Modalidade e Modalização: Estratégias Argumentativas de Construção Textual
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Atividades de Extensão na
modalidade remota e síncrona:
adaptação de estratégias para o ensino
de Língua Portuguesa
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Modalidade e Modalização:
estratégias argumentativas de construção textual
Considerações iniciais
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doutoranda Rafaela Talita Eckstein, houve interações não só com a
coordenadora, mas também com os demais membros da equipe do
projeto, além da participação dos alunos.
Ressalta-se que as reflexões aqui dispostas representam a
continuidade de outras abordagens apresentadas anteriormente
neste livro, pois a escolha de verificar como as categorias
modalidade e modalização são importantes na construção de textos
leva em conta o conteúdo programático da disciplina de Sintaxe do
Português II, do curso de Letras da Unioeste.
Nos capítulos anteriores deste livro, foram apresentadas, por
exemplo, reflexões sobre a construção da imagem de si, em relação
ao ethos, a partir da perspectiva da retórica e, em relação à
recategorização de sujeitos, por meio da referenciação. Este capítulo
trata sobre abordagem possível para a compreensão deste fenômeno
argumentativo, com foco em como determinados dispositivos
linguísticos podem orientar as conclusões de seus interlocutores: a
modalidade e a modalização.
Por meio de modalidade e modalização, entende-se que o
produtor do texto expressa a atitude relacionada a elementos
linguísticos específicos inseridos no enunciado que produz.
Também, por meio dessas estratégias, entende-se que o produtor do
texto expressa a sua avaliação pessoal a respeito de seu conteúdo, ao
mesmo tempo em que, por meio desses elementos linguísticos,
realça ou atenua sua intervenção ou ação de orientar o discurso.
A seguir, elencam-se, inicialmente, pressupostos teóricos que
fundamentam este trabalho, ou seja, reflexões sobre modalidade e
modalizadores dos eixos epistêmico e deôntico. Na sequência,
dispõem-se as análises, seguidas pelas considerações finais e pelas
referências deste capítulo. Destaca-se que, neste capítulo, as
discussões teóricas foram separadas das análises para melhor
sistematização do texto. Contudo, durante os quatro encontros do
módulo, houve exemplificação e análises simultaneamente às
apresentações dos pressupostos teóricos.
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A modalização e a modalidade nos estudos linguísticos
completo e caracteriz
para a conceituação de frase, é o que lhe dá unidade de sentido,
demarcando-lhe começo e fim, e apontando-lhe o propósito
(declarativo, ROCHA LIMA, 2011, p. 285).
Ainda, segundo o gramático, as frases podem ser declarativas,
interrogativas, imperativas, exclamativas e indicativas, além de
serem afirmativas ou negativas.
Outro gramático que apresenta conceituação que converge a
esta de Rocha Lima (2011) é Terra (1996). Para o autor,
enunciado linguístico de sentido completo e capaz de estabelecer
da obra, Terra
(1996, p. 202) afirma que frases são sempre marcadas pela
entonação. Na escrita, a entonação é representada pelos sinais de
286),
93
Às vezes, a simples situação em que é proferido um vocábulo faz com
que ele se torne uma frase. E o caso, por exemplo, da exclamação
Fogo!, pronunciada diante de um prédio em chamas; ou da
advertência Silêncio!, feita a alguém num corredor de hospital.
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medida que são enunciados, realizam algum tipo de ação. Assim, os
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aproximado à oposição estabelecida pela lógica antiga sobre conceitos
ivo ou
96
Já modalização expressa a atitude do produtor do texto
relacionada a elementos linguísticos específicos inseridos no
enunciado que produz. Para Santos (2000, p. 1), os modalizadores
revelam posicionamento do falante em relação ao conteúdo
semântico neles Veja-se o exemplo da autora: o
professor afirmar sim ((ruído)) conservadores a
forma indicará uma afirmação de natureza quase
asseverativa, simbolizando um baixo nível de adesão ao tópico
autora apresentou como exemplo uma situação de
comunicação oral-dialogada. Por outro lado, entende-se que esse
fenômeno também ocorre em textos escritos.
Segundo Castilho (1994), os elementos modalizadores
expressam a avaliação pessoal do produtor a respeito de seu
conteúdo; ou seja, por meio desses elementos linguísticos, realça sua
intervenção ou ação de orientar o discurso. Para Corbari (2016), a
modalização é utilizada pelo produtor do texto a partir da forma em
que ele relaciona recursos linguísticos e os manipula para agirem
sobre os interlocutores, orientando a produção de sentidos ao
escolher o conteúdo que vai verbalizar e a forma de fazê-lo. Já Peixoto
na qual certos termos formais são responsáveis pela marca modal que
o sujeito imprime no
Considerando as marcas linguísticas de argumentatividade,
explicou-se aos acadêmicos que os modalizadores são elementos que
ampliam, modificam e orientam efeitos resultantes da sua relação com
o léxico. Travaglia (1991, p. 65) discute que a modalização ref
atitude do falante em relação ao que é dito, bem como a atitude de
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Elementos modalizadores: um olhar para os eixos epistêmico e
deôntico
98
modalização pode ser expressa por diferentes marcas linguísticas ou
pelas circunstâncias da enunciação.
Pesquisadores como Castilho (1994), Pietrandrea (2002) e Neves
(2006) destacam a importância dos modalizadores de cunho deôntico e
epistêmico. De acordo com Castilho (1994), os modalizadores
epistêmicos referem-se ao eixo da crença, reportando-se ao
conhecimento do produtor do texto sobre um estado de coisa. Já os
elementos de cunho deôntico, segundo este autor, indicam que o
produtor do texto considera o conteúdo proposicional como um estado
de coisas que precisam ocorrer obrigatoriamente.
A modalização epistêmica (do grego episteme, que significa
"conhecimento") tem relevância, porque observamos que a utilização
da PPP pelo produtor do texto pode imprimir no texto sentidos como
os aqui discutidos. Para Pietrandrea (2001), por exemplo, os
elementos epistêmicos manifestam a opinião do produtor1; já para
Koch (2002), se referem ao eixo da crença. Por outro lado, de acordo
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que demonstra como o elemento modalizador deve pode condensar
a atitude do produtor do texto:
100
160), condicionada por traços lexicais específicos ligados ao
falante ([+] controle) e, de outro lado, implica que o ouvinte aceite o
valor de verdade do enunciado para executá- Além disso,
Castilho (1994, p. 87) ressalta que, diferentemente dos modalizadores
epistêmicos, em que o que está em jogo são valores e crenças, na
-se que há um controle humano sobre
os eventos e sobre os
Conforme Pietrandrea (2001), alguns elementos modalizadores
deônticos, assim como os epistêmicos, também são utilizados pelos
produtores do texto com o intuito de condensar a atitude do
produtor do texto, deixando-a menos explícita. Observemos
Pietrandrea (2001, p. 07, tradução nossa)4.
possibilidade, já que
ou dá a permissão para que isto Sella (2011, p. 213), por
101
outro lado, reforça que os modalizadores deônticos ligam-se à
para a futuridade,
uma vez que se projetam para um momento posterior à
manifestação
102
Figura 1 Apresentação da carta aberta em pdf por meio da plataforma
Google Meet
103
Conforme pode-se visualizar na Figura 1, inicialmente,
demonstrou-se aos participantes do projeto a carta em sua
apresentação formal, ou seja, inserida em um ofício, com papel
timbrado. O modelo foi apresentado e seu contexto discutido, com a
interação da coordenadora do projeto, por meio da plataforma
Google Meet. Na sequência, como demonstrado na Figura 2, a carta
aberta foi analisada por meio da projeção de processador de textos.
O software foi escolhido devido ao seu potencial de realçar com
diferentes cores estratégias linguísticas diversas, o que conferiu
maior didaticidade à exposição e análise do texto.
Há que se ressaltar que a interação por meio da plataforma
Google Meet envolveu todos os colaboradores do projeto, e foram
analisados não só os elementos modalizadores, mas também
estratégias de referenciação, as categorias retóricas ethos, pathos e
logos, operadores argumentativos, entre outros dispositivos
linguísticos que evidenciam argumentação. Contudo, neste capítulo,
atentamos especificamente para as estratégias de modalidade e
modalização, uma vez que outros dispositivos linguísticos foram
discutidos anteriormente neste livro. No que se refere ao tipo de
texto escolhido, tem-se que:
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situar o interlocutor a respeito do assunto ao longo do texto,
buscando sensibilizá-lo.
Oliveira (2018) contribui, também, com a compreensão do
gênero textual carta aberta, ao afirmar que esse tipo de texto pode
Recorte 1
OFÍCIO Nº 384/2019/SUPES-TO
Ao senhor,
EDUARDO FORTUNATO BIM
Presidente do Inst. br. Meio Amb. Rec. Nat. Renovaveis IBAMA
SCEN Trecho 2 Edificio Sede, Asa Norte
CEP: 70818-900 Brasília/DF
105
Ainda que haja menção ao gênero Ofício no cabeçalho do texto,
denota-se que, na realidade, o gênero que prepondera é o da carta
aberta. Isso porque, de acordo com Ferreira (2008),
106
vista defendi
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propostos como também têm o dever social de fazê-lo. Assim, por
meio dessas escolhas lexicais, nota-se que os produtores do texto
imprimem modalização epistêmica asseverativa, que orientam aos
leitores a concordar com os argumentos que serão apresentados na
sequência, sem que haja margem de dúvidas em relação à
veracidade do que é apresentado.
Veja-
semântica
valorada positivamente. Em outras palavras, os termos
qualificadores escolhidos denotam uma condição de autoridade que
passa a ser conferida aos agentes em questão. Ainda assim, são
reconfigurados por dois predicativos do sujeito sucessivos (estando
(estamos) pautados
pelo dever de lealdade à instituição a qual servimos, nos termos da
Lei 8.112/1990, bem como pelo compromisso assumido com a
sociedade brasileira e, (estamos) convencidos da necessidade de
providências para assegurar o efetivo controle ambiental e a
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Também a que
consideramos fundamentais para solucionar a atual crise ambiental
e político-
mencionadas no fechamento do parágrafo introdutório, cujo condão
é o de apresentar os emitentes da carta aberta e dar-lhes respaldo
para os argumentos apresentados no desenvolvimento do texto.
Evidencia-se que esse efeito de sentido não seria alcançado se o
primeiro parágrafo fosse escrito sem essas escolhas lexicais
realizadas particularmente para acentuar o convencimento dos
interlocutores. Nessa hipótese, os servidores, por exemplo,
poderiam querer se envolver menos com as questões políticas
referentes à gestão ambiental. Um dos possíveis reflexos, porém,
deste molde menos modalizado no parágrafo introdutório seria a
falta de crédito atribuída aos produtores do texto.
No segundo parágrafo da carta aberta, apresentado no Recorte
2, tem-se:
Recorte 2
2. Indiscutivelmente, o IBAMA é a principal instituição responsável pela
prevenção e combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Todas as grandes
ações de combate ao desmatamento da Amazônia foram protagonizadas pelo
IBAMA, graças à implantação de estratégias inovadoras de combate ao
desmatamento aliadas à capacitação, dedicação, competência e patriotismo de
seus agentes ambientais federais, garantindo ao Brasil destaque mundial nas
ações de combate ao desmatamento e incêndios florestais.
prevenção e com
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(vocábulo cujo significado sugere caráter negativo) é acompanhado
Recorte 3
3. Todos estes fatores contribuíram significativamente para reduzir em 80%
o desmatamento ilegal em toda a Amazônia. Entre o auge da destruição da
floresta em 2004 e o ano de 2012, foram conquistadas as menores taxas de
desmatamento da história.
A presença do adv
maneira de imprimir modalização epistêmica asseverativa de
maneira expressa no texto.
No parágrafo seguinte, contudo, a estratégia argumentativa é
alterada. O quarto tópico é iniciado por um operador argumentativo
com
modificação no sentido assumido pelo texto até aquele momento.
Recorte 4
4. Entretanto, nos anos recentes, o IBAMA e o ICMBio passaram a ser
atacados e sofrer com a falta de estrutura evidenciada especialmente pelo
fechamento de unidades, bloqueio a novos concursos, destruição de leis
ambientais, ingerência de políticos aliados a segmentos fiscalizados por lei,
cortes orçamentários, entre outros.
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No Recorte 4, as escolhas lexicais denotam sentidos negativos:
-se o Recorte 5:
Recorte 5
5. Não há como dissociar todos estes fatores ao aumento expressivo dos
índices de desmatamento e queimadas, conforme dados já amplamente
divulgados pelo INPE e pela NASA, com risco da destruição da floresta retornar
aos patamares de 2003.
111
conforme dados
já amplament
No parágrafo seguinte, a busca pelo convencimento dos
interlocutores se dá por meio de modalidade. Veja-se o Recorte 6:
Recorte 6
6. O discurso propagado e as medidas concretas adotadas contra a atuação
do IBAMA e ICMBio apontam para o colapso da gestão ambiental federal e
estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia.
112
apresentam aspectos mais relevantes no que se refere à compreensão
da argumentação por meio da modalização.
Assim, o décimo parágrafo sintetiza as propostas dispostas no
tópico anterior e, assumindo a primeira pessoa do plural, retoma a
noção de coletividade do produtor apresentada no início da carta
aberta. Veja-se o Recorte 7:
Recorte 7
10. Protegemos o meio ambiente brasileiro para as presentes e futuras
gerações, sempre no estrito cumprimento da legislação ambiental brasileira.
Recorte 8
11. Registramos que sem uma atitude firme contra os crimes ambientais, os
índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão. Para isso, é preciso
um comprometimento imediato do governo com a valorização do IBAMA e
ICMBio e seus agentes para a manutenção da soberania brasileira na Amazônia.
Sequencialmente, nota-
e por escolhas do léxico, como em
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do texto, e modalização deôntica, pois induz os interlocutores a
concordarem com a obrigatoriedade da ação indicada pela carta.
Há que se ressaltar que, para imprimir um sentido deôntico na
Recorte 9
12. Sem a adoção de tais medidas estruturantes, qualquer esforço do
governo brasileiro em resolver a situação não tem potencial de produzir
resultados sólidos a longo prazo e assume o risco de configurar mera tentativa
de arrefecer a crise política atual.
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Considerações finais
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Referências
116
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