Aula 1 - O IMPACTO CULTURAL DO CONTATO ENTRE EUROPEUS E ÍNDIOS. O SÉCULO XVI
Aula 1 - O IMPACTO CULTURAL DO CONTATO ENTRE EUROPEUS E ÍNDIOS. O SÉCULO XVI
Aula 1 - O IMPACTO CULTURAL DO CONTATO ENTRE EUROPEUS E ÍNDIOS. O SÉCULO XVI
INDÍGENAS E
AFRODESCENDENTES
OBJETIVOS
Reconhecer parte da diversidade indígena que compunha o território que mais tarde deu origem ao Brasil.
Analisar as diversas percepções construídas pelo europeu sobre os índios, visões que se diferenciam de acordo com
as relações estabelecidas;
Tupi-Guarani
O primeiro, que ficou conhecido como tupi-guarani graças às semelhanças linguísticas observadas, abarcava uma série
de sociedades que vivia na extensa região litorânea desde São Vicente (no sul) até o Maranhão. Tupinambás,
tupiniquins, tupinaê e guaranis são exemplos de sociedades indígenas que faziam parte da família linguística tupi-
guarani.
Tapuias
No outro grupo estavam os tapuias (palavra tupi que significa os “fugidos da aldeia”, ou “aqueles de língua enrolada”)
que ocupavam regiões mais interioranas. Ao que tudo indica, os portugueses acabaram se apropriando da
diferenciação que os tupi-guaranis faziam em relação aos grupos que não faziam parte da sua matriz linguística,
colocando sob a mesma nomenclatura sociedades indígenas extremamente diversas como os cariris, jês, e os
caraíbas.
Ao descrever os aimorés (um dos tantos povos classificados como tapuias), o português Gabriel Soares de Souza
disse:“Descendem estes aimorés de outros gentios a que chamam tapuias, dos quais nos tempos de atrás se
ausentaram certos casais, e foram-se para umas serras mui ásperas, fugindo a um desbarate, em que os puseram seus
contrários, onde residiram muitos anos sem verem outra gente; e os que destes descenderam, vieram a perder a
linguagem e fizeram outra nova que se não entende de nenhuma outra nação do gentio de todo este Estado do
Brasil”Gabriel Soares de Souza, Tratado descritivo do Brasil, 1587, pp.78-79.
Dentre os tupi-guaranis, a sociedade tupinambá acabou tornando-se uma das mais conhecidas, graças ao intenso
contato com os portugueses durante os séculos XVI e XVII. O historiador Stuart Schwartz salientou que os tupinambás
viviam em aldeias que possuíam de quatrocentos a oitocentos indivíduos. Tais aldeias eram divididas em unidades
familiares que viviam em até oito malocas. As unidades familiares, por sua vez, estavam estruturadas pelo parentesco
familiar e obedeciam à divisão sexual do trabalho: grosso modo, aos homens cabia as atividades de caça, pesca e de
guerra, e às mulheres o cuidado com a agricultura e com a casa.
A agricultura era uma prática que diferenciava os tupinambás dos demais povos tupi-guaranis. Para preparar o solo
para a semeadura, os tupinambás desenvolveram uma técnica que rapidamente foi incorporada pelos colonos
portugueses: a coivara (glossário) .
Outra característica marcante dos tupinambás era seu ímpeto guerreiro. A guerra tinha funções econômicas e
simbólicas para esse povo, na medida em que viabilizava a obtenção de prisioneiros de guerra e a ampliação territorial,
além de criar uma intricada rede de status que definia diversos aspectos da vida em sociedade, sobretudo os
matrimônios.
Junto com a guerra, os tupinambás praticavam o canibalismo ritual que causou horror e curiosidade aos colonos
portugueses. Baseado na cosmogonia tupinambá, o canibalismo era um ritual antropofágico, no qual o inimigo
prisioneiro de guerra era (depois de uma iniciação), morto pela sociedade vitoriosa, e tinha suas partes distribuídas
dentre os indivíduos do grupo vencedor. A ideia era se alimentar (simbolicamente) das características do oponente.
Como sugerido há pouco, traçar padrões culturais e sociais dos tapuias é uma tarefa muito difícil, na medida em que
eles não formavam um grupo que se identificava como tal. Estudos recentes apontam que os tapuias pertenciam a
diferentes troncos linguísticos, ou seja: eles eram os “não-tupis”, o que significa que eles eram muitas coisas. Um dos
povos tapuias mais estudados é o aimoré devido à frequente resistência imposta ao aldeamento e catequese
portuguesa. Pertencentes ao grupo etnográfico jê, os aimorés, também conhecidos como botocudos, habitavam o que
hoje é o estado do Espírito Santo e o Sul da Bahia.
Eram seminômades, praticavam a agricultura itinerante e tinham uma vida bélica muito desenvolvida, o que só se
intensificou com a chegada dos portugueses. A relação entre colonos e aimorés foi tão estremecida que, além de
protagonizarem uma das mais importantes rebeliões indígenas da história brasileira (a Confederação dos Tamoios), os
aimorés como todos os indígenas que recusassem a catequese estavam sujeitos à escravidão por guerra justa, de
acordo com a lei promulgada pela Coroa portuguesa em 1570.
Todavia, durante muitos anos, a diversidade indígena e a própria Ilha de Vera Cruz, pareciam não ter despertado o
interesse da Coroa portuguesa. Como apontou Manuela Carneiro da Cunha: “todo o interesse, todo o imaginário
português se concentra, à época, nas índias, enquanto espanhóis, franceses, holandeses, ingleses estão fascinados
pelo Novo Mundo” (CUNHA, 1990: 92). Foi justamente esse encantamento que fundamentou a construção das
primeiras imagens europeias sobre a nova humanidade que se apresentava.
Segundo esses homens, essa ausência era a comprovação de que os índios viviam sem Justiça e na maior desordem,
pois
Feito o contato inicial, os jesuítas passaram para o segundo estágio da catequese: a conversão, propriamente dita, dos
índios. Para tanto, os missionários organizaram os povos indígenas em aldeamentos. O objetivo principal era incutir
nesses índios valores e práticas europeias. Desse modo, os índios aldeados além de batizados, também recebiam os
primeiros ensinamentos católicos, além de ler e escrever.
Segundo os jesuítas, o aldeamento era fundamental, pois apenas essa estrutura permitia que os índios, de fato,
tivessem um contato sistemático com os preceitos cristãos. O padre Manoel da Nóbrega foi um dos que defendeu
abertamente os aldeamentos, pois, segundo ele os índios eram tão instáveis que, com a mesma facilidade que eram
convertidos, logo voltavam para “sua rudeza e bestialidade”. (Padre Manoel da Nóbrega). Para facilitar a aprendizagem,
muitos jesuítas recorreram às encenações teatrais, o que deu origem a um dos primeiro gêneros literários do Brasil.
Nos aldeamentos, os índios ainda eram treinados para exercer ofícios como tecelões, carpinteiros e ferreiros. Depois
do treino, muitos iam trabalhar para colonos sob a tutela dos jesuítas - que eram responsáveis, inclusive, pela definição
do pagamento dos índios aldeados. Em muitos casos, os aldeamentos acabavam se transformando em pequenas
unidades econômicas, cuja principal mão-de-obra era a indígena. Após a missa, muitos índios iam trabalhar na lavoura
que garantia a subsistência de todos. Os aldeamentos também tinham como objetivo acabar com a poligamia indígena
e com a liberdade sexual que existia em diferentes sociedades, incutindo o modelo cristão de família.
Como a preocupação maior era a conversão dos índios, os aldeamentos recebiam indivíduos dos mais diferentes
grupos e sociedades. Dessa convivência surgiu a língua geral (baseada no tupi) que durante muitos anos foi a mais
falada em toda a colônia. Esse convívio mais intenso também possibilitou um conhecimento mais aprofundados dos
povos indígenas.
Fonte da Imagem:
Fonte da Imagem:
As obras ao lado foram feitas pelo pintor neerlandês Albert Eckhout (1610-1666) são documentos que ajudam a
analisar de forma eficiente as duas imagens de índio criadas pelos europeus durante os séculos XVI e XVII. As duas
imagens retratam índios “brasileiros”, possivelmente guerreiros, já que ambos estão armados de arcos e flechas. No
entanto, a composição das obras apontam que tratavam-se de “tipos” distintos de índios. De um lado, está o tapuia,
representado por um homem nu, com brincos e cocares que, em tese, seriam típicos desse povo. Do outro, vê-se um
índio tupi, que já tem suas vergonhas escondidas e não utiliza nenhum adorno.
Observa-se então, que o tapuia representa o índio selvagem, que nu e cobertos de plumas e penas vive no meio da
selva. Já o tupi aparece como o índio domesticado, aquele que é passível de salvação e que por isso mesmo já vive em
outra “selva”, numa floresta mais civilizada, na qual é possível (ao fundo) ver outros índios trabalhando. Como bem
apontado por Manuela Carneiro da Cunha “Em 1500, Caminha viu “gente” em Vera Cruz. Falava-se então de homens e
mulheres. O escambo povoou a terra de “brasis” e “brasileiros”. Os engenhos distinguiram o “gentio” insubmisso do
“índio” e do “negro da terra” que trabalhavam. [...] Pelo fim do século, estão consolidadas, na realidade, duas imagens
de índios que só muito tenuamente se recobrem...” (Cunha: 1990, 109)
Glossário
COIVARA
Essa técnica consistia na abertura de clareiras em determinadas áreas florestais, que em seguida eram queimadas. As cinzas
resultantes desse processo eram utilizadas como fertilizantes do solo que, em seguida, era semeado pelas mulheres da aldeia.
Dentre os gêneros cultivados estavam o feijão, milho, abóbora, algumas frutas e, principalmente, a mandioca - base da
alimentação tupinambá e, mais tarde, de toda a colônia.