Modalidade e Modalização: Estratégias Argumentativas de Construção Textual

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Modalidade e Modalização: estratégias argumentativas de construção textual

Chapter · January 2021

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2 authors, including:

Renan Paulo Bini


Universidade Estadual do Oeste do Paraná
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Aparecida Feola Sella
Renan Paulo Bini
Eviliane Bernardi
(Organizadores)

Atividades de Extensão na
modalidade remota e síncrona:
adaptação de estratégias para o ensino
de Língua Portuguesa

3
Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Aparecida Feola Sella; Renan Paulo Bini; Eviliane Bernardi [Orgs.]

Atividades de Extensão na modalidade remota e síncrona: adaptação de


estratégias para o ensino de Língua Portuguesa. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2021. 168p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-5869-597-4 [Impresso]

1. Projeto de extensão. 2. Adaptação de estratégias. 3. Ensino de


Língua Portuguesa. 4. Modalidade remota. I. Título.
CDD 410/370

Criação da Arte da Capa: Renan Paulo Bini


Capa: Petricor Design
Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú CRB - 8-8828
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana
Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida (UFES/
Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello (UFF/Brasil);
Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luis Fernando Soares Zuin (USP/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 São Carlos SP
2021

4
5
Modalidade e Modalização:
estratégias argumentativas de construção textual

Rafaela Talita Eckstein


Renan Paulo Bini

Considerações iniciais

Este capítulo objetiva analisar recortes textuais que evidenciam


modalidade e modalização como elementos de construção da
argumentatividade. Especificamente, são apresentadas análises
embasadas em pressupostos teóricos que permitem reflexões sobre
a modalidade e modalizadores dos eixos deôntico e epistêmico em
recortes de um texto do gênero carta aberta.
Ressalta-se que a seleção de estratégias de construção de
modalidade e os elementos modalizadores abordados neste capítulo
representa parte das discussões realizadas no módulo Modalização
deôntica e epistêmica, do projeto de extensão Sintaxe do Português: do
enunciado ao texto. Durante o módulo, foram priorizados exemplos e
comentários a fim de que o conteúdo pudesse ser assimilado pelos
discentes. Além disso, procurou-se, a partir dos exemplos e das
reflexões teóricas, demonstrar como as discussões do módulo
poderiam ser aplicadas ao ensino.
O capítulo discute recortes textuais do gênero carta aberta.
Contudo, durante os encontros, os dispositivos linguísticos que
indicam modalidade e modalização deôntica e epistêmica foram
exemplificados por meio de recortes textuais de diversos gêneros.
Para as discussões, utilizou-se de apresentação de slides e de
arquivos em pdf, como a carta aberta aqui analisada, por meio do
compartilhamento da tela. Além das reflexões guiadas pela

91
doutoranda Rafaela Talita Eckstein, houve interações não só com a
coordenadora, mas também com os demais membros da equipe do
projeto, além da participação dos alunos.
Ressalta-se que as reflexões aqui dispostas representam a
continuidade de outras abordagens apresentadas anteriormente
neste livro, pois a escolha de verificar como as categorias
modalidade e modalização são importantes na construção de textos
leva em conta o conteúdo programático da disciplina de Sintaxe do
Português II, do curso de Letras da Unioeste.
Nos capítulos anteriores deste livro, foram apresentadas, por
exemplo, reflexões sobre a construção da imagem de si, em relação
ao ethos, a partir da perspectiva da retórica e, em relação à
recategorização de sujeitos, por meio da referenciação. Este capítulo
trata sobre abordagem possível para a compreensão deste fenômeno
argumentativo, com foco em como determinados dispositivos
linguísticos podem orientar as conclusões de seus interlocutores: a
modalidade e a modalização.
Por meio de modalidade e modalização, entende-se que o
produtor do texto expressa a atitude relacionada a elementos
linguísticos específicos inseridos no enunciado que produz.
Também, por meio dessas estratégias, entende-se que o produtor do
texto expressa a sua avaliação pessoal a respeito de seu conteúdo, ao
mesmo tempo em que, por meio desses elementos linguísticos,
realça ou atenua sua intervenção ou ação de orientar o discurso.
A seguir, elencam-se, inicialmente, pressupostos teóricos que
fundamentam este trabalho, ou seja, reflexões sobre modalidade e
modalizadores dos eixos epistêmico e deôntico. Na sequência,
dispõem-se as análises, seguidas pelas considerações finais e pelas
referências deste capítulo. Destaca-se que, neste capítulo, as
discussões teóricas foram separadas das análises para melhor
sistematização do texto. Contudo, durante os quatro encontros do
módulo, houve exemplificação e análises simultaneamente às
apresentações dos pressupostos teóricos.

92
A modalização e a modalidade nos estudos linguísticos

Segundo Castilho e Castilho (1993, p. 217), a gramática


tradicional reconhece dois componentes na sentença: componente
proposicional, constituído de sujeito + predicado (=dictum), e o
componente modal, que é uma qualificação do conteúdo da forma
de P, de acordo com o julgamento do falante (=modus
perspectiva, compreende-se, neste capítulo, a modalidade como
categoria automática em todos os textos orais ou escritos, uma vez
que, para Castilho e Castilho (1993, p. 217),

De qualquer forma há sempre uma avaliação prévia do falante sobre


o conteúdo da proposição que ele vai veicular, decorrendo daqui suas
decisões sobre afirmar, negar, interrogar, ordenar, permitir, expressar
a certeza ou a dúvida sobre esse conteúdo.

A diferença entre o que está sendo dito e o modo como está


sendo dito movimenta reflexões sobre a forma como a maioria dos
gramáticos tradicionais lida com a noção de frase. Para Rocha Lima

completo e caracteriz
para a conceituação de frase, é o que lhe dá unidade de sentido,
demarcando-lhe começo e fim, e apontando-lhe o propósito
(declarativo, ROCHA LIMA, 2011, p. 285).
Ainda, segundo o gramático, as frases podem ser declarativas,
interrogativas, imperativas, exclamativas e indicativas, além de
serem afirmativas ou negativas.
Outro gramático que apresenta conceituação que converge a
esta de Rocha Lima (2011) é Terra (1996). Para o autor,
enunciado linguístico de sentido completo e capaz de estabelecer
da obra, Terra
(1996, p. 202) afirma que frases são sempre marcadas pela
entonação. Na escrita, a entonação é representada pelos sinais de
286),

93
Às vezes, a simples situação em que é proferido um vocábulo faz com
que ele se torne uma frase. E o caso, por exemplo, da exclamação
Fogo!, pronunciada diante de um prédio em chamas; ou da
advertência Silêncio!, feita a alguém num corredor de hospital.

A observação do que dizem as gramáticas tradicionais sobre o


conceito de frase, atrelando-a à entonação, motiva reflexões sobre
como o modo que as coisas são ditas pode tecer significados
diferentes a partir das mesmas escolhas lexicais. Em outros contextos
de enunciação ou por meio da utilização de diferentes sinais gráficos
que materializam diferentes entonações, como os pontos de
interrogação ou de exclamação, os mesmos vocábulos podem
estabelecer diferentes sentidos.
Para Ottoni (2002), quando se diz algo, faz-se algo, o que gera um
estatuto para os participantes.
ação através de um enunciado, por exemplo, o ato de promessa, que
pode ser realizado por um enunciado que se inicie por eu prometo..., ou

ampliado, uma vez que a noção da entonação serviria para relacionar


o modo como determinado conteúdo está sendo dito.
As limitações das gramáticas tradicionais levam o pesquisador,
geralmente, a procurar encaminhamentos teóricos que ultrapassam
o nível não só da frase, mas também da concepção tradicional. Para
este capítulo, foram consideradas pesquisas que pudessem
esclarecer como seria possível entender os sentidos de uma frase.
Austin é um teórico quase sempre citado, como em Ottoni (2002),
com relação aos sentidos do que se pode entender de frase como um
enunciado de sentido completo.
Uma referência a Austin requer que o termo frase seja
redimensionado. A noção de frase poderia ser entendida a partir de
contornos dos atos de fala relacionados à conversação, por exemplo.
Ao considerar que as frases estão vinculadas ao contexto de que
emergem, pode-se aceitar as observações de Ottoni (2002) sobre
reflexões que Austin apresentava ainda na década de 1960. Na visão
de Austin, todos os enunciados são performativos, uma vez que, à

94
medida que são enunciados, realizam algum tipo de ação. Assim, os

Sobre a explicação da noção de frase durante o projeto, ressalta-


se que foi essencial a interação com a coordenadora. Durante o
módulo 1, a coordenadora apresentou reflexões sobre a noção de
frase a partir da perspectiva tradicional. No módulo 4, ou seja, neste
em que abordamos modalidade e modalização, apresentou-se um
novo olhar, e pôde-se comparar as diferentes perspectivas.
Demonstrou-se aos acadêmicos que a modalidade está nos
contornos dos atos de fala ou, conforme afirma Koch (2002, p. 85), que
-se,
também, que a modalização constitui estratégias a serem incorporadas
a esses contornos a depender da intenção do produtor do texto. De
acordo com Koch (2002, p. 136), os elementos modalizadores

Caracterizam os tipos de atos de fala que deseja desempenhar,


revelam o maior ou menor grau de engajamento do falante com
relação ao conteúdo proposicional veiculado, apontam conclusões
para as quais os diversos enunciados podem servir de argumento,
selecionam encadeamentos capazes de continuá-los, dão vida, enfim,
aos diversos personagens cujas vozes se fazem ouvir no interior de
cada discurso.

Para exemplificar essa relação entre modalização, que é


materializada nos enunciados, e modalidade, que está no processo de
enunciação, Peixoto (2015) recorre ao clássico exemplo de ato de fala
elaborado por Austin, o Aceito!. Dito em um casamento, este ato de fala
só é válido se os sujeitos forem os noivos diante de um juiz e no
momento correto. De acordo com o pesquisador, em situações diversas,
os noivos poderiam modalizar seu enunciado levando em conta a
situação de enunciação e os objetivos intencionados dizendo, por

Para Neves (2006, p. 152), o termo modalidade foi inicialmente


do mais ou menos

95
aproximado à oposição estabelecida pela lógica antiga sobre conceitos

tomadas de posição, às atitudes morais, intelectuais e afetivas expressas

de expressões que têm significados modais, a exemplo de verbos


modais, advérbios, além de alguns substantivos e adjetivos.
Pesquisadores como Miranda (2005), Neves (2006) e Koch (2002)
discutem modalidade e modalização como um fenômeno único, uma
vez que ambas se referem a atitudes do produtor do texto com o intuito
de orientar as conclusões dos interlocutores. Já para Castilho e Castilho
(1993, p. 217), o julgamento do produtor do texto expressa-se de dois
modos, sendo (1) modalidade e (2) modalização:

(1) o falante apresenta o conteúdo proposicional numa forma assertiva


(afirmativa ou negativa), interrogativa (polar ou não-polar) e jussiva
(imperativa ou optativa); (2) o falante expressa seu relacionamento
com o conteúdo proposicional, avaliando seu teor de verdade, ou
expressando seu julgamento sobre a forma escolhida para a
verbalização desse conteúdo.

Para compreender esta afirmação de Castilho e Castilho (1993),


pode-se observar um exemplo de Bini (2018, p. 17 grifos do autor):

movimentos sociais não podem


exemplo, Bini (2018) observa que o produtor do texto da frase
apresenta o conteúdo de uma forma assertiva e jussiva (modalidade)
e expressa seu julgamento e orienta os sentidos por meio da
expressão grifada.
De acordo com Santos (2000), a categoria modalidade pode ser
compreendida como sinônima de modo. Para Santos (2000, p. 01), a

ivo ou

96
Já modalização expressa a atitude do produtor do texto
relacionada a elementos linguísticos específicos inseridos no
enunciado que produz. Para Santos (2000, p. 1), os modalizadores
revelam posicionamento do falante em relação ao conteúdo
semântico neles Veja-se o exemplo da autora: o
professor afirmar sim ((ruído)) conservadores a
forma indicará uma afirmação de natureza quase
asseverativa, simbolizando um baixo nível de adesão ao tópico
autora apresentou como exemplo uma situação de
comunicação oral-dialogada. Por outro lado, entende-se que esse
fenômeno também ocorre em textos escritos.
Segundo Castilho (1994), os elementos modalizadores
expressam a avaliação pessoal do produtor a respeito de seu
conteúdo; ou seja, por meio desses elementos linguísticos, realça sua
intervenção ou ação de orientar o discurso. Para Corbari (2016), a
modalização é utilizada pelo produtor do texto a partir da forma em
que ele relaciona recursos linguísticos e os manipula para agirem
sobre os interlocutores, orientando a produção de sentidos ao
escolher o conteúdo que vai verbalizar e a forma de fazê-lo. Já Peixoto

na qual certos termos formais são responsáveis pela marca modal que
o sujeito imprime no
Considerando as marcas linguísticas de argumentatividade,
explicou-se aos acadêmicos que os modalizadores são elementos que
ampliam, modificam e orientam efeitos resultantes da sua relação com
o léxico. Travaglia (1991, p. 65) discute que a modalização ref
atitude do falante em relação ao que é dito, bem como a atitude de

falante exprime reações emotivas, isto é, manifesta disposição de

97
Elementos modalizadores: um olhar para os eixos epistêmico e
deôntico

De acordo com Neves (2006), as categorias de modalização mais


observadas em análises desenvolvidas por pesquisadores da área
são: aléticas, que pertencem ao eixo da verdade; epistêmicas,
inseridas no eixo do conhecimento e da crença; bulomaicas, que se
referem ao desejo; deônticas, inseridas no eixo da obrigação;
temporais, que se referem ao tempo; avaliativas, pertencentes ao eixo
do julgamento; causais, que se referem a causas; e probabilísticas,
inseridas no eixo da probabilidade.
Por outro lado, apesar de a autora mencionar todas as
categorias descritas acima, considera, para suas análises,
principalmente os eixos deôntico e epistêmico. A partir da reflexão
sobre os estudos de Neves (2006), demonstrou-se aos acadêmicos
que muitos dos diferentes eixos possíveis de categorização de
elementos modalizadores, caso comparados, podem convergir.
Modalizadores classificados por alguns pesquisadores como aléticos,
por exemplo, também podem ser analisados por meio da categoria
epistêmica, uma vez que, segundo Neves (2006, p. 159), muito
improvável que um conteúdo asseverado num ato de fala seja
portador de uma verdade não filtrada pelo conhecimento e

Uma vez que a literatura científica sobre modalização apresenta


uma diversidade de categorias possíveis, considera-se as reflexões
tecidas por Peixoto (2015). Segundo o autor, o problema na
classificação dos elementos linguísticos modalizadores em
categorias rígidas é que a modalização está, sobretudo, no implícito
do discurso, e não apenas no elemento. Conforme demonstramos na
seção de análises, procurou-se, ao longo dos encontros, demonstrar
aos alunos que o contexto pode fazer com que se construam
diferentes sentidos a partir da mesma marca modal. Nessa
perspectiva, entende-se que, para apontar a categoria do elemento
linguístico, torna-se necessário considerar que o mesmo enunciado
pode exprimir várias intenções de comunicação e que a intenção de

98
modalização pode ser expressa por diferentes marcas linguísticas ou
pelas circunstâncias da enunciação.
Pesquisadores como Castilho (1994), Pietrandrea (2002) e Neves
(2006) destacam a importância dos modalizadores de cunho deôntico e
epistêmico. De acordo com Castilho (1994), os modalizadores
epistêmicos referem-se ao eixo da crença, reportando-se ao
conhecimento do produtor do texto sobre um estado de coisa. Já os
elementos de cunho deôntico, segundo este autor, indicam que o
produtor do texto considera o conteúdo proposicional como um estado
de coisas que precisam ocorrer obrigatoriamente.
A modalização epistêmica (do grego episteme, que significa
"conhecimento") tem relevância, porque observamos que a utilização
da PPP pelo produtor do texto pode imprimir no texto sentidos como
os aqui discutidos. Para Pietrandrea (2001), por exemplo, os
elementos epistêmicos manifestam a opinião do produtor1; já para
Koch (2002), se referem ao eixo da crença. Por outro lado, de acordo

necessidade e a possibilidade epistêmica, que são expressas por

Para explicar como elementos linguísticos podem modalizar


frases no eixo epistêmico, Pietrandrea (2001, p. 03, tradução nossa)2
apresenta diversos exemplos. Observem-
seja complicado para eles se aproximarem de mim, quem sabe; 2)
Essa coisa deve ter lhe estressado muito [...]
a autora, o elemento modalizador epistêmico pode, também, ter a
função de condensar a atitude do produtor do texto de forma que
fique menos explícita. Para explicar essa função aos acadêmicos,
utilizou-se do exemplo de Pietrandrea (2001, p. 07, tradução nossa)3,

1 modalità epistemica è definita come la categoria che descrive del


parlante nei 02-03).
2

99
que demonstra como o elemento modalizador deve pode condensar
a atitude do produtor do texto:

Campos (2001, p. 169) compreende que, além desses eixos, os


modalizadores epistêmicos também podem imprimir valores de
aos enunciados. Por

asserção estrita, sentido este que a pesquisadora também aponta


como uma forma de modalização epistêmica.
Em relação a elementos modalizadores que materializam sentidos
de crença nos enunciados, Campos (2001, p. 170, grifos nossos)
deve
pode talvez e comparados
esses exemplos, do eixo da crença, aos exemplos desenvolvidos,
também por Campos (2001), para o eixo do saber, torna-se possível
afirmar que, a partir da utilização dos elementos linguísticos do eixo da
crença, o produtor do texto se compromete muito menos com o que é
dito na medida em que apenas manifesta a sua opinião e não apresenta
a informação como verdadeira.

epistêmicos expressam uma avaliação sobre o teor de verdade da


classe-sujeito. Eles podem ser asseverativos e quase-
relação aos elementos asseverativos, conforme Castilho (1994, p. 86),

afirmado ou negado de maneira a não dar margem a


quase-

Em segundo lugar, considera-se a modalização deôntica (do


grego: deon, que significa "dever"). De acordo com Neves (2006, p.

100
160), condicionada por traços lexicais específicos ligados ao
falante ([+] controle) e, de outro lado, implica que o ouvinte aceite o
valor de verdade do enunciado para executá- Além disso,
Castilho (1994, p. 87) ressalta que, diferentemente dos modalizadores
epistêmicos, em que o que está em jogo são valores e crenças, na
-se que há um controle humano sobre
os eventos e sobre os
Conforme Pietrandrea (2001), alguns elementos modalizadores
deônticos, assim como os epistêmicos, também são utilizados pelos
produtores do texto com o intuito de condensar a atitude do
produtor do texto, deixando-a menos explícita. Observemos
Pietrandrea (2001, p. 07, tradução nossa)4.

Ao observar os exemplos de Pietrandrea (2001), demonstra-se


que o elemento modalizador deôntico deve, na primeira frase, não
só condensa a atitude do produtor do texto, mas também atenua o
sentido da ordem. Caso a primeira modalização fosse substituída
pela forma explícita ordeno o elemento modalizador
poderia causar antipatia no receptor da mensagem e ocasionar efeito
contrário ao pretendido. Segundo Nascimento (2010, p. 36), os
elementos deônticos podem ser classificados em modalizadores de
obrigatoriedade, pois apresentam o conteúdo algo
obrigatório e que precisa de proibição, pois expressam

possibilidade, já que
ou dá a permissão para que isto Sella (2011, p. 213), por

101
outro lado, reforça que os modalizadores deônticos ligam-se à
para a futuridade,
uma vez que se projetam para um momento posterior à
manifestação

A utilização de modalidade e modalização em texto do gênero


carta aberta como elementos de construção da argumentatividade

Para as análises desta seção, foram selecionados recortes de um


exemplar do gênero carta aberta. O texto selecionado procede de
domínio público, o que motivou, inclusive, a escolha de referido
corpus, tendo em vista sua ampla divulgação. Nesse sentido, em 26
de agosto de 2019, servidores do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) divulgaram carta
aberta endereçada ao presidente do órgão, Sr. Eduardo Fortunato
Bim, a fim de, segundo os remetentes, externarem preocupação com
a condução da política ambiental no país e, também, encaminharem
propostas tidas como fundamentais para solicitar a crise ambiental
e político-econômica instalada.
Durante o projeto, foram utilizadas duas estratégias, para
analisar a modalidade e os modalizadores presentes no texto,
conforme demonstrado nas Figuras 1 e 2.

102
Figura 1 Apresentação da carta aberta em pdf por meio da plataforma
Google Meet

Fonte: Arquivo do projeto Sintaxe do Português: do enunciado ao texto

Figura 2 Apresentação da carta aberta em processador de textos por meio


da plataforma Google Meet

Fonte: Arquivo do projeto Sintaxe do Português: do enunciado ao texto

103
Conforme pode-se visualizar na Figura 1, inicialmente,
demonstrou-se aos participantes do projeto a carta em sua
apresentação formal, ou seja, inserida em um ofício, com papel
timbrado. O modelo foi apresentado e seu contexto discutido, com a
interação da coordenadora do projeto, por meio da plataforma
Google Meet. Na sequência, como demonstrado na Figura 2, a carta
aberta foi analisada por meio da projeção de processador de textos.
O software foi escolhido devido ao seu potencial de realçar com
diferentes cores estratégias linguísticas diversas, o que conferiu
maior didaticidade à exposição e análise do texto.
Há que se ressaltar que a interação por meio da plataforma
Google Meet envolveu todos os colaboradores do projeto, e foram
analisados não só os elementos modalizadores, mas também
estratégias de referenciação, as categorias retóricas ethos, pathos e
logos, operadores argumentativos, entre outros dispositivos
linguísticos que evidenciam argumentação. Contudo, neste capítulo,
atentamos especificamente para as estratégias de modalidade e
modalização, uma vez que outros dispositivos linguísticos foram
discutidos anteriormente neste livro. No que se refere ao tipo de
texto escolhido, tem-se que:

O gênero textual carta aberta tem sido classificado como um texto


argumentativo; certamente, por causa da natureza tipológica que nele
predomina. De um modo geral, a carta aberta tem a finalidade
discursiva de publicizar informações, denunciar problemas, seja de
um indivíduo, seja de um grupo/comunidade, com o objetivo de
buscar soluções para eles. Não é raro que o autor da carta aberta, além
de denunciar o problema, também apresente uma solução. Para tanto,
utiliza-se de um tom persuasivo, com vistas a sensibilizar seu
interlocutor que, neste caso, pode ser uma autoridade, uma empresa,
uma comunidade (BRITO, 2015, p. 53).

A noção de que a carta aberta é usada para denunciar


problemas, dialogando e interagindo com o leitor é endossada por
Leite (2014), que também afirma que os recursos linguísticos dos
quais se lança mão em meio à construção desse tipo de texto devem

104
situar o interlocutor a respeito do assunto ao longo do texto,
buscando sensibilizá-lo.
Oliveira (2018) contribui, também, com a compreensão do
gênero textual carta aberta, ao afirmar que esse tipo de texto pode

aderirem a alguma ideia ou levá-los a agir de uma determinada

carta aberta surge a partir de um problema social comum. Assim, de


início, já se evidencia que a escolha do gênero textual representa
uma estratégia dos produtores do texto de aderir modalidade ao
texto. Observe-se, então, o Recorte 1:

Recorte 1
OFÍCIO Nº 384/2019/SUPES-TO

Palmas, 26 de agosto de 2019.

Ao senhor,
EDUARDO FORTUNATO BIM
Presidente do Inst. br. Meio Amb. Rec. Nat. Renovaveis IBAMA
SCEN Trecho 2 Edificio Sede, Asa Norte
CEP: 70818-900 Brasília/DF

Assunto: Carta Aberta ao Ibama e à sociedade brasileira.


Referência: Caso responda a este Ofício, indicar expressamente o processo
nº 02029.001066/2019-42

1. Nós, agentes ambientais federais do IBAMA, servidores do Estado


Brasileiro, pautados pelo dever de lealdade à instituição a qual servimos, nos
termos da Lei 8.112/1990, bem como pelo compromisso assumido com a
sociedade brasileira e, convencidos da necessidade de providências para
assegurar o efetivo controle ambiental e a preservação da qualidade do meio
ambiente no país, vimos a público externar nossa imensa preocupação com a
condução da política ambiental no Brasil e encaminhar propostas que
consideramos fundamentais para solucionar a atual crise ambiental e político-
econômica instalada.

105
Ainda que haja menção ao gênero Ofício no cabeçalho do texto,
denota-se que, na realidade, o gênero que prepondera é o da carta
aberta. Isso porque, de acordo com Ferreira (2008),

O ofício é um texto proveniente de uma autoridade; é um instrumento


de comunicação do serviço público, portanto de autoridade a
autoridade ou desta para outra. Consiste em qualquer comunicação
de assunto de ordem administrativa ou estabelecimento de uma
ordem. Ocorre nas relações oficiais e nas comunicações do serviço
público; entre órgãos públicos ou destes para particulares. Os atos de
fala são constituídos por verbos performativos: encaminhamos;
solicitamos; pedimos e outros. Apresenta caráter público e só deve ser
expedido por órgão da administração pública (2008, p. 2384).

Assim, demonstrou-se aos acadêmicos que o texto analisado se


trata de uma carta aberta veiculada até o presidente do Ibama
(receptor) por meio de um ofício. Não obstante, para cumprir o
preceito de que a carta aberta é destinada a um sem-número de
interlocutores, recebeu ampla divulgação, sendo, inclusive,
publicada em informativo online de alcance nacional (G1).
Conforme já apresentado, os signatários da carta aberta a
endereçaram ao presidente do Ibama, sr. Eduardo Fortunato Bim

apresentem como direcionada ao Ibama e à sociedade brasileira). A


respeito desse tipo de texto, mais particularmente no que se refere à
modalidade do destinatário, Bezerra considera que:

é um texto utilizado em situações de ausência de contato imediato entre


remetente e destinatário, atendendo a diversos propósitos: opinar,
agradecer, reclamar, solicitar, elogiar, criticar, entre outros. É um gênero
de domínio público, de caráter aberto, com o objetivo de divulgar seu
conteúdo, possibilitando ao público geral a sua leitura (2007, p. 210).

Brito e Altafini (2014) esclarecem que a intenção da carta aberta é


não só a de defender um ponto de vista ante seu destinatário, mas
também a de tentar induzir um público maior a endossar o ponto de

106
vista defendi

Assim, mesmo que a carta tenha sido endereçada a uma pessoa


determinada (o presidente do Ibama), considera-se, pela própria
tipologia do gênero, que um público muito mais generalizado, em
verdade, compõe o destinatário coletivo do texto. Nessa seara,
observa-se que:

O autor da Carta Aberta representa um lugar social da esfera pública:


estudantil, trabalhista, associações. Essa autoria em coletividade
alcança mais credibilidade no contexto em que é inserida do que se

Assim, por meio da interação entre a doutoranda, a


coordenadora e os demais membros da equipe do projeto,
demonstrou-se aos alunos que, além da modalidade, que se insere já
na escolha do gênero, ao longo do texto, a presença de
modalizadores é constante. Isso porque os produtores da carta têm
um objetivo claro: convencer a sociedade como um todo acerca da
utilidade/necessidade das medidas que propõem. Sendo, portanto,
a utilização da língua uma estratégia voltada ao convencimento do
interlocutor, é importante analisar os elementos cuja finalidade seja,
de uma maneira mais direta, a de direcionar a compreensão para um
ponto de vista pretendido.
Ainda que haja, nesse sentido, a inserção de modalizadores
expressos em meio ao texto, deve-se atentar às escolhas lexicais como
estratégia de modalização. Em relação ao primeiro parágrafo da carta,
apresentado
(isto é, as escolhas lexicais que o definem), o qual sintetiza os
servidores responsáveis pela elaboração da carta, orienta os leitores a
compreenderem os produtores do texto enquanto voz autorizada
para manifestarem-se acerca dos assuntos tratados ao longo do texto.
No trecho em questão, tem-se a utilização de diversas
expressões que apontam para o valor positivo do sujeito,
fortalecendo gradativamente a crença de que os emissários da carta
não só têm o conhecimento específico para dispor dos apontamentos

107
propostos como também têm o dever social de fazê-lo. Assim, por
meio dessas escolhas lexicais, nota-se que os produtores do texto
imprimem modalização epistêmica asseverativa, que orientam aos
leitores a concordar com os argumentos que serão apresentados na
sequência, sem que haja margem de dúvidas em relação à
veracidade do que é apresentado.
Veja-
semântica
valorada positivamente. Em outras palavras, os termos
qualificadores escolhidos denotam uma condição de autoridade que
passa a ser conferida aos agentes em questão. Ainda assim, são
reconfigurados por dois predicativos do sujeito sucessivos (estando
(estamos) pautados
pelo dever de lealdade à instituição a qual servimos, nos termos da
Lei 8.112/1990, bem como pelo compromisso assumido com a
sociedade brasileira e, (estamos) convencidos da necessidade de
providências para assegurar o efetivo controle ambiental e a

Sequencialmente, o objetivo da carta é apresentado na oração

a condução da política ambiental no Brasil e encaminhar propostas


que consideramos fundamentais para solucionar a atual crise
ambiental e político-econôm
A utilização do pronome possessivo da primeira pessoa do

modalização por meio do léxico: o fato de a preocupação com a

também como comum aos servidores que, conforme já


demonstrado, foram apresentados de modo a compor voz
autorizada para debater assuntos atinentes às questões ambientais
traduz a noção de que o argumento não pode ser questionado pelos
destinatários da carta, isto é, sociedade brasileira. Assim,
novamente, as escolhas lexicais do texto são utilizadas para
imprimir modalização epistêmica asseverativa.

108
Também a que
consideramos fundamentais para solucionar a atual crise ambiental
e político-
mencionadas no fechamento do parágrafo introdutório, cujo condão
é o de apresentar os emitentes da carta aberta e dar-lhes respaldo
para os argumentos apresentados no desenvolvimento do texto.
Evidencia-se que esse efeito de sentido não seria alcançado se o
primeiro parágrafo fosse escrito sem essas escolhas lexicais
realizadas particularmente para acentuar o convencimento dos
interlocutores. Nessa hipótese, os servidores, por exemplo,
poderiam querer se envolver menos com as questões políticas
referentes à gestão ambiental. Um dos possíveis reflexos, porém,
deste molde menos modalizado no parágrafo introdutório seria a
falta de crédito atribuída aos produtores do texto.
No segundo parágrafo da carta aberta, apresentado no Recorte
2, tem-se:

Recorte 2
2. Indiscutivelmente, o IBAMA é a principal instituição responsável pela
prevenção e combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Todas as grandes
ações de combate ao desmatamento da Amazônia foram protagonizadas pelo
IBAMA, graças à implantação de estratégias inovadoras de combate ao
desmatamento aliadas à capacitação, dedicação, competência e patriotismo de
seus agentes ambientais federais, garantindo ao Brasil destaque mundial nas
ações de combate ao desmatamento e incêndios florestais.

Pode-se analisar, no Recorte 2, o prosseguimento do caráter


adotado no primeiro parágrafo. A modalização está explícita (a

das escolhas lexicais, a partir de vocábulos cujos significados apontem


para valoração positiva do que está sendo dito. Assim, nota-se,
novamente, a utilização de modalização epistêmica asseverativa.

prevenção e com

positivos que se somam de maneira gradativa, ascendendo para o

109
(vocábulo cujo significado sugere caráter negativo) é acompanhado

A segunda frase do parágrafo também propicia atos


ilocucionários que imprimem modalidade ao texto, uma vez que
apontam para o convencimento dos interlocutores, por meio dos
seguintes itens

A argumentação da carta aberta ganha reforço no terceiro parágrafo


por uma estratégia um pouco diferente: os produtores apresentam dados
para corroborar com o que foi dito até então, fortalecendo ainda mais a
voz autorizada de que lançam mão e corroborando para o
convencimento dos interlocutores. Veja-se o Recorte 3:

Recorte 3
3. Todos estes fatores contribuíram significativamente para reduzir em 80%
o desmatamento ilegal em toda a Amazônia. Entre o auge da destruição da
floresta em 2004 e o ano de 2012, foram conquistadas as menores taxas de
desmatamento da história.

A presença do adv
maneira de imprimir modalização epistêmica asseverativa de
maneira expressa no texto.
No parágrafo seguinte, contudo, a estratégia argumentativa é
alterada. O quarto tópico é iniciado por um operador argumentativo
com
modificação no sentido assumido pelo texto até aquele momento.

Recorte 4
4. Entretanto, nos anos recentes, o IBAMA e o ICMBio passaram a ser
atacados e sofrer com a falta de estrutura evidenciada especialmente pelo
fechamento de unidades, bloqueio a novos concursos, destruição de leis
ambientais, ingerência de políticos aliados a segmentos fiscalizados por lei,
cortes orçamentários, entre outros.

110
No Recorte 4, as escolhas lexicais denotam sentidos negativos:

Essa movimentação de quebra do que vinha sendo construído


até então, ou seja, sentenças de viés positivo, possivelmente ocorreu
para que se justifique a escrita do texto. Em outras palavras, foi
preciso, em primeiro lugar, construir uma imagem em relação aos
produtores do texto cujos argumentos não podem ser questionados e,
em segundo lugar, apresentar os problemas pelos quais a instituição
e os agendes passam, para que somente então, se embasasse a
justificativa da escrita da carta: encaminhamento de propostas.
A tentativa de convencimento dos interlocutores é iniciada, no
quinto parágrafo, por meio de uma modalização que imprime, ao

-se o Recorte 5:

Recorte 5
5. Não há como dissociar todos estes fatores ao aumento expressivo dos
índices de desmatamento e queimadas, conforme dados já amplamente
divulgados pelo INPE e pela NASA, com risco da destruição da floresta retornar
aos patamares de 2003.

Quando se supõe (ou se pretende fazê-lo) que algum fato é tão


verdadeiro a po

interlocutores de modo jussivo a não discordarem do conteúdo


apresentado. Assim, a impossibilidade de dissociação dos fatores
trazidos no quarto parágrafo (relembre-se: os de significado
negativo) do aumento dos índices de desmatamento e queimadas
ganha reforço, a exemplo do que é feito no terceiro parágrafo, pela
utilização de dados.
Destaca-se, também, que a modalização epistêmica
asseverativa/deôntica é ancorada por modalização epistêmica de
evidencialidade indireta. Ou seja, para que não haja dúvidas nos
interlocutores em relação ao que é afirmado, ancora-se a afirmação

111
conforme dados
já amplament
No parágrafo seguinte, a busca pelo convencimento dos
interlocutores se dá por meio de modalidade. Veja-se o Recorte 6:

Recorte 6
6. O discurso propagado e as medidas concretas adotadas contra a atuação
do IBAMA e ICMBio apontam para o colapso da gestão ambiental federal e
estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia.

Observe-se que, de maneira superficial, poder-se-ia dizer que o


sexto parágrafo não carrega carga de modalização, uma vez que não
dispõe de termos modalizadores explícitos, bem como as escolhas
lexicais são, em uma primeira análise, mais neutras. No entanto, há
de se analisar a escolha dos verbos e, inclusive, do modo verbal
utilizado. No trecho em questão, denota-se a presença do indicativo,
que, segundo a gramática tradicional, é usado para exprimir uma
certeza
(CUNHA; CINTRA, 2001, p. 448), o que, neste capítulo, considera-
se como uma forma de aderir modalidade ao texto.
Quando, pois, os produtores optam por verbos no infinitivo,
acrescentam um sentido de inquestionabilidade ao que afirmam.
Diferente seria, por exemplo, se o sexto parágrafo tivesse sido escrito
a partir do modo subjuntivo:

6. Se o discurso propagado e as medidas concretas adotadas contra a


atuação do IBAMA e ICMBio apontasse para o colapso da gestão ambiental
federal e estimulasse o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da
Amazônia, novas medidas deveriam ser tomadas.

Evidencia-se, portanto, que a modalização se opera, para além


dos modalizadores apresentados de maneira expressa no texto, pela
escolha lexical e, também, pelo modo verbal utilizado. Devido à
ausência de espaço em função da brevidade do presente texto, não
serão analisados os parágrafos 7, 8 e 9, uma vez que os demais

112
apresentam aspectos mais relevantes no que se refere à compreensão
da argumentação por meio da modalização.
Assim, o décimo parágrafo sintetiza as propostas dispostas no
tópico anterior e, assumindo a primeira pessoa do plural, retoma a
noção de coletividade do produtor apresentada no início da carta
aberta. Veja-se o Recorte 7:

Recorte 7
10. Protegemos o meio ambiente brasileiro para as presentes e futuras
gerações, sempre no estrito cumprimento da legislação ambiental brasileira.

No Recorte 7, não só a conjugação verbal na primeira pessoa do


plural,

mprimem a modalização epistêmica no presente no


tópico. Essa estratégia é mantida no décimo primeiro parágrafo.
Veja-se o Recorte 8:

Recorte 8
11. Registramos que sem uma atitude firme contra os crimes ambientais, os
índices de destruição da floresta amazônica não diminuirão. Para isso, é preciso
um comprometimento imediato do governo com a valorização do IBAMA e
ICMBio e seus agentes para a manutenção da soberania brasileira na Amazônia.

Observe-se que, neste caso, a modalização pelas escolhas lexicais

do qual foi elaborado a carta aberta não contava, até o momento da


elaboração do texto, com esse tipo de atitude. Isso porque, caso já contasse,

Sequencialmente, nota-
e por escolhas do léxico, como em

-se que imprime no texto, ao mesmo


tempo, modalização epistêmica, pois atesta a crença dos produtores

113
do texto, e modalização deôntica, pois induz os interlocutores a
concordarem com a obrigatoriedade da ação indicada pela carta.
Há que se ressaltar que, para imprimir um sentido deôntico na

Antes de orientar os interlocutores a concordarem com o que é


proposto, os produtores construíram uma imagem favorável da
instituição e de seus servidores por meio, principalmente, de
modalização e modalidade epistêmica. E, na sequência, os produtores
apresentaram denúncias, que foram atenuadas também por meio de
modalidade e modalização epistêmica. Todo esse percurso endossa a
possibilidade de modalização deôntica no Recorte 8.
O último parágrafo, diferentemente do apresentado nos dois
anteriores, não é escrito a partir da primeira pessoa do plural. Veja-
se o Recorte 9:

Recorte 9
12. Sem a adoção de tais medidas estruturantes, qualquer esforço do
governo brasileiro em resolver a situação não tem potencial de produzir
resultados sólidos a longo prazo e assume o risco de configurar mera tentativa
de arrefecer a crise política atual.

Nele, a voz assumida é mais impessoal, e passa a dar


coordenadas sobre as propostas relacionadas na carta por meio de
modalização deôntica, porém, atenuada. Ademais, previsões são
feitas nessa ótica mais atenuada, justamente com a finalidade de
garantir o convencimento do leitor. Evidencia-se que tanto a

Um efeito de sentido possível para a não utilização da primeira


pessoa do plural no último parágrafo é que a adoção das medidas
discutidas não é uma ação que dependa dos agentes do Ibama que
assinam a carta. Assim, imprime-se no texto a necessidade da
tomada de ações a partir de outros setores da sociedade, como
maiores investimentos do governo a partir de pressões da sociedade
civil, que teve acesso à publicação da carta e pode concordar com o
conteúdo expresso e cobrar ações dos representantes.

114
Considerações finais

O projeto de extensão Sintaxe do Português: do enunciado ao texto,


coordenado pela Professora Doutora Aparecida Feola Sella,
possibilitou inúmeras discussões envolvendo alunos do 4º ano de
Letras, do mestrado e do doutorado. As reflexões abrangeram a
construção da argumentação em textos e as orientações constantes
na própria língua para essa construção.
-se a
partir da contribuição que o entendimento dessas matérias pode
trazer sobretudo para a sala de aula no ensino básico. Diante disso,
espera-se ter colaborado para a formação dos colegas professores
que atuam na formação de leitores críticos.
Neste capítulo, assim como nos encontros do projeto,
demonstrou-se de que maneira a modalização contribui para a
construção da argumentação em um texto, de modo que a inserção
de modalidade merece igualmente atenção. Isso porque são recursos
que possibilitam o produtor a orientar a compreensão do
enunciador a fim de atingir determinado ponto de vista.
O corpus analisado considerou recortes de uma carta aberta. A este
respeito, vislumbrou-se que a própria escolha do gênero em questão já
insere modalidade, pois atinge um objetivo específico do produtor do
texto (a ampla divulgação de seus apontamentos, por exemplo).
Não obstante a isso, foi possível analisar de que maneira as escolhas
lexicais, a utilização dos pronomes e modos verbais atuam
significativamente no tocante à construção argumentativa de um texto,
uma vez que, a partir delas, observa-se modalidade, sendo que, ainda, é
possível haver modalizadores explícitos, o que colabora, também, para
que o interlocutor volte-se a determinado ponto de vista.

115
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