Contos para Leitor Iniciante (6-7)

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ESPECIAL CONTOS

Leitor
Iniciante
Introdução
Os contos reunidos aqui são indicados para uma leitura

compartilhada, ou seja, realizada coletivamente, em voz

alta, pelo professor para crianças em fase de alfabetização.

A seleção é proposta por Maria José Nóbrega, formadora do

Instituto Vera Cruz, em São Paulo (SP), com base no livro

Literatura Infantil - Teoria, Análise, Didática (2002), de Nelly

Novaes Coelho (1922- 2017).

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Para saber mais sobre o gênero dos contos,

seus subgêneros e como explorar esses textos

em sala de aula, acesse aqui.

QUEM SÃO OS LEITORES INICIANTES?

Estudantes do 1º e 2º anos do Ensino Fundamental.

Nessa fase, as crianças ampliam seu contato com a

expressão escrita da linguagem verbal. A curiosidade

sobre esse universo cultural e o mundo que se

descortina por meio do reconhecimento da palavra

escrita ganha algum espaço sobre a imagem, sendo

que a última ainda deve predominar. Essa é a fase de

socialização e de racionalização da realidade.

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ÍNDICE

LEITURA COMPARTILHADA

8 Folhas secas, de Chico dos bonecos

13 Um encontro fantástico, de João

Anzanello Carrascoza

19 Sobrou para mim, de Ruth Rocha

25 Moinho dos sonhos, de João

Anzanello Carrascoza

32 A Luva, de Tatiana Belinky

37 Não somos figurinhas, de Claudia

Werneck

42 Casa de vô, de Beatriz Vichessi

49 Dona Cotinha, Tom e Gato Joca,

de Cléo Bussato

55 Para contar estrelas,

de André Martini
FOLHAS LEITURA COMPARTILHADA

SECAS CHICO DOS BONECOS

IVAN ZIGG

EU ESTAVA DANDO UMA AULA DE MATEMÁTICA E TODOS

OS ALUNOS ACOMPANHAVAM ATENTAMENTE. TODOS?

QUASE. CAROLINA EQUILIBRAVA O APONTADOR NA

PONTA DA RÉGUA, LUCAS RECOLHIA AS BORRACHAS

DOS VIZINHOS E CONSTRUÍA UM PRÉDIO, RENATA

CONFERIA AS CANETAS E OS LÁPIS DO SEU ESTOJO

VERMELHÍSSIMO E HÉLDER OLHAVA PARA O PÁTIO.

O PÁTIO? O QUE ACONTECIA NO PÁTIO? APÓS O RECREIO,

DONA NATÁLIA VARRIA CALMAMENTE AS FOLHAS SECAS

E AMONTOAVA E GUARDAVA TUDO DENTRO DE UM

ENORME SACO PLÁSTICO AZUL.

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TERMINANDO O VARRE-VARRE, DONA NATÁLIA

AMARROU A BOCA DO SACO PLÁSTICO E ESTACIONOU

AQUELE BAFUÁ DE FOLHAS SECAS PERTO DO PORTÃO.

HÉLDER OBSERVAVA ATENTAMENTE. E EU OBSERVAVA

A OBSERVAÇÃO DE HÉLDER – SEM DESCUIDAR DA

MINHA AULA DE MATEMÁTICA. DE REPENTE, HÉLDER FOI

ARREGALANDO OS OLHOS E FRANZINDO A TESTA.

QUAL O MOTIVO DO ESPANTO?

HÉLDER PERCEBEU ALGUMA COISA NO MEIO DAS FOLHAS

MOVENDO-SE DESESPERADAMENTE, COM AFLIÇÃO,

SUFOCO, FALTA DE AR. HÉLDER BUSCAVA INTERPRETAÇÕES

PARA A CENA, ANALISAVA POSSIBILIDADES, MAS O PERFIL

DO PASSARINHO JÁ SE DELINEAVA NA TRANSPARÊNCIA

AZUL DO PLÁSTICO. UM PÁSSARO NOVO CAIU DO NINHO E

FOI CONFUNDIDO COM AS FOLHAS SECAS E FOI VARRIDO

E AGORA LUTAVA PELA LIBERDADE.

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– ELE TÁ PRESO!

O GRITO DE HÉLDER INTERROMPEU O FINAL DA

MULTIPLICAÇÃO DE 15 POR 127. TODOS OS ALUNOS

OLHARAM PARA O PÁTIO. E TODOS NÓS CONCORDAMOS,

SEM PALAVRAS: O BICO DO PASSARINHO TENTAVA

ROMPER AQUELA ESTRANHA PELE AZUL. HÉLDER SAIU DA

SALA E NÓS FOMOS ATRÁS. E ANTES QUE EU PUDESSE

PRONUNCIAR A PRIMEIRA SÍLABA DA PALAVRA “CALMA”, O

SACO PLÁSTICO SIMPLESMENTE EXPLODIU, AS FOLHAS

VOARAM E AS CRIANÇAS PULARAM DE ALEGRIA.

ALGUNS ALUNOS DIZEM QUE HAVIA DOIS PASSARINHOS

PRESOS. OUTROS VIRAM TRÊS PASSARINHOS VOANDO

FELIZES E AGRADECIDOS. LUCAS DIZ QUE ERA UM BEIJA-

FLOR. RENATA INSISTE QUE ERA UMA CIGARRA. EU,

SINCERAMENTE, SÓ VI FOLHAS SECAS VOANDO.

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PARA CONCLUIR ESTA INESQUECÍVEL AULA DE

MATEMÁTICA, PEGAMOS VASSOURAS, PÁS E SACOS

PLÁSTICOS E FOMOS VARRER NOVAMENTE O PÁTIO.

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UM LEITURA COMPARTILHADA

ENCONTRO JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA

FANTÁSTICO
IVAN ZIGG

TODOS OS ANOS ELES SE REUNIAM NA FLORESTA,

À BEIRA DE UM RIO, PARA VER A QUANTAS ANDAVA A

SUA FAMA. ERAM CRIATURAS FANTÁSTICAS E CADA

UMA VINHA DE UM CANTO DO BRASIL. O SACI-PERERÊ

CHEGOU PRIMEIRO. MOLEQUE PRETINHO, DE UMA

PERNA SÓ, BARRETE VERMELHO NA CABEÇA, VEIO

MANQUITOLANDO, SENTOU-SE NUMA PEDRA E ACENDEU

SEU CACHIMBO. LOGO APONTOU NO CÉU A SERPENTE

EMPLUMADA E ATERRISSOU AOS SEUS PÉS. DO MEIO

DAS FOLHAGENS, SALTOU O LOBISOMEM, A CARA TODA

PELUDA, OS DENTES AFIADOS, ENORMES. NÃO TARDOU,

O TROPEL DE UM CAVALO ANUNCIOU O NEGRINHO DO

PASTOREIO MONTADO EM PÊLO NO SEU BAIO.

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– SÓ FALTA O BOTO – DISSE O SACI, IMPACIENTE.

– SE TIVESSE ALGUMA MOÇA AQUI, ELE JÁ TERIA

CHEGADO PARA SEDUZI-LA – COMENTOU A SERPENTE

EMPLUMADA.

– TAMBÉM ACHO – CONCORDOU O LOBISOMEM. – SÓ

QUE EU JÁ A TERIA APAVORADO.

OUVIRAM NESSE INSTANTE UM RUMOR À MARGEM DO

RIO. ERA O BOTO SAINDO DAS ÁGUAS NA FORMA DE UM

BELO RAPAZ.

– AGORA ESTAMOS TODOS – DISSE O NEGRINHO DO

PASTOREIO.

– E ENTÃO? – PERGUNTOU O BOTO, SAUDANDO O

GRUPO. – COMO ESTÃO AS COISAS?

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– DIFÍCEIS – RESPONDEU O SACI E SOLTOU UMA

BAFORADA. – NÃO ASSUSTEI MUITA GENTE NESTA

TEMPORADA.

– EU TAMBÉM NÃO – EMENDOU A SERPENTE

EMPLUMADA. – PARECE QUE AS PESSOAS LÁ NO

NORDESTE NÃO TÊM MAIS TANTO MEDO DE MIM.

– LÁ NO NORTE SE DÁ O MESMO – DISSE O BOTO. – EM

ALGUNS LOCAIS, AINDA ATRAIO AS MULHERES, MAS EM

OUTROS ELAS NEM LIGAM.

– COMIGO ACONTECE IGUAL – DISSE O NEGRINHO DO

PASTOREIO. – VIVO A ACHAR COISAS QUE AS PESSOAS

PERDEM NO SUL. MAS NÃO ATENDI MUITOS PEDIDOS

ESTE ANO.

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– SEU CASO É DIFERENTE – DISSE O LOBISOMEM.

– VOCÊ NÃO É ASSUSTADOR COMO EU, O SACI E A

SERPENTE EMPLUMADA. VOCÊ É UM HERÓI.

– MAS A DIFICULDADE É A MESMA – DISCORDOU O

NEGRINHO DO PASTOREIO.

– ACHO QUE É A CONCORRÊNCIA – DISSE O BOTO. –

ANDAM APARECENDO MUITOS HERÓIS E VILÕES NOVOS.

– POIS É – RESMUNGOU A SERPENTE EMPLUMADA. –

ATÉ BRUXAS ANDAM IMPORTANDO. TEM MONSTROS

DEMAIS POR AÍ...

– SÃO TODOS PRODUZIDOS POR HOMENS DE NEGÓCIOS

– DISSE O SACI. – É MODA. VAI PASSAR...

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– ESPERO – DISSE O LOBISOMEM. – BONS AQUELES

TEMPOS EM QUE EU REINAVA NO PAÍS INTEIRO, NÃO SÓ

NO CERRADO.

– A DIFERENÇA É QUE SOMOS AUTÊNTICOS – DISSE O

NEGRINHO DO PASTOREIO. – NÓS NASCEMOS DO POVO.

– É VERDADE – DISSE O BOTO. – MAS TEMOS DE

REFRESCAR A SUA MEMÓRIA.

– SE PEGARMOS NO PÉ DE UNS ESCRITORES, A COISA

PODE MELHORAR – DISSE A SERPENTE EMPLUMADA.

– EU CONHEÇO UM – DISSE O SACI. – VAMOS JUNTOS

ATRÁS DELE! – E FOI O PRIMEIRO A SE MANDAR, A MIL

POR HORA, EM UMA PERNA SÓ.

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SOBROU LEITURA COMPARTILHADA

PRA MIM RUTH ROCHA

SUPPA

QUANDO EU TINHA UNS 8 ANOS, MAIS OU MENOS,

EU MORAVA COM MINHA AVÓ E COM A IRMÃ DELA,

TIA EMÍLIA. NOSSA RUA ERA SOSSEGADA, QUASE NÃO

PASSAVA CARRO NEM CAMINHÃO.

EU IA À ESCOLA DE MANHÃ E DE TARDE EU FAZIA

MINHAS LIÇÕES E IA PRA RUA BRINCAR COM MEUS

AMIGOS.

ÀS CINCO E MEIA EM PONTO MINHA AVÓ ME CHAMAVA

PARA TOMAR BANHO E REZAR, MINHA AVÓ E MINHA TIA

REZAVAM TODAS AS TARDES ÀS SEIS HORAS.

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DEPOIS DO JANTAR FICÁVAMOS NA SALA, EU, LENDO,

MINHA AVÓ E MINHA TIA BORDANDO OU COSTURANDO.

TELEVISÃO A GENTE SÓ VIA UMA VEZ OU OUTRA.

MINHA AVÓ ME DEIXAVA VER JOGOS DE FUTEBOL

OU BASQUETE, MAS TINHA HORROR A NOVELAS E A

PROGRAMAS DE AUDITÓRIO. ERA CHATO DE MATAR!

A LUZ ERA MUITO POUCA, QUE A MINHA AVÓ TINHA

MANIA DE FAZER ECONOMIA, ELA DIZIA QUE NÃO ERA

SÓCIA DA LIGHT.

ENTÃO EU CANSAVA DE LER E FICAVA INVENTANDO

OUTRAS COISAS PRA FAZER. EU FICAVA DESENHANDO,

FICAVA ENCHENDO OS ÓS DO JORNAL, BRINCAVA COM

AS MINHAS JOANINHAS...

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UMA VEZ EU AMARREI UM FIO DE LINHA NA PERNA

DE UM BESOURO E QUANDO ELE VOOU, COM O FIO

PENDURADO, MINHA TIA LEVOU O MAIOR SUSTO.

UMA OUTRA VEZ, EU INVENTEI UMA COISA LEGAL!

ENQUANTO MINHA AVÓ E MINHA TIA FICAVAM REZANDO,

ÀS SEIS HORAS, EU AMARREI UM FIO DE LINHA

NA PERNA DA CADEIRA DE BALANÇO. DEPOIS DO

JANTAR NÓS FOMOS PARA A SALA. ENTÃO, DE VEZ EM

QUANDO, EU PUXAVA O FIO E A CADEIRA DAVA UMA

BALANÇADINHA.

NO COMEÇO ELAS NÃO VIRAM NADA. ATÉ QUE TIA

EMÍLIA, MUITO ASSUSTADA, CHAMOU A ATENÇÃO DA

VOVÓ.

– Ó, AMÉLIA – MINHA AVÓ SE CHAMAVA AMÉLIA – Ó,

AMÉLIA, VOCÊ NÃO VIU A CADEIRA BALANÇAR?

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MINHA AVÓ NÃO LIGOU MUITO. MAS TIA EMÍLIA FICOU DE

OLHO. DAÍ A POUCO ELA CUTUCOU MINHA AVÓ:

– OLHA SÓ, AMÉLIA, AINDA ESTÁ BALANÇANDO. MINHA

AVÓ OLHOU E FICOU DESCONFIADA.

AS DUAS SE OLHARAM E FIZERAM SINAIS PARA NÃO

ASSUSTAR O MENINO...

NAQUELE DIA, EU NÃO MEXI MAIS NA CADEIRA. MAS NO

DIA SEGUINTE, EU FIZ TUDO DE NOVO, SÓ A MINHA TIA É

QUE VIU A CADEIRA BALANÇAR. ELA ESTAVA APAVORADA!

ENTÃO EU DEIXEI PASSAR UNS DOIS DIAS E DE NOVO

DEI UMA BALANÇADINHA NA CADEIRA. E DESSA VEZ AS

DUAS VELHAS VIRAM! GENTE, QUE SUSTO QUE ELAS TO

MARAM! ME AGARRARAM PELA MÃO E CORRERAM PARA

O ORATÓRIO PARA REZAR.

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ATÉ AÍ EU ESTAVA ME DIVERTINDO! MAS O QUE EU NÃO

PODIA IMAGINAR É QUE NO DIA SEGUINTE, NA HORA EM

QUE EU COSTUMAVA IR PARA A RUA BRINCAR, MINHA

AVÓ ME CHAMOU, ME MANDOU TOMAR BANHO, ME

VESTIR E ME LEVOU PARA A IGREJA.

NOVE SEGUNDAS-FEIRAS EU TIVE QUE IR À IGREJA COM

MINHA VÓ E MINHA TIA PARA REZAR PELAS ALMAS DO

PURGATÓRIO!

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MOINHO DE LEITURA COMPARTILHADA

SONHOS JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA

MARTHA WERNECK

A MULHER E O MENINO IAM MONTADOS NO CAVALO; O

HOMEM IA AO LADO, A PÉ. ANDAVAM SEM RUMO HAVIA

SEMANAS, ATÉ QUE DERAM NUMA ALDEIA À BEIRA DE

UM RIO, ONDE AS OLIVEIRAS VICEJAVAM.

FIZERAM UMA PAUSA E, COMO A GENTE ALI ERA

HOSPITALEIRA E A OFERTA DE SERVIÇO ABUNDANTE,

RESOLVERAM FICAR. O HOMEM ARRANJOU EMPREGO

NUM MOINHO PRÓXIMO À ALDEIA. A MULHER SE JUNTOU

A OUTRAS QUE COLHIAM AZEITONAS EM TERRAS AO

REDOR DE UM CASTELO. LEVOU CONSIGO O MENINO

QUE, NO MEIO DO CAMINHO, ACHOU UM VELHO CABO

DE VASSOURA E FEZ DELE O SEU CAVALO. DEU-LHE O

NOME DE ROCINANTE.

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AO CHEGAR AOS OLIVAIS, O PEQUENO ENCONTROU O

FILHO DE OUTRA COLHEDEIRA – UM GAROTO QUE SE

EXIBIA COM UM ESCUDO E UMA ESPADA DE PAU.

OS DOIS SE OBSERVARAM À DISTÂNCIA. CADA UM SE

MANTEVE JUNTO À SUA MÃE, SEM SABER COMO SE

LIBERTAR DELA. VIGIAVAM-SE. ERA PRECISO CORAGEM

PARA SE ACERCAR. MAS MENINOS SÃO ASSIM: SE HÁ

ABISMOS, INVENTAM PONTES.

DE SÚBITO, ESTAVAM FRENTE A FRENTE. PUSERAM-SE A

CONVERSAR, EMBORA UM E OUTRO CONTINUASSEM NA

SUA. LOGO ESSE JÁ SABIA O NOME DAQUELE: O MENINO

RECÉM-CHEGADO SE CHAMAVA ALONSO; O OUTRO,

SANCHO.

COMEÇARAM A SE MISTURAR:

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– DEIXA EU BRINCAR COM SEU CAVALO?, PEDIU SANCHO.

– SÓ SE VOCÊ ME EMPRESTAR SUA ESPADA, RESPONDEU

ALONSO.

IAM SE ENTENDENDO, APESAR DE ASSUSTADOS COM A

FELICIDADE DA NOVA COMPANHIA.

AVANÇARAM NA ENTREGA:

– TÁ VENDO AQUELE MOINHO GIGANTE?, APONTOU

ALONSO. MEU PAI SOZINHO É QUE FAZ ELE GIRAR.

– SEU PAI DEVE TER BRAÇOS ENORMES, DISSE SANCHO.

– TEM! MAS NEM PRECISAVA, RESPONDEU ALONSO. ELE

MOVE O MOINHO COM UM SOPRO.

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SANCHO ACHOU GRAÇA. TAMBÉM TINHA UMA PROEZA A

CONTAR:

– TÁ VENDO O CASTELO ALI?, APONTOU. MEU PAI DISSE

QUE O DONO TEM TANTA TERRA QUE O CÉU NÃO DÁ

PARA COBRIR ELA TODA.

– E SE A GENTE ESTICASSE O CÉU COMO UMA LONA E

COBRISSE O QUE ESTÁ FALTANDO?, PROPÔS ALONSO.

– SERIA LEGAL, DISSE SANCHO. MAS IA DAR UM

TRABALHÃO.

– TEMOS DE CRESCER PRIMEIRO.

– BOM, ENQUANTO A GENTE CRESCE, VAMOS PENSAR

NUM JEITO DE SUBIR ATÉ O CÉU! – DISSE ALONSO.

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– VAMOS!, CONCORDOU SANCHO.

SENTARAM-SE NA RELVA. O CAVALO, A ESPADA E O

ESCUDO ENTRE OS DOIS. UM SOPRO DE VENTO PASSOU

POR ELES.

JÁ ERAM AMIGOS: MOVIAM JUNTOS O MESMO SONHO.

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A LUVA LEITURA COMPARTILHADA

TATIANA BELINKY

MARIA ELIANA

FOI NOS TEMPOS DISTANTES DO AMOR CORTÊS.

NO REINO MEDIEVAL DO REI FRANZ ERA DIA DE

FESTA, E O PONTO ALTO DAS FESTIVIDADES ERA

A EXIBIÇÃO DE FERAS SELVAGENS, TRAZIDAS

DE TERRAS DISTANTES, NA ARENA DO GRANDE

CASTELO. EM VOLTA DA ARENA ERGUIAM-SE AS

ARQUIBANCADAS, ENCIMADAS POR ALTOS BALCÕES

ONDE BRILHAVAM OS NOBRES DA CORTE, AO LADO

DAS BELAS DAMAS FAISCANTES DE JÓIAS. ENTRE

ELAS SE DESTACAVA A DONZELA CUNEGUNDES, TÃO

RICA E FORMOSA QUANTO ORGULHOSA, E DE PÉ AO

SEU LADO ESTAVA O SEU APAIXONADO ADORADOR,

O JOVEM CAVALEIRO DELORGES, CUJO AMOR ELA

DESDENHAVA, DISTANTE E FRIA.

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CHEGOU A HORA DO INÍCIO DA FUNÇÃO. A UM SINAL

DO REI, ABRIU-SE A PORTA DA PRIMEIRA JAULA, DA

QUAL SAIU, MAJESTOSO, UM FEROZ LEÃO AFRICANO E,

SACUDINDO A JUBA DOURADA, DEITOU-SE NA AREIA,

PREGUIÇOSO. ABRIU-SE A SEGUNDA JAULA, LIBERANDO

UM TERRÍVEL TIGRE-DE-BENGALA, QUE ENCAROU

O LEÃO COM OLHOS AMEAÇADORES E DEITOU-SE

TAMBÉM, TENSO, COMO QUEM PREPARA UM BOTE

MORTAL. EM SEGUIDA, ABRIU-SE A TERCEIRA JAULA, DA

QUAL SALTARAM, QUAIS ENORMES GATOS NEGROS, DUAS

PANTERAS DE DENTES ARREGANHADOS, DEITANDO-SE

AGACHADAS E AUMENTANDO A TENSÃO DO AMBIENTE.

FEZ-SE UM SILÊNCIO NO PÚBLICO: TODOS AGUARDAVAM

ANSIOSOS UM PAVOROSO EMBATE MORTAL ENTRE OS

QUATRO MONSTROS FELINOS... E NESTE MOMENTO,

COMO QUE SEM QUERER, A DONZELA CUNEGUNDES

DEIXOU CAIR, DO ALTO DO BALCÃO, SUA BRANCA LUVA,

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BEM NO CENTRO DA ARENA, ENTRE AS QUATRO

FERAS ASSUSTADORAS. E, DIRIGINDO-SE COM UM

SORRISO IRÔNICO AO SEU CAVALEIRO ADORADOR,

FALOU, AFETADA:

“CAVALEIRO DELORGES, SE DE FATO ME AMAIS COMO

VIVEIS REPETINDO, PROVAI-O, INDO BUSCAR E ME

DEVOLVENDO A MINHA LUVA.”

O CAVALEIRO DELORGES NÃO RESPONDEU NADA E,

SEM TITUBEAR, DESCEU RÁPIDO DO BALCÃO E COM

PASSOS DECIDIDOS PISOU NA ARENA, ENTRE AS FAUCES

HIANTES E AS PRESAS ARREGANHADAS DAS QUATRO

FERAS. CALMO E FIRME ELE APANHOU A LUVA E, SEM

OLHAR PARA TRÁS E SEM APRESSAR O PASSO, VOLTOU

PARA O BALCÃO, SOB OS SUSSURROS DE ESPANTO E

ADMIRAÇÃO DE TODO O PÚBLICO PRESENTE.

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A DONZELA CUNEGUNDES ESTENDEU A MÃO NUM

GESTO FACEIRO PARA RECEBER A LUVA E, COM UM

SORRISO CHEIO DE PROMESSAS, FALOU:

“GANHASTE A MINHA GRATIDÃO, CAVALEIRO DELORGES.”

MAS EM VEZ DE ENTREGAR-LHE A LUVA, O CAVALEIRO

DELORGES ATIROU-A NO BELO ROSTO DA DAMA CRUEL

E ORGULHOSA:

“DISPENSO A VOSSA GRATIDÃO, SENHORA!”, DISSE ELE.

E, VOLTANDO-LHE AS COSTAS, O CAVALEIRO DELORGES

FOI EMBORA PARA SEMPRE.

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NÃO LEITURA COMPARTILHADA

SOMOS CLAUDIA WERNECK

FIGURINHAS!
ORLANDO

UMA MENINA MUITO RESSABIADA. ERA COMO SE

TIVESSE MEDO DE GENTE. FAMÍLIA, PADRINHOS,

VIZINHOS E PROFESSORES NÃO CONSEGUIAM

ENTENDER O QUE A IMPEDIA DE VIVER EM PAZ COM

SEUS IGUAIS.

“MAS O PROBLEMA É JUSTAMENTE ESSE”, GESTICULAVA

ELA, AMACIANDO COM SEUS DEDINHOS O PÊLO MACIO

DE SEU GATO MAGRO, BRANCO E PRETO – O BANDIDÃO.

“NÃO SOMOS IGUAIS, NÃO SOMOS IGUAIS, É TUDO

MENTIRA. EU OLHO PARA A PATI, O IVAN, O ADEMIR, A

TATÁ E SÓ VEJO DIFERENÇAS.”

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OS ADULTOS SE ENTREOLHAVAM DESANIMADOS E

PEDIAM MAIS EXPLICAÇÕES. “COMO DIFERENTES, MINHA

FILHA? SOMOS SERES HUMANOS, GENTE IGUAL A VOCÊ,

IGUAIS ENTRE NÓS: DUAS PERNAS, DOIS BRACINHOS,

DOIS OLHOS, UMA LÍNGUA, UM CÉREBRO, DEZ DEDOS NA

MÃO, DEZ NO PÉ...”

BANDIDÃO NÃO ESTAVA NEM AÍ PARA AQUELA CONVERSA

SEMPRE TÃO ÓBVIA. ENTEDIADO, DEU UM PINOTE,

ABANDONANDO O COLO DE SUA DONA. MAS, AINDA

NO AR, ENQUANTO PREPARAVA SUAS PATAS PARA UMA

ATERRISSAGEM EM SEGURANÇA, OUVIU SAIR DOS

LÁBIOS DELA, TAMBÉM COMO UM PINOTE, ALGO QUE A

GAROTA NUNCA HAVIA DITO: “E QUEM NÃO TEM DUAS

PERNAS? OU NÃO ESCUTA? OU TEM DOIS OLHOS, MAS

UM É DE VIDRO? OU É MUITO FEIO? AÍ NÃO É GENTE?

PARA SER GENTE NÃO BASTA NASCER? E OS BEBÊS,

NÃO SÃO DIFERENTES? POR QUE VOCÊS INSISTEM EM

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ME CONVENCER DE QUE SOMOS IGUAIS? GENTE NÃO

É COMO FIGURINHA, QUE NÓS ARRUMAMOS EM FILA,

DEIXANDO DE LADO AS AMASSADAS E AS RASGADAS

PARA DECIDIR O QUE FAZER COM ELAS DEPOIS”.

BANDIDÃO ESTAVA EMOCIONADO. ENTENDERA TUDO,

ORA POIS POIS. A MENINA NÃO TINHA MEDO DE GENTE.

ACUADA, SOFRIA POR OUTRAS RAZÕES. FALTAVA-LHE

ERA CORAGEM PARA DISCORDAR DO PENSAMENTO

DOS ADULTOS.

CONFIANTE POR TER CONSEGUIDO, ENFIM, EXPLICAR

SUA ANGÚSTIA PARA OS PAIS, ELA EXPERIMENTOU

UMA SENSAÇÃO NOVA: SENTIU PRESSA, MUITA PRESSA

DE IR PARA A ESCOLA. PELA PRIMEIRA VEZ, SENTIA

PRAZER EM SER GENTE. DEDICOU UM ÚLTIMO OLHAR

DE AMOR PARA BANDIDÃO E SEGUIU PELA RUA.

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CASA DE VÔ LEITURA COMPARTILHADA

BEATRIZ VICHESSI

MATEUS RIOS

TODO AVÔ TOMA REMÉDIO, USA DENTADURA E TIRA

SONECA DEPOIS DO ALMOÇO. O MEU, NÃO.

NÃO TOMA PÍLULA NEM XAROPE. E, À TARDE, FICA

ACORDADO, BRINCANDO COMIGO. DENTADURA? ISSO

ELE USA. MAS, DE RESTO, É DIFERENTE.

MINHA AVÓ TAMBÉM NÃO É IGUAL ÀS OUTRAS.

ENQUANTO TODA AVÓ BORDA E FAZ BOLO DE

CHOCOLATE, ELA SÓ COSTURA PARA FAZER REMENDOS

NAS ROUPAS E SÓ COZINHA NO FIM DE SEMANA. E

QUASE NUNCA ESTÁ EM CASA. DE CALÇA COMPRIDA

(ENQUANTO TODAS AS AVÓS DO MUNDO USAM SAIA), SAI

CEDINHO PARA TRABALHAR E NOS DEIXA SOZINHOS.

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DAÍ, O GUARDA-ROUPA DELA VIRA ELEVADOR. BASTA EU

ENTRAR E ME SENTAR NAS CAIXAS DE SAPATOS PARA VOVÔ

ENCOSTAR AS PORTAS E, COMO ASCENSORISTA, ANUNCIAR:

– PRIMEIRO ANDAR! ROUPAS E BONECAS.

SEGUNDO ANDAR! BALAS DE GOMA, MÓVEIS

E CRIANÇAS PERDIDAS...

A PAREDE DA SALA É TRANSFORMADA EM GALERIA DE ARTE

COM PINTURAS EMOLDURADAS EM FITA CREPE E, O TAPETE,

EM TABLADO DE EXPOSIÇÃO DE BOTÕES RAROS, QUE

JAMAIS COMBINARIAM COM QUALQUER ROUPA NORMAL.

AO CAIR DA TARDE, NA GARAGEM VAZIA, ENQUANTO O

PAPAGAIO E OS CACHORROS CONVERSAM MISTURANDO

LATIDOS, UIVOS E RISADAS, ELE ESPALHA ALGUNS

PEDACINHOS DE PAPEL PELO CHÃO. É A BRINCADEIRA

DO PISEI.

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– HÃ? COMO ASSIM?, PERGUNTO.

ESSA É NOVA. VOVÔ EXPLICA SUA INVENÇÃO:

– MEMORIZE ONDE ESTÃO OS PAPÉIS. FECHE OS OLHOS

E COMECE A CAMINHAR. TENTE PISAR EM CIMA DELES.

PODE IR PERGUNTANDO “PISEI?” PARA FACILITAR. GANHA

O JOGO QUEM PISAR EM MAIS PEDAÇOS.

EU COMEÇO.

– PISEI?, PERGUNTO, DANDO O PRIMEIRO PASSO,

APERTANDO OS OLHOS.

– NÃO!

– PISEI?, INSISTO MAIS UMA VEZ, DEPOIS DE CAMINHAR

UM TIQUINHO.

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– NÃO!

OUÇO UM BARULHO DE CHAVES.

VOVÓ CHEGA, CANSADA, DO TRABALHO. DIZ “OI”. SEI

QUE É PARA MIM, MAS NÃO POSSO ABRIR OS OLHOS

PARA RESPONDER. É QUEBRA DE REGRA.

– TUDO BEM, VÓ? QUER BRINCAR DE PISEI?, CONVIDO.

– AGORA, NÃO, MINHA RIQUEZA. VOVÓ VAI DESCANSAR.

VOVÔ CONTINUA A ME GUIAR, JÁ SENTADO NA CADEIRA

DE PRAIA, LENDO O JORNAL. NÃO VI, MAS ESCUTEI O

BARULHO DELA SENDO ARMADA E DAS FOLHAS NAS

MÃOS DELE.

SIGO.

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– PISEI?

– PISEI?

– PISEI?

E NADA.

SINTO MEUS PÉS TROPEÇAREM EM ALGO. ABRO OS

OLHOS. VOVÔ, À MINHA FRENTE, DE BRAÇOS ABERTOS,

PRONTO PARA UM ABRAÇO DE VITÓRIA.

– MAS EU NÃO PISEI EM NENHUM PAPELZINHO, VÔ,

DIGO, MEIO DESANIMADA, MAS, JÁ ENGALFINHADA E

FELIZ, NOS BRAÇOS DELE.

– O VENTO FOI LEVANDO TUDO PARA O CANTINHO DO

PORTÃO, ELE EXPLICA, SORRINDO.

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– E POR QUE O SENHOR NÃO ME AVISOU?

A GENTE PODERIA TER COLADO OS PEDACINHOS NO

CHÃO E RECOMEÇADO...

– PORQUE EU QUERIA QUE A BRINCADEIRA TERMINASSE

COM VOCÊ PERTO DE MIM.

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DONA LEITURA COMPARTILHADA

COTINHA, CLÉO BUSATTO

TOM E GATO
IONIT ZILBERMAN

JOCA

EM FRENTE À MINHA CASA TEM OUTRA CASA, PEQUENA,

DE MADEIRA, AZUL COM JANELAS BRANCAS. ESTÁ NO

FIM DE UM TERRENO ENORME COM MUITAS ÁRVORES.

PARA MIM AQUILO É O QUE CHAMAM DE FLORESTA.

TOM DIZ QUE É UM QUINTAL. ALI MORA DONA COTINHA,

UMA VELHINHA QUE TEM CABELOS LILÁS E DIRIGE

UM FUSQUINHA VERMELHO. ESSE PASSOU A SER MEU

ESCONDERIJO. DONA COTINHA SEMPRE APARECE COM

UM PRATO DE COMIDA. DIZ:

– VEM, GATINHO. OLHA SÓ O QUE EU TROUXE

PARA VOCÊ.

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SOU PREMIADO COM SARDINHA FRESCA, ATUM,

MACARRÃO. TENHO ENGORDADO ALÉM DA CONTA.

DIA DESSES ESTAVA TOMANDO SOL E OUVI O TOM ME

CHAMAR. O DANADO SENTIU MEU CHEIRO E DESCOBRIU

MEU SEGREDO. ELE ESTAVA NO PORTÃO QUANDO

CHEGOU DONA COTINHA, NO SEU FUSQUINHA.

– BOM DIA, MENINO – DISSE ELA. JÁ QUE ESTÁ EM FRENTE

À MINHA CASA, FAÇA UMA GENTILEZA E ABRA O PORTÃO.

TOM OBEDECEU. DONA COTINHA AFAGOU MINHA CABEÇA

E PERGUNTOU:

– ESTE GATINHO É SEU?

– SIM, SENHORA.

– ELE É MUITO EDUCADO.

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– OBRIGADO – DISSE EU, NA MINHA VOZ DE GATO.

– NO PRIMEIRO DIA QUE O VI POR AQUI, ELE ENTROU

NA CASA E CHEIROU TUDO. AGORA, SEMPRE DEIXO UMA

COMIDINHA PARA ELE!

– AH! MAS O JOCA NÃO COME COMIDA DE GENTE, NÃO,

SENHORA. SÓ COME RAÇÃO – DISSE O TOM.

– COME, SIM, MEU FILHO. E COME DE TUDO.

DONA COTINHA ACABAVA DE DENUNCIAR MINHA GULA E

O AUMENTO DE PESO. CONTINUOU:

– PASSE AQUI NO FIM DA TARDE. FAÇO UM BOLO DE

FUBÁ COM COBERTURA DE CHOCOLATE QUE É DE DAR

ÁGUA NA BOCA.

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COM ÁGUA NA BOCA FIQUEI EU. NAQUELA TARDE

VOLTAMOS À CASA DE DONA COTINHA. ELA FOI LOGO

MOSTRANDO PRO TOM UMA COLEÇÃO DE CARRINHOS

ANTIGOS. ERA DO FILHO DELA, QUE MORREU BEM

PEQUENO. DEPOIS NOS LEVOU PARA UMA SALA REPLETA

DE LIVROS. TOM FICOU DE BOCA ABERTA E PERGUNTOU:

– A SENHORA JÁ LEU TODOS ESSES LIVROS?

– PRATICAMENTE TODOS. LER FOI MINHA DIVERSÃO,

MEU BOM VÍCIO. INFELIZMENTE MEUS OLHOS NÃO

AJUDAM MAIS. ESSA PILHA QUE VOCÊ ESTÁ VENDO AQUI

AINDA NEM FOI TOCADA.

TOM COMEÇOU A LER EM VOZ ALTA, E SUA VOZ

ENCHEU A SALA DE SERES FANTÁSTICOS. O TEMPO

PAROU. DESSE DIA EM DIANTE, À TARDINHA, EU E TOM

TÍNHAMOS UMA MISSÃO. ABRIR OS LIVROS DE DONA

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COTINHA E DEIXAR OS PERSONAGENS PASSEAREM

PELA CASA MÁGICA, NO MEIO DA FLORESTA DA CIDADE

DE PEDRA.

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PARA LEITURA COMPARTILHADA

CONTAR ANDRÉ DE MARTINI

ESTRELAS
ALEXANDRE CAMANHO

– PAI, COMO É QUE A GENTE CONTA ESTRELAS DO CÉU?,

PERGUNTOU LELÊ. O PAI, BAIXANDO O JORNAL, FOI

LOGO FAZENDO POSE DE EXPLICAÇÃO.

– BEM, EXISTEM EQUIPAMENTOS ESPECIAIS PARA ISSO.

ELES TIRAM FOTOS DO CÉU E FAZEM MEDIÇÕES. E TEM

O HUBBLE, QUE É O BAMBAMBÃ DOS TELESCÓPIOS! MAS

SÓ OS CIENTISTAS PODEM USÁ-LO. ENTÃO, CADA UM

CONTA COM O QUE TEM À MÃO.

– AH!, DISSE LELÊ COM ADMIRAÇÃO, MESMO SEM TER

ENTENDIDO MUITO BEM (ELE AINDA ESTAVA NO 2º ANO).

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A MÃE O CHAMOU NA COZINHA PARA UM LANCHE. ELE

SE SENTOU À MESA PENSANDO AINDA NO QUE O PAI

TINHA DITO. DECIDIU PERGUNTAR PARA ELA TAMBÉM.

– ISSO SEU PAI DEVE SABER. POR QUE NÃO PERGUNTA

PARA ELE?

– JÁ PERGUNTEI. ELE FALOU VÁRIAS COISAS, MAS NÃO

ENTENDI DIREITO: O QUE CADA UM TEM NAS MÃOS E...

– ORA, NAS MÃOS A GENTE TEM DEDOS! POR QUE VOCÊ

NÃO CONTA NOS DEDOS?, DISSE A MÃE, QUE ERA BEM

MAIS ESPERTA QUE O PAI NOS ASSUNTOS PRÁTICOS.

– HUM..., PENSOU LELÊ. ASSIM EU SEI! E FOI LOGO

DEVORANDO O SANDUÍCHE.

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UNS MINUTINHOS DEPOIS, LELÊ JÁ ESTAVA NO QUINTAL.

OLHAVA PARA O ALTO, BEM FUNDO NO CÉU DE

ESTRELAS. PARA COMEÇAR, MIROU A MAIS BRILHANTE

E PASSOU A CONTAR EM VOZ ALTA: UM... DOIS... TRÊS...,

RECOLHENDO UM DEDO DE CADA VEZ. CHEGOU ATÉ

DEZ. OLHOU PARA AS MÃOS, OLHOU PARA O CÉU.

SUSPIROU. O PROBLEMA É QUE ELE TINHA SÓ DEZ

DEDOS, E O CÉU TINHA MUITO MAIS ESTRELAS.

DESANIMADO, SENTOU-SE NA VARANDA, APOIANDO O

QUEIXO NAS MÃOS.

SUA AVÓ, QUE SEMPRE OBSERVAVA TUDO BEM

QUIETINHA, FOI LÁ FALAR COM ELE.

– O QUE FOI, FILHO?

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– NADA...

– HUM. SABE, EU CONHEÇO UM JEITO DE FAZER CABER

TODAS AS ESTRELAS NA MÃO, DE UMA SÓ VEZ.

LELÊ OLHOU DESCONFIADO, MAS FICOU ATENTO,

ESPERANDO O RESTO DA HISTÓRIA.

– ESTÁ VENDO AS ESTRELAS LÁ EM CIMA? SÃO TÃO

PEQUENININHAS, NÃO É MESMO? POIS ENTÃO. BASTA

VOCÊ OLHAR BEM PARA ELAS, COMO SE FOSSEM

GRÃOZINHOS DE AREIA. DAÍ VOCÊ PASSA A MÃO, ASSIM,

POR TODO O CÉU, COMO SE ESTIVESSE VARRENDO, E

FECHA DE UMA VEZ NO FI NAL! DEPOIS, CHACOALHA

BEM E PÕE EM CIMA DO CORAÇÃO, PEGANDO

EMPRESTADO UM POUCO DA LUZ DELAS.

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ELA DEU ENTÃO UMA PISCADELA E FOI SE LEVANTANDO

PARA ENTRAR EM CASA.

LELÊ PERCEBEU UMA EMOÇÃO ESTRANHA NO PEITO,

SENTIU UMA SAUDADE IMENSA DA AVÓ, QUERIA QUE ELA

MORASSE COM ELE PARA SEMPRE.

DESDE ENTÃO, SEMPRE QUE TINHA VONTADE, LELÊ

CONTAVA TODAS AS ESTRELAS DO CÉU. E NUM

PUNHADO SÓ.

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DESIGN DUDA OLIVA ILUSTRAÇÕES IVAN ZIGG, SUPPA
MARTHA WERNEK, MARIA ELIANA, ORLANDO, MATEUS
RIOS, IONIT ZILBERMAN E ALEXANDRE CAMANHO

CONTOS PUBLICADOS ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO ESPECIAL

DE NOVA ESCOLA “CONTOS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES”,

EM AGOSTO DE 2004

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