Capitalismo Dependente e A "Questão Social" No Brasil Racismo e Desigualdades Regionais Como Determinações Estruturais
Capitalismo Dependente e A "Questão Social" No Brasil Racismo e Desigualdades Regionais Como Determinações Estruturais
Capitalismo Dependente e A "Questão Social" No Brasil Racismo e Desigualdades Regionais Como Determinações Estruturais
RESUMO
Este artigo apresenta reflexões a respeito das determinações estruturais do racismo e das
desigualdades regionais no país, a partir da teoria da dependência e da análise da formação
social-histórica-econômica-cultural brasileira. O texto destaca a importância de compreender
esses fenômenos como determinações incontornáveis para se apreender a formação da classe
trabalhadora brasileira e apresenta mediações que buscam traçar características universalizadas
pelo modo de produção capitalista, mas que se particularizam no Brasil e se singularizam na
região Nordeste. Além disso, o artigo discute a cultura profissional do Serviço Social brasileiro
e sua relação com as reflexões apresentadas. Destaca-se a compreensão da formação da classe
trabalhadora brasileira a partir das determinações estruturais do racismo, das desigualdades
regionais, destacando a importância de analisar tais fenômenos como elementos fundamentais
para compreender não apenas a gênese, mas também o movimento e as contradições da "questão
social" no Brasil.
ABSTRACT
This article presents reflections on the structural determinations of racism and regional
inequalities in the country, based on the theory of dependence and the analysis of the Brazilian
social-historical-economic-cultural formation. The text highlights the importance of
understanding these phenomena as unavoidable determinations to grasp the formation of the
Brazilian working class and presents mediations that seek to outline characteristics universalized
by the capitalist mode of production, but which are particularized in Brazil and singularized in
the Northeast region. Additionally, the article discusses the professional culture of Brazilian
1
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social vinculado à Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS/ESS - UFRJ). https://orcid.org/0000-0002-2381-7174
[email protected]
Social Work and its relationship with the presented reflections. It emphasizes the understanding
of the formation of the Brazilian working class based on the structural determinations of racism,
regional inequalities, highlighting the importance of analyzing such phenomena as fundamental
elements to understand not only the genesis, but also the movement and contradictions of the
"social issue" in Brazil.
RESUMEN
Este artículo presenta reflexiones sobre las determinaciones estructurales del racismo y las
desigualdades regionales en el país, basadas en la teoría de la dependencia y el análisis de la
formación social, histórica, económica y cultural brasileña. El texto resalta la importancia de
comprender estos fenómenos como determinaciones inevitables para comprender la formación
de la clase trabajadora brasileña y presenta mediaciones que buscan trazar características
universalizadas por el modo de producción capitalista, pero que se particularizan en Brasil y se
singularizan en la región Nordeste. Además, el artículo discute la cultura profesional del Trabajo
Social brasileño y su relación con las reflexiones presentadas. Se enfatiza la comprensión de la
formación de la clase trabajadora brasileña a partir de las determinaciones estructurales del
racismo y las desigualdades regionales, destacando la importancia de analizar dichos fenómenos
como elementos fundamentales para comprender no solo la génesis, sino también el movimiento
y las contradicciones de la "cuestión social" en Brasil.
INTRODUÇÃO
2
Escolhemos, para a epígrafe que abre este artigo, este trecho do samba enredo da Mangueira de 2019,
por abordar questões históricas, culturais e sociais que são fundamentais para compreender a formação
da classe trabalhadora brasileira. A menção a Dandara, ao Cariri e aos caboclos de julho remete à
resistência e à luta contra a opressão, enquanto os nomes de Marias, Mahins, Marielles e malês
representam figuras históricas e contemporâneas que simbolizam a luta por justiça social e igualdade,
temas centrais no debate sobre a formação da classe trabalhadora brasileira e as determinações estruturais
do racismo e das desigualdades regionais.
A nossa proposta, neste texto, é traçar reflexões que busquem uma aproximação
qualificada em torno da relação entre os fundamentos sócio-históricos da “questão
social” com o racismo no Brasil e as particularidade no Nordeste. Nosso ponto de partida
terá dois pressupostos:
i) o primeiro diz respeito à nossa opção teórico-metodológica que é sustentado
pela tradição de pensamento marxista/marxiana. Assim, buscaremos direcionar o debate
da “questão social”, do racismo e das disparidades regionais à guisa da lei geral de
acumulação capitalista e da teoria da dependência na constituição do capitalismo no
Brasil. Daremos, assim, a devida importância à compreensão desses fenômenos como
determinações incontornáveis para se apreender a formação da classe trabalhadora
brasileira. Nesse sentido, recuperaremos as determinações que mediam a relação entre
o capital e o trabalho à formação social-histórica-econômica-cultural no Brasil,
apreendendo não apenas a gênese da “questão social”, mas o seu movimento próprio e
as suas contradições fundamentais, que estruturam um determinado tipo de capitalismo
que possuí matrizes escravocratas, patrimonialistas, patriarcais e genocida.
ii) o segundo norte diz respeito à cultura profissional que foi gestada pelo
Serviço Social brasileiro no final da década de 1970, do século passado, a partir da
experiência da Escola Católica de Minas Gerais. A proposta seria a construção de um
projeto profissional que possibilitasse a ruptura política e teórica com o lastro liberal-
conservador que marca o surgimento e o desenvolvimento da profissão em nossa
realidade. Segundo Iamamoto (2019), rompe-se com a prevalência exclusiva do
conservadorismo, mas a profissão presencia a dialética da convivência entre esse
pensamento e a intenção de ruptura, até os dias atuais.
O marco dessa vertente da Renovação Profissional, o da Intenção de Ruptura,
se dá com o Congresso da Virada, O 3.º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em
1979. Apresenta-se à categoria profissional um projeto que possuí um peso ideopolítico
e teórico-metodológico que determinou por uma direção estratégica à profissão com
profundas refrações no exercício profissional, na formação profissional e na organização
política das/os Assistentes Sociais brasileiras/os (NETTO, 2011; MOTA; AMARAL,
2016).
A década de 1980, representa, para essa categoria profissional, o momento de
disputa entre os projetos conservadores (com a prevalência do projeto modernizador,
em detrimento do projeto da reatualização, que teve parca adesão profissional) e do
Projeto de Intenção de Ruptura em busca de hegemonia. Ao mesmo passo, esse
(...)
E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
(Canto das três raças)
3
A classe trabalhadora excedente, segundo a teoria marxiana, é a parte da população disponível para o
capitalismo, sem emprego regular, servindo como reserva de mão de obra para manter salários baixos e
permitir maior exploração. Sua existência reflete a dinâmica da acumulação capitalista, onde a expansão
da riqueza está relacionada à ampliação da pobreza e da exploração dos trabalhadores o que é, em síntese,
a lei geral da acumulação capitalista.
estamos tratando daqueles fenômenos que têm a sua existência fundada pelo modo de
produção capitalista. Reconhecemos, assim como Netto (2001) fez, que a exploração
não é um traço distintivo do regime do capital, pelo contrário, essa precede largamente
a ordem burguesa, reproduzindo, em outros modelos sociais, desigualdades entre as
classes sociais historicamente existentes.
Nos modelos de produção anteriores ao capitalismo, a produção estava
determinada exclusivamente aos fatores naturais, sendo limitada pelo parco
desenvolvimento das forças produtivas (NETTO, 2001; SANTOS, 2012). Assim, a
desigualdade e a pobreza eram expressões concretas dos limites impostos à produção.
Com a Revolução Industrial, propiciada pelo capitalismo, houve a possibilidade de
desenvolvimento tão significativo das forças produtivas, permitindo a redução da
dependência aos fatores naturais que eram responsáveis pela produção da escassez, que
se materializava em pobreza e miséria, nos modelos de produção precedentes ao
capitalismo. Cabe destacar que, mesmo com essa revolução na produção, o capitalismo
vivenciou momentos de escassez. No entanto, esses fenômenos acabaram sendo cada
vez mais localizados, em comparação aos outros modelos de produção, como o
escravismo e o feudalismo.
O Segundo esclarecimento, em sintonia com a complexidade que devemos
apreender a “questão social”, diz respeito que além de socialmente produzida, a escassez
que gera o pauperismo não expressa sozinha a “questão social.” Outra característica de
suma importância para que possamos construir uma apreensão crítica, sobre os
elementos que fundamentam a “questão social”, está relacionada diretamente aos seus
desdobramentos sociopolíticos.
Segundo Netto (2001), a escassez que se reproduz nos marcos do capitalismo
resulta na forma como serão estabelecidas as relações sociais de produção e de
reprodução deste sistema social. Podendo, dessa forma, serem superadas caso haja a
superação desse modelo de produção, que é sustentado pelas formas de exploração do
trabalho que garantem a apropriação privada do que é socialmente produzido. Santos
(2012) afirma categoricamente que as lutas de classe são ineliminavelmente
constitutivas da “questão social”. Atingindo, portanto, o cerne do processo de produção.
Constituindo relações sociais contraditórias e antagônicas entre capitalistas e
trabalhadores.
Os elementos que apresentamos, nesta seção, como já afirmamos, se
debruçaram na historicidade e na conceituação crítica em torno da “questão social”.
(...)
Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
(Gente Humilde)
decisivo não só na unificação dos interesses das frações e classes burguesas, como na
imposição e na irradiação de seus interesses, valores e ideologia para o conjunto da
sociedade. Temos um Estado “[...] que é capturado pelo bloco de poder burguês, por
meio da violência ou pela cooptação de interesses” (IAMAMOTO, 2012, p. 132).
Estrutura-se um Estado que evita qualquer ruptura radical com o passado,
buscando conservar traços essenciais das relações sociais coloniais e da dependência
ampliada ao capital internacional. Um Estado divorciado das classes subalternas
(IANNI, 1984). Uma democracia que é incompleta, blindada aos interesses do povo
(DEMIER, 2017).
Um dos traços essenciais das relações sociais coloniais que estruturam a nossa
formação social-histórica-econômica-cultural é marcada pelo aburguesamento dos
senhores de escravos, na passagem do modelo de produção escravista para o
capitalismo, como afirma Moura (1983). Com a universalização do trabalho livre,
aposta-se numa política de imigração de europeus, mas mantendo o lucrativo negócio
das empresas de tráfico de escravizados. Mesmo com o fim formal desse tipo de
comércio, em 1850, através de decreto inglês, ele não deixou de existir, tendo em vista
a sua alta lucratividade. Para Moura (1983), além de possibilitar uma reorganização para
as empresas vinculadas ao tráfico de escravizados, criou-se um potente exército
industrial de reserva com a população negra.
Neste sentido, o racismo não é um mero reflexo das estruturas arcaicas que
poderiam ser superadas com a modernização, pois a modernização é estruturada pelo
racismo (ALMEIDA, 2018). O racismo, assim, é um sistema de dominação-exploração
que tem base material na divisão social-racial-regional do trabalho. No capitalismo ele
é responsável por integrar a organização política e econômica da sociedade, sendo assim
estrutural. Segundo Almeira (2018) é uma forma de discriminação, de preconceito e um
processo em que as condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre
os grupos raciais se reproduzem nas esferas da materialidade e da imaterialidade.
Segundo Fernandes (2017), mesmo que o trabalho seja uma mercadoria,
havendo, assim, uma composição multirracial-sexual/gênero-regional, nem sempre os
trabalhos iguais são mercadorias iguais. Ou seja, à formação do capitalismo no Brasil,
foi fundamental tratar a força de trabalho como mercadorias desiguais, tendo em vista
que isso incide no valor da força de trabalho e no pagamento de salários, na formação
da classe trabalhadora em nosso país.
CONSIDERAÇÕES
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
(O meu guri)
REFERÊNCIAS
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013.
MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Angela Santana do. Serviço Social brasileiro:
cenários e perspectivas nos anos 2000. In: MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Angela
Santana do. Cenários, Contradições e Pelejas do Serviço Social Brasileiro. 1ª ed.
São Paulo: Cortez, 2016.
MOURA, Clóvis. Brasil: raízes do protesto Negro. São Paulo: Global, 1983.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no
Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 2011.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez,
2011.
NETTO, José Paulo. Transformações Societárias e Serviço Social no Brasil: notas para
uma análise prospectiva da profissão no Brasil. In: Revista Serviço Social e
Sociedade. Nº50. São Paulo: Cortez, 1996, p. 87-129.