Controle de Internação Oncológica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 7

Rev Dor.

São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288 ARTIGO ORIGINAL

Controle dos sintomas e intervenção nutricional. Fatores que interferem


na qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos*
Symptoms control and nutritional intervention. Factors interfering with quality of life of
cancer patients under palliative care
Patricia Blasco Silva1, Marina Lopes2, Lilian Cristine Teixeira Trindade3, Clarice Nana Yamanouchi4
* Recebido do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Sintomas não con- RESULTADOS: No início, 48% foram classificados
trolados influenciam negativamente a qualidade de vida, conforme a escala de capacidade funcional (Performance
alterando humor, ingestão alimentar e atividades da vida Status - PS) com PS3, reduzindo para 32% (p = 0,002),
diária, além de prejudicar as relações sociais, familiares com aumento no número de pacientes com PS1. Sinto-
e de trabalho do paciente. O objetivo deste estudo foi mas gastrintestinais relatados inicialmente como inape-
analisar, mediante questionário previamente validado, tência, redução do apetite, náuseas, vômitos, disgeusia,
como a intervenção nutricional e o controle dos sintomas xerostomia e presença de candidíase oral/mucosite. No
interferiram na qualidade de vida dos pacientes onco­ retorno, houve relato de aumento do apetite dos pacien-
lógicos atendidos pelo Serviço de Cuidados Paliativos tes, subindo de 4% para 48% (p < 0,001). A dor média
(CP) e Tratamento da Dor do Hospital Erasto Gaertner. foi quantificada, conforme a escala numérica de intensi-
MÉTODO: Foram entrevistados 50 pacientes em cui- dade da dor, em 4,85 no início reduzindo para 2,73 no re-
dados paliativos, que responderam a questionários de torno (p = 0,001). A qualidade de vida global, ­conforme
qualidade de vida, avaliação de aspectos socioeconô- o Questionário de Qualidade de Vida para pacientes pa-
micos e anamnese alimentar. As entrevistas foram rea- liativos aumentou de 4,32 para 5,67 (p = 0,001).
lizadas durante o primeiro e segundo atendimentos no CONCLUSÃO: A intervenção conjunta médica e nutri­
serviço de CP. Os atendimentos foram realizados pela cional contribuiu para o controle dos sintomas, promo-
nutricionista e médica, com discussão de condutas, veu a melhora da ingestão alimentar e auxiliou o paciente
­seguido das orientações dietoterápicas e determinações oncológico em cuidados paliativos a viver com melhor
das terapias medicamentosas. qualidade de vida.
Descritores: Assistência paliativa, Dor, Nutrição, Onco-
1. Nutricionista Clínica do Hospital Erasto Gaertner, Espe- logia, Qualidade de vida.
cialista em Nutrição Oncológica pelo Hospital Erasto Gaert-
ner. Curitiba, PR, Brasil. SUMMARY
2. Nutricionista. Especialista em Nutrição Clínica com ênfase
em Terapia Nutricional. Supervisora do Serviço de Nutrição e
Dietética do Hospital Erasto Gaertner. Curitiba, PR, Brasil. BACKGROUND AND OBJECTIVES: Uncontrolled
3. Médica do Serviço de Cuidados Paliativos e Tratamento symptoms negatively influence quality of life, changing
da Dor do Hospital Erasto Gaertner. Formada em Medicina mood, food ingestion and daily life activities, in addition
Paliativa pela Pallium Latinoamericana Association/Oxford to impairing patients’ social, family and working rela-
International Centre for Palliative Care. Curitiba, PR, Brasil. tions. This study aimed at analyzing, through previously
4. Médica Especialista em Cirurgia Oncológica. Hospital
Erasto Gaertner. Curitiba, PR, Brasil. validated questionnaire, how nutritional intervention
and symptoms control interfered with the quality of life
Fontes de fomento: Nenhuma of cancer patients treated by the Palliative Care (PC) and
Pain Management Service, Hospital Erasto Gaertner.
Endereço para correspondência: METHOD: Participated in this study 50 patients under pal-
Patrícia Blasco Silva
Rua Vicente Ciccarino, 574/21 – Bairro Boa Vista liative care, who answered quality of life questionnaires,
82540-120 Curitiba, PR. socio-economic aspects evaluation and feeding history. In-
E-mail: [email protected] terviews were carried out during the first and the second visit
282 c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 282 10.12.10 16:46:11


Controle dos sintomas e intervenção nutricional. Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288
Fatores que interferem na qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos

to the PC service. Patients were seen by a nutritionist and a fisiológicas como o retardo do esvaziamento gástrico e
physician, with discussion of management, followed by diet- redução do apetite ou problemas de absorção, promoven-
therapeutic orientations and establishment of drug therapies. do desconforto e isolamento social. O objetivo do suporte
RESULTS: Initially, 48% were classified according to the nutricional em cuidados paliativos deve ser minimizar o
functional capacity scale (Performance Status – PS) with desconforto causado pela alimentação, priorizar o prazer
PS3, decreasing to 32% (p = 0.002) with increased number pela ingestão alimentar e favorecer a socialização entre
of patients with PS1. Gastrointestinal symptoms initially pacientes e familiares durante as refeições3.
reported, such as inappetence, decreased appetite, nausea, A dor é o sintoma que exerce grande impacto sobre a QV
vomiting, taste sense distortion, xerostomy and the pre­ do indivíduo, influenciando humor, mobilidade, sono, inges-
sence of oral candidiasis / mucositis. At return, there has tão alimentar e atividades da vida diária4,5. Outros sintomas
been report of increased appetite, according to pain inten- como anorexia, depressão, ansiedade, constipação, disfagia,
sity numerical scale, from 4.85 in the beginning, to 2.73 dispneia, astenia igualmente acometem o paciente2, afetando
at return (p = 0.001). Global quality of life, according to as relações sociais, familiares e de trabalho. Por este motivo,
the Quality of Life Questionnaire for palliative patients has o controle dos sintomas possibilita que o indivíduo possa rea­
increased from 4.32 to 5.67 (p = 0.001). lizar o que considera importante, proporcionando uma fini­
CONCLUSION: Joint medical and nutritional interven- tude digna e com sofrimento reduzido4.
tion has contributed to control symptoms, has improved A satisfação do indivíduo com seu bem estar, funcionamen-
food ingestion and has helped cancer patients under pal- to de seu organismo, seu aspecto psicológico, desempenho
liative care to live with better quality of life. físico e intelectual, situação socioeconômica, sua vida fa-
Keywords: Nutrition, Oncology, Pain, Palliative care, miliar e espiritual, depende de todas as abordagens feitas
Quality of life. a cerca da doença. Um dos objetivos mais importantes dos
cuidados paliativos é oferecer a melhor QV possível, com
INTRODUÇÃO um cuidado humanizado aos pacientes1,6,7.
O objetivo deste estudo foi analisar, mediante questioná-
O câncer é uma doença que no Brasil, representa a se- rio previamente validado, como a intervenção nutricio-
gunda causa de mortalidade. De acordo com dados do nal e o controle dos sintomas interferiram na qualidade
Instituto Nacional do Câncer, cerca de 30% dos novos de vida dos pacientes oncológicos.
casos evoluem à óbito em um ano1. Mesmo com os gran-
des avanços da Medicina referente ao tratamento onco- MÉTODO
lógico, as taxas de cura ainda são baixas, deste modo, os
pacientes considerados fora de possibilidades terapêuticas Após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do
curativas, necessitam de controle da dor e dos sintomas Hospital (Protocolo nº 1826/2009), foi obtido o Termo
decorrentes da doença e também relacionados com os as- de Consentimento Livre e Esclarecido de todos os par-
pectos psicológicos, sociais e espirituais, com o objetivo ticipantes assim como o consentimento dos cuidadores.
de investir na melhora da qualidade de vida (QV)1. Foi realizado estudo clínico longitudinal, de natureza
O termo palliare significa amparar, transmitindo a perspec- quantitativa, prospectivo, com pacientes oncológicos em
tiva de cuidar e não somente de curar. De acordo com a re- tratamento paliativo. O período analisado foi de feverei-
cente definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) ro a maio de 2009, e todos os pacientes atendidos eram
“cuidados paliativos é uma abordagem que melhora a qua- provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
lidade de vida dos pacientes e seus familiares frente a pro- Foram entrevistados 50 pacientes com diagnóstico de cân-
blemas associados à doença terminal, através da prevenção cer, atendidos pela primeira vez no serviço em questão. O
e alívio do sofrimento, identificando, avaliando e tratando a número de casos de pacientes avaliados foi determinado
dor e outros problemas físicos, psicossociais e espirituais”. com base no volume de novos casos atendidos pelo serviço
Consiste na assistência ativa e total, que é prestada a pessoas de cuidados paliativos no período de aplicação da pesquisa,
portadoras de doenças incuráveis, nos casos em que a doença respeitando os critérios de inclusão. No retorno ambulato-
não responde aos tratamentos curativos disponíveis1,2. rial, período este que variou de 15 a 30 dias, os pacientes
A alimentação possui além do papel fisiológico, o social foram reavaliados. Os critérios de inclusão foram: pacien-
e o emocional. A evolução da doença faz com que o indi- tes oncológicos, fora de possibilidades curativas, atendidos
víduo reduza a ingestão alimentar devido aos efeitos co- como caso novo no serviço, com pelo menos um cuidador
laterais causados pelas medicações utilizadas, alterações responsável, idade maior ou igual a 18 anos e que aceita-

283

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 283 10.12.10 16:46:11


Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288 Silva, Lopes, Trindade e col.

ram participar da pesquisa. Foram excluídos os pacientes individualizada considerando o diagnóstico da doença,
sem diagnóstico de doença oncológica e que já haviam sido os sintomas apresentados, a ingestão alimentar atual e a
atendidos previamente no ambulatório do serviço. relação entre o uso dos medicamentos e o consumo ali-
As entrevistas realizadas em dois momentos, primeira e mentar. Posteriormente a médica do serviço orientou o
segunda consulta, consistiam em três questionários, de- paciente quanto aos medicamentos que foram utilizados,
talhados a seguir: sendo a maioria disponibilizada no programa “Paraná
1. Questionário de Qualidade de Vida para pacientes Sem Dor”. Considerando as informações coletadas e a
paliativos, da European Organization for Research and orientação médica, a nutricionista forneceu orientações
Treatment of Cancer, EORTC QLQ-C15-PAL7. Este ins- dietoterápicas contemplando a indicação dietética, con-
trumento é composto por 14 questões relacionadas à QV sistência da dieta, possíveis comorbidades associadas,
durante a última semana, com perguntas sobre atividades, respeitando as preferências alimentares e culturais, mi-
autonomia, falta de ar, dificuldade para dormir, fraqueza, nimizando o desconforto ligado a alimentação. Métodos
cansaço, apetite, enjôos, constipação intestinal, dor, de- alternativos de preparo e oferta de alimentos também fo-
pressão, qualidade de vida global e o quanto a dor inter- ram considerados para diminuir os sintomas relatados.
fere na realização das atividades diárias. O questionário Os medicamentos prescritos no primeiro atendimento
já é validado pela EORTC e específico para avaliar a QV foram registrados na ficha de anamnese alimentar. No
de pacientes com câncer em cuidados paliativos. A dor foi retorno ambulatorial, foi registrada a adesão por parte
quantificada conforme a escala numérica de intensidade do paciente às orientações dietoterápicas e medicamen-
da dor, que utiliza valores de 0 a 10 (0 = ausência de dor e tosas. Através de consulta ao prontuário físico e/ou ele-
10 = pior dor já sentida), podendo ser classificada em dor trônico, foi obtida a localização tumoral.
leve (valor de 1 a 3), moderada (4 a 7) e intensa (8 a 10)8. Para análise estatística os dados foram registrados no pro-
2. Questionário para avaliação dos aspectos socioeconô- grama Microsoft Excel®, para posterior análise descritiva
micos, aplicado ao cuidador do paciente. Composto por das variáveis coletadas utilizando o teste de Qui-quadrado,
questões relacionadas ao uso de terapia nutricional enteral, teste T de Médias e teste t de Student para dados pareados,
tipo de moradia, número de cuidadores e cuidador princi- com níveis de significância iguais ou menores que 0,05.
pal, número de pessoas que residem com o paciente e renda
familiar. Foi avaliado se o paciente era ou não provedor da RESULTADOS
família e se recebia algum tipo de auxílio doença.
3. Anamnese alimentar com questões quanto aos sinto- Participaram do estudo 50 pacientes em tratamento paliativo
mas gastrintestinais apresentados, consistência da dieta, no HEG, 58% do sexo feminino e 42% do sexo masculino. A
o uso de complemento alimentar, medicamentos utili- média de idade foi de 64,5, variando de 21 a 91 anos.
zados e a escala de capacidade funcional (Performan- Os tumores primários mais frequentes foram estômago
ce Status – PS), utilizando a Escala de Zubrod – ECOG (16%), pulmão (16%), colo uterino (16%), mama (10%),
como método de avaliação9. Perguntas em relação ao esôfago (10%), bexiga (6%) e pâncreas (6%). As demais
controle dos sintomas, pertencentes a este questionário, áreas correspondem a 20%. Dos 50 pacientes, 20% apre-
foram realizadas somente no segundo atendimento como sentavam tumor metastático.
forma de avaliar a eficácia ou não da intervenção. Com relação à via de alimentação, 22% dos pacientes
A entrevista foi efetuada pela mesma pesquisadora, em utilizavam dieta enteral via sonda nasogástrica ou jeju-
ambos os atendimentos, assim como a classificação de nostomia e 78% faziam uso de dieta por via oral.
cada paciente dentro da escala de capacidade funcional Referente aos cuidadores, 30% dos pacientes possuía um
(PS - Performance Status): PS0: atividade normal, PS1: cuidador, 36% 2 cuidadores, 16% 3 cuidadores e 18% 4 ou
sintomas da doença, mas deambula e leva o seu dia a mais cuidadores. Quanto ao grau de parentesco dos cuida-
dia normal, PS2: fora do leito mais de 50% do tempo, dores em relação ao paciente, 40% eram filhos, 28% cônju-
PS3: no leito mais de 50% do tempo, carente de cuida- ges, 14% irmãos e os demais eram parentes próximos.
dos mais intensivos, PS4: preso ao leito. Na avaliação dos aspectos socioeconômicos, a maioria dos
Os atendimentos foram realizados pela nutricionista e pacientes (98%) relatou morar com a família, metade de-
médica do serviço simultaneamente, sendo o paciente les era provedor da casa antes de adoecerem. Em 80% dos
questionado sobre os sintomas apresentados e a inten- casos a moradia era própria e 74% recebiam algum tipo de
sidade de cada um deles, com registro na ficha de ana- auxílio doença ou aposentadoria. A média da renda familiar
mnese alimentar. Foi determinada a conduta de forma foi entre 2 a 3 salários mínimos em 60% dos casos.

284

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 284 10.12.10 16:46:11


Controle dos sintomas e intervenção nutricional. Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288
Fatores que interferem na qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos

De acordo com a escala de Zubrod (ECOG), no primeiro no segundo atendimento. A porcentagem de pacientes
atendimento, 48% dos casos foram classificados com que relataram não ter falta de apetite, quase dobrou no
PS3 e 14% com PS1. Em contrapartida, no retorno, os retorno ambulatorial, aumentando de 30% para 56%
números obtidos foram 32% com PS3 e 28% com PS1. (p < 0,001). No início, o uso de complemento alimen-
Conforme dados obtidos com o questionário de QV tar foi relatado por 58% dos pacientes, com redução
aplicado nos atendimentos (Tabelas 1 e 2), o número no uso para 38% no retorno. Quanto a presença de dor
de pacientes que não apresentaram dificuldade para atrapalhando ou interferindo nas atividades diárias do
dar um passeio aumentou (p = 0,004). A porcentagem pacientes, no início, 40% dos pacientes relataram que
de indivíduos que não precisaram de qualquer ajuda atrapalhava bastante e 20% referiram muito, dimi-
para comer ou tomar banho subiu de 30% para 40%, nuindo para 10% e 6%, respectivamente no retorno.
e dos que precisaram de muita ajuda reduziu de 28% Houve aumento na porcentagem de pacientes em que
para 10%. Quanto à dificuldade para dormir, no início a dor atrapalhou apenas um pouco as atividades diá-
60% relataram nenhuma dificuldade, no retorno 72% rias (16% para 50%).
dos pacientes estavam sem queixas quanto ao sono. Na primeira consulta a quantificação da dor, com base
Os sintomas fraqueza e cansaço apresentaram resul- na escala de zero a 10, foi de 22% dos pacientes com
tados relevantes, aumentando o relato de ausência de ausência de dor, 8% dor leve, 40% dor moderada e 26%
fraqueza (p = 0,003) e ausência de cansaço (p = 0,005) dor intensa (Tabela 3). No retorno, ausência de dor foi
Tabela 1 – Questionário para pacientes oncológicos em cuidados paliativos EORTC QLQ-C15-PAL7 (n = 50 pacientes) – primeiro atendimento
Não Um pouco Bastante Muito
(%) (%) (%) (%)
Dificuldade para dar um passeio 16 18 28 38
Durante o dia, precisa ficar na cama 22 10 36 32
Ajuda para comer, banho, vestir, ir ao banheiro 30 26 16 28
Falta de ar 64 16 16 4
Dificuldade para dormir 60 8 26 6
Sentiu-se fraco 10 32 46 12
Falta de apetite 30 18 28 24
Enjoos 50 30 14 6
Ficou com o intestino preso 64 10 6 20
Cansaço 28 24 38 10
Dor atrapalhou atividades diárias 24 16 40 20
Depressão 30 22 30 16

Tabela 2 – Questionário para pacientes oncológicos em cuidados paliativos EORTC QLQ-C15-PAL7 (n = 50 pacientes) – segundo atendimento
Não Um pouco Bastante Muito
(%) (%) (%) (%)
Dificuldade para dar um passeio 22 34 18 26
Durante o dia, precisa ficar na cama 24 20 30 26
Ajuda para comer, banho, vestir, ir ao banheiro 40 24 26 10
Falta de ar 64 22 6 6*
Dificuldade para dormir 72 20 4 2*
Sentiu-se fraco 24 40 24 10
Falta de apetite 56 24 10 10
Enjoos 68 24 6 2
Ficou com o intestino preso 70 14 4 12
Cansaço 40 34 18 8
Dor atrapalhou atividades diárias 34 50 10 6
Depressão 48 26 18 2**
*1 paciente não soube responder
** 3 pacientes não souberam responder.

285

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 285 10.12.10 16:46:11


Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288 Silva, Lopes, Trindade e col.

de 40%, dor leve 16%, dor moderada 38% e dor intensa sintomas. Houve aderência parcial as orientações médi-
4%. No primeiro atendimento, dois pacientes não sou- cas ou dietoterápicas em 5 pacientes, destes, 3 relataram
beram quantificar e no segundo, apenas um paciente. O melhora dos sintomas. Outros 5 pacientes não seguiram
valor médio da intensidade da dor no início foi de 4,85 e as orientações fornecidas.
no retorno o valor reduziu para 2,73 (p = 0,001). Quanto aos medicamentos prescritos e utilizados que in-
Em relação à qualidade de vida global, utilizando a es- terferiram de alguma maneira no consumo alimentar ou
cala de 1 (vida péssima) a 7 (vida ótima) encontrada no no funcionamento gastrintestinal (Gráfico 1), foi consta-
QLQ-C15-PAL da EORTC7, no início, o valor médio de tado maior número de pacientes em uso de opioides, se-
pontuação referida foi de 4,32, enquanto que no retorno guido por aqueles em uso de prócineticos. Corticoide foi
subiu para 5,67 (p = 0,001), com aumento no número de utilizado em 46% dos casos, laxativos em 44% e apenas
pacientes que relataram valor 7. 2% dos pacientes fizeram uso de estimulante do apetite.
Tabela 3 – Classificação da dor atribuída pelos pacientes
Classificação da dor 1º Atendimento 2º Atendimento
0 – ausência de dor 22% (11) 40% (20)
1 0 2% (1)
2 4% (2) 8% (4)
3 4% (2) 6% (3)
4 8% (4) 10% (5)
5 20% (10) 16% (8)
6 4% (2) 8% (4)
7 8% (4) 4% (2)
8 10% (5) 2% (1)
9 6% (3) 0
Gráfico 1 – Medicamentos utilizados pelos pacientes
10 10% (5) 2% (1)

Tabela 4 – Sintomas e queixas gastrintestinais prevalentes DISCUSSÃO


Sintomas Apresentados/ Primeiro Segundo
Queixas Atendimento Atendimento Os cuidados paliativos priorizam o cuidado com o pa-
ciente, os familiares e os cuidadores, objetivando fornecer
Inapetência 38% 12%
a todos QV10. Deste modo, é importante que durante o
Redução do apetite 34% 10%
atendimento, não somente os sintomas, mas os aspectos
Aumento do apetite 4% 48%
socioeconômicos sejam abordados para melhor tratar o
Disgeusia 34% 16%
indivíduo como um todo.
Xerostomia 58% 40% Os problemas sociais e a incapacidade de manter o empre-
Candidíase oral/mucosite 44% 16% go são questões desafiadoras para os pacientes com câncer
Plenitude gástrica 22% 16% e para seus familiares2. Neste estudo, metade dos pacien-
Pirose 10% 14% tes eram os provedores da família antes de adoecerem, e
Náuseas 44% 16% após a descoberta da doença 74% deles receberam algum
Vômitos 20% 6% tipo de auxílio doença ou aposentadoria. Em outra pesqui-
Disfagia 26% 16% sa realizada com cuidadores de 53 pacientes oncológicos
Odinofagia 14% 4% paliativos evidenciou que 56% dos pacientes contribuíam
Diarreia 12% 2% parcialmente na renda familiar e 26% eram provedores11.
Obstipação 36% 24% Na presente pesquisa a maioria residia em casa própria,
contudo, o valor recebido pela aposentadoria ou auxílio
A presença de sintomas e as queixas gastrintestinais doença, além de ser de usado para o paciente, auxiliou no
referidas em ambos os atendimentos estão listadas na sustento da família. O cuidador principal frequentemente
tabela 4. O uso de medicamentos e aderência as orien- precisou abdicar do emprego para auxiliar nos cuidados.
tações dietéticas fornecidas, foram constatadas em 80% É possível observar que o paciente preservou a ajuda na
dos casos, dentre eles, 87% relataram haver melhora dos renda familiar, atitude que permitiu a ele se sentir útil e

286

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 286 10.12.10 16:46:11


Controle dos sintomas e intervenção nutricional. Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288
Fatores que interferem na qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos

capaz de continuar contribuindo financeiramente. Tais fa- doença avançada chega a 90%5,13. Em estudo, realizado
tores são de extrema relevância, à medida que as dificul- com 92 pacientes com doença oncológica avançada, foi
dades financeiras podem interferir na vida do paciente. observado queixa álgica em 62%, e destes, presença de
Independente do número de cuidadores, a renda familiar dor moderada em 67%14. Valores similares foram obtidos
prevalente foi de 2 a 3 salários mínimos, porém houve no presente estudo. Houve ocorrência de dor moderada
diferença em relação a QV. Aqueles que possuíam 3 ou a intensa no primeiro atendimento em 66% dos casos.
mais cuidadores relataram melhor QV conforme as no- Dos pacientes com queixa de dor, 60% referiram que esta
tas atribuídas. Na escala de 1 a 7, dentre os pacientes que atrapalhava bastante e/ou muito a realização de atividades
possuíam 3 cuidadores, 54% apresentou QV igual a 4. diárias, e 46% relataram bastante e/ou muito deprimidos.
Em relação aos pacientes que contavam com auxílio de Com a redução da intensidade da dor no segundo atendi-
até 2 cuidadores, 47% relatou o valor de QV 4. A sobre- mento apenas 16% mantiveram queixa de interferência da
carga de trabalho física e emocional do cuidador, que em dor nas atividades diárias e 20% depressão. Os resultados
geral assume diversas funções, pode refletir na vida do sugerem existir uma relação entre a dor e a depressão em
paciente11, por este motivo, a existência de mais de um pacientes oncológicos em cuidados paliativos, impossibi-
cuidador permite a distribuição de afazeres, transmi­tindo litando a realização de atividades habituais básicas.
indiretamente tranquilidade ao paciente, que também se A presença da dor tem impacto negativo na ingestão ali-
preocupa com o bem estar dos familiares. Na medida mentar do indivíduo, que se priva da alimentação por esta
em que as preocupações diminuem, a vida se torna me- desencadear ou exacerbar o sintoma mal controlado. Ou-
lhor. Em trabalho realizado com 62 pacientes paliativos, tros sintomas gastrintestinais também podem estar presen-
45,15% relatou que o aspecto mais importante na esco- tes em decorrência da doença ou como efeito colateral do
lha do tratamento é a QV a curto e longo prazo, seguido tratamento medicamentoso utilizado. Durante o primeiro
da eficácia do tratamento a ser utilizado1. atendimento houve queixa de inapetência em 38% dos
A QV também está relacionada com a autonomia do pa- pacientes, redução do apetite 34%, náuseas 44%, vômitos
ciente. A presença da dor interfere na capacidade funcional, 20%, disgeusia 34%, xerostomia 58% e presença de candi-
limita a realização de atividades habituais levando a maior díase oral/mucosite em 44%. O uso dos medicamentos para
dependência do paciente em relação ao cuidador. Os resul- controle da dor incluiu opioides e não opioides, que produ-
tados da escala de PS, demonstraram diferença significativa zem efeitos colaterais como xerostomia, disgeusia, náuseas
nos dois momentos (p = 0,002), com redução no número e principalmente constipação intestinal13, já observada em
de pacientes classificados com PS3 e aumento daqueles 36% dos pacientes no primeiro atendimento. A terapia me-
com PS1. Dos classificados com PS3 na primeira avalia- dicamentosa antálgica incluiu o uso de opioides em 84%
ção, no retorno, 45% dos pacientes tinham redução da dor, dos pacientes (Gráfico 1). Diante do conhecimento prévio
54% aumento do apetite, 45% melhora na capacidade de dos efeitos colaterais possíveis de tais medicamentos, os pa-
dar um passeio a pé. Os classificados com PS1 no início cientes receberam as orientações dietoterápicas individua­
apresentaram igualmente melhora destes mesmos sintomas lizadas precocemente para auxílio na ingestão alimentar e
com respectivamente 71%, 57%, 50% dos pacientes no re- controle dos sintomas. Para aqueles que iniciaram o uso de
torno. A manutenção da autonomia permitiu ao indivíduo a opioides, e que apresentavam queixa de constipação intes-
realização de atividades rotineiras como conversar, visitar tinal, foi estimulado o consumo de alimentos laxativos. O
os amigos, apreciar refeições junto aos familiares, obtendo uso de antidepressivos foi acompanhado das orientações
alegria decorrente do convívio com os familiares, reduzin- para o manuseio da xerostomia, sintoma igualmente apre-
do o sofrimento e o desconforto causado pela doença. sentado com o uso de opioides. Dificuldade para deglutir e
O sintoma frequentemente relatado e priorizado é a dor falar, alterações do paladar, maior risco de infecções e cá-
por causar incapacidade e sofrimento ao paciente, po- ries dentárias são implicações da xerostomia, que limitam a
dendo ser devida ao tumor primário, às metástases, à te- escolha e o consumo de alimentos15.
rapia antineoplásica e aos métodos de investigação8,12. No segundo atendimento da atual pesquisa, houve re-
Na presente pesquisa houve diferença significativa entre dução na queixa de todos os sintomas apresentados, es-
a quantificação da intensidade da dor relatada entre os pecialmente inapetência, redução do apetite, disgeusia,
dois atendimentos, com redução de dor moderada no pri- candidíase oral/mucosite e náuseas (p = 0,01). O rela-
meiro atendimento para dor leve no segundo. to de aumento do apetite subiu de 4% para 48% (p <
A dor relacionada ao câncer acomete entre 20% e 50% 0,001), e a queixa de xerostomia e obstipação reduziu
dos pacientes no início do tratamento e naqueles com para 40% e 24%, respectivamente. O aumento do ape-

287

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 287 10.12.10 16:46:11


Rev Dor. São Paulo, 2010 out-dez;11(4):282-288 Silva, Lopes, Trindade e col.

tite repercutiu na redução do complemento alimentar. À 3. Acreman S. Nutrition in palliative care. Br J Commu-
medida que o paciente consegue se alimentar melhor, o nity Nurs 2009;14(10):427-31.
mesmo prefere a alimentação similar a do restante da 4. Peres MFP, Arantes ACLQ, Lessa PS, et al. ��������
A impor-
família, substituindo o uso de complementos. A melhora tância da integração da espiritualidade e da religiosidade
do apetite favorece indiretamente a socialização, possi- no manejo da dor e dos cuidados paliativos. Rev Psiq
bilitando que ele sente a mesa para realizar as refeições Clin 2007;34(Suppl 1):82-7.
junto à família e amigos. 5. Da Silva YB, Pimenta CA. ��������������������������
Analysis of nursing regis-
O atendimento médico e nutricional simultâneo permi- tries of pain and analgesia in hospitalized patients. Rev
te a interação entre os profissionais quanto a escolha da Esc Enferm USP 2003;37(2):109-18.
terapia medicamentosa e dietoterápica adequada a cada 6. Melin-Johansson C, Odling G, Axelsson B, et al. The
paciente, diminuindo os efeitos colaterais possíveis das meaning of quality of life: narrations by patients with
medicações. A intervenção precoce nutricional permite incurable cancer in palliative home care. Palliat Support
que haja melhor controle dos sintomas, do tipo de dieta Care 2008;6(3):231-8.
ofertada e do volume de alimentos. 7. Chow E, Hird A, Velikova G, et al; EORTC Quality of
A melhora dos sintomas reflete diretamente na capacidade Life Group; Collaboration for Cancer Outcomes Research
funcional do paciente, que realiza suas atividades habi­ and Evaluation. The European Organization for Research
tuais sem depender exclusivamente do cuidador, trazendo and Treatement of Cancer Quality of Life Questionnaire
conforto e auxiliando na busca pela sensação de bem estar. for patients with bone metastases: the EORTC QLQ-
Conforme quantificado no início, o valor médio da quali- BM22. Eur J Cancer 2009; 45(7):1146-52.
dade de vida global atribuída pelos pacientes foi de 4,32 8. de Carvalho PAG, Pereira Jr AJA, Negreiros WA.
com aumento significativo para 5,67 (p <0,001). Dentre Avaliação da dor causada pela mucosite oral em pacien-
os 40 pacientes que aderiram as orientações, 67% afirma- tes oncológicos. Rev Dor 2009;10(1):47-50.
ram melhora da QV e 25% mantiveram a quantificação 9. INCA/MS. Cuidados Paliativos Oncológicos – Contro-
atri­buída no início. Em um trabalho com metodologia si- le de Sintomas. Rev Bras Cancerol 2002;48(2):191-211.
milar, realizado com pacientes oncológicos paliativos en- 10. Salamonde GL, Verçosa N, Barrucand L, et al. Clini-
������
caminhados ao atendimento domiciliar, 52,3% apresenta- cal and therapeutic analysis of oncology patients treated
ram melhora da QV entre os atendimentos12. at the Pain and Palliative care Program of the Hospital
A intervenção multidisciplinar e interdisciplinar em pa- Universitário Clementino Fraga Filho in 2003. Rev Bras
cientes oncológicos em cuidados paliativos visa tratar o Anestesiol 2006;56(6):602-18.
indivíduo como um todo, controlar a dor e os demais 11. De Araújo LAS, De Araújo CZS, Souto AKBA, et al.
sintomas decorrentes da neoplasia, promover sua auto- Cuidador principal de paciente oncológico fora de pos-
nomia e fornecer assistência à família. sibilidade de cura, repercussões deste encargo. Rev Bras
Enferm 2009;62(1):32-7.
CONCLUSÃO 12. Melin-Johansson C, Axelsson B, Gaston-Johans-
son F, et al. Significant improvement in quality of
A intervenção conjunta médica e nutricional contribuiu life of patients with incurable cancer after designa-
diretamente para o controle dos sintomas, permitindo a tion to a palliative homecare team. Eur J Cancer Care
discussão quanto à conduta individualizada, promoven- 2010;19:243-50.
do o controle adequado da dor, aumento da ingestão ali- 13. Corrêa PH, Shibuya E. Administração da terapia
mentar e auxiliando o paciente oncológico em cuidados nutricional em cuidados paliativos. Rev Bras Cancerol
paliativos a viver com melhor qualidade de vida. 2007;53(3):317-23.
14. Pimenta CA, Koizumi MS, Teixeira MJ. Chronic
REFERÊNCIAS pain and depression: study of 92 patients. Rev
�����������
Esc En-
ferm USP 2000;34(1):76-83.
1. Diniz RW, Gonçalves MS, Bensi CG, et al. Awareness 15. Benarroz Mde O, Faillace GB, Barbosa LA. Bioeth-
�������
of cancer diagnosis does not lead to depression in palliative ics and nutrition in adult patients with cancer in pallia-
care patients. Rev Assoc Med Bras 2006;52(5):298-303. tive care. Cad Saude Publica 2009;25(9):1875-82.
2. da Silva RC, Hortale VA. Palliative care in cancer:
elements for debating the guidelines. Cad Saude Publica Apresentado em 13 de outubro de 2010.
2006;22(10):2055-66. Aceito para publicação em 03 de dezembro de 2010.

288

10 - Controle dos sintomas e intervencao.indd 288 10.12.10 16:46:12

Você também pode gostar