Politica Educacional em Mocambique-Ebook

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Adelino Inácio Assane

Maria Luísa Lopes Chicote Agibo (org.)

Política Educacional em
MOÇAMBIQUE
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

Reitor
Miguel Sanches Neto
Vice Reitor
Ivo Mottin Demiate
Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Culturais
Maria Salete Marcon Gomes Vaz
Editora UEPG
Beatriz Gomes Nadal
Conselho Editorial
Beatriz Gomes Nadal,
Adilson Luiz Chinelatto
Antonio Liccardo
Augusta Pelinski Raiher
Dircéia Moreira
Giovani Marino Favero
Ivana de Freitas Bárbola
Maria Salete Marcon Gomes Vaz
Névio de Campos
Adelino Inácio Assane
Maria Luísa Lopes Chicote Agibo
(org.)

Política educacional em
Moçambique
Copyright © by Adelino Inácio Assane, Maria Luísa Lopes Chicote Agibo org. &
Editora UEPG

Equipe editorial
Coordenação editorial
Beatriz Gomes Nadal
Revisão de língua portuguesa
Eduarda da Matta
Capa
Andressa Marcondes
Projeto gráfico e diagramação
Marco Aurélio Martins Wrobel

P769 Política Educacional em Moçambique / Adelino Inácio Assane e Maria


Luísa Lopes Chicote Agibo (org.). Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2023.
166p.

ISBN: 978-65-86234-52-7
DOI: 10.5212/86234-52-7

1. Educação. 2. Educação - Estudos interculturais. 3. Políticas


educacionais. 4. Moçambique - História. 5. Moçambique - Política e
governo. I. Assane, Adelino Inácio (org.). II. Agibo, Maria Luísa Lopes
Chicote (org.). III. T.
CDD: 371.3

Ficha catalográfica elaborada por Rodrigo Pallú Martins – CRB 9/2034/O

Depósito legal na Biblioteca Nacional


Editora filiada à ABEU
Associação Brasileira das Editoras Universitárias

Editora UEPG
Praça Santos Andrade, n. 1
Cep: 84010-919 – Ponta Grossa – Paraná
Fone: (42) 3220-3306
E-mail: [email protected]
Site: www.editora.uepg.br

2023
Prefácio
O Professor Adelino Inácio Assane e a Professora Maria Luísa
Lopes Chicote, organizadores deste livro, me pedem a escrita do pre-
fácio, tarefa que assumo com muito prazer. O convite dos queridos
colegas me oferece a oportunidade de, ao ler os textos, lembrar-me
de minhas duas estadas em seu acolhedor e cativante país, a primeira
em 2014, em Maputo e na cidade de Maxixe (Província de Inhambane),
a segunda em 2019, nas cidades de Nampula, Ilha de Moçambique e
Nacala (Província de Nampula) e Quelimane (Província da Zambézia).
Na antiga UP da Maxixe, onde proferi palestras e ministrei curso
para alunos de Administração Educacional, tive meu primeiro contato
com a realidade moçambicana ao conhecer a cidade, visitar escolas e me
deparar com as questões difíceis da educação pública no país, especial-
mente na educação básica e na formação de professores. Na antiga UP -
Nampula, além de palestras e visitas a escolas, também ministrei curso
sobre Metodologia do Ensino Superior e, na UP - Quelimane, ministrei
palestras a professores e alunos. Sou extremamente agradecido aos
dirigentes e colegas professores dessas unidades da ex-Universidade
Pedagógica por terem me propiciado conhecer um pouco da paisagem
física, humana e política moçambicana, suas contradições sociais e
políticas, seu sistema educacional, suas escolas, suas crianças e jovens.
É verdade que um visitante precisa de um bom tempo para captar
e analisar as características económicas, políticas e culturais do país
que o acolhe, a dinâmica de funcionamento da sociedade, bem como o
contexto histórico da dinâmica das relações sociais, das instituições,
da herança política e das contradições da democracia. No entanto, a
vida pode nos conceder momentos de experiência cujo desfrute pode
ser impulsionado pela busca de compreensão do outro, pela curiosidade,
pela experiência própria acumulada. O escritor inglês Aldous Huxley
escreveu que a experiência não consiste no que acontece com a pessoa,
mas no que a pessoa faz com o acontecido. Desse modo, posso tentar
passar aos leitores, neste prefácio, algo sobre como os capítulos deste
livro me tocaram académica e profissionalmente, obviamente, tendo
como referência minha vivência da realidade educacional do Brasil.
Esta publicação ocorre no contexto da reforma do Ensino Superior
promovida pelo governo de Moçambique em 2019, com a extinção da
Universidade Pedagógica (UP), e sua transformação em cinco novas
universidades autônomas, uma delas a Universidade Rovuma, com
sede em Nampula, à qual estão vinculados vários dos autores de capí-
tulos deste livro. Nesse sentido, o livro comemora o nível de excelência
conquistado pela ex-UP -Nampula por meio de seus pesquisadores e
docentes.
Com efeito, os textos publicados aqui representam contribui-
ção extremamente relevante da produção acadêmica de pesquisadores
moçambicanos preocupados em realizar diagnósticos e análises rea-
listas acerca da educação pública do país.
Neste livro, estão reunidos cinco textos que abordam diferentes
aspectos das políticas educacionais de Moçambique. No decorrer dos
capítulos, o leitor encontrará análises de cunho político e cultural da
educação moçambicana nos períodos colonial e pós-colonial, chegando
às mudanças curriculares no século XXI, entre elas, a educação de
resultados impulsionadas por organismos internacionais. A obra traz,
também, importantes análises acerca da qualidade da formação de
professores e da educação profissional numa perspectiva crítica.
A leitura do livro suscitou-me alguns comentários que passo a
compartilhar com os leitores, visando mobilizá-los a percorrer capítulo
a capítulo e, assim, extraírem proveito de sua leitura. Ao percorrer o
livro, é possível acompanhar o desenvolvimento histórico da educação
desde a independência em 1975, quando se institui uma educação para
formação do “homem novo” conforme o ideal socialista, passando pela
guerra civil até chegar à constituição do Sistema Nacional de Educação
entre 1983 e 1999, período em que o país se alinha à Declaração
Mundial de Educação para Todos, nos moldes do neoliberalismo. Com
a Constituição de 1990, já no regime de multipartidarismo, os textos
realçam as contradições entre quantidade e qualidade no atendimento à
população escolar: o acesso à escola se expande, mas, pela precariedade
da infraestrutura, escassez e dificuldades na formação de professores,
entre outros fatores, a qualidade fica rebaixada. Impressiona a afir-
mação de um dos autores de capítulo ao escrever que “as crianças, ao
entrarem na escola, literalmente, eram excluídas e incluídas ao mesmo
tempo. Excluídas devido à obrigatoriedade do uso de uma língua de
ensino totalmente desconhecida e, incluídas, pelo fato de se encontra-
rem na escola. Esse paradoxo tinha e tem suscitado grandes conflitos
de inserção das crianças no meio escolar”.
Considero importante destacar, também, em vários capítulos,
reconhecimento de que a subordinação da educação ao currículo de
resultados trouxe mais prejuízos que benefícios à formação dos alunos,
além de menosprezar os fatores socioculturais que incidem no processo
de ensino-aprendizagem. Com efeito, na atual política educacional do
país, o currículo mínimo e os programas de ensino são estabelecidos
pelas autoridades da educação conforme modelos avaliativos padro-
nizados e formas de controle do trabalho dos professores. Segundo os
autores, essas políticas impactam negativamente a qualidade de ensino
e levam a uma redução drástica da autonomia dos professores. Ao se
impor a proletarização técnica, chega-se à proletarização ideológica,
resultando na perda de controle, por parte da escola e dos professores,
em relação aos fins e aos objetivos sociais para os quais deveria ser
orientado o seu trabalho.
Outro aspecto realçado diz respeito ao peso da educação “não
formal” em relação à “formal”, pondo a questão da abordagem, ao
mesmo tempo, institucional e pedagógica, da coexistência dessas duas
modalidades de educação. A esse respeito, surgem os desafios, de um
lado, da persistência de fortes traços da pedagogia tradicional autóc-
tone, incluindo os ritos de iniciação, por outro, a globalização cultural
visivelmente presente em canais de televisão e em manifestações da
vida cotidiana. Os autores constatam que, historicamente, ocorreu a
desqualificação da cultura e das experiências locais com base na lógica
educativa do colonizador e, hoje, surge o risco de uma homogeneização
cultural sob o impulso da globalização. A esse respeito, emergem nos
capítulos análises críticas muito realistas e bem fundamentadas sobre
as contradições das políticas educacionais. Por exemplo, por um lado,
o desvirtuamento dos ideais socialistas iniciais da FRELIMO pelas
políticas implantadas a partir da década de 1990, já então identificadas
com o neoliberalismo, por outro lado, o desconforto dos autores com a
desconsideração na organização escolar e no ensino, nos anos iniciais
do movimento pela independência, das manifestações culturais dos
diferentes povos em diferentes regiões do país (tradições, cultura, lín-
guas locais etc.), já que era priorizado o princípio da unidade nacional
através da língua oficial.
Sobre qualidade do trabalho docente, um dos capítulos formula
a questão de forma muito realista: há um discurso em torno da auto-
nomia e da criatividade do professor que, no entanto, é negado pela
prática, em razão dos controles que o sistema de ensino impõe com
base no currículo de resultados. Com isso, a emancipação, autonomia,
liberdade e criatividade do professor ficam comprometidas. De certa
forma, os autores admitem que, com a globalização econômica, reinci-
dem na realidade educacional moçambicana outras formas de coloni-
zação, desta vez levadas a efeito pela adoção das avaliações externas.
A implantação do currículo de resultados, que traz junto o menos-
prezo das questões pedagógicas, tem certa correspondência com o que
ocorre no Brasil, visto que nesse país também se verifica a ação dos
organismos internacionais, principalmente do Banco Mundial e da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
desde a década de 1990, visando meramente a preparação dos alunos
em habilidades produtivas em função de sua inserção na economia de
mercado global e local. Também, no Brasil, escolas e professores são
considerados bem-sucedidos quando seus alunos apresentam bons
resultados, sem levar em conta o papel ativo do aluno na sua apren-
dizagem, a consideração de fatores sociais, culturais e materiais de
vida dos alunos que intervêm nessa aprendizagem, os procedimentos
avaliativos feitos pelos professores.
Esta breve exposição do conteúdo do livro que agora chega às
mãos do leitor, possibilita a analistas de políticas educacionais de
Moçambique do Brasil constatar a semelhança entre os problemas
políticos e pedagógicos da educação escolar dos dois países. Muitos
desses problemas podem ser analisados em quatro níveis de análise
articulados entre si: contextos social, político, econômico e cultural;
gestão do sistema de ensino; gestão curricular e pedagógica das esco-
las; efetivação do processo de ensino-aprendizagem na sala de aula.
Com efeito, os textos mostram, mesmo considerando as nuances
próprias do contexto social de cada país, que as políticas e as diretrizes
educacionais, os currículos, a política de avaliação e as formas de ges-
tão do sistema escolar estão vinculadas a orientações internacionais,
principalmente do Banco Mundial. Análises feitas pelos autores dos
capítulos acerca do impacto dessas orientações para os países emer-
gentes, cotejadas com estudos semelhantes realizados no Brasil, possi-
bilitam extrair várias consequências para o funcionamento do sistema
escolar e formação de professores e, especialmente, para a debilitação
da qualidade de ensino proporcionada pela escola por meio do pro-
cesso de ensino-aprendizagem. De fato, o currículo de resultados está
muito mais voltado para o atendimento de demandas da economia e do
mercado do que para a formação e o desenvolvimento humano dos alu-
nos. A institucionalização da regulação do funcionamento do sistema
escolar por meio de avaliações externas padronizadas visa mensurar
competências e habilidades para o trabalho imediato, e os resultados
obtidos servem para responsabilizar escolas e professores pelo sucesso
ou insucesso dos alunos e, em decorrência, culpabilizar os docentes.
Do ponto de vista pedagógico, o ensino por resultados reforça práticas
de ensino meramente transmissivas e baseadas na memorização, e
resume a avaliação da aprendizagem à aplicação de testes padroniza-
dos. Conforme já mencionado, o processo de ensino-aprendizagem fica
totalmente banalizado, com consequências traumáticas à verdadeira
aprendizagem. A homogeneização do ensino leva a considerar o aluno
individuo isolado, desvinculado dos contextos sociais, materiais e con-
cretos de vida que intervêm na aprendizagem. O papel ativo do aluno
não é considerado. Além do mais, a desconsideração do impacto das
desigualdades sociais no processo de ensino-aprendizagem resulta
funesta para os alunos pobres, uma vez que elas os colocam em des-
vantagem diante das exigências do processo de escolarização.
Outros aspectos das políticas educacionais e do funcionamento
pedagógico coincidem nos dois países: a insuficiente cobertura do
Estado em relação aos recursos financeiros para as necessidades de
atendimento escolar; a mal resolvida relação entre quantidade e qua-
lidade em relação ao atendimento da população escolar; a dissociação
entre objetivos de escolarização e as práticas de acolhimento social
dos alunos; o dissenso e dispersão, entre dirigentes públicos, políticos,
pesquisadores, professores universitários, no que se refere à definição
de finalidades educativas escolares que correspondam às necessidades
educativas do país e a uma educação emancipadora.
A análise esboçada até aqui dos conteúdos deste livro instiga a
lançar uma infinidade de perguntas que podem ser objeto de investiga-
ção dos pesquisadores e formadores de professores, por exemplo: para
que servem, efetivamente, as escolas, principalmente para os setores
empobrecidos da população? Como estabelecer ligações pedagógicas
entre a diversidade sociocultural/desigualdades sociais, e a exigências
democráticas e emancipatórias de apropriação da ciência, da cultura,
da arte, da moral? Que políticas e ações concretas, tanto institucio-
nais como pedagógicas, podem assegurar a universalização do ensino
com qualidade social e pedagógica? O que o sistema de ensino pode
fazer para uma urgente capacitação, em ações de formação continuada
na própria escola, de diretores e coordenadores pedagógicos? Como
responder às expectativas de muitos pais de alunos de comunidades
tradicionais que esperam da escola pública uma formação intelectual,
afetiva e moral a seus filhos? Como lidar com os impactos da globa-
lização sem menosprezar as culturais locais? No caso moçambicano,
chama a atenção o alerta do pensador moçambicano Alberto Viegas:
nós perdemos quando nos aventuramos para a globalização antes de
saber onde estamos. É preciso conhecer a própria cultura antes de
conhecer a cultura dos outros.
Finalizando a escrita deste prefácio, que já vai se alongando
demasiado, destaco que, a meu ver, o núcleo da problemática discutida
neste livro pode ser localizado em como pautar diretrizes da educação
nacional de modo a ter uma solução satisfatória para duas das finali-
dades da escola articuladas entre si: o ensino de conteúdos visando a
formação de capacidades humanas com caráter universal e o atendi-
mento das diferenças individuais, sociais e culturais dos alunos. Ou, em
termos mais precisos, como assegurar um currículo comum para todos,
de caráter científico e, ao mesmo tempo, adequar o ensino às condições
sociais, culturais, materiais dos alunos, manifestas nas desigualdades
sociais e na diversidade sociocultural?
O conteúdo deste livro e sua difusão entre dirigentes públicos,
pesquisadores, professores e alunos suscita a invenção e a imaginação
de outras políticas educacionais, outros parâmetros de qualidade de
ensino, outras formas de trabalho pedagógico nas escolas e salas de
aula, como contraposição às políticas neoliberais homogeneizadoras
em relação ao currículo e ao ensino. Sem dúvida, em face do domínio
avassalador dos interesses do mercado globalizado, investir em outra
concepção de educação e ensino em favor dos segmentos pobres da
população é uma prática de resistência política e pedagógica. O desa-
fio é imaginar o que pode ser uma escola que assegura a todos, sem
distinção de classe social, etnia, religião, gênero, sexo, o acesso ao
conhecimento escolar sistematizado e ao desenvolvimento das capaci-
dades de pensar e, ao mesmo tempo, leva em conta a diversidade social
e cultural dos alunos? O que pode ser uma escola que assegura o acesso
a todos à formação cultural e científica dando a cada aluno a possibi-
lidade de desfrutar o máximo possível suas capacidades intelectuais,
suas diferenças, adquirindo condições de participação na vida social,
econômica e cultural do seu país? Minha expectativa, após a leitura
deste livro e redigindo estas palavras, é que os pesquisadores progres-
sistas moçambicanos do campo da educação e do ensino, bem como
os políticos e técnicos da educação que atuam, de forma crítica, no
planejamento e desenvolvimento do sistema público de ensino, mobi-
lizem sua inteligência e suas energias para contrapor ao currículo ins-
trumental de resultados indicado pelos organismos internacionais um
currículo e uma pedagogia voltados para o desenvolvimento humano,
ou seja, para a construção de uma escola justa. Escola justa é aquela
que proporciona uma formação cultural e científica que possibilita o
desenvolvimento das capacidades humanas em estreita ligação com a
diversidade sociocultural e diretamente enlaçada às condições sociais,
culturais e materiais de vida dos alunos. É uma escola que atende à
diversidade, no entanto, sem abdicar do necessário acesso à condição
de universalidade do ser humano, isto é, o direito de todos ao conheci-
mento – à formação cultural e científica. Pedagogicamente, trata-se de
articular a formação cultural e científica com as práticas socioculturais
(diferenças, valores, redes de conhecimento etc.) de modo a promover
interfaces pedagógico-didáticas entre o conhecimento teórico-cien-
tífico e as formas de conhecimento local e cotidiano. Um livro, por si
só, não transforma o mundo, mas pode mobilizar as inteligências e as
vontades para as ações transformadoras na realidade. Meu desejo é de
que pesquisadores, professores e estudantes desfrutem de seu conte-
údo e que encontrem nele uma fonte inspiradora para as mudanças
que se fazem necessárias no seu país, tendo como caminho profundas
reflexões sobre as finalidades educativas escolares e os parâmetros de
uma escola justa.

Goiânia (Brasil), outubro de 2023.


Prof. José Carlos Libâneo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................15

UM OLHAR RETROSPECTIVO DA EDUCAÇÃO FORMAL


MOÇAMBICANA: DAS MAZELAS COLONIAIS ÀS MUDANÇAS
CURRICULARES DO INÍCIO DO SÉCULO XXI......................................17
Adelino Inácio Assane
Julio Agibo

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: A EDUCAÇÃO E AS


DINÂMICAS SOCIOCULTURAIS NA ERA PÓS - COLONIAL.................59
Ana Maria de Jesus Pinho P. Guina
José Augusto Guina

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO TRADICIONAL EM MOÇAMBIQUE E


A GLOBALIZAÇÃO CULTURAL..................................................................83
Wilson Profirio Nicaquela

QUALIDADE DO TRABALHO DOCENTE EM MOÇAMBIQUE: DESDE


AS POLÍTICAS DE CONTROLE, MODELOS DE FORMAÇÃO AO
COMPORTAMENTO INOVADOR..............................................................99
Adriano Fanissela Niquice
Benedito Maurício Sapane
Adelino Inácio Assane
ESTADO, SETORES EMPRESARIAIS BRASILEIROS E A
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM MOÇAMBIQUE: O QUE
ESTÁ EM DISPUTA?................................................................................. 119
Joana D’Arc Vaz

ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO EM


MOÇAMBIQUE: CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE NO ENSINO SECUNDÁRIO............................................ 145
Adelino Inácio Assane
Arlindo Cornélio Nthunduata Juliasse
Eduardo Jaime Bata
Mário Jorge C. Brito dos Santos
Vanito Viriato Marcelino Frei

SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORES........................................ 163


Introdução
A educação como um processo que visa buscar o desenvolvimento
multidimensional do indivíduo ocorre mesmo em lugares onde não
existem escolas, isto é, em sociedades em que a organização admi-
nistrativa é considerada simples. Em Moçambique, a educação “não
formal” tem mais valor simbólico que a “formal”, fazendo com que haja
negociação e coexistência entre essas duas formas de transmissão de
saberes. A educação não formal, que na maior parte das vezes se realiza
por meio de ritos de iniciação, constitui uma forma de educação muito
importante para a população moçambicana, com maior destaque para o
povo macua. Neste livro, o texto de Wilson Nicaquela descreve os desa-
fios dessa educação em um contexto de mudanças globais motivadas
pelo processo irreversível de globalização. Durante os mais de quatro
séculos de dominação colonial, com objetivo de explorar as riquezas
naturais e humanas disponíveis, foi criado um sistema educativo cen-
trado na desqualificação do povo, da cultura e das experiências locais.
Com início da luta de libertação nacional em 1962, Moçambique
começa a esboçar um projeto de educação moçambicana, no qual a
escola passa a ser um espaço aberto para todo cidadão, e não apenas
para um grupo privilegiado. Estabelece-se, então, com a independência
nacional, em 1975, um ensino laico, público e gratuito.
Os seis textos que compõem este livro têm por objetivo, por um
lado, descrever essa trajetória de fundação de uma educação moçam-
bicana com base nas simples manifestações educativas que acontecem
nas diferentes comunidades de lá até as formas mais complexas de
educação; e, por outro, problematizar as diferentes formas, modos e
modelos de educação ofertados aos moçambicanos de modo a apontar
caminhos que possibilitam que a educação proporcionada seja a melhor
possível. Os autores têm em comum o fato de serem pesquisadores
moçambicanos e/ou que investigam Moçambique e acompanham o
processo educativo moçambicano, tendo, consequentemente, razões
suficientes para fazer análises nos textos que produziram.

15
Um olhar retrospectivo da educação
formal moçambicana: das mazelas
coloniais às mudanças curriculares do
início do século XXI
Adelino Inácio Assane
Julio Agibo

INTRODUÇÃO

Consideramos a educação um processo que visa buscar o desen-


volvimento multidimensional do indivíduo. Assim, ela ocorre mesmo
em lugares onde não existem escolas, isto é, em sociedades em que a
organização administrativa é considerada simples. Em Moçambique,
a educação “não formal1” tem um valor simbólico maior do que a “for-
mal2”, o que faz com que haja necessidade de uma negociação e certa
coexistência entre essas duas modalidades. A designada educação
tradicional, que na maior parte das vezes se concretiza por meio de
ritos de iniciação, constitui uma forma de educação importante para
a população moçambicana, com maior destaque para o povo macuas3.

1
Por educação não formal, considero os processos educativos que ocorrem fora dos contextos
escolares e são organizados pelos anciãos para transmitir aos mais novos as suas experiências,
os seus conhecimentos, por exemplo, ritos de iniciação ou de passagem e cerimônias de vocação
aos antepassados.
2
Para este trabalho, a educação formal é compreendida como aquela que ocorre em instituições
de ensino formalmente reconhecidas pelas instituições governamentais. Como aquela que,
geralmente, ocorre em escolas, tem um currículo oficial.
3
Refiro-me ao povo que se localiza no norte de Moçambique, principalmente, a partir do norte da
província da Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Para este trabalho, refiro-me ao povo
que se localiza na província de Nampula.

17
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Para compreendermos a educação “formal” moçambicana, seria


necessário trazer outras formas de educação – mesmo que elas não
ocorram “formalmente” –, como os ritos de iniciação. Essas formas de
educação atravessam todas as fases históricas de Moçambique, desde
os tempos anteriores à colonização até os nossos dias, e servem de
iniciação e de inserção do indivíduo no meio societal onde se encontra.
Embora consideremos a educação não formal importante, vamos
nos concentrar na educação formal. Para tal, dividimos a nossa escrita
em três períodos, a saber: Educação no período colonial (1498-1974);
educação no período da luta de libertação nacional (1962-1974) e a
educação pós-independência (1975-2004).
Em cada um desses períodos, trago algumas características
essenciais do processo educativo, dialogando com alguns pressupos-
tos teóricos e descortinando o que prevalece em cada um dos períodos.

EDUCAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL (1498-1974)

Historicamente, o período da colonização portuguesa em


Moçambique se inicia com a chegada de Vasco de Gama no Porto da
Ilha de Moçambique. Esse período dura quase 500 anos, atentando
para o fato de que só em 1975 Moçambique se tornou independente e
aparentemente livre da colonização estrangeira4. Embora independente
da colonização política em 1975, o país continua dependente da ajuda
estrangeira para viabilizar seus projetos de desenvolvimento, e ainda
se encontra em posição de subalternidade e dependência do capital
internacional e das instituições estrangeiras. Essas “ajudas” externas
condicionam as estratégias de desenvolvimento social e determinam
as políticas educacionais.
A presença colonial portuguesa até finais do século XIX era
caracterizada, segundo Gómez (1999), por três processos fundamentais:
4
Embora a colonização oficial tenha iniciado com a partilha de África, oficializada na Conferência
de Berlim em 1884-1885, antes desse período já se fazia presente em Moçambique a ocupação
pelos portugueses. Considero para este trabalho esse período anterior à conferência de Berlim
como período da colonização pelo seu impacto na vida social da população.

18
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

“o sistema dos prazos; o tráfico de escravos e o trabalho missionário”


(p. 24).
Os prazos eram sistemas de escoamento de mercadorias que,
através do rio Zambeze5, transportavam ouro, marfim e, depois, os
escravizados. Segundo Gómez (1999, p. 25), “os prazeiros, nas suas
terras, eram senhores absolutos, à semelhança dos senhores feudais
europeus. Recebiam dos seus súbditos tributos em produtos”. Este sis-
tema de organização vigorou até finais do século XIX com a criação das
companhias de Moçambique, da Zambézia e da companhia do Niassa.
Além das trocas comerciais, não existem relatos de uma organização
educacional para além da chamada educação tradicional.
Antes da chegada dos portugueses, havia o tráfico de escravi-
zados. Existem também relatos de que esse comércio era feito com
os swahili6. Foi apenas, no entanto, com a presença portuguesa, que
o tráfego negreiro não só atingiu proporções gigantescas que hoje se
conhece, mas também modificou a relação entre o escravizado e o
grupo que o escravizava. Enquanto outrora essa relação era de guerras
entre determinados grupos nos quais os vencidos se tornavam escra-
vizados dos vencedores, os portugueses inauguraram uma relação que
não só ampliou a escravidão, como de fato criou um status de comércio
que não existia no período antes da sua penetração.
Durante o período do comércio de escravizados, Gómez (1999, p.
26-27) identifica três fases: na primeira, “os escravos eram adquiridos
pelos franceses que os levavam para trabalhar nas suas plantações de
açúcar e café nas ilhas Mascarenhas do [Oceano] Índico”; na segunda,
entrada neste comércio de “mercadores holandeses, norte-americanos”
e, na terceira fase, depois da abolição oficial do tráfico, o comércio
era feito de maneira clandestina através de alguns portos da costa
moçambicana.

5
Nasce no noroeste da Zâmbia e deságua por um delta, a sul da vila de Chinde, no oceano Índico.
6
É uma das línguas oficiais do Quênia, da Tanzânia e de Uganda, embora os seus falantes nativos,
os povos suaílis, sejam originários apenas das regiões costeiras do Oceano Índico. No entanto, é
também usado para designar os povos que falam esse idioma.

19
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Como se pode notar, mesmo com a abolição oficial do comércio


da escravatura, esta atividade continuou a ser efetuada de forma clan-
destina até mais ou menos 1879.
Quanto ao trabalho missionário no território moçambicano –
durante boa parte do tempo –, este não tinha como objetivo a evangeli-
zação da população, mas “dar uma sustentação ideológica à penetração
e colonização portuguesa” (GÓMEZ, 1999, p. 29). Os missionários tor-
naram-se, assim, grandes aliados da penetração colonial no território
moçambicano.

QUE EDUCAÇÃO FORMAL FOI ADOTADA DURANTE O


PERÍODO COLONIAL EM MOÇAMBIQUE?

Como se pode depreender, durante os mais de quatro séculos da


dominação colonial no território nacional, o objetivo fundamental do
governo português era explorar as riquezas naturais e humanas dispo-
níveis na colônia. Dessa forma, precisava ser criado um sistema educa-
tivo que respondesse às exigências e aos objetivos políticos vigentes.
As primeiras tentativas de educação em Moçambique tinham
como objetivo “civilizar” o africano. O pressuposto que norteou a ban-
deira educativa neste período foi guiado por aquilo que Boaventura de
Sousa Santos chamou por “razão metonímica” (SANTOS, 2006, p. 782),
uma lógica de pensamento que produz a não existência do outro. Toda
lógica educativa centrou-se na desqualificação do povo, da cultura e
das experiências locais. Essas tendências podem ser verificadas nos
diferentes instrumentos legislativos que foram produzidos e se debru-
çavam sobre o processo educativo, por exemplo, o Estatuto orgânico das
missões portuguesas de África e de Timor e o Estatuto do indigenato.
Castiano e Ngoenha (2013) escrevem que “O estatuto orgânico
das missões católicas portuguesa de África e de Timor de 13 de outubro
de 1926, [...], consagrou um capítulo às questões educativas, concen-
trando a ‘missão civilizadora’ só nas missões católicas portuguesas” (p.
26). Antes desse período, existem relatos da existência de documentos

20
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

que norteavam o processo educativo na colônia portuguesa. Gómez


(1999) cita documentos publicados em abril e em agosto de 1845 que
regulamentavam o ensino e organização das escolas nas colônias. No
entanto, as primeiras escolas foram criadas por decreto só em 1854.
Com a publicação do Estatuto Orgânico das Missões Católicas
de África e de Timor em 1926, a igreja recebe uma missão concreta do
governo português, que era civilizar o povo indígena7. A igreja católica
passa então a ter a função de educar povo nativo.
O decreto-lei nº 39.666, de 20 de maio de 1954, no seu artigo 2°
define os indígenas como:

[...] indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo


nascido ou vivendo habitualmente nelas, não possuam ainda a
ilustração e os hábitos individuais e sociais pressupostos para
a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos
portugueses. Consideram-se igualmente indígenas os indiví-
duos nascidos de pai e mãe indígena em local estranho àquelas
Províncias, para onde os pais se tenham temporariamente
deslocado, (DSAC, 1954, p. 52).

A função de civilizar parte do princípio de que o povo africano


é indigente, havendo a necessidade de lhe tirar da condição de selva-
gem em que se encontrava. Gómez (1999, p. 55) escreve que o artigo
primeiro do diploma legislativo 238 de 1930 regulamentava a educa-
ção da população nativa e determinava que “o ensino para os nativos
deve conduzir o povo nativo da vida selvagem para a vida civilizada,
formar-lhe a consciência de cidadão português e prepará-lo para a luta
da vida, tornando-o mais útil à sociedade e a si próprio”. Era notória a
abordagem dada ao nativo como um indivíduo que – pela sua relação
com a natureza – era tratado como um selvagem, um ser que deveria ser
tirado dessa condição de selvageria e colocado em uma outra condição
parecida ou igual aos outros que se encontravam em uma atividade

7
Indígena era o termo oficial usado no tempo colonial pelos colonizadores para designar os
nativos da colônia. Para este texto, para se referir a esse grupo da população no período colonial,
passarei a usar o termo povo nativo ou os nativos como forma de marcar a nossa ancestralidade.

21
Políticas e práticas educativas em Moçambique

não selvagem – da vida civilizada, da urbanidade. Para que isso fosse


possível, era necessário ser organizado um sistema de ensino específico
para esse grupo.
Quando os africanos fossem “civilizados”, passariam à categoria
de assimilado. Como afirma Menezes (s/d, p. 85), nos termos do artigo
56 do Estatuto do Indigenato,

Os assimilados eram os antigos indígenas que haviam adqui-


rido a cidadania portuguesa, após provarem satisfazer cumu-
lativamente os requisitos que transitavam do passado recente:
a) ter mais de 18 anos; b) falar corretamente a língua portu-
guesa; c) ter bom comportamento e ter adquirido a ilustração
e os hábitos pressupostos para a integral aplicação do direito
público e privado dos cidadãos portugueses; e) não ter sido
notado como refratário ao serviço militar nem dado como
desertor.

Ao promulgar o estatuto de assimilado, o sistema colonial por-


tuguês não foi capaz de enxergar que a população das colônias tinha
formas próprias de ser e de estar no mundo, que já tinham as suas tra-
dições, as quais precisavam ser valorizadas. No lugar disso, engendrou
um modo de subjetivação que produziu subjetividades subalternizadas
e perpetuou formas de não-existência do povo. Essa lógica, segundo
Santos (2006, p. 787), se “produz sempre que uma dada entidade é
desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um
modo irreversível”. As políticas de assimilação produziram a invisibi-
lização cultural de um povo que, desaculturado, foi submetido a seguir
uma cultura alheia.
Em face desse pressuposto, o processo de ensino foi estruturado
em duas formas distintas que refletiam a dicotomia social decorrente
na sociedade colonial. Um sistema de educação para os Europeus e
assimilados que era, diretamente, controlado pelas entidades governa-
mentais (ensino oficial) e outro sistema de educação para os africanos
dirigidos pelas missões católicas (ensino rudimentar).

22
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Os dois sistemas de ensino tinham objetivos, claramente, distin-


tos. O sistema de ensino oficial destinava-se aos filhos dos europeus
e dos africanos-europeus, visando prepará-los para prosseguir com os
seus estudos nos níveis subsequentes até a universidade. A sua estru-
tura compreendia três níveis (ensino primário de cinco classes; ensino
liceal subdividido em três subníveis; e ensino superior) – enquanto o
sistema escolar para os africanos nativos estava estruturado em três
níveis (ensino rudimentar, ensino primário e de admissão), (GÓMEZ,
1999).
Com a organização do processo educativo em dois sistemas dife-
rentes, o regime colonial português quis naturalizar as desigualda-
des entre os moçambicanos: por um lado, os que se assemelhavam aos
portugueses, podiam conviver com eles e, em alguns casos, trabalhar
na administração colonial, e, por outro, os moçambicanos que não
tinham condições, sendo subalternizados e espezinhados. Essa “lógica
de classificação social” (SANTOS, 2006, p. 787) perdurou oficialmente
até o ano da independência nacional em 1975.

QUE CONTEÚDOS ERAM ENSINADOS NO PERÍODO COLONIAL


EM MOÇAMBIQUE?

Os programas de ensino estavam organizados de modo a atender


a dicotomia do próprio sistema educativo. O quadro a seguir ilustra a
grade curricular do ensino rudimentar vigente no período em referên-
cia. Não foi possível encontrar as disciplinas do ensino Oficial, mas se
acredita que eram semelhantes às do ensino dado em Portugal, uma
vez que os filhos dos portugueses poderiam continuar os seus estudos
naquele país que administrava a colônia.

23
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Quadro 1 - Grade curricular no ensino colonial em Moçambique


Ensino Oficial Ensino Rudimentar
Língua Portuguesa;
Aritmética e sistema métrico;
Geografia e História portuguesas;
Desenho e Trabalhos manuais;
Educação Física e Higiene;
Educação Moral e Canto Coral
Fonte: Adaptado de Gómez, 1999.

Embora tenham existido reformas curriculares em 1937 e em


1946 (Castiano e Ngoenha, 2013), percebe-se a permanência da disci-
plina de desenho e trabalhos manuais, o que denota, de certo modo, a
importância que era dada aos conteúdos dessas disciplinas na formação
da mão de obra para as atividades inerentes à agricultura.
Embora acontecessem várias reformas legais, na prática as ten-
dências de descriminação continuaram até a independência nacional,
em 1975. No entanto, antes da independência, houve um período histó-
rico importante para a construção de um sistema de educação nacional,
que é o período da luta de libertação nacional.

EDUCAÇÃO DURANTE A LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL:


EMBRIÃO DE UMA EDUCAÇÃO MOÇAMBICANA

O projeto de educação moçambicana foi esboçado durante a luta


de libertação nacional (1962-1974). Em junho de 1962, foi constituída
a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)8, que tinha como
função não apenas conduzir militarmente a luta pela independência
nacional, mas também iniciar, em simultâneo, um processo de cons-
trução e de consolidação da unidade nacional em uma dimensão polí-
tico-cultural mais abrangente para a edificação de um estado-nação.

8
No decorrer do texto, vou recorrer à grafia em caixa alta para me referir a FRELIMO como
movimento de libertação nacional e caixa-baixa para me referir a Frelimo como Partido político
que aconteceu a partir do III congresso em 1977.

24
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Oficialmente, a luta armada de libertação nacional se iniciou em


25 de setembro de 1964 com o ataque ao posto administrativo de Chai
na atual província de Cabo Delgado. À medida que a guerra se desen-
volvia, a FRELIMO conquistava territórios nas diferentes regiões do
país, com maior incidência para as Províncias de cabo Delgado, Niassa
e Tete, e nesses territórios implantava a sua administração. Essas áreas
conquistadas pela FRELIMO durante a luta de libertação nacional se
designavam por zonas libertadas. Em todo processo de luta, a educação
era uma estratégia fundamental para a libertação nacional.
O primeiro congresso da FRELIMO, realizado em setembro de
1962 na Tanzânia, definiu como medidas a serem postas imediata-
mente em prática as seguintes: “desenvolvimento da unidade entre os
moçambicanos; promover a formação acelerada dos quadros; promoção
imediata da alfabetização do povo moçambicano, criando escolas onde
fosse possível”, (MONDLANE9, 1995, p.101).
Entre os militantes da luta de libertação nacional, havia o pen-
samento de que a unidade nacional e o sucesso da luta que culmina-
riam com a independência passariam pela educação. Por isso, uma das
medidas adotadas pelo primeiro congresso da FRELIMO foi “promover
a formação acelerada dos quadros” (DIP-FRELIMO, 1962, p.27).
Como se pode notar, a FRELIMO define, logo à partida, a edu-
cação como uma prioridade e como uma base essencial para o desen-
volvimento da luta, da consciência, do envolvimento e do apoio da
população. Contudo, isso seria produtivo à medida que crescesse a
compressão da situação que se vivia no momento – sobretudo por-
que, depois da independência, o país precisaria de cidadãos formados
para conduzir os destinos da nova nação em construção. Como forma
de selar o compromisso com a educação, o presidente da FRELIMO,
Samora Machel, lançou como frases de ordem, que mais tarde fariam
parte de seu pensamento pedagógico, slogans como: “educar o Homem

9
Eduardo Chivambo Mondlane (1920-1969) foi o primeiro moçambicano a obter o título de
Doutor. Em 1962, depois de trabalhar nas Nações Unidas, foi mentor e fundador da Frente de
Libertação de Moçambique (FRELIMO).

25
Políticas e práticas educativas em Moçambique

para vencer a guerra” e “fazer da escola um lugar para o povo tomar


o poder”. Era uma visão de que a guerra de libertação seria vencida
tendo quadros formados que tivessem consciência da importância da
luta e da libertação nacional.
Contrariamente a outros movimentos de libertação nos países
africanos, a FRELIMO arriscou em conceber seu sistema de educa-
ção “livre” do sistema colonial português, porque, segundo Mondlane
(1995), o sistema de educação vigente era excludente e não servia aos
interesses e às necessidades do desenvolvimento do estado nacional
independente. Mondlane parte da constatação segundo a qual as
entidades coloniais responsáveis pelo sistema educativo não estavam
preocupadas com a valorização da cultura nacional, tampouco com a
formação de um cidadão nacional.
Tratando-se ainda do período de luta de libertação nacional,
foram definidas como necessidades urgentes na área de educação:
formação de quadros em todos os níveis e em todas as disciplinas;
elevação do nível de educação extremamente baixo da população em
geral, combate ao analfabetismo e à ignorância.

Anos depois do início da luta de libertação nacional, surgiam


as primeiras zonas libertadas10 em Cabo Delgado e em Niassa.
Nessas regiões, foram implantadas as primeiras escolas pri-
márias no território nacional.11
A resolução do II Congresso da FRELIMO12 (o primeiro rea-
lizado no território nacional) reafirma a importância que a
educação tem para o processo de libertação nacional, quer
na mobilização, quer na formação dos quadros da FRELIMO.
Assim, o II congresso decidiu para a área de educação:

10
Eram territórios conquistados pela FRELIMO e que passavam para a sua administração.
11
A FRELIMO já dispunha de escolas nos campos de treino militar na República de Tanzânia.
12
Realizado de 20 a 25 de julho de 1968 na província do Niassa.

26
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

a) Acelerar o desenvolvimento das escolas primárias;


b) Desenvolver o programar de formação de Professores primá-
rios, a fim de elevar rapidamente o seu número e seu nível
técnico;
c) Promover uma vasta campanha de alfabetização das massas
populares, homens e mulheres, jovens e velhos;
d) Organizar cursos especiais para a elevação rápida do nível de
conhecimento dos militantes;
e) Encorajar a jovem moçambicana a completar a instrução pri-
mária, pelo menos;
f) Criar centros de produção junto de cada escola, para seu auto
abastecimento;
g) Estabelecer um sistema que permite aos estudantes inter-
romper temporariamente os estudantes para participarem
nas campanhas de ensino e alfabetização;
h) É dever de todos os estudantes moçambicanos participar, sem-
pre que necessário, nas várias tarefas de luta de libertação
nacional;
i) Promover o desenvolvimento de escolas de formação política.
(FRELIMO, 1968, pp. 5-6).

Nas zonas libertadas, as escolas funcionavam como:

(1) Centro de Formação da Frente de Libertação de Moçambique


(FRELIMO), esta tomada no sentido de um povo organizado
em frente de luta pela sua libertação e emancipação; (2) cen-
tro de combate às concepções e hábitos da cultura tradicio-
nal, a que aprisionavam a iniciativa e a criatividade, pugnando
por um novo tipo de relacionamento entre jovens e velhos,
entre homens e mulheres e por uma nova visão do mundo
(MACHEL, 1974, citado por MAZULA, 1995, p.109); (3) centro
de difusão de conhecimentos científicos, mesmo que elemen-
tares, para introdução de novos métodos de trabalho, para o
aumento da produção e à satisfação das necessidades cres-
centes da luta; (4) centro de formação de combatentes para

27
Políticas e práticas educativas em Moçambique

as exigências da luta; e (5) de formação de produtores, ao


mesmo tempo militares e dirigentes, numa permanente liga-
ção entre o trabalho manual e intelectual (I e II Congressos,
realizados, respectivamente, em Setembro de 1962 e Julho de
1968, Citado por Mazula, 1995, p.109, grifo meu).

Convém referenciar que as escolas das zonas libertadas pela


FRELIMO se guiavam fundamentalmente pelos princípios de “liber-
tação e emancipação”, na perspectiva freiriana: o povo moçambicano
estava subjugado pelo colonizador, o que não lhe permitia “denunciar”
os processos de humilhação a que era submetido, pois se encontravam
isolado do mundo.
Contrariamente às escolas sob gestão colonial, as escolas das
zonas libertadas visavam ajudar a população moçambicana a libertar-se
da opressão a que fora submetida durante séculos, por meio de uma
educação libertadora (Paulo Freire) que tinha como função principal
levar os sujeitos a (re)conhecer a realidade social, cultural e política de
forma crítica. A educação, assim pensada, passa a ser não apenas um
instrumento de libertação, mas também de conscientização.
Em documentos oficiais da FRELIMO, podemos encontrar essa
visão de educação como instrumento de libertação-emancipação-cons-
cientização. No comunicado final da reunião do Comité Central da
FRELIMO (CCF), realizada em outubro de 1966 consta que:

[...] a educação deve ter como seu papel fundamental o de


capacitar o povo moçambicano na realização de tarefas que a
revolução impõe. Para o efeito, o comité central decidiu criar
uma escola de formação política, de promover uma campanha
de alfabetização de adultos, intensificar a criação de esco-
las primárias e preparar as condições necessárias para que
o Instituto moçambicano se torne um centro de formação de
militantes com uma boa qualificação intelectual capazes de
cumprir as tarefas revolucionárias ou de ser selecionado para
determinadas áreas ou para estudar no exterior” (CCF, 1966,
p. 57-58 – tradução livre).

28
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

É notória a contribuição de Paulo Freire nas ações dos pro-


cessos educativos nas zonas libertadas pela FRELIMO. O edu-
cador conta ter se encontrado na Tanzânia com lideranças da
FRELIMO, como ele mesmo narra:
Aquele encontro em Luzaka, tal qual o que tive em Dar es
Salaam, com liderança da FRELIMO, que me levou ao campus
de Formação de Quadros, um pouco afastado de Dar, num
lindo sítio cedido pelo governo de Tanzânia, me marcou for-
temente (FREIRE, 2014, p. 204).
Embora não esteja claro o que se terá discutido no referido
encontro, posso subentender a partir das ações educativas
que Paulo Freire vinha desenvolvendo na Guiné Bissau e
Tanzânia que, as lideranças da FRELIMO estariam interes-
sadas em algum apoio seu na área de educação. Paulo Freire
não afirma ter ido à Moçambique depois das independências
das colônias Portuguesas como aconteceu com a Guiné Bissau,
Angola, São Tomé e Príncipe, diz ele: “minha passagem pelas
ex-colônias portuguesas, com exceção apenas de Moçambique
[...]” (idem, p. 205).

Contudo, embora Paulo Freire não tenha “passado” por


Moçambique, estou “certo” de que as suas ideias de educação foram
consciente ou inconscientemente aproveitadas nas políticas educativas
adotadas depois da independência nacional. Nota-se, nas linhas de
educação frelimiana, o caráter conscientizador da educação voltada para
a formação do homem para a luta contra os obstáculos impostos não
apenas pela colonização portuguesa, mas também nos que poderiam
advir no período depois da independência nacional.
Os termos libertação e emancipação são centrais na teoria frei-
riana. A libertação, entendida como práxis, é conceituada por Freire
como ação e reflexão do/no mundo onde os homens se situam, e isso
só é possível por meio de uma educação problematizadora, que implica
necessariamente na mudança na visão do mundo dos educandos pela
sua inserção crítica na realidade cotidiana, facilitando a construção da
consciência crítica. Como afirma Moreira (2010, p. 146), “o processo

29
Políticas e práticas educativas em Moçambique

emancipatório freiriano decorre de uma intencionalidade política


declarada e assumida por todos aqueles que são comprometidos com
a transformação das condições de vida e existência dos oprimidos”.
Nesse sentido, a FRELIMO considerou a emancipação do homem e da
mulher essencial para a libertação do povo, contra a dominação colonial
que deveria ser feita via educação, pois o sucesso da luta de libertação
nacional dependeria muito do engajamento e da tomada de consciência
de todos os envolvidos.

De 1968 a 1970, a luta de libertação nacional se transforma


numa revolução democrática popular. Assim, o objetivo cen-
tral do sistema educativo passa a ser “a formação do Homem
Novo, com uma nova mentalidade que, para além de ser capaz
de resolver os problemas imediatos colocados pela luta revo-
lucionária, deveria estar apto a transformar revolucionaria-
mente a sociedade moçambicana” (MEC, 1980, p. 35).

Essa perspectiva de formação de um sujeito consciente das


suas responsabilidades nacionais com a terra, seu povo e sua cultura
definiu-se como um dos grandes objetivos que a educação deveria
perseguir – a formação do Homem Novo. Portanto, o Homem Novo era
o sujeito e o objeto do trabalho educativo que se inseria no trabalho
humanizante nas zonas libertadas.

AS ZONAS LIBERTADAS COMO MARCO INICIAL DA


FORMAÇÃO DO HOMEM NOVO

À medida que a guerra de libertação nacional adensava, a


FRELIMO conquistava alguns territórios no espaço moçambicano e
ampliava neles sua rede de administração. Nesses territórios “livres”
da dominação colonial, foi estabelecido um sistema de ensino ideolo-
gicamente diferente do sistema colonial.
Nas primeiras escolas que surgiram nas zonas libertadas, as
crianças aprendiam o português, considerado língua comum e de

30
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

unidade nacional, a história, a geografia de Moçambique, para além


da aritmética e da educação cívica.

COMO ESSES CONTEÚDOS ERAM TRATADOS NA FORMAÇÃO


DO CIDADÃO MOÇAMBICANO?

Formar o cidadão nacional no contexto escolar não significa ape-


nas mudar livros, mas envolve um conjunto de elementos materiais e
humanos para que esse fim seja uma realidade. Nas zonas libertadas,
essas condições não tinham sido criadas, muito menos nos primei-
ros anos da independência. Nas zonas libertadas pela FRELIMO, onde
eram construídas as escolas, os militantes que sabiam ler e escrever se
responsabilizavam pela alfabetização não apenas de seus colegas, mas
também da população que residia nessas zonas. Não eram escolas com
salas convencionais como as que conhecemos hoje, as aulas aconteciam
debaixo de árvores e o “quadro de giz” era feito de cascas de árvores.
Como se vai notar, os conteúdos de ensino nas escolas das zonas
libertadas tinham carácter político-ideológico e visavam à sensibiliza-
ção dos jovens e adultos a se engajarem na luta armada de libertação
nacional. Essa forma de educação, pelo caráter que assumiu, designo
por educação sensibilizadora, pois tinha como objetivo sensibilizar
a população moçambicana a ter consciência da importância do seu
envolvimento na luta de libertação nacional, além de poder despertar
a atenção da população sobre a importância da educação na emanci-
pação popular.
A educação nas zonas libertadas tratava-se de uma educação
ideológica enquanto lugar privilegiado de inculcação dos ideais da
FRELIMO: educação crítica revolucionária, que se articulava com o
trabalho; patriótica, visando desenvolver a consciência e construir a
unidade nacional; ensino aberto – fundado no contato com o mundo
exterior, aprender com o mundo e conhecer a diversidade cultural da
nação – a cultura como património e como processo de construção da
moçambicanidade.

31
Políticas e práticas educativas em Moçambique

No entanto, apesar da educação patriótica, a implementação dos


ideais revolucionários, voltados para a construção do Homem Novo, e a
preocupação com a construção da unidade nacional geraram, do ponto
de vista educativo, algumas contradições: na organização curricular
foram ignoradas as manifestações culturais dos diferentes povos das
diferentes regiões do país (tradições, cultura, e a línguas locais etc.).
O grande debate girava em torno do tratamento da imensa diversidade
cultural do país. A tensão entre unidade e diversidade se manifestava
na organização curricular proposta pela FRELIMO, pois a atenção às
tradições dos diferentes grupos etnolinguísticos, se incorporadas às
práticas educacionais locais, era vista por alguns como ameaça que
poderia desvirtuar o princípio de unidade nacional.
O currículo que orientava a educação nas zonas libertadas traz
alguns paradoxos em termos teóricos e metodológicos, pois, ao mesmo
tempo em que afirma articulação com a comunidade, relega a segundo
plano a expressão das diferentes culturas locais, tais como a língua e
as manifestações culturais e religiosas.
Em termos estruturais, a educação nas zonas libertadas com-
preendia: “educação formal, alfabetização e escolarização de adultos
e formação de Professores” (MAZULA,1995, p.113). A educação for-
mal, destinada às crianças e aos adolescentes, abrangia quatro níveis:
o Pré-Primário, ministrado em Centros Infantis, o Primário, de qua-
tro séries, ministrado em escolas do interior do país e na Tanzânia;
o Secundário, de quatro séries, ministrado na Escola Secundária de
Bagamoyo (Tanzânia), e o Universitário, que não chegou a funcionar:
os alunos que atingiam este nível eram enviados para o exterior.
Fora dos conteúdos de ensino referenciados, na Escola Secundária
também poderiam “eventualmente” ser ministrados cursos do
Magistério Primário, de Informação e Propaganda, de Cooperativas
e de Administração.

32
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Quadro 2 - Grade curricular das Escolas nas Zonas Libertadas em Moçambique


Ensino Primário Ensino Secundário
Português Português
Aritmética Inglês
Geografia Política
Ciências História
História Geografia
Trabalhos Práticos Matemática
Política Ciências Naturais
Educação Artística Física
Educação Física Química
Biologia
Trabalhos Práticos
Desenho
Educação Física
Fonte: Adaptado (Mazula, 1995; Castiano; Ngoenha, 2013).

Nota-se, nesse período, que a formação dos professores para essas


escolas se realizava por meio de seminários de capacitação de profes-
sores em diferentes regiões das zonas libertadas. Esses cursos tinham
como objetivos “aperfeiçoar permanentemente a formação recebida,
clarificar algumas dúvidas surgidas durante as aulas e, ao mesmo
tempo, garantir uma certa unicidade e nivelamento dos programas
escolares” (CASTIANO; NGOENHA, 2013, p. 51, grifo nosso).
Durante esse período, o sistema educativo nas zonas libertadas
começou, paulatinamente, a abandonar os conteúdos de matriz colonial
para dar lugar a conteúdos de matriz moçambicana. Nas disciplinas de
História e Geografia já não se aprendiam mais matérias sobre Portugal,
mas sobre experiências e situações concretas do povo e do território
moçambicano, embora descartados os aspectos relativos às tradições.
As transformações socioeconômicas provocadas pela luta de
libertação nacional podem ser consideradas um processo educativo.
Nessa luta, aprendeu-se que era possível transformar a vida, marcada
pela opressão do regime colonial, em uma vida de liberdade – pois

33
Políticas e práticas educativas em Moçambique

pessoas de origens diferentes aprenderam a viver e a conviver, criando


alicerces para a edificação da unidade nacional em um país multicul-
tural e multilinguístico. Dessa forma, segundo Gómez (1999), a escola
tinha uma finalidade primordial em apoiar a construção da unidade
nacional. Até então, a escola não tinha o caráter de classe. Ela era
entendida como uma arma fundamental para consolidar o sentimento
de identidade nacional.
Para superar a educação providenciada pelo regime colonial e
pela educação tradicional, segundo Mondlane (1995), era necessário
aprender de outras culturas, mas que não fosse necessariamente enxer-
tá-la diretamente na cultura moçambicana.

EDUCAÇÃO PÓS - INDEPENDÊNCIA

Com o golpe13 militar em Portugal (25 de abril de 1974), o movi-


mento de libertação ficou surpreendido com a abertura pela parte do
regime português da necessidade de negociações, o que obrigaria a
FRELIMO a tomar o poder.

COMO O PROJETO EDUCATIVO DE FORMAÇÃO DE HOMEM


NOVO CONTINUOU DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA?

Seguindo as orientações políticas e das experiências da luta de


libertação nacional, as escolas foram definidas como frentes de com-
bate à ignorância, ao analfabetismo e ao obscurantismo (GÓMEZ,
1999), e centros para eliminar o espírito explorador do homem pelo
homem, de superstição, de elitismo, de ambição, de individualismo e
de discriminação.

13
Alguns apelidam de revolução dos cravos ou revolução de 25 de abril. A polissemia do termo
tem a ver do ponto de vista do lugar onde se fala. Na lógica eurocêntrica (do povo português) foi
uma revolução, no entanto, Moçambique viveu uma revolução diferente da vivida em Portugal
(o que faz com que seja considerada como em Moçambique como golpe de Estado), pode ser
essa razão porque na literatura moçambicana os acontecimentos de 25 de abril de 1974 são
considerados de golpe militar porque entende por revolução aquilo que viveu, que arrancou da
mão do colonizador os territórios ocupados.

34
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Assim, as massas populares deveriam ter acesso e poder nas esco-


las e na Universidade. Ao dar às massas populares “indiscriminada-
mente” a oportunidade de ter acesso às instituições escolares, o estado
assume claramente ser o principal promotor da escolarização e difusor
da cultura junto àquelas camadas. Dessa forma, a FRELIMO, por meio
do governo de transição, compreendera, como tinha compreendido
Anísio Teixeira, embora em tempos diferenciados, que “a pobreza não
era apenas a destituição de bens materiais, mas também a repressão do
acesso às vantagens sociais” (NUNES, 2010, p.27). A FRELIMO enten-
deu, na época, que não era possível sair da pobreza sem que as massas
populares tivessem acesso a uma instrução e a uma educação livre de
qualquer discriminação.
Foi, durante esse período de preparação de uma nação que se
define o caráter democrático da educação que expressava não somente
no acesso, mas fundamentalmente na relação professor-aluno, por
meio de aprendizagens mútuas, libertando a iniciativa de cada um e
valorizando os talentos de todos de modo que, em conjunto, cresça a
tarefa de construir o país.
Estes princípios constituíam o alinhamento de um dos ideais
da luta de libertação nacional – a construção da unidade nacional.
Na óptica do governo de transição, as escolas deveriam ser o motor
dinamizador da cultura nacional e do conhecimento, com o objetivo de
mobilizar os recursos naturais e humanos a favor do desenvolvimento
e do progresso do futuro país.
Em julho de 1975, um mês depois da independência nacional,
anuncia-se a nacionalização da educação, constituindo teoricamente
uma ruptura com o sistema educativo colonial. Com a nacionalização
do sistema educacional, a escola deixou de ser um espaço privilegiado
para uma minoria, passando a ser um espaço aberto para todo cidadão.
Estabelece-se, nesse período, um ensino laico, público e gratuito.
A educação primária, depois designada por Ensino Básico, era
garantida para todos os cidadãos moçambicanos como um direito

35
Políticas e práticas educativas em Moçambique

básico e um pré-requisito fundamental para o desenvolvimento social


e econômico do país.
Por outro lado, na altura da independência, a maior parte da
população era analfabeta (90%), e foram organizadas, a partir de 1977,
campanhas de alfabetização nas diferentes esferas de organização
de massa, como nas Forças Populares de Libertação de Moçambique
(FPLM), nas empresas estatais, nas fábricas e cooperativas do povo,
nos centros de produção organizados. Ainda, foram criados centros de
formação e de treinamento dos alfabetizadores.
De 1975 a 1976, intensificam-se as reformas curriculares que
desencadearam a reformulação dos programas em todos os níveis de
ensino, o que culminou com a alteração dos conteúdos (MAZULA,
1995; CASTIANO; NGOENHA, 2013), embora, em termos de disciplina,
isso tenha se resumido à transformação de algumas e à introdução
de outras. Houve a manutenção das disciplinas lecionadas durante o
tempo colonial e nas zonas libertadas, tendo sido retirados conteúdos
com carris coloniais portugueses, por exemplo, conteúdos relativos à
história, à geografia e às culturas portuguesas. Assim, pode-se inferir
que a grade curricular vigente nesse período pode-se aproximar do que
se segue no quadro:

Quadro 3 - Grade curricular no período de 1976-1983


Ensino Primário Ensino Secundário
Português Português
Aritmética Inglês
Geografia Política
Ciências História
História História de África
Trabalhos Práticos Geografia
Política Matemática
Educação Artística Ciências Naturais
Educação Física Física
Produção escolar Química

continua

36
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

conclusão

Ensino Primário Ensino Secundário


Educação Política Biologia
Actividades Culturais Trabalhos Práticos
Educação Política
Actividades Culturais
Desenho
Produção escolar
Educação Física
Fonte: Adaptado de Castiano e Ngoenha, 2013.

A introdução de novas disciplinas anteriormente ausentes no


currículo escolar significou política e idelogicamente uma ruptura
com o regime colonial, o que pressuponha a valorização de conteú-
dos nacionais, isto é, uma educação voltada para a consolidação da
independência e da unidade nacional. No entanto, um dos problemas
enfrentado pelo Governo na área de educação e em outros setores de
atividade estatal foi a falta de quadros qualificados. Para suprir essa
carência na área de educação, optou-se pelo recrutamento de novos
professores e pela capacitação dos existentes.
No âmbito de recrutamento, em 8 de Março de 1977, o Presidente
da República organizou um encontro com estudantes que estavam fre-
quentando a 10ª e 11ª classes com objetivo de estudar as possibilidades
de integrá-los imediatamente às diferentes atividades da vida social.
Para cobrir a falta de professores, o Presidente da República “declara
que a maioria deles devia converter-se em Professores” (CASTIANO;
NGOENHA, 2013, p.58). Foi a única forma encontrada para suprir a
falta de quadros qualificados para a educação.

SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ( SNE )

Na sequência das transformações e de mudanças curriculares


que vinham sendo operadas desde a independência nacional, em 23 de
março de 1983, foi aprovada a Lei n. 4/1983, que institui e sintetiza as

37
Políticas e práticas educativas em Moçambique

linhas gerais do Sistema Nacional de Educação (SNE), em seus funda-


mentos político-ideológicos, princípios, finalidades, objetivos gerais e
pedagógicos da educação (SNE, 1983).
O SNE fundamenta-se na Constituição da República, no programa
e nas diretivas do partido Frelimo, nas experiências da luta armada de
libertação nacional e é centralizado administrativamente. Recorda-se
que foi, durante a luta de libertação, que se pôde encontrar os primeiros
vestígios de organização do sistema de educação em Moçambique, quer
nas zonas libertadas, quer nos centros de treinamento e de concen-
tração nos países vizinhos, com maior destaque para a Tanzânia – os
princípios do marxismo e do leninismo (no 3º congresso do partido
Frelimo, realizado em 1977, foi definido o Marxismo Leninismo como a
linha de orientação política do partido Frelimo) e o patrimônio comum
da humanidade. O SNE define a educação como um bem comum e um
direito e dever de todo cidadão moçambicano, o que pressupõe o direito
de acesso em todos os níveis de escolaridade.
O artigo primeiro da Lei n. 4/1983 (Lei do SNE, 1983, p.14) esta-
belece os princípios gerais pelos quais o SNE dever-se-ia orientar, que
passo a transcrever:

a) A Educação é o direito e um dever de todo o cidadão, o que se


traduz na igualdade de oportunidades de acesso a todos os
níveis de ensino e na educação permanente e sistemática de
todo o povo;
b) A Educação reforça o papel dirigente da classe operária-
camponesa, garante a apropriação da ciência, da técnica e
da cultura pelas classes trabalhadoras, e constitui um fator
impulsionador do desenvolvimento económico, social e
cultural do país;
c) A Educação é o instrumento principal da criação do
Homem Novo, homem liberto de toda carga ideológica e polí-
tica colonial e dos valores negativos da formação tradicional
capaz de assimilar e utilizar a ciência e a técnica ao serviço
da revolução;

38
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

d) A Educação na República Popular de Moçambique baseia-se


nas experiências nacionais, nos princípios universais do
Marxismo-Leninismo, e no património científico, técnico e
cultural da humanidade;
e) A Educação é dirigida, planificada, e controlada pelo Estado,
que garante a sua universalidade e laicidade no quadro da
realização dos objetivos fundamentais da constituição.

O Sistema Nacional de Educação (SNE) estabelece que a educação


deve garantir a formação do Homem Novo, como seu objetivo central
(artigo 4).

O QUE SERIA UM HOMEM NOVO?

A concepção do Homem Novo para o partido Frelimo represen-


tava uma ruptura entre o velho (sistema colonial e da chamada socie-
dade tradicional) e o novo. Segundo Mazula (1995, p.179), durante o
III Congresso do Partido Frelimo (realizado em 1977), o Homem Novo
foi considerado:

[...] aquele que embora consciente das suas limitações, trava


consigo mesmo o combate interno e permanente para superar
as insuficiências e as influências reacionárias que herdou;
não aquele que repete a teoria revolucionária e que na sua
vida cotidiana continua a guiar-se pelo modo de vida reacio-
nária; aquele que não só no seu pensamento mas sobretudo
no seu comportamento interioriza os princípios do povo e da
revolução.

Nessa perspectiva, o Homem Novo é um homem consciente, que


se preocupa com a constante elevação da produção, que ajuda a imple-
mentação das ideias novas, que dá um bom exemplo e ajuda a mobi-
lizar as massas de que faz parte, bem como na difusão dos ideais da
revolução. Do contrário desse Homem, foi criada uma figura que se
designou por Xiconhoca.

39
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Como escrevem Castiano, Ngoenha e Berthoud (2005), os valores


cultivados pelo Homem Novo seriam o patriotismo, o espírito de uni-
dade nacional, o coletivismo e materialmente desinteressado. Portanto,
exigia-se do Homem Novo que seus interesses não estivessem acima
dos interesses da nação.
Nesses ideais educativos, nota-se, claramente, a preocupação
da ligação da escola com a produção, com o progresso – assim como a
preocupação com a formação moral do cidadão. Assim, a formação do
Homem Novo envolvia sempre uma carga política ideológica, uma vez
que seria um homem liberto da ideologia política colonial, ciente dos
princípios revolucionários e comprometido com a unidade nacional.
Para tal, era necessário adequar os materiais de ensino a essa
filosofia, pressupondo a abolição da maior parte dos materiais didáticos
usados no período colonial, fundamentalmente referentes às matérias
de ensino carregadas de ideologia colonial. Por conseguinte, foi neces-
sária a produção de novos materiais que respondessem a esta exigência.
No contexto revolucionário, uma das grandes reformas neces-
sárias à implementação de uma educação nacional é o livro. Esse livro
tem que ser nacional pelos conteúdos e pelo sentimento nacional que o
anima. No entanto, foi esse espírito nacional que faltou na maior parte
dos livros produzidos no período da luta de libertação nacional e anos
depois da independência, uma vez que alguns aspectos que definem a
cultura de um país (a língua, a tradição) foram rejeitados e/ou negligen-
ciados durante as primeiras décadas da independência. Foi considerado
“pecado”, por exemplo, falar a língua materna que não fosse o portu-
guês nas instituições públicas, incluindo nas escolas, esquecendo-se de
que Moçambique é um país linguística e culturalmente heterogêneo.
Este fato produziu a marginalização de grande parte das crianças que,
ao entrar na escola, se sentiu excluída de sua realidade. Nesse sentido,
era impossível aprender com o mundo, no mundo. Paradoxalmente, a
educação pós-independência repetia, principalmente no que se refere
ao uso da língua portuguesa, algumas práticas características da edu-
cação colonial.

40
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Dessa forma, as crianças, ao entrarem na escola, eram excluídas


e incluídas ao mesmo tempo. Excluídas em razão da obrigatoriedade do
uso de uma língua de ensino totalmente desconhecida, e incluídas pelo
fato de se encontrarem na escola. Esse paradoxo tinha e tem suscitado
até hoje grandes conflitos de inserção das crianças no meio escolar.
O SNE (Lei n. 4/1983, de 23 de março) concebeu a universalidade
e a laicidade da educação, que é garantida, dirigida, planificada e con-
trolada pelo Estado. Dessa forma, a Lei do SNE leva à responsabilidade
do estado a exclusividade pela provisão da educação ao povo moçam-
bicano. Nessa perspectiva, o estado, ao assumir o controle solitário
da educação, pretendia garantir uma educação uniforme para todos
os moçambicanos.
A universalização da educação moçambicana foi concebida numa
perspectiva de formação comum do homem e posterior especialização
para os diferentes campos de ocupações, em um país carente de recur-
sos humanos qualificados. Assim, formula-se a escola como único meio
de ascensão a um conjunto de privilégios sociais.
No período de 1975 a 1992, podemos encontrar dois cenários
antagônicos no setor de educação em Moçambique: o crescimento des-
controlado dos efetivos escolares, de 671.617 em 1975 para 1.498.729
em 1979 (MINED, 1990), e insuficiente e degradante rede escolar e
cobertura educativa – assim como a qualidade de ensino bastante fraca.
Como refere Teixeira (1977), podemos considerar o período de
1975-1992 de “dissolução”, em que o sistema educativo, na tentativa
de expansão, registra-se com a improvisação de escolas sem as míni-
mas condições necessárias de funcionamento. Passa, dessa forma, a
se considerar a escola uma mera formalidade.
No período referenciado, o sistema de Ensino Básico em
Moçambique enfrentava os seguintes problemas para além dos des-
tacados: inadequação de infraestruturas, pois eram inibidoras, inefi-
cientes e insuficientes; currículos orientados para as disciplinas com
conteúdos que, muitas das vezes, não tinham relação com a vida dos

41
Políticas e práticas educativas em Moçambique

alunos e de suas comunidades; fraca preparação acadêmica e pedagó-


gica dos professores e ineficiente sistema de inspeção e de supervisão
pedagógica (GOLIAS, 1993).
Entendo que o grande problema para além dos mencionados por
Golias (1993) reside na forma fragmentária como os conteúdos são
tratados em sala de aulas. Embora o currículo esteja organizado de
forma disciplinar, existem possibilidades concretas de se realizar uma
abordagem que seja em rede, de maneira a contemplar a tessitura de
fios entre conhecimentos que se relacionam, para que a formação se
dê integrada e significativamente.
No período de 1975 a 1992, embora com os cenários nebulosos
arrolados, a educação moçambicana cumpriu com duas principais tare-
fas pelas quais tinha sido confiada. Primeira: a criação do sentido de
pertencimento a uma nação, a moçambicanidade que passava por uma
ideologia de formação do Homem Novo e, segunda: permitiu a extensão
da rede escolar e, por conseguinte, o aumento do número de crianças
na escola nunca visto. Embora com o aumento dos ingressos e dos
estabelecimentos de ensino, o estado foi incapaz de assegurar o acesso
de todas as crianças à educação básica e um mínimo de qualidade para
as que estavam na escola.
Essas conquistas verificadas não foram acompanhadas por uma
melhoria da qualidade de aprendizagem dos seus alunos. Ngoenha
(2000, p. 80) afirma que

[...] esse quantitarismo foi em detrimento da qualidade. Essa


educação respondeu aos imperativos políticos, mas não às
exigências sociais. Ela não pode dar a todos os instrumentos
de intervenção a nível de trabalho sobre a terra, na criação de
pequenas empresas, na luta contra doenças etc.

É preciso notar que estamos diante de um dilema: antes a edu-


cação era minoritária, depois se concedeu a possibilidade da educação
para todos – mesmo sem condições necessárias. No entanto, do meu
ponto de vista, não se pode realizar a expansão sem a garantia de que

42
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

as escolas tenham condições materiais adequadas. Dessa forma, o que


se verifica é a predominância do quantitativo em detrimento do quali-
tativo, ou seja, amplia-se a expansão e contrai-se a qualidade do ensino
e da aprendizagem. A educação do povo não se faz (ou não deveria ser
feita) com base em condições materiais deterioradas ou inadequadas
e de processos de ensino e aprendizagem de baixa qualidade.
Depois de introduzido o SNE em 1983, Moçambique foi expe-
rimentando vários cenários. Dentre eles, vale destacar: declínio do
crescimento econômico; destruição de infraestruturas educacionais e
sociais, motivadas pela guerra de desestabilização (1977-1992); entrada
na economia de mercado entre vários cenários.
No período 1987-1992 nota-se a diferenciação social, também
no sistema educativo. É claramente perceptível a existência de uma
camada da população que – não tendo condições econômicas – não
terá a oportunidade de ter as mínimas condições de formação esco-
lar. Isso faz com que, durante esta fase em análise, se registre maior
número de desistência dos alunos matriculados, diluindo, dessa forma,
a universalização da educação proclamada no Sistema Nacional de
Educação (SNE).
Em termos estruturais, a educação moçambicana do período pós-
independência, em termos da sua relação com a cultura autóctone, não
diferia muito do ensino colonial. Embora tenha sido declarada uma
guerra cerrada contra os princípios coloniais, a organização do ensino
manteve-se, e notava-se uma falta de diálogo entre o saber tradicional
(local) com o saber considerado moderno. Havia distanciamento e falta
de coabitação entre os saberes locais e os saberes escolares.
Na ótica de Ngoenha (2000), a educação na vertente social não deu
resultados esperados. Tratava-se de uma educação tecnicamente fraca,
politicamente generosa (educação para todos), voluntarista e ideologi-
camente muito conotada em razão de seu princípio de igualitarismo.
As reformas que ocorreram visavam substituir o modelo socia-
lista de desenvolvimento pelo capitalismo e, consequentemente, as

43
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Empresas do Estado foram privatizadas – em 1990, uma nova cons-


tituição foi aprovada com o objetivo de acomodar a democracia mul-
tipartidária e propriedade privada. Essas mudanças conjunturais vão
impactar no Sistema Nacional de Educação (SNE) com a revogação
da Lei n. 4/1983 e aprovação da Lei n. 6/1992, de 6 de maio. O novo
instrumento que orienta o sistema educativo moçambicano, nos seus
princípios gerais, reafirma a educação como direito e dever de todos
os cidadãos, e o estado permite a participação de outras entidades na
provisão dos serviços de educação.
Enquanto a Lei n. 4/1983 dava garantia à igualdade de oportu-
nidade de acesso a todos os níveis de ensino, a nova Lei não a preser-
vava. Esse processo pode-se justificar pelo fato de o estado ter dado
oportunidade a outras entidades da sociedade (setor privado, coope-
rativas, igrejas), na base da Lei, de proverem serviços de educação, o
que tornaria difícil que todos os cidadãos pudessem ter as mesmas
oportunidades de acesso à educação.
A liberalização da educação, a partir da década de 1990, fez surgir
um novo tipo de instituições educativas (as escolas privadas) – acentu-
ando, dessa forma, as desigualdades sociais no sistema de educação em
Moçambique. Com o surgimento das escolas privadas, como referem
Castiano, Ngoenha e Berthoud (2005), começam a legitimar escolas
para os filhos das elites (governamentais e econômicas). Essas elites
começam a buscar os seus próprios lugares educacionais para poder
garantir a continuidade da hegemonia política e econômica pelos seus
filhos ou pelos seus parentes. Assim, a educação passa a servir para
perpetuar as desigualdades sociais.
Enquanto outrora essas elites levavam seus filhos e parentes
para as escolas fora do território nacional, agora elas são formadas
dentro do país em escolas privadas, com melhores condições em ter-
mos de infraestruturas e com pessoal formado, bem remunerado, com
condições mínimas de trabalho, em detrimento das escolas públicas,
embora a maioria dos professores dessas escolas seja a mesma das
escolas públicas.

44
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

A entrada massiva do setor privado para prover serviços educati-


vos cria um paradoxo em Moçambique na qualidade de aprendizagem.
Por um lado, existem escolas com melhores condições de funciona-
mento, nas quais as elites levam filhos e parentes e, por outro lado,
existem escolas privadas sem estrutura de funcionamento, em que as
crianças das classes populares que não conseguem espaço na escola
pública estudam.
A partir do início deste século, várias reflexões são feitas para
o setor de educação, e a maior parte dos documentos que se segui-
ram sobre a educação em Moçambique oferece mais realce à forma-
ção integral do homem, livre, autônomo, empreendedor, moralmente
comprometido com a nação e sua história, conhecedor das tradições
culturais e, ao mesmo tempo, aberto à cultura e a saberes universais
(Agenda 2025)14.
Embora a visão de Homem Novo defendida desde a luta de liber-
tação nacional, literalmente, tenha desaparecido na Lei n. 6/1992, essa
visão se esconde nos escombros de um “homem integral”. Passa-se,
desse modo, de uma visão de formação ideológica partidária para uma
visão de formação do cidadão comprometido com uma causa nacio-
nal e cultural. Como se nota, passamos de uma orientação ideológica
revolucionária da Frelimo para uma orientação ideológica neoliberal.
A Lei n. 6/1992 define como um dos objetivos do Ensino Básico
oferecer a possibilidade de os indivíduos apreciarem sua cultura,
incluindo a língua, as tradições e os padrões de comportamento.
A referida lei considera a cultura, as tradições nacionais, que
outrora foram rejeitadas, elementos válidos na formação para a cida-
dania. Assim, foram introduzidos no currículo do Ensino Básico o uso
e ensino das línguas nacionais e a abordagem dos conteúdos locais, em
todas as disciplinas constantes da grade curricular, além da introdução

É um documento que sintetiza as linhas e opções gerais de políticas de desenvolvimento de


14

Moçambique até o ano 2025.

45
Políticas e práticas educativas em Moçambique

da disciplina de Ofícios, que tem como foco o resgate dos saberes dos
ancestrais.
O processo de integração dos conteúdos locais, de disciplinas
voltadas aos saberes dos ancestrais e das línguas nacionais no currículo
do Ensino Básico justifica-se pela necessidade de formar um cidadão
consciente de sua cultura, das características locais, sem, no entanto,
impedir a formação de um cidadão nacional com uma visão universal.
Certos autores, como Castiano, chamam essa perspectiva de glocal –
uma perspectiva que toma o global por meio das características locais.
Uma formação baseada em tal perspectiva, deve estar – embora leve
em conta o global – sempre assente no local.
A valorização das línguas nacionais no currículo do ensino básico
está evidente com a introdução da educação bilíngue – assim como as
orientações metodológicas que privilegiam o uso das línguas locais
como meios de ensino.
Nota-se que, com a introdução do currículo local das línguas
nacionais no ensino e de novas disciplinas, pretendia-se tornar o ensino
relevante (INDE, 2008) para a formação de habilidades e competências
que facilitem a integração do indivíduo na comunidade.
Alguns aspectos podemos retirar como comuns ou então trans-
versais períodos de educação moçambicana (colonial, das zonas liber-
tadas e do período pós independência).

• Primeiro: existência um projeto concreto de cada um dos


períodos pelo qual a educação deveria ser guiada;
• Segundo: formação do trabalhador, de homem produ-
tivo por meio de disciplinas relacionadas às atividades
manuais;
• Terceiro: a “negação”15 da identidade nacional.
• Quarto: a centralidade da educação pelo Estado.

Não é um apagamento, mas a secundarização das culturas autóctones que não são privilegiadas
15

nos currículos como componente de construção de uma identidade nacional.

46
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DO SISTEMA NACIONAL DE


EDUCAÇÃO ( SNE ) EM MOÇAMBIQUE

Torna necessário, como afirma Matsinhe (2011), lembrar que,


logo depois da independência nacional, algumas medidas foram
tomadas – tanto em nível interno como em nível externo. Em nível
interno, registrou-se a extinção das autoridades comunitárias ligadas
ao poder colonial (autoridades gentílicas); a população passou a morar
em aldeias comunais; as propriedades pertencentes a antigos colonos
portugueses foram revolucionariamente transformadas em proprieda-
des coletivas e cooperativas agrícolas; a radicalização da política do
partido no poder e as medidas tomadas no terceiro congresso partido
Frelimo, que acarretaram a implementação da ideologia marxista-leni-
nista. Algumas dessas medidas, no entanto, contribuíram para a crise
econômica e o fracasso do projeto socialista em Moçambique. Para
fazer face à crise econômica que o país estava enfrentando, ainda na
década de 1980, iniciaram-se as reformas neoliberais com a aceitação
de Moçambique como membro do Banco Mundial (BM) e do Fundo
Monetário Internacional (FMI) introduzidas, em 1987, com o Programa
de Reabilitação Econômica (PRE). Essas mudanças conjunturais foram
também reforçadas com a queda do muro de Berlim em 1989, que sim-
boliza o fim do sistema socialista na Alemanha (principal aliado de
Moçambique na Europa).
Entendo que essas reformas neoliberais iniciadas nos anos 1980
não constituíram solução para a crise política, econômica e social que
Moçambique atravessava, mas foram resultado da implementação de
um projeto de manutenção da dependência econômica de Moçambique
em relação ao capital internacional. Verifica-se, com a adesão dessas
políticas neoliberais, a degradação do parque empresarial e industrial
do Estado que suportava as despesas das áreas sociais do Estado.
Com a entrada de Moçambique nas instituições internacionais,
como o Banco Mundial, o FMI e, consequentemente, a liberalização do
mercado, houve a privatização das empresas estatais e a necessidade

47
Políticas e práticas educativas em Moçambique

da liberalização do sistema de ensino16. Dessa forma, em maio de 1992,


o parlamento moçambicano revoga a Lei n. 4/1983 por meio da Lei n.
6/1992. Essa nova lei sobre o sistema nacional de educação reformula
os fundamentos filosóficos e a estrutura do sistema. Aliás, em sua
introdução, pode-se ler:

[...] havendo necessidade de reajustar o quadro geral do sis-


tema educativo e adequar às disposições contidas na Lei 4/83
de 23 de março, às atuais condições sociais, e econômicas do
país, tanto do ponto de vista pedagógico como organizativo
a Assembleia da República, aprova a Lei 6/92.

Na nova lei, foram retiradas todas as expressões ideológicas


partidárias, como “socialismo, Homem Novo”. Houve uma reescrita
nos princípios gerais do SNE e nos seus objetivos para adequar-se à
nova realidade. Não significou uma simples retirada de expressões do
texto legal, mas, sobretudo, uma nova orientação do sistema educativo
nacional. Essas expressões – assim como as caricaturas que ilustravam
a orientação ideológico-partidária nos manuais escolares – também
foram revistas, por exemplo, caricatura de “xiconhoca”. Literalmente, a
palavra Xiconhoca é composta de dois nomes: Xico e Nhoca. O primeiro
nome vem de Xico-Feio, um indivíduo que pertencia à PIDE-DGS17, e
Nhoca que, na língua bantu, significa cobra, um animal traiçoeiro.
Xiconhoca era um indivíduo contrarrevolucionário contrário aos
ideais apregoados durante e após a luta de libertação nacional (contra o
obscurantismo, a unidade nacional, contrário ao tabagismo, ao álcool,
exibicionismo e outros males que estavam contrários à construção de
uma nação). A imagem a seguir ilustra a caricatura de um xiconhoca.

16
Note que, quer na Lei n. 4/1993 de 23 de março, quer na Lei n. 6/1992, de 6 de maio, não há uma
diferenciação nítida no uso dos termos educação e ensino.
17
Polícia Internacional e de Defesa do Estado-Direção Geral de Segurança – tinha a função de
perseguir, prender e torturar todos aqueles que eram inimigos do regime salazarista.

48
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Imagem 1 - Caricatura de Xiconhoca

Fonte: Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=imagens+de+xiconhoca&tbm=isch&im-


gil=ML_kKFO4XTzbEM%253A%253BvQlD. Acesso em: 26 jul. 2017.

Em termos gerais, a nova Lei do SNE transforma a estrutura do


sistema nacional de educação, enquanto na Lei n. 4/1983 o sistema
educativo comportava cinco subsistemas (art. 8º):

1. Subsistema de Educação geral- que compreendia o ensino


primário de 7 classes subdividido em ensino primário do
1º grau da 1ª à 5ª classe e do 2º grau da 6ª à 7ª classe;
ensino secundário com 3 classes (8ª à 10ª classe) e ensino
pré-universitário da 11ª à 12ª classe. De um modo geral o
subsistema de educação geral comportava 3 níveis;
2. Subsistema de educação de adultos responsável pela
alfabetização de da população maior de 15 anos. Este
subsistema compreendia os níveis primário, secundário
e pré-universitário.
3. Subsistema de Educação técnica profissional – respon-
sável na materialização da política de formação da mão
de obra, para fazer face aos programas de crescimento
e desenvolvimento acelerado do país. Este subsistema
compreendia o ensino elementar técnico profissional;
Ensino Básico técnico profissional e ensino médio téc-
nico profissional.

49
Políticas e práticas educativas em Moçambique

4. Subsistema de formação de Professores – compreendia o


nível médio e superior e visava a formação psicopedagó-
gica dos Professores para o sistema nacional de educação.
5. O subsistema do ensino superior - realizava a formação
de profissionais técnico e científicos com um alto nível
de qualificação e um profundo nível de conhecimento da
realidade nacional e das Leis do desenvolvimento da natu-
reza, da sociedade e do pensamento para participarem no
desenvolvimento e defesa do país e da revolução.

Já a Lei n. 6/1992, de 6 de maio, estabelece que o SNE compreende


três subsistemas: “ensino pré-escolar, escolar e extraescolar”, (art. 6).

1. O ensino pré-escolar realiza-se em creches e jardins de


infância e é para crianças até 6 anos de idade como forma
de complementar a educação familiar. A gestão, monito-
ria e fiscalização do ensino pré-escolar é de forma con-
junta entre o Ministério de educação e Desenvolvimento
humano e o ministério da criança, gênero e ação social.
Embora a constituição da República de Moçambique con-
sidere a educação como direito e dever de todos os cida-
dãos (art. 88), a frequência a este nível é facultativa.
2. O ensino escolar é uma modalidade de ensino que ocorre
em instituições escolares e ela compreende: ensino geral
com dois níveis (primário e o secundário; ensino técnico
profissional com três níveis (elementar, básico e médio)
e ensino superior que se realiza em universidades, insti-
tutos superiores e academias. No ensino escolar, existem
as chamadas modalidades especiais de ensino como são
os casos de: ensino especial, ensino vocacional, ensino de
adultos, ensino a distância e a formação de Professores.
3. O ensino extraescolar é uma modalidade que engloba as
atividades de alfabetização18, aperfeiçoamento e atuali-
zação, cultural e científica e se realiza fora do sistema
regular de ensino.

Alfabetização é uma modalidade de educação virada para as pessoas que, tendo 15 ou mais anos
18

de idade, não entraram no sistema escolar, isto é, não sabem ler e escrever em português.

50
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Nota-se na passagem da Lei n. 4/1983 para a Lei n. 6/1992 um


reducionismo não apenas no tamanho, mas também em termos de
concepções de formação, o que denota uma ruptura com as políticas
ideológicas socialistas.
A ruptura com o passado refletiu-se também na nova Lei do
Sistema Nacional de Educação. É assim que a alínea b) do artigo pri-
meiro, sobre os princípios gerais, estabelece que “o Estado no quadro
da Lei, permite a participação de outras entidades, incluindo comuni-
tárias, cooperativas, empresariais e privadas no processo educativo”,
contrariamente à Lei n. 4/1983 que definia, claramente, que “a edu-
cação é dirigida, planificada e controlada pelo estado que garante a
sua universalidade e laicidade no quadro da realização dos objetivos
consagrados na constituição” (art. 1, alínea e).
Um dos aspetos a considerar na nova Lei é a relevância dada às
línguas nacionais como elementos que devem ser tomados em con-
sideração no processo educativo. O artigo quatro da Lei n. 6/1992
estabelece que “o Sistema Nacional de Educação deve, no quadro dos
princípios definidos na presente Lei, valorizar e desenvolver as línguas
nacionais, promovendo a sua introdução progressiva na educação dos
cidadãos”. Na antiga lei (4/1983), as línguas nacionais apareciam de
forma superficial: “O Sistema Nacional de Educação deve, no quadro
dos princípios definidos pela presente Lei, contribuir para o estudo e a
valorização, das línguas, cultura, a história moçambicana, com objetivo
de preservar e desenvolver o patrimônio cultural da Nação” (Art.5).
Não se trata de uma reformulação sintática, mas sim semântica, pois,
na alínea d), nº 2 do Artigo 4 da referida lei, estava determinado que
um dos objetivos do SNE era “difundir, através do ensino, a utilização
da língua portuguesa contribuindo para a consolidação da unidade
nacional”. Nota-se, claramente, que as línguas nacionais não consti-
tuíam prioridade no ensino oficial, uma vez que a língua portuguesa
foi considerada de unidade nacional.
Para reverter essa situação e, levando em consideração o papel
que as línguas nacionais desempenham no desenvolvimento cognitivo

51
Políticas e práticas educativas em Moçambique

do indivíduo, a reforma curricular do Ensino Básico de 2004 acautelou


a introdução das línguas nacionais no ensino. A introdução das línguas
moçambicanas foi fundamentada pelo fato de que

O processo educacional, em qualquer sociedade, só terá


sucesso se for conduzido através duma língua que o apren-
dente melhor conhece, respeitando – se, deste modo, os
pressupostos psicopedagógicos e cognitivos, a preservação
da cultura e identidade do aluno e seus direitos humanos
(INDE, 2008, p. 30).

Com a introdução das línguas nacionais no processo de aprendi-


zagem dos alunos, reconhece-se a importância que a primeira língua
tem na aprendizagem de qualquer indivíduo. O uso dessas línguas na
escola serve como meio de preservação da cultura. Couto (2011, p. 16),
escreve que

As culturas sobrevivem enquanto se mantiverem produtivas,


enquanto forem sujeitos de mudança e elas próprias dialo-
garem e se mestiçarem com outras culturas. As línguas e as
culturas fazem como as criaturas: trocam genes e inventam
simbioses como resposta aos desafios do tempo e do ambiente.

E ainda continua dizendo:

Em Moçambique vivemos um período em que encontros e


desencontros se estão estreando num caldeirão de efervescên-
cia e paradoxos. Nem sempre as palavras servem de ponte na
tradução desses mundos diversos. Por exemplo, conceitos que
nos parecem universais como Natureza, Cultura e Sociedade
são de difícil correspondência. Muitas vezes não existem
palavras nas línguas locais para exprimir esses conceitos.
Outras vezes é o inverso: não existem nas línguas europeias
expressões que traduzem valores e categorias das culturas
moçambicanas.

Vou narrar duas histórias minhas que corroboram com essa


última ideia de Mia Couto.

52
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

Eu sou natural do interior da província de Nampula, no norte


de Moçambique. A minha Etnia é makua e, por conseguinte, a
minha língua primeira é Emakua. No entanto, todo meu per-
curso escolar foi feito na língua portuguesa, idioma com o qual
somente tinha contato na escola. No dia 18 de novembro de 2015,
no lançamento do seu novo romance, “As mulheres de cinza”,
Mia Couto - para justificar por que algumas palavras ou mesmo
frases que encontrara durante o seu trabalho de pesquisa para a
elaboração do romance eram intraduzíveis, perguntou se, na sala,
existiam moçambicanos. Éramos quatro, juntamente a nossa
bandeira que representava todo o povo moçambicano, e, com
orgulho levantamos, era a oportunidade única de nos fazermos
presentes. Mia Couto nos perguntou como traduziríamos, em
nossas línguas locais, a palavra “natureza”. Nós três manti-
vemo-nos calados. Um silêncio estranho para os outros, mas
com alto significado para nós quatro. Na verdade, não existe o
termo “natureza” que pode significar natureza no sentido em
que concebemos. Qualquer palavra poderia significar natureza
mais alguma coisa. Por exemplo, em Emakua, poderia ter dito
elapo que significa também mundo, ou então ethagua - que pode
significar floresta ou mato. Todos esses termos falados isolada-
mente nunca significaria natureza.

Outro episódio é sobre a dificuldade que os professores encon-


tram em algumas línguas, como Emakua, para ensinar as crianças a
contarem por exemplo:

Na minha língua nativa (Emakuwa), alguns números só podem


ser obtidos somando com outro número e não o número isolada-
mente. Na maior parte das vezes as crianças não compreendem
a lógica dos números em português. Por exemplo: o 6 é 5+1 e
não 6 isoladamente. Se o professor pergunta um aluno quanto é
5+1, ele vai responder que é 5+1 e não 6 de forma isolada, mas
sim a junção do 5 e 1.

Essas lógicas diferenciadas só podem ser acauteladas se o SNE


colocar, no centro das suas atenções, o uso das línguas nacionais no
ensino.

53
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Experiências feitas por jesuítas no sul do país – assim como rela-


tórios das escolas pilotos que usavam a língua local e o português para
o ensino – revelaram que esse processo de aprendizagem melhorou
relativamente as escolas que usavam apenas o português como língua
de ensino e de aprendizagem dos alunos.
Mas a problemática do uso da língua é grande. Aliás, Paulo Freire,
em cartas trocadas com Amílcar Cabral, discute muito o uso da língua
local (crioulo) na alfabetização na Guiné Bissau. Em um dos excertos,
Paulo Freire reconhece a importância e as dificuldades que os países
colonizados têm no uso das suas línguas no ensino.

[...] problema da língua é absolutamente crucial, porque,


vejam bem meus amigos, esse negócio de língua em primeiro
lugar é uma abstração. Não sei se tem algum esperto aqui em
linguística, mas o que é concreto mesmo é a linguagem. Esse
negócio de Língua Portuguesa, linguística, isso é abstração, o
concreto é a maneira como a gente fala, o discurso da gente, e
esse é de classe. E esse é um discurso de classe, que está sub-
metido a mudanças culturais de classe também, a influências
etc. Agora vejam: o problema da linguagem vem diretamente
com o erro da cultura ou da classe. Por isso é que uma das
primeiras providências que o colonizador faz é tentar impor
a sua linguagem sobre o colonizado. [...]. Eu me lembro de que
uma das providências que o presidente Nyerere19 que acaba
de deixar o governo da Tanzânia tomou foi a de escalonar a
mudança do inglês para o suaíle. Ele superou, no ano “X”, o
inglês na pré-escola, no outro ano ou dois anos depois, supe-
rou o inglês no primeiro grau. Até deve estar chegando agora
para universidade. [...]. Eu conversei muito com o Nyerere
sobre essa questão de identidade cultural, e ele tinha a van-
tagem de falar brilhantemente, fantasticamente o suaíle e o
inglês. [...]. Então esse problema de língua deve ser uma pre-
ocupação central, fundamental, em qualquer processo de luta.
Porque o problema da linguagem está dentro do programa
da cultura. Há uma frase de Amílcar muito fantástica em que

19
Foi presidente de 1962 a 1985 da República Unida da Tanzânia.

54
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

ele diz: a luta de libertação é um fato cultural e um fator de


cultura. [...]. Agora vejam que, dentro desse fato cultural, está
a linguagem também. Então isso é, para mim, um ponto de
partida, como preocupação.
Agora, evidentemente vocês não pensem que é fácil. Eu con-
versava com o ministro e dizia: Olha, é preciso ganhar esta
luta, é preciso ganhar essa guerra. Sugerimos a ida para lá,
isso tudo eu digo nesse livro, de linguísticas com um grande
conhecimento das línguas africanas e do crioulo. Hoje em
dia, esta lá uma equipe de linguística, segundo me disse e o
Miguel, continuando a trabalhar. Mas não é fácil você pôr o
crioulo, por exemplo, como língua nacional e língua de media-
ção da formação cultural e política do seu povo. Onde é que
você vai buscar dinheiro e competência técnica e científica
para traduzir todas as obras fundamentais que a Guiné não
produziu ainda e que tem de ler, tem de estudar? Passar tudo
isso da noite para o dia para o crioulo, com que dinheiro,
tempo e com que competência? Revolução não é brinquedo,
é uma coisa muito séria, mas tudo isso tem que ser pensado
(FREIRE, 1985, pp.21-22)20.

São esses desafios e essas dificuldades que o sistema de educação


tem enfrentado no processo de implementação das línguas nacionais no
ensino. Embora em realidades diferentes, a colocação de Paulo Freire
se articula perfeitamente ao contexto atual da educação moçambicana.

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processo: 1962-1984. Maputo, Livraria universitária, 1999.

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uma sociologia das emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa
(org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: Um discurso sobre
as ciências, revisitado, 2. ed., São Paulo: Cortez, 2006.

20
Texto gravado e organizado por: Laura Maria Coutinho na Palestra para o Curso de Mestrado da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 8 de novembro de 1985.

55
Políticas e práticas educativas em Moçambique

CASTIANO, José P.; NGOENHA, Severino. A longa marcha duma


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57
Políticas e práticas educativas em Moçambique

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Acesso em: 19 ago. 2017.

58
Políticas de educação em Moçambique:
a Educação e as Dinâmicas
Socioculturais na era Pós-colonial
Ana Maria de Jesus Pinho P. Guina
José Augusto Guina

INTRODUÇÃO

O território moçambicano está situado na costa sudeste da


África, com 801.537 quilômetros quadrados de área territorial, tendo
como fronteiras a Suazilândia, ao sul, a África do Sul, ao sudoeste, o
Zimbabwe, a oeste, a Zâmbia e o Malawi, a noroeste, a Tanzânia, ao
norte, e o Oceano Índico, a leste. Segundo o Instituto Nacional de
Estatística (INE) de Moçambique e, pelo censo geral de 2017, o total
da população ronda os 28 milhões e 900 mil habitantes, sendo 52%
mulheres e 48% homens, na sua maioria rural (cerca de 68%).
Moçambique caracteriza-se por ser um espaço multicultural, em
que são veiculadas 18 línguas nacionais, com muitas variações que
consideramos de dialetos. Contudo, o Português é a língua oficial esta-
belecida como tal desde a independência nacional (1975).
Portugal, como potência colonial dominadora, introduzira tam-
bém nas suas ex-colônias um sistema de educação formal no século
XIX, que se caracterizava como elitista e segregacionista, tanto sob o
ponto de vista rácico quanto socioeconômico. O objetivo dessa política
educativa era tentar enraizar, de modo consciente ou inconsciente,
as desigualdades em toda a extensão territorial, com ênfase para as
colônias.

59
Política educacional em Moçambique

Logo após tornar-se independente em 1975, no culminar de uma


guerra de 10 anos de libertação nacional, Moçambique adotou uma
orientação marxista-leninista, com princípios de socialismo cientí-
fico, em que o sistema educacional se baseava na edificação de um
Homem Novo. Nessa fase, o país debatia-se com imensas dificulda-
des, como: elevado índice de analfabetismo, que rondava os 90%, à
carência de quadros a diversos níveis e em quase todos os sectores
da sociedade moçambicana, com destaque para os setores da saúde
e educação. Isso em razão da retirada de muitos portugueses do país
recém-independente.
Face à situação, muitos jovens saídos do ensino secundário eram
mobilizados para o voluntariado em atividades de alfabetização e do
professorado. Adotou-se a massificação do ensino primário, em uma
estratégia nacional de “ganhar tempo” para a formação e educação de
adultos, porque crescia a consciência de que o desenvolvimento devia
ser acompanhado do aumento da escolaridade.
A partir de 1976, Moçambique mergulhou em uma guerra civil
que veio retardar a implementação de várias estratégias de políticas
educativas, dado que as prioridades passaram a ser outras, não obstante
vários posicionamentos foram tomados, se bem que sem condições
desejáveis para que fossem postos em prática.
Segundo o Programa do Governo de Moçambique, para 1995/1999,
no que se refere ao setor da Educação, esta

[...] constitui um direito fundamental de cada cidadão e é o


instrumento central para a melhoria das condições de vida e
a elevação do nível técnico e científico dos trabalhadores. Ela
é o meio básico para a compreensão e intervenção nas tarefas
do desenvolvimento social, na luta pela paz e reconciliação
nacional.1 (MINED, 1995, p. 6).

1
Política Nacional de Educação e Estratégias de Implementação, Resolução nº 8/1995, de 22 de
Agosto.

60
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

Esse posicionamento do governo de Moçambique alinha-se no


que fora definido por vários países em Jomtien, na Tailândia em 19902,
em que se afirmava que a educação é um direito fundamental de todos,
no mundo inteiro, independentemente do sexo e da idade. Ainda em
Jomtien, foi consensual que a educação contribui para se alcançar um
mundo mais seguro, com melhor saúde, maior prosperidade e progresso
social, cultural e econômico, maior sensibilidade no ambiente, maior
compreensão e tolerância entre os povos.
Segundo Castiano (2005), da existência de uma panóplia de ideias
e propostas que contribuíssem para a transformação do espectro edu-
cacional, aferiu-se que a existência de três níveis das propostas. O
primeiro propunha a transformação de caráter organizacional, isto
é, objetivava-se alterar o processo de organização do ensino do modo
como decorria em toda sua estrutura, alteração ou mudança que até
hoje não se efetivou; o segundo referia-se às opções políticas, ou seja,
tratava-se de uma proposta que levava em conta políticas educativas
que tinham como objetivo apresentar alternativas e estratégias para
um sistema de educação mais apropriado; e o terceiro relacionava-se
à transformação paradigmática, isto é, à exigência de uma pedagogia
nova, possível de executar,
Dessa delicada discussão, que teve o seu início logo após a inde-
pendência nacional, surgem os programas de alfabetização e de educa-
ção de adultos, assim como a expansão do ensino para as zonas rurais.
Desde então, iniciou-se a massificação do ensino, acompanhado de
formação acelerada de professores. Toda essa dinâmica fez com que
surgisse paulatinamente um Sistema Nacional de Educação (SNE), em
1983, com base em três subsistemas: Ensinos Primário, Secundário e
Superior. Contudo, os efeitos da guerra civil não possibilitaram uma
execução eficaz do SNE, com destaque para as regiões de Centro e
Norte, em uma primeira fase, e mais tarde, na região Sul.

2
Declaração Mundial Sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990).

61
Política educacional em Moçambique

Segundo o relatório do PNUD (2000), observou-se que nas zonas


onde o conflito armado não se ressentia diretamente, também houve
uma estagnação do SNE, em virtude de fatores como a fraca capacidade
dos professores e direção das escolas, o distanciamento sociocultural
das escolas relativamente às comunidades e a forte centralização da
gestão, que não permitia uma supervisão e controle eficazes.
Na década de 1980, Moçambique vê-se impelido a adotar um
sistema econômico neoliberal, de modo a permitir acesso à ajuda do
FMI-Fundo Monetário Internacional, isso muito antes da abertura
ao multipartidarismo, surgindo, então, o Programa de Ajustamento
Estrutural.
No período em que a Guerra Civil (1976-1992) ainda estava a
decorrer e como já mencionamos, em 1990 entra em vigor uma nova
Constituição. É com essa nova lei-mãe que se adota formalmente o
neoliberalismo, passando a ser um direito constitucionalmente con-
sagrado. (BASTOS; DUARTE; GURO, 2016).
Em 1975 ocorreram as nacionalizações, incluindo o setor da edu-
cação. Com a nova Constituição, em 1990,

[...] novos princípios passaram a orientar o sector da educação,


estabelecendo que: a) A educação é um direito e dever de todos
os cidadãos. b) O Estado, no quadro da lei, permite a participa-
ção de outras entidades, incluindo comunitárias, cooperativas,
empresariais e privadas no processo educativo. c) O Estado
promove e organiza o ensino, como parte integrante da acção
educativa, nos termos definidos na Constituição da República,
sendo o ensino público laico. (MOÇAMBIQUE, 1992, p.104).

Com este novo cenário político, o Estado deixa de ser o único


provedor dos serviços de educação. Por meio do Decreto n. 11/1990,
do Conselho de Ministros, as disposições legais para o aparecimento e
abertura de escolas privadas em território nacional são estabelecidas
em 1 de Junho de 1990. A abertura ao setor privado para a educação

62
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

visa também aliviar o Governo dos encargos financeiros, para além


de permitir que a comunidade participe nos programas educacionais.
Com a dinâmica da descentralização surgida na década de 1990
e segundo Bonde (2016), as escolas públicas são geridas pelo Estado e
as particulares, pelo setor privado; os programas de ensino em uso no
ensino público são também usados nas escolas privadas; os professo-
res do ensino público são pagos pelo Estado e os do ensino privado o
são pelas próprias instituições de ensino. Os custos pela educação nas
instituições privadas são por elas e pelos seus critérios estabelecidos,
atingindo, por vezes, valores quase que impraticáveis para o orçamento
da maioria das famílias moçambicanas. Contudo, paradoxalmente,
muitos encarregados de educação acabam por colocar os seus educan-
dos nestas instituições, ou mesmo fora do país, por um descrédito na
qualidade do ensino em Moçambique atualmente.
Com o decurso da guerra, o acesso ao meio rural foi se tornando
difícil, o que resultou no abandono escolar de muitos jovens e o con-
sequente encerramento de muitas escolas. Por outro lado, o desloca-
mento das populações para os meios urbanos tornou estas áreas de
difícil gestão escolar, por falta de infraestruturas e professores para a
crescente população.
A introdução da nova Constituição, em 1990, tendo como pano de
fundo o multipartidarismo, permitiu o incremento do acesso ao ensino,
tanto de cohortes em idade escolar apropriada quanto de indivíduos
adultos que viam no novo documento da lei-mãe uma oportunidade
de emancipação por meio da formação acadêmica.
Contudo, essa vontade expressa da população em formar-se não
teve um acompanhamento adequado por parte do Estado como regu-
lador e como fazedor de políticas públicas, para além do próprio país
na condição de pobreza em que tem estado. A carência de professores
e a escassez de infraestruturas, como salas de aulas e carteiras, trouxe
como um dos resultados a baixa qualidade do ensino.

63
Política educacional em Moçambique

Diante desse cenário, o sistema de ensino em Moçambique passa


a ter duas vertentes objetivas: a primeira, que visa buscar melhores
estratégias para a expansão da escola a todo o território nacional, do
básico ao universitário (CASTIANO; NGOENHA, 2013); e a segunda
vertente, que procurou debater a qualidade de ensino nas escolas de
Moçambique. Esta vertente não tem conseguido atingir o pretendido,
pois muitos alunos são aprovados sem que estejam devidamente pre-
parados, pela demonstração na leitura, na escrita e na aritmética.
Atualmente, o nível das competências escolares nos alunos tem
decaído, caracterizando o ensino moçambicano como de qualidade
baixa, fato verificado desde o início desta década. Essa constatação
é corroborada por uma avaliação dos níveis de leitura e matemática
dos alunos das escolas primárias em Moçambique, levada a cabo pela
Southern and Eastern Africa Consortium for Monitoring Educational
Quality (SACMEQ)3 em 2012.
Nas discussões em vários quadrantes, muitos fatores têm sido
apontados como determinantes diretos. No nosso entender, e com base
em vários seminários e debates assistidos, alguns indicadores apon-
tam como causas a fraca capacidade de gestão escolar, um aumento
massivo de alunos, uma fraca preparação dos professores (MINEDH,
2015: p.14), exiguidade de material didático e infraestruturas escolares
que não acompanham esse crescente aumento da população estudan-
til. Por outro lado, pode-se apontar também a fraca capacidade de
investimento do Estado no setor da educação, sendo um dos setores
considerados prioritários, para além da saúde e emprego. Os dois pri-
meiros setores prioritários dependem em mais de 80% dos doadores
internacionais.
Os sucessivos governos de Moçambique têm apresentado, nos
seus programas de governação, um rol de ações que, implementadas,
resultariam num sistema de ensino muito adequado e como uma ala-
vanca para o desenvolvimento socioeconômico. Mas a implementação

3
Fonte: SACMEQ, Policy Issues; Number 2, September 2010 (www.sacmeq.org).

64
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

das diversas diretrizes não têm levado em conta vários fatores socio-
culturais, para além de outros. Moçambique, considerando o fato de ter
várias línguas nacionais e seus respectivos dialetos, tem no seu tecido
social uma diversidade cultural enorme e diversificada. Ora, tentar
implementar o resultante de debates e conferências internacionais sem
que se leve em conta esses detalhes culturais pode acarretar o fracasso
de todo um programa de um governo.
Por outro lado, pela análise do Relatório da UNESCO (2007),

[...] muitos sistemas de educação em África enfrentam mui-


tos obstáculos: número insuficiente de cidadãos instruídos,
difusão não equitativa da educação, deficiente desempenho
dos sistemas de ensino, má qualidade da educação, inutilidade
das aprendizagens4. (NDOY, 2008).

Segundo João (2012), pelos dados do Plano Estratégico de Educação


e Cultura (PEEC), cerca de 25% dos alunos do Ensino Secundário Geral
(ESG) em Moçambique são reprovados anualmente. Esse aspecto tem
sido debatido amplamente e é consensual. O Ministério da Educação
e Desenvolvimento Humano (MINEDH) tem procurado inverter esse
cenário. Pelo PEEC de 2006-2011:

O Plano Estratégico da Educação e Cultura (PEEC de 2006-


2011) aprovado pelo Conselho de Ministros na sua XXI ses-
são ordinária em 24/11/2009, respondendo sobre a qualidade
e formação, reconheceu que a baixa qualidade do ensino e
aprendizagem, as reprovações e desistências constituem um
grande desperdício de recursos no sistema de ensino e apren-
dizagem em Moçambique, e sua melhoria ou redução constitui
uma das prioridades do MEC. (JOÃO, 2012, p. 36).

Como anteriormente nos referimos, o setor da educação em


Moçambique tem passado por muitas dificuldades, com ênfase para o
Ensino Secundário Geral, o que certamente afetará toda uma geração

4
Ou seja, os alunos que terminam a 12ª classe apresentam fraca literácia e os alunos do ensino
médio demonstram nível fraco em competências e habilidades. (PEEC de 2006-2011).

65
Política educacional em Moçambique

em termos de qualidade na produção interna e na criação de riqueza


para exportação. Nos meios urbanos, apesar de haver certos recursos,
estes não são usados de modo adequado, que permita ajudar na apren-
dizagem. Em geral, os recursos didáticos são escassos e com predomi-
nância no meio rural, tais como: meios tecnológicos, livros escolares
e outros; pouca ou mesmo inexistente produção de conhecimento, ou
investigação, por parte dos professores, porque também não existem
recursos e condições para o efeito, como obras literárias científicas.
O nível baixo de aproveitamento escolar tem sido preocupação
dos pais e encarregados de educação. Eles notam que os educandos têm
cada vez menos capacidade de autossuficiência e autoconfiança nas
tarefas diárias, remetendo a uma contínua atitude à espera de ajuda
de um adulto, prolongando, assim, uma situação de paternalismo. As
limitações dos estudantes vão desde a escrita à leitura, à interpretação
de conceitos e conteúdos. O ritmo das novas tecnologias a que alguns
têm acesso cria ansiedade nos estudantes, descurando de outras obri-
gações mais importantes, como a preparação das aulas e a leitura dos
poucos livros existentes. Mesmo para aritmética básica recorrem à
calculadora do telefone celular.
As populações das zonas rurais e suburbanas mantêm práticas
tradicionais para a preparação dos jovens para a idade adulta, por meio
de ritos de iniciação. Trata-se de práticas que acondicionam os meni-
nos e as meninas, no limiar da puberdade, para locais isolados ondem
recebem ensinamentos de vária ordem, desde o respeito para com os
adultos, a higiene sexual, conceitos sobre concepções e maternidade,
cuidados com os afazeres da casa e muitos outros. Antes, a calendariza-
ção dessas práticas não levava em conta o calendário escolar, isto é, as
datas eram marcadas pelos líderes comunitários de acordo com certas
condições do clima anual e considerando as atividades agrícolas. Esse
desfasamento está normalizado, dada a intervenção do governo junto
das comunidades, o que tem minimizado as ausências e desistências
escolares.

66
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

Segundo Cross (1993) e recuando à fase imediata à proclamação


da independência, Moçambique adotou a ideologia Marxista-Leninista,
orientada por princípios e valores socialistas. Alinhado a esses prin-
cípios, o sistema de educação foi usado como um meio para criar um
Homem Novo, como atrás nos referimos, e assim proporcionar uma
espécie de Revolução Cultural, em que seriam postas de parte todas
as práticas tradicionais e culturais consideradas atos e pensamentos
obscurantistas, negativas e supersticiosos.
Ora, isso veio a criar muitos choques entre as comunidades e a
liderança do país. Para se tentar conseguir a implementação das novas
políticas do estado, foram usados certos métodos que aumentaram o
fosso entre o povo que se queria ao lado do governo e este, mais pela
pressão da guerra civil.
As desistências escolares verificam-se mais nas meninas e em
áreas rurais, em razão de casamentos e gravidezes prematuros fre-
quentes, fenômeno chocante que coloca Moçambique nos dez primeiros
lugares a nível mundial.

MÉTODO

Para a concretização dessas reflexões, tivemos que usar pesquisa


bibliográfica e análise de documentos, para além de recorrermos a um
conjunto de apontamentos obtidos em nossas participações em semi-
nários nacionais e regionais, Conselhos Coordenadores do Ministério
da Educação e Reuniões Nacionais deste Ministério.
A metodologia usada para este trabalho se deu com base nas per-
cepções de vários atores ligados à gestão na educação, como quadros
do Ministério de tutela, alguns professores, pais e encarregados de
educação. Por outro lado, usou-se o método qualitativo para os dados
quantitativos obtidos e usados para análise e compreensão do contexto
dos diversos atores.
A evolução da população em Moçambique tem tido um cres-
cimento muito rápido desde o início da década de 1990, altura em

67
Política educacional em Moçambique

que cessaram as hostilidades entre as tropas governamentais e as da


RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), movimento que se
tornou em partido político, sendo de momento o segundo maior partido
com assento parlamentar, depois da FRELIMO (Frente de Libertação
de Moçambique), o partido no governo.
Segundo o Gráfico 1, de 1997, altura em que a população foi esti-
mada em mais de 16,1 milhões de habitantes, quase que triplicou no
período de 30 anos, atingindo os 28,9 milhões em 2017.
1980 12.1
Gráfico 1 - Evolução da população total em milhões de 1997 a 2017
1997 16.1
2007 20.5 2017, 28.9
2017 28.9

2007, 20.5

1997, 16.1

1980, 12.1

1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020

Fonte: INE, 2017

Como nos referimos atrás, o sistema de ensino em Moçambique,


dividido em público e privado, comporta os níveis Primário, Secundário,
Técnico e Superior. Mais de 90% das escolas são públicas, o que, de
certo modo, faz com que toda a tendência do país que dependa da
educação seja pela forma como as políticas de educação são definidas
e implementadas, tendo como indicadores os resultantes das escolas
públicas.

68
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

OBJETIVOS GERAIS DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Segundo o programa quinquenal do Governo (1995-1999), a polí-


tica nacional de educação deve assegurar o acesso à educação a um
número cada vez maior de usuários e de melhorar a qualidade dos
serviços prestados em todos os níveis e tipos de ensino. E com isso,
seria intenção do Governo massificar o acesso da população à educação
e oferecer uma educação com uma qualidade aceitável, ou seja, uma
educação com um conteúdo adequado e um processo de ensino-apren-
dizagem que possa promover a evolução contínua de conhecimentos,
habilidades, competências, atitudes e valores, com vistas a satisfazer
as necessidades da sociedade.
Assim, para que toda essa vontade política expressa seja alcan-
çada, o Governo estabeleceu objetivos gerais e específicos do Sistema
Nacional de Educação, como:

a) Erradicar o analfabetismo de modo a proporcionar a todo o


povo o acesso ao conhecimento científico e o desenvolvimento
pleno das suas capacidades;
b) Garantir o ensino básico a todos os cidadãos de acordo com o
desenvolvimento do país através da introdução progressiva
da escolaridade obrigatória;
c) Assegurar a todos os moçambicanos o acesso à formação
profissional;
d) Formar cidadãos com uma sólida preparação científica, téc-
nica, cultural e física e uma elevada educação moral, cívica e
patriótica;
e) Formar o professor como e profissional consciente com pro-
funda preparação científica e pedagógica, capaz de educação
jovens e adultos;
[...]
i) Educar a criança e o jovem na prevenção e combate contra
as doenças, particularmente o SIDA e outras de transmissão
sexual.

69
Política educacional em Moçambique

Quanto às especificidades para a garantia de implementação do


SNE, à luz do subscrito na Conferência de Jomtien (1990), destacamos
aqui o aumento do acesso e da acessibilidade, focalizando as dispari-
dades do gênero entre as províncias e, dentro destas, entre as zonas
urbanas e rurais, por meio da definição de normas da carta escolar.
Em um panorama exemplificativo de frequência do ensino secun-
dário em 2013, em percentagens e por gênero, temos o quadro 1.

Quadro 1 - Moçambique: Proporção do Total de rapazes e raparigas que


frequentaram o ensino secundário, por região (%), em 2013
Região Rapazes Raparigas
Niassa 13 13
Cabo Delgado 8 9
Nampula 14 16
Zambézia 5 10
Tete 9 13
Manica 21 29
Sofala 17 25
Inhambane 31 28
Gaza 26 22
Maputo Província 44 38
Maputo Cidade 56 51
Fonte: Cartaz de Dados sobre a população de Moçambique, 2013. Disponível em: www.prb.org/
pdf13/mozambique-population-datasheet-2013.pdf. Acesso em: 01 fev. 2023.

Do Quadro 1 é notório o maior número percentual de meninas nas


regiões Centro e Norte do que no Sul. Em nossas reflexões, levamos em
conta os aspectos socioculturais nas diversidades moçambicanas. Para
o caso dos números na tabela, isso pode se dever ao estilo de gestão
das sociedades do Norte e parte do Centro, que são mais matriarcais,
em que a mulher e mãe atual está atenta aos apelos em educação para
o futuro das mulheres, tornando-as mais autônomas e capazes na eco-
nomia e nos cuidados da saúde.
Usou-se também como método de pesquisa o banco de dados do
SciELO, com a consulta a certos artigos sobre educação em Moçambique,

70
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

além do Google Académico, na DIALNET, SCOPUS e demais websites


que se referissem ao tema.
Baseamo-nos também nos dados do MINEDH até ao ano de 2016,
dados esses que são coletados anualmente nas escolas, espólio que tem
auxiliado em muito ao ministério na sua planificação pontual.
Dado o espaço temporal de 10 anos para o censo geral, os dados
do INE são referentes até ao ano de 2007, sendo daí em diante meras
projeções.

RESULTADOS

O Quadro 2 mostra a população total por sexo e densidade popu-


lacional por província em 2014, e dele podemos inferir que as províncias
de Nampula e Zambézia, pelo fato de registarem o maior número no
global e com maior crescente para o gênero feminino, tenderão certa-
mente a ter mais estudantes mulheres que homens.

Quadro 2 - População em idade escolar (6-12anos) por sexo, segundo província,


Moçambique 2014.
Província Total Homens Mulheres
País 4 931 788 2 454 208 2 477 579
Niassa 306 288 152 009 154 279
Cabo Delgado 357 834 177 619 180 215
Nampula 937 216 467 745 469 472
Zambézia 947832 473 533 474 299
Tete 500 169 248 901 251 268
Manica 392 280 194 028 198 252
Sofala 411 917 204 951 206 966
Inhambane 308 160 152 375 155 786
Gaza 285 169 142 803 142 366
Maputo Província 293 367 145 105 148 262
Maputo Cidade 191 555 95 140 96 415
Fonte: INE 2010, Projeções Anuais da População Total, Urbana e Rural 2007-2014.

71
Política educacional em Moçambique

A política de governo adotada logo após a independência foi a


de considerar todas as práticas populares na expressão da cultura das
comunidades e tradicionais obscurantistas e inapropriadas para uma
sociedade que se desejava moderna, socialista e progressista. O foco
foi, com base em um sistema de educação, criar um Homem Novo, sem
preconceitos e chegando até a adaptar o sistema de educação aplicado
nas zonas libertadas, áreas sob o controle do movimento da Frente de
Libertação de Moçambique durante a luta de libertação nacional.
Ora, esse afastamento dos valores tradicionais, das práticas que
poderiam complementar a educação formal, pode ter trazido um retar-
damento da implementação do Sistema de Educação definido em 1993,
mais no que se refere à normal integração das meninas na escola de
um modo contínuo.
Com ênfase nas zonas rurais, as desistências à escola são
muito elevadas a partir do 2º Grau do Ensino Primário, não obstante
o programa quinquenal do Governo (1994-1999) enfatizar nos seus
objetivos o “aumento do acesso através da redução das taxas de repe-
tências e abandono e da melhoria das condições socioeducativas da
aprendizagem”.
Pelo Quadro 3 é notório o decréscimo de alunas nas fases seguin-
tes da escolaridade. Nas classes iniciais do 1º Grau do Ensino Primário
não se percebe muita diferença de número de alunos entre meninos
e meninas. Contudo, nas classes finais do mesmo nível de ensino, a
percentagem das meninas tende a baixar com desequilíbrios acentua-
dos entre as províncias. Os fatores mais determinantes são de carácter
socioeconômico, pois, como atrás apontado, quando as jovens ultra-
passam a fase de adolescência e por todos os trâmites tradicionais
das cerimônias dos ritos de iniciação, existe por parte da família uma
passividade perante o absentismo às aulas. Por outro lado, essa situação
é encorajada pela fraca condição econômica da família, face às várias
despesas escolares, desde o material didático à farda, para além do fator
corrupção por parte de alguns professores, que exigem pagamento para
permitir a transição de classe.

72
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

Quadro 3 - Crescimento de alunos por nível e sexo 2000-2010


2000 2003 2007 2010
Nivel VariaçãoHM
HM %M HM %M HM %M HM %M
Ensino
2582560 42.9% 3314763 46.5% 4641665 46.5% 5352062 47% 61%
Primário

ESG -
129278 40.5% 235811 40.7% 514324 43.3% 728497 46.2 209%
1°Ciclo

ESG -
19348 39.1% 38192 39.3% 95779 40.7% 179608 43.1% 370%
2°Ciclo

AEA (1° 3°
478030.00 56.4% 674934 61.8% 680455 64% 42%
ano)*

Ensino
20136 27.9% 23602 27.8% 40214 29.8% 45679 33.2% 94%
Técnico

Ensino
22256 31.6% 81250 37.9 265%
Superior**
*Os dados referidos aos programas de AEA apenas incluem os programas formais do Ministério. As
actividades de educação não formal não estão incluídas, como são os casos da Alfa – Rádio, Alfalit,
Felitamo, Família sem Analfabetismo, Reflect e Alfabetização em línguas nacionais, cuja cobertura
estatística terá início em Janeiro de 2011. Os últimos dados referem-se a 2009.
**Os dados de coluna de 2003 referem-se e os da coluna de 2010 referem-se a 2009.
HM: Total de alunos (ambos os sexos).
%M: Percentagem de alunos do sexo feminino.
Fonte: INE, 2017

Nas famílias rurais, e mesmo nas urbanas, as meninas em idade


escolar é que são as donas de casa, responsáveis por todos os trabalhos
domésticos na preparação das refeições, lavagem da roupa, limpeza da
casa e cuidados para os irmãos mais novos, que chegam a ser de seis ou
mais. Por essa carga de trabalho doméstico, muito pouco tempo sobrará
para a preparação das aulas, brincadeiras (porque, efetivamente, ainda
são crianças), acesso à água em locais distantes, de maneira que o fim
do dia se caracteriza por cansaço.
Para mitigar a situação de abandono escolar por parte das meni-
nas e promover a igualdade e equidade no acesso à educação, o Governo
tem tomado certas medidas, como:

• Criação de um ambiente escolar sensível ao género,


através da identificação e definição das modalidades de

73
Política educacional em Moçambique

organização do processo educativo e de mudanças nos


programas de formação de professores;
• Sensibilização da sociedade para a redução da carga de
trabalho doméstico das raparigas, providenciando o acesso
à água e a diminuição dos gastos em combustível lenhoso
através de utilização de fogões melhorados;
• Estabelecimento de acordos com ONGs, confissões reli-
giosas e outros parceiros, para envolvimento destas na
execução do programa de educação da rapariga.

Mesmo diante desse cenário de cooperação com os parceiros, a


gestão escolar não está preparada para aceitar atores que não sejam
diretamente ligados ao ministério de tutela, porque ainda existe
muita tendência de gerir a escola em função da política partidária,
por meio da instrumentalização dos alunos e das alunas, assim como
dos professores.
A obtenção de dados estatísticos de educação é feita por meio de
fontes administrativas do Ministério de Educação e Desenvolvimento
Humano, de censos e inquéritos realizados pelo INE. Periodicamente,
o MINEDH realiza dois censos escolares por ano, sendo um no início
do ano escolar e outro no final do ano letivo, abrangendo todos os
níveis e tipos de ensino.
Pelos dados de 2013-2014 do MINEDH, mais de 90% das escolas
primárias são do ensino público, e no nível secundário as públicas são
mais de 70%, tendo havido neste caso um acréscimo das privadas.
De acordo com o Gráfico 2, existem mais escolas de ensino pri-
mário do primeiro grau no país do que nos restantes níveis.

74
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

Gráfico 2 - Número de escolas públicas por nível de ensino, Moçambique


2013-2014
EP1
14000 EP2 ESG1 ESG2
2013 11457 4587 458 174
12000
2014 11742 5086 458 470
10000

8000

6000

4000

2000

0
EP1 EP2 ESG1 ESG2
2013 11457 4587 458 174
2014 11742 5086 458 470

Fonte: MINEDH, Levantamento Escolar 2013 e 2014

Analisando as escolas privadas por nível de ensino, pelo Gráfico


3, nota-se certo equilíbrio na sua distribuição, com cerca de 31% para
EP1, 24% para EP2, 26% para ESG1 e 19% para ESG2.

Gráfico 3 - Número de escolas privadas por nível de ensino, Moçambique


2013-2014
200 2013 2014
EP1 180 182 180
EP2 160 137 144
ESG1 140 151 156
ESG2 120 99 109
100
80
60
40
20
0
EP1 EP2 ESG1 ESG2
2013 182 137 151 99
2014 180 144 156 109

Fonte: MINED, levantamento Escolar, 2013 e 2014

75
Política educacional em Moçambique

De norte a sul do país tem-se verificado um aumento de escolas


privadas. Segundo a opinião de muitos pais e encarregados de edu-
cação, isso se deve à ideia de que nos últimos anos o ensino público
não tem oferecido a qualidade desejada, acontecendo muitos casos de
transferência para as privadas ao meio do ano escolar.
Pelas estatísticas do MINEDH de 2014, as províncias de Nampula
e Zambézia apresentam maior número de escolas do ensino primário
público, 4.236 e 2.940 respectivamente (Gráfico 4). Este número pode
estar relacionado ao fato de essas serem as províncias mais populosas
do país e, consequentemente, apresentarem maior efetivo em idade
escolar (6-12 anos), enquanto Maputo Província e Maputo Cidade são
as que têm menor número de escolas a nível do país.

Gráfico 4 - Escolas Públicas do Ensino Primário por Província, Moçambique 2014


EP1 EP2
CidadeNiassa
Maputo 101 93
Cabo Delgado
Maputo 459 285
GazaNampula 717 328
Inhambane
Zambézia 781 652
Sofala Tete 816 339
Manica Manica 739 347 EP2

Tete Sofala 1099 332 EP1


Zambézia
Inhambane 3068 1168
Nampula Gaza 2071 869
Cabo Maputo
Delgado 902 387
Niassa
Cidade Maputo 989 276
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500

Fonte: MINEDH, Levantamento Escolar, 2014

O aumento da cobertura escolar tem como objetivo assegurar que


todas as crianças de 6 a 12 anos de idade, ou seja, as crianças em idade
escolar, frequentem o ensino primário. O Gráfico 5 mostra o número
de alunos matriculados total e por sexo no ensino público. O número
de matriculados tende a aumentar na atualidade para ambos os sexos.
Porém, em contrapartida, o país está num déficit de 11 mil escolas e,
em muitas das existentes, os alunos sentam-se no chão por falta de
carteiras.

76
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

Gráfico 5 - Número de alunos matriculados no ensino primário público por sexo,


Moçambique 2013-2014 (em milhões).
Homens
6 Mulheres Total
2.9 2.6 5.5
5
3 2.7 5.7
4

0
Homens Mulheres Total
2013 2.9 2.6 5.5
2014 3 2.7 5.7

Fonte: MINED, Levantamento Escolar 2013 e 2014

Como atrás nos referimos, muitos dos alunos matriculados no


nível primário não prosseguem os estudos porque, para além das razões
já indicadas, como os ritos de iniciação, custos do material escolar, ati-
vidades domésticas, existe também o fator distância. Algumas crianças
das zonas rurais têm que percorrer mais de 5 quilômetros para chegar
à escola mais próxima. Essa razão constitui também o motivo da fraca
prestação dos professores nas zonas rurais, para além das diminu-
tas condições de trabalho que lhes são oferecidos, como o salário e a
logística.
Relação aluno por turma é a relação entre o número de alunos
matriculados e as turmas existentes, isto é, o número médio de alunos
que podem estar dentro de uma sala de aulas. Para melhorar a qualidade
da educação não é suficiente apenas ter a relação aluno-professor, o que
é recomendado pela UNESCO. Para haver essa garantia, é necessário
que existam turmas suficientes para o efeito.
Assumindo que uma turma está para um professor, pode-se
constatar que as escolas privadas têm, em média, menos alunos por
turma comparadas ao ensino público, estando elas muito próximas de
atingir números recomendados pela UNESCO, de aproximadamente de

77
Política educacional em Moçambique

50 alunos para um professor no ensino primário e 40 a 45 alunos no


ensino secundário (Gráfico 6).

Gráfico 6 - Relação aluno por turma por nível de ensino, Moçambique 2014
70
Público Privado
EP1 60 52.9 40.1
EP2 50 46.8 36.4
ESG1 40 65.8 47.9
ESG2 30 65.2 39.5
20
10
0
EP1 EP2 ESG1 ESG2
Público 52.9 46.8 65.8 65.2
Privado 40.1 36.4 47.9 39.5

Fonte: MINED, Levantamento escolar, 2024

Nota-se, portanto, que o ensino privado apresentou relação ótima


do número de alunos por turma em quase todos os níveis, com exceção
do Ensino Secundário Geral do primeiro ciclo.

INDICADORES DE COBERTURA ESCOLAR

Os indicadores de cobertura refletem a qualidade, deficiência,


limitação do Sistema Nacional de Educação, visando melhorá-lo e asse-
gurando que a população em idade escolar esteja inserida no sistema.
A taxa bruta de admissão é a proporção entre o total de alunos
que frequentam a 1ª classe pela primeira vez e a população com idade
escolar oficial (6 anos). A taxa bruta de escolarização no EP1 é a pro-
porção entre o total de alunos a frequentar o EP1 e a população do
grupo etário oficial (6-10 anos).
A taxa líquida de escolarização está na relação entre os alunos
que frequentam o EP1 com idade de 6 aos 10 anos e a população dessa
mesma idade.

78
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

Gráfico 7 - Indicadores
Indicadores de cobertura
de cobertura escolar noescolar no Ensino
Ensino Primário Primário
Público do 1ºPúblico
grau. do
1° grau, Moçambique
Moçambique 2014 2014

Taxa Líquida de escolarização

Taxa bruta de escolarização

Taxa Bruta de Admissão na 1°Classe

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200


Taxa Bruta de Admissão na 1°Classe Taxa bruta de escolarização Taxa Líquida de escolarização
HM 173,6 132,2 101
M 167,1 125,7 98,1
H 180,2 138,7 104

Fonte: MINED, Levantamento escolar, 2014

Os indicadores de cobertura (Gráfico 7), com exceção das taxas


líquidas das mulheres, apresentaram taxas acima de 100%, fato que
se deve ao número de alunos inscritos fora da idade correspondente à
classe. As taxas líquidas de escolarização estão abaixo de 100, o que
significa a existência de alunos com idade oficial para estudar ainda
fora do sistema de educação, o que pode estar associado à deficiência
da rede escolar em responder à demanda por vagas. Por outro lado,
muitos pais, tanto no meio rural quanto no urbano, não têm os filhos
registados na conservatória, ou por falta de condições financeiras, ou
mesmo porque eles próprios ais não possuem documentos de iden-
tidade. Considerando que em cada família existem em média 5 a 6
crianças, esse número influencia em grande escala as estatísticas do
sistema de educação com a população do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno da globalização afeta em grande medida as políticas


públicas de uma nação e, nesse contexto, o setor da educação é atingido
grandemente pela necessidade de se disponibilizar conhecimento ade-
quado e atualizado para as sociedades. Nesse sentido, a noção de políti-
cas públicas deve dizer respeito a uma construção coletiva, envolvendo
o Estado e a sociedade civil. As políticas da educação devem construir

79
Política educacional em Moçambique

no seio dos protagonistas da comunidade escolar a descentralização e


a autonomia das escolas, de forma dialética e consensual.
Para que as escolas desenvolvam suas reais capacidades de ges-
tão, os fazedores das políticas públicas não devem impor com decretos,
circulares e outras formas de comunicar normas e regras do modelo,
de cima para baixo, sem observar a realidade de cada região, porque
os fatores socioculturais podem ter um papel muito importante para
adequar a formação das crianças, quando adotadas convenientemente
e em harmonia com as condições gerais.
Em Moçambique, as políticas educacionais mudam constan-
temente em decorrência da importação de modelos, o que por vezes
não dá tempo para a devida avaliação do modelo anterior imposto.
Geralmente, cada governante da educação pelo novo governo procura
introduzir um novo modelo por considerar que o seu é melhor que o
anterior, mas quatro anos constituem muito pouco tempo para uma
implementação eficaz na educação.
A falta de meios didáticos, no caso de laboratórios no Ensino
Secundário Geral, muito influencia na formação de alunos com defi-
ciências em conteúdo. O MINEDH justifica a falta desses meios do
seguinte modo:

[...] embora não se tenha informação fiável através do orça-


mento e do relatório de execução do orçamento, estimativas
do sector indicam que a maior parte da despesa (cerca de 90%)
no ensino secundário é destinada ao pagamento de salários.
Isto significa que foram feitos poucos investimentos, princi-
palmente em termos de equipamentos (laboratórios e as TICs)
e materiais didácticos. (PEE, 2012-2016, p.88 a 89).

Ainda, no que toca à falta de infraestruturas adequadas, ou


mesmo inexistentes, o Ministério da Educação de Moçambique afirmou,
nos seguintes termos: “aspectos como infraestruturas degradadas,
falta de bibliotecas nas escolas secundárias, aliados a equipamentos

80
Políticas de educação em moçambique: a educação e as dinâmicas socioculturais na era pós-colonial

laboratoriais obsoletos, contribuem para a fraca qualidade nas escolas”


(E.P.T, 2015, p.7).
O atual sistema educacional de Moçambique não atende com
qualidade à exigência da democratização, em que todas as crianças
têm o direito à educação e de modo equitativo e inclusivo.
O Estado quase que abdicou do papel de proporcionar uma edu-
cação condigna aos cidadãos em termos de infraestruturas e material
didático, direcionando essa responsabilidade ao ensino privado e aos
doadores internacionais. Essa situação remete atualidade do sistema de
educação em Moçambique à fase do modelo com dualidade educacional,
isto é, escola de ensino precário para as classes menos desfavorecidas
e escolas eficientes paras as famílias da classe elite.
A formação de professores está desajustada em relação a planos
e programas do próprio Ministério da Educação, deixando esses pro-
fissionais à deriva e, muitas vezes, sem apoio, nos meios rurais.

REFERÊNCIAS
BASTOS, J.; DUARTE, S.; GURO, M. A perspectiva samoriana de
desenvolvimento da educação: a formação do Homem Novo e o processo
de massificação em Moçambique (1975-1992). In: 30 ANOS COM
SAMORA REFLECTINDO SOBRE A EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE. Xai-
Xai, 2016.

BONDE, R. Políticas Públicas e Qualidade de Ensino em Moçambique:


Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2016.

CASTIANO, J. P. Educar para quê? As Transformações no Sistema de


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82
Os desafios da educação tradicional em
Moçambique e a globalização cultural
Wilson Profirio Nicaquela

INTRODUÇÃO

Escolhi o tema para este modesto texto, que poderá ser colocado
ao dispor de professores e alunos de todos os subsistemas de ensino,
acadêmicos e, sobretudo, os universitários. O eixo central são as nar-
rativas sociais, partilhadas intencionalmente nas diversas formas de
educação tradicional entre os macuas. A ideia de escrever sobre este
tema emerge da curiosidade intrínseca sobre algumas formas que
caracterizam esse modelo de educação e sua constante “coisificação”.
Alguém pode se questionar sobre a relevância da minha preocu-
pação e a necessidade de grifar nos princípios deste texto. Sem limitar
os outros entendimentos que possam emergir, a razão, creio, embora
tenha sido intuitivamente, foi uma experiência da educação aborígene
que tive recentemente, num trabalho de recolha de narrativas com um
ancião no Distrito de Monapo, em junho de 2018. Ao longo da conversa,
ele encontrou uma ocasião para me relatar o seguinte: “quem procura
saber a direção de um caminho não segue pegadas que conduzem ao
cemitério, apenas demora a chegar ao seu destino devido as paragens
espontâneas para se informar melhor”.
Receio escrever com uma tonalidade de arrogância sob pena de
ser julgado pelos princípios culturais dos quais sou muito fiel. Não
há maior violência psicológica entre os macuas, que eu saiba, que eu
tenha conhecimento, capaz de suplantar a avaliação extraordinária,
rotulando nossas atitudes em assemelharem-se àquelas de “um que

83
Política educacional em Moçambique

não foi dançado”, ou seja, ao ser dito, parece não ter sido submetido aos
Ritos de Iniciação, é um ato pejorativo que não só afeta ao visado, mas
também deprecia os pais, os padrinhos e conselheiros que estiveram
em serviço no seu grupo.
Durante esse embaraço psicológico, sinto-me fortalecido por
saber que os grupos a que se destinam este texto, professores, alunos,
acadêmicos e, particularmente, os universitários, são férteis para criar
dúvidas e debates, sem se fixar na idade de quem reflete ou escreve,
embora seja um indicador necessário. Aliás, a própria educação aborí-
gene, ora coisificada, deixa-se questionar, colocando em crise algumas
formas de aquisição de conhecimentos, outrora considerados definiti-
vos. O exemplo mais comum nessa prática reside em alguns provérbios,
e um deles diz: ver as coisas e por conseguinte saber delas não é sinônimo
de longevidade de vida, mas porque acontecem ou aconteceram no nosso
meio.

A COMPLEXA CONVIVÊNCIA COM A EDUCAÇÃO TRADICIONAL

A educação tradicional é uma complexidade. Segundo Morin


(2013), o ser complexo não significa ser difícil. Ou seja, o desconhe-
cimento, a multiplicidade, a impopularidade ou a estranheza não são
imediatamente sinônimos de dificuldades, pelo contrário, podem ser
um meio para a “ancoragem” de novas realidades. Quando falamos
da educação tradicional entre os macuas a priori, ocorre o conceito de
Ritos de Iniciação (RI). Estes, para uns, se resumem à educação para
o casamento prematuro, à educação para a promiscuidade sexual,
à educação para a violência doméstica ou à submissão da mulher
(LOFORTE, 2015).
Outros entendem os RI como práticas e séries de acontecimen-
tos considerados marcantes e sagrados. Eles variam de acordo com os
grupos sociais mesmo dentro da mesma comunidade. Martinez (1989)
elenca uma série de acontecimentos entre os macuas considerados
ritos, pois com eles se ensina e se aprende: O nascimento, o casamento,

84
Os desafios da educação tradicional em moçambique e a globalização cultural

a morte, a gravidez, a menstruação primária ou menarca, a primeira


ejaculação (virilidade), a morte, a doença.
Portanto, os ritos não começam nem terminam onde os “outros”
entendem. Sobretudo, o entendimento perverso do significado desses
eventos sociais é meramente irrisório. Os conteúdos ensinados e apren-
didos nos “verdadeiros ritos” não se restringem nem ao que Martinez
esforçou-se em esclarecer. Os ensinamentos desse modelo formativo,
como escreve Viegas (2012), são categorizados, embora ensinados de
forma integral.
A experiência sugere a existência de muito exercício de ensino e
aprendizagem para a vida em diferentes momentos da educação tradi-
cional, os quais os “outros” preferem rotular como Ritos de Iniciação.
Na verdade, se os temas forem tratados, analisando isso de forma
isenta, pode-se constatar que neles predominam lições de Moral, de
Agricultura e de Pecuária, de Caça e de Pastorícia, de História e de
Geografia. Aprende-se a Retórica e a Eloquência na solução de proble-
mas sociais. São tantos que não se importam em aprofundar as lições de
cuidados com a Natureza e do Meio Ambiente, dos recursos estilísticos
(com base em zoonarrativas), entre outras áreas.
Esse posicionamento não visa glorificar ou santificar todas as
fases da Educação Tradicional. A semelhança da educação escolar, o
acesso a esses conteúdos, contribui sobremaneira para a inclusão ou a
exclusão da pessoa em alguns fóruns sociais. Como escrevem Bourdieu
e Passeron (1977), citados por Carvalho (2004, p. 13), “a escola é res-
ponsável pela reprodução das desigualdades sociais, e culturais, pois
interfere nas crianças, introduz um modelo padrão numa diversidade
socioeconómica e cultural”.
Contudo, a discussão atual sobre os RI está exclusivamente
assente à educação feminina e, de modo particular, aos ensinamentos
da última fase (Ikano), cuja essência é o enriquecimento do ambiente
conjugal, evidenciando “a manipulação excessiva dos órgãos genitais”,
um processo que envolve o uso de “embalsamantes” preparados na

85
Política educacional em Moçambique

base de plantas nativas. Os autores das críticas justificam o fato de


esse ritual não se restringir ao verbo e ser acompanhado pela prática,
ao mesmo tempo em que se dá uma explicação profunda sobre as van-
tagens do alongamento do clitóris.
Porém, a riqueza dos Ritos de Iniciação não mora nessas men-
sagens e exercícios. E é menos digno fazer avaliação pela aparência
como sempre foi e está sendo feita pelos avaliadores. Não se dão conta
do poder pedagógico e moral que os RI incutem tanto nas mulheres
como nos homens. O iniciado aprende a ser solidário, honesto, corajoso,
sincero e, acima de tudo, ganha a maturidade psicológica.
Curiosamente, há pouco questionamento sobre o uso de provér-
bios e metáforas na educação para a vida. O esquecimento ou a igno-
rância, que provavelmente reside nos supostos avaliadores externos dos
RI, é o caráter integral e pragmático desse modelo educativo (GOLIAS,
1993; VIEGAS, 2012). Essa pressão vulgariza de forma depreciativa
os RI. Muitas vezes, os atributos sobre eles são construídos sem uma
análise crítica. Tem sido na base da sugestão social. Em razão da vul-
garização, em cada um emerge a pseudopercepção e, ultimamente,
todos pensamos que temos conhecimentos sobre eles.
Neste texto, não falo dos RI de forma exclusiva, ou seja, não
entro em detalhes sobre as cerimônias centrais que marcam a transi-
ção da infância para a vida adulta dos meninos ou das meninas. Aliás,
fiz referência a isso na parte introdutória deste texto, embora fale de
alguns aspectos parciais tratados em tais eventos.

A EDUCAÇÃO MORAL AUTÓCTONE E AS CONTRADIÇÕES


COM A MODERNIDADE

A Educação moral é um dos pontos centrais do modelo autóctone


de educação tradicional, ou seja, todos ensinamentos são orientados
para o bem-servir ao grupo social no qual o sujeito é potencialmente
aspirante ou membro ativo. O indivíduo é educado para “fazer o
bem e evitar o mal”. Os exemplos são colossais e a sua relevância ou

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Os desafios da educação tradicional em moçambique e a globalização cultural

constância variam de acordo com o grupo praticante. Por culpa das


transformações sociais que Moçambique vive desde o tempo da guerra
dos 16 anos, aceleradas pelas conjunturas socioeconômica, política e
cultural, a moral ficou refém da repressão a que a educação tradicional
esteve sujeita. Temos a obrigação de lembrar que a opressão acontece
diversas formas, isto é:

[...] não há um princípio único de transformação social, e


mesmo aqueles que continuam a acreditar num futuro [de
cultura pós-moderna] veem-no como um futuro possível, em
concorrência com outros futuros alternativos. Não há agentes
históricos únicos nem uma forma única de dominação. São
múltiplas as faces da dominação e da opressão e muitas delas
foram irresponsavelmente negligenciadas pela teoria crítica
moderna (Santos, 2011, p. 27).

Pensamos erroneamente e construímos críticas em volta do


passado, acreditando sem fundamentos que as realidades impostas
no pós-colonialismo, por exemplo, fossem meramente “populistas”.
No mundo inteiro e durante longos anos, as políticas públicas busca-
vam sua inspiração em alternativas propostas pelo paradigma crítico
ao capitalismo. (SANTOS, 2011). Concordo com Santos, para depois
encerrar que as imposições sobre a nossa educação tinham uma base
científica que suportava a ideologia vigente.
A oscilação ou inconsistência a que a educação autóctone esteve
sujeita desde o colonialismo contribuiu, sem dúvidas, para a degradação
dos valores morais a nível nacional. Não temos tido muito esforço para
explicar tacitamente a relação entre o modelo de produção das potên-
cias imperialistas e suas políticas públicas nos territórios ocupados.
Portanto, o desprezo, a secundarização ou coisificação das práticas
locais objetivavam responder a agendas dos patrocinadores da econo-
mia capitalista sem grandes embaraços dos nativos.
Bauman (2008) refere que a ideia dos financiadores do projeto
capitalista de ocupação efetiva pretendia realizar a redistribuição de
poder, e isso implica uma intenção de desapossar o poder de resistência,

87
Política educacional em Moçambique

capaz de ser contornado com relativa flexibilidade. O reconhecimento


desse deslize não é recente, a introdução da Disciplina de Educação
Cívica Moral no Ensino Básico, desde 2004, é um esforço que visa travar
o rumo que o país toma, sobretudo entre os adolescentes e jovens, não
excluindo os adultos. (MINED, 2004).
Como escreveu Mia Couto no seu discurso proferido no âmbito
do título honorifico conferido pela Universidade Politécnica, a crise
de valores morais em Moçambique é uma realidade amplamente
reconhecida:

Este é um assunto sobre o qual temos um imediato consenso


nacional. Todos estão de acordo, mesmo os que nunca tive-
ram nenhum valor moral. E até os que tiram vantagem da
imoralidade, até esses, depois de lucrarem com a ausência
de regras, se queixam que é preciso travar a falta de decoro.
(COUTO, 2015, s/p).

A Educação autóctone é uma excelente fonte de promoção de


valores morais e de cidadania com base nas metáforas sociais, de
maneira que o sujeito é posto constantemente em reflexão sobre a vida
individual e coletiva. Portanto, a pedagogia coletiva típica da educação
tradicional constitui a estratégia de perpetuação dos saberes locais,
mas que podem ser universalizados. Segundo Nerici (1989), a educação
atua sobre o indivíduo, o indivíduo atua sobre o grupo e, este último,
sobre a sociedade. É impossível que um educador atue diretamente
sobre a sociedade, e ela tem a estrutura que precisa dessas atuações
singulares.
As experiências partilhadas justificam o caráter prático da edu-
cação aborígene e tradicional. Quem narra uma estória transmite um
conhecimento, uma aprendizagem da qual os destinatários se apro-
priam naturalmente. É uma aprendizagem para a vida. Ela é ensinada e
aprendida “em forma de moral, de advertência, de um conselho, coisas
com que hoje não sabemos o que fazer de tão isolados que estamos
cada um em seu mundo particular e privado” (GAGNEBIN, 2014, p.11).

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Os desafios da educação tradicional em moçambique e a globalização cultural

Embora haja esse entendimento errôneo na educação tradicional,


as lições não terminam com coações nem trabalhos. Ninguém age para
que a sua experiência seja vista como modelo único, o narrador faz seus
ouvintes ou destinatários perceberem sua mensagem, perceberem a
existência de outras estórias e a possibilidade de serem compartilha-
das por si ou por pessoas que tenham domínio quando estes acharem
conveniente.
A educação moral autóctone proporciona uma aprendizagem
lúdica. Os aprendizes que, em regra, sentam-se em volta da lareira no
inverno ou à luz do luar no verão para deliciarem-se com as experiên-
cias geralmente compartilhadas ou orientadas por uma pessoa mais
velha, com larga experiência, que servem de bússola dos aprendizes
ou dos monitores sociais (jovens com algum conhecimento sobre os
temas).
São estes experientes que enriquecem a cultura local, na saga-
cidade ou na informalidade. Não se trata de ser homem ou mulher,
analfabeto ou erudito, urbano ou rural, e sim de alguém do qual o pen-
samento pensa sobre o que pensa. Trata-se de alguém com um poder
intelectual apurado (não significa ser cientista). Os conhecimentos
desse gênero não estão na academia, mas precisam ser trazidos para
ela e por meio dela (MAZULA, 2008; CASTIANO, 2010, 2015).
A seguir, apresento exemplo de uma metáfora social na educação
moral que registrei no âmbito de uma pesquisa por mim realizada,
no distrito de Monapo, em julho de 2018, cujo texto foi apresentado
em jornadas Científicas da Faculdade de Educação e Comunicação da
Universidade Católica de Moçambique:

A IMPALA, O LEOPARDO E O COELHO

Esta metáfora é contada da seguinte maneira:

[...] um dia na selva, o leopardo surpreendeu uma


impala e começou com a perseguição. Devido ao
poder mecânico que o leopardo apresenta (altas

89
Política educacional em Moçambique

velocidades) a impala pensou rápido, correu em


direção às extremidades dum capim alto, atirou-se
e virou a cabeça para o lado donde vinha correndo
o predador. Bem perto, estava um coelho assistindo
a violenta perseguição. Quando o leopardo aproxi-
mou-se da impala, saltou sobre os chifres altos. O
leopardo pendurado sobre os chifres, faz uma per-
gunta ao coelho, que estava ali indiferente: Olha, não
viu uma impala passar por aqui correndo? Ao invés
de responder à primeira, com afirmação ou negação,
o coelho colocou-se aos risos e todo empoeirado. O
leopardo, incrédulo da atitude do coelho, faz outra
pergunta: de que se ri? Nesta, o coelho responde com
dignidade solidária para ambos os animais, ou seja,
nem beneficiou e muito menos prejudicou a um deles
ao dizer: meu irmão, essas coisas quando estão nas
nossas mãos, não conseguimos ver…

FINALIDADE MORAL DA ESTÓRIA

Nesta narrativa, o recontador fez um desfecho sobre o significado


moral da estória, ou seja, o que ela representa no contexto da formação
da personalidade humana, baseada em contextos aborígenes e tradi-
cionais entre os macuas. Assim, esse “zoonarrador” deu as seguintes
considerações:

• Ninguém é muito forte e autossuficiente que não precise


apoio de terceiros;
• Nossas decisões podem nos salvar em uma situação emba-
raçadora, ou que coloca em perigo nossa própria vida e a
dos outros;
• Por vezes, quem guarda nossos segredos são indiví-
duos com que nunca compartilhamos ideias ou relações
interpessoais;
• É muito fácil notar o defeito e/ou erro praticado pelos
outros a nossos próprios defeitos ou erros;

90
Os desafios da educação tradicional em moçambique e a globalização cultural

• Quando notar que o outro está na aflição, vale apena soli-


darizar-se com ele;
• A imparcialidade é a melhor forma de resolver conflitos.

Essas formas de ensinar e aprender estão em extinção, ninguém


quer ensinar e muito menos aprender. Estamos a viver uma época em
que as crianças se julgam viver na pós-modernidade e os adultos (que
deveriam moderar as novas gerações), embalados na modernidade.
Segundo Giddens (1991:10)

Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desven-


cilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de
uma maneira que não tem precedentes. Tanto em sua exten-
sionalidade, quanto em sua intencionalidade, as transforma-
ções envolvidas na modernidade são mais profundas que a
maioria dos tipos de mudança característicos dos períodos
precedentes.

Portanto, a modernidade ou a globalização é tão violenta que


o diálogo com outras formas e precedentes de viver social acabam
ficando marginalizados ou relegados ao inútil. Tudo que não usa os
procedimentos modernos é considerado acessório. Entretanto, não
estou querendo desabonar tudo que é moderno; ao assim fazer estaria
a repetir o episódio que a modernidade impôs sobre as civilizações
consideradas tradicionais.
A modernidade carrega consigo alguns aspectos que merecem
apreciação positiva. A dinâmica com que se operam os processos
modernos é um fato a capitalizar. Nunca a sociedade registou uma
interconexão como acontece na modernidade, cuja variável moderadora
são as tecnologias de informação e comunicação com recurso à internet
(Giddens, 1991). Porém, na medida em que aumenta o acesso a novas
tecnologias, as sociedades pré-modernas tendem a ser “perversas”.
Castiano (2015) revolta-se contra essa atitude e toma como fun-
damento o pensamento de Alberto Viegas, um conceituado intelectual e

91
Política educacional em Moçambique

narrador da cultura macua. En sua obra Sagacidade a Intersubjectivação


diz que perdemos quando nos aventuramos para a globalização antes
de saber onde estamos. Conhecemos extraordinariamente a cultura dos
“outros” antes de conhecer nossa própria cultura. Insiste que Viegas
não era assim, ele conhecia os “outros” com base em sua cultura macua.
Ou seja, ele estava com os pés firmes sobre a sua cultura e não se limi-
tava nela. Ele tinha um pensamento glocalizado.
Eu acrescento: somos muitos que pouco sabemos do global
por conta dessa ausência do local. Há um esforço de unificar o país
que nunca esteve na educação escolar, embora se tenha consciência de
sermos apenas um país pela Constituição e nunca uma nação unitária.
Em outros termos, o único traço que nos sugere a unidade Nacional,
insisto até aqui, é apenas a Língua Portuguesa, que continua nacional
para uns e estrangeira para outros.
Escuso-me questionar os etnofilósofos, sociólogos ou
antropólogos africanos que defendem a construção de uma Cultura
filosófica, uma Sociologia ou uma Antropologia local baseada na
“intersubjetivação”, ao mesmo tempo em que, para além de compararem
os sábios aborígenes aos filósofos ocidentais e orientais igualmente,
chamam-nos de Sócrates Africanos.
Não pretendo regressar ao modelo de Cheik Anta Dioup, pois
pode ser radicalismo exacerbado na relação com os “outros”, neste
limiar da pós-modernidade. Porém, há menos esforço em potenciar o
local. Parece contraditório, mas Castiano (2015) acusa os Pedagogos
de serem os mais ruidosos na valorização de “Sagazes” (Bibliotecas
vivas) enquanto eles mesmos nem ousam integrar esses ensinamentos
em suas práticas.
A noção de cultura local está a desmoronar, e receio assumir a
responsabilidade intelectual de afirmar que desmoronou. Contudo, há
muito patrimônio que se foi perdendo ao longo do tempo. Muitos fenô-
menos sociais, naturais, políticos e econômicos, que se transformaram
ao mesmo tempo em que Moçambique registava progressos, ganhava

92
Os desafios da educação tradicional em moçambique e a globalização cultural

e perdia uma parte potencial do conhecimento local, sobretudo os


“sagazes”, se extinguiram com o tempo.
Minha preocupação, embora seja irrisória, reside no fato do
(des) reconhecimento a que esse grupo está sujeito nas suas próprias
comunidades, ou para além delas. A desvalorização do saber local
acontece e não é exclusivo a Moçambique. Como diz Benjamin (2014),
para merecer respeito, mesmo em narrativas sociais, é preciso ser um
sujeito que viajou longe da sua terra. Ao fazer esta afirmação, o autor
não secundariza a figura do narrador sedentário, aquele que mesmo
sem abandonar o seu habitat merece um extraordinário respeito pela
sua sabedoria.
Ocorre-me esta ideia com base em confrontações que tenho
registrado em várias plataformas sociais na internet, especialmente
no Facebook e WhatsApp. Sempre que acontece um fenômeno com
proporções devastadoras, não é raro encontrar sujeitos que não têm
noção do seu próprio impacto social, postulando uma moral social
calamitosa. Não os condeno, pois, como referido, “essas coisas quando
estão nas mãos dos outros são fáceis de ver”. O estranho nisso tudo
tem sido o fato de tais promiscuidades sociais envolverem pessoas que
sequer fazem parte da classe dos que, provavelmente, deveriam opinar
sobre o assunto, o que se supõe causa da revelação dessas lacunas da
cognição social.
Há, sim, crises de valores morais para todos os efeitos. A socie-
dade e seus membros estão defraudados. As universidades são um
exemplo da defraudação. O brinde oferecido à sociedade pelas uni-
versidades assemelha-se a um produto envenenado, pois as atitudes
dos universitários infligem golpe às expectativas sociais pelo olhar
“déficit” moral. As redes sociais tornaram-se espaço para a revelação
dos resquícios selvagens que nos são próprios e conquistamos com o
tempo, acima das conquistas humanísticas. Todas as frustrações são
descarregadas e endossadas nas redes sociais. Tal como aconteceu com
nosso currículo do Ensino Básico em Moçambique e a nossa democracia,
as redes sociais foram mal apreendidas ou mal publicitadas.

93
Política educacional em Moçambique

Elas dão um espaço inóspito para o culto de comportamentos


socialmente viáveis e profícuos. A mediocridade resultante da ilusão
de igualdades cognitivas entre os que frequentaram as barracas que
de universidade nada têm impõe que ninguém ouse ser mais hábil em
relação a ninguém. As redes, que deveriam ser mesmo sociais, tornam
seus usuários arrogantes, incompreensíveis e perversos por se acharem
membros ativos, embora parte degradante da sociedade.
Como deveríamos replicar as supostas boas práticas para a pro-
moção ou o resgate dos valores morais que nunca tivemos em redes
sociais? Eis a questão. A crise de valores morais não é um problema
mesquinho, é um assunto conjuntural, ou seja, está diretamente vin-
culada às lacunas da nossa educação. Mazula (2018), no prefácio ao
livro de Cuna, faz um levantamento enorme de problemas éticos ou
morais que assolam nossa sociedade, especificamente em Moçambique:

[...] adolescentes e jovens não dão prioridade aos adultos, às


mães com bebés, aos deficientes em lugares e meios públicos;
algumas brigas de casais terminam em agressões fatais ou
queima do cônjuge com óleo quente de cozinha [...] queixas de
concursos públicos não orientados por meritocracia, mas em
base tribal ou regional, exibição indecorosa de alguns autores
em actuações públicas [...] Quase todos reconhecem ser serem
casos de falta de ética. (MAZULA, 2018, p.ix/x).

A modernidade empoderada pela globalização é tão violenta e


tende a colocar termo às práticas ancestrais de educação. Conforme
Santos (1995), a globalização é o processo pelo qual uma perseverante
situação ou instituição local alarga sua influência, tornando suas prá-
ticas universais para todo o globo e, desse modo, constrói argumentos
e recursos capazes de conceder atributos inferiores a outras entidades
a ponto de considerá-las local.
Com base nesses princípios, conhecimentos que respeitavam
valores da cultura local foram gradualmente relegados ao preterido.
Atitudes à margem das normas genuínas de convivência social per-
deram seu significado, ou seja, os funerais são abarrotados de tons

94
Os desafios da educação tradicional em moçambique e a globalização cultural

agressivos de telefones celulares e vozes de telefonistas singulares,


que vão exibindo seu falso poder econômicos em gozo dos enlutados.
Somos chocados por imagens obscenas que retratam pessoas
mortas por assassinato, acidentes de avião, crianças abandonadas em
lixeiras, abortos induzidos, homicídios e infanticídios, sonegação de
cadáveres, imagens de pessoas pousando em campas dos defuntos, o
uso de grandes cemitérios como refúgio de malfeitores ou diversão
de adolescentes. Jovens e adultos constituem, no meu entender, um
“iceberg” do desfasamento da moralidade humana nesta época inde-
finida que o nosso país atravessa (modernidade e pós-modernidade)
simultaneamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em razão da insuficiência deste texto e, avaliando a referida


complexidade da educação tradicional, acho constrangedor atrever-me a
fazer conclusões em torno dos vários desafios que esta variante enfrenta
tanto em nosso país como noutros países africanos e ocidentais, como
refere Benjamin (2014). No lugar de tirar conclusões inconsequentes,
prefiro fazer comentários finais sobre as ilações que tirei ao longo
desta reflexão.
Assim, durante a análise em torno desta temática, entendi que a
educação tradicional vem sofrendo repressão já há muito tempo. Essa
repressão não se restringe àquilo que vivemos em Moçambique, pois
cada grupo social tem suas práticas ancestrais que identificam seu
modelo de educação tradicional. Portanto, a educação tradicional é um
modelo de formação da personalidade de acordo os costumes locais.
A questão da globalização não deve ser percebida como um fenômeno
que ocorre de lá para cá, ou seja, não é o que os outros impõem sobre
nós. Santos (1995) diz que a globalização pode ser feita na direção
inversa. O que caracteriza é esse poder de impor determinada realidade
sobre as outras na escala planetária.

95
Política educacional em Moçambique

Portanto, a nossa educação tradicional pode tornar-se fenômeno


global à medida que superar os enormes desafios impostos pela reali-
dade contemporânea, ao mesmo tempo em que requer uma mudança
de mentalidade para os intelectuais africanos e especificamente os
moçambicanos. A reprodução de discursos especulativos, como tem
vindo a acontecer sobre a nossa educação, que os outros designaram
informal, pode ser um meio para se consumar aquilo que se chama 3ª
morte africana forçada pela globalização (UTHUI, 2010). Sendo assim,
como agir para que nossa educação tradicional transite do comunita-
rismo para a globalização?

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Política educacional em Moçambique

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98
Qualidade do trabalho docente em
Moçambique: desde as políticas de
controle, modelos de formação ao
comportamento inovador
Adriano Fanissela Niquice
Benedito Maurício Sapane
Adelino Inácio Assane

NOTA INTRODUTÓRIA

Na medida em que os problemas da carreira docente se tornam


cada vez complexos, sobretudo as condições de trabalho, desde a pre-
cariedade, por um lado, e as exigências, por outro lado, os novos cená-
rios de atuação docente sugerem a concessão de margem de liberdade,
de autonomia, de criatividade, entre outros aspetos que configuram
as ditas qualidades do professor. Teórica e comummente são o que se
apregoa, mas em contrapartida essas qualidades não têm encontrado
espaço “fértil” para se exercitarem e desenvolverem.
A ideia de emancipação, como o culminar da construção de um
conjunto de conhecimentos que permitem aos professores atuarem e
exercerem a autonomia, continua uma utopia porque crescem as ten-
dências de controle, que não só perigam a emancipação, mas também
a autonomia, a liberdade, a criatividade, enfim, o comportamento
inovador.
A história da formação de professores em Moçambique inde-
pendente, embora jovem Estado, conheceu vários modelos (mas
neste momento não importa comentá-los). Contudo, é certo que,

99
Política educacional em Moçambique

conceitualmente, parece nunca ter ficado claro ou explícito o que


é isso de modelo. Deve ser a razão pelas quais invenções de novos
modelos nunca puderam constituir uma panaceia para os problemas
de formação.
O comportamento inovador fica como uma semente lançada
entre pedregulhos e espinhos, ou seja, entre duas forças, por um lado
a política de controle, e por outro lado o modelo com seu poder mode-
lador. Portanto, um comportamento inovador que se pretende fecundo
precisa de espaço livre dos excessos de controlo, em que seja possível
inscrever as mais diversificadas e variadas atividades de formação,
as quais provem a autonomia, a criatividade, a inovação, a liberdade.
Por isso, é propósito desta comunicação discutir a seguinte trian-
gulação: políticas de controle-modelos de formação-comportamento
inovador, procurando explorar algumas dificuldades práticas. E como
metodologia, a produção do texto se deu com base no percurso que
compreendeu a busca de referenciais teóricos (relevantes) confron-
tados com a experiência dos autores e com os documentos, tais como
os Planos Curricular do Ensino Básico e de Formação de Professores.

POLÍTICAS DE CONTROLE VERSUS FABRICAÇÃO DO


PROFESSOR

O currículo mínimo apresenta-se como referência a todas as


escolas, apresentando as competências e habilidades que devem estar
nos planos das classes e nas aulas. E como se explicita nos programas
de ensino básico, sua finalidade é orientar, de forma objetiva, itens
que não podem faltar no processo de ensino-aprendizagem de cada
disciplina, ano de escolaridade semestre etc.
Dados os sinais de legitimação e de normatividade que caracteri-
zam os programas de ensino e o manual do professor, podemos inter-
pretá-los como um guia para a prática, que tem a função de orientar de
maneira técnica como a prática deve ser desenvolvida. E como se refere
Pacheco (2002), esta discussão está ligada às funções da planificação

100
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

e do processo de legitimação e produção de normas, englobando duas


dimensões principais: a intelectual, que determina a percepção dos
atores intervenientes no sistema de decisão, a do poder, que clarifica
o processo pelo qual é instaurada uma nova hierarquia entre os atores.
Ainda no contexto da legitimação e de normatividade, o pro-
grama de ensino e o manual do professor acabam sendo uma ideologia
que se afirma como instrumento de controle da profissão docente, no
momento em que os professores fazem depender do aumento das suas
competências profissionais e condições da sua afirmação social o incre-
mento e a promoção de responsabilidades técnicas, sobre as quais, de
acordo com os pressupostos levantados no programa de ensino básico,
segundo ciclo (INDE, 2003),

Estamos certos de que os programas serão o instrumento de


base para as discussões pedagógicas na escola, planificação
das aulas, reflexão sobre a prática educativa, análise do mate-
rial didático e elaboração de projetos educativos, contribuindo
para melhorar o seu desempenho profissional (p.1-2).

Este pressuposto assume uma racionalidade técnico-científica,


a qual foi determinada por especialistas e investigadores acoplados
no Ministério de Educação, ao INDE etc., e é assim que a ideologia do
profissionalismo, legitimada pelo vínculo que estabelece com a racio-
nalidade técnica, auxilia paradoxalmente na redução da margem de
autonomia profissional dos professores. Dessa forma, contribui para
acionar seu processo de proletarização técnica, em função da qual se
produz uma perda de controle sobre as formas de realização de traba-
lho, e para as decisões técnicas, o que, no caso dos professores, incen-
tiva o processo de proletarização ideológica relacionado com a perda
de controle sobre os fins e os objetivos sociais para os quais se orienta
o seu trabalho.
Precisamos destacar que os programas de ensino estão estrutura-
dos de forma rígida, apresentando as unidades temáticas, os conteúdos,
os objetivos a serem alcançados e as habilidades a serem desenvolvidas

101
Política educacional em Moçambique

por todos nas escolas moçambicanas. O manual do professor propõe


as diversificadas estratégias das quais o professor pode se valer para
a orientação das aulas.
Essa estruturação e construção dos programas propõe um ponto
de partida supremo, não abrindo espaço para que a escola e o professor
sejam protagonistas no processo de construção de conhecimento, aten-
dendo aquilo que lhe é específico, peculiar ou apropriado. A concepção,
redação, revisão e consolidação desses documentos foram conduzidas
por equipes distantes da escola, que se reuniram e se esforçaram em
torno desta tarefa, a fim de promover um documento que atendesse
as diversas necessidades do ensino no país.
No entanto, as marcas de rigidez e construção do trabalho docente
vigentes nos programas de ensino e manual do professor sustentam a
ideia de que a afirmação dos professores como profissionais autôno-
mos constitui um movimento que corresponde tanto à denúncia das
limitações e dos equívocos da racionalidade técnico-científica como à
afirmação de outro projeto de autonomia profissional que, vinculado
a um diferente modo de entender as finalidades da escola e o papel
dos professores, neste âmbito recusa a ideologia do profissionalismo
que a racionalidade técnica cientifica sustenta – performatização do
trabalho do professor. O contraponto dessa recusa passa pela afirmação
da opção, em função da qual se valoriza o valor da profissionalidade
como modo de resgatar o que de mais positivo tem na ideia de pro-
fissional no contexto das funções inerentes ao ofício da docência. Um
ofício que não pode ser objeto nem de uma definição prévia nem de
uma definição unidimensional.
É preciso recordar que a afirmação dos professores como
profissionais autônomos, capazes de serem coprotagonistas na pro-
dução do conhecimento profissional que lhes diz respeito, começa por
uma opção dependente de outra, em que se entende a escola como um
espaço possível de se produzirem deliberações que permitam aos alunos
poderem usufruir plenamente das oportunidades educativas que essa

102
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

mesma escola lhes proporciona, levando em conta saberes, experiências


de vida e potencialidades pessoais e sociais (COSME, 2009).
Assim, o carácter de legitimação e de normatividade que caracte-
riza os programas de ensino, bem como o manual do professor, coloca
em causa ou condiciona a afirmação dos professores como autônomos,
pois, segundo os ideais de performatividade antes apresentados, pode-
mos afirmar que só a escola que cumpre com as orientações vigentes,
aliada aos processos de avaliação, terá um bom desempenho. Com
isso, ao seguir a racionalidade técnica, estará a mostrar sua eficácia e
demonstrar que o programa de ensino e as estratégias metodológicas
elaboradas pelo Ministério de Educação estão sendo valorizados de
forma eficaz, trazendo resultados adequados. Isto leva-nos à ideia de
Flores e Simão (2009) de que, cada vez mais, a educação é considerada
pelos decisores políticos e pela “opinião pública” um investimento que
deve ser gerido eficazmente.
Os pressupostos acima mencionados que constituem uma rea-
lidade educativa, é se de questionar mais uma vez a autonomia dos
professores. Dadas às circunstâncias, em que momento e espaço os pro-
fessores terão uma liberdade ou autonomia completa para se afirmarem
como profissionais? Logicamente, sua afirmação como profissionais
autônomos estará limitada ao currículo previamente estabelecido, com
vistas a justificar o investimento em causa, pois atualmente o assunto
qualidade está intimamente ligado aos resultados escolares, dado que
os professores são avaliados e legitimados como competentes quando
apresentam bons resultados, sem, contudo, se investigar o processo
de aquisição de tais resultados.
Para Nóvoa (1995, p. 72):

[...] o posto de trabalho dos professores está muito marcado


por tendências que afetam todo o sistema, tais como o pro-
gresso da especialização, uma maior pormenorização das
destrezas de ensino, uma maior fragmentação da educação,
o desenvolvimento de mecanismos de supervisão e avaliação,
etc. A caracterização técnica dos currículos, a sua elaboração

103
Política educacional em Moçambique

prévia por especialistas e uma maior regulamentação da ativi-


dade pedagógica, constituem fatores de desprofissionalização
do professor.

Essa ideia vem nos confirmar que, de fato, a racionalidade técnico-


científica (como é o currículo escolar) coloca em causa a afirmação
dos professores como autônomos, de maneira que as condições para
se afirmarem como tais estão cercadas por um manancial técnico
definido sem (ou com parcial) consentimento deles, colocando em
risco sua autonomia. É desse raciocínio que, corroborando com
Arfwedson ([s/d] apud NÓVOA, 1995), consideramos que a autonomia
dos professores se exprime em regras bastante definidas, que obrigam
as ações profissionais a uma acomodação às situações reais. A liberdade
do professor exerce-se, sobretudo, por meio da capacidade para se
movimentar dentro de um quadro que só pode mudar parcialmente –
como é o programa de ensino básico.
Os modelos curriculares propostos pelo Estado para o sistema
de ensino público e as políticas reformistas para a gestão da Educação
Básica (Descentralização para os Municípios) têm sido atrelados a exi-
gências técnicas e estruturais relacionadas à performatividade e à regu-
lação. Essas propostas oficiais não influenciam somente a estrutura
curricular estrita, mas também a prática pedagógica e a concepção de
docência na escola, diretamente vinculadas à identidade do professor.
A centralização das decisões sobre as políticas curriculares, as
pressões e as imposições exercidas sobre o docente retiram-lhe a liber-
dade e a autonomia diante das escolhas a serem realizadas na prática
docente. Por meio da previsão técnica de conteúdos, padrões estabe-
lecidos e verificados em provas e testes, bem como do ranqueamento
e da estandardização de escolas, o Estado garante a administração do
sistema escolar. Essa padronização é construída com base em números
que, conforme Popkewitz (1997), julgam, avaliam, ordenam as práticas
e fabricam tipos específicos de indivíduos. Nessa relação de poder histo-
ricamente constituída o pensamento e a ação do professor são delimita-
dos pelo Estado, que uniformiza e padroniza objetiva e subjetivamente

104
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

sua prática, fabricando um modelo a ser seguido. Este tipo, denominado


por Popkewitz (1997) como “professor eficiente”, transforma-se em
um objeto moldado por ações reguladoras com duplo sentido, sendo
democráticas (abertas) ou prescritivas (fechadas). Esta dicotomia nas
ações reguladoras, conforme Popkewitz (1997), envolve: i) um caráter
normativo, que se efetiva intersubjetivamente como uma invenção
sobre as pessoas (o que pensa, espera e faz); ii) um carácter classifica-
tório, que se utiliza de teorias, programas e narrativas culturais para
modelar o comportamento dos indivíduos. Os padrões performáticos
padronizados (fabricação), a priori, devem impedir o desenvolvimento
da autonomia, porém, a posteriori, podem subversivamente promover
a resistência e o desenvolvimento da reflexão (refabricação) sobre o
exercício da atividade docente.
O estabelecimento de ações normativas leva ao desenvolvimento
da heteronomia, ou seja, a submissão passiva do sujeito a determina-
ções externas, evitando que ele exerça sua autonomia. Quando nos
referimos à autonomia do professor, consideramos que não há como
classificá-la como plena, pois a atividade de ensino é institucionali-
zada e, portanto, vinculada a esferas de poder. Rompendo com a visão
essencializada e naturalizada de autonomia, torna-se necessário refle-
tir sobre uma autonomia relativa, construída da autodeterminação
consciente, crítica, historicizada e negociada socialmente com base em
tensões e consensos. Para Freire (1996, p. 130-131), “Ninguém é autó-
nomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo
na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas.
[...] A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo,
é vir a ser”.
Pensando no professor e nas pressões que sofre, é importante
estar atento para o “processo” de construção da autonomia, conforme
nos alerta Freire (1996). Esta construção processual dependerá dire-
tamente do grau do controle sobre o docente e das disposições e inte-
resses de conservação ou subversão das relações de força. Conforme
Bourdieu (2013, p. 83), “as posições mais heterônomas nunca estão

105
Política educacional em Moçambique

totalmente livres das exigências específicas [...] e as posições mais autó-


nomas nunca estão completamente isentas das necessidades externas
da reprodução social”.
A clareza em relação à contradição apontada por Bourdieu (2013)
faz com que a busca do caminho que leve ao exercício da autonomia
docente seja realizada por meio de práticas emancipatórias e críti-
cas que não se submetam a interesses políticos ou econômicos. Sem
desconsiderar os interesses e as pressões institucionais envolvidas na
relação saber-poder, acredita-se na refabricação subversiva da ação
autônoma do docente, por meio da construção de um currículo em ação,
com escolhas legitimadas pelo contexto, as necessidades e o dinamismo
do ambiente escolar.

MODELOS DE FORMAÇÃO E O DESEMPENHO DOS FUTUROS


PROFESSORES

A literatura produzida hoje na área de formação de professores


remete-nos a várias terminologias acerca de modelos, entendidos às
vezes como paradigmas. Neste momento, a discussão é de aspecto
diferente, uma vez que foi iniciada uma reflexão há cinco anos por
Niquice (2011), na qual o autor procura “desvendar” alguns modelos
ensaiados em Moçambique.
Nesse trabalho de Niquice, procurou-se trazer um quadro ilus-
trativo de alguns modelos alternativos de formação de professores. O
trabalho, ainda em curso, sobre o assunto permitiu-nos alargar nossa
lista de modelos de Zeichner (2003). Dispensando outra relação de
modelos em que se adotam diversos critérios de classificação, deci-
dimos sistematizar os que nos parecem práticos conforme o quadro a
seguir (Quadro 1).

106
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

Quadro 1 - Modelos de formação

Fonte: Adaptado de Niquice (2011, pp. 269)

Além dessa proposta de modelos, Joyce, Weil e Calhoun (2003


apud RALHA-SIMÕES, 2009) sugerem-nos ainda os seguintes:
• Modelos comportamentais;
• Modelos de processamento de informação;
• Modelos de interação social e;
• Modelos de desenvolvimento pessoal.
Alguns destes modelos – modelo de desenvolvimento pessoal e
modelo de interação social – constituem fator catalisador de desenvol-
vimento das competências nas suas vertentes: metódica, comunicativa
e científica, bem como do potencial criativo.
Diferentemente da base tomada para designação de “Modelos” de
formação de professores em Moçambique, que tomou como elemento-
chave o tempo de duração do curso, assumimos o modelo de formação
como estrutura (forma), dentro da qual se inscrevem as mais diversas
atividades formativas visando ao desenvolvimento profissional do
futuro professor.
Como um dos propósitos da formação de professores em
Moçambique é garantir que eles “reúnam em si um conjunto de com-
petências de natureza não só didática, mas também transversal,

107
Política educacional em Moçambique

capazes de criar um conjunto de estratégias de ensino-aprendizagem


que permitam ao aluno aprender a aprender” (INDE, 2011, p. 6), é
desse modo que o modelo não deve ser fator modelador de condutas,
de formas “quadradas” de pensar ou agir. Pelo contrário, o modelo tem
de proporcionar um espaço de desenvolvimento de competências por
meio das mais diversificadas atividades.
Interpretamos o modelo nessa óptica porque

O Plano Curricular assenta na profissionalização do curso


através do desenvolvimento de competências no domínio pes-
soal e social, de conhecimentos científicos e das habilidades
inerentes à profissão, sem descurar as áreas de formação geral
que permitem a preparação mais profunda do formando com
vista a promover a sua preparação para enfrentar os desafios e
as imprevisibilidades na sua relação pedagógica com os alunos
e os diversos agentes educativos. (INDE, 2011, p. 7).

A consecução dessa finalidade não é apenas por meio de ativida-


des de rotina no quadro das “prescrições” ou ditames regulamentares,
sem que se observem os contextos de formação, designadamente os
problemas que demandam soluções plausíveis. Para isso, uma proativi-
dade dos sujeitos de formação se faz necessária com a sua criatividade,
competência, liberdade (de escolha e de ação).
O que se pode dizer em relação ao atual “Modelo de 10ª+3” intro-
duzido em 2012?
Primeiramente, uma indefinição pouco clara (implícita) em rela-
ção à classificação a que pertence, mas se deduz que seja um dos mode-
los de nível 2 (em nosso quadro de classificação de Modelos, Quadro
1). Mais do que essa preocupação, é preciso retomar o significado de
modelo, entendido como a forma na qual se enquadram as atividades
e práticas formativas.
Em segundo lugar, ao tomar o significado de modelo, é preciso
considerar a quantidade de realizações nele contempladas no sen-
tido de sua capacidade de integração/incorporação das mais diversas

108
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

atividades. Nunca pode ser uma arca de Noé. O modelo deve conciliar
a quantidade de realizações com o fundo de tempo, para o desenvolvi-
mento de atividades curriculares e/ou cocurriculares. Outro elemento
adicional, mas não de menor importância, é o custo dessas atividades
ou realizações.
É em relação ao segundo aspeto que procuramos fazer uma pri-
meira aproximação para explorar a realidade do processo de formação
no atual modelo de 10+3, vigente desde 2012, embora ainda na fase de
experimentação.
Um fato objetivo e passível de apreensão é a quantidade de
Unidades de Competências (UCs), num total de 14, nas quais estão
inscritas muitas atividades. É discutível a relevância dessas ativida-
des, sobretudo na perspectiva de tornar o ‘Modelo’ menos pesado, o
que sugeria a possível eliminação de algumas. Este assunto pode ser
oportunamente objeto de discussão e análise. O que urge agora?
Conforme prometi anteriormente, depoimentos de formadores
(atores de desenvolvimento do Modelo) permitem colocar algumas
preocupações relacionadas com:
• muitas atividades “transbordam” do fundo de tempo previsto
para a sua realização;
• os custos e recursos não acautelados para sustentar a efeti-
vação do Modelo;
• a quantidade de competências (e respectivas atividades)
que revela alguma ambição e utopia quanto à capacidade de
realização.
Um depoimento para encerrar esta primeiríssima reflexão: Se há
graduados malformados até então dos diferentes modelos experimentados
são os do Modelo de 10ª+3 (Formador Buku1).
Para encerrar esta parte, importa realçar o seguinte pormenor:
tudo fica difícil e complicado implementar o modelo porque, além de

1
Nome fictício.

109
Política educacional em Moçambique

complexidade já apontados, a Política de controle pode privilegiar o


que, na óptica dos Formadores, não é muito relevante. Sendo assim,
uma inibição do comportamento inovador como se discute.

COMPORTAMENTO INOVADOR NO TRABALHO DOCENTE


EM MOÇAMBIQUE: A FORMAÇÃO CONTINUADA COMO
TERMÔMETRO DO TRABALHO DO PROFESSOR

A compreensão dos conceitos de mudança e inovação educativa


passa pela sua integração numa visão sistêmica das chamadas reformas
estruturais dos sistemas educativos, em particular, nas últimas décadas
do século XX. A inovação é uma prática institucionalmente situada, que
engloba a decisão, os processos e a intervenção. A inovação centra-se
nas escolas, nas salas de aula e nas práticas dos professores, e agrega
três componentes: a utilização de novos materiais ou tecnologias, o uso
de novas estratégias ou atividades e a alteração de crenças por parte
dos intervenientes. Esses elementos de inovação só podem chegar à
escola com práticas apropriadas de formação continuada.
Convém, antes de tudo, realçar que embora os termos inova-
ção, mudança e reforma estejam interligados denotam significados
diferentes.
O termo mudança é usado quando se refere a alterações que são
reproduções ou que correspondem a mudanças radicais. As mudanças
não são necessariamente para melhorar a ação educativa. Quando se
fala de inovação, nos referimos a uma mudança planificada visando a
melhoria da atividade educativa. Oliveira e Courela (2013) identificam
três fases do processo de inovação:

Iniciação, que corresponde a introdução de novas ideias e prá-


ticas e à procura do aval institucional; 2) implementação, ou
seja, a operacionalização dessas alterações e, 3) instituciona-
lização ou estabilização, em que as alterações são constituídas
em normas e rotinas, de modo a tornar-se parte integrante
do trabalho escolar.

110
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

A inovação surge associada à renovação pedagógica e à mudança


e melhoria. Sebarroja (2001, p. 16), define a inovação como:

Uma série de intervenções, decisões e processos com algum


grau de intencionalidade e sistematização, que tentam modi-
ficar atitudes, ideias, culturas, conteúdos, modelos e práticas
pedagógicas e, por sua vez, introduzir, seguindo uma linha
inovadora, novos projectos e programas, materiais curricula-
res, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos
e uma outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e
a dinâmica da aula.

Encontramos no Plano Curricular do Ensino Básico (PCEB)


algumas inovações. Se tais alterações não visarem a melhoria da prá-
tica educativa e aprendizagem dos alunos, estaríamos diante de uma
mudança, e não de uma inovação.
Enquanto as mudanças são alterações que não visam necessaria-
mente a melhoria do processo ou da ação educativa, as reformas são
imposições de um conjunto uniforme de soluções feitas às escolas. As
reformas educativas afetam toda a estrutura do sistema e ocorrem por
razões de ordens política, econômica e social.
Alguns autores, como Canário (1996, p. 65), defendem que “as
práticas não se criam e nem (sic) se modificam por decreto”, e nesse
caso tendem “a ignorar ou a reconfigurar as propostas que lhe são
enviadas de cima”. Se partirmos do pressuposto de que não existem
problemas bem definidos, mas sim situações problemáticas, então,
exige-se que as escolas tenham diferentes respostas e estratégias de
solução por meio de uma abordagem sistémica. Dessa forma, levando
em conta a natureza dessas situações (abertas e articuladas), admite-se
uma pluralidade de soluções, considerando que as escolas são muito
diversas e potencialmente criativas.

111
Política educacional em Moçambique

A FORMAÇÃO CONTINUADA CENTRADA NA PRÁTICA


DOCENTE

Jalbut (2011) considera a prática um lugar de construção do pen-


samento concreto do professor, um espaço no qual o aluno atua e reflete
sem ter responsabilidade sobre os efeitos de suas ações. O conheci-
mento desenvolvido na prática constitui um dos melhores cenários
para o desenvolvimento de capacidades e habilidades profissionais do
professor.
Ao defender uma formação pela prática ou com base na experi-
ência dos professores, estou reconhecendo que ela (a prática) constitui
um espaço de conhecimento e de construção do pensamento prático
do professor.
Como isso deve ser encarado em nosso sistema de formação con-
tinuada de professores?
Tardif (2014) nos dá uma pista:

O saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa


no intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o
saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos pro-
fessores é saber deles e está relacionado com a pessoa e a
identidade deles, com a sua experiência vivida e com a sua
história profissional, com a sua história de vida e com a
sua história profissional, com as relações com os alunos
em sala de aula e com os outros atores escolares na escola,
etc. (p.11, grifo meu).

Tendo como base esse pressuposto sugerido por Tardif, podemos


afirmar, sem grande medo de errar, que se nós quisermos dar uma
formação continuada ao professor, de modo a emponderá-lo, é preciso
oferecer a ele a oportunidade de refletir sobre sua experiência.
A formação continuada, alicerçada na prática cotidiana, se enqua-
dra no modelo construtivista. Nesta abordagem, as práticas formati-
vas são “organizadas a partir de uma reflexão contextualizada e de
um quadro de regulação permanente das práticas e dos processos de

112
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

trabalho” (SANTOS, 2014, p.34). A formação é entendida como um pro-


cesso permanente de construção e reconstrução da docência. Quando
se aborda a formação nestes moldes, o olhar é deslocado para a escola,
com suas respectivas práticas e contradições. São as práticas cotidianas
que definem as necessidades de formação, olhando necessariamente
pelas experiências dos professores.
O processo de formação continuada de professores não pode ser
fundado em propostas prescritas (FERRAÇO, 2008). As propostas pres-
critas têm pouca sintonia com a realidade concreta do trabalho dos
professores, o que evidencia, de certa forma, a pouca ou inexistente
participação dos professores na escolha dos temas ou mesmo a falta
de conhecimento dos que se consideram formadores, dos contextos em
que trabalham e do que são os professores em processo de formação.
A propósito, Ferraço (2008) defende que “a formação continuada
poderia ser pensada como estando relacionada ao movimento de tes-
situras e ampliação das redes de saberesfazeres dos educadores e, por
consequência, dos alunos, tendo como ponto de partida e de chegada o
cotidiano vivido por esses sujeitos encarnados e complexos”, e acredita
que deve ser “um processo que aconteça em meio às redes cotidianas,
evocando questões especificas, mas que não se reduzem ao local, e
assumindo o cotidiano vivido enquanto espaçotempo de análise da
complexidade da educação” (p. 21).
As Zonas de Influência Pedagógica 2 deveriam constituir uma
aposta na formação continuada dos professores na perspectiva que
defendemos. O artigo 3 do Regulamento das Zonas de Influência
Pedagógica estabelece que um dos seus objetivos é garantir o aper-
feiçoamento pedagógico dos professores, promover o desen-
volvimento profissional contínuo dos professores, promover o
apoio pedagógico entre professores da ZIP. Esse objetivo, olhado
literalmente, nos revela que a ZIP seria um lugar de excelência para a
discussão dos problemas dos professores pelos professores, de modo
2
São centros que agregam determinado número de escolas com o objetivo de seus membros
partilharem experiências ali vividas.

113
Política educacional em Moçambique

a melhorar sua prática cotidiana. Lugares onde se podiam discutir


as práticas, e não a prescrição de receitas, por meio dos técnicos das
Direções distritais, provinciais ou centrais de educação.
Embora as ZIPs sejam espaços para a formação continuada dos
professores, na ótica de alguns docentes tem funcionado mais para
questões marginais à formação continuada. Aliás, em conversa com
profissionais de educação (técnicos e professores), houve o alerta de que
as ZIPs passaram de órgãos de gestão pedagógica para órgãos de controle.
Recordo-me do encontro que participei na ZIP de Muecate sede,
em que o tema de discussão era Planificação do processo de ensino apren-
dizagem para o 3º trimestre de 2015. No referido encontro, participa-
ram 60 professores das escolas primárias de Muecate sede, Muatala e
Tulua, escolas que constituem a ZIP. Chamou-me a atenção uma fala
que tento transcrever:

O modelo de plano que vamos seguir a partir de hoje é este,


todos professores da ZIP devem usar este modelo porque são
instruções superiores, quem for apanhado (com a supervisão)
a usar outro modelo, o problema é dele (MODERADOR).

Esta fala revela-nos aquilo que Freire designa por aderência


ao tecnicismo. Nota-se que, embora demorássemos mais de 3 horas
naquele encontro, não discutíamos práticas, mas recebíamos receitas.
Essa forma de estabelecer parâmetros, o que se deve usar, faz com
que os professores vejam no técnico (do INDE, Distrital ou Provincial)
um modelo de professor.
Freire (2013), a propósito da prescrição, escreve que toda a
prescrição é a imposição de uma consciência do outro. Daí o sentido
alienador da prescrição, que transforma a consciência recebedora (cons-
ciência hospedeira) em consciência opressora.
O comportamento dos professores diante de suas práticas é um
comportamento prescrito – “faz-se na base de agendas estranhas
a eles” a agenda dos técnicos, criando dessa forma a autodesvalia.

114
Qualidade do trabalho docente em Moçambique: desde as políticas de controle, modelos de formação...

Os professores não consideram suas próprias ideias e as entendem


como instruções, convencendo-se da incapacidade de fazer diferente
daquilo que está instituído. O modelo de plano a ser escolhido e ser jus-
tificado por simples razão de existirem instruções para seu uso revela
essa tendência.
Entendemos que uma formação continuada de professores deve
ser feita com base em suas necessidades, e não de necessidades iden-
tificadas por técnicos distantes da escola. Reali (2009) nos lembra que
a formação continuada deve ser adaptada à realidade de cada escola, e
a estrutura e o conteúdo dos programas de formação devem ser deter-
minados pelos professores.
No grupo dos professores das escolas existem alguns que querem
ser, mas temem ser, e estão entre seguirem as prescrições ou terem
opções. Os professores se encontram nesse trágico dilema entre o ser
e não ser. Ao meu entender, o importante não é propriamente explicar
aos professores o que devem fazer, mas, acima de tudo, dialogar com
elas sobre a sua prática.
Ferraço (2008), na análise sobre a função social da escola, nos
lembra que ela deve ampliar as possibilidades de conhecimentos, isto é,
ampliar as redes de saberes existentes. E é nessa perspectiva que deve
ser pensada a problemática de formação continuada de professores,
como um movimento de “tessitura e ampliação das redes de saberes-
fazeres dos educadores”, tendo como ponto de partida e de chegada o
cotidiano vivido pelos sujeitos que corporizam o dia a dia da escola.
Ferraço defende que a formação continuada de educadores deve
assumir o cotidiano escolar como um espaçotempo de análise da com-
plexidade da educação: “pensar a formação continuada de professores
a partir do que é de fato realizado na escola” (FERRAÇO, 2008, p. 33).
De acordo com Freire, em uma aprendizagem por círculo de cul-
tura, não se ensina, mas se aprende em reciprocidade de consciên-
cia, não há professor, mas há um coordenador que dá informações

115
Política educacional em Moçambique

solicitadas e dinamiza o grupo. Existiria nesse caso um lugar de encon-


tro consigo mesmo e com os outros.
A atitude de dependência que foi criada no seio dos professores
leva àquilo que chamaríamos por necroprofissionalização.

CONCLUSÃO

Foi o propósito neste texto discutir como as políticas de con-


trole evidenciadas nos diferentes instrumentos do sistema educativo
moçambicano podem influenciar no pensar do professor, bloqueando
as ideias inovadoras. Evidenciamos no texto os diferentes modelos de
formação de professores que têm sido adotados no decorrer da história
da República de Moçambique. Essa diversidade de modelos nos revela
como é difícil encontrar um modelo consensual de formação de pro-
fessores. Uma prática só se torna real se for criada em uma situação
contextualizada na qual os sujeitos praticantes se sentem envolvidos
desde a concepção até a sua implementação. A discussão que descre-
vemos neste texto problematiza, por um lado, como os professores são
selecionados para lecionarem certas disciplinas (neste caso, a disci-
plina de Ofícios), e por outro, como são organizados os seminários de
aperfeiçoamento pedagógico a nível das ZIPs. Partindo do princípio de
que uma experiência é sempre de alguém e que só pode ser consumida
por outrem por meio da partilha, assumo a discussão das experiên-
cias entre os professores da disciplina de Ofícios com a comunidade e
mesmo com seus alunos como forma de empoderamento acadêmico e
profissional, levando em conta que a maior parte desses professores não
tiveram formação nessa área. Em última análise, estamos dizendo que
os conteúdos das sessões de aperfeiçoamento pedagógico não devem
ser estranhos à realidade dos professores.

REFERÊNCIAS
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116
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118
Estado, setores empresariais brasileiros
e a educação profissional em
Moçambique: o que está em disputa?
Joana D’Arc Vaz

INTRODUÇÃO

O presente texto apresenta de forma parcial os resultados da


pesquisa de doutorado realizada entre 2014 e 2018 no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Discutimos o processo de inserção do Brasil em Moçambique
a partir do governo Lula com a política de cooperação com os países
africanos que ocorreu de maneira mais acentuada, destacando as bases
que sustentam essa cooperação. Para nós, uma das bases é a presença
do empresariado brasileiro naquele país, mediado diretamente pelo
governo brasileiro, especialmente nos governos Lula, seguidos pelos
de Dilma Roussef, com o entendimento de que os interesses se mistu-
rariam e se confundiriam, assim como os desdobramentos incutidos
na cooperação, sobretudo com a educação daquele país, em especial a
Educação Profissional.
Partimos da hipótese de que as mudanças que vêm ocorrendo no
sistema educacional de Moçambique, suas vinculações com o projeto
de formação do trabalhador e da trabalhadora moçambicanos, finan-
ciados e assessorados pelo governo brasileiro que, juntamente com
outros países do BRICS, países centrais e/ou com o Banco Mundial
(BM), evidenciam o papel que vêm assumindo na atual configuração
da expansão das relações capitalistas no país. Temos que a Educação
Profissional tem características de internalização dos valores e saberes

119
Política educacional em Moçambique

ideológicos da burguesia moçambicana e internacional para a manu-


tenção da ordem social e de formação voltada para as qualificações
necessárias à expansão do capital, bem como para o exército de reserva.
Compreendemos que os ideários da burguesia moçambicana e
brasileira alinham-se aos interesses do capital-imperialismo para a
expropriação das riquezas do país. Incluímos uma segunda hipótese de
que os setores dominantes do Brasil estão inseridos em Moçambique,
implementando programas de formação profissional com base em
modelos brasileiros que visam à formação dos jovens, por meio das
demandas do próprio empresariado moçambicano pelo Estado brasi-
leiro sob amparo e supervisão das agências internacionais, especial-
mente do Banco Mundial.
Para Fontes (2014, p. 70) quanto mais se expande o capitalismo,
maior é o grau de destruição da vida humana, com a mercantilização
da existência – formar o ser social no e para o mercado. Ao analisar a
expansão das relações sociais capitalistas em Moçambique, verificamos
o drama da fome, do desemprego, da guerra, da seca, conflitos de terras,
da falta de formação e qualificação profissional. A entrevista de Vicente
Adriano, concedida ao IHU On-line1 em março de 2015, explicita que
a chegada dos grandes investimentos em Moçambique, por exemplo,
a agricultura em grande escala para exportação, apresentada e incen-
tivada pelo governo como alternativa para combater a insegurança
alimentar e nutricional da população, é totalmente ardilosa, visto que
as províncias do norte, Nampula, Cabo Delgado, Niassa e Zambézia –
que dispõem de terras férteis e grande concentração de rios –, eleitas
para desenvolver os grandes corredores de desenvolvimento do país
para o agronegócio, têm os dados ainda maiores de desnutrição, que
ultrapassam 50% das crianças (IHU-UNISINOS, 2015). É nesse sentido
que contrapomos a inserção de Moçambique no contexto do capitalismo
mundial e a abertura do país ao grande capital.

1
Entrevista especial concedida ao IHU On-Line com o tema “A recolonização de Moçambique
pelas mãos do agronegócio” (IHU-UNISINOS, 2015).

120
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

Dessa forma, para compreendermos Moçambique e sua rela-


ção com o Brasil e com o capital-imperialismo, é necessário apreçar
o conjunto das relações capitalistas em sua totalidade e o fato de que
essas relações implantam, nas sociedades tidas como subalternas, for-
tes condições de dependência, o que não é uma realidade somente de
Moçambique, mas de todos os países que não compõem o quadro dos
países imperialistas.
A presença do Brasil em Moçambique integra o conjunto dos
países com maior ou menor expressão na pirâmide do capitalismo do
século XXI. Entendemos que a presença do Brasil, mesmo que tenha
ganhado contornos capital-imperialistas no período do governo Lula
(2003- 2011), não foi o país que veio a ter impacto na economia moçam-
bicana. No entanto, sua presença reforçou os processos e as interfaces
de expansão do capital internacional em Moçambique, significando
também a extensão do capital brasileiro por meio dos setores agrário,
extrativista, governamentais e das políticas sociais e educacionais
que alargaram as relações de expropriação e exploração de riquezas.
Neste caso, verificamos que houve uma construção no discurso
da cooperação Brasil-Moçambique que procurou incutir a ideia de coo-
peração entre países irmãos, com base em princípios de colaboração,
solidariedade ou de troca de experiências, porém o que está em cena são
os interesses econômicos, na exploração e expropriação para o mercado.
Realçamos, no decorrer do texto, que os setores dominantes bra-
sileiros, por meio das várias esferas do empresariado local, conduziram
a implementação de megaprojetos em Moçambique como a Vale S.A.,
as construtoras, o agronegócio – que associados ao Estado brasileiro
por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)
e das políticas públicas de saúde e educação, em especial, implantaram
seus projetos com a finalidade de extração de mais valor e, conse-
quentemente, travando fortes embates junto às camadas da população
moçambicana mais atingidas pelos megaprojetos como os reassenta-
dos – atingidos pela Vale, os camponeses que estão sendo expulsos

121
Política educacional em Moçambique

de suas terras para dar lugar à mineração e ao agronegócio, dentre


outros. Averiguamos que a implantação dos negócios das empresas
brasileiras, apoiados e tão incentivados pelo Estado em Moçambique,
traz as mesmas consequências devastadoras vividas pela população
brasileira, como das regiões mineradoras e do agronegócio.
Nessa perspectiva, no subtítulo seguinte, buscamos demonstrar
os vínculos entre a ampliação das relações capitalistas em Moçambique,
com foco nas ações dos setores dominantes brasileiros e do Estado
brasileiro – com a implementação de políticas públicas educacionais
tendo em vista o projeto de formação profissional moçambicano, que se
enraíza na política de formação profissional em curso no Brasil dos últi-
mos anos. Não obstante, buscamos trazer neste trabalho os elementos
que revelam os nexos entre os interesses das burguesias (moçambicana
associada à internacional) e as políticas educacionais, entendendo que
a educação responde a processos antagônicos na sociedade capitalista.
Para Fontes (2016, p. 3), se, por um lado, a sociedade capitalista
exige formar “trabalhadores” nos vários níveis educacionais, a fim de
garantir o desenvolvimento de um país, ou melhor – de “assegurar
a lucratividade do capital”, por outro, o movimento também se faz
no sentido contrário, pois as camadas mais diversas de trabalhado-
res impõem à sociedade inúmeras saídas via “educação – mesmo se
ambivalentes: a) letramento e conhecimento”; e continua, “b) ascensão
social; c) sobrevivência (acesso a emprego ou a empregabilidade, isto é,
a arte de se virar sozinho, sem contrato e sobreviver); d) cidadania, ou o
acesso aos direitos; e, finalmente, e) aspiram a igualdade de condições”.

A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM MOÇAMBIQUE E OS


ATORES BRASILEIROS NO CONTEXTO DA EXPANSÃO DAS
RELAÇÕES CAPITAL- IMPERIALISTAS

Nossa pretensão foi de compreender as relações entre a política


implementada para a Educação Profissional em Moçambique, com
as políticas existentes nos acordos de cooperação com o Brasil, em

122
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

especial. Procuramos entender como funcionam, quais são as bases que


sustentam o campo da Educação os acordos e quais são as vinculações
com os setores empresariais brasileiros em Moçambique. Buscamos
discutir a função da Educação Profissional no contexto das políticas
de desenvolvimento do país incentivadas pelos atores brasileiros no
contexto da expansão das relações capital-imperialistas.
Nossas hipóteses iniciais eram de que a educação, na expansão do
capital em Moçambique, tornava-se uma das estratégias ideológicas da
burguesia capital-imperialista para o controle, a dominação e a expro-
priação – primárias e secundárias – do povo moçambicano. Pensamos
que, nessa relação, o Estado brasileiro, com seus representantes empre-
sariais, tem uma atuação com contornos capital-imperialistas.
O modelo de políticas implementadas no Brasil, consideradas
exitosas pelo Banco Mundial (BM), bem como a sua política de desen-
volvimento, é estratégico ao capital e, por isso, incentivado pelo BM.
Neste terreno, temos que a educação é utilizada como estratégia ideoló-
gica de controle social, de formação de “capital humano”, de formação
para o empreendedorismo e, consequentemente, para a ampliação do
exército de reserva.
Há indicativos de que as mudanças que vêm ocorrendo no sistema
educacional de Moçambique, financiadas pelo Banco Mundial, pelo
Brasil e pelos países capital-imperialistas, detêm características de
internalização dos valores e saberes ideológicos da burguesia moçam-
bicana e a internacional, para a manutenção da ordem social e, dadas
as peculiaridades moçambicanas, voltadas para dois objetivos: a) para
a adaptação subalterna de grandes massas camponesas aos processos
expropriatórios em curso, responsabilizando-as por suas condições sem
a contraparte da oferta de postos de trabalho e; b) a disseminação de
uma formação voltada para as qualificações necessárias ao desenvol-
vimento do capital, porém destinada a parcelas menores da população.
István Mészáros (2008, p. 35) adverte:

123
Política educacional em Moçambique

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150


anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer
os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produ-
tiva em expansão do sistema do capital, como também gerar
e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses
dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa
à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é,
pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através
de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica
e implacavelmente impostas.

Na pesquisa de campo realizada em Moçambique, conhecemos


algumas experiências no setor da educação que, inspiradas nas políticas
brasileiras, estão sendo implementadas naquele país. Verificamos a
presença do Brasil naquele país por meio do apoio técnico e financeiro
nas reformas dos currículos da Educação Técnica e Profissional, do
programa de Alimentação Escolar, da formação de professores (EaD) e
da política de bolsas para o Ensino Superior e Pós-Graduação. Tal apoio
fundamenta-se na experiência brasileira, com a política de combate
à pobreza e com a formação da força de trabalho, orientadas pelos
organismos internacionais via teoria do capital humano. Ambas estão
diretamente relacionadas às propostas, às diretrizes e aos financia-
mentos do Banco Mundial.
A maior inserção do Brasil em Moçambique compõe o pacote de
políticas do governo Lula, seguidas pelo governo Dilma no continente
africano. No período Lula, esse continente ganhou maior importân-
cia e tornou-se um laboratório estratégico para a implementação da
política externa brasileira. O Brasil, porém, não abriu mão das rela-
ções internacionais tradicionais. Pelo contrário, tornou-se um aliado,
uma plataforma do capital-imperialismo para a expansão das rela-
ções sociais capitalistas, sobretudo nos países africanos (HELENO;
MARTINS, 2014).
A política brasileira de cooperação com Moçambique e demais
países africanos não se estabelece apenas por meio de recursos

124
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

financeiros, mas por “transferência de conhecimentos”, como Heleno


e Martins (2014, p. 134-135) descrevem, considerando ser o grande
trunfo desse governo:

Conforme documento do Banco Mundial/IPEA (2011, p. 40),


“metade da cooperação técnica brasileira realiza-se nas áreas
de agricultura, saúde e educação”. As demais áreas abran-
gem capacitação profissionalizante, meio ambiente, energia,
programas de transferência de renda, dentre outras. O rela-
tório menciona, ainda, a colaboração da Embrapa no âmbito
da inovação e difusão tecnológica, a participação do Serviço
Nacional da Indústria (SENAI) no segmento de capacitação
técnica industrial e as atividades da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) voltadas para a medicina tropical e para a construção
de um laboratório, em Moçambique, destinado à produção de
medicamentos genéricos contra o vírus HIV.

De acordo com Garcia e Kato (2016), as políticas públicas, espe-


cialmente as de educação, saúde, agricultura e gestão pública, são con-
sideradas necessárias no processo de internacionalização das empresas
brasileiras, sobretudo no continente africano. Tais políticas são tidas
como políticas de apoio na chamada “cooperação para o desenvolvi-
mento”. São vistas como estratégia do setor empresarial ao transferir
o poder de negociações e de responsabilidades para os Estados via
acordos governamentais de cooperação e tratados internacionais que
beneficiam diretamente os interesses empresariais brasileiros e pas-
sam a gerenciar os possíveis conflitos. As autoras compreendem que:

As políticas públicas que apoiam a expansão internacional


de empresas brasileiras, incluindo a internacionalização de
instituições e agências da burocracia estatal, podem ser com-
preendidas no marco mais amplo da “internacionalização do
Estado”. [...], o Estado se torna um ator econômico que joga
um papel direto na acumulação de capital, com créditos e
subsídios, por exemplo. Ele faz a mediação entre o mercado
mundial e grupos domésticos, adequando as burocracias esta-
tais às pressões do mercado mundial e dando mais poder e

125
Política educacional em Moçambique

autonomia a instâncias como bancos centrais, agências de


comércio exterior, agências de privatização etc. A interna-
cionalização do Estado acompanha a internacionalização da
produção. (GARCIA; KATO, 2016, p. 74).

Nessa direção, Estado e setores empresariais compartilham dos


mesmos interesses com fins lucrativos aos proprietários do capital.
Principalmente a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2011), o Estado brasileiro demonstrou, por meio da coope-
ração Sul-Sul, que além de ter se tornado “receptor” tornou-se “doador”
da ajuda internacional.
Virgínia Fontes (2010a) chama a atenção para o movimento da
expansão das relações sociais capitalistas que, independentemente de
região, setor ou país, resulta, mesmo que de forma desigual e subor-
dinada, nas expropriações:

A dinâmica interna da expansão capitalista promove e exa-


cerba as próprias condições sociais que estão na sua base,
seja através da incorporação subalternizada de outros seto-
res da produção, de outras regiões ou países, modificando
e subordinando as relações que ali encontrou, seja pela sua
expansão direta, como por exemplo, através de industria-
lizações de novas áreas. Em todos os casos, a imbricação é
sempre desigual, porém tende a eliminar qualquer externali-
dade, à medida que impõe sua dominação, subalternizando e
mutilando as relações sociais precedentes. As expropriações,
condição social de sua plena expansão foram realizadas de
maneiras, ritmos e graus diversos, acoplando formas de pro-
dução diversificadas sob o controle do capital, ainda que à
custa de uma enorme brutalidade social, política e cultural.
(FONTES, 2010a, p. 71).

O que predomina é a expansão do capital, não só em seu sentido


econômico, mas de todo o conjunto das relações sociais. Desse modo,
a análise da presença do Brasil em Moçambique leva-nos a observá-la
sob o prisma do alinhamento de interesses do capital brasileiro que,

126
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

mesmo subalterno à dominação dos grandes países, assume, nessa


relação, características com contornos imperialistas. Nos acordos de
cooperação voltados à educação, o Brasil está conjugado a outros países
(imperialistas) ou a um organismo internacional para a implementação
dos projetos em Moçambique.
Dentre projetos e políticas implementadas pelo Brasil em
Moçambique, priorizamos a Educação Profissional, pois acreditamos
que aí reside uma estratégia ideológica do setor empresarial, seja ele
brasileiro ou de países imperialistas, para a formação do homem e da
mulher moçambicanos em um contexto atual no qual os trabalhadores
estão sendo expropriados de forma violentíssima, entendendo que a
“expropriação massiva é, portanto, condição social inicial, meio e resul-
tado da exploração capitalista” (FONTES, 2010b, s/p). Assim, na agenda
do capital para a educação, isso é ofertado de maneira instrumenta-
lizada para o discurso de combate à pobreza – controle das massas, e
pensado no âmbito do treinamento-capacitação (SABER FAZER), das
competências e habilidades, empregabilidade e do empreendedorismo.
Na lógica capitalista, o que importa é formar “trabalhadores”, ou
melhor, formar “mão de obra” com um único fim – garantir a lucrativi-
dade do capital. Nesse sentido, entendemos que a formação profissional
(sem qualquer escolarização, técnica de nível médio ou até a ofertada
em graus mais complexos) responde às demandas para a expansão do
capital de adequação dos indivíduos à sociedade do mercado.
Tecemos análises que evidenciam o quanto a Educação
Profissional, no Sistema Nacional de Educação de Moçambique, está
sendo posta no âmbito da formação de capital humano, da emprega-
bilidade, de formação para o empreendedorismo e “indivíduos livres”
disponíveis para o mercado.
Esse modo de tratar a educação, centralizando soluções, tanto
para o desenvolvimento do país quanto para o combate à pobreza na
Educação Profissional, liga-se à finalidade de produzir princípios e

127
Política educacional em Moçambique

valores em torno dos projetos dominantes da burguesia moçambicana


e internacional.
Ao mesmo tempo, cumpre a função ideológica de legitimar os
interesses do capital e de adaptar os homens e mulheres moçambicanos
frente às desigualdades sociais. István Mészáros (2008, p. 44) utiliza o
conceito “internalização” para designar que a educação assegura para
o capital que cada indivíduo internalize como suas “próprias metas de
reprodução objetivamente possíveis do sistema”. Para Virgínia Fontes
(2016, p. 17), a educação oferecida com vista a atender as demandas do
mercado de formar “mão de obra” significa educar para a obediência e
o “conformismo às normas mais ou menos estreitas da subalternidade”.
As mudanças que vêm ocorrendo na educação em Moçambique,
principalmente da educação profissional, demandam a formação de
competências, habilidades e flexibilidade adequadas ao mercado de
trabalho ou à empregabilidade, de forma que o indivíduo se adapte
a qualquer tipo de trabalho – superexplorado e precário – para a sua
sobrevivência.
Observamos, tanto na documentação quanto nas entrevistas com
representantes do governo dos vários centros de formação, que há pre-
ocupação do governo, do setor empresarial e do capital internacional
com a educação de Moçambique, sobretudo com a formação profissional
dos moçambicanos. Ao mesmo tempo, apreendemos que é carregada
de incentivos à formação de capital humano, pois se percebe que o que
importa é a oferta de uma formação rudimentar que prepara a força
de trabalho com pouca qualificação para a realização de qualquer tipo
de trabalho. É também estratégica por induzir o jovem moçambicano
ao investimento em negócio próprio/empreendedor. Nas entrevistas
realizadas nos vários setores, tanto do Estado quanto empresarial,
testemunhamos a ênfase dada ao empreendedorismo como possível
saída para a redução da pobreza e do desemprego. O representante da

128
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

Educação Profissional do Ministério do Ensino Superior, Ciências e


Tecnologias, Junior Matsimbe (2016)2, pontuou:

Para nós, o que nos interessa é formar um indivíduo capaz


de, por si, ser empreendedor. Eu, sozinho, tenho que ser
capaz de gerar autoemprego e não esperar necessariamente
pelo empregador, até mesmo porque as empresas não têm
essa capacidade. Eu tenho que, por mim, criar o meu próprio
trabalho.

Do mesmo modo, representantes do Instituto Nacional de


Emprego e Formação Profissional (INEFP), em entrevista, reforçaram
essa ideia de investir no indivíduo para que ele seja o protagonista de
seu próprio trabalho.

O jovem nos procura para a formação rápida que o qualifique


para gerir seu próprio negócio. Como nossa formação é toda
alicerçada nas práticas do SABER FAZER, nossos cursos prio-
rizam 80% da carga horária para a formação técnica/prática.
No caso dos jovens que estão aqui buscando a formação para
o autoemprego, desenhamos um perfil dentro do programa do
empreendedorismo. Eles precisam ser formados para tal, por
exemplo, gestão de pequenos negócios – “jovens aprendendo
com as oportunidades”. (CÂNDIDO, 2016).

O documento do Banco Mundial (2006) já mencionava essa con-


cepção de incentivo na formação de capital humano considerando que,
quanto mais os países pobres investissem em educação e saúde estri-
tamente básicas, mais produziriam a redução da pobreza e o aumento
da produtividade dos pobres. Sob essa perspectiva, o atendimento e
o investimento nesses setores básicos da vida humana também deve-
riam contribuir para inserir os indivíduos no mercado de trabalho ou
no autoemprego. O princípio liberal de igualdade de oportunidades é
descartado de maneira aligeirada, em prol da prática da produção de
desigualdades:

2
Diário de Campo. Entrevista realizada no ano de 2016 no Ministério da Educação de Moçambique.

129
Política educacional em Moçambique

Nessa concepção, o que importa é o Estado ofertar um conjunto


de oportunidades à população, e não a igualdade de oportunidades ou
o resultado. Na visão do Banco, Moçambique precisa investir urgente-
mente em criação de postos de trabalho no setor formal da economia,
além da prioridade do governo com a formação da força de trabalho.
Mas o BM aceita a precarização como se fosse a natureza das coisas e,
portanto, a endossa e a estimula. De acordo com o estudo do BM, os
indicadores educacionais do país, tanto da oferta/abrangência quanto
da qualidade, são muito baixos, de modo que “investir e dar prioridade
à educação é um fator chave para o crescimento inclusivo” (BANCO
MUNDIAL, 2010, p. 18).
No entanto, nem a educação formal, seja ela a profissional ou a
regular, nem a educação não formal oferecida pelas empresas, institu-
tos como o INEFP, ligados ao Ministério do Trabalho, igrejas, centros
comunitários, contêm bases e fins para solucionar problemas como o
desemprego, a pobreza e o lento desenvolvimento do país. É caracte-
rística da própria sociedade capitalista produzir as expropriações e a
desigualdade, por isso a formação e a escolarização não garantem a
inserção no mundo do trabalho ou o sucesso em seu próprio negócio
(GALVÃO, 2008).
A centralidade dada à formação profissional em Moçambique,
por parte do Estado, consubstanciada e cofinanciada pelos organismos
internacionais, países de cooperação e setor empresarial (industrial
e agrícola) mostra, por um lado, a vinculação da educação – capital
humano – à formação para o trabalho simples, precário ou para a
empregabilidade/empreendedorismo. Por outro, assume a função ideo-
lógica de responsabilizar o indivíduo pelo seu próprio fracasso. Em um
dos reassentamentos da Vale, Cateme, distrito de Moatize, província
de Tete, a própria empresa oferece cursos de curta duração aos jovens.
Um morador do reassentamento ressaltou que os cursos oferecidos
maquiam a realidade da comunidade.

Pesquisadora: Nos documentos da Vale consta que os reas-


sentados são beneficiados com cursos de formação que

130
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

possibilitam às famílias o seu próprio sustento ou o ingresso


na própria empresa. Como avaliam esses cursos? Os cursos
ajudaram os senhores?
Entrevistado3: Houve no início, sim, quando chegamos aqui,
os cursos de corte e costura, serralheria, carpintaria e cons-
trução. E ainda há esses cursos que são oferecidos nos galpões
que ficam na Escola Secundária, que também foi construída
pela Vale. Mas confesso que não aprendemos nada. Os cursos
são muito rápidos e os instrutores não possuem formação
adequada. Geralmente eles têm apenas a prática e é isso que
eles ensinam e sem nenhum material de segurança. Depois
dos períodos, a empresa convida o governo, as autoridades e
empresários dos diversos cantos do país, fazem grandes even-
tos para a entrega dos certificados, mas depois desaparecem da
comunidade e nos deixam sem a terra e sem trabalho. É uma
falsidade! É tudo muito estranho, porque a Vale contrata uma
empresa terceirizada para oferecer os cursos. Geralmente, a
empresa e o pessoal vêm de Maputo, mas o material utilizado
nos cursos é da empresa (Vale) que, após o término dos cursos,
desaparecem. Não temos acesso ao material, simplesmente
some.

Os relatórios da empresa Vale, especialmente dos anos de 2013


e 2015, orgulhosamente procuraram ressaltar a importância que a
empresa dá ao setor educacional, não só de seus funcionários, mas sua
responsabilidade para com os aspectos social, educacional, profissional
e cultural das comunidades em seu entorno.

O processo de capacitação de trabalhadores não se restringe


aos nossos empregados, mas se estende ao mercado de tra-
balho, uma vez que a utilização da mão de obra local também
constitui diretriz de inserção regional dos nossos empreen-
dimentos. O programa Acreditar é um exemplo desse esforço,
desenvolvido pela Vale em Moçambique para capacitar as
comunidades vizinhas ao Projeto Moatize, deixando um legado

3
Conforme acordo entre a pesquisadora e o indivíduo a ser entrevistado, ele não foi identificado
(DIÁRIO DE CAMPO, 2016).

131
Política educacional em Moçambique

positivo para a sociedade. Por meio de cursos profissionali-


zantes, foram formados entre 2012 e 2013, aproximadamente
1,3 mil pessoas. As ações foram desenvolvidas em parceria
com o Escola Profissional Dom Bosco e o Instituto Nacional
de Emprego e Formação Profissional (INEFP). Temos atuado,
também, na transformação da vida dos jovens nas comunida-
des em que operamos, principalmente, por meio de iniciativas
como o Programa de Formação Profissional, que capacitam
pessoas de 18 a 28 anos. Além de aprenderem um novo ofício,
os participantes podem vir a integrar nosso quadro de empre-
gados após um período de até 18 meses de treinamento. Até
2013, foram formados mais de 1.033 aprendizes. O Programa
Formação Profissional contou com a participação de mais de
200 pessoas de Moçambique que assistiram as aulas práti-
cas em algumas operações da Vale no Brasil por um período
entre 6 e 9 meses. Além disso, até 2013, mais de 280 jovens
ingressaram na Vale através do Programa de Estágio. Destes,
mais da metade já foram efetivados em posições juniores. Os
demais que ingressaram no programa completarão o ciclo em
2014. (VALE, 2013, p. 12).

A empresa já citava em documento de 2013 a sua parceria com


a Escola Profissional Dom Bosco e Instituto Nacional de Emprego e
Formação Profissional (INEFP). No entanto, na entrevista, o diretor
da escola mostrou-nos, como parte dessa parceria, a construção de um
pavilhão com salas de aula, que os estudantes denominaram prédio da
Vale, e os projetos foram pontuais. Aliás, na conversa, o diretor ainda
nos disse que foi a partir de 2015 que a empresa iniciou o processo de
diálogo, abrangendo e oferecendo mais oportunidades de estágios aos
seus estudantes, com indicações de futuras contratações.
Já no INEFP, o apoio da Vale ocorre por meio de construções de
pavilhões e pagamento de instrutores para o desenvolvimento dos
cursos. O Instituto de Geologia e Minas, que também fica no distrito
de Moatize, evidenciou que a participação da empresa é desafiadora,
pois seu quadro de exigências é enorme, o que dificulta as relações
entre instituto e empresa. Para o entrevistado, o senhor Luís Rodolfo,

132
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

diretor do Instituto de Geologia, a empresa é muito fechada ao diálogo


e a possíveis parcerias. Pouquíssimos alunos conseguem uma vaga de
estágio ou, após o curso, um contrato de trabalho.
No documento da Vale, a própria empresa indicaria investimen-
tos em cursos de pós-graduação oferecidos aos jovens moçambicanos
em instituições no próprio país ou no exterior, sobretudo no Brasil,
voltados para especialidades necessárias, como Logística, Mineração,
Engenharia Ferroviária e Segurança Ocupacional (VALE, 2015, p. 47).
Na entrevista, a gerente do setor de educação da Vale-
Moçambique, Cláudia Patrícia V. Mocovela4, ressaltou que os investi-
mentos da empresa são direcionados às comunidades reassentadas e
aos municípios onde são instalados os projetos, com apoio a instituições
de educação locais e fornecimento de cursos de curta duração, a fim
de que os indivíduos consigam criar a sua própria renda. A Vale está
alinhada com a formação para a precarização. Em Moçambique, o setor
educacional, sobretudo a Educação Profissional, é o que mais recebe
recursos da empresa, como os INEFPs, escolas profissionais, Institutos
médios e superiores de formação profissional. De acordo com o relatório
de 2012, a empresa investiu o valor de US$10 milhões na Educação de
Moçambique. Pelo mapa de prioridades do Plano Plurianual de Ações
Sociais (PPA) da empresa, em 2013 foram investidos cerca de US$7
milhões nos projetos sociais e educacionais.
No entanto, esta forma como a empresa lida com os problemas
provocados por ela mesma às comunidades moçambicanas, sobretudo
na região de Tete, distrito de Moatize é, simplesmente, desconsideran-
do-os e procurando apresentar-se como benevolente. Sua participação
pontual e mascarada nos projetos sociais e educacionais, construções
de escolas ou salas nos centros de formação profissional, pagamento
de instrutores ou de empresas prestadoras de serviços, formação de
professores das escolas de Moatize, sequer minora os danos causados,
e ainda os oculta.

4
Entrevista concedida on-line no dia 15 de dezembro de 2016 (DIÁRIO DE CAMPO, 2016).

133
Política educacional em Moçambique

O Relatório de Insustentabilidade da Vale (ARTICULAÇÃO


INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012) – documento
elaborado por um grupo organizado e articulado internacionalmente
pelos (ou a favor dos) Atingidos pela Vale – mostra que a empresa é
responsável por impactos ambientais com danos irreparáveis, descum-
primento de leis trabalhistas e transgressões dos direitos humanos. As
comunidades atingidas, tanto em Moçambique como no Brasil, Canadá,
dentre outros, denunciam e lutam em busca de soluções, e não só de
reparos, entretanto, a maneira pela qual a empresa sugere “solucio-
nar” tais problemas é pelo investimento em projetos de repercussão
publicitária e de marketing.
A possibilidade que tivemos de conhecer e conversar com os
atingidos das comunidades – 25 de Setembro – Unidade 6 e Cateme,
pertencentes ao distrito de Moatize, mas também o conhecimento do
próprio centro do distrito – Província de Tete/Moçambique –, permitiu-
nos problematizar situações vivenciadas pelos moradores com o meio
ambiente em razão do desmatamento florestal, expropriação da terra,
extinção de fontes de água ocasionando na falta de água, poluição
do ar, desemprego e falta de perspectiva de vida, isolamento social,
problemas na área saúde, moradia, educação, cultura, lazer e outros.
Por um lado, a empresa investe em ações sociais/educacionais,
por outro, recebe dos respectivos governos incentivos fiscais que
permitem seus investimentos por meio da “filantropia estratégica”
e não são difundidos pelos meios de comunicação (ARTICULAÇÃO
INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE, 2012).
De acordo com a empresa e com o governo moçambicano, a aber-
tura do país aos grandes investimentos estrangeiros, considerados
megaprojetos, levaria o país ao desenvolvimento não só econômico,
mas de elevação social, educacional e cultural, além da abrangência
de oportunidades de trabalho à população (VALE, 2013; VALE, 2015;
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, 2003).

134
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

No entanto, esses argumentos são falaciosos, pois como a cien-


tista política Célia Regina Congilio denuncia em um artigo publicado
em dezembro de 2013, é em nome do progresso e do desenvolvimento
de comunidades, regiões ou países que os megaprojetos de mineração
são instalados, levando ao extermínio milhões de indivíduos, bacias
hidrográficas, animais e florestas, ou seja, a mineração mostra as duas
faces dos grandes projetos de desenvolvimento geradoras de riqueza
privada e pobreza nas comunidades. A exemplo das regiões do Brasil
com as experiências de superexploração de minérios, problematizamos
os avanços dos megaprojetos em Moçambique:

A atividade mineradora no sudeste paraense, mais especifi-


camente a concentrada no entorno do município de Marabá,
centro econômico e administrativo de uma vasta fronteira
agrícola amazônica, tem se colocado como elemento impor-
tante de reflexão devido aos grandes impactos socioeconô-
micos, políticos e ambientais que provoca nos municípios da
região. Há que se considerar a importância do minério como
produto de exportação brasileiro no momento atual da crise
econômica pela qual passa o capitalismo mundial. Inúmeros
são os efeitos que a expansão do capitalismo, em nome do que
chamam progresso, mas que também poderíamos chamar de
morte, traz para essa região: devastação das florestas; aniqui-
lação de comunidades tradicionais (ribeirinhos, extrativistas
e povos indígenas entre outros); destruição da agricultura
familiar e envenenamento pelos agrotóxicos do agronegócio;
processos migratórios que originam urbanizações caóticas e
que servem à formação de força de trabalho em condições pre-
carizadas; expansão do narcotráfico e da prostituição infan-
to-juvenil; alta mortalidade de jovens das periferias, alvos do
crime organizado e das milícias, para ficarmos apenas nesses.
Como resposta aos movimentos sociais que se organizam para
resistir à cerca de 40 anos de implantação dos grandes proje-
tos e seus efeitos desestruturadores, temos como histórico da
região uma prática corriqueira da violência e assassinatos de
lideranças com a participação do Estado, como também das
empresas privadas e do latifúndio. Ao tratar sobre as políticas

135
Política educacional em Moçambique

governamentais de apoio à mineração podemos caracterizar


o papel do Estado por intermédio de três ações: quanto aos
recursos financeiros destinados a impulsionar políticas pro-
dutivas excludentes ou geradoras de subempregos; quanto à
difusão do arcabouço ideológico necessário para a implanta-
ção das políticas (industriais, econômicas, sociais etc.) que
ajustam a economia nacional às necessidades do mercado
mundial e, por último, quanto à prática institucionalizada/
banalizadora da violência e criminalização contra qualquer
forma de oposição aos processos que implantam o que tem
se chamado de progresso. O progresso, tal como se apresenta,
traz uma visão de mundo a partir do grande capital localizado
nos países que comandam a economia mundial e em processos
civilizatórios que reproduzem etnocentrismos já conhecidos
nos períodos coloniais. (CONGÍLIO, 2013).

É nesse sentido que Garcia e Kato (2016) analisam a cooperação


brasileira com Moçambique e outros países africanos, tal como é apre-
sentada na documentação do Ipea, da Agência Brasileira de Cooperação
(ABC) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no âmbito da
“solidariedade”, da “horizontalidade”, como se não visasse a interes-
ses econômicos. Porém, este modelo de cooperação é permeado por
interesses comerciais e empresariais, tendo em vista a lucratividade
para o capital.
Com Moçambique, o governo brasileiro, por meio dos acordos de
cooperação, sejam bilaterais ou trilaterais, atuou em prol da expansão
dos setores empresariais: a Vale, as construtoras e o agronegócio foram
os setores diretamente beneficiados, como já discutidos no capítulo
anterior. Nesse caso, as políticas, especialmente, as educacionais e da
saúde, além daquelas ligadas aos investimentos empresariais, como os
tratados comerciais, foram tratadas como estratégia do próprio Estado
e dos setores dominantes brasileiros de atuação naquele país. Assim, os
setores dominantes operam por dentro do Estado, travando disputas e
impondo mudanças profundas nas diversas áreas do aparelho estatal,

136
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

principalmente na política educacional proposta e definida para a for-


mação da classe trabalhadora (GARCIA; KATO, 2016; LEHER, 2014).
O presidente da Acção Acadêmica para o Desenvolvimento das
Comunidades Rurais (ADECRU), Jeremias Vunjanhe5, frisou que a luta
dos movimentos sociais e da unidade organizativa dos povos é compre-
endida como uma das maneiras pelas quais os indivíduos (camponeses,
trabalhadores industriais, juventude, universitários e organizações que
lutam junto à população) defendem, primeiro, a soberania dos povos,
dos territórios, da produção, dos modos de vida de sua população e das
riquezas. Essa luta vai na contramão do modelo de desenvolvimento
que está sendo implantado em Moçambique, que favorece o grande
capital, com seus megaprojetos como a Vale, o agronegócio brasileiro
naquelas terras e tantas outras empresas estrangeiras em expansão no
país de maneira bruta, violenta e destruidora. Enquanto intensifica os
investimentos e a abertura do país ao capital estrangeiro, seu próprio
povo é exposto a situações desumanas de sobrevivência.
Pela maneira como a expansão das relações sociais capitalis-
tas vem ocorrendo em Moçambique, a educação, mais precisamente
a educação profissional, assume papel crucial de aprofundamento da
expropriação em massa da população. A ideia difundida de uma for-
mação que “qualifique” e “capacite” os trabalhadores para o mercado
de trabalho confirma o entendimento de que é colocada sobre os indi-
víduos (jovens, desempregados, camponeses) a responsabilidade por
essa condição. Inclusive, o governo, o Banco Mundial e o Brasil (Estado
e Setores dominantes), em sua relação de cooperação com o país, repe-
tem uma proposta de educação como meio de contribuir para o cres-
cimento econômico do país e para a redução da pobreza, a exemplo da
realidade “exitosa” do próprio Brasil. Omitem, convenientemente para
seus interesses, o aprofundamento das desigualdades, a precarização
da existência e a devastação do ambiente.

5
Entrevista realizada no dia 05 de dezembro de 2016, na cidade de Maputo, Moçambique (DIÁRIO
DE CAMPO, 2016).

137
Política educacional em Moçambique

Assim, no setor da agricultura, o Brasil vem desenvolvendo o


projeto ProSavana de cooperação trilateral em Moçambique, junto ao
Japão. Para atender as demandas do capital de formação de “mão de
obra”, o governo japonês, por meio da agência de cooperação internacio-
nal (JICA), também está em parceria com o Brasil, doando 420 milhões
de meticais (moeda nacional) para o setor da Educação Profissional.
As prioridades do governo moçambicano foram a reestruturação dos
centros de formação profissional, principalmente o Instituto Nacional
de Emprego e Formação Profissional (INEFP) das cidades de Machava
(Província de Maputo), Quelimane (Província da Zambézia) e Nacala
(Província de Nampula), com investimentos em novos equipamentos,
capacitação de formadores e gestores, modernização dos processos
administrativos e atualização dos currículos. A ajuda do Brasil ocorre
por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI),
através de assistência, transferência de conhecimentos e acompanha-
mento das melhorias da qualidade do sistema de formação profissional,
sobretudo dos cursos de Arquitetura, Soldadura e Indústria Alimentar,
a serem implementados nos centros de formação com a mesma estru-
tura dos cursos oferecidos pelo SENAI no Brasil.
De acordo com a então ministra do Trabalho, Emprego e
Segurança Social de Moçambique, Vitoria Diogo, a formação profis-
sional é a grande aposta do governo moçambicano. O objetivo central
é fornecer mão de obra para as empresas, mas a alegação é de que
pretende melhorar as condições de vida dos moçambicanos.

Com a materialização deste projeto, prevê-se a colocação no


mercado de trabalho de cerca de 3 mil graduados por ano,
a serem formados com base nos novos padrões de compe-
tência e alinhados com as exigências da indústria, em 27
cursos profissionalizantes nas áreas de Construção Civil
e Metalomecânica, no Centro de Formação da Machava;
Construção Civil e Processamento de Alimentos em Quelimane

138
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

e Metalomecânica, Processamento de Alimentos e Mecânica


Automóvel em Nacala6.

Além da implementação dos cursos nos respectivos centros,


os formadores e gestores recebem formação e capacitação tanto em
Moçambique quanto no Brasil. Para Sergio Chichava (2017), dos anos
2000 para cá, Moçambique foi o país que mais recebeu cooperação téc-
nica do Brasil, principalmente nos setores da agricultura, da educação
e da saúde associados aos investimentos privados. Na análise do autor,
a cooperação brasileira contribuiu para o aprofundamento das relações
de dependência do país a ajudas/empréstimos internacionais, inclusive
com o Brasil, com a participação ativa do governo de Moçambique e de
seus setores empresariais (CHICHAVA, 2017).
Podemos melhor entender a dimensão da presença brasileira,
dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e, sobretudo,
dos proprietários do capital, em Moçambique, retomando a reflexão
de Fontes (2014), já apresentada no capítulo anterior. A autora ana-
lisa a emergência dos países BRICS pelo prisma de que essas relações
expressam contradições, tensões e disputas no contexto das relações
sociais capitalistas internacionais. Os BRICS exprimem as nervuras
contidas no movimento interno e externo da incorporação desses países
no cenário capital-imperialista de maneira desigual e combinada, pois
não expressam apenas a imposição externa, pelo contrário, envolvem
diretamente acordos e alianças entre as burguesias locais – consoli-
dando-as, assim como em relação aos Estados que estão imbricados na
expansão dessas relações (FONTES, 2014).
Assinalamos essa análise de Fontes (2014) na tentativa de melhor
compreender o pacote de acordos e políticas que envolvem a internacio-
nalização do Estado brasileiro conjuntamente aos setores empresariais
com grandes negócios na área da mineração e do agronegócio com
forte impacto nos países africanos nas últimas décadas. A expansão

6
Disponível em: http://opais.sapo.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/43461-japao-doa-
420-milhoes-de-meticais-para-formacao-profissional.html. Acesso em: 08 fev. 2017.

139
Política educacional em Moçambique

do capital conduz as populações – a humanidade – a um processo


profundo de expropriações, visto que a expropriação é condição essen-
cial para a existência do próprio capital. Fontes (2010b) afirma que as
expropriações – primárias e secundárias – forjam na mercantilização
da existência humana pela qual as populações são brutalmente forçadas
a vender sua força de trabalho para a subsistência. Esse mercado impõe
as massas de trabalhadores à necessidade de competir, flexibilizar,
adaptar e estar disponível para qualquer tipo de trabalho para as mais
diversas formas de exploração, independentemente de sua formação.
Nesse sentido, a autora ressalta que:

Este ponto é um dos mais dramáticos da atualidade, dada


a intensificação, nas últimas décadas, das expropriações de
enormes contingentes populacionais, em especial na Ásia,
na América Latina e na África, que foram analisadas como
produção de populações “excedentes” ou “sobrantes” e sem
sentido, gerando um reforço de argumentos de cunho huma-
nitário e filantrópico. Ainda mais inquietante é o fato de que o
ritmo de expropriações não parece amainar, mas, ao contrário,
intensificar-se. (FONTES, 2010b, s/p).

A sociedade moçambicana compõe o contingente grupo de


sociedades apontadas pela autora como “excedentes” ou “sobrantes”
(FONTES, 2010b, s/p). Dessa forma, interpretamos que a educação, em
especial, a Profissional, carrega em si os interesses e as necessidades
da própria configuração do capital – as expropriações.
Concluímos que a educação profissional em Moçambique cumpre
a função prática, de formar quadros para si própria, e ideológica, com
as relações sociais do capital em expansão. Cumpre, pois, uma das
estratégias centrais da burguesia moçambicana e internacional para
a implantação de seu projeto de dominação e de expropriação da força
de trabalho ainda mais intensificada dos trabalhadores moçambicanos.
Entendemos que a afirmação de Florestan Fernandes responde à nossa
indagação, uma vez que a educação, na sociedade capitalista, é sempre
considerada no âmbito da luta de classes.

140
Estado, setores empresariais brasileiros e a educação profissional em Moçambique: o que está em disputa?

Em vista disso, a educação, na sociedade capitalista, é instru-


mentalizada no discurso de formação de capital humano, do alívio da
pobreza e do desenvolvimento do país. A educação profissional que
está sendo implementada – uma educação voltada ao treinamento –
(SABER FAZER) para a empregabilidade e para o empreendedorismo.
Desse modo, desenvolvemos o tema da educação além do pro-
cesso de escolarização. Analisamos a particularidade da Educação
Profissional de nível médio e/ou superior e cotejamos com a formação
oferecida pelo Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional
(INEFP) ou pelas próprias empresas, que também “formam” o traba-
lhador em vista de atender minimamente as demandas do mercado,
demonstrando as articulações e a “eficiência” do projeto ideológico do
capital-imperialismo, de preparar o homem e a mulher moçambicana
do campo e da cidade para o trabalho intensificado, superexplorado,
precário e para o exército de reserva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressaltamos como um dos elementos principais dos resultados


da pesquisa a apreensão da própria dinâmica do capital-imperialismo
que, em Moçambique, se utiliza estrategicamente do próprio Estado,
que depende da ajuda e dos empréstimos externos, assim como da
burguesia moçambicana, que se alia às burguesias internacionais,
expropriando brutalmente as populações para a implementação dos
projetos de expansão das relações sociais capitalistas.
A educação profissional na sociedade moçambicana, pautada na
agenda do capital para a educação, cumpre a função ideológica no pro-
cesso de expansão das relações sociais capital-imperialistas. O projeto
de Educação Profissional em Moçambique faz o seguinte movimento:
oferta uma educação-formação limitada a corrigir os estragos causados
pelos interesses das classes dominantes e, por isso, tão incentivada para
a formação de capital humano, uma educação voltada ao treinamento
para o mercado de trabalho, à empregabilidade e ao empreendedorismo.

141
Política educacional em Moçambique

Por sua vez, esse movimento desencadeia condições de trabalho precá-


rias, intensificadas, superexploradas, manobráveis e em trabalhadores
colocados no rol do exército de reserva.
Evidenciamos as particularidades de Moçambique e sua relação
não só com o Brasil, mas imerso nas relações capital-imperialistas,
de modo que constatamos os processos que vêm ocorrendo no país,
tanto de expropriações primárias quanto secundárias, da população
moçambicana.

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VALE. Relatório Sustentabilidade Vale. 2013. Disponível em: http://


www.vale.com/ mozambique/pt/documents/vale_sustentabilidade_
mocambique_2013.pdf. Acesso em: 10 fev. 2014.

VALE. Relatório Sustentabilidade Vale Moçambique. 2015. Disponível


em: http://www.vale.com/PT/aboutvale/sustainability/links/
LinksDownloadsDocuments/relatorio-de-sustentabilidade-2015.pdf.
Acesso em: 15 abr. 2015.

144
Estratégia de desenvolvimento da
educação em Moçambique: caminhos
para uma educação de qualidade no
ensino secundário
Adelino Inácio Assane
Arlindo Cornélio Nthunduata Juliasse
Eduardo Jaime Bata
Mário Jorge C. Brito dos Santos
Vanito Viriato Marcelino Frei

INTRODUÇÃO

Moçambique, assim como outros países africanos, passou por


momentos de crise de formação do seu quadro de pessoal. Na altura da
independência nacional, por exemplo, 93% da população moçambicana
não sabia ler nem escrever em língua oficial, o que de certa forma nos
pode dar uma indicação de que a maioria da população moçambicana
nunca tinha passado até então por processos de educação formal.
As políticas educativas levadas a cabo logo após a independência
nacional, por exemplo, as campanhas de alfabetização; a nacionaliza-
ção da educação; as reformas curriculares e políticas de expansão da
rede escolar, intensificação da formação, o reencaminhamento de alu-
nos que tinham concluído a 6ª classe para serem professores no ensino
primário, fizeram com que, em pouco tempo, o número de letrados
aumentasse.
Dessa forma, prosseguindo com políticas de desenvolvimento da
educação e seguindo as orientações políticas e das experiências da luta

145
Política educacional em Moçambique

de libertação nacional, as escolas foram definidas como frentes de com-


bate à ignorância, ao analfabetismo, ao obscurantismo (Gómez, 1999),
centros para eliminar o espírito explorador do homem pelo homem, de
superstição, de elitismo, de ambição, de individualismo e de discrimi-
nação. Assane (2017) afirma que as massas populares, a partir de julho
de 1975 (com a nacionalização da educação), começaram a ter acesso
e poder nas escolas e na universidade.
Com a consolidação do sistema educativo moçambicano, emergi-
ram outros desafios, tais como: a população começou a querer aumentar
o seu nível escolar, as condições de aprendizagem começaram a ser
questionadas, a aprendizagem dos alunos também começou a ganhar
espaços de debates nos diferentes lugares de aglomeração populacional,
e as políticas curriculares estão sempre em questionamento.
Assim, por via das constatações apresentadas, considerou-se
oportuno apresentar aspectos relevantes que podem auxiliar na melho-
ria da qualidade de ensino e aprendizagem no Sistema Nacional de
Educação (SNE), especificamente no subsistema do ensino superior e
no subsistema do Ensino Secundário Geral (ESG). Portanto, este texto,
intitulado Estratégia de Desenvolvimento da Educação em Moçambique
(EDEM), visa apresentar propostas que podem potenciar os subsistemas
do ensino superior e do ESG, considerando aspectos como a formação
dos professores; a seleção e alocação de professores; a profissionaliza-
ção e a valorização do trabalho docente, infraestruturas escolares e a
relação entre escola e comunidade, enquanto pilares para a melhoria
da qualidade de ensino em Moçambique.

ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO EM


MOÇAMBIQUE

Nesta seção é apresentada a proposta da Estratégia de


Desenvolvimento da Educação em Moçambique doravante designada
por EDEM. Com efeito, a Estratégia tem como foco os subsistemas do
Ensino Superior e o subsistema do ESG.

146
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO EM


MOÇAMBIQUE: ENSINO SUPERIOR

Tomaremos como exemplo para elaboração da EDEM - Ensino


Superior o caso da Universidade Pedagógica (UP) por se tratar da maior
instituição de Ensino Superior no país vocacionada na formação de
professores.
Em 2004, a UP introduziu novos currículos em todos os cursos,
resultantes do processo de Revisão Curricular. Até então, a maioria dos
cursos ofertados pela UP eram bivalentes. O diagnóstico curricular efe-
tuado na altura permitiu identificar alguns problemas, nomeadamente,
bivalência rígida e muito pesada, parecendo existir dois cursos dentro
de um a ocorrerem simultaneamente; as práticas e estágios pedagó-
gicos apareciam muito tardiamente nos cursos, o que fazia com que o
estudante não se identificasse devidamente com a sua futura profissão;
a componente de investigação não estava suficientemente refletida no
currículo; a parte teórica do curso sobrepunha-se largamente à parte
prática (UP, 2002).
O currículo de 2004, com carácter monovalente, permitiu, de
certo modo, resolver alguns desses problemas, mas a evolução a níveis
internacional, regional, nacional e da UP tem conduzido à necessidade
de realização de Reformas Curriculares. Deste modo, a UP tem estado
a refletir sobre as mudanças e inovações que pretende em sua tarefa
de formação de professores.
Dentre os problemas identificados com o currículo introduzido
em 2004, o diagnóstico curricular efetuado em 2008 revelou que os
objetivos da Reforma Curricular não estavam sendo satisfatoriamente
alcançados, pois na formação privilegiava-se mais a quantidade do que
a qualidade. Esta situação deve-se, em parte, à carência de bibliografia
e outros materiais e ao elevado número de estudantes por turma, aspec-
tos que impedem a promoção de métodos e estratégias mais adequados
à prossecução dos objetivos.

147
Política educacional em Moçambique

O objetivo de colocar no mercado laboral graduados com o nível


de Bacharelato não foi cumprido, uma vez que a quase totalidade
dos estudantes que termina esse nível continua os seus estudos na
Licenciatura. As atividades de lecionação ocupam quase todo o tempo
dos docentes, prejudicando em grande medida as atividades de pes-
quisa e extensão. As condições de trabalho são pouco adequadas para
a lecionação, as salas de aulas são insuficientes, há aulas que decorrem
fora da instituição, o espaço nas salas entre os estudantes é muito
insuficiente, os docentes não dispõem de gabinetes de trabalho.
O método de ensino ainda continua a ser predominantemente
expositivo em razão das deficientes condições. Há falta de material
didático, por exemplo livros, mapas, globos e Datashow, de tal forma
que mesmo disciplinas como Cartografia e conteúdos de Sistemas de
Informação Geográfica são leccionadas de forma teórica. As Práticas
Pedagógicas carecem de maior relação com o Ministério da Educação
e Desenvolvimento Humano, com as escolas integradas, assim como
com as empresas produtivas.
A avaliação da aprendizagem é mais ao nível da memorização e
de reflexão teórica do que prática, baseando-se muitas vezes em tes-
tes escritos com poucas possibilidades de realização de trabalhos de
pesquisa individuais. As Linhas de Pesquisa (LP), ao nível dos depar-
tamentos, funcionam ainda de forma incipiente e deficiente.
Assim, visando potenciar e garantir melhor qualidade de forma-
ção de professores a nível do Ensino Superior em Moçambique, com par-
ticular destaque para a Universidade Rovuma1, propõe-se o seguinte:
• Mudança do tempo de formação dos atuais 4 anos para 5 anos
ou 6 anos – neste aspecto, pretende-se que o aluno fique
entre 3 e 4 anos fazendo as disciplinas específicas do curso
que se propõe frequentar. Terminado esse período, o aluno
teria entre 1 e 2 anos onde frequentar disciplinas específicas
1
Instituição de ensino superior, criada no ambito da reestruturação da Universidade Pedagógica
em 2019. Fazem parte da Universidade Rovuma, as antigas Delegações da Universidade Pedagógica
de Nampula, Montepuez e Lichinga.

148
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

da área de formação de professores na faculdade que supe-


rintende a área de formação de professores.
• O estágio pedagógico/profissional teria uma duração de pelo
menos 1 ano em uma escola integrada;
• Terminado o estágio, o aluno faria um exame final do curso de
formação de professores em que seriam avaliadas suas com-
petências. Se aprovado nesse exame, teria então as condições
para exercer a função de professor.

ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO DE EDUCAÇÃO EM


MOÇAMBIQUE: ENSINO SECUNDÁRIO

A política de acesso à educação melhorou significativamente em


Moçambique nos últimos anos. O relatório do Ministério de Educação
e Desenvolvimento Humano (2015) faz referência “ao crescimento da
rede escolar e ao aumento da oferta da educação, com maior destaque
para o ingresso de mais crianças no sistema educativo e a progressão de
crianças de um nível para outro” (MINEDH, 2015). No entanto, embora
se registrem avanços tanto no número de escolas como no ingresso
e na progressão dos alunos, a qualidade da educação nas escolas de
diferentes níveis é questionada, reconhecendo que, sem dúvida, existe
muito trabalho por parte do governo para elevar a qualidade de ensino
nas escolas.
Um dos parâmetros de avaliação da qualidade da educação em
Moçambique tem sido as habilidades/capacidades de leitura, escrita e
de contagem demonstradas por alunos que concluem o nível primário
e ingressam no nível secundário. Análises e estudos desenvolvidos por
agências nacionais e estrangeiras mostram que uma elevada percenta-
gem (46%) dos alunos que se encontram na 6ª classe não desenvolvem
capacidades básicas de leitura e da matemática que lhes permitam fre-
quentar com sucesso aulas nas classes subsequentes (Plano Estratégico
de Educação 2012- 2016/19, p. 60). Ainda, quando concluem o nível
secundário, não têm desenvolvidas competências para serem inseridos

149
Política educacional em Moçambique

na vida social, pois o currículo desenvolvido nas escolas é livresco,


embora o Plano Curricular do Ensino Secundário preconize ensino e
aprendizagem orientados para o desenvolvimento de competências
para a vida.
Segundo o referido documento, “a abordagem de ensino deverá
estar orientada para a solução dos problemas da comunidade, através da
ligação entre os conteúdos veiculados pelo currículo e a sua aplicação
em situações concretas da vida, na família e na comunidade” (MEC/
INDE, 2007, p.16). No entanto, o que se nota é que o aluno “aprende”,
mas não é capaz de perceber por que aprende. Em outras palavras, o
aluno fica sem entender o processo de produção do conhecimento, que
supostamente está sendo ensinado. Como se referem Moreira e Garcia
(2008) com foco nos aspectos livrescos, teóricos, acaba-se fazendo com
que os aspectos cotidianos em que se expressam a maior parte das
propostas curriculares sejam totalmente ignorados.
Diante desse quadro, questiona-se: por que a qualidade de
ensino continua baixa nas escolas do SNE? O que leva às crian-
ças concluírem os níveis sem saber ler, escrever e efetuar cálculos
suficientemente?
Quando se analisam as questões anteriores, uma das tendências
é imputar a responsabilidade na criança evocando afirmações do tipo:
as crianças não demonstram interesse pela aprendizagem. Outra ten-
dência é lançar a culpa no sistema no que diz respeito ao processo de
avaliação adotado no ensino básico – progressão por ciclos de apren-
dizagem – e, em outros casos, a culpa é imputada aos pais e/ou encar-
regados de educação.
No entanto, cremos ser necessário olhar o problema de forma
holística, entendendo a educação como um sistema integrado. Assim,
podemos observar os desafios do ensino secundário com base em três
elementos fundamentais: 1) infraestruturas escolares; 2) formação de
professores e sua profissionalização; e 3) papel dos pais e encarregados
de educação na aprendizagem das crianças.

150
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

( RE ) PENSANDO OS ESPAÇOS FÍSICOS: A INFRAESTRUTURA


ESCOLAR EM PAUTA

A massificação da educação e a qualidade de ensino, dentre outras


questões, acompanham o processo de construção da nação moçam-
bicana. Se, nos primeiros anos da independência, o esforço do novo
governo era reduzir o percentual da população não alfabetizada, pro-
movendo, para tanto, campanhas de alfabetização, com o fim da guerra
civil e o início da pacificação, concomitante ao processo de democra-
tização do país, novos desafios se interpuseram.
De fato, além da formação de novos professores e, sobretudo,
a capacitação daqueles em exercício, o governo aponta como um dos
principais desafios do processo de massificação e “universalização” da
educação de qualidade em Moçambique, a ausência e/ou a insuficiência
de infraestruturas (salas de aulas, laboratórios, campos interativos)
para atender a crescente procura por serviços educacionais. No ensino
secundário, por exemplo, a escassez das infraestruturas exacerba-se em
função da melhoria das taxas de conclusão do Ensino Primário (EP),
conforme aponta o MINED (2009).
Entendida, por muitos, somente como espaço físico que acolhe as
crianças, os professores, bem como o pessoal administrativo, a infra-
estrutura escolar é mais do que isso. Ela é uma variável importante no
Processo de Ensino e Aprendizagem (PEA) tal como o professor, o livro
e, quando completa e moderna, pode reduzir inclusivamente o papel e a
presença deste. Diversas pesquisas (SANTOS SÁ, 2017; MORAN, 2014;
FREITAS, 2014; NETO et al., 2013) ressaltam a importância da infra-
estrutura na qualidade de ensino, já que ela promove a manutenção e
aumenta, grosso modo, a preferência dos alunos pelo ambiente escolar.
Por exemplo, um estudo coordenado pela UNESCO no âmbito do
laboratório latino-americano de avaliação da qualidade da educação
destaca a importância da infraestrutura nesse processo. Junto à dis-
ponibilidade de materiais básicos, a “infraestrutura física das escolas
também se associa com o melhor desempenho escolar dos alunos”

151
Política educacional em Moçambique

(LIMA, 2012, p. 21). Mas, afinal, de que tipo de infraestruturas está se


falando? Seria a tradicional estrutura física das salas de aula, pensada
e centrada no professor – as chamadas salas de aulas tradicionais? Ou
as Summit Schools, escolas inovadoras que equilibram tempos de ati-
vidades individuais com as de grupo, que se preocupam com projetos
que permitam olhares abrangentes e integradores?
Ainda que reconheçamos os esforços do país no que diz respeito
à provisão da infraestrutura física dita “tradicional”, traduzido, por
exemplo, no plano de construção de cerca de 3.300 salas de aulas para
os dois ciclos do Ensino Secundário Geral (ESG), no período 2007-2015,
conforme dados do Ministério da Educação e Cultura (MEC, 2009),
acredita-se que tal infraestrutura por si só não conduzirá à melhoria da
qualidade de ensino, tampouco à formação integral (com competências
e habilidades para se inserir no mercado de trabalho) dos alunos, pois
as salas e o ambiente escolar se mantêm invariáveis, mesmo que as
dinâmicas nacionais e, sobretudo, regionais e internacionais, exijam
mudanças paradigmáticas. É preciso, conforme explica Moran (2014,
p. 35), que o ambiente físico das salas de aula e da escola como um
todo seja “redesenhado [...], as salas de aula podem ser mais multifun-
cionais, que combinam facilmente atividades de grupo, de plenário e
individuais. Os ambientes precisam estar conectados em redes sem fio,
para uso de tecnologias móveis”.
Tais ambientes estimulariam não só a afluência dos alunos aos
espaços escolares, em função das possibilidades de interação, mas tam-
bém viabilizariam o aprendizado; a troca de experiências entre alunos
de diferentes ciclos de aprendizagem, além de favorecer as interações
humanas, tanto entre os alunos e professores quanto entre os encar-
regados de educação, a direção da escola e o pessoal administrativo,
já que todos estariam conectados e interagiriam virtualmente (NETO
et al., 2013).
Assim, considerando que um dos grandes desafios do governo
neste sector (junto à infraestrutura física) é a formação, a seleção e a
alocação de professores capacitados, sobretudo para os distritos – o

152
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

que acarreta custos, tanto para a construção de casas para acomodá-los


quanto para incentivá-los a permanecer neles, atribuindo-lhes, para
tanto, incentivos (bônus de localização), a aposta em salas de aulas e
ambientes escolares multifuncionais, integrantes e integradores (acervo
bibliográfico digital, aprendizado dirigido à solução dos problemas
do cotidiano do aluno, páginas de conteúdos virtuais atualizados que
permitam ao aluno interagir com todos os atores do PEA e esclarecer
suas dúvidas) reduziria significativamente o número de professores
necessários, anualmente, sem com isso diminuir o número de novos
ingressos, tampouco afetar a qualidade dos graduados.
Sem dúvidas, embarcar nessa “viagem” acarretará elevadíssimos
custos, principalmente no início do processo. Contudo, há exemplos
que ressaltam os ganhos desse tipo de iniciativa, conforme assinala
Moran (2014) em relação às Summit Schools na Califórnia, nas quais
alunos de diversos ciclos de aprendizagem sob a supervisão de dois
professores que, às sextas-feiras, acompanham o progresso de cada
um deles, aprendem em ambientes menos quadrados, monótonos e
asfixiantes, principalmente para os mais novos.
É nossa convicção que o problema da qualidade de educação,
sobretudo no ensino secundário (ponte para a educação superior), não
reside na contratação de mais e mais professores, tal como se des-
taca em diversos documentos oficiais, mas na criação de condições
de trabalho (salários, ambiente de trabalho, estímulo e incentivo aos
professores exemplares, tanto por meio de progressão quanto pela pos-
sibilidade de liderar grupos de trabalho, bolsa de estudos, entre outras)
e, sobretudo, na presença de um espaço físico e virtual que estimule
os professores a permanecerem na escola, assim como atraia a atenção
dos alunos.
Nossa experiência na docência do Ensino Superior há, mais
ou menos, uma década mostra que parte significativa dos alunos
que ingressam na Universidade chega sem conhecimentos básicos
(Constituição da República como a lei mãe, por exemplo), sobretudo
de aspectos da cultura geral e/ou fundamentais à formação de um aluno

153
Política educacional em Moçambique

criativo, reflexivo e crítico, ou seja, apto para participar ativamente no


processo de construção do país. Muitos desses conteúdos não constam
dos planos de ensino e, por isso, os professores não os abordam.
Em ambientes interativos, tais conteúdos poderiam ser colocados
numa plataforma digital, de maneira que os alunos teriam acesso a eles
facilmente. Considerando tais aspectos, propomos as ações seguintes:
1. Construção e reabilitação de espaços desportivos e
laboratórios;
2. Identificação de espaços para trabalhos de grupos de
disciplinas;
3. No ensino secundário, os livros, os materiais e equipamentos
para laboratórios são insuficientes em muitas escolas, e há
outras, principalmente as que estão distantes dos centros
urbanos, que não dispõem dessas condições. Face a estas
dualidades, é necessário investir mais na construção e no
apetrechamento de bibliotecas escolares e móveis. Os poucos
laboratórios existentes exigem, para o seu funcionamento, a
instalação de água, gás ou energia eléctrica, que nem sempre
está disponível em todas as escolas.
Embora com as causas comumente arroladas sobre a fraca quali-
dade de aprendizagem no ensino básico, e levando em conta as discus-
sões que têm existido, ressaltamos o papel da formação do professor
no processo de aprendizagem dos alunos. Assim, é preciso que tanto
a formação inicial como a formação contínua tenham como foco as
didáticas de ensino e a profissionalização docente.
Nossa aposta na formação de professores parte da hipótese de que
os males que enfermam o SNE e, principalmente, o ensino secundário,
se concentra nas dificuldades mais do ensinar do que do aprender.
Assim, é necessário que a análise da qualidade de ensino e aprendiza-
gem no ensino secundário seja feita com base nos seguintes elementos:

154
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

a) Formação de professores para o Ensino Secundário em


Moçambique
A formação de professores é uma das dimensões centrais do pro-
cesso de profissionalização docente, contribuindo para a construção
de um corpo comum de saberes, práticas, valores e atitudes correspon-
dentes ao exercício profissional da docência. A formação de professores
para Ensino Secundário do 1° e do 2º ciclos constitui uma questão
central para assegurar a melhoria da qualidade de ensino, pois a pro-
cura continua a aumentar em razão do número crescente dos novos
ingressos como consequência do aumento das escolas do nível primário.
O Ministério que superintende a área de Educação em Moçambique
reconhece a fraca formação dos professores nos diferentes modelos
de formação até então vigentes. É assim que no Plano Estratégico da
Educação e Cultura (PEEC), se escreve:

A qualidade do ensino é ainda uma outra preocupação. A fraca


formação de Professores, a insuficiência de materiais e a falta
de apoio pedagógico significa que a maioria dos professores se
têm apoiado em métodos didácticos centrados no professor,
que enfatizam a repetição e a memorização, mais do que em
abordagens centradas no aluno que encorajam o pensamento
criador e o ensino baseado em capacidades. Os professores
estão mal preparados para lidarem com alguns dos desafios
que o sistema lhes coloca, tais como a realidade de ensino em
turmas mistas (turmas com alunos de classes diferentes), o
ensino em turmas grandes, sem terem materiais didácticos, e
de lidar com desafios como a disparidade de género e o HIV/
SIDA (MEC, 2006, p. 201).

Em fases nas quais a formação é medíocre, dificilmente pode ser


concretizada a eficácia e a eficiência das escolas, pois em virtude da
falta de competências técnicas e científicas, o professor fica sem saber
o que fazer e como fazer para maximizar a aprendizagem dos alunos.
O que se nota como características principais na formação de
professores é que têm sido mais teóricos, o que torna difícil articular o

155
Política educacional em Moçambique

saber teórico com o saber prático. Os modelos/currículos de formação


de professores para o ensino secundário têm sido frequentemente refor-
mulados em decorrência da falta de resposta ao problema de qualidade
de ensino nas escolas.
Nos últimos anos, Moçambique tem experimentado vários mode-
los de formação de professores com durações variadas. Os primeiros
centros de formação de professores abertos depois da independên-
cia formavam professores para ensino primário com a duração de 6
meses. Em geral, mais de 30 modelos de formação de professores foram
“implementados”.
Decorrem, em várias universidades do país, cursos de formação
de professores de nível de licenciatura. Estes cursos são monovalentes
e os professores formados estão habilitados a lecionar qualquer classe
do ESG. Para o ESG funcionaram cursos de formação de professores
de 12ª + 1 ano, introduzidos em 2007. Estes cursos, lecionados pela
Universidade Pedagógica, eram monovalentes e tinham duração de um
ano. Os graduados lecionam o ESG1. Na concepção dos currículos para
este curso específico previa-se que depois de iniciarem as suas ativida-
des seriam submetidos a cursos de curta duração de modo a adquirirem
o nível de licenciatura. No entanto, tais cursos nunca aconteceram, e
acabaram absorvidos no sistema sem terem aprofundado os conheci-
mentos pedagógicos iniciados na formação de um ano na universidade.
Diante do crescimento rápido dos efetivos escolares, aliado à fraca
capacidade de formação de professores, o setor vê-se, em algumas situ-
ações, obrigado a contratar professores sem formação apropriada para
lecionarem, sobretudo no Ensino Secundário Geral público.
Outro problema com que se debatem as escolas moçambicanas
paralelamente ao crescimento de efetivos escolares tem sido a rela-
ção professor/aluno. Tanto nas escolas do nível primário como nas do
nível secundário as turmas são numerosas. O rácio médio de professor/
aluno no ensino primário ronda nos 65 alunos e, no ensino secundário,
pode chegar a 80 alunos. Em contrapartida, os professores que trabalham

156
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

nessas escolas não estão suficientemente preparados para trabalhar nesse


tipo de turmas, o que constitui um desafio das instituições de formação
de professores.
Outra preocupação da educação moçambicana é a questão do for-
talecimento do papel do professor como figura-chave para aprendizagem
da criança, para permitir uma formação adequada aos alunos. O precário
saber técnico, o não saber ensinar, a falta de domínio do currículo, de
manejo da situação de ensino e a insatisfação dos professores pelas
precárias condições de trabalho tem caracterizado a atuação dos pro-
fessores no SNE como um todo.
Como trabalhar a partir desta base, de maneira a contribuir efeti-
vamente para a superação do atual estado de coisas? Esse se configura
o principal desafio que nos é lançado, ao qual devemos responder com
urgência.
Para sairmos dessa situação, é preciso repensar a formação dos
professores, apostando na formação contínua e requalificando os
docentes que se mostram inadaptados para o ensino em outras áreas
do setor, pois consideramos que o desenvolvimento de competências
do aluno só se efetiva quando o professor está em condições de pro-
porcionar uma aprendizagem significativa, que pressupõe um saber
ensinar. Por outro lado, o professor secundário, além de ter conheci-
mentos gerais, precisa dispor de domínio de conhecimento específico.
Além de simplesmente formar, é preciso formar professores em
áreas transversais do saber, como: Educação para a cidadania; Educação
para a paz; Solidariedade.
Temos que apostar na formação de professor pesquisador, que
não se limita ao “dado”. Ele olha e vê o “dado” com estranhamento, o
que lhe permite permanentemente questionar e procurar soluções para
sua prática. Assim, ele pesquisa sua própria prática, não se limita a
refleti-la. Na pesquisa, há um processo de problematização que permite
estar em um movimento incessante de questionamento, produzindo
respostas e criando possibilidades (experimentação) de produção de um

157
Política educacional em Moçambique

conhecimento novo. Consideraria, assim, como professor pesquisador,


aquele que assume e conduz sua formação.

b) Processo de seleção e alocação de professores baseado na


vocação
O processo de seleção de candidatos a professores não consi-
dera a vocação dos interessados. A maior parte dos que ingressam nos
cursos de formação de professores e na atividade docente o faz como
alternativa à falta de emprego. A falta de vocação que se registra na
maioria dos professores tem influenciado na qualidade de formação dos
alunos. Aliado a isso, a colocação dos professores para lecionar certas
disciplinas não tem levado em consideração a formação do sujeito.
Trabalhar como professor tem sido visto por muitos como uma paragem
enquanto se espera uma oportunidade para um emprego mais atrativo,
que oferece melhores condições. Assim, torna-se necessário que, no
ato de recrutamento e seleção dos candidatos a professores, se leve em
consideração a vocação e o interesse do candidato.

c) Redimensionar alguns professores por meio de cursos de


curta duração
Aqui, é importante incentivar o exercício da autoformação
dos professores no coletivo como espaço de diálogo com os pares e
momento de aprendizagem. Os encontros de grupos de classe e/ou
disciplinas que acontecem quinzenalmente constituem um momento
de discussão sobre os problemas escolares e replanejamento de ativi-
dades. Masschelein e Simons (2013) chamam a atenção para a ques-
tão da metodologia de ensino ao afirmar que “os métodos não são
o que está faltando aqui. [...] o fundo você sabe perfeitamente bem
que nenhum método é suficiente... O que está faltando é outra coisa”
(MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 75). É claro que, para o professor,
conhecimento e metodologia são importantes, mas também o são amor
e cuidado. Para este autor, trata-se de amor pelo assunto, pela causa

158
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

(ou pelo mundo) e amor pelos alunos, o que implica respeito, atenção,
dedicação, paixão (presença).

d) Profissionalização e Valorização do trabalho docente


É importante reconhecer que a formação docente se dá também
no espaço das culturas vividas, de acordo com as circunstâncias que a
tornam possível. Aqui, se associa efetivamente ao fazer docente tanto
as aprendizagens realizadas quanto a própria prática, que são reverti-
das após processos de reflexão. Por isso, é de capital valor:
• Capacitar os professores para produção de conhecimentos
com base em suas próprias experiências;
• Publicar as experiências de docência dos professores do ensino
secundário em forma de artigos científicos.

e) Pensar na(s) forma(s) de como ocupar os alunos, sobretudo


no período das férias escolares
A escola pública moçambicana vive um momento de perda de
identidade cultural e pedagógica, no qual as necessidades socioin-
tegradoras, com temas transversais ligados à saúde, ética, cultura,
arte, ofícios e empreendedorismo passam a ser mais importantes que
questões pedagógicas. Esta escola passa a assumir responsabilidades e
compromissos educacionais muito mais amplos do que a escola tradi-
cional de caráter predominantemente instrutivo. Daí a necessidade de
ocupar mais os alunos do ensino secundário, principalmente no período
de férias, como forma de assegurar uma formação. Assim, pode-se
propor as seguintes atividades:
• Organização e par ticipação em feiras acadêmica e
gastronômica;
• Organização e participação em concursos literários (redação
de poemas, contos, narrativas, entre outros);
• Desenvolvimento de atividades de canto e dança;

159
Política educacional em Moçambique

• Organização e realização de torneios desportivos (futebol,


basquetebol, voleibol, natação, atletismo, entre outras moda-
lidades possíveis);
• Estágio profissional em instituições públicas e privadas;
• Realização de trabalhos voluntários (de apoio).

f) E, finalmente, como envolver mais ativamente os


encarregados de educação no PEA, com ênfase no período
das férias escolares
Durante o período das férias escolares, os encarregados de edu-
cação podem participar do PEA da seguinte forma:
• Controlando a realização e o cumprimento das tarefas esco-
lares entregues aos alunos para o período de férias;
• Indicando atividades extracurriculares para o educando (por
exemplo, ofício no geral, pintura, serralharia, alfaiataria e
carpintaria);
• Incentivando o educando sobre a necessidade de manter um
comportamento responsivo e responsável tanto na escola
como na sociedade;
• Conversando com o educando sobre a necessidade de se pro-
teger das doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o
HIV/SIDA, casamentos prematuros e gravidez indesejada.
É nesse âmbito que surge o presente artigo, o qual pretende
intervir na qualidade do ensino com base na melhoria da qualidade
de formação dos professores no Ensino Secundário. O artigo se cir-
cunscreve no desafio da educação moçambicana de elevar a qualidade
de educação dos alunos, por meio da elevação da qualidade de forma-
ção de professores em metodologias que privilegiam a aprendizagem
do aluno – isto é, que colocam no centro das atenções da atividade
docente o aluno e o professor. Pelo resultado concreto das práticas
dos professores será possível decidir até que ponto determinada forma

160
Estratégia de desenvolvimento da educação em Moçambique: caminhos para uma educação de qualidade no...

do processo educacional se realizou favoravelmente às necessidades e


interesses do aluno.

REFERÊNCIAS
FREITAS, Hebrayn Bezerra. A importância do espaço físico e materiais
pedagógicos para as aulas de educação física na escola pública do
município de Unaí - MG. 2014. 36f. Trabalho de conclusão de curso
(Graduação) – Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília,
DF. Brasília, DF, 2014.

GARCIA, R. L.; MOREIRA, A. F. B. Currículo na contemporaneidade:


incertezas e desafios. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

LIMA, Naira da Costa Muylaert. Infraestrutura, gestão escolar e


desempenho em leitura e matemática: um estudo a partir do projeto
GERES. 2012, 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2012.

MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma


questão pública. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

MEC – Ministério da Educação e Cultura; INDE – Infraestrutura


Nacional de Dados Espaciais. Plano Curricular do Ensino Secundário
Geral (PCESG) — Documento Orientador, Objectivos, Política, Estrutura,
Plano de Estudos e Estratégias de Implementação. Maputo, Livraria
Universitária, UEM, 2007.

MEC – Ministério da Educação e Cultura. Plano Estratégico de Educação e


Cultura 2006-2010/11. Maputo, MEC, 2006.

MEC – Ministério da Educação e Cultura. Estratégia do Ensino secundário


geral, 2009-2015. Maputo, 2009.

MINEDH – Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.


Relatório Anual 2015. Maputo, 2015

MORAN, José. Novos modelos de sala de aula. Educatrix, São Paulo, n. 7,


p.33-37, 2014.

161
Política educacional em Moçambique

NETO, Joaquim José S.; JESUS, Girlene Ribeiro de; KARINO, Camila
Akemi e ANDRADE, Dalton Francisco de. Uma escala para medir a
infraestrutura escolar. Est. Aval. Educ., São Paulo, v. 24, n. 54, p.78 -99.
jan./abr. 2013.

NHAVOTO, A.; REGO, M.; SITOE, A. Balanço dos dez primeiros anos da
educação na República Popular de Moçambique: documento preparado
para XII Conselho Coordenador do MINED. Maputo: MINED, 1985.

SANTOS SÁ, Jauri dos; WERLE, Flávia Obino C. Infraestrutura escolar e


espaço físico em educação: o estado da arte. Cadernos de Pesquisa, v. 47,
n. 164, p.386-413, 2017.

UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA. Faculdade de Ciências da Terra e


Ambiente. Relatório do diagnóstico curricular do curso de Licenciatura em
Ensino de História e Geografia. Maputo, UP, 2002.

162
Sobre os autores e organizadores

ADELINO INÁCIO ASSANE

Possui Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense -


Brasil (2017) e Pós doutorado em Educação pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa. Mestre em Educação/Formação de Formadores (2012)
e Licenciado em Pedagogia e Psicologia (2006) pela Universidade
Pedagógica de Moçambique. É membro fundador do GEPECE (Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação Popular e Cotidiano Escolar) da
Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Rovuma- Nampula
onde é docente nos cursos da graduação e pós-graduação desde 2005.
É igualmente membro fundador da AMEA (Associação Moçambicana de
Estudos Aplicados). Atualmente é Diretor Académico da Universidade
Rovuma.
E-mail: [email protected]

ADRIANO FANISSELA NIQUICE

Doutorado em Educação/Currículo pela Pontifícia Universidade Católica


de São Paulo; Professor Associado, docente do Quadro da Universidade
Pedagógica - Faculdade de Ciências de Educação e Psicologia.
E-mail: [email protected]

ANA MARIA DE JESUS PINHO P. GUINA

Doutora em Estudos Africanos pelo ISCTE – Lisboa; Antropóloga pelo


ISCTE - Lisboa; Atualmente integra a Universidade Politécnica em
Nampula, como Diretora.
E-mail: [email protected]; [email protected]

163
Políticas e práticas educativas em Moçambique

ARLINDO CORNÉLIO NTHUNDUATA JULIASSE

Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro


(UERJ). Atualmente é Professor da Faculdade de Educação e Psicologia
da Universidade Rovuma e Professor convidado em outras Universidades
Moçambicanas e Brasileiras. Pesquisa na área de Quotidiano e Currículo
Escolar; Educação de Jovens e Adultos; e Educação e Desenvolvimento
Comunitário

BENEDITO MAURÍCIO SAPANE

Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense, docente


do Quadro da Universidade Pedagógica de Maputo - Faculdade de
Ciências de Educação e Psicologia.
E-mail: [email protected]

EDUARDO JAIME BATA

Doutor em Geografia pelo IESA/UFG, Goiânia / Brasil; Professor


Auxiliar da Faculdade de Geociências, Universidade Rovuma, Nampula
/ Moçambique, Mozambique

JOSÉ AUGUSTO GUINA

Doutorando em Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa; bacha-


rel em Matemática Aplicada, na área de Probabilidades e Estatística,
pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Atualmente
integra a Universidade Politécnica em Nampula como Coordenador da
Unidade de Extensão Universitária – UEU.
E-mail: [email protected]; [email protected].

164
Sobre os autores e organizadores

JULIO AGIBO

Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP),


Brasil, (2017). Licenciado em Planificação, Administração e Gestão de
Educação pela Universidade Pedagógica de Moçambique (2012).
E-mail: [email protected]

MARIA LUISA CHICOTE AGIBO

Possui graduação em Ciências de Educação pela Faculdade de Ciencias


de Educação Auxiliuum (2004) em Roma - Itália), mestrado em
Psicologia Educacional pela Universidade Pedagógica - Moçambique
(2010) e Doutorado em Ciências: Psicologia, FFCL-RP pela Universidade
de São Paulo (2016), ja assumiu vários cargos a nível da gestão universi-
tária e é Presidente do Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade de
Ensino Superior em Moçambique . Tem experiência na área de docência
na graduação e pós-graduação, com ênfase em Psicologia Vocacional
e da Carreira.
E-mail: [email protected]

MÁRIO JORGE C. BRITO DOS SANTOS

Doutor em Sociologia do Desenvolvimento Comunitário – Technische


Universität Dresden (Germany). Mestre em História Moderna e
Cotemporâmea – Universität Leipzig – Germany. Linhas de Pesquisa
– Sociologia do Desenvolvimento Comunitário, História Moderna e
Contemporânea; Ciência Política. Reitor da Universidade Rovuma.
E-mail: britodossantos@ hotmail.com

VANITO VIRIATO MARCELINO FREI

É Doutor em Geografia pelo Instituto de Estudos Socioambientais da


Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG), Brasil (2017). Mestre em

165
Políticas e práticas educativas em Moçambique

Geografia, com ênfase em Geografia Agrária pela UFG, Regional Jataí


(2013). É Coordenador do Núcleo de Estudos "Ruralidades, Políticas
Públicas e Desenvolvimento Territorial" na Universidade Rovuma,
Nampula, Moçambique. Membro do Grupo de Estudos “Espaço, Sujeito
e Existência” do Laboratório de Estudos das Dinâmicas Territoriais
do IESA/UFG. Atualmente trabalha como Professor Auxiliar na
Faculdade de Geociências, e Diretor do Centro de Extensão, Inovação
e Transferência de Conhecimento (CEITRAC) na Universidade Rovuma.

WILSON PROFIRIO NICAQUELA

Doutor em Inovacao Educativa, pela Universidade Católica de


Moçambique Docente da Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas;
Mestre em Educação pela Universidade Lúrio; Licenciado em Psicologia
Escolar pela Universidade Pedagógica de Moçambique; Pesquisador
do GEPECE & AMEA; Docente da Faculdade de Ciências de Saúde da
Universidade Lúrio. Consultor Independente.
E-mail: [email protected].
Um olhar retrospectivo da educação formal moçambicana: das mazelas coloniais às mudanças curriculares...

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