Aqui Quem Fala É o Povo Xakriaba - Ceu

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Dedicamos este livro a todos os

pesquisadores Xakriabá autores as


obras originais às quais recorremos
para produzir esta antologia.
Dedicamos também aos mais velhos
e às lideranças Xakriabá.
Dedicamos aos estudantes que
lutam pela preservação dos saberes
de seu povo.
Apresentação
Caros parentes Xakriabá,

Tivemos a alegria de fazer parte da equipe editorial desta


obra, ao lado dos estudantes de graduação do curso de
Edição da FALE–UFMG e da professora Alice Bicalho. Para
nós foi um prazer imenso vê a cultura e a tradição de nos-
so povo ser reconhecida. Vê a sabedoria de nosso povo
ser respeitada e reconhecida nos fortalece, quando lem-
bramos dos saberes de nosso povo entramos em contato
com a terra e com tudo que ela nos guarda em segredo.
Vivemos em tempos onde os mais velhos são esquecido,
deixados de lado, reviver essa sabedoria foi como uma
conexão direta com nossos ancestrais que viveram nesse
pedaço de chão.
Os mais velhos são livros vivos que nos conta uma história
de luta e sabedoria, uma história que não foi enterrada
com eles, mas permanece em nós e é passada através do
falar, do cantar, e do pintar também.
À UFMG nossos mais sinceros agradecimentos.
Atenciosamente,
Cheila Araújo Xakriabá,
Célia Fiúza Xakriabá e
Fernanda do Carmo Xakriabá.

5
CÉU
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Céua7
Quando, à noite ou à tardinha, o céu está avermelhado é
sinal de frio. Quando dá olho de boi no céu (tipo um arco-
-íris, só que redondo, em volta do sol), é sinal de chuva de
vento, tempestade.
Quando está formando chuva e as nuvens ficam pretas e
com barrado vermelho, andando rapidinho, é sinal de chu-
va de pertenente*.

Caminho de Santiago7
É uma parte mais estrelada do céu, que anda muito, muda
muito de lugar. Talvez, seja o que os físicos chamam de
Via-Láctea. O Caminho de Santiago vai andando… quando
ele ficar atravessado em cima da casa de um pai de famí-
lia, pode observar: é que uma das filhas da casa está para
casar. Quando o Caminho de Santiago está todo manchado
de preto significa que uma pessoa vai ficar viúva (alguém
próximo de quem está observando isto).

Estrela7
Quando você olha para o céu e as estrelas estão tremendo,
é certeza de que a chuva vai chover. A estrela da guia é
companheira da Lua, mas fica afastada. Quando uma pes-
soa está para ficar doente, ela vai só chegando para perto
da Lua. Quando ela está quase dentro da Lua, a pessoa
morre e, quando a pessoa tem de escapar, ela vai perto da
Lua e volta, afastando devagarinho.

a As notas numéricas se referem às obras originais das quais cada texto


8 desta coletânea foi retirado. As referências completas bem como uma si-
nopse destas obras se encontram ao final deste volu-me. Já os asteriscos
indicam que o vocábulo consta no glossário. [N.E.]
105
Céu

Estrela cadente1
Os mais velhos falam que quando a estrela cadente sai do
lugar onde estava, em grande velocidade, a gente não pode
falar nada nem apontar o dedo. Quando ela passa, a pessoa
tem que rezar três Ave-Marias. Além disso, quando ela muda
é sinal que um casal está para se separar (largar ou morrer).

A estrela cadente
é coisa de preocupar
se muda a posição
um casal vai separar

Zelação7
Luz que passa rápido no céu, espalhando faísca (corres-
ponde à estrela cadente). Quem vê não pode apontar nem
falar que viu. Se falar, fica fuxiquento, linguarudo, não sabe
guardar segredo. Não saber guardar segredo pode causar
problemas para a pessoa, nem tudo que se vê se fala (as
rezas, acontecimentos da família, assuntos pessoais etc).

Lua7
Quando ela está nova, não podemos olhá-la de lado, só
olhar de frente, porque precisa salvar para livrar de doen-
ças. Quando ela está novinha, fininha, a gente não a vê,
mas quando ela está nova, caminhando para a fase cres-
cente, já dá pra ver.
Quando a Lua está nova ou minguante e está pendida*,
ela está marcando chuva para o próximo mês. Quando a
Lua está com uma lagoa d’água em volta, é indicação de
que vai chover.
Se quiser que o cabelo cresça, cortar na Lua Crescente. Se 9
quiser ser que renda e pare de cair, Lua Cheia. Na Lua Min-
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

guante, ele diminui, baixa o volume. E a Lua Nova faz o ca-


belo cair e ficar quebrado. Mulher tem que cortar o cabelo
de manhã, se cortar depois de meio-dia ele não cresce.
Homem pode cortar a qualquer hora. Não pode deixar mo-
lhar no dia que corta.

Lua Nova1
No primeiro dia de Lua Nova, os mais velhos têm o costu-
me de salvar ela. Como salvar a lua:
Deus te salve Lua Nova. Minha joia que vi hoje me livre de
fogos ardentes e língua de má gente. Vai pras onda do mar,
onde não vê galo nem galinha cantar. Em nome do Pai, do
Filho, do Espírito Santo. Amém.
Em seguida, reze uma Salve Rainha.

Salve Rainha8
Salve Rainha, ô Mãe da Misericórdia, vida doçura, a espe-
rança nossa. O Deus vos salve, ô viave vós baradame, o
degradade e os filhos de Eva. Vos suspirano ó gemendo e
chorando, o Deus nos vale é de lágrima, após senhora, o
seus advogada nossa, de seus olhos o misericordioso, o
ano ouro ouve, ouve viel depois, desse desterro, erro nos
a morte, mostrais a Jesus o Bendito é o fruto, do vosso
ventre e entre o Quelemente, o piedoso o piedoso é o doce,
ó sempre Virgem, ó Virgem Santa Maria, rogais a Deus por
nós, ó santíssima é a Mãe de Deus, ó para que, para que
sejamos dignas, de alcançai as promessas de Jesus Cristo.
Amém, Jesus, Maria José.

Dia de Lua Nova1


devemos observar
10 como os mais velhos
costumam te salvar.
Céu

Ciência do sonho7
Os sonhos têm vários significados. Através deles ficamos
informados do que irá acontecer de bom ou de ruim. Quem
coça a cabeça enquanto está sonhando logo na hora que
vai acordando, esquece os sonhos com mais facilidade. Sai
da memória. Se você sonhar com alguém de quem você
gosta e quiser que ele também sonhe com você, é só virar
o travesseiro assim que acordar. Ou, então, muda de sen-
tido na cama.
Quando a gente sonha, é o espírito que sai andando e pas-
sa em tudo quanto é canto e depois volta e conta para a
gente. Quando a gente acorda, a gente sabe de tudo.
Espírito da gente quando sai andando e encontra a vida
da gente boa, a gente tem que seguir. Mas não é bom con-
tar. Guarda para ele mesmo, senão, pode até desmantelar.
Pode dar mau-olhado.
Quando o sonho é bom, é bom contar. Alguns sonhos não
podem ser contados.

Neve7
Quando a neve* está na baixa, a chuva não vai chover.
Quando está na serra, significa que vai chover. Como dizem
os mais velhos:

Neve na baixa,
Sol que racha.
Neve na serra,
Chuva na terra.

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Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Sol e sereno7
Se você pega muito sol ou sereno, você fica com dor de ca-
beça, porque tem muito sol ou sereno na cabeça. Para tirar
sol e sereno, usa-se uma garrafa branca, de vidro, com água,
e põe um pano branco na cabeça. Depois, reza na boca da
garrafa. A água de dentro da garrafa começa a ferver. Quan-
to mais bolinhas saem, mais sol e sereno estão saindo.

Cova de Eva e Adão7


São dois sinais que tem no céu, que se vê de noite, tipo
uma nuvem. Quando uma some, diz que está buscando
chuva. Quando estão as duas juntas, vai demorar a chover.

Chuva7
Quando a chuva demora a chover, as mulheres e crianças
fazem uma novena, levando água e rezando até chegar no
cruzeiro*. Lá, só molham a sepultura dos anjos.
A seriema quando canta está avisando que vai chover. A
andorinha também avisa chuva.
Quando está custando a chover, algumas árvores come-
çam a chorar, são elas: catinga-de-porco e pau-ferrinho.
Quando a nuvem de chuva vem do lado que o Sol entra, é
porque vai invernar. E se for do lado que o Sol sai, a chu-
va vai ser rápida, vai estiar rápido. Se estiver chovendo e
aparecer tanajura ou machado, é porque vai estiar. E se
aparecer mariposa quando estiver chovendo, vai invernar.
Se a cigarra começar a cantar enquanto estiver chovendo,
é porque vai estiar. A cigarra também adivinha chuva. Ela
12 canta para chover e depois para estiar. Quando a cigarra
está renovando a pela*, quando sai do buraco renovando
Céu

a pela – ela canta para estourar a pelinha –, é porque vai


chover. É uma alegria. Só nas bocas das águas é que elas
começam a aparecer (setembro–outubro).
Existe uma simpatia para estiar a chuva por um dia: quando
tem casamento, se estiver chovendo, é só trocar três telhas
do eitão* da casa do lado que a chuva vem. Logo a chuva
passa. No outro dia, quando a festa já passou, torna a des-
trocar, e a chuva continua normalmente. Tem uma simpatia
também para evitar chuva de tempestade: quando a chuva
vem com o vento, é só colocar chifre de boi para queimar.

Profecia de São João7


Para saber se o ano vai ser bom de chuva, no dia 24 de ju-
nho à noite, coloca-se um pouco de sal em cima de uma pe-
dra. Quando for no outro dia de manhã cedo, se o sal estiver
todo derretido, é que o mês vai ser bom de chuva. Colocan-
do cada noite um pouco de sal, por seis noites, cada noite
vale um mês. Se o sal derreter seis vezes, conta seis meses
de chuva. E por aí vê se vai ser um ano de muita chuva.

Arco-Íris7
Se a gente vê o arco do lado que o Sol entra (se põe), a
pessoa vai ter mais sete anos de vida, além dos anos que
já ia ter mesmo. É muito raro ele aparecer do lado que o
Sol entra, é só de vez em quando.
Se ele aparecer com a ponta voltada para o lado que o
Sol nasce e a outra ponta para o lado que o Sol se põe, é
porque o mundo vai acabar. Até hoje, isso não aconteceu.
Ver arco-íris de noite significa mais anos de vida para
quem o viu. Como não tem o sol, ele fica branquinho.
Se o arco-íris engolir a gente, a pessoa muda de sexo. Mas
já sai morto. Se sair vivo, sai abestalhado. Quando o arco- 13
-íris engole a pessoa é como um vento que puxa.
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Quando uma das pontas dele dá na água do riacho é por-


que ele está bebendo água para levar para outro lugar.
Quando isso acontece, venta muito. E é perigoso de ele
engolir a gente.
Às vezes, acontece de ele puxar uns peixinhos quando está
bebendo água e depois ele joga em qualquer lugar, até
na estrada. Como não acreditar nisso se a gente vê? De
acordo com o vento, os peixes saem. Já teve gente que viu
esses peixes.

Vento7
Quando de repente vem um vento quente, que dá aquela
quentura, você não pode falar nada. Não pode falar “ai,
que quentura”, porque é um vento mau. Pode-se contrair
doença, porque aquilo é uma doença.
Quando você está longe de casa, num lugar que não tem
nenhuma casa, e você sente um cheiro de comida que você
gosta muito, um bolo, carne frita, cheiro de café, não pode
falar nada, não pode falar “ai, que cheiro de comida”, por-
que fica doente. Não pode abrir a boca, que a doença entra.
Quando está ventando muito, que tem chuva de vento, a
gente vira as costas e dá três passos pra trás, de costas
para o vento. E, sem olhar para trás, joga um pouco de
água benta na direção que o vento vem.
Para o vento parar, é bom acender uma vela benta, queimar
chifre com palha de alho ou rezar o Bendito do padre Cícero.

Rezas7
A reza é muito importante, porque é por meio dela que
14 evocamos o poder espiritual, demonstramos nosso senti-
mento e agradecemos pela conquista recebida. A maioria
Céu

das rezas são aprendidas oralmente e não devem ser es-


critas, porque, senão, perdem seu poder. Se alguém pre-
cisar de uma reza, mesmo que ela não saiba rezar aquela
oração, pode contar com a ajuda de quem sabe. Os benze-
dores não ensinam tudo o que sabem, mas sempre estão
com boa vontade para curar. O benzedor escolhe apenas
as pessoas de confiança para ensinar e aquelas em quem
ele percebe o dom de curar. Isso vale para as rezas mais
sérias (tirar espírito mau, por exemplo). Rezas para proble-
mas simples (quebrante, mau-olhado, dor de dente, dor de
cabeça etc), todo mundo pode saber, basta ter interesse
em aprender e procurar alguém que saiba.

De forma geral, as rezas possuem as


seguintes partes8
Início/Pelo Sinal: é quando se faz o Pelo Sinal.
Pedir perdão/Confissão: é quando se confessa e se pede
perdão a Deus e a todos os Santos.
Deus vos salve: momento de pedir ajuda a Deus e a Virgem
Maria.
Ladainha: é cantada e rezada, ela é em latim misturado
com português, quase todas as pessoas que cantam não
sabem o significado das palavras da ladainha.
Salve Rainha: às vezes cantada — com melodias que va-
riam de aldeia para aldeia — e outras vezes rezada. Da pri-
meira vez que reza, ela é cantada.
Toda sois fermosa: é feita uma homenagem a Maria.
Oferecimento: as rezadeiras e outras pessoas oferecem
Ladainha, Salve Rainha, Pai-nosso, Ave Maria, Santa Maria,
todos os Santos, para agradecer pelos bens recebidos ou
pedir para que tudo dê certo na vida de alguém ou de um
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animal (normalmente é cura).
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Salve Rainha: da segunda vez que reza, ela é falada.


Meu Jesus crucificado: momento em que se pede para a
alma não se perder.
Bendito (para pedir “Senhor Deus”): é o Bendito que vem
antes de se fazer o pedido.
Senhor Deus: é quando é feito o pedido de proteção a Deus.
Benditos: os Benditos são uma parte das rezas. São sem-
pre cantados. Eles entram depois do Senhor Deus. A quan-
tidade de Benditos em cada reza varia, são rezados entre
três e cinco Benditos.
Benção: o pedido de benças é feito através de um bendito
que é cantado. Depois de se cantar vários benditos é que
se canta este, para finalizar esta parte dos Benditos.
Louvores/vivas: as frenteiras e quem mais souber fazem
um louvor aos donos da reza, aos santos e a todos os pre-
sentes, que respondem “viva”.
Bendito (para guardar o santo): é o Bendito final, canta-
do ao mesmo tempo em que se guarda o santo. As velas
acesas também são levadas até o lugar onde o santo é
guardado, que é no quarto, no oratório ou em outro lugar
da casa. O dono do santo é o dono da casa.

Folias de Reis8
A folia é uma comemoração religiosa e é um divertimento
também. Atrás dos foliões, sai uma redona* de gente (o
rabo da folia). Isso é divertido. Tem muitas folias que co-
meçam dia 25 e a cantoria dura até chegar dia 6 de janeiro,
dia de Santo Reis. A reza e a folia podem acontecer numa
mesma situação.
No mês de dezembro, a partir do dia 22, as pessoas já
16 começam a montar as lapinhas. As lapinhas são um tipo
de altar feito dentro das casas que rezam, onde se fazem
Céu

festejos todo ano. Elas ficam montadas até que as folias


terminem. Normalmente, quem faz as lapinhas são as pes-
soas mais velhas que têm a promessa para cumprir. Todo
ano elas enfeitam as lapinhas com vários santos e enfei-
tes, como balões e flores feitas pelas próprias pessoas e
flores naturais. Todos os enfeites da casa vão pra lapinha.
Usa-se toalha branca e enfeita-se o santo do dia, que é o
Menino Jesus. As flores são trocadas todos os dias. Costu-
ma-se colocar também pé de banana e de cana.
Os foliões andam de casa em casa e, quando chegam à
casa de alguém, cantam primeiro o Reis (pode ser do lado
de fora ou dentro, depende: se a pessoa estiver em casa, se
for de manhã ou se for de noite…). Depois do Reis, é a vez
de cantar e dançar o Lundu (que é cantado dentro de casa).
Se os donos da casa oferecerem bebida, os foliões dançam
um samba para pagar a bebida. Nessa hora também os do-
nos da casa costumam dar uma esmola, mas não é obriga-
do a dar. O dinheiro é usado para comprar velas e comidas
para a casa do dono da promessa, para usar na festa.
Os foliões cantam nas casas do lado direito apenas, num
número de casas já predeterminado pela pessoa que fez
a promessa. Na volta, os foliões cantam nas casas do lado
esquerdo (isto só é seguido quando o grupo não vai an-
dar grandes distâncias). Quando chega de novo na casa do
dono da promessa, tornam a cantar (para entregar o Reis)
e começa a parte das rezas.
O “Reis da boa entrada do ano” é cantado apenas no dia
6 de janeiro ou se alguém fizer promessa para Santo Reis.
Nesse caso, pode ser em outras datas e o altar é mais sim-
ples, menos enfeitado. O “Reis da despedida” é cantado no
mesmo dia do Reis da boa entrada do ano, depois do Lun-
du, em agradecimento pela esmola. Depois dele, os foliões
vão para outra casa. Ele só é cantado depois que os foliões
recebem a esmola, em cada casa.
Os foliões são os tocadores e cantadores, já conhecidos
na comunidade como foliões. Existem muitas folias can- 17
tadas pelos Xakriabá.
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Folias de promessa
Reis de Felipinha8
Felipinha na verdade é Dona Felipa, que era uma parteira e
rezadeira, sabia fazer remédios caseiros. Antes, o “Reis de
Felipinha” eram cantados nas aldeias Xakriabá e fora de-
las. Hoje já não é mais cantado como antigamente, porque
só é cantado na casa dos filhos de Felipinha pelos próprios
filhos. Depois que termina esse Reis, é cantado outro Reis,
o da Lapinha (se for dia da promessa da Lapinha). Na casa
da dona da promessa, que é Brasilina (Duca), é feito um al-
tar, onde se colocam vários santos. Nesse dia, o Santo Reis
fica no altar, que parece um presépio, coberto de papel.
Quando termina o Reis, os foliões dão os vivas, agradecen-
do ao Santo Reis e ao dono da casa.

Reis da boa entrada do ano,


de Felipinha8
Boa tarde, meu Senhor,
alegre estou lhe cantando [2x]
Isto são vespa de festa,
entrada do novo ano [2x]

Eu também, dono da casa,


eu bem disse que cá vinha [2x]
Eu bem disse que cá vinha
eu vinha lhe visitar [2x]

Vim saber da sua saúde,


sua dona como está [2x]
Sua dona como está,
com prazer e alegria [2x]

Os pequeno e grand’aqui
eu não sei eles quem são [2x]
18 Eles são filho de Deus
e da Virgem Conceição [2x]
Céu

Os pequeno e grand’aqui
eu não sei quem eles é [2x]
É um cravo e uma rosa
com a‘çucena no pé [2x]
Os pequeno e grand’aqui
devem serem coroados [2x]

É uma estrela da guia


pela uma estrela guiada [2x]
Santo Reis anda no mundo
visitando rico e pobre [2x]

E a esmola de Santo Reis


cada um dá o que pode [2x]
Andava Nossa Senhora
de noite pela rua [2x]

Atrás do Menino Deus,


sem nunca poder achar [2x]
Ora viva, ora viva,
viva meus três Reis primeiro [2x]

Viva José e Maria,


Mãe de Cristo verdadeiro [2x]
Não canto às parede
que as parede não são gente [2x]

Eu canto de gran’pequeno
que estão na par’di dentro [2x]
Deus lhe paga sua esmola
Deus lhe dê um bom aumento [2x]

Deus nos dê chuva na terra


pra molhar seus mantimento [2x]
O rosário de Maria
foi feito em Jerusalém [2x]

Ela reza e oferece,


e os anjo responde: Amém. [2x]

19
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Lundus8
Lundu é o nome que damos para uma cantoria que acom-
panha as folias. É cantado em cada casa quando se termi-
na de cantar o Reis. Duas ou quatro pessoas começam a
cantar e as outras respondem. Na sala do dono da casa,
fica uma roda com os foliões. Os outros participantes nor-
malmente não entram na roda.
Em cada casa, costuma-se cantar um Lundu. Depois que
canta a letra uma vez, os foliões entoam a melodia, sem
a letra. Neste momento, os foliões dançam o samba, ou
seja, além de cantado, o Lundu é também dançado. Exis-
tem vários Lundus. Os frenteiros, que são dois, são os que
começam a cantar, tanto o Lundu quanto o Reis. São eles
que decidem qual Lundu vai ser cantado. Dependendo do
que eles começarem, as pessoas seguem, respondendo —
tanto os foliões quanto as pessoas próximas — de forma
geral. Após o Lundu, para pagar a bebida que o dono da
casa deu (caso ele tenha dado), é dançado o batuque, que
é um samba, dançado em par. No batuque, todos os pre-
sentes entram na dança, grandes e pequenos.
Então os cantadores voltam para o início do Lundu e can-
tam tudo de novo. E tornam a dançar. Os Lundus falam de
assuntos diversos. Normalmente não falam de santos, de
Nossa Senhora ou de Deus, mas mesmo assim, são consi-
derados religiosos pelos Xakriabá.

Quaresma7
Quaresma são os dias mais finos, dias de guarda. A Quares-
ma são sete semanas e meia. A Quaresma é tempo de fazer
coisas boas, dar benção aos pais, aos parentes, às pessoas
mais velhas em volta, visitar os doentes e outras pessoas.
20 Durante a Quaresma não podemos comer carne às quar-
tas e sextas-feiras. Quando entra a Semana Santa, nin-
Céu

guém come carne a semana inteirinha. Na última semana


da Quaresma, só trabalhamos segunda-feira, terça-feira e
quarta-feira até o meio-dia, porque são dias finos.

Antigamente, rezava todos os dias da Quaresma, hoje,


só se reza nas sextas-feiras e, na Sexta-feira da Paixão,
reza a noite toda até o sol sair. As rezas da Quaresma só
acabam domingo de Páscoa. As rezas podem ser comuni-
tárias ou individuais. As rezas comunitárias são uma se-
quência de textos, cantos, palavras sabidas de cor, e são
rezadas em uma ordem certa, em festejos, promessas e
outras situações.

Quando jejuar, tem que deixar um pouquinho de comida


no canto da casa para os insetos comerem e morrerem. E
jogar um pouco no riacho para os peixes. É uma carida-
de com os peixes. Os mais velhos acreditam que no céu
tem um rio e, quando a gente for para o céu e tiver que
atravessar esse rio, os peixes vão ajudar. É para quando
morrer e chegar do outro lado do mundo, os peixes aju-
darem. Tem que falar para os peixes na hora de jogar a
comida: “É para você me ajudar a chegar do outro lado do
mundo”. Tem que falar a falinha.

Na Quaresma, a gente costuma beber bebidas amargas


para tirar os pecados, as impurezas do corpo. Não pode
comer coisa doce. Até o café tem que ser amargo.

Na sexta-feira, a gente espera o galo cantar. Se o galo


não canta, no outro dia não vai sair a aleluia. A aleluia
sai junto com o sol, bate na vasilha de água. A aleluia é
um símbolo que se vê no sol, é um reflexo. Eles colocam
uma vasilha de água de frente ao lugar que o sol sai e
conseguem ver aleluia nesta água. A aleluia pode ser uma
estrelinha, uma flor ou uma cruzinha. Se alguém enxergar
a aleluia, solta foguete, faz comida e fica alegre. Se não
ver, não tem nada. Tem uma reza específica, que eles re-
zam quando o sol sai, para agradecer a aleluia. Pode ser
21
um Bendito ou uma oração.
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

Benditos8
Os Benditos são uma parte das rezas. São sempre canta-
dos. Eles entram depois do Senhor Deus. A quantidade de
Benditos em cada reza varia, são rezados entre três e cin-
co Benditos. As rezadeiras puxam um bendito e as outras
pessoas acompanham. Algum participante pode também
sugerir um bendito. Alguns Benditos são próprios para al-
gumas partes da reza, como o bendito para pedir as ben-
ças (ao cantar este bendito todos ficam com a mão para
cima, em posição de pedir benças dos céus) e os benditos
para guardar o santo (cantado na hora de colocar o santo
no oratório).
Alguns Benditos mostram uma lição, orientam as pessoas
a não pecarem (mulher não deve trair marido, por exem-
plo), outros contam uma história de algo que aconteceu,
como o “Bendito da mulher que morreu queimada”.
Existem também os Benditos de chuva, pra pedir chuva.
Esses são cantados quando os mais velhos saem com as
crianças na direção do cemitério. Todos de pé no chão, com
vidro de água na cabeça e umas plantinhas. Rezam Benditos
nas encruzilhadas. Há os Benditos certos para rezar nessas
ocasiões, um exemplo é o “Bendito da lavadeira”.

Bendito para guardar o santo8


Lá se vai o santo se arreconheça [2x]
com vossos milagres tem grandes poder [2x]

Se nós for feliz antes de morrer [2x]


ninguém ganha o céu sem não merecer. [2x]

Lá se vai o santo se arreconheça [2x]


com vossos milagres tem grandes poder [2x]
22 Se nós for feliz antes de morrer [2x]
ninguém ganha o céu sem não merecer. [2x]
Céu

Bendito do Bom Jesus (somos romeiro


de longe)8
Somos romeiro de longe
a fé é que nos conduz
vamos todos para a lapa [2x]
visitar o Bom Jesus

Na lapa encantadora
brilhou um raio de luz
aonde os filhos romeiro [2x]
visitar o Bom Jesus

Retrato, braço, cabeça


de ser o povo conduz
para pagar as promessas [2x]
que faz o Bom Jesus

No monte de lá da lapa
só se vê uma alta cruz
parece até o calvário [2x]
aonde morreu o Bom Jesus

Tem pedra na construção de cima


ali pertinho da cruz
só pode ser um milagre [2x]
do amado Bom Jesus

Senhora da soledade
clareia-nos com a vossa luz
daqui ali a nossa casa [2x]
para sempre, Amém Jesus.

Danças de São Gonçalo8


A dança de São Gonçalo é dançada quando alguém faz
promessa (normalmente é promessa para curar alguém
doente). A dança é feita com doze mulheres e um meieiro.
As mulheres casadas e direitas (aquelas que não traem o 23
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

marido) são as que podem dançar ou a moça que nunca


dormiu com homem nenhum. Elas têm que ser convidadas.
Se acontecer de alguém que não deveria dançar, dançar, a
promessa não será cumprida. Tradicionalmente, a roupa
de todos deve ser branca, mulher usa vestido ou saia. A
dança é feita em dupla. O meieiro tem esse nome porque
fica no meio. Ele comanda a dança, batendo duas colheres.
Quando ele bate as colheres, as mulheres trocam de lugar,
batem os ombros e vão para o final da roda. Outra forma
de dançar é o trança-trança. Há também partes da dança
que são feitas em roda. O meieiro pode também comandar
para a roda virar um caracol. Tudo isto é feito com as bati-
das das colheres.
Tem sanfona, pandeiro, bumba para fazer acompanha-
mento. E todos cantam, os de fora da roda e os de dentro.

Dança de São Gonçalo8


Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva
Viva São Gonçalo e viva [2x]

São Gonçalo da marante [2x]


casamento era das velhas [2x]

Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

Como não casava as moças [2x]


que males fizeram elas [2x]

Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

São Gonçalo e Santo Antônio [2x]


trabalhava na profia [2x]

24 Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]
Céu

Santo Antônio pede missa [2x]


e São Gonçalo alegria [2x]

Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva

Meu Senhoro São Gonçalo [2x]


Era um galho de arruda [2x]

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

nem na seca nem nas águas [2x]


São Gonçalo não de muda [2x]

Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

e vai um carro cantando [2x]


Cheio de cravo e de rosa [2x]

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

São Gonçalo veio no meio [2x]


Colhendo a mais formosa [2x]

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]
meu Senhoro São Gonçalo [2x]
Tinha uma fita vermelha [2x]

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

eu pedi ele um pedaço [2x]


Ele me deu várias meias [2x]

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

meu Senhoro São Gonçalo [2x]


Sua promessa está cumprida [2x] 25
Aqui quem fala é o povo Xakriabá

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva [2x]

seja pelo amor de Deus [2x]


E também senhor meieiro [2x]

oriviva, oriviva, oriviva, oriviva [2x]


Viva São Gonçalo e viva [2x]

São Gonçalo lhe ajuda [2x]


São Gonçalo lhe ajuda [2x]
o meieiro e as figuras [2x]

Oriviva, oriviva, oriviva, oriviva


Viva São Gonçalo e viva. [2x]

Coisas boas de serem ditas7


No Ano Novo, é bom fazer esse diálogo com alguém en-
contrado. Tem que ser antes do almoço e antes de cum-
primentar: “Me paga minha boa entrada do ano. Me paga
minha festa também.”
A pessoa que falou primeiro deve receber um presentinho
da segunda (que pode ser um pouco do almoço de Ano
Novo ou qualquer outra coisa que a pessoa quiser dar).
Depois, a pessoa que ganhou retribui de algum modo.
Dar a bênção na hora de dormir ou na hora de sair é muito
importante. A pessoa diz: “Vai com Deus!”, ou “Dorme com
Deus!”. E a outra responde: “Amém. Fica com Deus tam-
bém!”, ou “Dorme com Deus também!”.
Se a pessoa esquecer de dar bênção ou for alguém que não
tem costume de dar bênção (alguém novo, por exemplo), a
gente diz: “Tô indo!” para a outra perceber que é para dar a
bênção. Quem recebe a bênção fica mais confiante, seguro.
Em vez de falar “Obrigado” é melhor falar “Deus te ajuda”.
26
Posfácio

Queridos leitores Xakriabá,

Sou Alice Bicalho, professora de edição na Faculdade de


Letras da UFMG. No primeiro semestre de 2022, propus
a uma turma de estudantes conhecer, ler, estudar e es-
truturar um livro Xakriabá a partir de 10 obras da autoria
deste povo a que tínhamos acesso (a maioria delas tendo
sido produzida a partir do ano de 2004 por pesquisadores
Xakriabá em projetos realizados também na UFMG).
Os estudantes do curso de Edição, que animadamente acei-
taram a proposta, fizeram uma bela seleção de textos, a
partir da qual percebemos que havia narrativas, poemas e
também textos dissertativos em torno de alguns temas: a
religiosidade, a história dos tempos antigos, a Iaiá cabocla,
as lapas, os modos de vi- ver, a luta pela reconquista do ter-
ritório, as plantas e suas funções, entre outros. Observando
com cuidado os textos e analisando os temas em comum, os
separamos em três eixos, céu, terra e gruta, e organizamos
as obras a partir desses eixos, abordando a história, os cos-
tumes, a memória, as lutas e o território Xakriabá.
Participaram da edição deste material as professoras e
pesquisadoras Cheila Araújo Xakriabá, Célia Fiúza de Araú-
jo e Fernanda do Carmo Lima Xakriabá não só se dispo-
nibilizando a nos ensinar um pouco sobre a Retomada
Xakriabá, como se comprometendo e acompanhando de
perto o processo de elaboração deste livro, nos orientan-
do com observações sempre sensí- veis, perspicazes e
muito pertinentes. 27
O “céu”, como vocês puderam notar, parte de textos so-
bre o espaço celestial, os astros, o clima e os fenômenos
ligados a eles e vai, aos poucos, apresentando textos que
falam do céu no sentido religioso, sagrado.
Considerando a importância de valorizar a literatura
Xakriabá em suas manifestações orais e escritas, privile-
giamos revisar os textos preservando os traços da oralida-
de que pareceram contribuir para o registro do português
indígena desse povo. É preciso observar que esse traba-
lho já havia sido realizado em grande parte nas edições
anteriores destes textos, e que buscamos, apenas quando
necessário, aprimorar esse registro.
Cada grupo de estudantes que participou da edição deste
material escreveu uma carta para vocês. Elas dão sequên-
cia às reflexões deste posfácio.
Temos grande admiração pela literatura Xakriabá tan-
to no que se conta quanto no modo como as coisas são
contadas. A voz dos mais velhos Xakriabá, escritas nestas
páginas, são motivo de orgulho e alegria e, como muitas
das grandes obras da literatura, enchem o leitor de força
e alegria de viver. Torço para que tenham tido este efeito
em você. Torço também que este livro seja mais um instru-
mento a colaborar para a preservação da memória e para
a criação e renovação literária deste povo corajoso, perse-
verante, povo de luta e de poesia, que é o povo Xakriabá.
Com carinho
Alice Bicalho

28
Caro povo Xakriabá,

Este livro foi um projeto realizado durante a disciplina Edição


de Tradução de Livros Indígenas da FALE-UFMG em 2022. Nós
– Isabella, Karine e Pedro – fomos os responsáveis por orga-
nizar o capítulo destinado aos textos relacionados ao céu.
Para nós, foi um desafio muito grande organizar esses
textos, uma vez que nosso grupo possuía pouco contato
com a cultura Xakriabá. Selecionamos os textos com todo
o cuidado e respeito por essa cultura, com o objetivo de
compor um material que contribua de alguma forma para
o povo Xakriabá. Esse processo também foi bastante en-
riquecedor para nós e nos proporcionou grandes apren-
dizados. No fim do projeto, nossa admiração pela cultura
Xakriabá se tornou ainda maior.
A ordem dos textos que aqui apresentamos foi feita pen-
sando na natureza, na espiritualidade e no cuidado que as
gerações Xakriabá possuem para preservar suas memórias
e ensinamentos. O livro foi dividido em duas partes: a pri-
meira trata do céu em sua forma literal com os elementos
que o compõem. Em seguida, abordamos o céu de uma
maneira espiritual, com textos voltados à religiosidade do
povo Xakriabá.
Esperamos que a leitura desse livro tenha sido tão enri-
quecedora quanto foi para nós.
Atenciosamente,
Isabella, Karine e Pedro.

29
Glossário

Acolá: em outro lugar Eitão: parede em formato trian-


gular que forma o caimento do
Antônce: então telhado; refere a comprimento
(medida)
Arcu: álcool
Em’riba: em cima
Arroz com casca: arroz quando
colhido, antes de passar pela Esculatera: lata usada para ferve
limpeza que tira a palha. água para café

Arueira: aroeira Espinho de caixeiro: espinho de


ouriço
Assubeio: assoviar
Evem: vem
Assuntar: ouvir, escutar
Fii/fio: filho
Azetim: azeite
Finado: pessoa falecida
Birinha: a beira
Fulano: quando fala de alguém,
Caroço de café cru: café antes de mas não fala o nome então fala-
ser torrado e moído -se fulano

Chuva de flor: chuva de gelo Funaia: Funai (Fundação Nacional


dos Povos Indígenas)
Chuva de pedra: chuva de gelo
Furquia: forquilha, gancho
Chuva de pertenente: tempestade
Incumpridá: tornar cumprido
Cremo: creme
Inté/anté: até
Cruzeiro: cemitério
Iscuiê: escolher
Cunziava: cozinhava
Istora: história
Despedaço: aos pedaços, despe-
daçado Istrada: estrada

Dicuada: fermento natural para Jataí: abelha


fazer sabão
Juá: árvore
Dimuda: mudar
limp: limpo
30 Dotô: doutor
Juei: joelho
Maleducada: mal-educada Própi: próprio

Manonia: mamona Proquera: porqueira

Mele de abeia: mel de abelha Pu cê: para você

Meleta: tamanduá bandeira Redona: uma multidão de pessoas

Mii: milho Remedar: imitar

Mió: melhor Subeio: assovio

Mocotó: tornozelo Talo/tali: tal

Neve: nevoeiro Tamborí: árvore

Óli: óleo Toré [dança do]: dança indígena


Xakriabá
Ontonci: então

Padrim: padrinho

Pau d’óleo: copaíba

Peda: pedra

Pela: pele

Pendida [Lua]: quando a lua é


nova e vem um pouco deitada.
Traz sinal de chuva.

Porva: pólvora

Posseiro: Posseiro, como o grilei-


ro, são pessoas que ocupam um
pedaço de terra e passa a traba-
lhar nela como se fosse deles e
tomam posse ilegal daquela terra

Possêro: ver Posseiro

Pra’culá: para lá
31
Praino: plano
Referências

Os textos desta antologia foram retirados das seguintes obras:

1- FREIRE, Cleuza Cavalcante Luzineide; ALKIMIN, Maria


Aparecida Evaristo Maria Neuza; MOTA, Nelza Gonçalves
Alkimin Quitéria Farias; GONÇALVES DOS SANTOS,
Rosânia. Poesia sobre os conhecimentos Xakriabá.
Belo Horizonte: FALE/ UFMG, Literaterras 2013a.
Poesia sobre os conhecimentos Xakriabá apresenta um compilado amplo
da poesia Xakriabá e das características que a compõem como expressão
de um povo. Mostra ainda as singularidades de cada gênero da poética
oral presentes na sua produção. A relação dos Xakriabá com o ambiente
que os abriga inspira parte dos versos, e a história e as percepções in-
trínsecas às relações humanas desempenham papel análogo. Os poemas
abordam acontecimentos acrescidos do entendimento simbólico Xakria-
bá, o uso de plantas tradicionais do Cerrado, além da importância cultu-
ral do céu e da gruta.

2- GONÇALVES, Eliana do Rosário Ferreira Oliveira; BARBOSA,


Regiane Costa. O ensino da língua portuguesa em duas
escolas xakriabá (Bukinuk e Uikitu Kuhinã): português
indígena e português padrão em foco. 2016. Percurso
Acadêmico (Licenciatura em Línguas, Artes e Literaturas)
– Curso de Formação Intercultural para Educadores
Indígenas, Faculdade de Edu- cação, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
O Ensino Da Língua Portuguesa Em Duas Escolas Xakriabá consiste em
uma monografia em Línguas, Artes e Literaturas apresentada ao Curso
de Formação Intercultural para Educadores Indígenas da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FIEI/FAE/UFMG). Bus-
ca entender e estabelecer a relação entre o português indígena e o por-
tuguês padrão, por meio de uma pesquisa realizada em escolas xakria-
bás. As autoras ressaltam a importância da valorização tanto do ensino
do português padrão, quanto do português indígena, contribuindo para
a discussão da variação linguística e a relevância de entender o Brasil
como um país de muitas línguas. Foram utilizadas as transcrições de en-
32 trevistas realizadas com os mais velhos, buscando-se ressaltar traços da
oralidade xakriabá.
3- XACRIABÁ, Índios. Com os mais velhos. Belo
Horizonte: FALE/UFMG; CGEEI; SECAD; MEC, 2005a.
A obra Com os mais velhos abre espaço para o diálogo entre tradição e
história. Como experiência intercultural, o livro se estrutura a partir de
transcriações realizadas por estudantes não indígenas da graduação em
Letras (FALE/UFMG) de narrativas orais gravadas dos mais velhos Xakria-
bá. Com histórias e textos que contam sobre o cotidiano da terra indíge-
na, Com os mais velhos é um registro coletivo e comunitário da oralidade
xakriabá, passando adiante, também, os ensinamentos dos mais velhos
para os mais novos.

4- XACRIABÁ, Índios. Iaiá Cabocla. Belo Horizonte:


FALE/ UFMG; CGEEI; SECAD; MEC, 2005b.
Os versos da obra Iaiá Cabocla retratam diferentes versões da história
de uma das mais importantes protetoras do povo Xakriabá e remontam o
imaginário cultural e religioso desse povo indígena. A centralidade está
em Iaiá Cabocla e na sua presença e importância para o povo Xakriabá.
Literatura e oralidade permeiam os ensinamentos e pesquisas realizadas
por pesquisadores Xakriabás e da FALE/UFMG e demonstram a riqueza da
oralidade e modos de cantar histórias entre os xakriabá.

5- XACRIABÁ, Índios. Revelando os conhecimentos. Belo


Horizonte: FALE/UFMG; CGEEI; SECAD; MEC, 2005.
Revelando os conhecimentos (2005) é um livro ilustrado que traz poemas
criados por crianças Xacriabá a partir do léxico de Dona Ercina, uma mais
velha deste povo. Escritos próximo da oralidade, tendo, ao lado, o regis-
tro na norma culta, os poemas atestam o português falado pelo povo
Xacriabá, reconhecendo-o e valorizando-o. A presença dos manuscritos e
dos desenhos feitos pelos alunos da Escola Indígena Xacriabá na Aldeia
Imbaúba também confere importância aos modos de expressão dessas
crianças, contribuindo para a sua preservação.

6- XAKRIABÁ, Eulina Cavalcante Bizerra. Andando


para o futuro sem esquecer o passado. Belo
Horizonte: FIEI/FALE/UFMG, 2013b.
O livro de Eulina Cavalcante Bizerra Xakriabá traz entrevistas com mora-
dores das comunidades de Imbaúba, Riacho do Brejo e Pedra Redonda.
A valorização da memória dos entrevistados é o objetivo central do livro,
ao conectar e apresentar diferentes tradições de jogos, cantos e narrati-
vas desse povo indígena do norte de Minas.
Descrições das brincadeiras realizadas por pessoas de diversas idades,
dos versos jogados em tais momentos descontraídos, de questões que
regeram a vida dos entrevistados e a apresentação de antigas histórias
contadas e recontadas pelos xakriabá são registradas nessa obra. O livro
33
consiste em um registro do passado, fundamental para guiar os mais jo-
vens ao futuro, como um convite aos xakriabá, aos outros povos indíge-
nas e aos não indígenas para escutar o passado e suas lições.

7- XAKRIABÁ, Povo; ARAÚJO, Anide; ARAÚJO, Ducilene;


GONÇALVES, Vanilde. Nem tudo o que se vê se
fala. ciência, crença e sabedoria Xakriabá. Belo
Horizonte FALE/UFMG: Literaterras, 2013c.
Nem tudo que se vê se fala exibe o poder da palavra, do conceito e dos
conhecimentos derivados do entendimento Xakriabá sobre o mundo. O
livro apresenta três conceitos de grande importância: a ciência, a crença
e a sabedoria, que convergem, unidos, para interpretar não apenas o que
pode ser visto ou tocado. A palavra, como coisa flutuante, sem fronteira
definida, demonstra mais uma vez sua força ao retratar a importância do
conceito falado, recitado de maneira quase mágica, pois ela não é apenas
uma referência ao que há no mundo. A palavra constrói algo no mundo
através de sua própria existência.

8- XAKRIABÁ, Povo; GONÇALVES DA SILVA, Andrelina;


GONÇALVES DA SILVA, Francisca; LEITE, Iracema
Macedo. Para seu trono lirar. Transmitindo
nossos cantos, danças e rezas Xakriabá. Belo
Horizonte FALE/UFMG: Literaterras, 2013d.
Para seu trono lirar reúne alguns cantos e textos religiosos em uma ten-
tativa tanto de resgatar a ancestralidade dessa comunidade quanto de
difundir ainda mais essa rica tradição. Deste modo, pretende alcançar
não apenas novas pessoas, mas também os jovens que acaso se encon-
trem mais afastados destas práticas religiosas. As rezas, cantos de Reis,
lundus e dança de São Gonçalo são arquivados aqui de modo escrito,
mas também através de áudios gravados em CD, convidando à leitura e
ao canto, demonstrando a beleza e força da oralidade Xacriabá.

34
Sumário

Apresentação....................5
CÉU.......................................7
Posfácio............................27
Caro povo Xakriabá.......29
Glossário..........................30
Referências......................32

123
Todos os direitos reservados ao ©Povo Xakriabá, 2023.
Proibida a reprodução sem autorização.
1ª edição – 2023
Coordenação editorial:
Alice Bicalho

Conselho editorial e glossário: Participaram da criação do


Cheila Araújo Xakriabá, Célia Fiúza projeto gráfico as estudantes
de Araújo Xakriabá, Fernanda da turma TV0 PROJETO
do Carmo Lima Xakriabá GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO DE
LIVROS INDÍGENAS, 1-2023
Organização e edição dos
textos: Alice Bicalho, Isabella Oficinas de criação das capas:
de Oliveira Andrade Guedes, Ranison Xakriabá, Bruni Emanuele
Karine dos Reis Caixeta, Pedro Fernandes, Juliana Gontijo
Augusto Amaral Lopes
Participaram da criação e
Sinopses: Camila Almeida confecção as capas desta tiragem:
Carvalho; Isis Beber de Souza Camila Almeida Carvalho; Isis
Fiorilo Rocha; Suyhanne Beber de Souza Fiorilo Rocha;
Katarynne Pena Leite; Suyhanne Katarynne Pena Leite;
Renata Martins Rodrigues; Renata Martins Rodrigues; Luísa
Luísa Rocha Vasconcelos Rocha Vasconcelos; Barbara
Gomes Franco; Barbara Lopes
Revisão: Barbara Gomes Franco; da Silva; Renan Lacerda, Lobélia
Barbara Lopes da Silva; Hadassa Rodrigues Comini de
Carvalho, Rômulo Herdy e Silva;
Coordenação do projeto Gabriel Mota; Helena Macedo;
gráfico: Rafo Barbosa Carla Renata de Andrade Silva

Coleção Literaterras Belo Horizonte, Terra


Indígena Xakriabá – 2023
LABED – FALE – UFMG
Tiragem cartonera de
Impresso no Brasil 50 exemplares

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