Apostila Teoria e Crítica Literária Ii
Apostila Teoria e Crítica Literária Ii
Apostila Teoria e Crítica Literária Ii
LITERÁRIA II
INTRODUÇÃO
Prezado aluno,
Bons estudos!
1 ELEMENTOS DA CONSTRUÇÃO LITERÁRIA
Quando falamos em texto literário, não nos damos conta dos mecanismos
usados pelos autores para construção de suas realidades discursivas-textuais. Todo
texto (FLACH; GONÇALVES, 2018) leva consigo alguns elementos dos quais o
teórico precisa lembrar – ainda que essa relação não seja tão clara para o leitor
comum. Quando adquire um livro, seja de romance, de poesia, ou qualquer outra
produção literária, na maioria das vezes o leitor não se atente às qualidades técnicas
e literárias daquela obra, mas isso não é em si mesmo um mal, na medida em que a
maioria dos leitores ao adquirir uma obra não está preocupado com a relação que
essa produção literária tem com o seu contexto teórico. Fica, portanto, a cargo do
estudioso ou pesquisador pensar a produção literária em sua relação com a teoria ou
com a linguagem. Quando falamos de Teoria literária nos referimos a arcabouços
teóricos que nos ajuda a pensar a obra literária, em seus múltiplos gêneros e em seus
muitos contextos de produção.
Como afirma Brait (2010), são muitas as relações existentes entre língua,
linguagem e literatura e essas relações podem ser estudadas sob múltiplos e variados
olhares, sejam eles verbais, visuais ou verbo-visuais. O todo que resulta dessas
múltiplas abordagens pode ser tido como as muitas vertentes de observação do
fenômeno literário. Sempre considerando o texto (em suas várias acepções) como
uma forma de conhecimento, fonte de prazer ou como uma maneira de observar e
usufruir das muitas e variadas implicações de um texto de natureza literária e, em
última instância, também observar como esses textos acabam por refletir à sua
maneira o modo como observarmos ou nos relacionamos com a vida.
O pensar a linguagem é absolutamente necessário (KIRCHOF, 2017) se
quisermos pensar na produção literária e se quisermos pensar em texto literário em
sua apreensão tanto prática como teórica, ou seja, quando pensamos na leitura do
texto literário ou quando procuramos saber sobre a produção, circulação e recepção
do texto que traz consigo uma apreensão literária das muitas realidades existentes.
Com o intuito de representar as muitas realidades a criatura humana se vale das
muitas capacidades às quais ele possui, inclusive da língua com sua centralidade na
palavra, bem como da linguagem em uma acepção mais geral.
Para Trask (2004), a linguagem é faculdade cognitiva exclusiva da espécie
humana que permite a cada indivíduo – a cada ser humano – representar e expressar
simbolicamente sua experiência de vida, suas relações com a realidade, assim como
adquirir, processar, produzir e transmitir conhecimento. Como mostra Bordenave
(1997), homens são seres muito particulares, porque teem particularmente essa
capacidade admirável de significar, isto é, de produzir sentido por meio de símbolos,
sinais, signos, ícones etc. Ou em palavras mais diretas, os sentidos são produzidos
por meio da linguagem.
Nenhum gesto humano é neutro, ingênuo, vazio de sentido. Muito pelo
contrário, ele é sempre carregado de sentidos, em suas muitas e variadas
manifestações, e cabe justamente à nossa capacidade de linguagem interpretar os
sentidos contidos em cada manifestação dos outros membros da nossa espécie.
Então, todo sistema de signos empregados pelo ser humano com o intuito de
expressar seus sentimentos e experiências e materializar seus pensamentos podem
ser chamados de linguagens.
Como nos ensina Santee e Temer (2011), o intuito primordial para o teórico
russo era perceber os elementos da linguagem que compõe o que o teórico chamou
de linguagem poética. Portanto, é preciso que se perceba que o principal objetivo era
explicar a dinâmica que rege aquilo que mais tarde será chamada de linguagem
literária.
Então, como mostrado acima temos (1) a Função emotiva (ou expressiva), cuja
principal característica é uma expressão direta de quem fala com o intuito de despertar
uma emoção; (2) a Função conativa, que tem como principal característica é a sua
construção por frases no vocativo ou no modo imperativo; (3) a Função fática, cuja
comunicação está centrada no canal e é utilizada comumente para atrair a atenção
do interlocutor e procura confirmar essa atenção constantemente; (4) a Função
metalinguística, que se caracteriza a verificação do código usado pelos interlocutores;
(5) a Função referencial (ou denotativa) é aquela que se volta para o contexto em que
a mensagem é produzida e (6) a Função poética, que, ao fim e ao cabo, era o principal
objeto de estudo de Jacobson, estuda as característica da linguagem poética, ou
como costuma-se dizer, a linguagem literária.
No quadro abaixo podemos observar como as funções da linguagem se
organizam em paralelo com os elementos do esquema de comunicação.
Como nos ensina Silva (2014), conviver com a literatura em suas várias
manifestações é entrar em um mundo de histórias, paixões e sensações. Aquilo que
comumente é chamado de fenômeno literários, em outro momento da história –
durante tempo áureo do formalismo russo – já foi chamado de literalidade, ou, em
outros termos, as características daquilo que é literário. Acreditou-se que, por ser uma
forma de escrita que carrega consigo algumas características que são a ela
particulares, o fenômeno literário era diferente de outras formas de linguagem na
medida em que na literatura a expressividade e o uso da palavra se faziam perceber
facilmente, sem grandes dificuldades para o homem de cultura letrada.
O primeiro filosofo a colocar em prática uma sistematização da linguagem foi
Aristóteles (384-322); para ela a linguagem humana poderia ser estudada sobre duas
vertentes; a “retórica”, que poderia ser definida como a arte de falar bem e convencer
a outros, e a “poética” que seria a linguagem literária em todas as suas manifestações.
Para os gregos do tempo de Aristóteles a palavra poética era aplicada a todas as artes
que usavam a palavra como um instrumento de beleza e encantamento. As reflexões
do filósofo sobre a arte poética continuam a mover estudos em todas as partes do
mundo considerando seus ensinamentos. Ao refletir sobre a tragédia, o filosofo
inaugura o uso de um termo que acompanhará a trajetória dos estudos acadêmicos
acerca da literatura em todos os lugares do mundo, o termo mimesis. De acordo com
o filosofo:
Fonte: Brasilescola.com.
O texto de Aristóteles, A Poética, por sua relevância e pioneirismo, acabou por
se tornar um marco da teoria que trabalha com a produção literária. Segundo Pereira
(2008), pesar de sua transmissão para as gerações futuras não ser tranquila, mas
conturbada, os pressupostos acabaram por se tornar uma obra unânime na
compreensão do sistema literário ocidental. Alguns já disseram que todos os
elementos contidos na Poética é uma resposta à desvalorização revelada pelo mestre
de Aristóteles, Platão, à obra literária. Em sua obra, A República, o filósofo se colocou
em contrário a toda e qualquer forma de imitação da realidade, inclusive aquele tipo
de imitação que se caracterizava pela imitação da realidade em forma de literatura,
de narrativa.
Com relação a função que o mito exerce na sociedade humana, de forma geral,
e como ele pode ser instrumentalizado pela teoria da literatura, de forma específica,
temos Monfordini (2005) que explica como o mito, ou sua conceituação, sofreu
diversas mudanças em diferentes momentos da história. Segundo a autora o advento
das novas tecnologias que possibilitaram o uso mais frequentes de registros gráficos,
acabaram por possibilitar novar abordagens para aquelas narrativas que se faziam
oralmente em momentos passados da história da humanidade. Nas sociedades
arcaicas o mito trazia consigo a representação de uma história verdadeira que servia
para explicar os fenômenos que acontecia naquela sociedade.
Ao olhar para o uso do mito em esfera religiosa, Eliade (1978) percebe que
para os povos antigos o mito funcionava como uma narrativa verdadeira que explicava
como as coisas vieram a existir, bem como os motivos pelos quais os deuses criaram
aquelas coisas e os motivos pelos quais elas se mantém. O mito, nessa perspectiva,
descreveria coisas que diziam respeito ao ser humano. Assim, o que se tem nos mitos
é um modelo exemplar e narrativo de toda a atividade humana, visto a partir da
perspectiva do sagrado, do mundo dos deuses.
2.3 Um instrumento avaliativo
Fonte: Adorocinema.com
Uma das questões fulcrais para a Teoria da literatura é poder definir seu objeto
de estudo, ou seja, definir o que é literatura. Com o passar dos tempos, porém, essa
questão acabou por tomar outras proporções na medida em que foram percebendo
que o elemento primordial para compreensão da obra literária era, sem dúvida, o seu
efeito subjetivo sobre o leitor. Essa secularização – por assim dizer – não desobriga o
estudioso da literatura a se pergunta o que ela é e como é possível estuda-la. Para
estudar a obra literária, um dos caminhos possíveis é desmembrá-la em seus
elementos constitutivos com vistas a analisar aquela obra e sua forma de
funcionamento. De onde surge o caminho de analisar a narrativa partindo de seus
elementos de constituição, como por exemplo, o narrador, as personagens, o tempo,
o espaço, etc.
3.1 A Personagem
3.2 O Espaço
Por um longo período de tempo (SILVA, 2014), o espaço da narrativa foi visto
como algo que poderia ser estudado em separado em relação aos personagens; mas
essa preposição não tem sido apoiada pela maioria dos teóricos da narrativa. Em
sentido prático, podemos dizer que o espaço é considerado um dos elementos
estruturantes da narrativa, ao lado do tempo, dos personagens e do enredo, dentre
outros. As acepções mais usuais do senso comum e de maior sobrevivência tratam
deste conceito como algo que se aproxima em maior ou menor grau da ideia de
cenário tal como concebida pela dramaturgia clássica, ou seja, o espaço está para a
narrativa da mesma forma que o cenário está para o teatro.
A primazia do espaço em narrativas, dependerá do gênero que estiver
estudando discursivo a partir do qual estão se entendendo a obra literária. Em uma
narrativa de mistério, em uma narrativa de fantasia ou em uma narrativa dramática o
espaço terá maior ou menor importância dependendo da intenção do autor no
desenvolvimento de sua história. “A intensidade, a frequência e a densidade com que
os lugares geográficos se impõem no conjunto da obra literária estão relacionadas
intimamente às outras tantas características do enredo, em uma relação simbiótica de
difícil mensuração do que vem primeiro” (MOISÉS, 2014, p. 136-139).
Portanto, a função do espaço em uma obra literária não é de mera
contextualização. Sua importância vai muito além de situar banalmente as ações das
personagens. O espaço, muitas vezes, estabelece com as personagens e com as
tramas uma interação genuína e indissociável, influenciando atitudes, pensamentos e
emoções. Boa parte das eventuais transformações pelas quais os indivíduos ficcionais
passam ao longo da narrativa e muitas das reviravoltas que ocorrem na trama são
provocadas pelas características geográficas (GANCHO, 2014, p. 27).
Modernamente (MOISÉS, 2014) tem se verificado uma diversificação do
espaço no que diz respeito a sua nomenclatura e no que diz respeito à sua prática de
uso em narrativas; ou seja, tem se considerado espaço na narrativa não apenas os
espações que seja uma transposição de espaços geográficos, mas também outras
categorias de espaço. Mesmo considerando suas grandes categorizações, é
importante não confundir o espaço narrativo com ambientações geográficas. No
espaço narrativo, temos um recurso usado pelo narrador para incrementar a enredo.
Estão falando hoje em outras espécies ou categorização do espaço:
3.3 O Tempo
Toda narrativa é uma história em que alguns elementos são constitutivos a ela.
A personagem, a respeito de quem se fala na história; o espaço, lugar físico ou
psicológico no qual a história se desenrola; o tempo, o momento em que o enredo é
desenvolvido e o espaço, lugar geográfico ou psicológico no qual as ações são
desenroladas; além desses e outros elementos que estão presentes na narrativa,
podemos observar outras características do fenômeno literário.
Em sentido mais elementar, falaremos agora em outros elementos da narrativa
dos quais ainda não tratamos. Tratar de tais elementos nos ajudam a fazer e
desenvolver modos de análise de narrativas que nos auxiliam na leitura da vasta
produção literária que está à nossa disposição sob vários aspectos contextuais. O
foco narrativo; a voz narrativa e construção de sentido são os elementos nos quais
focaremos.
Foco narrativo não é o mesmo que enredo. No enredo (KIRCHOF, 2013) tem-
se a história contada, no foco narrativo tem-se o modo como essa história é contada.
O modo ou a perspectiva a partir da qual a narrativa é contada chama-se de foco
narrativo; essa narrativa pode ser contada por um dos personagens da história – então
teremos a narrativa em primeira pessoa – ou essa narrativa pode ser contada por um
narrador que não participa da história – então teremos uma narrativa em terceira
pessoa.
Figura 1 – Modos de narrativas e suas características
Fonte: Deficwriterparaficwriter.com.
5.1 O Estranhamento
Toda obra de arte, seja ela literária ou não, tem como principal intuito causar
uma espécie de releitura do mundo com suas formas e não formas. A esse tipo de
releitura deu-se o nome de estranhamento. Assim, “Estranhamento” é um recurso
usado pelas artes em geral que tem como principal intuito causar admiração naquele
que observa a produção artística; é causar incómodo no espectador a ponto de ele
admitir um desconforto diante daquela realidade artística que se coloca diante dele. É
se posto diante de uma realidade da qual não se estava consciente.
É, diante do espanto causado por uma nova forma de contemplar a realidade,
ter um agradável incomodo por adquirir uma nova percepção diante de um fato que,
apesar de conhecido, se mostra com outras possibilidades de percepção. Estranhar,
nesse sentido, é portanto, espantar-se, é não achar normal uma determinada maneira
se ser, de agir ou de perceber os fatos no mundo. O trabalho primordial do artista é
causar esse estranhamento por meio de sua produção artística. Nas palavras do
teórico russo Chklovski (1990),
O autor afirma também que o autor implícito é aquele que veicula um “valor”
principal na obra, que pode ser percebido não apenas por essa imagem narrativa, mas
em cada personagem, em cada cena narrada até que esse autor implícito se constitua
como um todo harmônico. Nesse interim, podemos observar o teórico (BOOTH, 1980,
p. 91) quando diz que “o sentido que temos do autor implícito inclui não só os
significados que podem ser extraídos, como também o conteúdo emocional ou moral
de cada parcela de ação e sofrimento de todos os personagens”. Assim, “o principal
valor para com o qual este autor implícito se comprometeu, independentemente do
partido a que pertence na vida real – isto é, o que a forma total exprime”
Fonte: Ensayistas.org.
Temos assim que o autor real é a pessoa que escreve a história, o nome que
aparece na capa do livro; o autor personagem é aquele narrador que participa da
história como um personagem dela; enquanto que o narrador é aquele que nos faz
conhecer a história, participe ele da narrativa ou não e o autor implícito é aquela
“imagem de narrador” que nos é criada e fornecida pelo próprio texto, pela própria
narrativa.
A teoria do ‘leitor implícito’ de Iser, por sua vez, data de 1976. Enquanto Jauss
se interessa pela dimensão histórica da recepção, Iser se volta para o efeito
do texto sobre o leitor particular. O princípio de ser é que o leitor é o
pressuposto do texto. Portanto, trata‐se de mostrar, por um lado, como uma
obra organiza e dirige a leitura, e, por outro, o modo como o indivíduo reage
no plano cognitivo aos percursos impostos pelo texto (JOUVE, 2002, p. 14).
Fonte: Coggle.it.
Olhando para Cegalla (2008), podemos dizer que os estudos a respeito das
figuras de linguagem são estudados por uma área da gramática que é chamada,
comumente, de estilística, seção que estuda os recursos expressivos da língua. Em
outros termos, “figuras de linguagem, também chamadas figuras de estilo, são
recursos especiais de que se vale quem fala ou escreve, para comunicar à expressão
mais força e colorido, intensidade e beleza” (CEGALLA, 2008, p. 614). Ainda segundo
o estudioso, as figuras de linguagem podem ser classificadas em três tipos ou
espécies:
Ainda nos lembrando do estilo, como defendido por Bechara (2009, p. 523),
quando afirma que “entende-se por estilo o conjunto de processos que fazem da
língua representativa um meio de exteriorização psíquica e apelo”. Se considerarmos
a estilística como a parti dos estudos da linguagem que se ocupa do estilo, pode-se
afirmar também que estilo é “a solução para se fazer a língua da representação
intelectiva servir às funções não intelectivas da manifestação psíquica e do apelo, é
naturalmente levado a “deformar” os fatos gramaticais quando por eles aquelas
funções não poderiam figurar” (BECHARA, 2009, p. 524). É preciso lembra que a
estilística é um campo de estudo extremamente vasto que contempla todas as
nuanças da linguagem. Como ensina Bechara:
Quando nos referimos aos campos da estilística, podemos entender que esses
campos estão claramente definidos pelos muitos estudos que se prestam a estudar
essa parte da linguagem desde os tempos mais remotos da civilização humana, desde
os tempos áureos da filosofia antiga, passando pela filosofia medieval e chegando até
a filosofia moderna. Os campos de estudo da estilística podem ser determinados ou
descritos da seguinte forma:
• Campo fônico – que procura indagar sobre o valor expressivo dos sons;
• Campo morfológico – que sondam o uso expressivo das formas gramaticais;
• Campo sintático – que procura explicar o valor expressivo das construções;
• Campo semântico – que olha o valor ocasional de certas palavras.
Como nos ensina Cereja e Magalhães (2016), cada tipo de linguagem, em seus
muitos usos e modos de expressão, apresentam uma unidade básica diferente. A
linguagem verbal, por exemplo, é aquela cuja unidade básica é a palavra; a linguagem
não verbal possui unidades básicas diferentes da palavra, como os gestos, a nota
musical, o sinal de transito, etc. Existe também aquela linguagem que é chamada de
multimodal ou mista que combina unidades de diferentes linguagens. Mas todos esses
modos de linguagem têm como principal intuito o convencimento, ou seja, a levar o
leitor ou telespectador a uma toma de posição em relação aquilo que é dito ou
mostrado. Esse mesmo princípio proposital aplica-se às figuras de linguagem.
Fonte: Todamateria.com.br.
[…] Não se há de confundir análise literária com análise estilística, pois que,
trabalhando num mesmo trecho, tem preocupações diferentes e utilizam
ferramentas também diversas. Em que pese à autoridade de nossos
programas oficiais para ensino de Língua Portuguesa, o que deve ser,
primordialmente, objeto da tarefa do professor de língua é a análise estilística
(ainda que elementar, como reza a letra deste mesmo programa), e não a
análise literária, que é da alçada do professor de Literatura. Ensinando-se a
língua portuguesa, nada mais natural do que, num texto literário ou não,
ressaltar o sistema expressivo e sua eficácia estética no idioma ou nas
particularidades idiomáticas de um autor literário ou de um simples falante.
Para a estilística, interessa tanto a depreensão dos traços estilísticos da
língua oral como da escrita, do falante comum e do literato. Com razão disse
Vossler [1872-1949] que na linguagem de um mendigo vagabundo há
gotinhas estilísticas da mesma natureza que todo o mundo expressional de
um Shakespeare (BECHARA, 2009, p. 524).
Fonte: Todamateria.com.br.
Como se pode observar, não é fácil conceituar aquilo que chamamos de figuras
de linguagem; e muito dessa dificuldade é percebida quando se coloca de forma
comparativa as falas de vários autores com suas várias perspectivas. Sejam elas de
ordem de concepção teórica, sejam elas de práticas discursivas (CULLER, 1999). O
fato é que as figuras de linguagem, não importa a classificação que demos a elas
despontam como poderosos recursos linguísticos na produção de sentidos. Vejamos
resumidamente como cada uma dessas figuras podem ser conceituadas:
Fonte: Todamateria.com.br.
Figuras de som – acontece quando se usa a sonoridade das palavras com
intuito expressivo em uma frase. Essas figuras de linguagem também podem ser
chamadas de figuras de sonoridade. Encaixam-se nessa definição a Aliteração, a
Assonância, a Onomatopeia e a Paronomásia. Vejamos resumidamente como cada
uma dessas figuras operam:
• Aliteração é a repetição de consoantes ou sílabas;
• Assonância é a repetição de vogais;
• Onomatopeia é a imitação de sons produzidos por animais, natureza, objetos
ou pessoas;
• Paronomásia é o uso de palavras semelhantes, mas com significados
distintos.
Figuras de construção – As figuras de construção podem ser consideradas
como um recurso linguístico-discursivo que o autor de uma frase usa para causar um
maior estranhamento do seu leitor; trazendo a ele um maior sentido expressivo. Dentre
as figuras de linguagem de sintaxe temos o pleonasmo, a respeito da qual se diz que
“ela precisa ser usada com cuidado” e com muito conhecimento de causa para que
não se corra o risco de, na intenção de melhorar o texto, acabar piorando a produção
textual. Segundo Bechara:
Fonte: Coggle.it.
Não há, portanto, nesse sentido um aspecto que não seja explorado por esse
filósofo dos estudos literários (SILVA, 2014). Essa investigação que o crítico literário
oferece e ele mesmo opera pode ou não está ligado a uma instituição de ensino. Mas
o importante para o investigador da obra literária é essa preocupação em entender o
objeto último do seu trabalho, a produção artística de cunho literária.
Ainda de acordo com Venâncio (2002, p. 274), “a crítica literária não foi feita,
parece, para sossegar os espíritos. Onde houver opiniões sobre literatura, aí se instala
o conflito. E isso é bom. A polémica dá colorido ao mundo das letras. Não é aquilo que
fica, mas é seguramente o que mais ajuda a ficar”.
Uma pergunta que pode ser feita a respeito dos motivos pelos quais alguém iria
se preocupar com algo como a literatura, algo que aos olhos da maioria das pessoas
não passa de um aglomerado de história cujo principal objetivo seria trazer
entretenimento e diversão aos seus leitores. Mas nada pode estar mais distanciado
da realidade da obra literária, como bem ensinado por Lukács (1968, p. 213). Segundo
o autor:
Nesse sentido, é possível dizer que toda produção artística de cunho literário
pode ser considerada como objeto dos estudos da crítica literária; bem como a
humanidade e suas representações por meio de narrativas que tendem a contar a sua
história, seja em forma de poesia, seja em forma de prosa. A humanidade (KIRCHOF,
2013) sempre esteve preocupada em contar a sua história, suas crenças, seus mitos,
seus feitos.
A forma mais antiga para comunicar relatos, sejam eles históricos ou
mitológicos é a poesia; por meio dela os homens do passado e do presente resolveram
registrar os feitos de seu povo, de sua cultura, de sua gente. Compreender a forma e
as funções da poesia, tanto na antiguidade como no tempo presente, é o tema da
nossa próxima divisão.
7.2 Poesia Antiga
Não existe possibilidade de falar em poesia antiga sem falar em duas das obras
mais conhecidas da humanidade, Ilíada e da Odisseia, do poeta grego Homero
(século IX ou VII). Essas obras são consideradas as mais antigas produções literárias
da humanidade (FLACH; GONÇALVES, 2018). Quando analisadas do ponto de vista
do gênero, essas obras são consideradas como Narrativas Épicas, ou seja, narrativas
que podem ser caracterizadas pela contagem de histórias heroicas de um povo, no
caso específico o povo grego. Essa narrativa também pode ser caracterizada pela
presença constante e marcante de um herói, que geralmente se torna o símbolo
libertador daquele povo ou nação.
Pesquisas mais recentes têm apontado, porém, a epopeia de Gilgámesh (2000
a. C) como a mais antiga representante do gênero épico na história da humanidade.
De acordo com especialistas, essa narrativa é de origem mesopotâmica e conta como
o herói principal da narrativa venceu os povos inimigos na construção de sua nação.
A Epopeia de Gilgámesh é de autoria anônima, mas seu desenvolvimento acompanha
o desenvolvimento de outras narrativas de mesmo gênero, ou seja, narrativa das
vitórias de um povo sobre seus inimigos; presença constante de um herói vitorioso;
elementos místicos presentes em toda a narrativa. Com tradução de Jacyntho Lins
Brandão os primeiros versos da narrativa podem ser lidos da seguinte forma:
Fonte: Mundoeducacao.uol.com.br.
Fonte: Antoniomiranda.com.br.
Tal rejeição à poética tradicional ganhou o nome, no Brasil, de “passadismo”,
aquela poesia que se fazia no passado. As expressões poéticas contemporâneas (que
procuravam romper com os padrões deixados pela antiguidade clássica), em muitos
casos, procuraram juntar a força da palavra com a clareza das imagens para formar
um todo harmônico que possibilitasse ao leitor ter uma sensação tríplice (lendo,
ouvindo e vendo) ao ler um poema. O caligrama acima exposto, pode ser lido (com
tradução de Álvaro Faleiros) da seguinte forma:
reconheça
essa adorável pessoa é você
sem o grande chapéu de palha
olho
nariz
boca
aqui o oval do seu rosto
seu lindo pescoço
um pouco
mais abaixo
é seu coração
que bate
aqui enfim
a imperfeita imagem
de seu busto adorado
visto como
se através de uma nuvem
Todo gênero é discursivo (BOOTH, 1980), uma vez que lida com articulação da
fala mediado por um contexto de relações que envolvem tanto o indivíduo quanto a
sociedade na qual aquele indivíduo está inserido. Essa percepção do gênero e do seu
uso na modernidade vem sendo desenvolvido a partir dos estudos acerca do filósofo
da linguagem Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) cujas estudos em muito
contribuíram para o desenvolvimento dos estudos da linguagem.
Em Brait (2010), temos largos estudos os quais podem ser observados para a
composição de uma “teoria dialógica do discurso” que acabou por influenciar vários
campos do saber, dentre os quais a literatura com seu principal objeto de estudo.
Bakhtin, e suas ideias acerca do discurso e do gênero e suas manifestações em várias
esferas da comunicação humana, evocam uma série de conceitos e modos de
percepção que ainda estão influenciando os estudos linguísticos, literários e em outras
ciências humanas (JAKOBSON, 2008). Essa gama de conhecimentos foi agrupada
naquilo que se denominam hoje de pensamento bakhtiniano. Assim o pensamento de
Bakhtin e daqueles intelectuais que o ajudaram a formular seus pensamentos – que
ficaram conhecidos como o Círculo de Bakhtin – deram forma a uma teoria que ficou
conhecida no Brasil como Teoria dialógica ou Dialogismo.
Para compreender o que [o pensamento bakhtiniano] significa da perspectiva
epistemológica, metodológica, teórica e também humana, histórica e
contextual, é preciso considerar as especificidades das obras que constituem
esse pensamento, que chegaram ao Ocidente de maneira não cronológica, e
alguns aspectos relativos às origens dos pensadores que edificaram essas
ideias em seu dia-a-dia profissional (a maioria lecionava para ganhar a vida
e atuar na educação e na cultura do país), marcado pelo difícil cotidiano dos
anos revolucionários. Desde 1918, na cidade de Niével, e de 1924 a 1929,
nas cidades de Vítesbk (atualmente Bielo-rússia) e Leningrado, Bakhtin e
outros intelectuais bastante próximos a ele, de consistente formação
filosófica, literária, científica e/ou artística, participaram de um esforço para
construir uma sólida e diferenciada posição diante da linguagem e da vida,
dialogando polêmica e produtivamente com a linguística, o formalismo, a
psicologia, a filosofia, o marxismo ortodoxo (BRAIT, 2010, apresentação)
Mais do que pensar na ideia de gênero como elemento constitutivo daquilo que
Bakhtin (2003) chamará de “comunicação discursiva”, ou seja, aquela comunicação
que tem como elemento principal o dialogismo, o diálogo entre duas consciências em
uma relação de troca que resulta em enunciados mais ou menos estáveis aos quais o
autor dá o nome de gênero. Ainda segundo o teórico russo, os gêneros discursivos
podem ser divididos em duas espécies, os gêneros primários, aqueles que são
formados a partir da linguagem oral e os gêneros secundários, aqueles que surgem a
partir da comunicação escrita, da linguagem textual.
Diante dos desafios de conceituação dos gêneros, segundo Trask (2004), uma
contribuição importante foi dada pelos estudiosos do texto, aqueles que se voltaram
para a linguística textual para entender a relação entre texto e discurso. Além de
pensar na relação entre texto e discurso, esses estudiosos encabeçaram ricas
reflexões acerca da tipologia textual. Essa tipologia pode ser vista no quadro abaixo.
Figura 1 – Gêneros textuais
Fonte: Viacarreira.com.
É nesse sentido que podemos dizer (CEGALLA, 2008) que a língua, mais do
que um instrumento para a comunicação pessoal, é um sistema de signos, um
fenômeno social, no qual por meio da sua abstração em uso é possível conhecer a
cultura e o outro inserido nessa cultura para a construção de realidades discursivas,
como indicado por Trask (2004).
Assim, a língua em seus muitos usos deve ser compreendida como um
conjunto de maneira de fazer e maneiras de falares nos quais o enunciador volta-se
para o outro, por meio das palavras, e tenta expressar-se a esse outro emoldurando
seus pensamentos em forma de gêneros e nessa dinâmica, dialógica por natureza,
acontece o dialogismo.
8.3 Literatura e outras artes
Alguns teóricos têm estudado essa forma de relação sob o tema de dialogismo,
ou seja, quando uma produção artística dialoga com outra; outros teóricos, contudo,
preferem usar o termo intertextualidade, quando um texto (seja ele literário, fílmico ou
artístico) faz menção direta ou indireta a outro texto. Outros críticos, contudo,
defendem a ideia de que não é possível falar de intertextualidade ou diálogo sem que
o interlocutor tenha consciência da dinâmica em que um texto faz menção de outro
texto.
Fonte: Batman-news.
AMARO, A. Novas Leitura - Português, 8º ano. Cons. Cient. Pedag. Antônio Leal, 1º
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GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. São Paulo: Ática, 2014.
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PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Prefácio (In: ARISTÓTELES. Poética. São Paulo:
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PERSONAGEM. Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (On-Line). Disponível
em: https://www.dicio.com.br/. Acesso em 28/03/2023.