acções podem ser feitas ao nível das famílias, comunidade, bairro, etc. Mas também as
OSC’s podem realizar acções de advocacia, para influenciar o governo a adoptar acções pro-
ambiente, de modo a regular e fazer cumprir o exercício de uma cultura de cidadania ambiental;
as OSC’s podem treinar, fortalecer e consciencializar os diferentes grupos de interesse na

180
comunidade sobre seus direitos ambientais; podem apoiar o fortalecimento institucional das
entidades públicas que lidam com o ambiente; podem monitorar se o governo está ou não a
implementar políticas e legislação ambiental; e podem contribuir para a conservação da
biodiversidade apoiando os parques e reservas nacionais; podem promover uma cultura de
cidadania ambiental a todos os níveis.
A resposta acima conduz-nos ainda à ideia da reforma do pensamento preconizada por
Morin ao referir que “A reforma do pensamento teria, pois, consequências existenciais, cívicas e
éticas” (Morin, 2003, p.96). Esta reforma levaria a um modo de pensar que permite compreender os
problemas planetários e tomar consciência das necessidades políticas, sociais e éticas; isso é ainda mais
importante na medida em que o papel da consciência humana é agora primordial para a salvação do
planeta, o que passa pela educação ambiental proposta pelas OSC’s, como refere a respondente E: As
OSC’s contribuem consideravelmente para a educação ambiental através consciencialização,
sensibilização e treinamento de diferentes segmentos da comunidade sobre aspectos relacionados
à gestão de resíduos, preservação das espécies animais e de plantas entre outros.
De um modo geral, nas respostas acima arroladas, encontram-se dois princípios
gramscianos: hegemonia e prática pedagógica. A questão de hegemonia, ainda que implícita,
apresenta-se quando os respondentes falam sobre o papel influenciador das OSC’s, no âmbito da
advocacia. O respondente D teceu as seguintes considerações: para influenciar o governo a
adoptar acções pro-ambiente, de modo a regular e fazer cumprir o exercício de uma cultura de
cidadania ambiental, (...) apoiar o fortalecimento institucional das entidades públicas que lidam
com o ambiente; (...) monitorar se o governo está ou não a implementar políticas e legislação
ambiental, (...) desempenhar o papel de fiscalizador na recuperação e conservação da natureza;
(...) influenciar os tomadores de decisão para que estes possam tomar em consideração aspectos
relativos a educação ambiental.
As palavras do respondente D confirmam a ideia de Gramsci (2010) no sentido de que a
conquista da hegemonia pelas classes subalternas configura-se, portanto, como um processo que
implica a conquista da consciência política, ou consciência de classe que, por sua vez, possibilita
a cada homem a conquista da autoconsciência, através da visão crítica de si mesmo. A conquista
da autoconsciência só é possível com a educação, por meio das relações pedagógicas que, segundo
Gramsci, não se limitam à escola e à relação professor-aluno, dado que a educação tem um carácter
mais amplo, ocorrendo nas relações interpessoais e sociais. Numa interpretação sintética da

181
resposta do respondente D e da ideia de Gramsci (2010) acima apresentadas, pode-se dizer que há
um espaço para que as OSC’s tenham uma “palavra a dizer” no âmbito do exercício do poder nas
questões relativas ao meio ambiente, como diz Gramsci (2010, p.37) “Toda relação de
‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de
uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial,
entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais”.
Ao direccionar a sua actuação no âmbito das actividades do governo, as OSC’s querem de
forma clara mostrar que o poder de decisão sobre as matérias ambientais e outras passa pela sua
partilha entre vários intervenientes, como confirma Ghanem (2012, p.54): “Ao mesmo tempo,
ONG’s com propósitos sedimentados na promoção dos direitos humanos e da democracia
procuraram contribuir para o redireccionamento e o fortalecimento da actuação do Estado em
educação”. Ademais, o seu exercício requer a opinião de todos os cidadãos, através da voz dos que
representam os seus interesses nos diversos âmbitos. Portanto, o exercício do poder sobre questões
ambientais não deve configurar-se como um acto hegemónico (monopolizado) dos dirigentes
políticos, em particular dos que fazem parte do governo.
A ideia de prática pedagógica de Gramsci (2010) está subjacente nas seguintes
considerações do respondente D: as OSC’s podem dar o seu contributo no fortalecimento das
capacidades do cidadão em matérias sobre a educação ambiental; (...) transmitindo os
conhecimentos sobre a Lei ambiental ou Regulamentos sobre o ambiente de forma a despertar as
comunidades ou pessoas a quem for interessar (...) como agentes de mudança, podem contribuir
com o seu saber e capacidade para levar a cabo acções simples nas comunidades, através de
campanhas e programas de educação ambiental, para práticas amigas ao meio ambiente, como,
por exemplo, ensinar as crianças, a partir de higiene pessoal nas famílias; os conceitos de reduzir,
reutilizar, reciclar e responsabilidade; e desta forma contribuir para uma geração futura com
consciência ambiental. Estas acções podem ser feitas ao nível das famílias, comunidade, bairro,
etc. As OSC’s contribuem consideravelmente para a educação ambiental através
consciencialização, sensibilização e treinamento de diferentes segmentos da comunidade sobre
aspectos relacionados à gestão de resíduos, preservação das espécies animais e de plantas entre
outros.
Nas ideias acima apresentadas, de forma clara, os respondentes mostram que as OSC’s
enveredam pela prática pedagógica defendida por Gramsci (2010) e pela formação do terceiro

182
instruído proposta por Serres (1994), ainda que não seja no sentido de escola, comummente
concebida, ao falar do papel educativo que as mesmas (OSC’s) desempenham para a
consciencialização e formação dos indivíduos no âmbito da educação para a cidadania ambiental,
através da partilha do conhecimento sobre questões ambientais, recorrendo a campanhas de
sensibilização para práticas ambientalmente saudáveis, treinamento das comunidades para a
autoliderança nos diversos processos/acções locais e governativas sobre o trato com a natureza. A
prática pedagógica tem lugar em todos lugares onde é possível interagir com os indivíduos, não se
restringindo apenas à escola.

3.2.3. Sobre a cidadania ambiental em Moçambique


As questões centrais para este subtópico são: 1. Pode-se falar da existência da cidadania
ambiental em Moçambique? e 2. Qual é o estágio (actual) da cidadania ambiental em
Moçambique?
Em relação à pergunta 1, todos os respondentes são unânimes, ao afirmar que se pode falar
da existência da cidadania ambiental em Moçambique. Relativamente à pergunta 2, os
respondentes são complementares e desembocam no mesmo ponto: o estágio actual da cidadania
ambiental está ainda nos seus primeiros passos.
A respondente A acha que Já não é um enigma a cidadania ambiental em Moçambique,
pois através da advocacia que é feita a nível das organizações sejam governamentais ou da
Sociedade Civil que tem vindo a despertar este conhecimento sobre este tema.
A resposta acima alinha-se ao pensamento do MICOA (s/d, p.7) nos seguintes termos;
“entende-se, portanto, que a educação ambiental é condição necessária para modificar um quadro de
crescente degradação sócio ambiental, mas ela ainda não é suficiente”.
Para o respondente B, a cidadania ambiental em Moçambique é fraca, mas bastante
promissora. Nos últimos anos, verifica-se um aumento de nível de cidadania ambiental no país,
resultante das diversas acções de consciencialização cívica ambiental levadas a cabo pelas
OSC’s. Por exemplo, nas jornadas de limpezas promovidas pelas OSC’s, verifica-se o aumento de
participação do cidadão nos últimos tempos (principalmente jovens), facto que demonstra que já
cresce o exercício da cidadania ambiental no país.
O pensamento do respondente B é corroborado por MICOA (s/d, p.7) ao referir que a
educação ambiental é uma das grandes preocupações e prioridades do Ministério para a
Coordenação e Acção Ambiental. As crianças e adolescentes constituem um grupo muito

183
importante para a Educação Ambiental, uma vez que apreendem facilmente novos conceitos e da
mesma forma divulgam a mensagem ambiental aos amigos e famílias. A educação ambiental deve
ser vista como um processo de permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de
conhecimento e forma cidadãos com consciência local e planetária.
A respondente C diz que A cidadania ambiental ainda constitui um grande desafio no
nosso país, pois existem vários aspectos ainda por considerar, ou seja, melhorar como por
exemplo o acesso à informação, a responsabilização, etc.
As respostas acima apresentadas revelam que Moçambique, ainda que tenha um caminho
por percorrer na construção da cidadania ambiental, já deu passos significativos, pois, segundo
indica MICOA (2011), existe um grande número de ONG’s a operar no sector ambiental. Sendo
assim, é de capital importância a união de esforços para fazer o caminho. O governo precisa abrir
o espaço para a actuação das OSC’s de modo que estas sirvam de um dos alicerces para enfrentar
o desafio de educação para a cidadania ambiental. Assim, tendo em conta as respostas em análise,
a relação de forças, parafraseando Gramsci (2007, 2010) deve ser no sentido de solidariedade,
complementaridade e entreajuda, de modo que não se desperdice recursos e ideias que já estão em
andamento com vista à construção, desenvolvimento e consolidação da cidadania ambiental em
Moçambique.

Em suma (como foi detalhado no subtópico 2. 2, do capítulo IV), há um esforço em


Moçambique no sentido de se construir/desenvolver uma cidadania ambiental consciente dos
problemas ambientais que enfermam o país. Este facto observa-se nas diferentes acções levadas a
cabo pelo governo (elaboração de vários documentos orientadores e legislação correspondente) e
pelos diferentes actores sociais (em particular pelas OSC’s), através de campanhas de educação,
sensibilização, monitoria e consultoria junto às comunidades, às empresas, escolas, instituições
governamentais e outros intervenientes/interessados no sentido de tornar cada vez mais evidente a
necessidade de uma convivência saudável entre os diferentes seres da Natureza.

3.3. Acções da KUWUKA JDA face aos problemas ambientais em Moçambique


Neste subtópico nos guiámos pela seguinte pergunta de pesquisa: Quais são as acções
educativas que a KUWUKAJDA promove para cidadania ambiental?
Algumas acções concretas desta organização são: 1) Fortalecimento das capacidades das
comunidades locais para gestão sustentável dos recursos florestais, conservação ambiental e

184
reflorestamento nas comunidades; 2) Realização de debates públicos, através de métodos
participativos, como seminários, workshops, palestras, capacitação, mesas redondas para
influenciar processos de definição e implementação de políticas públicas para boa governação,
transparência e prestação de contas na gestão dos recursos naturais; 3) Realização de acções de
engajamento cívico com os diferentes parceiros e grupos de interesse para a promoção da cidadania
informada que promova mudanças.
Para a compreensão das acções supracitadas, desenvolveremos este tópico em três partes:
a primeira relativa ao testemunho dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA, a segunda
relativa aos documentos institucionais da organização e a terceira relativa aos beneficiários das
acções da KUWUKA JDA.

3.3.1. O testemunho dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA


Para este subtópico, foram consideradas as respostas dos membros/colaboradores da
KUWUKA JDA à pergunta O que é que a KUWUKA JDA tem feito face aos problemas ambientais
em Moçambique?, relativa ao contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de
uma cidadania ambiental em Moçambique.
Em relação à pergunta imediatamente supracitada, os respondentes revelam que a
KUWUKA JDA tem feito muitos esforços em prol da mitigação dos problemas ambientais em
Moçambique, começando pelo aspecto da educação cívica e ambiental junto das comunidades e
intervindo junto das autoridades no sentido de alertá-las e apoiá-las relativamente aos problemas
em alusão.
A respondente A teceu a seguinte opinião: A KUWUKA, através do seu plano estratégico,
desenvolveu um pilar denominado desenvolvimento comunitário e educação cívica ambiental cujo
objectivo estratégico é de promover o desenvolvimento económico, social, cultural e político das
comunidades locais através da educação cívica e ambiental; incluindo acções que visem o uso e
aproveitamento sustentável da terra, ambiente e recursos naturais; no qual se pretende obter
como resultado: as comunidades locais promovendo o desenvolvimento local através dos seus
diferentes grupos de interesse, incluindo jovens, homens e mulheres, cívica e ambientalmente
instruídas, organizadas e fortalecidas demandado seus direitos e na partilha de benefícios da
exploração dos recursos naturais.
O pensamento da respondente A veicula-se à ideia de Serres (1994) de um comportamento
justo e correcto na relação com a Natureza e outros seres da mesma (servir-se da Natureza de forma

185
racional, permitindo a sua conservação e a sobrevivência de outras espécies, bem como manter as
condições de habitabilidade que possibilitem a continuação ou a manutenção das actuais formas
de vida) e ultrapassar a ética utilitária e antropocêntrica na qual tudo é para a disposição dos
homens. A resposta acima alinha-se ao que recomenda a Conferência de Tbilisi sobre a educação
ambiental, ao referir que
A educação ambiental deve destinar-se a grupos de todas as faixas etárias e
sócioprofissionais da população: a) público em geral, não especializado, composto de
jovens e adultos cujos comportamentos quotidianos influenciem decisivamente na
preservação e melhoria do meio ambiente; b) grupos sociais específicos cujas actividades
profissionais incidam sobre a qualidade do meio; c) cientistas e técnicos cujas pesquisas
e práticas especializadas constituam a base de conhecimentos na qual se fundamentam a
educação, a formação e a gestão eficaz, relativas ao meio ambiente (IBAMA, 1996,
p.101-102).

A ideia sugerida pela Tbilisi é reforçada pela Agenda 21 da ONU, que tem como princípio
na dimensão social, o desenvolvimento humano, com destaque para a melhoria na qualidade de
vida com crescimento económico e conservação ambiental em busca da equidade social. Para isso,
julga-se necessário implementar iniciativas de educação para a cidadania ambiental com
fundamento na sustentabilidade tendo em conta a realidade da população, sua cultura e seu modo
de vida. “É importante, além disso, realizar campanhas de informação e consciencialização da
população sobre os temas da gestão dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável”
(Fernandes, 2010, p. 81).
O respondente B corrobora a ideia da respondente A nos seguintes termos: No âmbito do
pilar de Desenvolvimento Comunitário e Educação Cívica Ambiental, a KUWUKA JDA tem
realizado as seguintes actividades: 1) Fortalecimento de capacidades das comunidades locais
para gestão sustentável de recursos naturais, preservação ambiental, iniciativas de geração de
renda baseadas no uso racional da terra e outros recursos naturais; 2) Treinamento sobre
agricultura de conservação e fabrico de fogões melhorados (poupa lenha); 3) Sensibilização sobre
queimadas descontroladas, promoção de reflorestamento através de estufas/viveiros comunitários
para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas; e 4) Estabelecimento e
fortalecimento de comités de gestão de recursos naturais, grupos de interesse comunitário
incluindo jovens e mulheres e líderes comunitários para participação activa nos processos de
desenvolvimento local.
Ao falar da gestão sustentável dos recursos naturais e preservação ambiental, o respondente
B remete-nos ao pensamento de Jonas (2006) acerca da responsabilidade para com as gerações

186
vindouras, pois com a sustentabilidade e preservação ambiental garante-se que as próximas
gerações dos humanos tenham condições de vida semelhantes às actuais.

Na perspectiva da resposta acima e do pensamento de Jonas (2006), entende-se que a


educação cívica ambiental, como tantas outras áreas de conhecimento, quando usada ao serviço
social/das comunidades, permite a solução de problemas por meio da interacção e do constante
processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados que podem se
originar do aprendizado ou da experiência pessoal do indivíduo, levando à cidadania ambiental. É
nesta perspectiva que aliamos as respostas acima à ideia Jacobi (2003, p. 192-193):

(...) a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as


pessoas para transformar as diversas formas de participação na defesa da qualidade de vida.
Nesse sentido, cabe destacar que a educação ambiental assume cada vez mais uma função
transformadora, na qual a co-responsabilização dos indivíduos torna-se um objectivo
essencial para promover um novo tipo de desenvolvimento – o desenvolvimento
sustentável.
O que disse o respondente B e as considerações de Jacobi têm confirmação no seguinte
pensamento de Tbilisi:

O desenvolvimento efectivo da educação ambiental exige o pleno aproveitamento de


todos os meios públicos e privados de que a sociedade dispõe para a educação da
população: sistema de educação formal, diferentes modalidades de educação extra-
escolar e meios de comunicação de massa (IBAMA, 1996, p.102).

Para o respondente D, a KUWUKA JDA tem trabalhado em várias frentes, desde a


contribuição na monitoria de políticas, através de acções de advocacia junto às entidades
competentes; implementação de acções visando a consciência ambiental, uso racional da terra,
recursos naturais e conservação da biodiversidade; demanda de direitos e exercícios de deveres
entre elas: programas de educação, treinamento e sensibilização para o uso racional de recursos
florestais nas zonas rurais, através de formação e capacitação de comités de gestão de recursos
naturais, que servem como fiscalizadores na comunidade, por exemplo no combate às queimadas
descontroladas no distrito de Matutuine, Moatize e Marrara.
A visão do respondente D enquadra-se no contexto da educação ambiental preconizado
pela Conferência de Tbilisi nos seguintes termos:
Ajudar a compreender claramente a existência e a importância da interdependência
económica, social, política e ecológica em zonas urbanas e rurais; Proporcionar a todas
as pessoas a possibilidade de adquirir conhecimentos, o sentido dos valores, atitudes,
interesse activo e aptidões necessários à protecção e melhoria do meio ambiente; Impor
novas formas de conduta aos indivíduos, grupos sociais e à sociedade como um todo,
com relação ao meio ambiente (IBAMA, 1996, p.103).

187
O pensamento apresentado pelo IBAMA pode ser sustentado pela ideia de Serres (1994)
quando diz que o mundo precisa de ser visto como um todo integrado, em que os seus ocupantes
(vivos e não vivos) estão interligados, são interdependentes e não dissociados. Há uma
interdependência fundamental entre tudo o que faz parte do nosso planeta e de todo o universo, de
tal forma que, vivamos como indivíduos ou como sociedade, encontramo-nos dentro de vários
processos cíclicos da Natureza e dependemos de tais ciclos.

A respondeste E não se distancia das respostas anteriores, ao referir que A KUWUKA JDA
tem contribuído para uma maior consciencialização e mudança comportamental através da
implementação de acções de educação cívica e ambiental, que visem o uso e aproveitamento
sustentável da terra, ambiente e recursos naturais.
A ideia apresentada pela respondente E enquadra-se especificamente em duas categorias
dos objectivos da educação ambiental, segundo o preconizado pela Conferência de Tbilisi, assim
enunciadas:
Consciência: Ajudar grupos sociais e indivíduos a adquirirem uma consciência do meio
ambiente global, sensibilizando-os para essas questões; comportamento: Ajudar grupos
sociais e indivíduos a se comportarem de acordo com uma série de valores e a criarem
interesse e preocupação em relação ao meio ambiente, motivando-os de tal maneira que
venham a participar activamente da sua melhoria e protecção (IBAMA, 1996, p.103).
A visão do IBAMA associa-se ao pensamento de Serres (1994) segundo o qual com o
contrato natural, evitar-se-ia a guerra de todos contra tudo. Por sua vez, as respostas dos quatro
respondentes, de um modo geral, remetem-nos ao pensamento de Gramsci (2001) sobre os
intelectuais, ao referir que a principal função destes se encontra na formação de uma nova moral e
uma nova cultura.
Face às respostas dos diferentes membros/colaboradores, conclui-se que a KUWUKA JDA
congrega actividades que buscam mitigar os problemas ambientais em Moçambique. As
actividades desenvolvidas pela KUWUKA JDA incluem a educação, a advocacia e a capacitação
das comunidades, incluindo diversas parcerias com organizações congéneres e com as autoridades
locais. O conjunto de actividades desenvolvidas enquadra-se no âmbito da prática pedagógica
preconizada por Gramsci (2010), da formação do terceiro instruído de Serres (1994), da
responsabilidade ambiental de Jonas (2006). A actuação da KUWUKA JDA busca desmistificar a
actuação hegemónica (monopolizada) do governo na gestão dos assuntos sociais/do Estado.

188
As respostas acima apresentadas são confirmadas através dos diferentes documentos
institucionais da organização, particularmente os planos estratégicos e os relatórios de actividades
(anuais, dos programas/projectos e dos pilares de acção), conforme atesta o subtópico seguinte.

3.3.2. A descrição dos documentos institucionais da KUWUKA JDA


A materialização das acções acima descritas pelos membros/colaboradores ocorre
mediante a elaboração e concretização de programas e projectos. Quanto aos projectos
desenvolvidos pela organização em estudo, podemos destacar alguns com claro carácter de
educação socioambiental, já que a maioria das suas acções lida não apenas com o meio ambiente
em si só, mas, também, com outros problemas que afectam as populações nas comunidades, tais
como os reassentamentos, direito e perca do acesso à terra, desenvolvimento económico entre
outros. São apresentados, a seguir alguns exemplos de programas/projectos desenvolvidos pela
KUWUKA JDA, ao longo dos últimos treze anos.
Projecto de Capacitação das Comunidades Locais para o Maneio Sustentável dos
Recursos Naturais e Desenvolvimento Comunitário em Catuane (KUWUKA JDA, 2010, Relatório
Anual de Actividades de 2009, p.4): elaboração de guiões de capacitação dos activistas e
comunidades locais e material de divulgação e disseminação (cartazes, camisetas, bonés e
brochuras) e mobilização, preparação, capacitação e formação de 5 comités de gestão dos recursos
naturais.
Projecto CPDL - Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Local - (KUWUKA JDA,
2010, Relatório Anual de Actividades de 2009, p.5): em parceria com a MUSOCO APS, a
KUWUKA JDA hospedou e a implementou o projecto para a criação do CPDL, que tinha como
objectivos:
i) Permitir aos estudantes universitários, detentores de um título de estudos universitários,
docentes e/ou investigadores em geral, aprofundar os seus conhecimentos científicos dentro da sua
área de interesse através das facilidades oferecidas pelo Centro e de debates; e
ii) Implementar actividades de pesquisa no terreno através do contacto directo com a
população local, com vista a identificar soluções concretas e sustentáveis para o seu
desenvolvimento.
O estudo foi direccionado aos docentes e discentes universitários através de um inquérito,
para além da realização de uma pesquisa bibliográfica sobre a situação da pesquisa em

189
Moçambique, instituições públicas e privadas na área de pesquisa, política existente, relação Sul-
Sul e Norte-Sul, doadores para pesquisa.
Gestão Participativa e Educação Ambiental para o Maneio Sustentável dos Recursos
Naturais no Distrito de Matutuine (KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual de Actividades de
2010, p.2). O projecto tem como objectivos: capacitar as comunidades locais para sua activa
participação na gestão dos recursos naturais e conservação ambiental; promover a educação e
sensibilização ambiental; apoiar o fortalecimento das comunidades locais para o controlo do uso
desregrado dos recursos florestais e queimadas descontroladas; identificar actividades de geração
de rendimento com impacto mínimo sobre o meio ambiente; promover a produção em estufas de
mudas de plantas fruteiras e seu plantio com vista a promover a cultura de plantio e
reflorestamento, bem como para o melhoramento da dieta alimentar, geração de rendimentos e
promoção do desenvolvimento comunitário.
A implementação do projecto começou pelo engajamento dos parceiros locais e do governo
distrital, tendo sido apresentado ao Administrador do Distrito, bem como ao SDAE (Serviços
Distritais de Actividades Económicas). O SDAE identificou e sugeriu as comunidades para a
implantação dos viveiros comunitários. Foram seleccionadas as comunidades de Machampfane e
Zitundo Sede.
Em coordenação e apoio das autoridades comunitárias foram seleccionados membros da
comunidade que trabalham nas estufas, os quais foram treinados em técnicas de produção de
plantas em estufas, tendo depois recebido kits de trabalho para a produção de plantas. A construção
das estufas foi feita por membros da comunidade local.
Monitoria da Governação de Terras e Recursos Naturais no Distrito de Matutuine
(KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual de Actividades de 2010, p.3): tendo como objectivos
estabelecer uma plataforma de OSC’s no distrito de Matutuine, para uma intervenção coordenada,
activa e efectiva na monitoria da governação de terra e recursos naturais; e realizar um estudo de
base sobre a governação de terras e recursos naturais.
O projecto pretendia despertar atenção sobre os direitos e deveres dos cidadãos para a
participação na governação no contexto da descentralização, tendo para o efeito o empenho e
participação activa e coordenada da sociedade civil e dos cidadãos (comunidade local) no processo
de monitoria de governação local e de políticas públicas, particularmente na implementação da Lei
de Terras e da Lei de Florestas e Fauna Bravia.

190
Oficina de Trabalho pela Educação Básica (KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual de
Actividades de 2010, pp.3-4): a KUWUKA JDA fez parte de uma plataforma denominada “Oficina
de trabalho pela educação básica”, constituída pela MBEU, PAMODZI, ONP (Organização
Nacional dos Professores), Sociedade Aberta, entre outras. A oficina foi impulsionada pela SNV
(Organização Holandesa para o Desenvolvimento), no âmbito do seu programa de educação básica
na Província de Maputo.
O objectivo do programa era contribuir para o melhoramento da educação básica através
do envolvimento dos pais e encarregados de educação na vida escolar, através de conselhos de
escola e a incorporação de aspectos ligados à realidade local no currículo local. A KUWUKA JDA
tornou-se, em 2010, coordenadora da oficina. Neste âmbito, a SNV solicitou a KUWUKA JDA
para a realização de um estudo de base nos distritos de Matutuine e Moamba, para analisar a
participação da comunidade na vida escolar.
Capacitação das Comunidades Locais para sua Activa Participação na Gestão dos
Recursos Naturais em Matutuine (KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual de Actividades de 2010,
pp.4-5): apoiou a Associação de Camponeses de Manhangane “Telmina Pereira” para lavrar,
dragar e irrigar um terreno de cerca de 8 hectares.
O apoio prestado a esta associação pela KUWUKA JDA contribui para o sucesso da
produção e produtividade. A associação produziu batata reno e foi distinguida pelo então
Presidente da República (Armando Guebuza), na sua presidência aberta à Província de Maputo,
como a associação que mais alimentos produziu na província, ao conseguir produzir numa época
cerca de 8 toneladas de batata.
Ainda neste âmbito, a KUWUKA JDA ofereceu duas bicicletas à Zona de Influência
Pedagógica (ZIP) de Catuane, sendo que uma bicicleta foi oferecida à Escola Primária de Catuane
Sede e outra à Escola Primária de Manhangane. As bicicletas foram oferecidas para minimizar o
problema de meios locomotores aos professores, quando se deslocam de uma escola para outra no
âmbito dos trabalhos administrativos.
Projecto Clubes Ambientais Juvenis Escolares (KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual
de Actividades de 2010, pp.4-5): a KUWUKA JDA implementou este projecto em sete escolas do
Distrito Municipal Ka-Maxakeni, financiado pela UN-HABITAT (Programa das Nações Unidas
para Assentamento Urbano), com fundos destinados a organizações juvenis no âmbito do
programa YOUTH LEAD DEVELOPEMENT (Desenvolvimento Liderado pela Juventude). O

191
projecto tinha como objectivos a consciencialização ambiental, para boas práticas de gestão de
resíduos sólidos urbanos, tendo como grupo alvo alunos das escolas.
As escolas beneficiadas são EPC Unidade 22; EPC IV Congresso; EPC Maguiguana; EPC
4 de Outubro; EPC Maxakeni C; EPC Unidade 24 e Escola Secundária do Noroeste 2. Cada clube
ambiental contou com 35 alunos e 3 professores, perfazendo no total 245 alunos e 21 professores
directamente envolvidos, enquanto os restantes alunos estavam envolvidos indirectamente.
Os parceiros do projecto foram: Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental
(MICOA) através da Direcção Nacional de Promoção Ambiental (DNPA); Conselho Municipal
da Cidade de Maputo (CMCM) através da Direcção Municipal de Salubridade e Cemitérios
(DMSC); Direcção Distrital de Educação e Cultura do Distrito Municipal Ka-Maxakeni e
Administração do Distrito Municipal Ka-Maxakeni.
Foram treinados professores que servem de pontos focais nas escolas abarcadas em
matérias concernentes à educação ambiental. Esta formação foi realizada com o apoio técnico de
conteúdos e de módulos ministrados pelo CMCM/DMSC, MICOA/DNPA e a Organização Não
Governamental Leigos Voluntários Internacionais (LVIA). A formação contou com a participação
do gestor da UNHABITAT em Moçambique e do responsável de programas especiais da Direcção
Distrital de Educação do Distrito Municipal Ka-Maxakeni.
Foram produzidos materiais de disseminação tais como, camisetas, bonés e sacolas, que
foram distribuídas pelos alunos dos 7 clubes ambientais. Os alunos dos clubes ambientais foram
assistidos pelos professores e oficiais da KUWUKA JDA, tendo realizado visitas de estudo à
Recicla - Centro de valorização do lixo plástico e à Fertiliza - Centro de valorização do lixo
orgânico com o objectivo de familiarizar os alunos e sensibilizá-los sobre a reciclagem de resíduos
sólidos urbanos, tanto plásticos assim como orgânicos.
Educação Ambiental nas Escolas (KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual de Actividades
de 2010, pp.5-6): em parceria com a LVIA, a KUWUKA JDA implementou parte de actividades
de estabelecimento de núcleos ambientais escolares da LVIA. O trabalho da KUWUKA JDA tinha
como objectivos dentro do projecto global: Apoiar a criação de 3 Núcleos ambientais em 3 escolas
do Distrito Municipal Ka-Mubukuana, nomeadamente a EPC da Rua 7, EPC da Rua 4 e Escola
Secundária Heróis Moçambicanos; Capacitar/treinar os núcleos ambientais na produção de
objectos com material reciclável.

192
Este é um projecto que foi desenvolvido no âmbito voluntário da KUWUKA JDA,
apoiando a LVIA na implementação do mesmo, no âmbito de parceria entre as duas organizações.
Foi realizada uma formação para os activistas e os professores com os quais foram implementadas
as actividades como pontos focais nas escolas.
Os núcleos foram capacitados sobre matérias ambientais básicas, incluindo higiene,
queimadas descontroladas, efeitos de estufa e a importância de reciclagem. Também foram
treinados a fabricarem objectos com material reciclado. Durante o ano lectivo de 2010, os alunos
também fizeram peças teatrais ligadas ao ambiente, hino do seu próprio clube ambiental e uma
variedade de jogos.
Urgente conservação da única e minúscula população em declínio de cão selvagem
africano (Lycaon pictus) através do desenvolvimento comunitário no Norte da Província de Sofala
- Complexo de Marromeu (KUWUKA JDA, 2011, Relatório Anual de Actividades de 2010, p.7):
a KUWUKA JDA hospedou o projecto em epígrafe, implementado por um investigador belga nos
distritos de Cheringoma e Marromeu. O projecto tinha como objectivo geral: limitar a intensidade
das ameaças antropogénicas sobre uma preciosa população do protegido cão selvagem africano no
norte da Província de Sofala, baseando-se num processo de desenvolvimento socioeconómico das
comunidades locais. O projecto levou a cabo as seguintes actividades:
1) Abertura de um centro de reabilitação aberto que recebe caçadores furtivos identificados
através das operações de fiscalização nas reservas de caça (Coutadas 10,11,12,14, Lacerdonia
Wilderness & Mozunaf Safaris) do Complexo de Marromeu para seguir um ciclo de formação
(técnicos formados localmente) em novas actividades de rendimento, incluindo apicultura,
fruticultura, horticultura e piscicultura (em tanques próprios cavados nas proximidades dos rios)
como alternativas a caça furtiva.
2) Colocação de sinais rodoviários e lombas para reduzir velocidade nos troços de estradas
identificados com característicos das colisões entre carros e cães selvagens africanos. (3) Pesquisa
científica que possa recomendar melhores medidas de conservação do cão selvagem africano.
Alargamento da Participação da Sociedade Civil Moçambicana na Implementação da
ITIE (KUWUKA JDA, 2012, Relatório Anual de Actividades de 2011, p.5). Este projecto tinha o
seguinte objectivo: capacitar as organizações da sociedade civil e as comunidades locais nas zonas
de mineração com conhecimento básico sobre a cadeia de valor da indústria extractiva em geral e
os conceitos da Iniciativa para a Transparência na Indústria Extractiva (ITIE).

193
As capacitações consistiram em seminários e debates públicos, uso dos meios de
informação sobre matérias relacionadas com análise do relatório de reconciliação de ITIE,
simplificação dos conteúdos do relatório de ITIE em mensagens simples e fazer a respectiva
divulgação ao público em geral, com prioridade para as comunidades nas zonas onde ocorre a
mineração.
Foram capacitadas organizações da sociedade civil em Pemba (duas capacitações), na
Cidade de Tete e no Distrito de Moatize. O projecto ainda realizou um seminário/debate público
na Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Letras e Ciências Sociais sobre:
a) Conceitos gerais e básicos da ITIE, processo de implementação, papel da sociedade civil
na ITIE, bem como a análise dos relatórios de reconciliação da ITIE;
b) Análise e discussão dos aspectos como fiscalidade e o impacto que as receitas da
indústria extractiva têm nos cofres do Estado; se o país está ou não a ganhar o que devia, a questão
da transparência na publicação dos contratos.
Em Pemba, em colaboração com a WWF Moçambique, também foi realizado um seminário
de capacitação e formação das organizações da sociedade civil local sobre “Exploração de
Hidrocarbonetos: Participação Pública & Transparência”.
Foi elaborada uma brochura/livrinho didáctica e interactiva intitulada: Iniciativa de
Transparência para a Indústria Extractiva em Moçambique: O que o Cidadão deve Saber? Esta
brochura contém informação sobre a ITIE no geral e em particular sobre Moçambique, para além
de abordar a posição da sociedade civil em relação à mesma em Moçambique e dá recomendações
para o que o público, a sociedade civil e o parlamento podem fazer para que haja maior
transparência na indústria extractiva.
Capacitação e Mobilização Comunitária no Distrito Mineiro de Moatize, Província de
Tete (KUWUKA JDA, 2014, Relatório Anual de Actividades de 2012-2013, p.2): o projecto
procurou informar e mobilizar as comunidades afectadas pela indústria mineira para melhor se
engajarem no diálogo com as empresas mineiras e o governo e assegurar que a indústria extractiva
contribua para o melhoramento do seu bem-estar socioeconómico. Foi promovida a participação e
monitoria comunitária das indústrias extractivas e foi feito o acompanhamento do reassentamento
das comunidades de Capanga pela Rio Tinto.
Fortalecimento da Plataforma Distrital da Sociedade Civil para Conservação Ambiental
e Desenvolvimento Sustentável no Distrito de Matutuíne (KUWUKA JDA, 2014, Relatório Anual

194
de Actividades de 2012-2013, p.6): o projecto iniciou em 2012 e foi finalizado em 2013, com o
objectivo de contribuir para a redução da pressão exercida sobre os recursos naturais e a
biodiversidade no Distrito de Matutuine através da capacitação da plataforma das organizações da
Sociedade Civil do distrito, em matérias ligadas à gestão sustentável dos recursos naturais, criação
e capacitações de comités comunitários de gestão dos recursos naturais e protecção da
biodiversidade e identificação de actividades de geração de renda baseadas no uso racional dos
recursos naturais.
Educação Ambiental e Construção de Latrinas nas Escolas em Catuane (KUWUKA JDA,
2014, Relatório Anual de Actividades de 2012-2013, p.8): com o objectivo de sensibilizar e
consciencializar a comunidade em regras básicas de higiene individual e colectiva, através da
capacitação dos conselhos de escola para sensibilizar as comunidades locais.
Procedeu-se à construção de 24 latrinas melhoradas para professores e alunos em 6 escolas
primárias, melhorando a higiene colectiva, saneamento do meio e saúde pública nas escolas e na
comunidade; a comunidade foi consciencializada e sensibilizada sobre regras básicas de
saneamento do meio, higiene e saúde pública.
Um aspecto que merece realce é a criação de uma Rádio Comunitária no Bairro da
Maxakeni “A”, em 2014, que trouxe como resultado a melhoria dos mecanismos de difusão para
a promoção dos direitos, da cidadania, da cultura, da saúde e da educação e sensibilização
ambiental através da radiodifusão.
Segundo o Relatório Bienal da KUWUKA JDA (KUWUKA JDA, 2021, pp.23-24), desde
2020, a KUWUKA JDA integra o Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano (MCFS), lançado
em Outubro de 2020, na Cidade de Maputo – uma iniciativa de um consórcio de organizações da
sociedade civil com programas de monitoria e advocacia sobre a indústria extractiva em
Moçambique, constituído pela N’weti e a Coligação Cívica sobre a Indústria Extractiva (CCIE),
que integra as seguintes organizações: Centro Terra Viva (CTV), Conselho Cristão de
Moçambique (CCM), KUWUKA JDA e SEKELEKANI.
O movimento visa mobilizar a sociedade a participar no processo de debates sobre a criação
de um mecanismo de gestão de receitas provenientes da indústria extractiva sob forma de Fundo
Soberano, cuja formulação, a pedido do governo, foi anunciada em Outubro de 2020 pelo Banco
de Moçambique e que deverá ser aprovado pela Assembleia da República.

195
O MCFS propõe-se a mobilizar e preparar os cidadãos para compreenderem a natureza do
Fundo Soberano e sugerirem os mecanismos mais eficientes que assegurem transparência e
prestação de contas. Para o efeito, tem trabalhado com o parlamento e envolvendo os mais
diferenciados grupos da sociedade, incluindo organizações da sociedade civil, organizações de
mulheres, confissões religiosas, instituições académicas ou de pesquisa, mídia e cidadãos de um
modo geral.
O conjunto de projectos e actividades descritas acima revela que, parafraseando Delgado
(2005), a KUWUKA JDA, à semelhança das outras OSC’s, é uma organização que presta auxílio
ao Estado na realização de seus objectivos mais importantes: garantindo assim o pleno exercício
da cidadania, da democracia e da participação activa das comunidades locais no enfrentamento e
na solução dos seus problemas, articulando os anseios das diversidades, entre a sociedade civil,
entidades privadas e o poder público estatal, como defendem Coimbra e Fernandes (2011). Esta
ideia é corroborada pela Agenda 21, nos seguintes termos: “As ONG’s desempenham um papel
vital na formação e implementação da democracia participativa. Esta credibilidade resulta do papel
responsável e construtivo que elas desempenham na sociedade” (ONU, 1992, p.265).
É com razão que Coimbra & Fernandes (2011, p.134-135) afirmam que “As ONG’s devem
promover uma maior articulação local, para garantir a representação das diferentes realidades e
anseios das populações, onde se caminhará para uma participação plena e presente”. Por isso, as
OSC’s, como atestam as acções da KUWUKA JDA, tornam-se relevantes neste aspecto uma vez
que proporcionam uma Educação Ambiental que se apresenta como um acto político baseado em
valores para a transformação social, que deve enfocar a relação entre o ser humano e a Natureza
de forma interdisciplinar.
A sequência de actividades acima descritas constitui um conjunto de evidências de que a
KUWUKA congrega toda a base teórica que norteia esta tese: sociedade civil, educação, cidadania
ambiental, contrato natural, hegemonia, responsabilidade ético-ambiental, prática pedagógica,
relação de forças. A KUWUKA JDA educa, capacita, coordena, advoga, (inter) medeia, assume
responsabilidades, promove debates e influencia a tomada de decisões no campo do ambiente e da
preservação da natureza. As acções da KUWUKA JDA consciencializam e envolvem capacidade
crítica, diálogo e a assimilação de saberes distintos que possam compreender a nossa realidade e
melhorar as nossas condições de vida.

196
A KUWUKA JDA apresenta-se como uma força viva e um interlocutor válido na luta pela
(boa) causa ambiental e pela construção de uma cidadania ambiental em Moçambique, através da
educação cívica ambiental, treinamento, sensibilização, fortalecimento das capacidades das
comunidades locais, conferindo-lhes a partilha de hegemonia na gestão dos recursos naturais, na
fiscalização e na monitoria de políticas que interferem com o cuidado da Natureza. Todas as acções
acima descritas nos documentos institucionais são atestadas pelos depoimentos dos beneficiários
das mesmas, objecto de análise no subtópico 3.3.3.

3.3.3. A percepção dos beneficiários das acções da KUWUKA JDA


Os dados que se apresentam nesta subsecção resultam da administração de uma entrevista
e um questionário compostos por sete (7) perguntas abertas aos beneficiários das acções da
KUWUKA JDA nas zonas de actuação desta organização, nomeadamente, Maputo Província,
Maputo Cidade, Província de Inhambane e Província de Tete. Os respondentes destas comunidades
foram codificados usando as letras iniciais de identificação das respectivas províncias, ficando
assim identificados: MC (Maputo Cidade), MP (Maputo Província), PI (Província de Inhambane)
e PT (Província de Tete). Dois critérios foram usados para a escolha dos respondentes: (1) por
conveniência (líderes comunitários e representantes das organizações comunitárias de base
parceiras) e (2) por indicação da comunidade ou organização parceira de membros julgados aptos
a responder satisfatoriamente, tendo contado como factor crucial de escolha o domínio da língua
portuguesa e capacidade de compreensão e interpretação das perguntas.
A pergunta 1 foi: Conhece a KUWUKA JDA? Se sim, desde quando? O objectivo da
pergunta era aferir o nível de consistência da relação entre a KUWUKA JDA e as comunidades
locais e, também, conferir o tempo de existência e actuação da organização. As respostas à
pergunta 1 foram as descritas no quadro abaixo.
Ordem Respondente Resposta
01 PI1 Sim, desde 2021.
02 PI2 Sim. Desde 2021.
03 PT1 Sim. 2009.
04 PT2 Sim. Desde 2010.
05 MP1 Sim. Desde 2008.

197
06 MP2 Sim, eu conheço a KUWUKA JDA, já não me lembro mas acho que há
7/8 anos.
07 MC1 Sim. Desde 2010.
08 MC2 Sim. Entre 2010 e 2011.

O quadro de respostas acima mostra que todos os beneficiários conhecem a KUWUKA


JDA, sendo que a maioria (seis) conhece a organização desde os primeiros anos da sua legalização
(2008-2011). A diferença temporal entre os beneficiários no conhecimento da KUWUKA JDA
revela que esta organização é uma força viva que continua a expandir as suas acções pelo país.
À pergunta 2, assim colocada: Em que áreas a KUWUKA JDA actua na vossa
comunidade/escola?, os beneficiários apresentaram as seguintes respostas:
Ordem Respondente Resposta
01 PI1 Promoção dos direitos socioambientais de crianças e jovens no
contexto de investimentos da indústria extractiva.
02 PI2 Na área das indústrias extractivas no contexto de protecção do meio
ambiente.
03 PT1 Meio Ambiente e Reassentamentos. Nas comunidades de Capanga,
Mwaladzi, Cateme, Cidade de Moatize e Distrito de Marara.
04 PT2 Reassentamentos e desenvolvimento das comunidades.
05 MP1 A KUWUKA JDA actua nas áreas de protecção do meio ambiente.
06 MP2 Preservação do meio ambiente e defesa dos direitos das comunidades.
07 MC1 Protecção do meio ambiente, saneamento do meio e gestão dos
resíduos sólidos.
08 MC2 Saneamento do meio, tratamento de resíduos sólidos, preservação do
meio ambiente.

As respostas à pergunta 2 podem ser sintetizadas do seguinte modo: a KUWUKA JDA


actua na preservação/protecção ambiental; promoção dos direitos das comunidades no âmbito dos
reassentamentos no contexto da inicitaiva de transparência da indústria extractiva; saneamento do
meio.

198
As respostas dos beneficiários reflectem o pensamento de Coimbra e Fernandes (2011),
quando dizem que as OSC’s desempenham um papel de suma importância, uma vez que
promovem uma maior articulação local, com vista a garantir a representação das diferentes
realidades e anseios das populações, onde se caminhará para uma participação plena e presente.
As OSC’s são relevantes no desenvolvimento de uma educação que encerra em si conhecimentos
que abrem espaço para que os indivíduos e grupos usufruam do direito de exercício da cidadania,
buscando a construção e efectivação de uma identidade nacional e global, a partir de contextos
locais.
As respostas dos beneficiários também confirmam os depoimentos dos membros e
colaboradores e dos relatos feitos nos documentos institucionais da KUWUKA JDA, apresentados
nos subtópicos 3.3.1 e 3.3.2, nos quais se destacam os seguintes projectos: Projecto de
Capacitação das Comunidades Locais para o Maneio Sustentável dos Recursos Naturais e
Desenvolvimento Comunitário em Catuane; Gestão Participativa e Educação Ambiental para o
Maneio Sustentável dos Recursos Naturais no Distrito de Matutuine; Alargamento da
Participação da Sociedade Civil Moçambicana na Implementação da ITIE; Fortalecimento da
Plataforma Distrital da Sociedade Civil para Conservação Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável no Distrito de Matutuíne.
Nesta perspectiva, com suporte em Cabral (2000), pode-se dizer que a KUWUKA JDA, à
semelhança de tantas OSC’s, tem contribuído para a formação humana em suas múltiplas
dimensões. Tal contribuição reflecte-se na construção de identidades dos sujeitos, de modo que
estas entidades constituem-se como agentes sociais que realizam mediações de carácter
educacional, político, assessoria técnica, prestação de serviços e apoio material e logístico para
comunidades específicas e para diferentes segmentos da sociedade, nas esferas local, regional e
nacional.
A actuação da KUWUKA JDA em diferentes áreas torna-a um actor importante nas
formulações e implementações de políticas públicas no que diz respeito aos diversos problemas
ligados ao meio ambiente e à educação para a cidadania ambiental, seja a nível de apoio na
capacitação institucional (profissional), seja a nível de apoio material às comunidades e
autoridades locais, seja a nível de intervenção directa em actividades que buscam melhorar a
qualidade de vida dos beneficiários, através de campanhas em prol da preservação e saneamento
do meio ambiente bem como sensibilização e educação ambiental, implicadas em uma constante

199
relação pedagógica, como descreve Gramsci (2010, p.37): “Esta relação existe em toda a sociedade
no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, bem como entre camadas
intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados…”.
Neste sentido, a KUWUKA JDA desempenha o papel de promotor da articulação local,
com vista a garantir a representação das diferentes realidades e anseios das populações, onde se
caminhará para uma participação plena e presente. Este papel da KUWUKA JDA enquadra-se na
relevância que as OSC’s têm no desenvolvimento de uma educação que encerra em si
conhecimentos que abrem espaço para que os indivíduos e grupos usufruam do direito de exercício
da cidadania, buscando a construção e efectivação de uma identidade nacional e global, a partir de
contextos locais (Coimbra & Fernandes, 2011, p.134-135).

A pergunta 3: Quais são as acções concretas (nessas áreas) que a KUWUKA JDA tem
realizado da vossa comunidade/escola?, teve as seguintes respostas:

Ordem Respondente Resposta


01 PI1 Estabelecimento de clubes ambientais que defendem e promovem os
direitos ambientais de crianças e jovens na nossa comunidade.
Formação de crianças e jovens no desenho e implementação de
pequenos projectos ambientais para a resolução de problemas locais.
02 PI2 A KUWUKA JDA já realizou muitas acções, uma delas é ter
capacitado jovens e líderes comunitários sobre as indústrias
extractivas e como manter um ambiente seguro e saudável, formação
de activistas ambientais nas comunidades sobre o direito a
participação.
03 PT1 Advocacia.
04 PT2 Nos ajuda a fazer fogões melhorados, faz palestras e formações e nos
dá informações sobre como devemos agir para conservar a natureza e
exigir os nossos direitos nas empresas que exploram carvão mineral.
05 MP1 Capacitação e formação das pessoas para saberem cuidar do meio
ambiente; para produzirem comida e outras coisas sem prejudicar o
meio ambiente. Ajuda as comunidades a exigirem os seus direitos

200
quando as empresas não cumprem com as suas promessas ou quando
querem invadir as terras dos membros das comunidades.
06 MP2 A KUWUKA JDA tem defendido o meio ambiente.
07 MC1 Criação de clubes ambientais escolares, jornadas de limpeza e plantio
de árvores.
08 MC2 Jornada de limpeza nas valas de drenagem, palestras de sensibilização
para o tratamento do lixo entre outras que ajudam a melhorar as
condições de vida dos munícipes na área do meio ambiente, como a
criação de clubes ambientais nas escolas.

As respostas acima revelam o papel educativo da KUWUKA JDA no que diz respeito aos
problemas ambientais que enfermam ou podem enfermar as comunidades locais. O
estabelecimento de clubes ambientais escolares, a capacitação e formação das comunidades locais
em matéria de conservação/preservação ambiental, a promoção de jornadas de limpeza para o
saneamento do meio demonstram o compromisso da organização com a educação para a cidadania
ambiental em Moçambique, através do trabalho pedagógico (Gramsci, 2010) que encontra nas
organizações da sociedade civil (OSC’s) um lugar privilegiado para a sua realização.
O papel educativo da KUWUKA JDA acima referido enquadra-se no contexto da actuação
das OSC’s de que se falou na primeira secção do presente capítulo: implementação de projectos
para efeito demonstrativo e na indução de novas práticas. Como resultado da sua experiência, as
OSC’s passaram a incorporar novos e importantes papéis: assessoria, disseminação e multiplicação
de ideias e práticas de actuação, estabelecendo um elo entre a humanidade e a Natureza, como
propõe Serres (2004), ao falar do contrato natural.
Pelas respostas acima, percebe-se que a KUWUKA JDA é um espaço de problematização
do saber e do conhecimento, pois proporciona e promove o espírito de diálogo e de encontro de
diversos saberes, um encontro de diferentes interlocutores. Esta perspectiva de diálogo e encontro
está intrinsecamente ligada ao papel das OSC’s de construir uma identidade cidadã num processo
dialéctico de relação com o mundo e o indivíduo, o local e o universal.
Assim, a KUWUKA JDA apresenta-se como uma escola que educa e eleva os indivíduos
à cidadania e ao seu exercício, tornando-se um instrumento fundamental na educação e
transformação dos indivíduos em cidadãos, uma educação criativa e não reprodutora que visa

201
promover a cultura da valorização do pensar diferente, que ensina a ética da compreensão
planetária, como refere Morin (2003).
Além disso, as OSC’s, tomadas como um espaço privilegiado para o aperfeiçoamento do
exercício da cidadania, do conhecimento e para a iniciação na pesquisa científica, têm o papel de
repensar o modo como elas podem responder e aprofundar os grandes temas da humanidade e das
pessoas: isto implica a reforma do pensamento. “A reforma do pensamento teria, pois,
consequências existenciais, cívicas e éticas” (Morin, 2003, p.96). Esta reforma levaria a um modo
de pensar que permite compreender os problemas planetários e tomar consciência das necessidades
políticas, sociais e éticas; isso é ainda mais importante na medida em que o papel da consciência
humana é agora primordial para a salvação do planeta.
Assim, as OSC’s desempenham um papel relevante dentro de uma determinada sociedade
ou comunidade na educação para a cidadania ambiental, através de diferentes acções, em vários
âmbitos, quer individualmente, quer em parcerias inter-organizacionais ou com instituições
governamentais. Por exemplo, no campo de tomada de decisões, as OSC’s pressionam os
governos, influenciam a sua postura nas negociações internacionais e participam activamente
como observadores reconhecidos pela ONU, acompanhando os diferentes processos de discussão
de vários assuntos, chegando a influenciar delegações governamentais de vários países.
Parafraseando Morin (2000), podemos dizer que KUWUKA JDA é também um local de
formação da condição humana, pois ela é um produto das potencialidades e das competências do
ser humano que guiado pela razão consegue construir saberes e conhecimentos vitais para si e para
o seu meio cultural. É uma realidade social, uma vez que está inserida num meio social, que é por
sua vez um fenómeno complexo.
Feitosa & Abílio (s/d) referem que a educação está situada como fundamento no processo
de formação humana e desenvolvimento, assumindo um papel preponderante na construção de
saberes, na orientação para o desenvolvimento humano e para novas formas de perceber, pensar e
agir no mundo. É necessário pensar a educação como um movimento que aconteça em todas as
esferas da sociedade.
Ao criar e trabalhar com os clubes ambientais escolares, a KUWUKA JDA intervém de
forma explícita na área educacional, através de programas e projectos cujas actividades estão
ligadas ao âmbito escolar. Sobre a intervenção explícita das OSC’s na educação, Ghanem (2012,
p.54) diz que “ As organizações da sociedade civil oferecem directamente serviços educacionais

202
mediante convénios e terciarização ou substituem funções técnicas de órgãos públicos na formação
de pessoal, na elaboração de materiais de estudo e na formulação de orientações pedagógicas”.
Pode-se, então, afirmar que a KUWUKA JDA tem desempenhado um papel de prestador
de serviços de educação, de influência de políticas e práticas de educação, promovendo uma
educação para os direitos sociais e económicos dos cidadãos, prestando apoio ao governo e às
comunidades locais.

3.4. O contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma


cidadania ambiental em Moçambique
A pergunta de pesquisa que procurámos responder neste subtópico é: Que contributo
educativo a KUWUKAJDA tem dado na construção de uma cidadania ambiental em
Moçambique? As acções da KUWUKA JDA trazem impactos que traduzem o contributo desta
organização para a construção e fortalecimento da cidadania ambiental em Moçambique, através
de resultados concretos, conforme descrevemos nos parágrafos seguintes.

3.4.1. Pela voz dos membros/colaboradores da KUWUKA JDA


Os membros/colaboradores da KUWUKA emitiram as suas respostas à pergunta Como é
que a KUWUKA JDA contribui/pode contribuir (qual é o contributo da KUWUKA JDA) na
educação para a construção de uma cidadania ambiental em Moçambique?, relativa ao tópico
sobre o contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma cidadania ambiental
em Moçambique.
O respondente B serviu-se da mesma resposta em relação à questão sobre acções da
KUWUKA JDA face aos problemas ambientais em Moçambique nos seguintes termos: No âmbito
do pilar de Desenvolvimento Comunitário e Educação Cívica Ambiental, a KUWUKA JDA tem
realizado as seguintes actividades: 1) Fortalecimento de capacidades das comunidades locais
para gestão sustentável de recursos naturais, preservação ambiental, iniciativas de geração de
renda baseadas no uso racional da terra e outros recursos naturais; 2) Treinamento sobre
agricultura de conservação e fabrico de fogões melhorados (poupa-lenha); 3) Sensibilização
sobre queimadas descontroladas, promoção de reflorestamento através de estufas/viveiros
comunitários para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas; e 4)
Estabelecimento e fortalecimento de comités de gestão de recursos naturais, grupos de interesse

203
comunitário incluindo jovens e mulheres e líderes comunitários para participação activa nos
processos de desenvolvimento local.
A resposta apresentada pelo respondente B apresenta quatro aspectos comuns importantes
que as OSC’s em geral, e a KUWUKA JDA em particular, desenvolvem em prol da cidadania
ambiental: fortalecimento das comunidades locais, treinamento, sensibilização e gestão
participativa. Estes aspectos coadunam com a ideia de Coimbra & Fernandes (2011, p.134-135),
ao referirem que:
As ONG’s devem promover uma maior articulação local, para garantir a representação
das diferentes realidades e anseios das populações, onde se caminhará para uma
participação plena e presente (...), reconhecendo ainda que a inserção de homens,
mulheres e entidades de classes nos movimentos sociais podem fomentar o exercício da
cidadania e a construção de uma identidade colectiva, que se inicia a partir da esfera local.
A ideia do respondente B, conjugada com a de Coimbra & Fernandes (2011), remete ao
pensamento gramsciano de que “cada grupo social (...) cria para si, ao mesmo tempo, de um modo
orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da
própria função, não apenas no campo económico, mas também no social e no político” (Gramsci,
1982, p.3).
Serres (1994) também pode ser convocado para corroborar as ideias acima descritas,
quando refere que o equilíbrio ecológico passa pela mudança na estrutura social, nas atitudes, nas
práticas, nos costumes e nos valores, o que equivale a uma reestruturação cultural, social e
económica. É preciso criar uma ética ambiental plausível, que traga novas formas de ser, de viver
e de relacionamento entre o Homem e a Natureza.
A resposta dada pelo respondente B reforça o pensamento plasmado na Agenda 21, ao
destacar que “As ONG’s desempenham um papel vital na formação e implementação da
democracia participativa. Esta credibilidade resulta do papel responsável e construtivo que elas
desempenham na sociedade” (ONU, 1992, p.265).
O respondente D apresentou as seguintes considerações: Ao nível urbano, trabalhamos com
crianças e jovens dos clubes ambientais escolares, para serem activistas ambientais, no contexto
de gestão de resíduos sólidos urbanos e saneamento de meio, para além de reutilização de
resíduos para fabrico de artifícios (bonecas, pastas) demonstrativos.
O contributo referido acima pelo respondente D enquadra-se nas palavras do discurso de
abertura da Conferência de Tbilisi, pelo Secretário-Geral da UNESCO nos seguintes termos:
A educação ambiental deveria contribuir, tanto no que se refere aos valores éticos e
estéticos quanto à economia, para a adopção de atitudes que levem as pessoas a impor-

204
se uma disciplina diante de tudo, de modo a não diminuir a qualidade do meio ambiente
e a possibilitar uma participação activa nas actividades colectivas destinadas a melhorá-
lo (IBAMA, 1996, p.6).
Na perspectiva do IBAMA, Colombo (2014) revela que a educação ambiental como
formação e exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de encarar a relação do Homem
com a Natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe valores morais e uma forma diferente de
ver o mundo e os homens.
O respondente D referiu ainda que Capacitamos activistas nas zonas afectadas pela
indústria extractiva, para exigirem seus direitos ambientais violados pelas empresas de extracção
de recursos minerais, incluindo negociações para indemnizações no acto dos reassentamentos;
participação informada nas consultas públicas no acto do processo de licenciamento ambiental
dos projectos; monitoria dos impactos da indústria extractiva sobre as comunidades locais;
monitoria dos projectos de responsabilidade social corporativa das empresas mineiras e
monitoria da utilização das receitas dos 2.75% destinados às comunidades locais nas áreas
afectadas pela indústria extractiva, para projectos de desenvolvimento local.
A ideia do respondente D corrobora o pensamento de Jacobi (2003, p. 192-193) quando
assevera que “cabe destacar que a educação ambiental assume cada vez mais uma função
transformadora, na qual a co-responsabilização dos indivíduos torna-se um objectivo essencial
para promover um novo tipo de desenvolvimento – o desenvolvimento sustentável”. A ideia Jacobi
e as considerações imediatamente acima do respondente D podem ser enquadradas nas seguintes
categorias dos objectivos da educação ambiental preconizados pela Conferência de Tbilisi:
Aptidões: Ajudar grupos sociais e indivíduos a adquirirem as aptidões necessárias para
determinar e resolver os problemas ambientais; Participação: Proporcionar aos grupos
sociais e indivíduos a possibilidade de participarem activamente de tarefas voltadas para
a solução dos problemas ambientais (IBAMA, 1996, pp. 103-104)
Os objectivos preconizados na citação acima vão de encontro ao pensamento de Gramsci
acerca da participação de vários grupos de interesse na partilha da hegemonia bem como na tomada
de decisões que dizem respeito ao Estado; “O facto da hegemonia pressupõe indubitavelmente que
sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será
exercida, que se forme um certo equilíbrio” (Gramsci, 2007, p.48). Em um outro desenvolvimento,
Gramsci mostra que

O exercício (...) da hegemonia (…) caracteriza-se pela combinação da força e do


consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o
consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso
da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações,

205
os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados (Gramsci, 2007,
p. 95).
O pensamento gramsciano na citação imediatamente acima é complementado pela ideia do
respondente D quando diz que Com o governo, contribuímos nas discussões sobre políticas
públicas, exercendo advocacia para a implementação de políticas e nos processos de revisão
legislativa, como no actual processo de revisão da política de terras, na discussão do
estabelecimento do fundo soberano, estabelecimento da alta autoridade na indústria extractiva,
do processo de implementação da iniciativa na indústria extractiva, entre outras. Capacitamos o
governo, sector privado, sociedade civil, deputados sobre mecanismos como ITIE – iniciativa de
transparência na indústria extractiva, Fundo Soberano.
As considerações acima, do respondente D vão de encontro ao que Dos Santos et al (2010,
p.1) afirmam: “As organizações da sociedade civil têm desempenhado um papel de prestador de
serviços de educação, de influência de políticas e práticas de educação, essencialmente nos estados
considerados frágeis, onde o papel do Estado se encontra mais enfraquecido.” Desta feita, as
OSC’s têm o papel de promover uma educação para os direitos sociais e económicos dos cidadãos,
prestando apoio aos governos, como atesta Ghanem (2012, p.54): “Ao mesmo tempo, ONG’s com
propósitos sedimentados na promoção dos direitos humanos e da democracia procuraram
contribuir para o redireccionamento e o fortalecimento da actuação do Estado em educação”, como
refere o respondente D: Realizamos estudos sobre as várias problemáticas como reassentamentos;
planos de gestão ambiental das empresas; planos de responsabilidade social das empresas;
mecanismos participativos para a gestão de receitas dos 2.75%; governação de terras e recursos
naturais; direitos ambientais de crianças e jovens; entre outras.
A ideia exposta no parágrafo anterior liga-se ao pensamento de que as OSC’s constituem
um espaço privilegiado para o aperfeiçoamento do exercício da cidadania, do conhecimento e para
a iniciação na pesquisa científica, através da racionalidade aberta, aquela que proporciona o debate
crítico e produtivo das ideias, são um instrumento fundamental na educação e transformação dos
indivíduos em cidadãos, uma educação criativa e não reprodutiva que visa promover a cultura da
valorização do pensar diferente, que ensina a ética da compreensão planetária (Morin, 2003).
Mais adiante, o respondente D disse que A KUWUKA JDA tem contribuído na educação
para a construção de uma cidadania ambiental; primeiro através do trabalho de
consciencialização interna dos seus membros e colaboradores, como agentes de mudança para a
cidadania ambiental; através de boas práticas quer nas suas vidas privadas, com as suas famílias,

206
amigos e conhecidos. Através de acções de sensibilização da sociedade no seu todo, através de
capacitação de activistas ambientais, quer ao nível das escolas, trabalhando com crianças e
jovens, quer ao nível das comunidades locais.
A resposta acima coaduna com o pensamento de Ghanem (2012, p.54) ao referir que “as
Organizações da Sociedade Civil oferecem directamente serviços educacionais mediante
convénios e terciarização ou substituem funções técnicas de órgãos públicos na formação de
pessoal, na elaboração de materiais de estudo e na formulação de orientações pedagógicas”.
Continuando, o respondente D afirmou que Nas escolas, a KUWUKA JDA promove clubes
ambientais escolares como espaço de aprendizagem da cidadania ambiental; nas comunidades
com os diferentes grupos de interesse, incluindo os comités de gestão dos recursos naturais. A
ideia anterior está alinhada aos seguintes princípios da Educação Ambiental, segundo a
Conferência de Tbilisi:
Examinar as principais questões ambientais locais, nacionais, regionais e internacionais,
de maneira que os educandos tomem conhecimento das condições ambientais de outras
regiões geográficas. Incentivar a participação dos estudantes na organização de suas
experiências de aprendizagem, dando-lhes a oportunidade de tomar decisões e aceitar
suas consequências (IBAMA, 1996, p.104).
O respondente D disse ainda que Adicionalmente, a KUWUKA JDA trabalha com
parceiros locais (ao nível dos distritos, das províncias e nacional) que tenham interesse ou que
também actuem na área de cidadania ambiental, criando sinergias, implementado acções
conjuntas e coordenadas com os diferentes actores.
O parágrafo anterior confirma o pensamento de Coimbra & Fernandes (2011) ao
considerarem que participação das OSC’s em diferentes fóruns torna-as actores importantes nas
formulações e implementações de políticas públicas desempenhando um papel de suma
importância, uma vez que promovem uma maior articulação local, com vista a garantir a
representação das diferentes realidades e anseios das populações, onde se caminhará para uma
participação plena e presente.
Ao concluir a sua resposta, o respondente D referiu que A KUWUKA JDA promove a
produção de panfletos, cartazes e brochuras com mensagens simples sobre questões ambientais,
como queimadas descontroladas, saneamento do meio e saúde pública. Promove a capacitação
de activistas para monitoria dos impactos ambientais de projectos de exploração mineira.
Na abordagem do respondente D, destacam-se os clubes ambientais, o activismo,
mediação/diálogo com as autoridades governamentais, estudos/pesquisa, parcerias e

207
sensibilização/monitoria. Estes elementos estão alinhados com o que a Agenda 21 (ONU, 1992)
preconiza, revelando que OSC’s dão o seu contributo ao proporcionam uma educação ambiental
que se apresenta como um acto político baseado em valores para a transformação social, que deve
enfocar a relação entre o ser humano e a natureza de forma interdisciplinar. Jacobi (2003, p.199)
diz que
O grande salto de qualidade tem sido feito pelas ONG’s e organizações comunitárias, que
tem desenvolvido acções não formais centradas principalmente na população infantil e
juvenil. A lista de acções é interminável e essas referências são indicativas de práticas
inovadoras preocupadas em incrementar a co-responsabilidade das pessoas em todas as
faixas etárias e grupos sociais quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais
comprometidos com a defesa da vida
No exemplo concreto de produção de panfletos, cartazes e brochuras sobre questões
ambientais, pode-se dizer que é uma forma de educação ambiental que estimula a cidadania
ambiental, uma cidadania fundada na solidariedade, igualdade e respeito aos direitos humanos,
ajudando a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais os seres
humanos compartilham o planeta Terra, respeitando seus ciclos vitais e impondo limites à sua
exploração bem como a outros recursos.
A opinião do respondente D permite-nos dizer que a KUWUKA JDA (parafraseando De
Quadros, 2007) contribui na efectivação de uma educação para a cidadania ambiental que
possibilita nos sujeito envolvidos na questão ambiental a aquisição do saber (conhecimento
significativo), do saber fazer (agir na realidade com responsabilidade e exercer a tomada de
decisões democráticas, reconhecendo a sua participação na definição do futuro da comunidade, o
que possibilita a prática da cidadania) e permite ao mesmo tempo o trabalho colectivo,
incentivando a elaboração de seu próprio ser (cognitivo, afectivo e espiritual) e aprecia a
importância do processo de conviver com os outros a partir de acções solidárias, de
comprometimento, cooperação, sensibilidade e responsabilidade (De Quadros, 2007, p.18).
Para a respondente E, a KUWUKA JDA contribui para a construção da cidadania
ambiental Através da parceria com o sector da educação e do ambiente, onde trabalha
directamente com escolas através da criação de clubes ambientais escolares e de capacitação de
professores e de organizações comunitárias de base de forma a poderem replicar o apreendido
com diferentes grupos na comunidade onde se encontram inseridos.

208
A resposta acima (da respondente E) remete à ideia de que as OSC’s desempenham um
papel relevante dentro de uma determinada sociedade ou comunidade na educação para a cidadania
ambiental, através de diferentes acções, em vários âmbitos, quer individualmente, quer em
parcerias inter-organizacionais ou com instituições governamentais.
Pode-se convocar, para reforçar a interpretação da opinião da respondente E, a ideia dos
intelectuais preconizada por Gramsci. Na perspectiva de Gramsci (2007), os intelectuais têm um
papel importante na organização e elaboração da cultura de uma sociedade, capaz de construir
hegemonias. As organizações da sociedade buscam obter o consenso de uma larga massa ou da
sociedade inteira, originando-se uma luta pela hegemonia cultural e política sobre a sociedade.
Assim, a educação torna-se um fundamento capaz de viabilizar e concretizar a cidadania
ambiental a partir do sentimento de pertença e do fortalecimento de vínculos que unem a
humanidade aos demais seres vivos. Para tal, é preciso “educar para a compreensão humana”,
como diz Morin (2000, p.93ss).
A partir das respostas apresentadas pelos membros/colaboradores da KUWUKA JDA,
percebe-se que a organização tem dado um contributo notável no campo da cidadania ambiental,
abrangendo todos os sectores da sociedade e indivíduos de todas as faixas etárias. Neste âmbito, a
organização prima pela prática pedagógica sem fronteiras: trabalha com as comunidades, com as
escolas, com as autoridades governamentais, com outras organizações congéneres (apoiando-as ou
estabelecendo parcerias com elas).
É com razão que, com Morin (2000), podemos dizer que as OSC’s são também um local
de formação da condição humana, pois elas são um produto das potencialidades e das
competências do ser humano que guiado pela razão consegue construir saberes e conhecimentos
vitais para si e ao seu meio cultural. É uma realidade social, uma vez que está inserida num meio
social, que é por sua vez um fenómeno complexo.
O que se disse no parágrafo anterior evidencia que a KUWUKA JDA é um parceiro
relevante do governo na busca de soluções para os problemas ambientais que assolam o país,
particularmente através da formação de cidadãos conscientes destes problemas e responsáveis pela
mudança da sua atitude. A ideia anterior é confirmada e reforçada pelos relatos apresentados nos
diferentes documentos institucionais, cuja síntese é apresentada no subtópico seguinte.

209
3.4.2. Pelos relatos dos documentos institucionais da KUWUKA JDA
Os relatórios anuais de actividades de 2008 a 2020, os relatórios de actividades dos
diferentes pilares de acção, programas e projectos da KUWUKA JDA revelam uma série de
actividades e seus resultados que se consubstanciam como contributos da organização na
construção de uma cidadania ambiental em Moçambique, que a seguir são descritos.
A KUWUKA JDA trabalha no fortalecimento de capacidades da sociedade civil para activa
participação na defesa dos direitos das comunidades e capacitação das organizações da sociedade
civil sobre advocacia parlamentar. Como resultado, as comunidades locais, informadas e
capacitadas, exigem a observância dos seus direitos no domínio de terras, ambiente e recursos
naturais por parte do governo e do sector privado.
A acção descrita no parágrafo anterior confirma o pensamento de Reigota (2004) e de De
Quadros (2007), que foi apresentada no tópico sobre o papel das OSC’s. A educação (para a
cidadania) ambiental como educação política dá prioridade à ética e enfatiza antes a questão do
“porquê” fazer para depois perguntar “como” fazer. Ela contribui para que os cidadãos possam
reflectir e exigir justiça social, cidadania, autogestão e ética nas relações sociais e com a Natureza.
Assim, está “impregnada da utopia de mudar radicalmente as relações que conhecemos hoje, sejam
elas entre a humanidade, sejam entre esta e a natureza” (Reigota, 2004, p.11).
Já De Quadros (2007) diz que é vital que os cidadãos do mundo lutem por um crescimento
económico sem repercussões nocivas sobre a população, que não deteriore de nenhum modo seu
meio ambiente nem suas condições de vida. A educação para a cidadania ambiental deve orientar-
se para a comunidade e procurar incentivar o indivíduo a participar activamente da resolução dos
problemas em seus contextos específicos, nos sentidos de pensamento global e acção local, acção
global e pensamento local.
A KUWUKA JDA busca o fortalecimento das capacidades das comunidades locais para
gestão sustentável dos recursos florestais, conservação ambiental e reflorestamento, que inclui o
estabelecimento, reactivação e treinamento dos Comités Comunitários de Gestão de Recursos
Naturais, sobre boas práticas de gestão dos recursos florestais, conservação da biodiversidade e
sua importância na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
O fortalecimento supracitado inclui também a construção de estufas comunitárias para
produção de mudas para o reflorestamento, entre nativas e fruteiras. Como resultado de impacto,

210
as plantas produzidas nas estufas comunitárias contribuem para o equilíbrio ecológico, bem como
para o melhoramento da dieta alimentar através de consumo da fruta.
A acção descrita nos dois parágrafos anteriores pode ser relacionada ao pensamento de
Serres (1994), ao falar do terceiro instruído:
(...) “perito” em conhecimentos, formais ou experimentais, versado em ciências naturais,
do inerte e do mundo vivo, à margem das ciências sociais de verdades mais críticas que
orgânicas e de informação banal e não rara, preferindo as acções às relações, a experiência
humana directa aos inquéritos e aos processos, viajante da natureza e da sociedade (...)
enfim, sobretudo ardendo de amor pela Terra e pela humanidade (Serres, 1994, p.147).
Ainda na perspectiva de Serres (1994), só a a educação é que pode criar e reforçar o terceiro
instruído, um ser prudente. É por isso que, adicionalmente, os membros dos comités de gestão
contribuem na educação cívica ambiental, principalmente, na sensibilização contra práticas
prejudiciais ao ambiente e à conservação da flora e fauna nas comunidades (queimadas
descontroladas, abate indiscriminado das árvores, caça furtiva, em particular as espécies
protegidas, etc.).
A KUWUKA JDA empenha-se no fortalecimento da capacidade da sociedade civil para a
participação activa na promoção da boa governação dos recursos naturais e indústria extractiva em
Moçambique, através do treinamento das comunidades para monitoria do impacto da indústria
extractiva nos locais da sua instalação.
A KUWUKA JDA trabalha em prol do engajamento da sociedade civil na indústria
extractiva através da capacitação a vários níveis para que esta possa engajar-se activamente nos
processos de exploração dos recursos extractivos. As comunidades locais promovem o
desenvolvimento local através dos seus diferentes grupos de interesse e são cívica e
ambientalmente instruídas, organizadas e fortalecidas.
O contributo descrito nos dois parágrafos anteriores liga-se à ideia de que as OSC’s
desempenham um papel de suma importância, uma vez que promovem uma maior articulação
local, com vista a garantir a representação das diferentes realidades e anseios das populações, onde
se caminhará para uma participação plena e presente. Esta ideia está de acordo com o pensamento
de Coimbra & Fernandes (2011, p.134-135), ao referirem que as OSC’s são relevantes no
desenvolvimento de uma educação que encerra em si conhecimentos que abrem espaço para que
os indivíduos e grupos usufruam do direito de exercício da cidadania, buscando a construção e
efectivação de uma identidade nacional e global, a partir de contextos locais

211
A KUWUKA JDA destaca-se como peça-chave na disseminação da Iniciativa de
Transparência na Indústria Extractiva (ITIE), que é uma iniciativa tripartida entre o governo,
sociedade civil e as empresas extractivas, liderada pelo governo, que visa promover a transparência
e prestação de contas no sector extractivo, através da publicação anual de relatórios que contém
informação sobre pagamentos que as empresas extractiva efectuam ao governo e os recebimentos
dos governos pagos pelas empresas extractivas, incluindo toda a cadeia de exploração e
governação dos recursos extractivos, desde o quadro legal até ao contextual e a sua contribuição
na economia. Pode-se destacar aqui o pensamento de Gramsci, interpretado por Liguori (2007, p.
54):
A sociedade civil é uma arena privilegiada da luta de classes, uma esfera do ser social em
que se dá uma intensa luta pela hegemonia e, precisamente por isso, não é o ‘outro’ em
relação ao Estado, mas – junto com a sociedade política, isto é, o ‘Estado-coerção’ – um
dos seus inelimináveis momentos constitutivos.
A transparência é um dos aspectos prioritários para as OSC’s. A participação das OSC’s
em diferentes fóruns torna-as actores importantes nas formulações e implementações de políticas
públicas no que diz respeito à transparência na exploração e gestão dos recursos naturais, seja a
nível de apoio na capacitação institucional (profissional), seja a nível de apoio material aos
governos e instituições de tutela ambiental assim como a nível de intervenção nos processos
burocráticos. A transparência torna-se mais consistente, mediante a participação de vários
intervenientes, como referem Coimbra & Fernandes (2011, p.132):
A construção da cidadania e da democracia é um processo historicamente relacionado à
capacidade de luta e de organização da sociedade, pois é uma discussão que produziu e
produz, ao longo da história, várias propostas e abordagens, fazendo-se necessária uma
análise entre Estado, sociedade e participação, sendo categoria básica para os
movimentos sociais, relacionados principalmente à sua participação nos conselhos locais,
em especial ao de meio ambiente.
Como resultado da participação dos conselhos locais, pela acção da KUWUKA JDA, as
comunidades são empoderadas para a gestão sustentável dos recursos florestais através do
estabelecimento e treinamento dos Fóruns de Comités de Gestão dos Recursos Naturais de que
coordenam as actividades de sensibilização comunitária. O empoderamento das comunidades
incluiu a produção de manuais de treinamento dos activistas comunitários sobre o maneio
sustentável dos recursos florestais e participação comunitária.

212
Assim, as comunidades locais participam activamente e de forma transparente nos
processos de governação e de desenvolvimento na área de terras, ambiente e recursos naturais. Da
mesma forma, as Organizações da Sociedade Civil participam activamente nos processos de
governação, no empoderamento das comunidades locais e dos cidadãos e na implementação de
programas de desenvolvimento na área de terras, ambiente e recursos naturais.
Como forma de consolidação da transparência, sendo que, hodiernamente, a mídia exerce
um grande poder como agende disseminador de informação e agente de mudança, a KUWUKA
JDA influencia os órgãos de comunicação social a informar regularmente e com imparcialidade à
sociedade sobre os acontecimentos relativos à elaboração legislativa, processos de tomada de
decisão sobre políticas públicas e sua implementação e sobre a governação e a implementação de
projectos na área de terras, ambiente e recursos naturais.
Sobre a relação mídia-educação ambiental, a Conferência de Tbilisi refere que “Os meios
de comunicação social desempenham papel fundamental na educação ambiental, tanto em relação
ao público em geral quanto aos grupos específicos” (IBAMA, 1996, p.76). Mais adiante, a
Conferência de Tbilisi assevera que
Nos países em desenvolvimento, a utilização do rádio e da televisão tem sido
particularmente benéfica para a educação geral e funcional da população rural. Em certas
regiões do mundo, a rádio educativa é o meio mais eficaz, às vezes único, de integrar as
populações geograficamente distanciadas e culturalmente marginalizadas da comunidade
nacional, dispensando-lhes um aprendizado que as ajuda a enfrentar os problemas do seu
meio ambiente imediato. (…) Os meios de comunicação de massa cumprem também uma
função importante no ensino formal. A televisão e outros sistemas de tecnologia
pedagógica são hoje amplamente utilizados em escolas e universidades de vários países
(IBAMA, 1996, p.77).
Porém, na perspectiva da Conferência de Tbilisi (IBAMA, 1996), a mídia não deve limitar-
se a divulgar informações; é fundamental que se atenda à educação da população para que ela, por
si própria, possa interpretar o mundo e os acontecimentos através das imagens apresentadas. Na
realidade, a educação ambiental seria um empreendimento inútil se os meios de comunicação de
massa prestassem informações contraditórias ou incoerentes, contribuindo para desorientar o
público em vez de melhorar suas atitudes e comportamentos em relação ao meio ambiente. Além
disso, cabe à mídia dispensar atenção especial à preparação de instrutores e dirigentes
encarregados da divulgação dos programas, bem como à formação de pessoal especializado no
controle e avaliação desses programas, a fim de que as mensagens transmitidas cumpram sua
verdadeira função educativa.

213
A participação activa das comunidades locais estende-se ao campo da educação cívica.
Influenciadas e apoiadas pela KUWUKA JDA, várias OSC’s locais promovem o desenvolvimento
da educação cívica e ambiental das comunidades locais com o envolvimento e a participação activa
de homens e mulheres de todas as faixas etárias. Importa referir que as OSC’s participam e
coordenam os processos de advocacia pela boa governação e pelos direitos das comunidades locais
e dos cidadãos no domínio da governação de terras, ambiente e exploração dos recursos naturais.
Jacobi (2003, p.199) diz que
O grande salto de qualidade tem sido feito pelas ONG’s e organizações comunitárias, que
tem desenvolvido acções não formais centradas principalmente na população infantil e
juvenil. A lista de acções é interminável e essas referências são indicativas de práticas
inovadoras preocupadas em incrementar a co-responsabilidade das pessoas em todas as
faixas etárias e grupos sociais quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais
comprometidos com a defesa da vida.
O parágrafo acima revela que as OSC’s contribuem grandemente na promoção de uma
Educação Ambiental que consciencializa e envolve capacidade crítica, diálogo e a assimilação de
saberes distintos que possam compreender a nossa realidade e melhorar as nossas condições de
vida. As OSC’s mostram-nos a necessidade de compreender que há níveis de responsabilidade que
vão muito além da esfera pessoal e de situações particulares. Daí a importância de se actuar em
esferas colectivas, políticas e problematizadoras da realidade. Esta compreensão só é possível
através da educação.
Como efeito da acção de advocacia e de fiscalização da KUWUKA JDA, o Sector Privado
respeita a legislação, as políticas públicas e os direitos dos cidadãos e das comunidades locais na
implementação de projectos no domínio de terras, ambiente e recursos naturais. Através dos
estudos/pesquisas da KUWUKA JDA, parceiros, Governo, Sector Privado, comunidades locais e
a sociedade em geral são informados e têm acesso à informação científica baseada em evidências
sobre as questões de terras, ambiente e recursos naturais a nível nacional e internacional.
Assim, as OSC’s desempenham um papel relevante dentro de uma determinada sociedade
ou comunidade, no contexto de educação para a cidadania ambiental tendo em conta que elas
também têm como enfoque a construção de conhecimentos. Esta actividade inclui saber conservar
de forma dinâmica a herança cultural do povo, nos seus saberes, ideias e valores, na medida em
que não é possível construir o futuro sem conservar, salvaguardar ou preservar o passado histórico
e cultural, que pode ser o património local, nacional e da humanidade.
Parafraseando Morin (2005), esta natureza conservadora não se trata de preservar de forma
vazia e acrítica a herança cultural, mas, trata-se de preservar, de salvaguardar não só as
214
diversidades culturais e naturais degradadas por inexoráveis processos de uniformização e
destruição, não apenas as conquistas civilizacionais ameaçadas pelos retornos e as manifestações
de barbárie, mas outrossim, a vida da humanidade ameaçada pela arma nuclear e a degradação da
biosfera, dupla ameaça resultante da grande barbárie.
Pela acção da KUWUKA JDA, a Assembleia da República elabora e aprova de forma
participativa, aberta e transparente a legislação e políticas públicas, monitora e fiscaliza
sistematicamente o exercício da governação e a observância dos direitos das comunidades locais
e dos cidadãos na área de terras, ambiente e recursos naturais (por exemplo, parlamentares da
Assembleia da República visitaram comunidades afectadas pela indústria extractiva nas Províncias
de Tete e Cabo Delgado).
Apoiado pela KUWUKA JDA, o Governo exerce a boa governação através da elaboração
e implementação correcta, participativa, aberta, inclusiva e transparente da legislação e dos
projectos de desenvolvimento na área de terras, ambiente e recursos naturais. Os governos locais
interagem de forma aberta e transparente com os vários quadrantes da sociedade e incorporam as
contribuições destes na elaboração e revisão legislativa, nos processos de tomada de decisões sobre
políticas públicas e no exercício da governação, na área de terras, ambiente e exploração dos
recursos naturais.
Os dois parágrafos anteriores revelam que, no campo de tomada de decisões, as OSC’s
pressionam os governos, influenciam a sua postura nas negociações internacionais e participam
activamente como observadores reconhecidos pela ONU, acompanhando os diferentes processos
de discussão de vários assuntos, chegando a influenciar delegações governamentais de vários
países. A Agenda 21-Global da ONU (parágrafos 27.1 e 27.3) assevera que “As organizações não-
governamentais desempenham um papel fundamental na modelagem e implementação da
democracia participativa. A credibilidade delas repousa sobre o papel responsável e construtivo
que desempenham na sociedade.” Esta ideia da ONU é confirmada por Jacobi (2003, p.200-201),
nos seguintes termos:
O que representa a marca da actuação das ONG’s? Seus pontos fortes estão na sua
credibilidade e capital ético; na sua eficiência quanto à intervenção na microrrealidade
social (grupos e comunidades), o que lhes permite formular aspirações e propor
estratégias para atendê-las; na maior eficiência quanto à aplicação de recursos e agilidade
na implementação de projectos que têm a marca da inovação e da articulação da
sustentabilidade com a equidade social.
Em forma de conclusão deste subtópico, podemos dizer que o contributo da KUWUKA
JDA para a construção da cidadania ambiental alinha-se perfeitamente nas categorias dos
215
objectivos da educação ambiental preconizadas pela Conferência de Tbilisi, nomeadamente
(IBAMA, 1996, p. 103-104):
(1) Consciência: Ajudar grupos sociais e indivíduos a adquirirem uma consciência do
meio ambiente global, sensibilizando-os para essas questões;
(2) Conhecimentos: Ajudar grupos sociais e indivíduos a adquirirem experiências
diversas e uma compreensão fundamental do meio e problemas afins;
(3) Comportamento: Ajudar grupos sociais e indivíduos a se comportarem de acordo com
uma série de valores e a criarem interesse e preocupação em relação ao meio ambiente,
motivando-os de tal maneira que venham a participar activamente da sua melhoria e
protecção;
(4) Aptidões: Ajudar grupos sociais e indivíduos a adquirirem as aptidões necessárias
para determinar e resolver os problemas ambientais;
(5) Participação: Proporcionar aos grupos sociais e indivíduos a possibilidade de
participarem activamente de tarefas voltadas para a solução dos problemas ambientais.
Desta forma, podemos concluir que a maioria das acções levadas a cabo pela KUWUKA
JDA procura trazer uma mudança significativa na vida das pessoas atingidas, através o exercício
de organização associativa, pressão política directa, campanha e educação cívica, criação de
parcerias, conservação do meio ambiente, etc., através de projectos cuja finalidade é uma melhor
qualidade de vida para as populações, algumas das quais vivendo em situação de pobreza, mas que
lutam pelos seus direitos como cidadãos.
Todas as acções e o contributo da KUWUKA JDA na educação para a cidadania ambiental
corroboram o que a diversa literatura citada ao longo desta tese aborda sobre o papel das OSC’s
na educação para a cidadania. Podemos, em forma de fecho, dizer que o contributo da KUWUKA
JDA está de acordo com o que a literatura informa sobre o papel positivo que as OSC’s
desempenham na construção/consecução da cidadania ambiental.

3.4.3. Pelo testemunho dos beneficiários das acções da KUWUKA JDA


Relativamente ao contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma
cidadania ambiental em Moçambique, os beneficiários teceram as suas considerações em resposta
a algumas perguntas relacionadas ao assunto em destaque neste subtópico. Perguntados sobre
Como é que a KUWUKA JDA actua na vossa comunidade/escola?, os beneficiaram responderam
assim:
Ordem Respondente Resposta

216
01 PI1 Actua de boa forma, sensibilizando as crianças e jovens através da
realização de seminários, workshops, contactos e interacção com os
líderes comunitários.
02 PI2 A KUWUKA JDA realiza encontros comunitários e distritais,
engajando as comunidades directamente abrangidas pela indústria
extractiva, colhendo sensibilidades dos afectados para submetera os
tomadores de decisão.
03 PT1 Sensibilizações e capacitações.
04 PT2 Actua bem. Nos ajuda a compreender que devemos cuidar da natureza
para termos uma boa vida. Colabora com as associações daqui.
05 MP1 Actua com formação das pessoas das comunidades e das associações.
06 MP2 A KUWUKA JDA actua de forma a dar melhorias na nossa
comunidade.
07 MC1 Através de capacitações, formações e campanhas de sensibilização.
08 MC2 Fazendo campanhas de limpeza, formação dos activistas nos bairros
para o melhoramento das condições do meio ambiente e técnicas de
gestão ambiental, ensinando as crianças nas escolas a plantar árvores
e cuidar delas e organizando e promovendo campanhas de
sensibilização sobre a necessidade de cuidar do meio ambiente.

A sensibilização e a capacitação das comunidades são as palavras de ordem da organização,


segundo as considerações dos beneficiários. As OSC’s também actuam na implementação de
projectos para efeito demonstrativo e na indução de novas práticas. Esta multiplicidade de papéis
vem consolidando o que pode ser definido como uma evolução qualitativa da actuação dessas
organizações. Como resultado da sua experiência, as OSC’s passaram a incorporar novos e
importantes papéis: assessoria, disseminação e multiplicação de ideias e práticas de actuação.
Pelas respostas acima, infere-se que A KUWUKA JDA, no quadro do modo de actuação
das OSC’s, proporciona uma educação ambiental que se apresenta como um acto político baseado
em valores para a transformação social, que deve enfocar a relação entre o ser humano e a natureza
de forma interdisciplinar. É uma educação que também estimula a cidadania ambiental, uma
cidadania fundada na solidariedade, igualdade e respeito aos direitos humanos, ajudando a

217
desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais os seres humanos
compartilham o planeta Terra, respeitando seus ciclos vitais e impondo limites à sua exploração.
Assim, as OSC’s desempenham um papel relevante dentro de uma determinada sociedade
ou comunidade na educação para a cidadania ambiental, através de diferentes acções, em vários
âmbitos, quer individualmente, quer em parcerias inter-organizacionais ou com instituições
governamentais. Por exemplo, no campo de tomada de decisões, as OSC’s pressionam os
governos, influenciam a sua postura nas negociações internacionais e participam activamente
como observadores reconhecidos pela ONU, acompanhando os diferentes processos de discussão
de vários assuntos, chegando a influenciar delegações governamentais de vários países. “As
ONG’s desempenham um papel vital na formação e implementação da democracia participativa.
Esta credibilidade resulta do papel responsável e construtivo que elas desempenham na sociedade”
(ONU, 1992, p.265). Para Coimbra & Fernandes (2011, p.134-135),
As ONG’s devem promover uma maior articulação local, para garantir a
representação das diferentes realidades e anseios das populações, onde se
caminhará para uma participação plena e presente. O destaque para a actuação das
ONG’s ambientalistas e suas repercussões para a Educação Ambiental torna-se
relevante, à medida que possibilita o conhecimento sobre as demandas advindas
da sociedade civil, reconhecendo ainda que a inserção de homens, mulheres e
entidades de classes nos movimentos sociais podem fomentar o exercício da
cidadania e a construção de uma identidade colectiva, que se inicia a partir da
esfera local.
Na perspectiva acima, e atendendo às respostas dos beneficiários, a ilação que se faz é que
a KUWUKA JDA contribui na promoção de uma educação ambiental que consciencializa e
envolve capacidade crítica, diálogo e a assimilação de saberes distintos que possam compreender
a nossa realidade e melhorar as nossas condições de vida. A KUWUKA JDA mostra a necessidade
de compreender que há níveis de responsabilidade que vão muito além da esfera pessoal e de
situações particulares. Daí a importância de se actuar em esferas colectivas, políticas e
problematizadoras da realidade. Esta compreensão só é possível através da educação. É com razão
que Jacobi (2003, p.199) diz que
O grande salto de qualidade tem sido feito pelas ONG’s e organizações
comunitárias, que tem desenvolvido acções não formais centradas principalmente
na população infantil e juvenil. A lista de acções é interminável e essas referências
são indicativas de práticas inovadoras preocupadas em incrementar a co-
responsabilidade das pessoas em todas as faixas etárias e grupos sociais quanto à
importância de formar cidadãos cada vez mais comprometidos com a defesa da
vida.
A ideia de Jacobi é reforçada por Morin (2003, p.47ss), ao referir conhecer o humano não
é separá-lo do universo, mas situá-lo nele. Por isso, interrogar nossa condição humana implica

218
questionar primeiro nossa posição no mundo. Assim, a filosofia, ao retomar sua vocação reflexiva
sobre todos os aspectos do saber e dos conhecimentos, poderia e deveria fazer convergir a
pluralidade de seus pontos de vista sobre a condição humana, incluindo a questão da cidadania
ambiental. Daí a importância de se actuar em esferas colectivas, políticas e problematizadoras da
realidade. Esta compreensão só é possível através da educação.
Para a formação da condição humana, é necessário que se opte pelo ensino da
aprendizagem da cidadania ambiental, como diz Morin (2003, p.63), ensinar como se tornar
cidadão, isto porque um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e
responsabilidade em relação à sua pátria (e nós diremos em relação ao meio ambiente/à Natureza
e ao seu cuidado). Neste aspecto, a KUWUKA JDA desempenha um papel importante nesse
processo não apenas em função do expressivo aumento quantitativo das suas acções, mas,
principalmente, em função da evolução qualitativa de sua actuação, participação e intervenção em
questões ligadas à educação para a cidadania ambiental.

À pergunta Como avalia as acções da KUWUKA JDA na vossa comunidade/escola?


Porquê?, os respondentes teceram as seguintes considerações:
Ordem Respondente Resposta
01 PI1 A avaliação que faço em positiva, pois antes da actuação da
KUWUKA JDA na nossa comunidade não sabíamos defender os
nossos direitos face às violações das empresas e do governo, hoje
sabemos nos defender.
02 PI2 Positivamente, porque o trabalho que tem feito traz inovação,
preocupa-se com um bem-estar da comunidade e tem superado as
expectativas das comunidades.
03 PT1 Positivamente. Porque veio trazer ensinamentos às comunidades
sobre os seus direitos e devere.s
04 PT2 São boas acções. Porque beneficiam as comunidades.
05 MP1 As acções são positivas. Porque ajudam-nos a manter o que é da
comunidade e ajudam a conservar o meio ambiente.
06 MP2 Suas acções têm sido muito positivas. Porque as suas acções abriram
a nossa visão, desde que a KUWUKA JDA entrou nas nossas vidas

219
conseguimos exigir os nossos direitos na empresa de cimento
dugongo
07 MC1 Positivamente.
08 MC2 São acções muito boas para as nossas vidas e para os nossos bairros.

As respostas acima revelam uma apreciação positiva relativa à forma como a KUWUKA
JDA actua. Os beneficiários revelam aqui uma mudança ou transformação positiva desde que a
organização começou a trabalhar nas suas comunidades. Esta apreciação positiva é concomitante
com a análise feita por Ghanem (2012, p.54), ao referir que
O impacto desta actuação varia conforme o êxito em estabelecer novos programas
públicos ou em obter apoio do Estado para implementar programas próprios em
maior escala. Na perspectiva de mudança, as ONG’s podem actuar para fazer
convergir práticas orientadas pela lógica de inovação com outras orientadas pela
lógica de reforma educacional. (...) A perspectiva da pressão política se distancia
das práticas educacionais directas e se concentra nas condições gerais de recursos
para aquelas práticas outras, cujo suprimento depende de prescrições legais e de
seu cumprimento.

Porém, não é fácil alcançar consenso e ter uma apreciação positiva generalizada, pois
quando focamos a educação para o plano ambiental, tal como se disse na primeira secção deste
capítulo, o papel das OSC’s torna-se mais delicado, pois surge o desafio de fazer com que todos
entendam a importância do meio ambiente para a preservação da própria vida humana, através de
uma educação ambiental que se pretenda colectiva, solidária, crítica e permanente, aliadas à
especificidade do momento em que vivemos.
Atingir este objectivo torna-se uma empresa gigantesca e complexa, uma vez as práticas
prejudiciais ao meio ambiente estão de tal forma fossilizadas que se precisa de um grande esforço
para modificar a mentalidade das nossas sociedades, caracterizadas pela racionalidade posta pela
modernidade e habituada ao que o modo de produção e o consumismo proporcionam. Entretanto,
as OSC’s, mormente a KUWUKA JDA, conseguem dar alguns passos, uma vez que, conforme
destacam Coimbra & Fernandes (2011, p.134-135), desenvolvem uma educação que encerra em
si conhecimentos que abrem espaço para que os indivíduos e grupos usufruam do direito de
exercício da cidadania, buscando a construção e efectivação de uma identidade nacional e global,
a partir de contextos locais.
Neste âmbito, é relevante o papel das OSC’s tendo em conta que a educação ambiental
pode contribuir para uma maior reflexão sobre o nosso actual modo de produção e consumo. A

220
nível da educação formal, as OSC’s podem ajudar os educadores/professores a compreenderem
que os problemas ambientais decorrem dos conflitos entre os interesses privados e o bem de todos,
bem como questionando as causas profundas da crise ambiental, difundindo-as nas esferas sociais
e nas escolas.
Desta feita, as OSC’s têm o papel de promover uma educação para os direitos sociais e
económicos dos cidadãos. Assim, o papel KUWUKA JDA, à semelhança das outras OSC’s, é de
ajudar os homens a assumir a sua condição de cidadãos comprometidos com o meio ambiente. A
KUWUKA JDA assume também o papel de fornecer os conhecimentos, valores, símbolos que
orientam e guiam as vidas humanas na sua relação com os outros seres da Natureza. Para assumir
a condição de cidadãos, é preciso, primeiro, assumir a condição humana, como diz Morin (2003),
que implica não separar o ser humano do universo, mas situá-lo nele. Por isso, interrogar nossa
condição humana implica questionar primeiro nossa posição no mundo. Nesta interrogação, as
OSC’s mostram-nos a necessidade de compreender que há níveis de responsabilidade que vão
muito além da esfera pessoal e de situações particulares.
Relativamente à pergunta Que lições tem aprendido com a actuação da KUWUKA JDA na
vossa comunidade/escola?, os beneficiários responderam o seguinte:
Ordem Respondente Resposta
01 PI1 A principal lição é da participação, que é extremamente importante
envolver as crianças e os jovens nos processos de tomada de decisão.
02 PI2 Advogar para a salvaguarda dos meus direitos como jovem, qualquer
acção que pode alterar o bem-estar da comunidade, os jovens devem
participar e não ficarem alheios a problemas que possam acontecer,
os jovens devem fazer parte da solução do problema.
03 PT1 Seleccionar casos e apoiar as comunidades sobre os seus direitos.
04 PT2 Que podemos desenvolver as nossas zonas com os recursos daqui sem
prejudicar a nossa saúde, as plantas e os animais.
05 MP1 Aprendi a discutir os meus direitos, a produzir sem prejudicar a
floresta e os animais, a plantar árvores para melhorar o meio ambiente.
06 MP2 Das lições que temos aprendido com a KUWUKA JDA, já
conseguimos nos defender com base na sua exigência.

221
07 MC1 Aprendemos a cuidar do nosso meio, sensibilizamos outras pessoas
da comunidade a tratar da melhor forma os resíduos sólidos.
08 MC2 Aprendemos a valorizar as árvores, a tratar devidamente o lixo e a
sensibilizar a comunidade para boas práticas no saneamento do meio.

Os depoimentos anteriores dos beneficiários são reveladores de um impacto positivo da


presença da KUWUKA JDA nas comunidades. Todos os beneficiários informam que aprenderam
alguma coisa da organização que melhorou as suas vidas do ponto de vista do cuidado com o meio
ambiente e da participação activa na solução dos problemas ligados a exploração e gestão dos
recursos naturais.
Tendo em conta as respostas acima arroladas, pode-se dizer que, parafraseando Gramsci
(2001), a KUWUKA JDA desempenha o papel dos intelectuais como os que fazem as relações
entre as diferentes classes sociais possibilitando uma visão de mundo mais unitária e homogénea.
Gramsci destaca que os intelectuais possuem uma função orgânica bastante importante no processo
da reprodução social, na medida em que ocupam espaços sociais de decisão prática e teórica. Mas
a principal função destes se encontra na formação de uma nova moral e uma nova cultura, que
podem ser entendidas também como uma contra-hegemonia.
Ainda na senda das respostas da pergunta anterior, percebe-se que a KUWUKA JDA, como
uma OSC, actua de forma que as classes subalternas alcancem a hegemonia, tendo como base a
educação, cujas relações pedagógicas extravasam os limites da sala de aulas, como dizem Gramsci
(2010, p.37):
A relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente
“escolásticas”. Esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo
indivíduo com relação aos outros indivíduos, bem como entre camadas
intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elite e
seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exército.
A prática pedagógica acima referida, parafraseando Delgado (2005), revela que as OSC’s
prestam auxílio ao Estado na realização de seus objectivos mais importantes, garantindo assim o
pleno exercício da cidadania e da democracia. Nesta perspectiva, as OSC’s apresentam-se como
canais de participação que articulam os anseios das diversidades, entre a sociedade civil, entidades
privadas e o poder público estatal. Sobre esta questão, Coimbra & Fernandes (2011, p.132)
asseveram que
A construção da cidadania e da democracia é um processo historicamente
relacionado à capacidade de luta e de organização da sociedade, pois é uma

222
discussão que produziu e produz, ao longo da história, várias propostas e
abordagens, fazendo-se necessária uma análise entre Estado, sociedade e
participação, sendo categoria básica para os movimentos sociais, relacionados
principalmente à sua participação nos conselhos locais, em especial ao de meio
ambiente.
Para o caso concreto do meio ambiente, a presença e consequente actuação das OSC’s a
partir da luta pela questão socioambiental são factores de extrema relevância nas sociedades
contemporâneas, pois concorrem positivamente para a construção da cidadania ambiental, tendo
como um dos instrumentos basilares a educação, cuja consecução acontece a vários níveis.
A última pergunta feita foi no sentido de acolher a sensibilidade dos beneficiários em
relação à KUWUKA JDA, nos seguintes termos: Gostaria de fazer mais um comentário acerca
da actuação da KUWUKA JDA na vossa comunidade/escola? As respostas foram as que arrolamos
abaixo.
Ordem Respondente Resposta
01 PI1 A KUWUKA JDA deve continuar a consciencializar as comunidades
em matérias ligadas e exploração dos recursos naturais,
especificamente no que concerne às indemnizações e compensação
justa para o bem-estar da comunidade.
02 PI2 Que a KUWUKA continue a operar, graças a KUWUKA posso
continuar a lutar não com os meus braços mas sim pelo conhecimento
que tenho adquirido da organização.
03 PT1 A Kuwuka deve continuar a fazer a advocacia junto das comunidades.
04 PT2 Sim. A KUWUKA é bem-vinda aqui. Deve continuar a nos apoiar.
05 MP1 Sim. A KUWUKA JDA deve continuar a fazer o seu trabalho aqui.
Isso nos ajuda muito. Queremos mais projectos para continuar a
cuidar bem do meio ambiente.
06 MP2 Sim, gostamos da presença da KUWUKA JDA na nossa
comunidade.
07 MC1 Encorajo a continuidade do trabalho da KUWUKA e que se alastre
para mais bairros da cidade e até para outros lugares do país.
08 MC2 Por mim a KUWUKA é sempre bem-vinda. Os membros da
KUWUKA têm boas formas de nos fazer compreender o que é bom e

223
o que é mau para o meio ambiente. Tem sido uma boa forma de
actuação.

As respostas da última pergunta mostram uma tendência consensual positiva relativamente


à actuação da KUWUKA JDA nas comunidades. De um modo geral, as respostas confirmam ou
reforçam as considerações feitas em relação à pergunta anterior. Esta tendência fortalece todos os
dados colhidos e apresentados nesta tese acerca do contributo da organização na construção da
cidadania ambiental em Moçambique.
De forma resumida, o presente capítulo mostrou que a KUWUKA JDA tem um plano
estratégico com 5 pilares; sendo 1. Governação e Participação; 2. Educação Ambiental e
Desenvolvimento Comunitário’3. Estudos e Pesquisas; 4. Advocacia e Comunicação; e 5.
Desenvolvimento Institucional e Sustentabilidade.
Dos 5 pilares, os primeiros três abordam a construção de cidadania ambiental, através de
acções de fortalecimento de capacidades dos cidadãos para sua activa participação na governação
ambiental, e especificamente dos recursos naturais (terra, florestas, marinhos, etc.). O segundo
pilar é o mais focado para cidadania ambiental, fortalecendo e sensibilizando especialmente as
comunidades rurais para práticas sustentáveis de gestão dos recursos naturais das quais dependem
para a sua subsistência.
Através do terceiro pilar, a KUWUKA JDA realiza estudos que ajudam a organização a
melhor compreender os fenómenos e recomendar boas práticas, incluindo como evidência para
uma advocacia ambiental informada, especialmente na implementação da legislação, que tem sido
um dos grandes desafios à sua implementação, como, por exemplo, em alguns projectos de
desenvolvimento, em que há falta de cumprimento da legislação ambiental, pois alguns projectos
são aprovados sem que tenha havido estudos de impacto ambiental. Acções deste género
representam um esforço para o equilíbrio de forças no processo de tomada de decisões sobre
questões ambientais ou projectos que afectem o ambiente e, por consequência, as comunidades.
No quarto pilar a KUWUKA JDA comunica as suas acções de advocacia ambiental para
um público maior, quer através da mídia, quer através de redes sociais; como por exemplo a
campanha de direitos ambientais de crianças e jovens e a participação nos processos de tomada de
decisão para o desenvolvimento. Esta estratégia de acção é uma evidência de uma prática
pedagógica fora do contexto escolar, pois, ao informar sobre suas acções, a organização pretende

224
que o público se aproprie delas e a partir daí se provoque uma transformação e mudança de atitude,
isto é, que as pessoas aprendam algo e se eduquem ou se reeduquem relativamente ao trato com o
ambiente.
A KUWUKA JDA engaja-se com actores de influência (oficiais do governo), a quem
pretende influenciar, e com os actores de criação de capacidade (cidadãos que pretende que
exerçam a cidadania ambiental e demandem seus direitos), que representam diferentes segmentos
da sociedade, desde estudantes, activistas comunitários, membros das organizações da sociedade
civil, funcionários públicos e alguns oficiais do governo, sector privado, órgãos de informação,
organizações comunitárias de base, grupos de jovens, crianças, entre outros e promove o seu
fortalecimento, quer através de sessões da capacitação/treinamento, quer através de debates; ou
através de treinamentos específicos em determinadas matérias sobre direitos ambientais, entre
outros.
Adicionalmente, a KUWUKA JDA estabelece parcerias com organizações com objectivos
consentâneos aos da organização e trabalha em rede para acções de advocacia conjunta ou
colectiva. Desta forma, troca experiências e conhecimentos, bem como a aprendizagem entre as
organizações, com o fim último de cada um contribuir com os seus conhecimentos, que são
passados aos beneficiários das acções da organização.
A KUWUKA JDA também estabelece parcerias com entidades do Estado, principalmente
ao nível dos distritos com os Serviços Distritais de Actividades Económicas e Serviços Distritais
de Infra-Estruturas. A organização trabalha também com organizações comunitárias locais e
lideranças comunitárias para a sensibilização e educação em cidadania ambiental.
Deve-se destacar também as parcerias estabelecidas com instituições de ensino superior,
como é o exemplo da Universidade Eduardo Mondlane (com a Faculdade de Educação e com o
Departamento de Ciências Biológicas, da Faculdade de Ciências) para algumas acções/projectos
em parceria, como foi o caso de Floresta Pesquisa Mangal, participação de comunidades na gestão
de invertebrados na Ilha de Inhaca. O outro exemplo é a parceria com a Universidade de Kent, no
Reino Unido, com a KUWUKA a implementar um projecto de turismo baseado na conservação
dos recursos naturais na região de Maputaland (Matutuine).
Outros exemplos no âmbito das parcerias, que a KUWUKA JDA leva/levou a cabo são: 1)
Realização do Seminário Coordenador sobre Educação Cívica Ambiental para Gestão
Harmonizada e Sustentável de Resíduos Sólidos Urbanos na Cidade de Maputo em parceria com

225
o CMCM e a Livaningo; 2) Capacitação dos secretários de 43 bairros do Município de Maputo
como activistas para a Campanha de Promoção da Saúde e Higiene Ambiental no Município de
Maputo em parceria com CMCM, MICOA, Livaningo e LVIA; 3) Exposição dos materiais e
trabalho sobre GRSU na Mostra Moçambicana de Ciência e Tecnologia, a convite do CMCM e
em parceria com LVIA, Fertiliza e Recicla.
Em todas as suas acções/actividades, a KUWUKA JDA apresenta um diferencial pelo facto
de as suas actividades se apoiarem num o trabalho vertical e horizontal, ou seja, desde a base até
advocacia política com os tomadores de decisão. A KUWUKA JDA trabalha com as comunidades
locais, como “laboratórios”, no terreno, para perceber como é que as políticas e legislação são
implementadas a favor dos direitos ambientais e como esses direitos são conhecidos e
compreendidos pelas comunidades locais, líderes comunitários e autoridades locais.
A KUWUKA JDA serve-se das experiências no terreno para advocacia, quer através de
fortalecimento de capacidades dos actores locais para que demandem seus direitos; bem como com
os tomadores de decisão para influenciá-los a respeitar e a implementar a legislação; ou através de
proposta de reforma quer seja legal ou institucional, incluindo participação nos processos de
revisão legislativa. Ao actuar desta forma, a KUWUKA JDA apresenta-se como uma força que
ombreia positivamente (na relação de forças) em prol do bem-estar socioambiental e da formação
de cidadãos ambientalmente educados, conhecedores e reconhecedores dos seus direitos e deveres
ambientais.
Para além de evidências de trabalho no terreno, a KUWUKA JDA realiza estudos de base,
ou colecta de informação de base que a utiliza como evidência para advocacia política. Desta
forma, a KUWUKA JDA faz uma ligação vertical entre a base e o topo, também promovendo
acções horizontais a nível local (distrital e provincial), capacitando e fortalecendo as comunidades
locais em matérias ambientais e formando-as para a consciência cívico-ambiental.
Por fim e adicionalmente, a KUWUKA JDA participa em fóruns regionais e internacionais,
o que lhe permite colher e partilhar experiências com parceiros noutros países, compreender e
trazer experiências regionais e internacionais, tendo em conta que o país é signatário de várias
convenções que obrigam a sua adopção através de domesticação nas leis nacionais. A estratégia
de actuação da KUWUKA JDA confere-lhe o diferencial com outras organizações congéneres, ao
se apresentar como influenciador nacional e internacional em prol de várias causas ambientais,
partilhando a hegemonia com as autoridades governamentais.

226
Em suma, o contributo da KUWUKA JDA abarca quase todos os aspectos relacionados
com a actuação da sociedade civil, entendida no sentido de Gramsci: hegemonia, prática
pedagógica e relação de forças. Mas importa salvaguardar que no aspecto da relação de forças, a
KUWUKA JDA não procura a “competição/rivalização”, mas busca estabelecer parcerias,
colaboração e coordenação, de modo que a sua luta pela cidadania ambiental seja frutífera, com
maior abrangência e eficácia.

227
CAPÍTULO V: CONCLUSÃO
A partir da segunda metade do século XX até aos nossos dias verifica-se o surgimento e
aumento de (grandes) problemas ambientais globais, que conduziram a uma crise socioambiental
global, a partir da década de 1960. Esta situação provocou e ainda provoca debates/reflexões em
torno da construção e consolidação da cidadania ambiental. Um dos lugares acertados para a
discussão do assunto é o concerto das nações, sob tutela da ONU, que tem promovido, incentivado
e realizado uma série de encontros em prol da saúde do meio ambiente, como é o caso das várias
conferências sobre o meio ambiente nas quais quase sempre se destaca a relevância do papel das
Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) na educação (ambiental ou) para a cidadania ambiental.
A Sociedade Civil apresenta-se como espaço de reivindicação da hegemonia, de práticas
pedagógicas e de equilíbrio de relação de forças, como refere Gramsci nos Cadernos do Cárcere
e outros escritos. É neste âmbito que surgem OSC’s interessadas e dedicadas à
solução/redução/mitigação dos problemas ambientais, dando um contributo significativo na
educação para a construção da cidadania ambiental. No processo de educação para a cidadania
ambiental, as Organizações da Sociedade Civil desempenham o papel de prestação de serviços, de
influência de políticas e práticas de educação. As OSC’s têm o papel de promover uma educação
para os direitos sociais e económicos dos cidadãos. Além disso, as OSC’s contribuem na promoção
de uma educação para a cidadania ambiental que consciencializa e envolve capacidade crítica,
diálogo e a assimilação de saberes distintos que possam ajudar a compreender a nossa realidade e
melhorar as nossas condições de (qualidade) vida.
A educação para a cidadania ambiental apresenta-se como um elemento determinante na
formação de indivíduos participantes e activos para assumirem a responsabilidade de cumprir seus
deveres e lutar por seus direitos. As OSC’s desempenham um papel relevante no contexto de
educação para a cidadania ambiental tendo em conta que elas também têm como enfoque a
construção de conhecimentos. As OSC’s têm o papel de buscar recursos e alternativas para resolver
problemas causados pela globalização, na tentativa de garantir a sustentabilidade, a justiça social
e o equilíbrio ambiental para as presentes e futuras gerações.
A educação é fundamental na construção da comunhão entre a vida humana e o planeta
Terra em sua totalidade, pois a educação é um processo contínuo que dura toda a vida. Educar é
criar espaços de convivências e de conversações, é levar o indivíduo humano a conhecimento de
seu mundo no respeito e na reflexão e não negá-lo ou destruí-lo, tornando-o capaz de se envolver

228
sistematicamente na gestão dos negócios da comunidade, dando-lhe sentido de responsabilidade e
cidadania. Assim, o conhecimento levará ao entendimento, à compreensão e a uma acção
harmoniosa e ajustada com os outros e com o meio envolvente.
Portanto, a educação para a cidadania ambiental é relevante na medida em que contribui na
formação para a transformação do indivíduo em pessoa e em cidadão; é um subsídio para melhorar
a qualidade de vida e do ambiente; possibilita um aumento do nível de consciência ambiental; a
educação ambiental como formação e exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de
encarar a relação do Homem com a Natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe valores
morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens, na perspectiva de uma cabeça bem-
feita preconizada por Morin ou do terceiro instruído idealizado por Serres.
Relativamente aos problemas ambientais contemporâneos, no contexto da educação para a
cidadania ambiental, as organizações da sociedade civil (OSC’s), enquanto instituições de
educação, desempenham um papel preponderante, uma vez que se apresentam como
disseminadores da educação ambiental que ajuda a identificar os problemas que afectam a
qualidade de vida das pessoas, além de encontrar soluções e alternativas para resolver as questões
ambientais que afectam as comunidades. De forma mais específica, as OSC’s ambientais são
fundamentais no processo de aprofundamento e expansão das acções de educação ambiental, pois,
muitas vezes, impulsionam iniciativas governamentais e dão apoio às organizações de iniciativa
privada interessada no desenvolvimento de projectos nesta área. Estas organizações fazem parte
do grupo de interessados preocupados com a problemática ambiental.
As OSC’s ajudam na fundamentação e desenvolvimento de valores igualitários e aptidões
voltadas para a precaução ambiental, com a intenção de garantir uma condição de vida saudável
para as gerações actuais e futuras, compreendendo, deste modo, uma dimensão humanitária,
holística, interdisciplinar e democrática da protecção ambiental. Isto é possível com a contribuição
de uma educação para a cidadania ambiental que, parafraseando Reigota (2004), na escola ou fora
dela continuará a ser uma concepção radical de educação, não porque prefere ser a tendência
rebelde do pensamento educacional contemporâneo, mas sim porque nossa época e nossa herança
histórica e ecológica exigem alternativas radicais, justas e pacíficas.
As OSC’s proporcionam uma educação para a cidadania ambiental que pode estimular uma
racionalidade moral e ecológica e promovendo atitudes e valores subjectivos de aprendizados
sociais compatíveis com a sustentabilidade da vida na Terra.

229
Com a educação para a cidadania ambiental, as OSC’s contribuem com acções reflexivas
e conscientes nas mudanças éticas para a transformação da mentalidade humana, pois essa
transformação influi directamente na percepção e no comportamento, para que os seres humanos
aprendam a pensar ambientalmente, isso deverá reajustar o comportamento humano na construção
de uma verdadeira harmonia entre os seres humanos, a sociedade e a Natureza, como diz Serres
(1994). E essa transformação por meio da educação deverá contribuir na mudança do carácter
humano, social e ecológica na qual se estimule a formação de sociedades justas e ecologicamente
equilibradas.
O esforço mundial para a construção da cidadania ambiental também se faz sentir em
Moçambique, ainda que de forma difusa e com uma fraqueza notável, pois o país ainda está nos
primeiros passos, o que leva a que haja lacunas a nível da legislação, da atitude/comportamento
dos indivíduos, da responsabilização, da falta de uma estratégia nacional de educação ambiental,
da corrupção entre os que seriam guardiões da causa ambiental, da pobreza que resulta em
fragilidade económica e consequente vulnerabilidade para o aliciamento das comunidades para a
prática de acções anti-ambientais.
Apesar das dificuldades/fraquezas acima descritas, no contexto moçambicano, há uma
emergência de uma sociedade civil interessada com a causa ambiental, o que se efectiva a partir
da actuação de várias OSC’s que se empenham na construção e promoção da cidadania ambiental,
através de programas e projectos. Um dos exemplos dessas organizações é a KUWUKA JDA JDA,
que toma a educação ambiental como um instrumento sério e eficaz para a sensibilização e
mudança de comportamento dos indivíduos em relação ao meio ambiente.
Tanto para a KUWUKA JDA quanto para as outras OSC’s moçambicanas e mundiais, a
educação é a chave e a palavra forte, sendo por isso muito importante/relevante no alcance da
cidadania ambiental. Para estas organizações, a educação para a cidadania apresenta-se como um
elemento determinante na formação de indivíduos participantes e activos para assumirem a
responsabilidade de cumprir seus deveres e lutar por seus direitos. Por consequência, a educação
para a cidadania ambiental ajuda a perceber que não se deve separar os seres humanos dos outros
seres da Natureza, que constituem o meio ambiente natural.
Na esteira do que se disse acima, a KUWUKA JDA tem dado um contributo notável em
prol da mitigação dos problemas ambientais em Moçambique, no campo da cidadania ambiental,

230
partindo da educação cívica e ambiental junto das comunidades e intervindo junto das autoridades
no sentido de alertá-las e apoiá-las relativamente aos problemas em alusão.
Relativamente à experiência da KUWUKA JDA, foi possível perceber que esta
organização da sociedade civil busca o fortalecimento das capacidades das comunidades locais
para gestão sustentável dos recursos florestais, conservação ambiental e reflorestamento, que inclui
o estabelecimento, reactivação e treinamento dos Comités Comunitários de Gestão de Recursos
Naturais, sobre boas práticas de gestão dos recursos florestais, conservação da biodiversidade e
sua importância na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Adicionalmente, os membros dos comités de gestão contribuem na educação cívica
ambiental, principalmente, na sensibilização contra práticas prejudiciais ao ambiente e à
conservação da flora e fauna nas comunidades (queimadas descontroladas, abate indiscriminado
das árvores, caça furtiva, em particular as espécies protegidas, etc.).
O fortalecimento supracitado inclui também a construção de estufas comunitárias para
produção de mudas para o reflorestamento, entre nativas e fruteiras. Como resultado de impacto,
as plantas produzidas nas estufas comunitárias contribuem para o equilíbrio ecológico, bem como
para o melhoramento da dieta alimentar através de consumo da fruta.
A KUWUKA JDA empenha-se no fortalecimento da capacidade da sociedade civil para a
participação activa na promoção da boa governação dos recursos naturais e indústria extractiva em
Moçambique, através do treinamento das comunidades para monitoria do impacto da indústria
extractiva nos locais da sua instalação.
Pela acção da KUWUKA JDA, as comunidades são empoderadas para a gestão sustentável
dos recursos florestais através do estabelecimento e treinamento dos Fóruns de Comités de Gestão
dos Recursos Naturais de que coordenam as actividades de sensibilização comunitária. O
empoderamento das comunidades incluiu a produção de manuais de treinamento dos activistas
comunitários sobre o maneio sustentável dos recursos florestais e participação comunitária.
Assim, as comunidades locais participam activamente e de forma transparente nos
processos de governação e de desenvolvimento na área de terras, ambiente e recursos naturais. Da
mesma forma, as Organizações da Sociedade Civil participam activamente nos processos de
governação, no empoderamento das comunidades locais e dos cidadãos e na implementação de
programas de desenvolvimento na área de terras, ambiente e recursos naturais.

231
Influenciadas e apoiadas pela KUWUKA JDA, várias organizações da sociedade civil
(OSC’s) promovem o desenvolvimento da educação cívica e ambiental das comunidades locais
com o envolvimento e a participação activa de homens e mulheres de todas as faixas etárias.
Importa referir que as OSC’s participam e coordenam os processos de advocacia pela boa
governação e pelos direitos das comunidades locais e dos cidadãos no domínio da governação de
terras, ambiente e exploração dos recursos naturais.
Convêm salientar que, em suma, o contributo da KUWUKA JDA abarca quase todos os
aspectos relacionados com a actuação da sociedade civil, entendida no sentido de Gramsci:
hegemonia, prática pedagógica e relação de forças. Mas importa salvaguardar que no aspecto da
relação de forças, a KUWUKA JDA não procura a “competição/rivalização”, mas busca
estabelecer parcerias, colaboração e coordenação, de modo que a sua luta pela cidadania ambiental
seja frutífera, com maior abrangência e eficácia.
Assim, o contributo da KUWUKA JDA enquadra-se nas cinco categorias dos objectivos
da educação ambiental propostas pela Conferência de Tbilisi, realizada em 1977, como já se fez
referência no capítulo anterior. Vale, aqui, relembrar as categorias: (1) Consciência: Ajudar grupos
sociais e indivíduos a adquirirem uma consciência do meio ambiente global, sensibilizando-os para
essas questões; (2) Conhecimentos: Ajudar grupos sociais e indivíduos a adquirirem experiências
diversas e uma compreensão fundamental do meio e problemas afins; (3) Comportamento: Ajudar
grupos sociais e indivíduos a se comportarem de acordo com uma série de valores e a criarem
interesse e preocupação em relação ao meio ambiente, motivando-os de tal maneira que venham a
participar activamente da sua melhoria e protecção; (4) Aptidões: Ajudar grupos sociais e
indivíduos a adquirirem as aptidões necessárias para determinar e resolver os problemas
ambientais; (5) Participação: Proporcionar aos grupos sociais e indivíduos a possibilidade de
participarem activamente de tarefas voltadas para a solução dos problemas ambientais.
Para terminar, importa elencar algumas recomendações que poderão ser úteis para o bem
do meio ambiente em Moçambique. O país precisa de uma estratégia nacional de educação
ambiental: a nível dos conteúdos curriculares (nas diferentes disciplinas); a nível da organização
das escolas – regulamentos que incluem a obrigatoriedade da observância da atitude pro-ambiente
por parte de toda a comunidade escolar; redimensionamento/adaptação das escolas para padrões
ambientais; as novas construções escolares devem incluir de forma obrigatória o compromisso
com a questão ambiental.

232
Na gestão dos solos, nos bairros, cidades e aldeias, que se legisle sobre o uso sustentável
da Terra e dos recursos nela existentes. Que se promova a formação cívico-ambiental formal e
informal. Que se aglutine os vários quadros formados em matéria ambiental ou que trabalham em
sectores ligados directa ou indirectamente com o meio ambiente: gestores e educadores ambientais,
arquitectos, técnicos de planeamento físico urbano, entre outros. Deve ser feita a
consciencialização ambiental que abarque todos os segmentos da sociedade nos seus diversos
sectores de actividade. Mais do que nunca, é preciso trabalhar com a educação ambiental que
comece pelo esclarecimento do conceito ambiente como espaço no qual os homens também fazem
parte, em que os homens não se posicionam fora dele e não o vejam como uma realidade extra-
humana.

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ANEXOS

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I – DOCUMENTOS DE CARÁCTER ADMINISTRATIVO

1. Carta de Apresentação à Direcção da KUWUKA JDA

Exmo. Senhor Director Executivo da KUWUKA JDA - Maputo

Sou Ângelo Correia Nhancale, estudante do Curso de Doutoramento na Faculdade de Educação


da Universidade Eduardo Mondlane.
No âmbito do meu programa de formação, já em curso, pretendo levar a cabo uma pesquisa cujo
objectivo é delinear perspectivas de reflexão e análise da construção de uma cidadania ambiental
em Moçambique, olhando para o trabalho das organizações da sociedade civil no contexto da
educação. Para isso, irei apresentar dois guiões de entrevista, um a ser aplicado aos membros,
colaboradores e gestores da organização, e outro a ser aplicado aos beneficiários das acções da
organização. Esta actividade será igualmente monitorada e avaliada por todos os participantes, de
forma a melhorar e tornar mais robustos os resultados da análise e reflexão sobre a cidadania
ambiental em Moçambique
Para o alcance e êxito do escopo da pesquisa, a abertura e colaboração da instituição que vossa
Excia dirige é crucial.
Queira, por favor, encontrar, em anexo, a descrição resumida do projecto de pesquisa em
referência, os guiões de questionários-entrevistas e o termo de consentimento informado.
Antecipadamente agradeço a sua colaboração e cooperação.

Com os melhores cumprimentos.

Ângelo Correia Nhancale

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2. Resumo do Projecto Para a KUWUKA JDA

O presente projecto de pesquisa, intitulado O Papel das Organizações da Sociedade Civil na


Educação para Cidadania Ambiental em Moçambique: o caso da KUWUKA JDA, procura
delinear perspectivas de reflexão e análise da construção de uma cidadania ambiental em
Moçambique, olhando para o trabalho das organizações da sociedade civil no contexto da
educação, cujas actividades focalizam problemas relacionados à degradação ambiental, resultante,
principalmente, da acção humana.

Nessa ordem de pensamento, propõe-se uma educação de convivência voltada ao outro e ao meio
em que se vive, viabilizando a alteridade, além de condições de agradabilidade e de convivência
equilibrada entre os seres vivos. Neste sentido, a educação deve auxiliar os cidadãos na formação
de uma consciência ecológica, pois todos precisam tomar consciência de que o futuro humano está
interligado ao meio ambiente, fonte de todos os recursos que subsidiam a vivência da humanidade
e, para que isso ocorra, “é necessário praticar acções ecologicamente correctas” (cf. Gomes, Dos
Santos e Aparecida, 2018, p. 225).

Nessa perspectiva, a educação revela-se importante, pois, como referem Grubba, Pellenz e De
Bastiani (2017, p. 10), ela permite a superação constante de “paradigmas direccionados à
tecnologia, à ciência e à racionalidade, pois não parece certo afirmar que cabe à técnica figurar
como tábua de salvação aos problemas instaurados, ou ainda, o remédio para a crise”. O novo
paradigma da modernidade deve ser a sustentabilidade, cujo suporte passa pela educação dos
indivíduos, particularmente objectivando-se o cuidado com o meio ambiente, capitalizando-se a
cidadania ambiental.

Nesse sentido, a educação ambiental representa um instrumento essencial para superar os actuais
impasses da nossa sociedade. A relação entre meio ambiente e educação para a cidadania assume
um papel cada vez mais desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender
processos sociais que se complexificam e riscos ambientais que se intensificam (cf. Fernandes,
2010).

Nesse contexto (da educação ambiental), as organizações da sociedade civil (OSC’s), enquanto
instituições de educação, desempenham um papel preponderante, uma vez que se apresentam

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como disseminadores da educação ambiental que ajuda a identificar os problemas que afectam a
qualidade de vida das pessoas, além de encontrar soluções e alternativas para resolver as questões
ambientais que afectam as comunidades (cf. Fernandes, 2010).

De forma mais específica, as OSC’s ambientais têm desempenhado um papel importante no


processo de aprofundamento e expansão das acções de educação ambiental, muitas vezes,
impulsionam iniciativas governamentais e dão apoio às organizações de iniciativas privadas
interessadas no desenvolvimento de projectos nesta área. Estas organizações fazem parte do grupo
de interessados preocupados com a problemática ambiental (cf. Tristão & Tristão, 2016, p. 49).

Assim, supomos que a KUWUKA alinha no processo de educação para a cidadania ambiental e
julgamos que desempenha ou pode desempenhar um papel importante na mudança de atitude de
muitos moçambicanos. Estas são algumas considerações que serão desenvolvidas ao longo da
pesquisa, que desembocará na apresentação do contributo da KUWUKA na construção da
cidadania ambiental em Moçambique.

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Faculdade de Educação
3. TERMO DE CONSENTIMENTO PARA A RECOLHA DE DADOS

Eu, ____________________________________ (função/cargo) da KUWUKA JDA, declaro


que:

1. Fui informado/a de forma cabal do objectivo da pesquisa a ser acolhida nesta


escola/instituição/comunidade;
2. Fui devidamente esclarecido do tipo de pesquisa e da metodologia a ser usada, bem como
do resultado a alcançar;
3. Compreendi que a participação na pesquisa é voluntária e que, se assim o entender,
qualquer participante poderá se desvincular da pesquisa, a qualquer momento, sem
questionamentos nem penalização;
4. Compreendi que se tiver perguntas a fazer, poderei contactar a qualquer momento o
investigador: Ângelo Correia Nhancale, pelo Tel: 824905850
Assinatura
_______________________________

Maputo aos 04 de Dezembro 2020

Eu, Ângelo Correia Nhancale, confirmo a submissão de um documento informativo sobre a


pesquisa, e autorização para a recolha de dados na KUWUKA JDA.
Mais declaro que expliquei com clareza:
1. Sobre a finalidade e métodos da pesquisa;
2. Que o envolvimento dos participantes é sob seu consentimento livre e informado;
3. Sobre a natureza confidencial da informação recolhida;
4. Sobre os trâmites da publicação dos resultados.
Assinatura do investigador __________________________________

Maputo, aos 04 de Dezembro de 2020

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II – INSTRUMENTOS DE RECOLHA DE DADOS

1. Questionário para os Gestores e Colaboradores da KUWUKA JDA

Chamo-me Ângelo Correia Nhancale, Doutorando em Educação na Universidade Eduardo


Mondlane, com o tema da pesquisa: O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação
para Cidadania Ambiental em Moçambique: o caso da KUWUKA JDA. Este questionário visa a
recolha de dados para a fundamentação das ideias que corporizarão o texto da tese sobre o tema
supracitado. O questionário é de carácter confidencial, o que confere a salvaguarda da identidade
do respondente e liberdade nas suas respostas. Nesta perspectiva, agradece-se que as respostas
sejam dadas aberta e sinceramente, de modo a ajudar na autenticidade da pesquisa.

*Doravante, usar-se-á a sigla OSC, que significa Organização da Sociedade Civil.


I - Sobre a emergência do problema ambiental e a relevância de uma educação para a
cidadania ambiental:
1. Quando é que emerge (a discussão/o debate sobre) o problema ambiental?
2. Qual é a percepção que tem sobre os conceitos educação, cidadania e cidadania ambiental?
3. Acha que uma educação para a cidadania ambiental é relevante? Porquê?
4. Quais são os principais problemas ambientais globais do mundo contemporâneo?

II – Sobre o papel das organizações da sociedade civil na educação para a cidadania


ambiental:
1. Em que aspectos da educação as OSC’s dão (podem dar) o seu contributo?
2. Qual é a relação que as OSC’s tem com as instituições governamentais no processo da educação
para a cidadania?
3. Que papel as OSC’s podem desempenhar na educação para a cidadania ambiental?

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4. Como é que as OSC’s actuam na educação para a cidadania ambiental?

III - Sobre a cidadania ambiental em Moçambique:


1. Quais são (como se configuram) os (principais) problemas ambientais em Moçambique, hoje?
2. Pode-se falar da existência da cidadania ambiental em Moçambique?
3. Qual é o estágio (actual) da (tal) cidadania ambiental em Moçambique?
4. Conhece alguma legislação, tratado ou convenção (nacional e internacional) sobre o ambiente
produzida+o) /adoptado+a) em Moçambique?

IV - Sobre o contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma cidadania


ambiental em Moçambique:
1. Fale resumidamente sobre a KUWUKA JDA (missão, visão, perfil...).
2. O que é que a KUWUKA JDA tem feito face aos problemas ambientais em Moçambique?
3. Como é que a KUWUKA JDA contribui/pode contribuir (qual é o contributo da KUWUKA
JDA) na educação para a construção de uma cidadania ambiental em Moçambique?
4. Quais são as áreas de actuação da KUWUKA JDA que visam a (educação) construção da
cidadania ambiental?
5. No âmbito da educação para a cidadania ambiental como é que a KUWUKA JDA
actua/intervém?
6. Existe na KUWUKA JDA um sector/departamento que trabalha especificamente com questões
ligadas à educação (para a cidadania) ambiental? Se sim, quais são os seus objectivos?
7. Conhece outras OSC’s que trabalham em prol da (educação para a) cidadania ambiental?
8. Se a resposta em 7 é sim, qual é o diferencial da KUWUKA JDA em relação às outras OSC’s?

N.B. Pode apresentar outros aspectos que julga relevantes e pertinentes para ajudar a elucidar as
questões acima.

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2. Questionário para os Beneficiários das Acções da KUWUKA JDA

Chamo-me Ângelo Correia Nhancale, Doutorando em Educação na Universidade Eduardo


Mondlane, com o tema da pesquisa: O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação
para Cidadania Ambiental em Moçambique: o caso da KUWUKA JDA. Este questionário visa a
recolha de dados sobre o contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma
cidadania ambiental em Moçambique. O questionário é de carácter confidencial, o que confere a
salvaguarda da identidade do respondente e liberdade nas suas respostas, baseando-se no termo de
consentimento livre e informado. Nesta perspectiva, agradece-se que as respostas sejam dadas
aberta e sinceramente, de modo a ajudar na autenticidade da pesquisa.

1. Conhece a KUWUKA JDA?


2. Quais são as acções que a KUWUKA JDA tem realizado da vossa comunidade/escola?
3. Qual é o contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma cidadania
ambiental na vossa comunidade/escola?
4. Quais são os benefícios que a comunidade/escola tem com as acções da KUWUKA?
5. Como tem sido a reacção da comunidade/escola (alunos e professores) em relação à actuação
da KUWUKA JDA?
6. Que lições tem aprendido com a actuação da KUWUKA JDA na vossa comunidade/escola?
7. Gostaria de fazer mais um comentário acerca da actuação da KUWUKA JDA na vossa
comunidade/escola?

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3. Questionário para os Beneficiários das Acções da KUWUKA JDA

Chamo-me Ângelo Correia Nhancale, Doutorando em Educação na Universidade Eduardo


Mondlane, com o tema da pesquisa: O Papel das Organizações da Sociedade Civil na Educação
para Cidadania Ambiental em Moçambique: o caso da KUWUKA JDA. Este questionário visa a
recolha de dados sobre o contributo da KUWUKA JDA na educação para a construção de uma
cidadania ambiental em Moçambique. O questionário é de carácter confidencial, o que confere a
salvaguarda da identidade do respondente e liberdade nas suas respostas, baseando-se no termo de
consentimento livre e informado. Nesta perspectiva, agradece-se que as respostas sejam dadas
aberta e sinceramente, de modo a ajudar na autenticidade da pesquisa.

1. Conhece a KUWUKA JDA? Se sim, desde quando?


2. Em que áreas a KUWUKA JDA actua na vossa comunidade/escola?
3. Quais são as acções concretas (nessas áreas) que a KUWUKA JDA tem realizado da vossa
comunidade/escola?
4. Como é que a KUWUKA JDA actua na vossa comunidade/escola
5. Como avalia as acções da KUWUKA JDA na vossa comunidade/escola? Porquê?
6. Que lições têm aprendido com a actuação da KUWUKA JDA na vossa comunidade/escola?
7. Gostaria de fazer mais um comentário acerca da actuação da KUWUKA JDA na vossa
comunidade/escola?

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IV – FOTOGRAFIAS (Cortesia da KUWUKA JDA)

1. Membros de um Clube Ambiental Escolar da Cidade de Maputo

2. Jornada de Plantio de Árvores numa Escola na Cidade de Maputo

3. Jornada de Limpeza nas Valas de Drenagem na Cidade de Maputo

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4. Momento da realização de uma palestra na com alunos da EPC Vilanculos-Sede sobre
Mudanças Climáticas

5. Comunidades de Moatize, em plena capacitação prática sobre o fabrico de fogões melhorados

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6. Membros do Comité de Gestão de Recursos Florestais da Comunidade de Nhambalualu

7. Inauguração da Estufa Comunitária de Manhangane

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Momentos da auscultação de crianças, jovens e parceiros no distrito de Jangamo
sobre os direitos ambientais e de participação de crianças e jovens nos processos
de tomada de decisão nas diferentes plataformas locais de participação
instituídas pelo governo

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