Ca de Mama Triplo-Negativo - Aspectos Clínicos, Laboratoriais e Terapêuticos

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ARTIGO DE REvIsO

cncer de mama triplo-negativo: aspectos clnicos, laboratoriais e teraputicos


Triple negative breast cancer: clinical, loboratorial and therapeutic aspects
Gustavo dos Santos Fernandes1, Aknar Calabrich2, Artur Katz3
Mdico-residente do Centro de Oncologia do Hospital Srio-Libans. Mdica-assistente do Centro de Oncologia do Hospital Srio-Libans. 3 Membro titular do Centro de Oncologia do Hospital Srio-Libans. Endereo para correspondncia: Artur Katz, MD. Centro de Oncologia do Hospital Srio-Libans. Rua Adma Jafet, 91, 01308-050, So Paulo, SP. Tel.: (11) 3155-1144, Telefax: (11) 3155-0982, e-mail: [email protected] Recebido em: 13/10/2008. Aceito aps modificaes em: 6/4/2009
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Palavras-chaves

REsUMO
O cncer de mama a neoplasia maligna mais comum entre as mulheres, e sua incidncia vem aumentando de maneira consistente nas ltimas dcadas. A melhor compreenso anatomopatolgica e molecular do cncer de mama vem permitindo observar que os diferentes subtipos desta doena apresentam caractersticas clnicas e prognsticas diferentes, alm de perfil de resposta aos tratamentos diferenciados para cada subtipo. Neste artigo, sero revistos os principais aspectos clnicos, laboratoriais e teraputicos do subgrupo de cncer de mama triplo-negativo; subgrupo de doena definido, do ponto de vista imunoistoqumico, pela ausncia de receptores hormonais ou de HER-2. Esse tipo de cncer de mama representa novo desafio para os profissionais envolvidos no tratamento multidisciplinar dessa neoplasia, e vem tornando-se foco de inmeros estudos destinados a permitir sua melhor compreenso e ao desenho de estratgias teraputicas mais eficientes.

Cncer de mama triplo negativo; Quimioterapia; Imunoistoqumica; Expresso gnica.

Keywords

ABsTRAcT
Breast cancer is the most common cancer among women; the incidence of such disease is increasing through the last decades. Recently, several advances regarding the understanding of the pathology and molecular biology of breast cancer directed us to a new understanding of the disease pathologic mechanisms, leading to a molecular classification and, consequently, a novel way to treat the patients. In this review we will focus on the main clinical, laboratorial and therapeutical aspects of the triple negative breast cancer, as well as on the differences and similarities among triple negative, basal-like and BRCA1 linked breast cancers.

Triple negative breast cancer; Chemotherapy; Immunohistochemestry; Gene expression.

Introduo
O cncer de mama a neoplasia maligna mais comum entre as mulheres, e sua incidncia vem aumentando de maneira consistente nas ltimas dcadas1. Felizmente, esse aumento no nmero de casos vem acompanhado de melhor entendimento quanto aos mecanismos moleculares relacionados doena 2, assim como do consequente desenvolvimento e incorporao de novos agentes teraputicos e estratgias, o que proporcionou importante queda na mortalidade relacionada a essa patologia 3. A melhor compreenso biolgica do cncer de mama permitiu observar que os diferentes subtipos dessa doena apresentam caractersticas clnicas e prognsticas distin-

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tas, alm de perfil de resposta ao tratamento diferenciado para cada subtipo de tumor. Na atual dcada, crescente nmero de evidncias vem demonstrando que a expresso gnica dos tumores de mama diversa entre os grupos histologicamente identificveis e, como resultado direto desse entendimento, pode-se, por exemplo, definir o emprego de drogas, como o trastuzumabe4, naquelas pacientes que apresentam expresso patologicamente aumentada do human epidermal growth factor receptor 2 (HER-2) ou dos antagonistas dos receptores de estrgeno (RE) ou de progesterona (RP) naquelas pacientes cujos tumores expressam esses receptores hormonais5. Neste cenrio das terapias dirigidas contra alvos moleculares especficos, um subgrupo especfico de cncer de mama desperta especial interesse, por ainda ser rfo de tratamento direcionado, o triplo-negativo. Neste grupo de tumores, as clulas no apresentam em sua superfcie a expresso de receptores de estrgeno, progesterona ou HER-2. Neste artigo, sero revisadas as caractersticas clnicas, biolgicas, moleculares e anatomopatolgicas desse tipo de tumor de mama, bem como sero discutidas as estratgias de tratamento mais adequadas a esse grupo de pacientes e as perspectivas futuras neste campo.

agressivas so a provvel explicao para o frequente reconhecimento e o diagnstico desse tipo de tumor no intervalo entre as mamografias anuais12. Em meio s populaes ocidentais mais estudadas, os tumores triplo-negativos representam cerca de 15% do total dos tumores de mama13-17. Epidemiologicamente, esses tumores acometem em maior frequncia pacientes jovens, habitualmente antes da menopausa, e de ascendncia africana18,19. Em uma avaliao aleatria de tumores provenientes de pacientes nigerianas20, a proporcionalidade encontrada entre os padres histolgicos e imunoistoqumicos (IHQ) foi bem diferente da obtida nos estudos ocidentais. Neste estudo, entre as 148 amostras avaliadas, 66,9% eram de mulheres pr-menopausa e 77,8% dos tumores apresentavam graus histolgicos II e III. A expresso de ER foi localizada em apenas 22,3% das pacientes e o HER2 apresentava expresso patologicamente aumentada em 18,9% dos casos. Este estudo sugere que a maioria dos tumores de mama em pacientes africanas seja do subtipo triplo-negativo, sendo muito provvel que o mecanismo carcinognico seja distinto entre a populao estudada e o padro norte-americano usual.

Aspectos clnicos
O comportamento clnico do cncer de mama triplo-negativo classicamente mais agressivo do que os demais tumores deste rgo, consequentemente, a sobrevida dessas pacientes inferior da populao geral das pacientes com essa patologia 2,6,7 e semelhante quela das pacientes portadoras de tumores HER-2 positivos, a qual igualmente representa subtipo agressivo de neoplasia mamria8,9. Alm disso, esses tumores apresentam maior tropismo por rgos slidos, sendo a ocorrncia de metstases sseas, muitas vezes, problema secundrio nesta doena. Esse maior tropismo por envolvimento visceral (como de pulmes e fgado) acompanha-se, segundo algumas sries recentes, de maior incidncia de metstases cerebrais neste grupo de tumores, fato que poder ser importante em um futuro prximo para estabelecer novas estratgias de estadiamento e, por conseguinte, de tratamento dessas pacientes10. A caracterstica agressividade e a tendncia disseminao sistmica precoce desse tipo de neoplasia so bem ilustradas em um estudo que avaliou a correlao entre o tamanho do tumor, o nmero de linfonodos comprometidos e a incidncia de metstases sistmicas, mostrando que, para os tumores triplo-negativos, a correlao sequencial desses achados, muitas vezes, rompida, sendo frequente o achado de disseminao sistmica em tumores pequenos, nos quais o comprometimento linfonodal axilar est ausente ou ocorre de maneira pouco expressiva11. Essas caractersticas celulares

Aspectos patolgicos e imunofenotpicos


No tecido mamrio humano normal, os ductos e os lbulos mamrios esto delineados por duas camadas celulares distintas, uma superficial, formada por clulas epiteliais que esto em contato direto com a luz do ducto, denominada luminal, e outra interna que possui ntima relao com a membrana basal qual est justaposta, denominada basal (Figura 1)21,22. Essas duas populaes celulares normais podem ser tanto distinguidas por sua disposio microanatmica quanto pelas suas caractersticas imunofenotpicas. As clulas epiteliais luminais so classicamente caracterizadas pela expresso de citoqueratinas (CKs) de baixo peso molecular, como CK7, CK8, CK18 e CK19, sendo tambm frequente a expresso adicional de outros marcadores, como MUC1, -6 integrina, BCL2, receptor de estrgeno (RE) ou progesterona (RP), GATA3, e molculas de adeso epitelial 23. A camada de clulas basais formada por clulas heterogneas, tanto do ponto de vista morfolgico quanto imunofenotpico, cujo perfil varia a depender de sua localizao e do status hormonal dos tecidos. Essas clulas exibem caractersticas tanto de clulas epiteliais quanto de msculo liso, sendo por isso tambm chamadas clulas mioepiteliais. Diferentemente das clulas luminais, esses elementos celulares normalmente expressam CKs de alto peso molecular (CKs basais), como CK5, CK6, CK14 e CK17, em adio a outros marcadores especficos de msculo liso (SMA e miosina de alto peso molecular), calponina, caldesmona, p63, laminina, maspina, CD10, P-caderina,
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caveolina 1, receptor do fator de crescimento neural (NGFR), S-100, GATA4, entre outros23-26. As clulas da camada basal so tipicamente negativas para a expresso para as CKs de baixo peso molecular, antgeno epitelial de membrana (EMA), desmina, RE e RP. Em vista do importante impacto prognstico e teraputico que a caracterizao do perfil de expresso gentica trouxe e da dificuldade tcnica que existe em se aplicar esses mtodos na prtica anatomopatolgica diria, grande esforo vem sendo realizado no sentido de tentar identificar caractersticas morfolgicas e imunofenotpicas que permitam predizer os achados genticos, a fim de facilitar a aplicao desses conhecimentos. Os tumores considerados geneticamente basal-smiles so aqueles que expressam genes comumente apresentados pelas clulas basais/ mioepiteliais normais. Esses aspectos genticos favorecem a proliferao celular, a supresso de apoptose, alm de favorecerem a migrao e a invaso tecidual. Consequentemente, a maioria dos tumores basal-smile exibe caractersticas patolgicas de alta agressividade, como elevado ndice mittico, pleomorfismo celular acentuado, alta relao ncleo citoplasma, presena de muitas clulas em apoptose e presena de comedonecrose, entre outros caracteres agressivos. A maioria absoluta desses tumores corresponde histologicamente a carcinomas ductais invasivos pouco diferenciados, no entanto, frao no desprezvel formada por tumores histologicamente classificados como tubulares mistos, metaplsicos, medulares ou ainda tumores ditos glndula salivar smile (Figura 2)27. Embora quase todos os tumores com caractersticas metaplsicas ou medulares sejam triplo-negativos, esses tumores tendem a apresentar evoluo distinta, razo pela qual no recomendvel a adoo de medidas teraputicas com base, exclusivamente, no perfil imunoistoqumico dessas neoplasias, sendo indispensvel considerar avaliao histolgica da neoplasia. De maneira prtica, a forma mais adequada de identificar os tumores basal-smile pela IHQ o mtodo validado por Nielsen et al.7, que sugeriram a aplicao do seguinte perfil IHQ para definir a populao de pacientes portadoras de tumores basaloides: ausncia de expresso de RE e HER-2, acompanhada da expresso do receptor do fator de crescimento epidrmico [EGFR], e das citoqueratinas (CK5/6). Os tumores HER-2+ so classificados automaticamente no subtipo HER-2+, independentemente dos resultados dos marcadores restantes. Entre os casos restantes, tumores RE+ eram considerados luminais e os RE podem ser subdivididos em duas subcategorias: os basal-smiles (RE e HER-2 negativos, CK5/6 e/ou EGFR positivo) e os indeterminados (negativo para os quatro marcadores). No referido estudo, esse perfil foi capaz de identificar, quando comparado com o perfil gnico, o tumor basal-smile com sensibilidade de 76% e espe78
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cificidade de 100%. A grande dificuldade na conciliao dos critrios de definio dos tumores basaloides e triplonegativos que o primeiro definido nos estudos de expresso gnica e o segundo, por anlise imunoistoqumica, conforme sero discutidos a seguir.

Clula luminal

Clula mioepitelial

Estroma intralobular

Membrana basal

Figura 1. Esquematizao da distribuio celular no tecido mamrio normal.

CDI = 83% Ducto lobular = 1% Apcrino = 7% Metaplstico = 3% Lobular = 1%


Figura 2. Distribuio histolgica do cncer de mama triplo-negativo28.

cncer de mama triplo-negativo versus basal-smile


No status atual da oncologia mamria no se consegue discutir questes teraputicas e prognsticas na ausncia de estudo imunoistoqumico que apresente resultados para receptores hormonais de estrgeno e de progesterona, alm de anlise do HER-2. Desde a incorporao desse padro prtica, a expresso tumor triplo-negativo vem sendo extensamente utilizada para intitular o tumor que no apresenta positividade para nenhuma dessas molculas de superfcie ao estudo imunoistoqumico. Mais recentemente Perou et al.13, por meio de estudos de DNA microarray, apresenta-

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ram aspectos relacionados expresso gnica nos tumores de mama antes desconhecidos. Neste estudo, 65 amostras de 42 pacientes (36 carcinomas ductais invasivos, dois carcinomas lobulares invasivos, um fibroadenoma e trs amostras de tecido mamrio normal) diferentes foram analisadas, sendo para tanto estudados mais de 8 mil genes. Aps a avaliao, quanto expresso desses genes, foram identificados quatro grupos de cncer de mama de acordo com o padro gentico: os luminais/RE+ smile, o HER-2+, o basal-smile e os com perfil de expresso gnica semelhante ao das clulas do estroma de uma mama normal. O subtipo basal-smile assim denominado em virtude da semelhana de sua expresso gnica com aquela habitualmente encontrada nas clulas que se encontram justapostas membrana basal nos ductos mamrios e que normalmente no expressam receptores hormonais. Dessa forma, quando se est referindo ao cncer de mama basal-smile, est-se aludindo ao perfil gentico. A definio de tumor basal-smile pela IHQ pode ser feita com aceitvel preciso por meio da pesquisa para citoqueratinas (CK5/6 ou CK17), classicamente expressas nas clulas basais naquelas amostras que inicialmente se mostraram negativos para a pesquisa dos receptores hormonais e do HER-2, ou seja, triplo-negativos. Essa estratgia propicia especificidade de 100% e sensibilidade de 76%. No intuito de avaliar a coincidncia entre o padro imunofenotpico triplo-negativo e o perfil gnico basalsmile, Kreike et al.28 conduziram anlise retrospectiva de 97 amostras de tumores imunofenotipicamente triplonegativos, submetendo-os avaliao do perfil de expresso gnica; entre estes pacientes, 91% apresentaram perfil IHQ compatvel com basal-smile e 9% foram consistentes com perfis mama normal smile (Figura 3). De maneira inversa, a maioria dos tumores que apresentam perfil gentico basal-smile no expressa receptores hormonais, no entanto, uma minoria os expressa. Essas evidncias permitem afirmar que essas duas denominaes, embora muitas vezes coincidentes, no podem ser utilizadas como termos sinnimos29.

Aspectos genticos e relao com BRCA1


Como citado anteriormente, a denominao basal-smile se refere a caractersticas genotpicas dos tumores. Essas neoplasias apresentam grande complexidade gentica quando comparadas com outros subtipos de cncer de mama, sugerindo, assim, a presena de importante instabilidade gentica neste subtipo tumoral. Fortalecendo essa hiptese, anlises genticas retrospectivas2,30 realizadas em tumores de mama inicialmente classificados com base na IHQ deixaram claro que aquelas pacientes com imunofentipos triplo-negativos apresentam com maior frequncia perda ou ganho de material gentico, assim como hiperexpresso de componentes gnicos especficos. Muitos autores sugerem que existe estreita relao entre o cncer de mama basal-smile, o triplo-negativo e o ligado deficincia do BRCA131. Essa assero abalizada pelo fato de que grande parte das caractersticas moleculares, imunoistoqumicas e morfolgicas compartilhada pelos trs grupos de tumores (Figura 4). A maior parte dos tumores associados deficincia de BRCA1 triplo-negativa e expressa marcadores de clulas mioepiteliais, como as CKs basais32, alm disso, essas pacientes compartilham evoluo clnica desfavorvel33. A fim de verificar se essas semelhanas se repetem em nvel gnico, anlises realizadas por tcnicas de microarray em 18 pacientes com cncer de mama familiar ligado a mutaes no BRCA1 demonstraram expresso gnica basal-smile em 100% das amostras estudadas34. Alm do perfil de expresso, as alteraes citogenticas encontradas com maior frequncia nestes dois grupos so as mesmas14,35, incluindo a frequente reativao do material gentico do segundo cromossomo X 36. De maneira inversa, recentes estudos sugerem que grande parte dos tumores espordicos basal-smiles apresenta alteraes na via de supresso tumoral ligada ao BRCA137, sendo essa caracterstica molecular bem menos frequente naqueles tumores espordicos com caractersticas no basais38, nos quais a mutao no BRCA1 rara. Duas principais hipteses que explicariam a hipoatividade da via do BRCA1 na populao celular basal-smile: a primeira sugere que os fenmenos perifricos na expresso gnica, intitulados fenmenos epigenticos, como a metilao do gene promotor do BRCA1, estariam alterados nessa populao celular, gerando, assim, sua hipoatividade39; a segunda sugere que a disfuno na regulao da expresso do gene do BRCA1 seria a responsvel pelo fenmeno40. At o momento no claro se as alteraes no BRCA1 so causa ou consequncia do fentipo basal-smile, entretanto, a sobreposio existente entre esses grupos de doena inegvel.
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Basal-smile = 91% Inclassificvel = 5% Normal-smile = 4%

Figura 3. Percentual de concordncia entre o aspecto imunoistoqumico triplonegativo e a caracterstica gentica basal-smile28.

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Figura 4. Ilustrao quanto possvel sobreposio entre os diferentes perfis.

Tratamento
Atualmente, as pacientes portadoras de cncer de mama triplo-negativo apresentam um conjunto de fatores que levam a considerar que esse tipo de patologia seja mais grave do que aquela manifesta nas demais pacientes com cncer de mama. Alm de serem portadoras de subtipo de neoplasia intrinsecamente mais agressiva, essas pacientes tambm no se beneficiam de alguns tratamentos dirigidos aos alvos moleculares altamente efetivos, como o trastuzumabe, para os tumores HER-2 positivos, ou as teraputicas hormonais utilizadas no tratamento dos tumores que expressam seus receptores. Na ausncia de tratamento alvo molecular atual, a quimioterapia o tratamento padro para essas pacientes e, felizmente, os tumores triplo-negativos frequentemente detm caractersticas que favorecem a sensibilidade a esse tipo de tratamento, como o alto ndice proliferativo caracterizado pela alta expresso do Ki-67 e a negatividade para receptores hormonais41,42. No primeiro estudo a correlacionar o perfil gentico e a resposta ao tratamento em cncer de mama, Rouzier et al.43 obtiveram bipsias de 82 tumores antes do incio do tratamento quimioterpico neoadjuvante com paclitaxel, seguido de 5-fluorouracil,doxorrubicina e ciclofosfamida. Entre essas pacientes, aquelas que apresentavam perfil gnico basalsmile ou HER-2+ foram aquelas que mais se beneficiaram do tratamento quimioterpico, obtendo taxa de resposta patolgica completa no espcime cirrgico de 45%, a qual foi muito superior quela atingida pelos pacientes cujo perfil gentico se assemelha ao das clulas luminais que foi de 6%. Interessante notar que, neste estudo, nenhum dos 61 genes associados resposta patolgica completa no subtipo basal-smile se repetiu nos pacientes com HER-2+, o que leva a concluir que, apesar de as taxas de respostas completas nos dois subgrupos terem sido rigorosamente iguais, o mecanismo pelo qual as doenas so sensveis quimioterapia molecularmente distinto.
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Uma caracterstica molecular frequentemente encontrada nos tumores triplo-negativos a presena de mutao no gene supressor de tumores p53. Nos ltimos dez anos, muitos estudos tm avaliado a influncia dessa mutao no perfil de sensibilidade a drogas. Em um estudo analisando amostras do tumor para mutao do p53 em 63 pacientes com cncer da mama submetidos a tratamento neoadjuvante com 5-fluorouracil, epirrubicina e ciclofosfamida (FEC) ou paclitaxel, a presena da mutao do p53 impactou, de maneira significativamente negativa, a resposta tumoral ao esquema FEC (p = 0,0029), sem, no entanto, alterar a sensibilidade ao paclitaxel44. Este sugere, de modo forte, que o mecanismo apopttico mediado por agentes que geram dano direto ao DNA, como a epirrubicina e a ciclofosfamida presentes no FEC, seja mediado pela presena de p53 normal e funcional. Essa hiptese foi fortalecida pelo estudo de Geisler et al. 45 que comprovou a importncia da mutao do p53 na reduo das taxas de resposta doxorrubicina. O paclitaxel que atua de modo perifrico ao DNA no seria impactado por essa alterao molecular; alm disso, o paclitaxel implica liberao de citocinas que poderiam auxiliar no processo de morte celular, constituindo-se, assim, como um dos agentes mais ativos neste grupo de pacientes46. As platinas so importantes armas no tratamento do cncer de mama 26 e o tratamento com um agente desse grupo oferecido, em algum momento da doena, vasta maioria das pacientes com cncer de mama metasttico. Nos tumores triplo-negativos, a importncia desses agentes parece ser ainda maior, visto que, como exposto anteriormente, essa patologia apresenta tendncia hipoatividade das vias de reparo gentico ligadas ao BRCA-1, o que favoreceria a atividade citotxica desse agente. A atividade das platinas em pacientes com caracterstica gentica basal-smile motivo de inmeros estudos clnicos.

Perspectivas
Com base nos conhecimentos moleculares obtidos recentemente, muitos novos agentes esto sendo estudados no intuito de melhorar o tratamento dessas pacientes. Neste sentido, um dos grupos de agentes mais importantes em avaliao nesta doena so os inibidores do EGFR. Essa estratgia se torna relevante, uma vez que cerca de 60% dos tumores triplo-negativos apresentam hiperexpresso dessa molcula7. A inibio desse receptor pode ser feita atualmente por meio do uso de anticorpos endovenosos (cetuximabe e panitumumabe) ou de inibidores de tirosina quinase empregados por via oral (gefitinibe e erlotinibe). Essas duas estratgias j esto disponveis e so utilizadas com sucesso em outras doenas neoplsicas, como nos tumores de pulmo e clon. Outra molcula potencialmente modulvel que pode servir de alvo

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no cncer de mama triplo-negativo o receptor do fator de crescimento, o c-KIT, que expresso em uma razovel frao dos tumores com gentipo basal-smile7. A inibio desse alvo j foi utilizada com extremo sucesso no tratamento com tumores slidos e de leucemias com o mesilato de imatinibe. As similaridades biolgicas entre os tumores de mama ligados ao BRCA1 e os tumores de perfil basal-smile sugerem que estratgias utilizadas nos primeiros possam ser aplicadas nos segundos. Neste sentido, agentes ativos em doena BRCA1, como as platinas e os inibidores da PARP, esto sendo extensamente estudados em ensaios clnicos nesta patologia, de modo que, dentro em breve, deve-se conseguir converter grande parte dos conhecimentos moleculares prtica clnica em benefcio das pacientes.

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ARTIGO dE REvISO Cncer de mama triplo-negativo: aspectos clnicos, laboratoriais e teraputicos


Fernandes GS, Calabrich A, Katz A

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