O Tempo Do Advento - Asli

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ASLI – Associação dos Liturgistas do Brasil

O TEMPO DO ADVENTO

Washington Paranhos
Introdução
A afirmação feita em textos e documentos sobre o Dia do Senhor, referente ao
domingo, pode ser estendida a todas as partes do ano litúrgico e, portanto,
também ao Advento: A celebração do domingo é para a Igreja um sinal de
fidelidade ao seu Senhor. A Igreja, de fato, o recebeu, não o criou: é um dom
para ela. Pode apreciá-lo, mas não pode manipulá-lo nem mudar seu ritmo, ou
seu significado, ou sua estrutura; porque pertence a Cristo e ao seu mistério.
Nesta perspectiva, quando “entramos” num tempo do ano litúrgico, devemos
ter sempre esta atitude: a realidade que vivemos pertence a Cristo e ao seu
mistério; a Igreja recebeu-o como dom. Por isso, precisamos nos permitir ser
“narrados” pelos ritos, orações e leituras por ser aquela realidade que pertence
ao mistério de Cristo que celebramos de tempos em tempos.

Escutar a natureza
O primeiro elemento que nos fala do significado do Advento, antes mesmo dos
gestos e gestos litúrgicos, é a própria natureza com seus ritmos sazonais. No
Brasil, é o verão e em algumas partes, temporada das chuvas. Já no contexto
europeu é outono/inverno, quando os dias ficam cada vez mais curtos, a
escuridão parece prevalecer sobre a luz e a natureza parece cochilar e morrer.
As árvores são despojadas de suas folhas, não vemos mais as cores brilhantes
das flores da primavera e do verão. A natureza, portanto, com sua linguagem
silenciosa, nos convida a meditar no sentido da história; olhar para o horizonte
da história da humanidade para ver um sinal de esperança, captar uma
presença e reavivar a expectativa de um encontro. Se soubermos escutar os
sinais das estações, já podemos descobrir algo daquilo que o tempo
do Advento celebra: uma história que espera o encontro com o seu Senhor.

Escutar os textos litúrgicos


Mas os textos litúrgicos também preservam para nós o sentido do Advento.
Neles descobrimos a “dupla natureza” deste tempo litúrgico: a que olha para o
passado e, portanto, para a Encarnação, e a que se dirige para o futuro, na
expectativa vigilante da volta do Senhor. A ênfase dada à expectativa
escatológica é muito forte. O Advento é um tempo que, embora enraizado no
acontecimento histórico da Encarnação, celebra o futuro da volta do Senhor.
Nunca podemos separar, como se estivéssemos tratando de dois temas
separados um do outro, a histórica e a escatológica. Para compreender o
sentido que o tempo do Advento recuperou na liturgia romana pós-conciliar,
pode-se tomar como referência o Prefácio I do Advento no Missal Romano:
“Revestido da nossa fragilidade, ele veio a primeira vez para realizar seu
eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação. Revestido de sua
glória, ele virá uma segunda vez, para conceder-nos em plenitude os dons
prometidos que hoje vigilantes esperamos”. É significativo que, mesmo no
limiar da celebração do Natal, na oração da coleta da celebração da vigília, se
mantenha unida a “dupla disposição” do Advento: “Ó Deus, que nos alegrais
cada ano com a expectativa da nossa salvação, concedei que possamos ver,
sem temor, quando vier como juiz, vosso Filho unigênito; nosso Senhor Jesus
Cristo, que agora alegremente recebemos como Redentor”.
Como é intuitivo, as orações introdutórias também seguem a parábola deste
tempo de espera, que vai desde a espera pelo retorno final do Senhor até a
celebração do seu primeiro advento na carne. O caráter do tempo – que
combina alguns elementos de austeridade (a cor das vestes, a omissão da
Glória, a sobriedade no uso das flores e do órgão) com um certo tom festivo –
é confirmado pelo estilo dos textos das orações. Parte, portanto, de um sentido
escatológico marcante, e logo passa para o hino cada vez mais alegre d
iminente Natal do Senhor. O tema mariano, recordado por Paulo VI, encontra
o seu ambiente mais apropriado no Advento. Podemos acrescentar ainda que o
número das coletas passou das 13 presentes no Missal de Pio V para as 29
propostas pelo Missal de Paulo VI.

Escutar a Palavra
As leituras apresentadas no Lecionário também nos convidam a não separar a
dimensão escatológica da celebração do Advento do tema da vinda histórica
do Redentor. De fato, mesmo os textos evangélicos do último período do
Advento, que apresentam as figuras de João Batista e Maria, e que relatam a
narração do que precede o nascimento de Jesus, tanto no contexto bíblico
quanto no litúrgico, apresentam ao mesmo tempo um sentido escatológico que
remete ao cumprimento das promessas de Deus para a história da humanidade
a caminho do Reino vindouro.

Celebrar
Da unidade dos dois temas do Advento, procurando não deixar que a
dimensão histórica prevaleça sobre a escatológica, deriva o estilo celebrativo
deste tempo litúrgico e também a atenção que pode ser dada na preparação das
celebrações tanto do ponto de vista ritual como homilético, de modo a viver
mais intensa e concretamente a expectativa escatológica, a única do tempo da
Igreja, em colaboração com a encarnação de Cristo no mundo e na
humanidade hoje.
Como gesto que acompanha o tempo do Advento, a “Coroa do Advento”, que
hoje é muito popular, embora não faça parte da nossa tradição, poderia ser
valorizada. Nas primeiras vésperas ou na missa vespertina de sábado à noite,
podia ser acesa todos os domingos, uma das quatro velas da “Coroa”, para
enfatizar o tema da luz que aumenta à sua plenitude no Encontro com o
Senhor que vem iluminar as trevas e as noites da humanidade.
Neste tempo litúrgico, é preferível um uso mais sóbrio da decoração floral da
Igreja, para evitar antecipar a plena alegria da Natividade do Senhor (cf.
IGMR, 305) e dar ainda maior importância à “Coroa do Advento”.
Para a oração dos fiéis, em alguns domingos, poderia ser usada a possibilidade
de responder a cada intenção de oração com alguns momentos de silêncio.
Este modo de resposta da assembleia na oração dos fiéis poderia ser estendido
a todo o tempo do Advento, ou mesmo apenas no último domingo.

PREFÁCIOS
Prefácio do Advento I
O tema da ação de graças, no centro do prefácio, gira em torno de dois
“tempos” na história da salvação. Somos convidados a dar glória ao Pai com
um duplo olhar para o passado, para o que Cristo já levou à plana realização
quando “veio a primeira vez” e para o futuro, olhando para o resultado de toda
a história “ele virá uma segunda vez”. O embolismo do prefácio, portanto, é
construído sobre o paralelismo entre a obra salvífica realizada na encarnação
do Filho de Deus e o que acontecerá em seu retorno. Este tema está
claramente identificado no título “As duas vindas de Cristo”.
A “humildade da natureza humana” marca o tempo da primeira vinda. A
humildade é a condição típica do homem, que pertence à terra, que vem da
terra, que é feito de terra (tunc formavit Dominus Deus hominem pulverem de
humo – o Senhor Deus moldou o homem a partir do pó da terra (Gn 2,7). A
humildade, isto é, a humanidade plena e autêntica, marca toda a vida de Cristo
e não apenas a Natividade. Certamente, o seu nascimento deu-se em
condições “humildes”, como narrado nos Evangelhos, mas podemos bem
encontrar os traços da “humanidade humilde” na vida oculta e “silenciosa” de
Nazaré, nas suas relações com os seus discípulos e com aqueles que se
aproximaram dele, no conteúdo da sua pregação, na sua morte na cruz. A
humanidade de Cristo é a sua total proximidade com o homem que vem da
terra, a única maneira de se aproximar, um com o homem. O primeiro
advento, marcado por essa humildade radical, foi um tempo favorável para o
cumprimento das antigas promessas. Em Cristo estão concentradas e fundidas
todas as figuras antigo testamentárias e todas as expectativas de salvação e de
vida da humanidade. Na “antiga promessa”, ouvimos o eco de todos os
acontecimentos narrados no Primeiro Testamento, em que Deus se fez
próximo da humanidade com sucessivas alianças. Além disso, ao cumprir as
antigas promessas, Cristo “abriu-nos o caminho da salvação”. Nele, reabre-se
o acesso ao jardim, do qual o homem se havia afastado por causa do pecado
das origens. Cristo abre a porta do paraíso pela qual os primeiros pais
passaram para sair e nunca mais voltar. O próprio Cristo é a porta (Jo 19,7. 9)
que conduz à vida e permite de novo, através da sua humanidade, a entrada na
verdadeira alegria.
A este “tempo”, para o qual olhamos cheios de memória e gratidão,
corresponde a abertura ao futuro que agora vislumbramos e somos chamados
a esperar com viva esperança. Se a Encarnação do Filho de Deus é marcada
pela humildade, a segunda vinda de Cristo caracteriza-se pelo “esplendor da
glória”, condição não mais marcada pela fragilidade. Este será o momento em
que Ele vai “conceder-nos em plenitude os dons prometidos” e seremos
capazes de participar em plena comunhão com Ele. O tempo presente,
portanto, a “hora” de nossas vidas, caracteriza-se pela expectativa vigilante da
vinda de Cristo, que é cheia de esperança, pois está enraizada na memória
certa da salvação já realizada.
O Prefácio do Advento I é a tradução brasileira do Prefácio I de Adventu do
Missale Romanum editio typica tertia. A rubrica que antecede o texto indica
que esse prefácio pode ser usado até 16 de dezembro, tanto aos domingos
quanto em todas as missas que não tenham prefácio próprio.

Prefácio do Advento I/A


A dinâmica do Prefácio do Advento I/A é desenvolvida de forma simples e
direta. O tema abordado no corpo central do texto é antecipado ao reconhecer
o Pai como o “princípio e o fim de todas as coisas”. Essa definição vem do
Livro do Apocalipse onde, em dois momentos diferentes, é atribuída tanto a
Deus (Ap 21,8) quanto a Jesus Cristo (Ap 22,13). Deus é reconhecido como
aquele que abraça toda a história, colocando-se como o princípio (ἡ ἁρχὴ), o
início que dá movimento a todas as coisas, e como o fim (τὸ τέλος), o término
que cumpre todas as expectativas e toda espera. No Apocalipse, o que se
prega sobre o Pai é atribuído ao mesmo tempo ao Filho Jesus Ressuscitado.
O horizonte temporal em que se articula a ação de graças do Prefácio é “o dia
e a hora” que está diante de nós. “O dia e a hora” é uma frase que recorda os
discursos de Jesus sobre o fim dos tempos, nos quais nos convida a estar
vigilantes: “Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25,13). O
texto tem uma forte tensão escatológica, através da descrição do fim da
história, em que tudo se completa com a vinda de Cristo ressuscitado. Esse
tempo faz parte da dinâmica de uma dupla polaridade. O dia está “escondido”,
pois nos escapa à previsão e à compreensão, como declarou Jesus: “Quanto
àquele dia e hora, porém, ninguém tem conhecimento, nem os anjos do céu,
nem mesmo o Filho, mas somente o Pai” (Mt 24,36). E, no entanto, o tempo
vindouro, embora oculto, é apresentado como motivo de ação de graças, pela
certeza de que Cristo, “Senhor e Juiz da história”, está diante de nós e
permanece como nossa segurança. A cena que descreve a última vez, em que
o Senhor “aparecerá sobre as nuvens do céu, revestidas de poder e majestade”,
é uma clara alusão aos textos do Novo Testamento (cf. Mt 24,30; Mc 13,26;
Lc 21,27; Ap 1,7), que, por sua vez, atribuem à nova vinda de Cristo as
características do Filho do Homem profetizadas no Antigo Testamento (cf. Dn
7,13-14). “O dia e a hora”, portanto, é um tempo que sempre escapa à nossa
pretensão de controle e gestão e, por isso, pode se tornar inquietante, mas é
cheio de promessas, pois a força e o poder de Deus nos esperam na plena
manifestação de Cristo ressuscitado.
Confirmando essa tensão escatológica, “aquele dia” é novamente descrito
como “tremendo e glorioso”, pois nele haverá uma ruptura entre o tempo
presente e o surgimento de “novo céu e nova terra”. A imagem, que vislumbra
a transformação final, é recorrente no Antigo e no Novo Testamento (cf. Is
65,17; 66,22; 2Pd 3,13; Ap 21,1): Cristo em sua manifestação definitiva é
apresentado com as características do Criador. Os extremos céu/terra, que
exprimem o mundo em sua totalidade, identificam a renovação radical trazida
pela vinda final do Senhor. O último parágrafo do corpo central do prefácio
abandona a visão do tempo futuro para centrar a atenção no “agora” presente,
no qual o próprio Cristo, até agora contemplado em sua última aparição,
“agora e em todos os tempos, ele vem ao nosso encontro, presente em cada
pessoa humana”. Cristo, embora esperado e desejado, não está distante dos
seus amigos e discípulos, mas assegura a sua proximidade a cada um. A
presença viva do Senhor e a possibilidade de ser abordado pela sua
proximidade são um motivo e um estímulo para reavivar as virtudes teologais:
fé, amor e esperança são os “lugares” do encontro com Cristo na vida
presente.
O escatológico também se caracteriza pelo tema específico do prefácio, pois
identifica o louvor celeste, ao qual a Igreja se associa, como uma
peculiaridade da expectativa “enquanto esperamos a feliz realização do seu
Reino”. O canto do Santo, portanto, no qual nos associamos aos anjos e
santos, é a condição do tempo presente em que aguardamos a vinda de Cristo
já exultante no cântico de louvor.
O título do prefácio, “Cristo, Senhor e Juiz da História”, resume o motivo da
ação de graças nos mesmos termos usados no motivo do louvor. A rubrica que
antecede o texto indica que esse prefácio é usado até 16 de dezembro, tanto
aos domingos quanto em todas as missas que não tenham prefácio próprio.

Prefácio do Advento II
O teor deste prefácio é estritamente cristológico, como indica a conclusão do
protocolo, que identifica “Cristo Nosso Senhor” como o motivo central para a
ação de graças.
A primeira seção do embolismo lembra três figuras-chave que de maneiras
diferentes e complementares anunciaram e indicaram a presença de Cristo no
mundo. Em primeiro lugar, os profetas, cuja voz e obra são unanimemente
vistas no anúncio da vinda do Salvador. Depois, Maria, que é lembrada em
particular nos nove meses em que esperou o nascimento do filho carregando-o
no ventre. Por fim, João Batista, mencionado como o último “profeta” que
convidou a preparar a vinda do Messias e o mostrou presente, dirigindo seus
próprios discípulos a Jesus. Deste modo, a ação de graças por Cristo
desenvolve-se através daqueles que indicaram a sua presença de modo
especial. Os profetas, Maria e João Batista são figuras centrais na história da
salvação, sobre a qual se construiu a liturgia da Palavra para os domingos do
Advento. As profecias (principalmente Isaías [ano A e B], mas também
Jeremias, Baruque, Sofonias e Miquéias [ano C]) são o fio condutor de todas
as leituras do Antigo Testamento do lecionário do Advento; os anúncios do
nascimento de Jesus por Maria e a visita a Isabel caracterizam o quarto
domingo do Advento no ciclo de três anos; a pregação do Batista (“anunciou
estar próximo”) e o testemunhou (“mostrando presente no mundo”) são as
referências evangélicas para o segundo e terceiro domingos do Advento de
cada ano.
A grandeza das figuras do Advento e do seu papel na história da salvação é
que elas “indicaram” Cristo, convidando-nos a fixar n’Ele o olhar e a atenção
(daí a admoestação de Maria: “Fazei tudo o que Ele vos disser” Jo 2,5 e a
exclamação do Batista “Eis o Cordeiro de Deus” Jo 1,29). Muitas
representações artísticas de João Batista o representam com a mão e o braço
estendidos e voltados para Jesus, no gesto de dirigir toda a atenção a Ele. Este
parece ser o ícone típico do arauto de Cristo, que reconhece nele o Salvador e
o aponta para o mundo. A ação de graças da Igreja, portanto, eleva-se ao Pai,
graças aos homens e mulheres que souberam esperar e reconhecer Cristo,
dedicando a sua vida a apresentá-lo e a apontá-lo ao mundo.
A segunda estrofe do embolismo desloca o foco das antigas expectativas de
Cristo para o tempo presente, no qual Ele mesmo nos convida e “nos dá a
alegria de nos prepararmos desde agora para o mistério de seu Natal”. A
esperança orante é de ser encontrado pelo Senhor na atitude de vigilância
tantas vezes exigida aos seus discípulos (“O que vos digo, digo a todos:
vigiai!” Mc 13,37; “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação!” Mc 14,38;
“Portanto, ficai atentos e orai a todo momento” Lc 21,36). Deste modo, o
prefácio conclui com uma tensão escatológica, pois ser vigilante é a atitude
típica recordada nas parábolas evangélicas, em que Jesus nos exorta a
prepararmo-nos para o tempo vindouro.
O título do prefácio, “A dupla espera de Cristo”, identifica os dois tempos
narrados no prefácio: o tempo de espera no passado, que teve seu ápice e seu
fim com a encarnação do Filho de Deus e sua manifestação na humanidade de
Jesus; o tempo presente, sempre renovado pela ardente expectativa do
encontro com o Senhor.
O Prefácio do Advento II é a tradução brasileira do Prefácio II de Adventu do
Missale Romanum editio typica tertia. A rubrica que precede o texto indica
que este prefácio está reservado para os últimos dias antes do Natal, de 17 a
24 de dezembro.

Prefácio do Advento II/A


O título do prefácio, “Maria, a Nova Eva”, indica o teor puramente mariano
desta composição. O incipit (começo) da ação de graças “Nós vos louvamos,
bendizemos e glorificamos” é o mesmo que encontramos no prefácio da Bem-
Aventurada Virgem Maria I, um sinal de que nosso texto é inspirado nos
prefácios marianos não apenas em conteúdo, mas também em forma literária.
O motivo da ação de graças centra-se no “mistério da Virgem Maria, Mãe de
Deus”. Virgem e Mãe são as duas condições que Maria vive ao mesmo tempo
e que constituem um absurdo segundo a lógica humana. O oximoro que
caracteriza a vida de Maria é para a fé cristã um sinal da intervenção da graça
divina, a partir do momento em que o “ela” contempla a copresença dos dois
opostos.
O texto prossegue exaltando as novidades que, por meio da Virgem Mãe, a
graça divina foi capaz de realizar na plenitude dos tempos. Se no passado, por
causa do “antigo adversário” veio a ruína, agora através de Maria nos é dado o
autor da própria vida. A terminologia “antigo adversário” alude à “serpente
antiga” (Ap 12,9; 20,2) descrita no Apocalipse, onde o inimigo arma contra a
“mulher vestida de sol”, bem como ao “antigo adversário”, ao qual Dante se
refere na Divina Comédia (Purgatório XI, 20). A “Filha de Sião”, que na
linguagem bíblica é a personificação da cidade de Jerusalém (cf. Is 62,11; Zc
9,9; Mt 21,5), uma vez que prefigura a nova Jerusalém, indica também a
própria Igreja. Maria é assim identificada como a representante do verdadeiro
Israel e um ícone da Igreja. Neste ponto aparece Cristo, aqui referido como
“aquele que nos alimenta com o pão do céu”, retomando a terminologia da
sequência de Corpus Christi, na qual a Eucaristia é assim referida. Cristo é “a
salvação e a paz”, dons oferecidos ao mundo através do nascimento do Filho
de Deus pela Virgem Mãe.
A segunda estrofe retorna à antítese entre o tempo antigo e a nova aliança,
referindo-se à oposição entre Eva e Maria: se Eva, ouvindo a voz da serpente,
fechou o caminho da vida para si e seus filhos, agora em Maria, por causa de
sua escuta que se torna obediência, a graça é restaurada ao mundo, sem a qual
não podemos existir. Ao referirmo-nos a Maria como “mãe de todos os seres
humanos”, ouvimos o eco e a referência a Eva, “Mãe de todos os vivos” (Gn
3,20). Mais uma vez, a identidade de Maria é construída a partir do
paralelismo com a primeira mulher e nos permite vislumbrar que finalmente
através dela as antigas expectativas se cumprem. Outro fruto da resposta da
Virgem de Nazaré é a regeneração da maternidade, santificada pelo próprio
Deus que se dignou habitar no ventre de uma mulher.
A conclusão, “se grande era a nossa culpa, bem maior se apresenta a vossa
misericórdia”, aludindo claramente ao texto paulino aos Romanos (cf. Rm
5,20), relê a história da redenção através da reversão provocada por Cristo: se
só o homem tivesse obtido a morte, a graça de Deus restaura a vida em
abundância.
Após a ação de graças e a lembrança da graça operada por Deus através do
“sim” de Maria, abre-se a tensão escatológica, declarando-nos “enquanto
esperamos a sua chegada”, razão pela qual nos juntamos aos anjos e santos
para cantar ao Deus três vezes santo.
A rubrica que precede ao texto indica que este prefácio está reservado para os
últimos dias antes do Natal, de 17 a 24 de dezembro.

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