Teatro e Resistência em Aracaju em Tempos de Ditadura: 1964 - 1977
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INTRODUÇÃO
*Licenciada em História pela Universidade Federal de Sergipe e mestranda com bolsa CAPES no
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Endereço eletrônico:
[email protected]
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indígenas como símbolo do povo brasileiro. Nessa busca pela identidade, construía-se a
imagem de um homem novo, que seria tanto a causa quanto a expressão concreta da
transformação (RIDENTI, 2000).
Diversos setores da sociedade brasileira estavam empenhados na construção de
mudanças para o país, que para alguns seria em forma de revolução e para outros apenas
a reforma e adequação das políticas econômicas e sociais brasileiras para que houvesse
uma melhor inserção do país no processo de desenvolvimento econômico internacional.
O amplo movimento que reúne diferentes agrupamentos da esquerda tinha como
eixo principal o debate sobre o nacional- popular, que segundo Marilena Chauí “podem
indicar maneiras de representar a sociedade sob o signo da unidade social. Isto é, Nação
e Povo são suportes de imagens unificadoras tanto no plano do discurso político e
ideológico quanto no plano das experiências e práticas sociais” (CHAUÍ, 1986. P. 105).
E o governo Goulart, pautado por um discurso reformista e nacionalista foi um
campo frutífero para a crescente mobilização das esquerdas. Esse grupo mais
progressista demandava um amplo leque de reformas sociais, econômicas e políticas
que abarcavam desde a reforma agrária, passando pelas reformas bancária e
universitária até a luta pela legalização do Partido Comunista Brasileiro (que apesar de
oficialmente proibido, tinha nesse período enorme influência nas pautas das esquerdas,
nos movimentos sociais e sindicais e inclusive no governo Goulart).
Era um momento de esperança e engajamento e diversos setores confluíam para
a pauta em comum: a luta pelas reformas de base no Brasil e a construção da identidade
do povo brasileiro, representada pela classe trabalhadora da cidade e do campo. A
“Frente de Mobilização Popular” formada principalmente pelo movimento sindical -
liderado pelo Comando Nacional dos Trabalhadores (CGT), os movimentos sociais de
luta pela terra- especialmente as Ligas Camponesas, os movimentos urbanos, o
movimento estudantil - liderado pela União Nacional Dos Estudantes (UNE), o Partido
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criava decretos e implementava leis que tinham como objetivo controlar e reprimir as
ações contrárias ao regime.
Partidos, sindicatos e entidades de classe foram proibidos e entraram na
clandestinidade, tendo suas ações e seus membros vigiados, perseguidos, enquadrados
como subversivos e criando uma política sistemática de prisões, torturas e assassinatos.
A cada Ato Institucional promulgado, mais difícil era a denúncia e a atuação na luta
contra a ditadura.
Diversas organizações políticas de esquerda – então na clandestinidade-
discutiam a melhor estratégia para o enfrentamento da situação posta. Algumas
defendiam o enfrentamento indireto, planejando e apoiando manifestações de rua,
denúncias em organismos internacionais e ações políticas que dessem visibilidade à
oposição. Muitos intelectuais, artistas e membros da imprensa desenvolveram meios de
combater a ditadura através do uso de metáforas e alegorias.
Outras organizações defendiam o enfrentamento direto, planejando e executando
embates na área rural e nas cidades. Organizações como a Aliança Nacional
Renovadora (ALN), Ação Popular (AP), Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-
8), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Movimento de Libertação Nacional,
Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares) são alguns dos mais destacados
grupos políticos que ao longo da ditadura agiram como focos de resistência e combate
práticos contra a ditadura, através de sequestros, expropriações de bancos e cofres
privados e luta armada. (ROLLEMBERG, 2009)
A maioria das ações realizadas por essas organizações foram frustradas já em
seu planejamento ou na sua realização, devido ao grande esforço do governo e dos
órgãos de espionagem e repressão que desmontaram organizações perseguindo,
prendendo, torturando, matando ou exilando seus membros.
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O espaço para oposição era limitado e nesse sentido a cultura assume importante
papel da resistência e combate à ditadura. Na música e no cinema, letras e imagens que
se utilizam de metáforas e alegorias para driblar a censura, assim como acontecia com
artigos e notas de jornais. No teatro, encenações sobre o cotidiano e a busca por novas
experiências e formas de contar histórias. Apesar da censura, a cultura se tornou a
válvula de escape da oposição e a maior expressividade da resistência. (RIDENTI,
2009)
Marcos Napolitano nos dá um panorama desse novo quadro ao afirmar que,
Por parte dos comunistas ortodoxos, ocupação dos espaços (no Estado
e no mercado) buscando recompor a cultura nacional-popular
destroçada após 1968; por parte das correntes marginais da
contracultura jovem, a criação de espaços libertários e alternativos,
sobretudo em torno da sociabilidade universitária; por parte de
católicos e militantes de grupos clandestinos (dissidentes do PC,
trotskistas, maoístas) a ocupação dos espaços da cultura popular
operária, nas periferias das grandes cidades (NAPOLITANO, 2002:
6).
TEATRO E RESISTÊNCIA
Antonin
Artoud
sensibilidade, certamente precisamos antes de mais nada, de um teatro que nos desperte:
nervos e coração.” (ARTAUD, 1993: 81).
Como dito anteriormente, as condições repressivas postas pela ditadura ao
mesmo tempo que inviabilizaram a cultura em certos aspectos, por outro lado findou
impulsionando a formulação de novos modelos. Foi assim com o teatro, que mesmo
sofrendo com a censura, acabou por criar caminhos alternativos de atuação através do
uso de metáforas e distorções e que se aproveitou das condições desfavoráveis para
fazer “ surgir nos palcos tendências, experiências, textos e encenações de características
muito diferentes de tudo que ali fora visto anteriormente” (MICHALSKI, 1989).
O teatro tem várias formas, estilos e tendências que surgiram ou adquirem
destaque a depender do contexto sociocultural. Para Fernando Peixoto “ o que se
transforma na vida social e real dos homens é que determina modificações nas
concepções filosóficas como nas representações artísticas” (PEIXOTO, 1981, p. 12),
assim, a cultura e o teatro em suas diversas manifestações são reflexo do momento em
que estão inseridos.
Durante a ditadura civil- militar, o teatro viveu e refletiu esse tempo. Falou sobre
a realidade do Brasil naquele contexto, contestou e denunciou os abusos do Estado
autoritário, criou imagens e cenas que falavam de outra realidade- do passado e da
esperança no futuro diferente.
Três momentos foram particularmente importantes para o teatro no período da
ditadura: no primeiro, no início da década de 1960, o teatro ainda mantinha aquela áurea
de luta pelas mudanças que influenciaram o teatro a partir da década de 1950; o
segundo, iniciado em 1968 com a implementação do Ato Institucional n° 5 (AI-5) que
representou o estreitamento da censura, mas em contrapartida uma renovação na forma
de fazer teatro; e o terceiro, a partir do final da década de 1970, com o início da
abertura política e uma retomada da liberdade na cultura.
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As referências sobre os grupos teatrais são da Enciclopédia Itaú cultural de Teatro. Disponível em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm>. Acesso em: 22 mar.
2013.
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Referências sobre os grupos foram encontradas no Arquivo do CULTART-UFS (Centro de Cultura e
Arte), atualmente localizado no acervo da Universidade Federal de Sergipe.
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como oficinas e cursos. O Festival torna-se importante pelo seu caráter de divulgação
das experiências culturais e pelas trocas entre os participantes.
No fim da década de 1970 é criado o Grupo Imbuaça, talvez o mais reconhecido
grupo teatral sergipano. Um grupo de jovens que participava de uma oficina de teatro
resolve montar um grupo e dar o nome de ”Aspectrus”. Ainda em 1977, no Festival de
Artes de São Cristóvão, o grupo recém formado sofre influência de um outro grupo que
se apresentava no festival, o Teatro Livre da Bahia, que utilizava a linguagem da
literatura de cordel nos espetáculos, elementos da cultura popular e certa conotação
política. O Aspectrus decide prosseguir um caminho mais voltado à cultura popular, ao
debate da realidade brasileira e à defesa do povo (CARREGOSA, 2008).
O Imbuaça tornou-se o grande nome do teatro sergipano e é reconhecido
nacional e internacionalmente. Sobre o grupo, Lindolfo Amaral, um de seus membros,
afirma:
3
Entrevista de Lindolfo Amaral ao Programa Temporada, n. 15. Fundação Aperipê. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?v=odINCEhTaoY>. Acesso em: 16 mar. 2013.
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repressão, até seu fim. O debate então não era mais pelo fim da ditadura e pela
liberdade. Aos poucos, o teatro político, engajado com a realidade social foi perdendo
espaço, sendo substituído por um teatro mais lúdico e leve.
Mas esse teatro não se perdeu de todo. Atualmente podemos encontra-lo em
grupos que fazem teatro de rua, como o Imbuaça de Sergipe e o Galpão de Minas
Gerais. Não há mais o inimigo autoritário da ditadura, mas o debate sobre a cultura
popular, a identidade do povo, a realidade social brasileira, continuam a influenciar o
teatro.
Em Sergipe nos últimos anos, além do Imbuaça, podemos citar dois exemplos de
experiências teatrais comprometidas, engajadas ou que no mínimo representam a não
conformação com a realidade. A primeira é uma trilogia escrita pelo sergipano Hunald
Alencar. São três peças: Castrum, Itanhy e Cárcere, que fazem uma viagem pela
história da classe trabalhadora no Brasil, desde o século XX até a década de 1980 com a
abertura política. Hunald Alencar resgata um tema não muito corriqueiro no teatro atual,
porém extremamente atual e plausível. Ele assim descreve sua trilogia:
4
Entrevista de Hunald Alencar ao Programa Temporada da Fundação Aperipê. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?v=odINCEhTaoY>. Acesso em: 16 mar. 2013.
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Depoimento de Leandro Sacramento. Entrevista concedida à Mayra Alves, Aracaju, 18 mar. 2013.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
6
Idem.
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do tipo no Estado, beneficiando tanto o público que tem acesso aos espetáculos, quanto
os artistas, que tem a possibilidade de dialogar entre si e expor sua arte.7
Ainda em 2011, a Secretaria de Cultura do Estado de Sergipe inaugura o
Memorial do Teatro Sergipano no Teatro Lourival Baptista. O Memorial conta com 500
peças, que são fruto de doações, pesquisa e arquivos pessoais, dentre elas encontramos
programas de peças, livros, objetos de cena, figurinos etc.8
Esses três espaços são de fundamental importância para o conhecimento,
valorização e construção do teatro sergipano. A cultura muitas vezes age como
instrumento da resistência. As vezes, resiste ao autoritarismo de uma ditadura militar,
mas pode resistir também à opressão e exploração sofrida por um grupo ou pela
sociedade.
Durante a ditadura civil-militar, a cultura, que vinha formulando seu discurso
sobre as bases da construção da democracia e das mudanças sociais, passou a atuar
como foco de denúncia e resistência à situação vivida. E o teatro, enquanto expressão
importante da cultura, assume um papel relevante no enfrentamento simbólico ao estado
autoritário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
7
Informações sobre o Festival do Teatro Sergipano obtidas no site da Secretaria Estadual de Educação.
Disponível em: < http://cultura.se.gov.br. Acesso em: 22 mar. 2013.
8
Informações sobre Memorial do Teatro Sergipano obtidas no site da Secretaria Estadual de Educação.
Disponível em: < http://cultura.se.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2013.
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FONTES CONSULTADAS: