O Solo: Estrutura e Composição
O Solo: Estrutura e Composição
O Solo: Estrutura e Composição
estrutura e composição
E-BOOK
EPUB
ISBN: 978-65-86819-26-7
Ciclos Biogeoquímicos
1. INTRODUÇÃO
É praticamente impossível, em poucas páginas, tratar do assunto ‘Ciclos Biogeoquímicos’ de maneira aprofundada
ou exaustiva. Sendo assim, lançaremos simplesmente as bases desse assunto tão importante quanto interessante para todos
aqueles que, de alguma forma, estão envolvidos com questões ambientais.
Antes de abordarmos o tema, faz-se necessário recordarmos e/ou introduzirmos conceitos fundamentais para
compreendermos bem o funcionamento dos ciclos biogeoquímicos.
1.3. Nutrientes
Ao contrário da energia, muitos nutrientes circulam nos ecossistemas de forma cíclica. Os elementos que participam
de ciclos podem ser divididos, com base em seu peso orgânico seco, em:
§ Macronutrientes (> 0,2% do peso orgânico seco): “Os Seis Grandes” – C, H, O, N, P e S; Outros – Cl, K, Na, Ca,
Fe e Mg.
§ Micronutrientes (< 0,2% do peso orgânico seco): Al, B (plantas verdes), Co (cianocobalamina), Cu (algumas
enzimas), Cr, Mo (bactérias fixadoras de nitrogênio), V e Zn.
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§ Ciclos endogênicos, que ocorrem principalmente no interior da Terra, envolvem predominantemente rochas
subterrâneas de vários tipos; e
§ Ciclos exogênicos, que ocorrem principalmente na superfície da Terra e normalmente têm um componente
atmosférico. Solo e sedimentos podem ser encarados como sendo compartilhados pelos dois tipos de ciclos,
constituindo a interface predominante entre eles.
Os ciclos geológicos podem ser divididos em: tectônicos, rochosos, hidrológico e biogeoquímicos. Esses dois últimos
nos interessam sobremaneira porque são aqueles com os quais nós, seres humanos, temos mais interação.
Os ciclos biogeoquímicos são assim chamados pois incluem componentes biológicos (biosfera: produtores,
consumidores e decompositores) e componentes geológicos (atmosfera, litosfera e hidrosfera). Podem ser sedimentares ou
gasosos. Nos sedimentares (P, S, Ca, Mg, K), o reservatório que supre os elementos e os recebe de volta é a litosfera, ao passo
que nos gasosos (C, N, O), o reservatório é a atmosfera.
1.5. Terminologia
Os ciclos biogeoquímicos têm uma terminologia bem definida, à qual devemos conhecer para que não haja
dubiedade:
§ Reservatório (M): é uma determinada quantidade de material definida pelas suas características físicas, químicas ou
biológicas (kg). Alguns exemplos incluem:
- Carbono na atmosfera (presentes em gases como o CO2, CO, CH4 etc.);
- Nitrogênio na matéria orgânica do solo (MOS); e
- Mercúrio em tecidos de peixes.
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§ Fluxo (F): é a quantidade de material transferida de um reservatório a outro por unidade de tempo (kg ano–1).
- Na queima de combustíveis fósseis, o carbono neles presente é transferido para a atmosfera (como CO2);
- Deposição de nitrogênio da atmosfera para o solo (na forma de NO3–, por exemplo); e
- Lixiviação do excesso de PO43– aplicado no solo para rios.
§ Processo: uma atividade física, química ou biológica que resulta num fluxo ou numa variação de massa ou de forma
química.
- Evaporação;
- Oxidação (CH4 atmosférico convertido a formaldeído, HCHO, por exemplo); e
- Fotossíntese.
§ Ciclo: é um sistema com dois ou mais reservatórios conectados por fluxos; pode ser fechado ou aberto.
§ Fonte (Q): é um fluxo de entrada em um reservatório (kg ano–1).
§ Sumidouro (S): é um fluxo de saída de um reservatório (kg ano–1).
Vamos, a seguir, detalhar um pouco os ciclos dos principais macronutrientes (C, H, O, N, P e S). O hidrogênio faz
parte do ciclo hidrológico. Já o carbono, oxigênio, nitrogênio, fósforo e o enxofre têm seus próprios ciclos biogeoquímicos.
2. CICLO HIDROLÓGICO
O ciclo hidrológico pode ser resumido por meio dos seguintes processos (Figura 2):
§ Detenção: parte da precipitação fica retida na vegetação, nas depressões do terreno e em construções. Essa massa
de água retorna à atmosfera pela ação da evaporação ou penetra no solo pela infiltração.
§ Escoamento superficial: constituído pela água que escoa sobre o solo, fluindo para locais de altitudes inferiores, até
atingir um corpo d’água como um rio, lago ou oceano. A água que compõe o escoamento superficial pode também
sofrer infiltração para as camadas superiores do solo, ficar retida ou sofrer evaporação.
§ Infiltração: a água infiltrada pode sofrer evaporação, ser utilizada pela vegetação, escoar ao longo da camada superior
do solo ou alimentar o lençol de água subterrâneo.
§ Escoamento subterrâneo: constituído por parte da água infiltrada na camada superior do solo, sendo bem mais lento
que o escoamento superficial. Parte desse escoamento alimenta os rios e os lagos, além de ser responsável pela
manutenção desses corpos durante épocas de estiagem.
§ Evapotranspiração: parte da água existente no solo que é utilizada pela vegetação e é eliminada pelas folhas na forma
de vapor.
§ Evaporação: em qualquer das fases descritas anteriormente, a água pode voltar à atmosfera na forma de vapor,
reiniciando o ciclo hidrológico.
§ Precipitação: água que cai sobre o solo ou sobre um corpo d’água.
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Figura 2. Fluxograma simplificado do ciclo hidrológico (fluxos em Pg ano–1).
O ciclo hidrológico simplesmente move a água de um lugar para outro. Este processo fornece água doce para os
continentes e ilhas e ao mesmo tempo tem um papel vital na criação de um clima habitável e na moderação das temperaturas
globais. O movimento da água de volta para os mares e oceanos através dos rios e geleiras é uma das principais forças
geológicas da Natureza, moldando a Terra e redistribuindo os materiais. As plantas têm um papel importante no ciclo
hidrológico, absorvendo a água subterrânea e bombeando-a para a atmosfera pela transpiração (transporte mais evaporação).
Como podemos observar na Figura 2, nos oceanos e mares a precipitação é menor que a evaporação. Esse “excesso”
de vapor d’água é transportado para os continentes e ilhas, onde o processo inverso ocorre, ou seja, a evapotranspiração é
menor do que a precipitação, o que possibilita a formação de rios, lagos e lençóis freáticos. Novamente, o “excesso” de água
move-se superficial ou subterraneamente, por escoamento, para dentro dos rios, lagos, mares e oceanos.
Embora as massas d’água do planeta sejam gigantescas, é falsa a ideia de que temos água doce em abundância.
Aproximadamente 97% da água é salgada; dos 3% restantes, 2,27% se encontram na forma de gelo nos polos e geleiras. Em
suma, apenas 0,74% da água do planeta é doce e está na forma líquida, disponível em rios, lagos e lençóis freáticos.
A distribuição é extremamente desigual e não está de acordo, na maioria dos casos, com as necessidades da população,
da indústria e da agricultura. Além da má distribuição, é crescente a degradação dos recursos hídricos, resultado da ação
antrópica, tornando grande parte da água doce imprópria para seus diversos usos.
A ação antrópica tem se dado pelo desmatamento e pela impermeabilização do solo (pavimentação e construções
em ambientes urbanos e sobrepastoreio em ambientes rurais). Isso acelera a evaporação e reduz a recarga dos aquíferos,
aumentando as enchentes. Nas regiões de clima frio, as enchentes podem também ocorrer pelo degelo de geleiras.
Uma grande perturbação do ciclo hidrológico é esperada devido às mudanças climáticas globais, que incluem o
aquecimento da superfície terrestre. Tais mudanças climáticas afetariam o ciclo da água provocando o derretimento de geleiras,
a alteração nos padrões de precipitação e influenciaram os padrões de transpiração e evapotranspiração de plantas.
3. CICLO DO OXIGÊNIO
O ciclo envolve trocas entre o oxigênio presente em enormes quantidades na atmosfera e o quimicamente ligado ao
carbono (CO2), ao hidrogênio (H2O), à matéria orgânica etc. Portanto, esse ciclo está fortemente ligado a outros ciclos
elementares, particularmente ao ciclo hidrológico e ao do carbono. Ele ainda é pouco conhecido e a Figura 3 mostra os
processos que são considerados os mais significativos com seus respectivos valores aproximados de fluxo.
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Figura 3. Fluxograma simplificado do ciclo biogeoquímico global do oxigênio (fluxos em Pg ano–1).
Esse ciclo está estreitamente relacionado aos processos de fotossíntese e de respiração aeróbia. O oxigênio é fixado
durante a combustão e outros processos metabólicos dos organismos. Por outro lado, ele é liberado na fotossíntese.
Os vegetais também utilizam o oxigênio, através da respiração, quando o mesmo se combina com a glicose,
resultando em gás carbônico, água e liberando energia.
O oxigênio prontamente oxida, também, minerais reduzidos quando expostos ao ar por processos geológicos ou
minerações. É o caso da pirita (FeS2), normalmente exposta durante a mineração de carvão, gerando a Drenagem Ácida de
Mina (DAM).
Outro aspecto particularmente importante do ciclo do oxigênio é a formação e decomposição do ozônio
estratosférico (O3).
A ação antrópica tem ocasionado, principalmente, duas alterações:
§ O descarte de esgotos com elevados teores de matéria orgânica (MO) em corpos d’água, resulta na proliferação
excessiva de bactérias. Essas, ao decomporem a MO, consomem o oxigênio dissolvido (OD) no meio, gerando,
muitas vezes, condições de anaerobiose, causando a morte de peixes e de outros organismos aeróbios.
§ A emissão atmosférica de compostos halogenados, principalmente organoclorados, tem sido a grande responsável
pela depleção do O3 atmosférico e a consequente geração periódica de buracos na camada de ozônio.
4. CICLO DO CARBONO
O carbono é um elemento químico de grande importância para os seres vivos, pois participa da composição química
de todos os compostos orgânicos e de muitos dos inorgânicos.
O ciclo do carbono (Figura 4) também é importante para o clima: o gás carbônico (CO2) e o metano (CH4) são gases
do efeito estufa e ajudam a regular as temperaturas globais. Embora o gás carbônico se encontre na atmosfera numa
concentração bem baixa, aproximadamente 0,03% e, em proporções semelhantes, dissolvido na camada superficial dos mares,
oceanos, rios e lagos, ele é considerado o mais impactante dos gases do efeito estufa.
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Figura 4. Fluxograma simplificado do ciclo biogeoquímico global do carbono (fluxos em Tg ano–1).
O carbono incorpora-se aos seres vivos quando os vegetais, utilizando o CO2 do ar, ou os carbonatos (CO32–) e
hidrogenocarbonatos (HCO3–) dissolvidos na água, realizam a fotossíntese. Dessa maneira, o carbono desses compostos é
utilizado na síntese de compostos orgânicos (açúcares, proteínas, lipídeos, ceras etc.) que vão fazer parte da constituição de
outros seres vivos.
Enquanto ocorre a fotossíntese, o pH aumenta e, dependendo das concentrações de cálcio (Ca2+) e carbonato, o
carbonato de cálcio (CaCO3) pode precipitar. Nos oceanos, esses processos operam numa escala imensa. As espécies
carbonatadas estão presentes em todas as águas naturais devido ao CO2 atmosférico, à matéria orgânica remineralizada e a
minerais carbonatados dissolvidos. Os oceanos são especialmente um grande reservatório de compostos carbônicos e têm
um papel importante no estabelecimento e manutenção do ciclo global do carbono.
Dessa forma, a maior parte do carbono está nas rochas (principalmente as carbonatadas) e sedimentos. Para se ter
uma ideia, há cerca de 3 vezes mais carbono no solo do que nas plantas terrestres. O fato de os sedimentos oceânicos serem
ricos em CaCO3 indica que, embora a reação de dissolução seja termodinamicamente favorável, a cinética é lenta.
À medida que os microrganismos e conchas carbonatadas afundam nos oceanos, o fluxo solar declina até valores
desprezíveis. A combinação desses dois fatores (soterramento e ausência de luz solar) favorece a decomposição biológica da
matéria orgânica, convertendo novamente as formas de carbono orgânico em espécies minerais solúveis.
A decomposição de biomassa morta é um processo-chave no ciclo do carbono, controlado quase que exclusivamente
pela atividade microbiana. Ela permite que o carbono fixado seja novamente mobilizado e volte a participar do ciclo.
Um outro mecanismo de retorno do carbono ao meio ambiente é por intermédio da combustão de combustíveis
fósseis (gasolina, óleo diesel, gás natural etc.). Além disto, a queima de florestas é uma outra forma de devolução, mas vale
ressaltar que esse método pode acarretar sérios danos ao ambiente, ocasionando grandes variações no ecossistema global do
planeta.
5. CICLO DO FÓSFORO
O fósforo é um elemento químico que participa estruturalmente de moléculas fundamentais do metabolismo celular,
como fosfolipídios, coenzimas e ácidos nucleicos. O uso mais comum do fósforo é como fertilizante. Ele é um dos
componentes principais dos fertilizantes chamados de NPK (contêm nitrogênio, fósforo e potássio). Seu ciclo simplificado
está representado na Figura 5.
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Figura 5. Fluxograma simplificado do ciclo biogeoquímico global do fósforo (fluxos em Gg ano–1).
Por ter a capacidade de formar compostos solúveis, o fósforo é facilmente carregado pela chuva para os lagos e rios,
podendo causar o fenômeno da eutrofização. Daí a importância de se usar as quantidades corretas de fertilizante para um
determinado binômio solo-cultura: se aplicado em excesso, o impacto ambiental negativo sobre os corpos d’água poderá ser
bastante significativo.
O retorno do fósforo ao meio ocorre pela ação de bactérias fosfolizantes, atuando nos restos de animais e plantas,
após sua morte. O fósforo retorna ao meio na forma de compostos solúveis, facilmente carreados pela chuva para os lagos e
rios e destes para os mares, de forma que o fundo do mar passa a ser um grande depósito de fósforo.
Os grandes reservatórios de fósforo são as rochas e outros depósitos formados durante as eras geológicas —
Ca5(PO4)3(F,Cl,OH) (apatitas) e Fe3(PO4)2·8H2O (vivianita). Esses reservatórios, devido ao intemperismo, pouco a pouco
fornecem o fósforo para os ecossistemas, onde é absorvido pelos vegetais e posteriormente transferido aos animais superiores
e, por consequência, ao ser humano, via cadeia alimentar.
A maioria do fósforo nas plantas cicla entre as plantas vivas e mortas. A adição pelo intemperismo é pequena
comparada à ciclagem entre as plantas.
As aves marinhas desempenham um papel importante no transporte de fósforo para o ambiente terrestre, pois ao se
alimentarem de peixes marinhos e excretarem em terra firme, trazem de volta o fósforo. Há ilhas cobertas de guano
(excremento das aves), demonstrando o quanto as aves são importantes para a manutenção do ciclo.
No entanto, a transferência natural do fósforo do oceano para a terra é muito pequena: menos de 0,03 Gg ano–1
devido ao spray marinho e 0,01 Gg ano–1 devido ao guano. Além disso, o fósforo não forma nenhum gás estável. Sendo assim,
a adição de fósforo à terra é lenta (a concentração na chuva é baixa).
O fósforo é, então, um nutriente fortemente limitante porque ele não pode ser transferido do oceano para as plantas
muito eficientemente.
Como de toda a massa de fósforo presente na crosta terrestre, somente 0,0001% é recuperável, é muito preocupante
a aceleração da transferência do fósforo das rochas para as plantas e os solos a partir das atividades antrópicas (cerca de 5×
mais rapidamente do que o intemperismo). As fontes para a mineração são o guano e rochas muito antigas (10 a 15 milhões
de anos atrás) formadas em mares rasos que secaram. Tais rochas não estão sendo formadas hoje em dia tão rapidamente.
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Em um cenário de crescimento populacional e o consequente aumento da demanda de alimentos, não podemos prescindir
dos fertilizantes.
6. CICLO DO NITROGÊNIO
É o ciclo mais complexo dentre os gasosos. Sua complexidade advém de duas características principais:
§ O nitrogênio ocorre com vários números de oxidação, dando origem a uma grande variedade de compostos, por
exemplo, nitrato (NO3–, +5), dióxido de nitrogênio (NO2, +4), nitrito (NO2–, +3), óxido nítrico (NO, +2), óxido
nitroso (N2O, +1), gás nitrogênio (N2, 0), amônia (NH3, –3), amônio (NH4+, –3) etc.; e
§ Embora o nitrogênio seja um elemento indispensável à vida, por fazer parte de aminoácidos, proteínas, bases
nitrogenadas e nucleotídeos (ATP, por exemplo) e a atmosfera seja um imenso reservatório, pois contém 78% deste
gás, a maior parte dos seres vivos é incapaz de utilizá-lo. Apenas alguns tipos de bactérias, algas e fungos conseguem
captar o N2 na síntese de moléculas orgânicas nitrogenadas.
O nitrogênio é, portanto, um nutriente limitante e precisa ser fixado para se tornar utilizável pelas plantas (Figura 6).
A fixação biológica do nitrogênio responde por 90% do total de nitrogênio fixado na natureza. Já a fixação industrial
(processo Haber-Bosch) é utilizada para fabricar fertilizantes e fornecer nitrogênio utilizável às plantações. Esse fluxo é
comparável à fixação natural.
Fenômenos físicos, como os relâmpagos e faíscas elétricas, são processos fixadores de nitrogênio. A produção de
amônia por esses fenômenos atmosféricos é pequeníssima, sendo praticamente negligenciável em face às necessidades dos
seres vivos.
A biofixação do N2 é realizada por microrganismos que vivem livres no solo — bactérias dos gêneros Azobacter
(aeróbias) e Clostridium (anaeróbias) — ou associados às raízes das plantas, principalmente das leguminosas (bactérias do gênero
Rhizobium), algas azuis do gênero Anabaena e Nostoc e certos fungos. Esses últimos são conhecidos genericamente por radícolas,
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pois vivem em nódulos nas raízes das plantas, estabelecendo uma relação de mutualismo, ou seja, eles recebem proteção da
planta e, em troca, lhe fornecem um farto suprimento de nitrogênio aproveitável (NH3).
Então, independentemente do tipo de fixação (biológica, física ou industrial), este processo converte gás nitrogênio
em amônia: N2 → NH3.
Combinando-se com a água do solo, a amônia forma hidróxido de amônio que ionizando-se produz amônio e íon
hidroxila. Esse processo é denominado de amonização:
A oxidação dos íons amônio produz nitritos, os quais são liberados para o meio ambiente ou oxidados a nitrato. A
conversão dos íons amônio em nitrito e nitrato é conhecida por nitrificação, que ocorre pela ação de bactérias nitrificantes
(Nitrosomonas, Nitrosococcus e Nitrobacter), que são autotróficas.
O processo de nitrificação pode ser dividido em duas etapas:
Os nitratos, quando liberados para o solo, podem ser absorvidos e metabolizados pelas plantas.
A primeira etapa da assimilação do nitrato é uma troca iônica na raiz ou na superfície de um microrganismo —
essencialmente um processo de neutralização ácido-base. Isso se dá porque o ânion trocado é normalmente um ânion de ácido
fraco, como o CO32–, capaz de agir como aceptor de prótons:
§ Raiz:
CO3–2 + 2NO3– → CO32– + Raiz:(NO3–)2
Em um sistema fechado, a acidez gerada pela nitrificação é parcialmente neutralizada pela assimilação.
§ Assimilação:
CO3–2 + 2H3O+ → CO2 + 3H2O
Sendo assim, a assimilação do nitrato é um meio de imobilização biológica de espécies nitrogenadas e, ao mesmo
tempo, de neutralizar a acidez.
As bactérias nitrificantes são quimioautotróficas, ou seja, utilizam-se da energia liberada na nitrificação para sintetizar
as suas substâncias orgânicas. Por meio da excreção ou da morte, os produtos nitrogenados dos organismos são devolvidos
ao ambiente. Os excretos nitrogenados eliminados para o ambiente, como ureia e ácido úrico, são transformados em amônia
pela ação de bactérias e fungos decompositores. Outros compostos nitrogenados, como proteínas, por exemplo, são
degradados por ação de bactérias e fungos, transformando-os em amônia. A conversão do nitrogênio orgânico em inorgânico
(NH3) é um tipo de mineralização chamado de amonificação.
A amônia produzida pelos fixadores ou pela amonificação pode ser aproveitada pelas bactérias nitrificantes ou ser
transformada em gás N2, desprendendo-se para a atmosfera. Essa devolução de nitrogênio para a atmosfera é conhecida por
desnitrificação e é comumente realizada pelas bactérias desnitrificantes (Pseudomonas denitrificans e Achromobacter).
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Aparentemente indesejável, a desnitrificação é necessária porque, se não ocorresse, a concentração de nitratos no solo
aumentaria de maneira desastrosa.
Assim, o ciclo do nitrogênio envolve, basicamente, os seguintes processos, todos mediados por microrganismos
(Figura 7):
§ Fixação: conversão de N2 em NH3
§ Amonização: conversão de NH3 em NH4+
§ Nitrificação: conversão de NH4+ em NO3–
§ Nitrosação: conversão de NH4+ em NO2–
§ Nitração: conversão de NO2– em NO3–
§ Assimilação: conversão de NO3– em nitrogênio orgânico
§ Amonificação: conversão de nitrogênio orgânico em NH3 ; e
§ Desnitrificação: conversão de NH3 em N2.
O resultado líquido dos processos biológicos e geoquímicos é que o NH4+ é imobilizado, enquanto a mobilidade do
NO3– está sujeita somente ao controle biológico. O NO3–, portanto, é prontamente lixiviado através do solo para águas
superficiais ou subterrâneas sob várias condições ambientais particulares:
§ Quando há pouco ou nenhuma planta, como num campo não cultivado ou em uma floresta desmatada;
§ Em situações nas quais as plantas estão dormentes, como no inverno; e
§ Na agricultura intensiva, onde fertilizantes nitrogenados em excesso são aplicados.
A ação antrópica tem ocasionado a poluição do ar, com lançamentos de NOx (óxidos de nitrogênio — N2O, NO,
NO2, N2O3 e N2O5), a partir de indústrias e de veículos automotores, causando danos ao ser humano e a outros organismos
vivos, principalmente em áreas de maior concentração urbana (deposição ácida, smog fotoquímico etc.).
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O uso intensivo de fertilizantes na agricultura, assim como os lançamentos de esgoto, resultam no carreamento de
nitrogênio para os corpos d’água, proporcionando o fenômeno da eutrofização, com a proliferação excessiva de algas e de
vegetação aquática. É importante ressaltar que, normalmente, em corpos d’água doce, o nutriente limitante é o fósforo e não
o nitrogênio. Em corpos salinos, o nitrogênio passa ter um papel preponderante.
No processo Haber-Bosch, o ar é a fonte de N2 e o CH4 é a fonte de H2. Ele é conduzido a aproximadamente 300
bar e 500°C na presença de um catalisador de Ni. Portanto, ele requer uma substância não renovável, é intensivo em energia
(altas pressões e temperaturas) e gera um resíduo sólido contendo um metal tóxico. Mesmo em condições tão agressivas, o
rendimento dessa reação é de apenas 26%!
Por último, o NO3– é tóxico para os seres humanos e outros mamíferos. De fato, o NO3– em si não é tóxico; ao
invés dele, é o NO2– a espécie altamente tóxica que é produzida a partir da redução do nitrato pela bactéria Escherichia coli no
trato intestinal dos mamíferos. O NO2– então reage com a hemoglobina causando uma cianose severa, especialmente em
crianças (metahemoglobinemia ou doença do bebê azul). Alternativamente, ele pode reagir com aminas secundárias para
formar N-nitrosaminas, substâncias altamente cancerígenas.
7. CICLO DO ENXOFRE
O enxofre possui um papel vital nos organismos, especialmente como um componente menor, mas essencial das
proteínas. O enxofre representa aproximadamente 0,5% da massa seca de plantas e microrganismos e 1,3% do tecido animal.
Os compostos sulfurados são determinantes da acidez da chuva, das águas superficiais e do solo. Além disso, o
enxofre presente em particulados e em gotículas no ar pode agir como regulador crítico do clima global.
O ciclo do enxofre (Figura 8) é complexo devido ao grande número de estados de oxidação que este elemento pode
assumir, incluindo o sulfeto de hidrogênio (H2S, –2), o dióxido de enxofre (SO2, +4), o sulfato (SO42–, +6) e o ácido sulfúrico
(H2SO4, +6) etc. Os processos inorgânicos são responsáveis por muitas destas transformações, mas os organismos vivos,
especialmente as bactérias, também sequestram o enxofre em depósitos biogênicos ou o liberam para o meio ambiente. Qual
dos vários tipos de bactérias irão prevalecer em uma determinada situação irá depender da concentração de oxigênio, do pH
e do nível de luminosidade.
Compostos reduzidos de enxofre, principalmente o H2S, são formados por atividade bacteriana anaeróbica, no
processo de oxidação de carbono orgânico a CO2 e redução de SO42– a S2–. Parte deste, ao reagir com íons metálicos é fixado
na litosfera, na forma de rochas e sedimentos.
Na presença de oxigênio, bactérias aeróbicas também podem produzir S2–, pela decomposição de matéria biológica
contendo enxofre
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Compostos reduzidos de enxofre como o H2S, o dimetil sulfeto (DMS ou CH3SCH3), o sulfeto de carbonila (COS)
e o dissulfeto de carbono (CS2) são voláteis e rapidamente escapam para a atmosfera. Na troposfera, eles tendem a ser oxidados
a SO2.
A maioria do enxofre da Terra está combinado em rochas e minerais subterrâneos, tais como o dissulfeto de ferro
(pirita, FeS2) e o sulfato de cálcio hidratado (gesso ou gipsita, CaSO4·2H2O). Este enxofre inorgânico é liberado para a
atmosfera e para as águas pelo intemperismo, por emissões de vulcões marinhos e por erupções vulcânicas.
Os ecossistemas, de uma forma geral, não necessitam tanto de enxofre como de nitrogênio e fósforo, mas quando
se formam sulfetos de ferro nos sedimentos, o fósforo é convertido de uma forma insolúvel a uma forma solúvel, sendo que
esta forma pode ser assimilada pelos organismos vivos.
No reservatório terrestre, os microrganismos têm função preponderante, devido a reações redox. Dessas reações
resulta a recuperação do enxofre dos sedimentos mais profundos.
As atividades antrópicas também liberam grandes quantidades de enxofre, principalmente através da queima de
combustíveis fósseis. As emissões totais de enxofre de origem antropogênica por ano são equivalentes àquelas vindas de
processos naturais, sendo a chuva ácida principalmente causada pelo ácido sulfúrico produzido como resultado do uso de
combustíveis fósseis, um sério problema em muitas áreas. O SO2 e os aerossóis contendo SO42– causam problemas à saúde
humana, danificam prédios e vegetações e reduzem a visibilidade.
No ciclo biogeoquímico do enxofre, podemos ver o quão dramático pode ser o impacto ambiental das atividades
humanas sobre a natureza (em escala global). Na época pré-industrial, o fluxo líquido de enxofre (como aerossol de sulfatos)
era do oceano para o continente. Se observarmos a Figura 8, houve uma reversão do fluxo líquido de enxofre, agora do
continente para os oceanos.
8. CONCLUSÕES
Esperamos ter, em poucas páginas, enfatizado o caráter cíclico da matéria em nosso planeta. Diferentemente da
energia, a quantidade de matéria na Terra é aproximadamente constante, desde que desconsideremos trocas com o espaço
(meteoros, perda de gás hidrogênio) e reações nucleares. É importante termos essa consciência porque a matéria tem de estar
sempre em movimento para que os processos biológicos que sustentam a vida sejam mantidos.
Esperamos também ter enfatizado o papel fundamental dos microrganismos nos ciclos biogeoquímicos. Sem a
decomposição microbiana da matéria orgânica morta, liberando os elementos que a constituem, os ciclos simplesmente não
existiriam.
Pudemos também perceber que os ciclos não são estanques, isto é, interagem entre si. Isso ilustra muito bem o fato
de que havendo um desequilíbrio em um ciclo, fatalmente esse desequilíbrio se estenderá a outros ciclos, fazendo que se
chegue até o ser humano, uma vez que o ser humano depende dos ecossistemas onde vive.
Através das atividades antrópicas, temos causado grandes impactos aos ciclos, aumentando alguns reservatórios e
diminuindo outros (como exemplo, temos a adição de gás carbônico à atmosfera e a redução das reservas de fósforo pela
mineração excessiva), alterando ou até criando ou impedindo fontes e sumidouros.
É certo que os ciclos biogeoquímicos têm uma determinada resiliência, adaptando-se a mudanças ambientais.
Esquecemos, porém, que as adaptações acontecem ao longo de milhares ou até milhões de anos. As atividades antrópicas têm
imposto mudanças bastante significativas em um curto espaço de tempo. Basta recordarmos que, em aproximadamente 200
anos, fomos capazes de inverter o fluxo de enxofre entre os oceanos e os continentes!
Ainda sabemos pouco sobre o funcionamento dos ciclos biogeoquímicos. As mudanças ambientais globais nos
trouxeram a um terreno perigoso, por ser desconhecido. Nem os mais avançados simuladores são capazes de prever o
resultado das modificações realizadas na intrincada rede que nos sustenta.
LITERATURA RECOMENDADA
ADUAN, R. E.; VILELA, M. F.; REIS JÚNIOR, F. B. Os grandes ciclos biogeoquímicos do planeta. Planaltina: Embrapa Cerrados, 2004. 25 p.
ANDREAE, M. O. Ocean-atmosphere interactions in the global biogeochemical sulfur cycle. Marine Chemistry, v. 30, p. 1-29, 1990.
BAIRD, C.; CANN, M. Environmental chemistry. Nova Iorque: W. H. Freeman and Company, 2012. 736 p.
BATES, T. S.; LAMB, B. K.; GUENTHER, A.; DIGNON, J.; STOIBER, R. E. Sulfur emission to the atmosphere from natural sources. Journal of
Atmospheric Chemistry, v. 14, n. 1-4, p. 315-337, 1992.
BRIMBLECOMBE, P. The global sulphur cycle. In: HOLLAND, H. D.; TUREKIAN, K. K.; SCHLESINGER, W. H. (Eds.). Treatise on Geochemistry.
Amsterdã: Elsevier Science Ltd., 2005. v. 8, 720 p.
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