Planeta Dos Insetos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 221

© 2018 - Edição original - Anne Sverdrup-ygeson

© 2019 - Edição em português - Anne Sverdrup-ygeson


Direitos em língua portuguesa para o Brasil:
Matrix Editora
www.matrixeditora.com.br
Diretor editorial
Paulo Tadeu
Capa, projeto grá co e diagramação
Allan Martini Colombo
Revisão
Silvia Parollo
Silvana Gouvea
Edição em português feita por acordo com Stilton Literary Agency e Vikings of Brazil Agência
Literária e de Tradução Ltda.
Esta tradução foi feita com o apoio nanceiro da:

CIP-BRASIL - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Sverdrup-ygeson, Anne
Planeta dos insetos / Anne Sverdrup-ygeson; tradução Leonardo Pinto Silva. -
1. ed. - São Paulo: Matrix, 2019.
192 p. ; 23 cm.
Tradução de: Insektenes planet
ISBN 978-85-8230-578-2
1. Insetos - Biologia. I. Silva, Leonardo Pinto. II. Título.
19-59347 CDD: 595.7
CDU: 595.7

Leandra Felix da Cruz - Bibliotecária - CRB-7/6135


SUMÁRIO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
Seres pequeninos,mas com design sofisticado

CAPÍTULO 2
Sexo entre seis patas

CAPÍTULO 3
Comer ou ser comido — insetos na cadeia alimentar

CAPÍTULO 4
Insetos e plantas — uma corrida eterna

CAPÍTULO 5
Moscas serelepes, besouros deliciosos — os insetos e a nossa
comida

CAPÍTULO 6
Insetos como faxineiros

CAPÍTULO 7
Da seda à tinta — produtos derivados de insetos

CAPÍTULO 8
Insights de insetos
CAPÍTULO 9
Os insetos e nós no futuro

EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“Não é a natureza mais grandiosa
senão em seus seres mais diminutos.”
— Plínio, o Velho
23 - 79 d.C.
História Naturalis 11,1.4
PREFÁCIO

Sempre amei a vida ao ar livre, especialmente no meio da mata, onde a


presença do homem não é tão frequente e a in uência da vida moderna que
levamos é a menor possível, rodeada por árvores mais velhas que qualquer
ser humano vivo. Árvores cuja copa tenha tombado no chão e estejam
encobertas por uma camada de musgo macio. É aí que os insetos moram,
quietos, enquanto a vida prossegue em seu eterno ritmo.
Hordas de insetos invadirão esse tronco aparentemente sem vida.
Besouros bailando na seiva que fermenta sob a casca, larvas de serra-paus
rasgando a superfície do tronco e desenhando os mais intrincados padrões,
e larvas de elaterídeos devorando qualquer coisa que se mova neste mundo
em decomposição. Milhares de insetos, fungos e bactérias unindo forças
para decompor toda a matéria morta e assim transformá-la em nova vida.
Posso me considerar uma pessoa de sorte por ter a oportunidade de
pesquisar um assunto tão rico.
Tenho, de fato, um emprego fantástico. Leciono na Universidade de
Ciências Biológicas da Noruega. Sou pesquisadora, professora e divulgadora
cientí ca. Num dia posso ler sobre novas pesquisas, me aprofundar e me
perder em detalhes acadêmicos sobre um assunto qualquer, no outro,
preciso dar uma palestra e me verei obrigada a estruturar uma disciplina
acadêmica.
Encontrar exemplos, ilustrar por que aquele tópico especí co diz respeito
a você e a mim. Talvez isso possa render um texto para nosso blog de
pesquisas “Insektøkologene” (Os Insetos Ecologistas).
Às vezes também estou em campo inspecionando ocos em velhos troncos
de carvalho, ou mapeando orestas afetadas por diferentes graus de
desmatamento. Tudo isso em companhia de meus colegas, bolsistas e alunos.
Quando digo às pessoas que trabalho com insetos, costumo ouvir
perguntas do tipo: “De que valem as vespas?”. Ou ainda: “A nal, para que
servem os mosquitos e as mutucas?”. Há insetos que nos causam problemas,
é claro. Mas a verdade é que são uma minoria diante da miríade de seres
pequeninos que fazem o que lhes cabe para salvar não só a vida deles, mas
também a sua, um pouquinho a cada dia. Mas vamos começar com aqueles
que nos atazanam mais. Eu respondo de três maneiras:
Em primeiro lugar, os insetos daninhos também são úteis na natureza.
Mosquitos e mutucas, por exemplo, são alimentos importantes na dieta de
peixes, pássaros, morcegos e outros bichos. Especialmente no topo das
montanhas de altas latitudes, enxames de mosquitos e moscas têm especial
importância para animais de porte bem maior que eles, e em grande escala.
No curto e feérico verão ártico, enxames de insetos podem determinar onde
os rebanhos de renas pastam, pisoteiam a terra e devolvem a ela os
nutrientes em forma de estrume. Como círculos propagando-se na
superfície de um lago, o ecossistema inteiro é afetado. Da mesma maneira,
as vespas são úteis — para nós e para os outros. Elas ajudam a polinizar as
plantas, enxotar pragas que não desejamos ter por perto e alimentar, por
exemplo, o bútio-vespeiro, ave de rapina, além de várias outras espécies.
Em segundo lugar, eles podem ser úteis onde menos esperamos, e isso
vale até para animais que consideramos nojentos ou nocivos. Certas moscas-
varejeiras podem ajudar em ferimentos de difícil cicatrização, enquanto
determinadas larvas de uma espécie de caruncho são capazes de digerir
matéria plástica, e há pesquisas utilizando baratas em resgate e salvamento,
em escombros de prédios ou contaminados por radiação, por exemplo.
Em terceiro lugar, alguns dirão que todas as espécies animais devem ter a
oportunidade de viver todo o seu potencial — que nós, humanos, não
podemos interferir nos destinos da biodiversidade com base no julgamento
míope que fazemos de certas espécies, que nos parecem bonitinhas ou úteis
a nossos olhos. Signi ca dizer que temos a obrigação moral de cuidar da
melhor maneira possível desses seres, inclusive de alguns quase invisíveis,
que não parecem ter valor algum, que não têm aquela aparência fo nha ou
aquele olhar doce e amendoado, cuja própria existência não nos parece
servir a nenhum propósito.
A natureza é desconcertante em sua complexidade, e os insetos são uma
parte importante dessa engenhosa tessitura de sistemas dos quais nós,
humanos, somos apenas uma espécie entre milhões. Por isso, este livro
tratará das menores criaturas que habitam entre nós, os estranhos, belos e
bizarros insetos que servem de alicerce para o mundo como o conhecemos.
A primeira parte deste livro trata dos insetos em si. No primeiro capítulo,
você vai ler sobre a in nita variedade deles, sobre como estão
interconectados, como pressentem seus arredores e um pouco também
sobre como reconhecer os grupos de insetos mais importantes (existentes na
Noruega). Além disso, no capítulo 2, você vai ter uma panorâmica da vida
sexual um tanto estranha dos insetos.
Em seguida será abordada a intrincada e delicada coabitação dos insetos
com outros animais (cap. 3) e plantas (cap. 4). A luta diária para comer ou
ser comido, a batalha para levar nossos genes adiante. Mesmo assim, há
espaço para alguma cooperação, em todas as suas mais peculiares variantes.
O restante do livro é dedicado à estreita relação entre os insetos e uma
única espécie: nós, os humanos. Como eles contribuem para nos fornecer
alimentos (cap. 5), tentam despoluir o meio ambiente (cap. 6) e nos
oferecem aquilo que precisamos, desde mel até antibióticos (cap. 7). No
capítulo 8, eu percorro novas áreas em que os insetos podem apontar algum
caminho. Por m, no capítulo 9, discorro como vão as coisas com esses
nossos pequenos ajudantes nos dias de hoje, e como você e eu podemos
ajudar a melhorar a vida deles. Pois nós, humanos, dependemos do trabalho
que os insetos realizam. Precisamos deles para polinizar as plantas, para
decompor a matéria e adubar o solo, para servir de alimento a outros
animais, para manter organismos prejudiciais sob controle, para dispersar
sementes, para nos ajudar em pesquisas e nos inspirar com suas soluções
engenhosas. Os insetos são pequenas engrenagens que a natureza usa para
fazer o mundo girar.
INTRODUÇÃO

Para cada ser humano vivo hoje na Terra existem mais de 200 milhões de
insetos. Enquanto você está aqui lendo esta frase, entre um e dez
quadrilhões de insetos rastejam, caminham e voam pelo mundo afora. Quer
goste ou não, você está cercado de insetos por todos os lados, pois nós
vivemos, na verdade, no planeta dos insetos.
Existem tantos deles, e estão espalhados por toda a parte, que temos
di culdade para compreender essa magnitude — nas orestas, nos lagos,
nos prados, nos rios, na tundra e nas montanhas. Moscas-de-pedra voejam a
seis mil metros de altura nos Himalaias, enquanto outras habitam as fontes
termais de Yellowstone, onde a temperatura passa de 50 oC. A eterna
escuridão das cavernas mais profundas da Terra é o lar de larvas de
mosquitos que não têm olhos. Os insetos podem viver em pias batismais, em
computadores, em tanques de petróleo e entre ácido e bile estomacal de
cavalos. Eles estão nos desertos, sob a superfície de lagos congelados, na
neve e até nas narinas das morsas.
Há insetos em todos os continentes — na Antártida, é verdade, eles são
representados apenas por uma única espécie: um tipo de mosquito sem asas
que “baterá as botas” caso a temperatura ultrapasse os dez graus positivos
por um período mais longo. Até mesmo no mar, você pode encontrar
insetos. Focas e pinguins têm piolhos de vários tipos presos à pele, que não
se desgrudam nem durante os longos mergulhos. Existe até mesmo um tipo
especí co de piolho que vive no papo enorme que os pelicanos têm debaixo
do bico. E há aranhas-d’água (também conhecidas como insetos-jesus) que
passam a vida deslizando suas seis patinhas pelo oceano. Porém, os insetos
podem não ser tão grandes assim. Mas seus feitos estão longe de ser
pequenos.
Bem antes de os humanos rmarem-se em dois pés pelo planeta, os
insetos já haviam dado início à agricultura e à pecuária: cupins cultivam
fungos como alimento e formigas criam pulgões, a exemplo de vacas
leiteiras. As vespas foram as primeiras a produzir papel a partir da celulose.
Larvas de moscas-da-primavera (Trichopterae) passaram anos a o
capturando outros bichos antes de nós, humanos, conseguirmos tecer nossa
primeira rede de pesca. Os insetos resolveram problemas complexos de
aerodinâmica e navegação há vários milhões de anos, e dominaram não o
fogo, mas pelo menos a luz — que controlam dentro dos próprios corpos.

Um parlamento de insetos
Se optarmos por contar indivíduos ou espécies, sobram razões para
a rmar que os insetos são o grupo de animais de maior sucesso do planeta.
Eles não são apenas incontáveis em número; eles representam mais da
metade das espécies multicelulares que conhecemos — há cerca de um
milhão de variantes diferentes deles. Ou seja, se você tivesse um calendário
com fotos de uma espécie diferente de inseto a cada mês, ele teria 80.000
anos!
De A a Z, os insetos nos impressionam com sua riqueza de espécies: de
abelhas a zangões, passando por borboletas, cigarras, drosó las,
escaravelhos, formigas, gafanhotos, himenópteros, libélulas, mandruvás,
pulgões, saúvas e vespas.
Na Noruega há insetos que detêm o poder, de verdade. Vamos fazer um
raciocínio hipotético: para ter uma ideia de como a biodiversidade é
distribuída entre os diferentes grupos de espécies, suponhamos que todas as
espécies de insetos conhecidos na Noruega, grandes ou pequenos, ocupem
um lugar no parlamento. O parlamento caria lotado, pois mesmo se
permitíssemos a entrada de um representante de cada espécie, teríamos
43.705 “deputados”.
Agora, digamos que dividíssemos os mandatos, e desta forma os assentos
no parlamento, de acordo com a quantidade de espécies existente em cada
um dos grupos de animais. Estaríamos diante de um padrão novo e
desconhecido.
Os insetos dominariam. Teriam 44% dos assentos — e aqui contamos
apenas os insetos “puros”, não aracnídeos, centopeias. Além disso, fungos e
cogumelos dividiriam um quinto dos assentos, enquanto plantas
vascularizadas (superiores) e musgos deteriam 12% das cadeiras. Para
facilitar, imaginemos uma nova coalizão formada pelo restante dos
pequenos organismos, desde as lombrigas até os caracóis e ácaros. Eles
teriam, então, um quarto dos assentos.
Mas e quanto a nós nessa divisão? Examinando a biodiversidade com esse
critério, somos muito poucos. Ainda que nos aliemos a todas as demais
espécies de vertebrados da Noruega — isto é, animais como alces, peixes,
pássaros, cobras e rãs —, caríamos abaixo da cláusula de barreira, com
apenas 2% das espécies animais. Em outras palavras, nós, humanos, somos
completamente dependentes de uma in nidade de espécies pequenas e
anônimas, das quais os insetos compõem uma proporção signi cativa.

Fadas-anãs e gigantes bíblicos


Existem insetos de todas as cores e padrões, e seu tamanho pode variar
em proporções jamais igualadas a quaisquer outros grupos de animais. Os
menores insetos do mundo são as fadas-anãs, um tipo de vespa
(Mymaridae). Elas passam a vida larval dentro dos ovos de outros insetos, e
isso diz muito sobre quão diminutas são. Uma dessas espécies é a da
minúscula vespa Kikiki huna, que com apenas 0,16 mm é tão pequena que
não conseguimos enxergá-la. Seu nome provém do idioma polinésio o cial
do Havaí, um dos locais onde é encontrada, e quer dizer algo como
“pontinho minúsculo”.
Há espécies-irmãs de vespas-anãs com nomes ainda mais inventivos. A
Tinkerbella nana foi batizada assim em homenagem à fada Sininho
(Tinkerbell, em inglês), de “Peter Pan”. O nome “nana” é um trocadilho com
“nanos”, a palavra grega para “anã”, e Nana, a cadela da raça são-bernardo de
Peter Pan. A vespa sininho é tão pequena que pode pousar na ponta de um
o de cabelo humano.
Dessa minúscula vespa aos maiores insetos que existem há um longo
caminho a percorrer, pois, em se tratando de insetos, o que signi ca ser “o
maior”? Seria o mais longo? Neste caso, o título ca com o bicho-pau chinês
Phryganistria chinensis zhao. Com seus 62 centímetros, ele é mais comprido
que o seu antebraço; em compensação, não é mais grosso que um indicador.
A subespécie desse bicho recebeu o nome em homenagem ao entomologista
Zhao Li, que passou seis anos da vida procurando esse inseto seguindo dicas
de moradores da região de Guanxi, no sul da China.
No entanto, se estivermos falando do inseto mais pesado do mundo, o
título ca com o besouro-golias. A larva desse gigante africano chega a pesar
100 gramas — quase o mesmo peso de um tordo. O nome deriva do Golias
da Bíblia, o gigante de três metros de altura temido pelos israelitas e, ainda
assim, derrotado por Davi com uma funda e a ajuda de um poder supremo.

Os insetos primitivos — antes dos dinossauros


Os insetos estão por aqui há muito mais tempo do que nós, humanos. É
difícil fazer ideia da magnitude desse tempo, seja em éons, eras, milhares ou
milhões de anos. Portanto, pode não signi car muita coisa a você se eu
a rmar que os primeiros insetos viram a luz do dia por volta de 479 milhões
de anos atrás. Em vez disso, considere que os insetos presenciaram o
alvorecer e o declínio dos dinossauros com uma boa margem de intervalo
temporal.
Certo dia, há muito tempo, as primeiras plantas e animais migraram do
mar para a terra rme, uma revolução para a vida no planeta. Imagine se
tivéssemos como lmar esse instante decisivo para um clipe de impacto, algo
como: “Um pequeno passo para quem rasteja, um salto gigantesco para a
vida na Terra”. Infelizmente temos de satisfazer nossa curiosidade
acompanhando a evolução dos insetos por meio dos fósseis e usando a nossa
imaginação.
Imagine-se de volta a tempos imemoriais. Alguns milhões de anos se
passaram desde que a primeira criatura se aventurou erguendo a cabeça para
fora do mar, explorando lugares novos e mais secos. Estamos em pleno
período devoniano, tempo geológico pouco conhecido, espremido entre os
célebres cambro-siluriano (cambriano, ordoviciano, siluriano — a origem
das imensas áreas calcárias ao redor de Oslo, capital da Noruega) e o
período carbonífero (alicerce da nossa sociedade dependente de
combustíveis fósseis, que tanta prosperidade e tantas ameaças climáticas nos
legaram). A evolução avançou rapidamente, e agora o primeiro inseto é real:
lá no chão, entre samambaias e plantas semelhantes a patas de corvos, um
pequeno animal de seis patas, com um corpo dividido em três partes e duas
pequenas antenas. É o primeiro inseto que existiu, que, com passos tímidos,
marcha em direção à dominação completa do planeta por essa espécie.
A estreita relação entre insetos e outras formas de vida deu-se já no
primeiro dia de sua existência na Terra. As plantas terrestres aumentaram as
oportunidades para insetos e outros pequenos animais, oferecendo-lhes algo
para comer sobre um chão estéril e rochoso. Em retribuição, os insetos
melhoraram as possibilidades de evolução das plantas, reciclando os
nutrientes de espécies vegetais mortas e dando origem a um solo fértil.

A bênção das asas


Uma razão importante para o enorme sucesso dos insetos é que eles
podem voar, uma inovação engenhosa que deve ter ocorrido há 400 milhões
de anos! Os insetos tinham acesso a algo único: alados, podiam alcançar
alimentos no alto das plantas de modo muito mais e caz, driblando os
inimigos presos ao chão. Para os mais aventureiros, as asas representaram
novas possibilidades de explorar áreas desconhecidas. O acesso ao espaço
aéreo também afetou a escolha do parceiro, uma vez que trouxe
oportunidades sem precedentes de se exibir de ângulos favoráveis,
tridimensionalmente, e de frequentar os locais mais cobiçados.
Não sabemos ao certo quando surgiram as asas. Talvez tenham evoluído
de uma protuberância no tórax, que pode ter sido usada para captar os raios
solares ou para estabilizar o corpo em caso de queda ou salto. Talvez as asas
tenham se originado a partir de guelras. O fato é que esses insetos
descobriram que eram dotados de um acessório que funcionava muito bem
para planar e amortecer a queda do alto das árvores. Insetos com
protuberâncias aladas mais desenvolvidas tinham acesso a mais alimentos e
viviam por mais tempo, e assim produziam mais herdeiros, que por sua vez
herdavam essas características especiais. Dessa forma, a evolução tratou de
tornar as asas algo comum — e muito rapidamente, considerando o tempo
geológico. Não demorou para o espaço aéreo car congestionado com o
zumbido de asinhas brilhantes dos tipos mais variados.
Para entender a importância dessas asas para os insetos primitivos é
preciso mencionar um detalhe importante: ninguém mais podia voar!
Pássaros, morcegos ou répteis alados não surgiriam ainda por um bom
tempo, portanto os insetos tiveram o domínio soberano dos céus durante
mais de 150 milhões de anos. Para ns de comparação, nossa espécie, o
Homo sapiens, está presente no planeta há meros 200 mil anos.
Os insetos sobreviveram a cinco episódios de extinção maciça das
espécies. Os dinossauros sucumbiram ao terceiro desses ciclos, ocorrido
cerca de 240 milhões de anos atrás. Da próxima vez que achar os insetos
irritantes, pense que esse grupo de animais está por aqui desde bem antes
dos dinossauros. Acho que isso já é motivo su ciente para merecerem nosso
respeito.
CAPÍTULO 1

SERES PEQUENINOS, MAS COM DESIGN


SOFISTICADO

Mas, então, como são feitas essas pequenas criaturas com as quais
dividimos o planeta? Prepare-se para um curso relâmpago de constituição
dos insetos, no qual também aprenderemos que, apesar do tamanho
modesto, eles sabem contar e são capazes de aprender e reconhecer uns aos
outros e também a nós, humanos.

Seis pernas, quatro asas, duas antenas


O que é um inseto na verdade? Se tiver dúvidas, uma boa regra é começar
contando as perninhas. A maioria dos insetos tem seis pernas, todas presas à
parte do meio do corpo.
O próximo passo é veri car se o bicho tem asas. Elas também se localizam
na parte do meio. A maioria dos insetos tem quatro asas, um par dianteiro e
outro traseiro.
Indiretamente, você também chegou aqui sabendo de um traço marcante
dos insetos, ou seja, que eles têm um corpo dividido em três partes. Sendo
um dos vários representantes do lo dos artrópodes, os insetos são
constituídos de muitos segmentos. Esses segmentos evoluíram para três
partes bem distintas: cabeça, tórax e abdome.
Algumas dessas partes ainda parecem entalhadas ou gravadas em relevo
na superfície de muitos insetos, como se alguém os tivesse cortado com um
instrumento a ado, e daí surge o nome desse grupo de animais: a palavra
“inseto” deriva do verbo “insecare”, que em latim signi ca cortar em
segmentos.
A parte anterior do corpo, a cabeça, não é muito diferente da nossa. Nela
estão a boca e os órgãos sensoriais principais: os olhos e as antenas.
Enquanto as antenas não passam de duas, a quantidade e o tipo de olhos
podem variar. Digamos assim: os olhos dos insetos não precisam
necessariamente estar na cabeça. Uma espécie de borboleta-rabo-de-
andorinha tem os olhos no pênis! Os machos os utilizam para se
posicionarem corretamente durante o acasalamento. As fêmeas também têm
os olhos no trecho posterior do corpo, que usam para conferir se os ovos
foram depositados no local certo.
Se a cabeça é o centro sensorial dos insetos, a metade do corpo — o tórax
— é o centro de locomoção. Músculos poderosos, necessários para
movimentar asas e pernas, preenchem a maior parte desse segmento. Vale
dizer que, ao contrário de qualquer outro animal capaz de voar ou planar —
pássaros, morcegos, peixes-voadores, esquilos-voadores —, as asas dos
insetos não são braços ou ossos adaptados; são dispositivos de locomoção
próprios, complementares às pernas.
O abdome, em geral o segmento maior, concentra o sistema reprodutor e
a maior parte do sistema digestivo dos insetos. O resíduo intestinal sai pelo
extremo do abdome, no mais das vezes. As minúsculas larvas da vespa-das-
galhas, que passam a vida larval inteira envoltas na estrutura de uma planta,
são muito bem-educadas. Elas sabem que não devem defecar no próprio
ninho, e uma vez que estão presas numa casa de um só quarto e sem toalete,
o jeito é segurar as pontas. Somente quando deixam o estado larval é que o
intestino se conecta à abertura no m do abdome, e elas podem se aliviar.

Uma vida como invertebrado


Insetos são invertebrados, isto é, não possuem espinha, juntas ou ossos.
Em vez disso, eles têm um esqueleto externo. Uma carapaça externa dura,
porém leve, chamada de exoesqueleto, protege o interior macio de colisões e
impactos. A superfície mais externa é coberta por uma camada de cera que
protege contra o maior temor que um inseto pode ter: a desidratação.
Pequenos como são, os insetos têm uma superfície grande em comparação
com o pequeno volume, o que implica em alto risco de que as preciosas
moléculas de água se evaporem e os deixem endurecidos e sem vida como
uma posta de bacalhau seco. A camada de cera é essencial para aprisionar
cada molécula de umidade.
O mesmo material que compõe o exoesqueleto ao redor do corpo também
constitui as pernas e as asas. As pernas são tubos ocos e articulados que lhes
permitem correr, pular e fazer outras atividades animadas.
Existem, entretanto, algumas desvantagens em ter o corpo envolto por um
esqueleto. Como crescer e aumentar de tamanho estando preso assim?
Imagine uma massa de bolo dentro de uma armadura medieval; ela irá
crescer até um determinado ponto. Mas os insetos encontraram uma
solução: uma nova armadura, a princípio bem macia, vai se formando
embaixo da anterior. A velha armadura rígida racha e o inseto salta de
dentro da sua nova casca tinindo, da mesma forma como você quando veste
uma roupa nova. Agora, tudo o que tem a fazer é inchar, literalmente, para
expandir ao máximo a armadura nova e macia antes que ela resseque e
endureça igual à anterior. Um exoesqueleto duro e rígido signi ca que o
inseto atingiu seu potencial de crescimento, até que a próxima troca de casca
lhe abra novas possibilidades.
Se isso tudo lhe parece cansativo, saiba que esse custoso processo de
crescimento ocorre apenas no início da vida dos insetos (com algumas
exceções).

Tempo de transformação
Os insetos apresentam-se em duas variantes: aqueles que se transformam
gradativamente por meio da troca da carapaça, e aqueles que passam por
uma transformação súbita, que marca a transição para a vida adulta. Essa
transição se chama metamorfose.
Os primeiros — por exemplo, libélulas, gafanhotos, baratas e percevejos
— mudam gradualmente de aparência à medida que crescem. Um pouco
como nós, humanos, exceto pelo fato de que não precisamos nos livrar da
nossa pele para crescer. Durante a fase infantil, esses insetos são chamados
de ninfas. As ninfas crescem, trocam o exoesqueleto algumas vezes (o
número varia de espécie para espécie, mas o mais frequente é de três a oito
vezes) e cam cada vez mais parecidas com a versão adulta. Finalmente, a
ninfa faz uma última troca de casca e rasteja para fora do casulo com asas e
órgãos sexuais plenamente desenvolvidos — pronto, cresceu!
Outros insetos passam por uma transformação completa — uma
mudança quase mágica da infância para a vida adulta. No nosso mundo
humano, temos de recorrer à fantasia para encontrar exemplos de mudanças
parecidas — como o sapo que se torna príncipe quando é beijado pela
princesa, ou a personagem Minerva McGonagall, de “Harry Potter”, quando
assume a forma de um gato. Nos insetos, a mudança não depende de
fantasia ou de feitiços para acontecer. A metamorfose é controlada por
hormônios e determina a transição do estágio infantil para o adulto.
Primeiramente, o ovo é chocado e dá à luz uma larva, que não parece em
nada com aquilo em que irá se transformar. A larva costuma ter uma boca
na extremidade e um ânus na outra, e a aparência de uma bolsa comprida e
amarelada (embora haja honrosas exceções, caso de várias lagartas
tropicais). A larva passa por várias trocas de casca e ca cada vez maior, mas
mantém-se bastante semelhante ao que já é.
A mágica ocorre no estágio da pupa, um período de descanso em que o
inseto passa por uma transformação miraculosa, de um anônimo “bicho-
bolsa” para um incrível e namente elaborado indivíduo adulto. Dentro da
pupa, o inseto inteiro é reconstruído, como um Lego cujos tijolinhos
tenham sido desmontados e remontados novamente, dando forma a um
novo brinquedo. Finalmente a pupa racha e uma “maravilhosa borboleta
vem ao mundo no verão” — nas palavras do meu livro infantil favorito, Den
lille larven Aldrimett (A lagartinha esfomeada).
A metamorfose, uma transformação completa, é engenhosa e, sem dúvida,
a variante mais bem-sucedida. A maioria das espécies de insetos do planeta,
85%, passa por uma metamorfose completa. Isso inclui os grupos de insetos
predominantes, como besouros, vespas, borboletas, moscas e mosquitos.
O engenhoso disso reside no fato de que assim é possível explorar duas
dietas e hábitats diferentes como criança e adulto, tirando o máximo
proveito de ambas em cada uma dessas fases da vida. Con nadas ao chão, as
larvas são como máquinas de comer, devorando tudo que encontram apenas
para acumular energia. No estágio de pupa, as calorias acumuladas são
utilizadas e reinvestidas em um organismo totalmente novo: uma criatura
alada, dedicada à reprodução.
A conexão entre larvas e insetos é conhecida desde a antiga civilização
egípcia, mas não se tinha uma ideia clara do que acontecia. Alguns achavam
que a lagarta era apenas um feto desorientado que escapara do ovo e
rastejava de volta a ele — na forma de pupa —, para nalmente poder
nascer. Outros alegavam que se tratava de dois indivíduos totalmente
diferentes, que o primeiro morrera e ressuscitara em um novo ser.
Somente no século XVII, o biólogo holandês Jan Swammerdam pôde,
com seu microscópio, demonstrar que a larva e o inseto adulto eram o
mesmo indivíduo o tempo inteiro. Com o microscópio foi possível perceber,
seccionando cuidadosamente uma larva ou pupa, as características claras e
inequívocas do inseto adulto. Swammerdam gostava de exibir suas
habilidades de cirurgião e seu microscópio diante de uma plateia, e
apresentava-se escalpelando uma enorme larva de bicho-da-seda e
identi cando a estrutura e os padrões característicos das veias nas asas desse
inseto.
Mesmo assim, essa foi uma descoberta que não se popularizou até um
bom tempo depois. No seu diário, Charles Darwin conta a história de um
pesquisador alemão acusado de heresia no Chile, no século XIX, por alegar
que tinha o poder de transformar lagartas em borboletas. Até hoje o
surgimento da metamorfose é objeto de debates entre especialistas.
Felizmente ainda existem mistérios neste mundo.

Nomenclatura dos insetos – qual é o nome do bicho?


No esforço de controlar as hordas de insetos, nós, humanos, os dividimos
em grupos de acordo com o grau de parentesco. Este é um sistema
engenhoso que começa com reinos, divididos em séries e classes, que por
sua vez dividem-se em ordens, famílias e parentesco até chegar à espécie
propriamente dita.
Tomemos a vespa comum como exemplo. Trata-se de uma espécie que
pertence ao reino animal, ao lo dos artrópodes, à classe dos insetos, à
ordem das vespas, à família das vespas com ferrão, ao gênero das vespas e,
assim sendo, à espécie vespa comum.
Todas as espécies têm um nome duplo em latim, grafado em itálico. O
primeiro nome diz a que gênero a espécie pertence, e o segundo é um
acréscimo que indica a espécie. Esse sistema foi inventado pelo naturalista
sueco Carl von Linné no século XVIII. O sistema facilitou a vida dos
biólogos, que podem saber exatamente se estão se referindo à mesma
espécie por meio das diferentes fronteiras e idiomas. A vespa comum
recebeu o nome de Vespula vulgaris. No mais das vezes, é possível
reconhecer o signi cado dos nomes em latim. Vulgaris signi ca comum (e
também é a origem da palavra “vulgar” no sentido de “ordinário”).
O nome em latim também pode dizer algo sobre a aparência do inseto. O
nome Stenurella nigray, por exemplo, descreve o visual inteiramente negro
de uma espécie de besouro. Outras vezes, o nome pode ser inspirado na
mitologia, como é o caso da belíssima borboleta-pavão, Aglais io. A ninfa Io
(divindade das águas, bosques e orestas na mitologia grega) era uma das
paixões de Zeus, e por acaso também empresta o nome a uma das luas de
Júpiter.
Com centenas de insetos para denominar, os entomologistas (estudiosos
de insetos) valem-se de tudo que têm nas mãos, batizando espécies em
homenagem a algum artista famoso, como a mutuca Scaptia beyonceae (p.
51), ou a um personagem de um lme favorito, caso das vespas Polemistus
chewbacca, R. vaderie e R. yoda. Às vezes, o trocadilho está escondido nos
nomes das espécies, e só ca perceptível quando são ditas em voz alta. Tente
falar os nomes, com pronúncia em inglês, dos besouros em forma de feijão
Gelae baene (“Jelly bean”, jujuba) e Gelae sh (“Jelly sh”, água-viva), ou da
vespa parasita Heerz lukenatchae (“He’s looking at you”, Ele está olhando para
você) e da sua aparentada Heerz tooyal (“Here’s to you all”, Aqui para vocês
ou, ainda, Um brinde a todos).
Na Noruega encontramos 23 ordens diferentes de insetos. Dípteras
(moscas de um par de asas), vespas, besouros, borboletas e hemípteras
(cigarras, percevejos, pulgões e cochonilhas). Outras ordens incluem
libélulas, baratas, ortópteras (gafanhotos e grilos, de asas retas), moscas e
mosquitos aquáticos, tripes, piolhos e pulgas.
As dípteras incluem espécies que costumamos chamar de moscas,
mosquitos, pernilongos e muriçocas. São assim chamados porque têm duas
asas, sendo que os insetos normalmente têm quatro. Nos dípteros, as asas
posteriores transformaram-se em pequenos órgãos encaracolados que
ajudam a manter o equilíbrio no voo. Temos cerca de 5.300 espécies de
dípteros na Noruega.
A ordem das vespas compreende insetos bem conhecidos, como formigas,
abelhas, mamangabas (abelhões) e marimbondos. Muitas dessas espécies
têm comportamento social e gregário, vivendo em colônias de operárias do
sexo feminino sob o domínio de uma ou mais rainhas. A ordem
compreende também uma grande quantidade de vespas menos conhecidas,
que habitam as matas, e algumas de comportamento parasitário. Na
Noruega são mais de 4.100 espécies dessa ordem.
Os besouros são a maior ordem de insetos em todo o mundo, apesar da
concorrência feroz da ordem das vespas, a que aumenta vertiginosamente à
medida que evoluem as descobertas cientí cas. Os besouros são
caracterizados por asas dianteiras rígidas, que formam uma carapaça
protetora sobre o dorso. A propósito, os besouros são animais de aparência e
modo de vida extremamente diverso, e os encontramos tanto na água como
na terra. Há 95 famílias de besouros representadas na Noruega, entre elas os
de asas curtas, escaravelhos, serra-paus, carunchos, gorgulhos e joaninhas.
Ao todo há cerca de 3.600 espécies de besouros na Noruega.
As borboletas têm asas formadas por conchinhas que se assemelham a
telhas. Há menos de 2.200 diferentes espécies de borboletas na Noruega,
porém algumas são minúsculas e pouco notadas. As mais conhecidas são as
espécies de hábitos diurnos — aqui é possível encontrar cerca de 100
espécies ativas e multicoloridas. Em linguagem coloquial, chamamos de
“mariposas” as borboletas menores e ativas à noite, as maiores recebem o
nome de “bruxas”.
A ordem dos hemípteros é menos conhecida do público em geral, embora
tenha mais de 1.200 espécies na Noruega. Eles se dividem em três grupos
principais: percevejos; cigarras; pulgões, piolhos e cochonilhas. Em geral
possuem uma espécie de bico na boca, em forma de canudo, que usam para
sugar o alimento, habitualmente seiva vegetal, embora alguns sejam
predadores ou hematófagos (alimentam-se de sangue). Os percevejos
parecem besouros no formato do corpo, mas podem ser distinguidos por
uma espécie de triângulo nas costas. É possível que você tenha visto alguns
correndo sobre a superfície de poças d’água, ou mesmo sentido o cheiro
desagradável de uma maria-fedida, que secreta uma substância malcheirosa
quando se sente ameaçada. As cigarras têm o corpo parecido com o do sapo
e podem saltar como gafanhotos. Os pulgões, cochonilhas e piolhos são bem
conhecidos de jardineiros e agricultores. As fêmeas dessas espécies não têm
pernas ou asas e cam presas às folhas e talos das plantas, que usam como
escudo e abrigo.
Vale lembrar que aranhas não são insetos. Elas pertencem ao mesmo lo
dos artrópodes, mas têm uma classe própria: são aracnídeos, como também
os escorpiões e ácaros.
Nem mesmo as centopeias, embuás e lacraias são insetos. Eles têm pernas
demais, para carmos no detalhe mais visível, e pertencem a vários outros
grupos de invertebrados. Até os fo nhos tatuzinhos-de-jardim são insetos,
embora alguns tenham seis patas. Uma vez que os entomologistas estudam
uma comunidade de animais extremamente diversa e multifacetada, às vezes
tanto os tatuzinhos como os aracnídeos acabam sendo incluídos quando
falamos de insetos em geral. Neste livro também será assim.

Respirando por meio de um canudo


Os insetos não têm pulmões e não respiram pela boca, como nós. Em vez
disso, respiram através de orifícios nas laterais do corpo. Esses buraquinhos
vão da superfície até o interior, como canudinhos inseridos no corpo dos
insetos. O ar enche os canudos e o oxigênio migra dali para as células do
corpo. Sendo assim, os insetos não precisam usar sangue para transportar
oxigênio para os cantos e recantos do próprio corpo, mas ainda assim
dependem de um tipo de sangue, que nos insetos é chamado de hemolinfa,
para levar nutrientes e neurotransmissores às células e remover delas os
resíduos. Uma vez que o sangue dos insetos não carrega oxigênio, ele não
precisa de hemoglobina, a substância vermelha rica em ferro típica do
sangue dos mamíferos. Por isso, o sangue dos insetos é claro, amarelado ou
esverdeado, e também por isso o para-brisa do carro não ca parecendo a
cena de um crime de romance policial barato quando dirigimos por uma
estrada numa noite cálida de verão. Tudo que vemos são aqueles vestígios
amarelo-esverdeados de insetos esmagados.
Os insetos não possuem nem mesmo vasos sanguíneos. Em vez disso, o
sangue deles circula livremente ao redor de todos os órgãos do corpo, pelas
pernas e pelas asas. Para fazer a coisa toda uir, eles têm uma espécie de
coração: um tubo alongado ao longo do dorso, com músculos e aberturas ao
lado e na frente. As contrações musculares garantem que o sangue seja
bombeado para trás e para a frente, até a cabeça e depois para o cérebro.
Os sentidos dos insetos são processados no cérebro. Sinais ambientais
captados por meio de cheiros, ruídos e barulhos são extremamente
importantes para procurar comida, evitar inimigos e encontrar um parceiro.
Embora compartilhem conosco os mesmos sentidos básicos — eles
percebem a luz, o som, o cheiro e podem sentir o gosto e o toque —, a
maioria dos órgãos sensoriais dos insetos é construída de uma maneira
completamente diferente. Vamos agora examinar o aparelho sensorial dos
insetos.

A linguagem dos cheiros


O olfato é importante para muitos insetos, mas eles não têm um nariz
igual ao nosso. Em vez disso, percebem os odores inicialmente com as
antenas. Alguns insetos, como certas borboletas macho, têm antenas
enormes e peludas, capazes de sentir o odor da fêmea, ainda que em
concentrações mínimas, a vários quilômetros de distância.
Os insetos comunicam-se de várias maneiras por meio dos cheiros.
Através das moléculas de odor, eles podem transmitir mensagens de todo
tipo, desde anúncios classi cados como “Dama solitária procura moço
simpático para diversão mútua”, até bilhetes deixados por formigas
informando às colegas algo assim: “Siga esta trilha e você encontrará um
delicioso bocado de geleia na bancada da cozinha”.
Besouros que vivem na casca dos pinheiros, por exemplo, não precisam de
Snapchat nem de WhatsApp para contar aos outros onde é a balada.
Quando algum deles descobre um abeto enfraquecido, ele grita na
linguagem dos odores. Dessa forma consegue juntar um número su ciente
de besouros para dominar uma árvore viva e enfraquecida, que terminará
seus dias como berçário para dezenas de milhares de besourinhos.
Não podemos sentir o cheiro da maioria desses perfumes de insetos. Não
somos capazes de sentir esses odores. Porém, caso um dia você esteja de
passagem pela cidade de Tønsberg, numa noite de verão qualquer, talvez
tenha a sorte de sentir o cheiro de uma deliciosa essência de pêssego. É o
eremita, um dos maiores e mais raros besouros da Noruega tentando atrair
para si a pretendida que pode estar na copa da árvore ao lado. Ele exala uma
substância de nome nada romântico, gama-decalactona — uma substância
produzida em laboratório e usada em cosméticos, e também para aromatizar
bebidas e comidas.
O cheiro é de grande valia para o eremita, que é pesado, preguiçoso e
raramente alça voo, ao menos em grandes distâncias. Ele vive em árvores
antigas e ocas, nas quais suas larvas mastigam a casca apodrecida, e é
extremamente caseiro — um estudo sueco revelou que a maioria dos
eremitas adultos continuava morando na mesma árvore em que nasceu. Tal
desinteresse em mudar de ares não facilita a descoberta de novas árvores
ocas que podem ser habitadas, e um tronco oco de uma velha árvore é algo
cada vez menos comum em áreas densamente povoadas e em orestas sob
forte pressão ambiental. Por isso, na Noruega essa espécie só é encontrada
num único lugar, no Centro de Tønsberg. Ou, melhor dizendo, em dois
lugares, pois alguns indivíduos foram remanejados para um bosque de
carvalho nas proximidades, numa tentativa de garantir a sobrevivência da
espécie.

Uma flor tentadora


As ores sabem muito bem que os aromas são importantes para os
insetos. Quer dizer, milhões de anos de evolução mútua produziram a mais
incrível interação entre ambas as espécies. A maior or do mundo, do
gênero Rafflesia, ocorre na Ásia e é polinizada por moscas saprófagas, que se
alimentam de carne apodrecida. Não adianta então tentar atraí-las com
“aromas da brisa de um dia quente de verão, com notas de âmbar e a
sensualidade da baunilha” — como diria o jargão da indústria de perfumes.
Caso você queira uma visita da mosca saprófaga, é preciso usar o idioma que
ela conhece. Por isso, a maior or do mundo fede como um animal morto
há dias apodrecendo no calor da oresta — um odor de carne podre,
irresistível se você é uma mosca saprófaga.
Mas você não precisa se aventurar pela oresta para encontrar exemplos
de ores que falam a linguagem olfativa dos insetos. A rara orquídea Ophrys
insectivora é nativa da Europa. Suas ores azul-amarronzadas parecem a
fêmea de uma espécie de vespa, e o odor que exalam complementa essa
semelhança. A or tem o mesmo cheiro da fêmea da espécie quando quer
namorar. O que faz então um macho dessa espécie de vespa, recém-chegado
ao mundo, cuja cabeça só tem um pensamento na curta vida que irá levar?
Ele cai direitinho na artimanha da orquídea e tenta copular com a or. Não
dá muito certo, então ele voeja para a próxima or e tenta novamente. Nada
feito ali também. O que ele nem descon a é que, durante essas visitas
malsucedidas, acabou com uns pontinhos amarelados presos ao corpo —
estruturas semelhantes a antenas com bolinhas na extremidade, muito
parecidas com as cerdas das escovas que encontramos em salões de
cabeleireiros. Nessa estrutura está o pólen dessas orquídeas. Dessa forma, o
ardor da paixão da vespa contribui para que as ores sejam polinizadas.
E se você está preocupado com o destino do desiludido senhor vespa,
relaxe. As fêmeas de verdade eclodem dos ovos alguns dias depois dos
machos, e então a coisa esquenta de verdade. A perpetuação tanto da
orquídea como da vespa está garantida.

Olhos nos joelhos e relógios da morte


Comunicar-se por meio do odor é importante para os insetos,
principalmente para ns de reprodução. Apesar disso, alguns preferem
con ar no som para encontrar um parceiro. O canto dos gafanhotos não
chega aos nossos ouvidos anunciando a chegada do verão, mas serve para
que o macho encontre sua fêmea. Normalmente é o macho que cantarola
ansiosamente para atrair a fêmea, assim como também entre os pássaros. Se
você já ouviu o ensurdecedor canto das cigarras no auge do verão, imagine o
que poderia ser caso as fêmeas também resolvessem cantar. Como diz um
antigo provérbio grego, “Felizes são as cigarras, pois suas mulheres são
mudas”. Permita-me acrescentar que, às vezes, manter-se de boca fechada é
sinal de grande inteligência. Não são apenas os amantes da boa música que
são atraídos pelo canto. Parasitas assustadores estão à espreita aguardando o
momento exato para pôr um minúsculo ovo no nosso solista apaixonado.
Por mais inocente que pareça, esse ovo marcará o m da melodia. O ovo
eclodirá e dele sairá uma larva esfomeada que devorará o cantor pelas
entranhas.
Os insetos têm ouvidos em todos os locais possíveis, mas raramente na
cabeça. Os ouvidos dos insetos podem estar localizados nas pernas, nas asas,
no tórax ou no abdome. Até mesmo na boca, como ocorre com certas
borboletas. Os ouvidos são de vários modelos, embora todos sejam do
tamanho XXXP, e alguns são extremamente so sticados. Um desses possui
uma membrana vibrante, como uma espécie de tambor minúsculo, cuja
pelica é a nada a cada vez que as ondas sonoras a alcançam. Não é tão
diferente do nosso tímpano, apenas uma versão miniaturizada e
simpli cada.
Os insetos também podem sentir com a ajuda de diferentes sensores
associados a pequenos pelos que capturam vibrações.
Mosquitos e moscas frutíferas possuem sensores assim nas antenas, e
lagartas podem carregar pelos sensoriais por todo o corpo, com os quais
escutam e podem sentir o toque e o gosto. Alguns ouvidos podem capturar
sons de longa distância, enquanto outros só funcionam se for muito perto. É
complicado de nir exatamente o que seria “ouvir” — seria, por exemplo,
como capturar vibrações num gramado onde se está sentado lendo um
livro? Ou escutar um som é “senti-lo”?
Quando se é pequeno, pode-se usar um ampli cador para aumentar a
potência do som. É o que fazem os besouros comumente chamados de
“relógios da morte” (espécies encontradas em carvalhos e troncos
apodrecidos, do gênero Xestobium). Antigamente, as pessoas achavam que o
ruído que produziam prenunciava a morte iminente, mas a explicação é bem
mais prosaica. As larvas desses besouros vivem em madeira apodrecida,
preferencialmente em troncos, e as casas na Escandinávia geralmente são de
madeira. Quando adultos, os besouros encontram seus parceiros batendo a
cabeça na parede. O som propaga-se pelas paredes e é capturado tanto pelos
besouros como por nós. O som lembra o tique-taque de um relógio ou
alguém tamborilando os dedos numa mesa. Na crendice popular, esses sons
alertariam que alguém estaria prestes a morrer — um relógio a contar os
últimos minutos ou o homem da foice esperando, impaciente. Na realidade,
era mais provável que esses sons cassem mais evidentes numa casa
silenciosa, na qual houvesse pessoas velando um doente grave acamado.

Um violoncelo muito original


Podemos ouvir outros ruídos de insetos muito bem, a céu aberto e em
pleno dia, como é o caso das cigarras zunindo. Mesmo assim, não são elas
que ganham a competição de inseto mais barulhento do mundo. Se
considerarmos o tamanho, o primeiro lugar vai para um inseto aquático de
dois milímetros de comprimento. Uma espécie de barata-d’água da família
Micronecta compete pela atenção das fêmeas justamente fazendo música.
Mas como fazer uma serenata para a amada quando se tem o tamanho de
um grão de areia? Bem, a pequena baratinha toca uma espécie de violoncelo
usando a barriga como corda e o pênis como arco.
Alguns anos atrás, uma equipe de pesquisadores franceses instalou
microfones subaquáticos para captar a música desses insetos. O mundo
então conheceu a primeira gravação, ainda que pirata, da serenata de uma
baratinha-d’água. E, de certa maneira, foi um grande sucesso. Os
pesquisadores caram convencidos de que demonstraram que esses
pequenos animais, com seus violoncelos improvisados, bateram todos os
recordes da indústria fonográ ca, com um volume médio de 79 decibéis
produzidos por um ser de dois míseros milímetros — um ruído
correspondente ao produzido por um trem de carga de quinze metros de
comprimento.
É quase inconcebível que algo assim possa ser verdade — e talvez não seja
tão certo assim. É de fato muito complicado comparar sons propagados na
água e no ar. Talvez essas baratas-d’água não sejam os insetos mais
barulhentos do mundo, a nal, mas o fato de tocarem um instrumento com o
próprio pênis é uma façanha que ninguém lhes pode tirar.

Esticando a língua além dos pés


Imagine que você pudesse caminhar pela oresta de pés descalços no
verão e degustar os mirtilos selvagens à medida que pisasse sobre eles. A
mosca doméstica pode. Ela sente o gosto com os pés. E as moscas são
incrivelmente sensíveis: sentem o gosto do açúcar cem vezes mais do que
nós, com as papilas que temos na língua.
Mas há algumas desvantagens em ser uma mosca doméstica. Elas não têm
dentes ou qualquer outra coisa que lhes permita comer alimentos sólidos.
Estão condenadas eternamente a seguir uma dieta líquida. Então, o que faz a
pobre mosca quando pousa sobre algo delicioso, como a fatia de pão que
você está comendo? Bem, ela o transforma numa pasta saborosa usando as
enzimas digestivas que tem no estômago. A mosca vomita um bocado do
que traz no estômago sobre a sua comida. E isso não é lá tão bom sob o
nosso ponto de vista. As bactérias da refeição que a mosca acabou de comer,
que podem estar muito longe daquilo que de nimos como “comestível”, vão
parar na sua fatia de pão. Para a mosca isso é ótimo, pois é só aspirar o
alimento para a barriga. As moscas domésticas têm uma boca que se
assemelha ao bocal de um aspirador de pó acoplado a um cano curto. Tudo
isso está conectado a uma espécie de bomba que a mosca tem na cabeça, e é
essa bomba que cria a sucção para que ela aspire a comida que vomitou.
São justamente os maus modos da mosca à mesa, combinadas com uma
dieta variada que inclui, por exemplo, cocô de animais, que fazem da mosca
um vetor de propagação de doenças. A mosca não é perigosa por si, mas age
como uma espécie de seringa contaminada que acaba nos infectando.
Pensando bem, é melhor que nós, humanos, sintamos o gosto com a
língua e não com os pés. Uma coisa é provar o sabor dos mirtilos frescos na
relva da mata no verão, mas já pensou passar o inverno inteiro degustando o
solado dos próprios sapatos?
Uma vida multifacetada
Nos insetos, os sentidos funcionam de acordo com a necessidade.
Enquanto libélulas e moscas dependem de uma visão excelente, insetos que
habitam cavernas podem ser totalmente cegos. Insetos que mantêm relações
estreitas com ores, como a abelha, podem enxergar cores, mas o espectro
cromático é deslocado para cima, de maneira que elas não conseguem
enxergar a cor vermelha. Em compensação, enxergam a luz ultravioleta,
invisível para nós, humanos. Isso quer dizer que muitas ores que nos
parecem de uma só cor, como o girassol, se apresentam com desenhos bem
distintos para uma abelha, geralmente na forma de “pistas de pouso”,
indicando o caminho para o néctar guardado ali.
Os olhos multifacetados dos insetos são compostos de muitos olhos
individuais, chamados de ocelos. O cérebro encarrega-se de compor as
imagens captadas por cada ocelo numa só, de tamanho maior, mas menos
de nida e mais embaçada se comparada à maneira como nós enxergamos.
Imagine uma foto de baixa resolução ampliada ao máximo na tela do seu
computador. Há muitas razões para um inseto não ter carteira de motorista,
mas a visão é certamente uma delas. Eles jamais conseguiriam identi car
uma placa de trânsito a 20 metros de distância.
Por outro lado, é uma visão altamente adaptada ao uso diário que fazem
dela. Imagine os besouros da família Gyrinidae, por exemplo, que parecem
continhas brancas girando como redemoinhos na superfície dos lagos
europeus de clima temperado. Eles têm dois pares de olhos com diferentes
refrações. Um par serve para ver com precisão sob a água, de modo a poder
evitar o ataque de um peixe faminto, e o outro par para enxergar melhor na
superfície e encontrar a comida de que precisam utuando sobre o espelho
d’água.
Os insetos também têm a capacidade de ver a luz do dia de um jeito que
nós não conseguimos. Eles enxergam a luz polarizada. A polarização diz
respeito aos planos nos quais a luz do sol oscila, e muda de acordo como ela
é re etida — seja na atmosfera, seja numa superfície brilhante como a água.
Para não nos aprofundarmos muito na física ótica, vamos nos contentar
dizendo que os insetos usam a luz polarizada como uma espécie de bússola
para se orientar. Nós, humanos, fazemos coisa parecida quando usamos
óculos escuros de lentes polarizadas para reduzir a intensidade do brilho da
luz.
Além dos olhos facetados, os insetos também podem ter olhos simples,
cuja principal função é distinguir o claro e o escuro. Na próxima vez que vir
um marimbondo, encare-o bem nos olhos e perceba que, além dos olhos
multifacetados em ambos os lados da cabeça, ele também tem três olhinhos
em formato de triângulo na testa.

O caçador mais hábil do mundo está de olho em você...


Quando se trata de ter uma visão adaptada ao uso, as libélulas são uma
categoria à parte. Precisamente por causa da visão, esses insetos são
considerados os maiores predadores que existem.
É claro que os leões são dotados de uma visão aguçada e caçam em
bandos, mas a verdade é que só abatem a presa a cada quatro tentativas.
Mesmo o tubarão-branco, com seus 300 dentes a ados e reluzentes, só
captura a presa a cada duas tentativas. A libélula, por sua vez, sobressai
como um caçador mais letal: sua taxa de êxito é de 95%. Estamos falando
das Anisopteras, que sempre pousam com as asas estendidas, e não das
libélulas do tipo Zygoptera, que recolhem as asas em repouso.
Uma das razões pelas quais as libélulas são caçadoras muito habilidosas é
seu domínio aéreo incontestável. As quatro asas podem se mover
independentemente uma das outras, algo muito incomum nos insetos. Cada
asa é controlada por um conjunto de feixes de músculos capazes de ajustar a
frequência e o ritmo das batidas. Assim, uma libélula pode voar para trás,
para o alto ou para baixo, como um helicóptero, e alternar entre car parada
no ar ou se mover numa velocidade que pode chegar a 50 km/h. Não admira
que sirvam de inspiração para a força aérea dos Estados Unidos projetar
seus drones mais modernos.
Mas a visão também é parte integrante desse bom desempenho. Talvez
não seja tão surpreendente, uma vez que a cabeça da libélula é quase inteira
feita de olhos. Na verdade, cada olho consiste de 30 mil ocelos que enxergam
tanto a luz ultravioleta como a luz polarizada, além das cores. E uma vez que
os olhos são esféricos, a libélula é capaz de enxergar o que está se passando
em todos os lados do corpo.
Não bastasse isso, o cérebro está preparado para lidar com essa visão
extraordinária. Quando nós, humanos, assistimos a uma sucessão de fotos
passando em alta velocidade, as percebemos como um movimento contínuo,
um lme, caso sejam mais de 20 fotos por segundo. Uma libélula, por sua
vez, pode ver até 300 imagens individuais por segundo, enxergando cada
uma delas separadamente. Em outras palavras, seria um desperdício e tanto
uma libélula pagar um ingresso para ver um lme no cinema. O que você
percebe como lme não passa de uma sucessão de imagens estáticas, uma
longa sequência de foto atrás de foto.
Com o tempo, o cérebro da libélula vai se concentrando num
determinado quadro, na enorme multidão de impressões visuais que capta.
Ele demonstra ter um tipo de atenção seletiva que não é conhecida em
outros insetos ou animais do mesmo porte. Imagine pilotar um barco no
mar e perceber outro barco movimentando-se para a frente, a um certo
ângulo de onde você se encontra. Caso consiga manter aquele barco no
mesmo ângulo de visão, eventualmente você o alcançará. É mais ou menos
assim que o cérebro da libélula age numa caçada, concentrando-se num
ponto e coordenando velocidade e direção para alcançar a presa com
enorme grau de precisão. Órgãos sensoriais intrincados e bem desenhados
de nada valem sozinhos. É preciso um cérebro para processar todas as
informações que lhe chega, selecionar padrões e conexões relevantes e
enviar as mensagens corretas para as diferentes partes do corpo. Mesmo que
os insetos tenham cérebros minúsculos, devemos considerar que são mais
inteligentes do que imaginamos.

Vá pela cabeça da formiga


Carl von Linné, o grande naturalista sueco que classi cou as espécies de
animais, colocou os insetos num grupo separado, em parte porque achava
que não tinham cérebro algum. Não é de admirar. Se você cortar a cabeça de
uma mosca-das-frutas, ela pode viver por dias quase como se nada tivesse
ocorrido. Pode voar, caminhar e acasalar. Por m, morrerá de fome porque,
coitada, sem a boca não conseguirá se alimentar. A mosca decapitada pode
viver porque os insetos não têm apenas um cérebro principal na cabeça, mas
também um cordão neural que percorre todo o corpo, com “pequenos
cérebros” em cada trecho. Com isso, muitas funções podem ser controladas
sem a cabeça onde deveria estar.
Os insetos são inteligentes? Depende do que você entende por
inteligência. Segundo o Mensa, uma espécie de clube que reúne pessoas de
QI elevado, a inteligência é a “capacidade de adquirir e analisar
informações”. Certamente ninguém irá sugerir que um inseto faça parte do
Mensa, mas o fato é que os insetos não param de nos surpreender com sua
capacidade de avaliar situações e aprender com elas. Feitos que julgávamos
possíveis apenas para animais superiores, dotados de coluna vertebral e
cérebro maior, também são possíveis para nossos amiguinhos.
Porém, há enormes diferenças entre os insetos. Aqueles com vidas mais
modorrentas e hábitos mais simples são os menos espertos. Não é preciso
ser exatamente um gênio se passará a maior parte da vida preso ao pelo de
um animal sugando seu sangue. Se for uma abelha, vespa ou formiga,
entretanto, precisará ser mais esperta. Os insetos mais inteligentes são os que
procuram comida em locais diferentes, e além disso rmam laços estreitos
entre si, isto é, vivem juntos em sociedade. Esses pequenos seres precisam
fazer julgamentos constantemente: aquilo amarelado ali é uma or com um
néctar bem doce ou uma aranha-caranguejeira faminta? Será que dou conta
da ala dessa maternidade sozinha ou preciso de ajuda? Preciso de um pouco
desse néctar para continuar meu trabalho ou devo levá-lo para minha mãe
em casa?
Os insetos sociais dividem tarefas de trabalho, compartilham experiências
e “conversam entre si” de maneira muito so sticada. Isso requer raciocínio.
E o resultado não é nada menos que impressionante. Citando Charles
Darwin, “O cérebro de uma formiga é um dos átomos mais surpreendentes
na matéria que constitui o mundo, talvez mais do que o cérebro humano”. E
isso foi dito antes de ele saber o que sabemos agora: formigas são capazes de
transmitir habilidades para outras formigas.
Transmitir conhecimento já foi considerado uma característica exclusiva
dos seres humanos, quase uma prova da nossa sociabilidade avançada. A
transmissão do conhecimento distingue-se de qualquer outra forma de
comunicação por três requisitos muito particulares: precisa ser uma ação
que ocorra apenas quando um instrutor encontra um aluno “ignorante”,
implique um custo para o professor e faça o aluno aprender mais rápido do
que se não tivesse assistido àquela aula.
Repassar conhecimento é uma expressão usada para referir comunicação
em torno de conceitos e estratégias, e a dança das abelhas (p. 40) diz mais
respeito ao processo em si, o que não é propriamente um conhecimento
transmitido adiante. Entretanto, veri camos que formigas são capazes de
aprender com outras formigas por meio de um processo que chamamos de
“corrida em tandem”. Essa corrida pode ser con rmada quando uma
formiga mais experiente indica à outra o mapa da comida. Estamos falando
de uma espécie de formiga europeia, a Temnothorax albipennis, que depende
de marcos geográ cos, como árvores, rochas e outros, além da trilha de
odores, para lembrar-se do caminho do formigueiro até uma nova fonte de
alimento. Para que mais formigas possam encontrar a comida, aquela que já
sabe o caminho precisa ensiná-lo às outras.
A professora corre na frente para mostrar o caminho, mas para a cada
instante à espera da aluna, que corre mais devagar, presumivelmente porque
está reconhecendo o território por onde passa. Quando a aluna está
novamente pronta, toca a professora com as antenas e ambas seguem
adiante. Sendo assim, esse comportamento satisfaz os três requisitos da
“verdadeira aprendizagem”: a ação ocorre apenas quando um professor
encontra um aluno “ignorante”, implica um custo para a professora (ela tem
de parar e esperar) e faz a aluna aprender mais rápido do que se tentasse
aprender sozinha.
Recentemente, as abelhas também foram incluídas no célebre e restrito
grupo de animais que podem ensinar truques aos outros. Pesquisadores
suecos e australianos ensinaram os abelhões (mamangabas) a puxar um
barbante para obter acesso ao néctar. Primeiro zeram ores azuis arti ciais
no formato de um disco de plástico, que encheram com uma solução
açucarada. Quando esses discos eram cobertos por uma placa de acrílico
transparente, a única maneira de ter acesso à garapa era puxando um
barbante atado às ores de mentirinha. Se os cientistas empregassem os
abelhões sem o devido treinamento, nada acontecia. Nenhum deles puxava o
barbante. Um grande ponto de partida. Mas então os abelhões foram
apresentados às “ ores” para que aprendessem que valia a pena chegar até
elas. Gradativamente, essas ores foram afastadas de onde os abelhões
estavam e encobertas pelas caixas de acrílico transparente. Finalmente,
quando estavam fechadas nas caixas, 23 dos 40 abelhões começaram a puxar
o barbante, trazendo as ores para mais perto e podendo sugar a solução
açucarada. Foi, de fato, uma aula bem demorada. O processo inteiro
demorou cinco horas de treino por abelhão.
O próximo passo foi ver se os abelhões treinados saberiam passar adiante
esse estranho truque. Três abelhões foram escolhidos como “professores”.
Abelhões novatos e jamais treinados foram colocados juntos numa pequena
gaiola transparente ao lado para assistir a uma demonstração. Quinze dos 25
alunos compreenderam a questão apenas observando como o professor agia,
e conseguiram puxar o barbante e alcançar a recompensa na primeira
oportunidade. Em suma, essa experiência mostrou que os abelhões
conseguiram aprender uma habilidade totalmente antinatural e foram
capazes de transmitir a lógica de funcionamento aos outros insetos.

O sábio cavalo Hans e a abelha ainda mais sábia


No início do século XX, o cavalo alemão Hans cou mundialmente
conhecido. Dizia-se que ele sabia não apenas contar, mas também calcular.
O cavalo sabia somar, diminuir, multiplicar e dividir. Ele respondia aos
cálculos batendo com a pata da frente, e seu dono, o professor de
Matemática Wilhelm von Osten, estava convencido de que o equino era tão
inteligente quanto ele mesmo. Com o passar do tempo, cou claro que Hans
não sabia contar, muito menos fazer contas.
No entanto, o cavalo era um verdadeiro fenômeno para ler os mínimos
sinais corporais e faciais de quem o desa ava. Quem desa asse o cavalo
também precisava contar para saber a resposta certa, e qualquer mínimo
sinal, por mais inconsciente que fosse, era o bastante para alertar o cavalo.
Nem mesmo o psicólogo que desmascarou a farsa de Hans conseguia
controlar esses sinais.
As abelhas, ao contrário, sabem contar de verdade, segundo as pesquisas
mais recentes. Não em grandes quantidades, tampouco dominam as quatro
operações melhor do que fazia Hans. Mas mesmo assim é um feito e tanto
quando se tem o cérebro do tamanho de uma semente de gergelim. As
abelhas foram colocadas num túnel e treinadas a esperar uma recompensa
depois de passarem por certo número de pontos de referência, a despeito da
distância que tivessem que percorrer. O experimento demonstrou que as
abelhas conseguiam contar até quatro e, tão logo aprendiam isso,
continuavam contando mesmo que os pontos de referência fossem outros.
As abelhas não são apenas boas em matemática, apesar de serem tão
pequenas. São ótimas também em idiomas.

Um enxame de bailarinas
Mais ou menos na mesma época em que viveram Osten e seu cavalo nem
tão esperto assim, vivia na Áustria um futuro ganhador do prêmio Nobel.
Karl von Frisch amava animais desde a infância e deve ter tido uma mãe
muito tolerante, que acatou de bom grado sua vasta coleção de bichinhos de
estimação. Ao longo da infância, ele registrou 129 animais diferentes em seu
diário, incluindo 16 pássaros, 20 variedades de lagartos, cobras e rãs e 27
peixes de espécies distintas. Mais tarde, como zoólogo, seu interesse foi
direcionado especialmente para os peixes e para a maneira como enxergam
as cores. Quase por acaso, uma vez que seus objetos de estudo aquáticos
tendiam simplesmente a morrer a caminho das conferências onde iria
demonstrar suas experiências, ele começou a estudar as abelhas.
Karl von Frisch fez duas grandes descobertas: provou que as abelhas
podem perceber as cores e, por meio de uma so sticada dança, dizem umas
às outras onde se encontra a comida. E por isso mesmo ele ganhou um
prêmio Nobel em 1973. Karl von Frisch sabia que quando uma abelha
encontra uma boa fonte de néctar, retorna para casa e conta às amigas onde
estão as ores. Ela faz uma dança em formato de oito, mexe a cintura numa
espécie de rebolado e vibra as asas dançando em linha reta. A velocidade da
dança revela a distância até as ores, a direção, traçando-se uma linha
perpendicular a esta, indica onde estão as ores em relação à posição do Sol.
Hoje, a linguagem da dança das abelhas é um dos exemplos mais
estudados e mais bem mapeados de comunicação do reino animal. Porém, a
história poderia ter sido diferente, pois a Alemanha de Hitler esteve perto de
interromper essa pesquisa antes mesmo de ela começar. Karl von Frisch
trabalhava na Universidade de Munique, invadida pelos simpatizantes de
Hitler na Alemanha da década de 1930, em busca de acadêmicos judeus.
Quando se descobriu que a avó materna de von Frisch era judia, ele foi
demitido e só foi salvo pelo acaso: um minúsculo parasita, que causou uma
doença que devastou as colmeias. Os apicultores e colegas acadêmicos
conseguiram convencer as lideranças nazistas de que as pesquisas que von
Frisch conduzia eram absolutamente necessárias para salvar a apicultura
alemã. O país estava em guerra e qualquer esforço para produzir comida era
essencial. Um colapso de colmeias melíferas não podia ser tolerado. Foi
assim que von Frisch pôde continuar seus estudos.

Tem algo familiar nesse rosto


Durante muito tempo achamos que apenas animais superiores eram
capazes de distinguir indivíduos diferentes, uma característica fundamental
para desenvolver relacionamentos pessoais. Assim foi até que um
pesquisador curioso, inspirado em pinturas de aeromodelos, começou a
pintar o rosto de vespas. A espécie em questão é a Polistes fuscatus, da
família das vespas de papel, assim chamadas porque constroem ninhos à
base de bra de madeira mastigada, constituídos de pequenas células onde
cam suas larvas. As células cam presas a um tronco, como um guarda-
chuva invertido. Ao contrário das vespas de ferrão comuns, que também
fazem ninhos de polpa de madeira, estas não fazem uma camada de
proteção em torno das células onde estão as larvas.
Essas vespas vivem numa sociedade estritamente hierárquica, na qual é
muito importante saber quem dá as cartas. Talvez por isso seja fundamental
saber quem é quem apenas olhando para o focinho. Uma vespa, cujo
desenho do rosto tenha sido modi cado pela tinta, é recebida com
agressividade quando retorna ao ninho. Seus vizinhos deixam de reconhecê-
la e cam irritados. Como controle do experimento, os pesquisadores
também pintaram algumas vespas sem alterar seus traços pessoais. Estas não
eram recebidas com hostilidade quando retornavam ao ninho.
Igualmente fascinante é que, depois de algumas horas de bate-boca e
empurra-empurra, os vizinhos de ninho acabavam se acostumando ao novo
visual da vespa pintada. A agressividade desaparecia e tudo voltava ao
normal. As outras vespas tinham aprendido que aquela ali era mesmo a
dona Vespasiana da casa vizinha, apenas com uma maquiagem diferente.
Isso indica que as vespas realmente têm a capacidade de reconhecer e
distinguir os indivíduos de sua comunidade.
As abelhas dão um passo além: conseguem distinguir rostos humanos em
retratos. Além disso, lembram-se do rosto que aprenderam a reconhecer,
pelo menos durante dois dias. Não se pode dizer que as abelhas mantenham
alguma relação com aquilo que estão vendo. Talvez elas achem que aqueles
retratos não passam de ores esquisitas, sendo as áreas em torno dos olhos e
da boca uma espécie de pétalas.
Essa experiência abre um novo e estimulante campo de pesquisa, que nos
força a re etir como o reconhecimento facial realmente se dá — a nal,
estamos falando de um animal cujo cérebro é menor que a letra “o” deste
livro, e mesmo assim é capaz de prodígios semelhantes aos nossos, com
nosso cérebro do tamanho de uma couve- or. Compreender melhor esses
processos pode ajudar pessoas acometidas de cegueira facial
(prosopagnosia), isto é, que não conseguem distinguir rostos.
Talvez esse conhecimento também possa ser empregado na segurança, por
exemplo, de aeroportos, em vez de instalar gaiolas de vidro com abelhas
zumbindo no controle de passaportes (embora fosse algo bem divertido!),
mas de forma a que possamos transferir os princípios do reconhecimento de
padrões faciais de abelhas para uma lógica passível de ser informatizada.
Uma possibilidade é que essa descoberta possa aprimorar e automatizar a
detecção de rostos por meio de câmeras de vigilância — para encontrar
criminosos procurados pela Justiça, por exemplo, em locais de trânsito
intenso de pessoas.
CAPÍTULO 2

SEXO ENTRE SEIS PATAS

Por que os insetos tiveram enorme sucesso como grupo de animais? Por
que há tantas espécies deles e em tamanha quantidade? Em resumo, porque
são pequenos, ágeis e sedutores.
A vida no planeta abrange dez categorias de tamanho — das bactérias
microplasmáticas (bilionésimos de metro) até sequoias gigantes na
Califórnia, que podem atingir mais de cem metros de altura. Os insetos
estão em seis dessas categorias, bem na base da escala — das vespas-fadas-
anãs-sem-asas, menores que a secção transversal de um o de cabelo
humano, até bichos-pau do tamanho do seu antebraço (p. 16). Isso signi ca
que a maioria dos insetos são pequenos, precisam de um esconderijo de
tamanho reduzido para se protegerem dos inimigos e dispõem de recursos
desprezados por animais maiores.
Além disso, os insetos são incrivelmente ágeis — no sentido de serem
exíveis e adaptáveis. As asas permitem que se espalhem em longas
distâncias em relação ao próprio tamanho, e dominado o espaço aéreo
tridimensional eles têm acesso a fontes de alimento numa extensão de
quilômetros. Como a maioria dos insetos passa a infância em forma
corporal completamente diferente da adulta, eles podem se valer de hábitats
e fontes de alimento completamente diferentes ao longo do ciclo vital, e os
jovens não precisam concorrer com os adultos pela comida.
Por último, mas não menos importante, os insetos têm uma invejável
capacidade de reprodução. Deve ter sido uma mosca na parede que
sussurrou no ouvido de Deus quando Ele disse: “Sejam férteis e
multipliquem-se! Encham e subjuguem a Terra!” (Gênesis 1:28, transcrito de
https://www.bibliaon.com/versiculo/genesis_1_28/). Veja só: comece com
duas moscas-das-frutas e lhes dê condições ideais ao longo de um ano. Serão
então 25 gerações de moscas. Cada fêmea grávida põe cem ovos. Digamos
que todos eclodam e cresçam até a fase adulta, sendo a metade de fêmeas,
que se acasalam e põem, cada uma, mais cem ovos. Ao nal do ano, você
estará convivendo com a vigésima quinta geração dessa família — e só ela
terá cerca de um tredecilhão de mosquinhas-das-frutas de doces olhos
avermelhados. Um tredecilhão é o número um seguido de 42 zeros. Para
tornar as coisas mais concretas, imagine-se embrulhando todas essas moscas
num pacote bem apertadinho, no formato de uma bola, e então você terá
um objeto cujo diâmetro será maior que a distância da Terra ao Sol! Não
admira que os insetos tenham tantos inimigos, do contrário não sobraria
espaço para nós no planeta.
Felizmente podemos dizer que a maioria dos insetos nunca verá a aurora
de uma vida adulta. A maioria deles sucumbe à fome, é devorada por um
predador ou morre de outra forma bem antes de se rmar e constituir
família. É um jogo duríssimo. Com o tempo, uma variedade incrível de
adaptações foi surgindo, sobretudo em se tratando de seleção de parceiros e
reprodução. Veremos algumas dessas adaptações neste capítulo.

50 tons de bizarrices
Os sentidos dos insetos são importantes para encontrar um parceiro, e a
competição é acirrada. E a luta não termina no momento em que “ele”
encontra “ela”. Ao contrário, é aí que começa, pois ante o dilema de
transmitir seus genes da melhor maneira possível, cada sexo pode encontrar
uma resposta diferente.
Por exemplo, não é incomum a fêmea acasalar com vários machos num
curto intervalo de tempo. Isso não favorece o lado masculino, pois os
espermatozoides irão enfrentar a concorrência. Muitos insetos são, portanto,
equipados com um órgão sexual masculino que lembra bem um canivete
suíço em miniatura, com todas os acessórios possíveis: raspadores, colheres
e pás, nas suas variantes mais criativas. O propósito? Eliminar os
espermatozoides concorrentes que encontrar pela frente.
Uma caixa de ferramentas portátil assim vem a calhar caso o macho
anterior tiver usado um truque diferente, como entupir a abertura do canal
sexual da fêmea, por exemplo. Ele tenta colocar nela uma espécie de cinto de
castidade improvisado, para impedi-la de se acasalar novamente, mas o
efeito é apenas parcial. O macho número dois usa seus raspadores, picaretas
e ganchos para desobstruir o canal e depositar o seu material genético ali.
Ou seja, nada de cortejo, carinho e preliminares. É pá-pum!
Outro truque utilizado pelos machos é preencher o órgão sexual da fêmea
com o máximo de esperma possível, diminuindo o tempo que ela poderia
estar disponível para outros. Ele tenta, portanto, prolongar o acasalamento
ao máximo. Em algumas espécies, essa ideia é levada ao extremo: a cópula
do percevejo esverdeado Nezara viridula pode durar dez dias. E não faz
inveja ao bicho-pau indiano, uma espécie certamente adepta do sexo
tântrico, cujos casais foram observados em cópulas de até 79 dias de
duração!
Não é apenas a cópula que pode demorar, o macho também pode car de
olho na fêmea depois do ato. Por acaso você já não reparou em libélulas
pousadas ou voando coladinhas uma na outra? Às vezes elas cam
conectadas num formato que lembra um coração, mas aposto que não tem
nada a ver com romantismo. O propósito dessa marcação homem a mulher,
por assim dizer, é garantir que a fêmea não se acasale novamente até pôr os
ovos devidamente fertilizados (pelo macho vigilante, espera-se) na devida
planta aquática.
Diante de uma competição acirrada dessas, é sempre bom manter as
ferramentas em ordem. E ninguém é mais zeloso com suas ferramentas do
que a pequenina mosca-das-frutas Drosophila bifurca. Essa mosquinha,
parente próxima daquela que nos irrita na cozinha, é a orgulhosa detentora
do recorde do espermatozoide mais comprido do mundo, com quase 6
centímetros! Ou seja, o espermatozoide é 20 vezes maior que o próprio
animal. Para efeito de comparação, seria como se os humanos produzissem
espermatozoides do tamanho de uma quadra de futebol de salão! Como isso
é possível?
A resposta é que o espermatozoide inteiro consiste de uma cauda
níssima amarrada a um novelo. As fotos ampliadas desse espermatozoide
me fazem lembrar quando meus lhos resolvem cozinhar e põem pouca
água na panela do macarrão. O resultado é uma maçaroca. E qual o motivo
disso? Os espermatozoides compridos são a estratégia das moscas para uma
corrida para chegar ao óvulo à maneira de Usain Bolt: os maiores têm mais
chances de chegar primeiro.
E já que estamos falando de esquisitices, não podemos deixar de
mencionar os percevejos-de-cama. Esses bichinhos rastejantes se alimentam
de sangue e se escondem em rachaduras de paredes e camas de hotéis no
mundo inteiro. Quando cai a noite, eles deixam seus esconderijos e lhe
en am uma mangueira de sugar sangue enquanto você dorme. Sem dúvida
não é uma lembrança que você queira trazer consigo da viagem de férias,
mas o fato é que esses percevejos são uma praga crescente. Em parte porque
estamos viajando o mundo em demasia, em parte porque eles já são imunes
aos inseticidas utilizados para matá-los.
De qualquer forma, o ponto aqui é que em certas espécies de percevejos o
macho se atira sobre qualquer coisa que lembre a possibilidade de uma
transa. Ele nem se preocupa em encontrar a abertura sexual da fêmea,
apenas perfura os genitais em seu abdome e deixa que os espermatozoides
encontrem seu caminho sozinhos até os óvulos. Na maioria das vezes, isso
deixa a fêmea incapacitada para copular com outros machos. É assim que o
macho tenta ter certeza de que será realmente o pai de todos os seus lhos.
Em troca, a fêmea desenvolveu uma área reforçada no abdome, onde o
macho geralmente a perfura, reduzindo os danos a que é submetida.
Isso ilustra um ponto importante: a batalha entre os sexos tem duas partes
em con ito e, à luz da evolução, ambos os gêneros lutam pelo que os
bene cia.

A dança das senhoras


Talvez os primeiros entomologistas, quase exclusivamente homens,
tivessem uma tendência a considerar tudo isso sob o ponto de vista
masculino. De qualquer forma, é fato que a pesquisa atual nos traz mais
exemplos de como as fêmeas também trabalham para promover seus
próprios interesses.
Algumas simplesmente devoram o macho quando a cópula termina. Isso é
mais comum entre as aranhas, parentes próximos dos insetos. Na aranha-
pescadora americana, por exemplo, o macho morre durante o ato, isso
porque seus órgãos sexuais explodem quando o esperma é secretado (ou,
como é descrito no seco jargão cientí co: “Observamos que a cópula
resultou na mutilação genital do macho e no seu consequente óbito”). E aí
ele é comido — em prol dos lhotes. Mesmo que a sua pretendida seja uma
criatura imensa, cujo corpanzil pesa 14 vezes mais que ele, o pequeno e
frágil macho ainda é útil como suplemento de proteína. Um pouco de
proteína sempre vem a calhar quando se põem centenas de ovos de aranha.
Os louva-a-deus também são famosos pelo canibalismo sexual. Estudos
de campo, no entanto, mostraram que na natureza o macho raramente se
torna o jantar pós-acasalamento, algo que frequentemente ocorre em
condições arti ciais em laboratório.
Mesmo assim, mamãe inseto tem mais truques na cartola. Acontece que
ela pode controlar em segredo quais machos serão os pais de seus lhos.
Aqui estão em jogo vários mecanismos — o caminho até o óvulo está longe
de ser um mergulho tranquilo em águas plácidas, lembra mais uma corrida
de obstáculos. Como é comum que os espermatozoides sejam armazenados
numa espermateca (banco de esperma) interna na fêmea, e a fertilização real
de seus óvulos ocorra somente num momento posterior, a fêmea pode
in uenciar de várias maneiras o espermatozoide que irá armazenar e usar.
Um pesquisador realizou uma experiência engenhosa, embora cruel, que
demonstra isso. Ele dividiu um monte de carunchos em dois grupos. Metade
dos machos cou sem comida e passou fome para resultar em indivíduos
fracos, de má qualidade genética. Metade das fêmeas simplesmente foi
sacri cada, a m de não in uenciar o resultado. Quando o pesquisador
reuniu os carunchos, tanto os machos famintos quanto os bem alimentados
copularam de bom grado com fêmeas vivas e recém-mortas, em igual
número. E agora vem a parte engenhosa: na espermateca das fêmeas mortas,
os pesquisadores encontraram tanto espermatozoides dos machos famintos
como dos machos bem alimentados. Nas fêmeas vivas, entretanto, havia
muito mais espermatozoides dos machos bem alimentados, de melhor
qualidade genética, o que sugere que a fêmea age ativamente para controlar
o processo, de modo a garantir que machos mais aptos sejam os pais de seus
lhos.

Uma vida sem homens?


Há muitas maneiras de abordar o enigma da descendência: os lhos
sempre saem aos pais? Entre os insetos, encontramos os mais variados
exemplos. A reprodução sexuada, ou seja, em que são necessários um
macho e uma fêmea, é a mais comum também entre os insetos. Mas muitos
deles podem preferir viver uma vida feliz como celibatários e mesmo assim
transmitir seus genes adiante.
A partenogênese (reprodução de um óvulo não fecundado) ocorre com
frequência numa série de insetos. Fêmeas de pulgões, por exemplo, podem
dessa forma garantir uma explosão populacional nas roseiras do seu jardim
durante a primavera. Elas não têm tempo para botar ovos e esperar o verão
chegar, simplesmente dão à luz pequenos pulgões vivos, de óvulos que se
transformaram em novos indivíduos sem serem fertilizados. E não para por
aí: em algumas espécies, a fêmea do pulgão pode ser como aquelas
bonequinhas matrioskas russas. Ela pode carregar na barriga fêmeas
pequenas já grávidas de novos lhotes!
Não admira que as roseiras sejam sinônimo da vida que se renova na
primavera. Talvez não seja adequado chamar isso de vida de solteiro, apesar
da ausência de machos. Com essa taxa de natalidade, não tardará muito para
o mesmo arbusto car superlotado. Até aqui, as fêmeas não podiam voar,
mas agora é hora de expulsar algumas delas, que ganham um par de asas e
podem migrar para a roseira mais próxima e continuar sua reprodução em
massa por lá.
À medida que os dias se tornam mais curtos e o outono se aproxima, mais
uma mudança acontece: as fêmeas de pulgão começam a produzir machos
também. Eles se acasalam com as fêmeas, que desta vez põem ovos, e apenas
assim os pulgões podem sobreviver ao inverno. Ela deposita os ovos numa
planta perene, resistente ao inverno extremo. Quando vem a primavera, os
ovos eclodem e dão à luz fêmeas virgens, que darão à luz fêmeas e assim por
diante...
Então, por que machos são realmente necessários se as senhoras pulgões
podem dar à luz um in ndável clã de lhos, netos, bisnetos e assim por
diante, numa única estação, superando o número de humanos que existem
no planeta? Não é muito mais produtivo permitir a todos os indivíduos
produzir descendentes, em vez de apenas metade? (Sem mencionar o tempo
que economizaríamos com cinema, jantares etc.)
A resposta do porquê de a maioria dos animais e plantas existir na forma
de dois sexos ocupa biólogos há muito tempo, e o debate ainda está em
andamento. Uma desvantagem da partenogênese é que todos os indivíduos
se tornam geneticamente idênticos. Neste caso, há pouca margem de
manobra caso as condições ambientais se alterem. Assim, a reprodução por
meio do sexo, no qual o material genético de dois indivíduos é misturado, é
boa e necessária para promover a variedade genética e eliminar mutações
prejudiciais. Outra vantagem de ter dois gêneros atuantes é que eles podem
se concentrar em estratégias diferentes: um pode possuir poucas, porém
grandes, células sexuais cheias de nutrientes, isto é, óvulos, enquanto o outro
gênero ca com células sexuais pequenas, móveis e em profusão, ou seja,
espermatozoides.

Viva a rainha!
Não são apenas os pulgões que vivem em sociedades completamente
dominadas por mulheres. Com grande probabilidade, toda formiga,
marimbondo e abelha que você já viu na vida foi uma fêmea. Pouquíssimas
são as exceções.
Você se lembra do lme Bee Movie: a História de uma Abelha (2007)?
Sobre Barry, o macho que está cansado da vida de operário na colmeia? Do
ponto de vista biológico, está tudo errado. A propósito, em Henrique V,
Shakespeare descreve como os muitos habitantes de uma colmeia têm seus
passos vigiados por um soberano. Tudo errado. Não são as abelhas
masculinas que fazem o trabalho nas colmeias. Nem tampouco são
governadas por um rei do sexo masculino.
São as fêmeas que mandam e pegam no pesado no mundo das abelhas.
Todas as operárias são fêmeas, vassalas de uma rainha. Os machos, zangões,
vivem uma vida curta durante o outono e têm um só papel a cumprir:
acasalar-se com uma nova rainha. A abelha macho nem mesmo coleta
comida sozinha, mas é alimentada pelas fêmeas.
Agora talvez possamos fazer vista grossa a Shakespeare, à Dreamworks e a
outros que cometeram deslizes assim, pois se trata de um erro comum e
atemporal. Os antigos gregos tentaram desvendar os mistérios das abelhas,
mas não conseguiram descobrir muita coisa. Eles sabiam que as abelhas
comuns tinham um ferrão, mas não acreditavam que logo uma mulher
pudesse estar equipada com uma arma tão e ciente, certo? E se as ferroadas
fossem coisa das fêmeas, isso signi caria obrigatoriamente que aqueles
indivíduos bonachões e patuscos, que nem se davam ao trabalho de
procurar néctar, eram homens, e isso não podia ser verdade, não é? Tsc, tsc,
tsc...
Sendo assim, foi somente no nal do século XVII, com a invenção do
primeiro microscópio, que se pôde a rmar com certeza que as zelosas
abelhas operárias e suas rainhas eram do sexo feminino, e que os
preguiçosos zangões é que eram os machos.
Ainda haveriam de transcorrer mais duzentos anos para compreender
com precisão como as abelhas nasciam, porque ninguém jamais havia visto
uma praticando sexo. A teoria prevalecente na época era que os machos, isto
é, os preguiçosos zangões, faziam tudo a certa distância, fertilizando sua
rainha com o que se chamou de maneira muito criativa de “odor de
esperma”.
Foi só no nal do século XVIII que se descobriu que a abelha-rainha
voava para fora da colmeia e retornava do passeio com o órgão sexual
masculino preso aos próprios genitais. Eram os restos do sortudo vencedor
do enxame de zangões que tentaram copular com a rainha. A rainha
costuma se acasalar também com vários outros. Ela guarda todos os
espermatozoides (até 100 milhões deles) numa espermateca interna e faz uso
deles de acordo com a necessidade, pelo resto dos seus dias.
Para o zangão, no entanto, copular é a última coisa que faz na vida. A
inoculação dos espermatozoides é simplesmente explosiva — tão violenta
que o órgão sexual descola-se e rasga o abdome do macho em pedaços, e ele
morre pouco depois, ilustrando na prática o ditado popular: “Para cima é
um sofrimento, para baixo todo santo ajuda”.
É uma cópula tão violenta que até mesmo os jornais acham espaço para
noticiá-la em suas colunas, como esta manchete do tabloide sensacionalista
inglês e Sun: “Male bees testicles EXPLODE when they reach orgasm”
(Testículos dos zangões EXPLODEM quando eles atingem o orgasmo).

Beyoncé tinha razão


Agora vamos nos transportar da rainha das abelhas para a rainha dos
adolescentes de hoje, Queen B, a diva pop norte-americana Beyoncé
Knowles. Alguns anos atrás, os insetos surfaram uma onda de propaganda
positiva quando os jornais de todo o planeta trouxeram a notícia de que
uma espécie nova de mutuca fora descoberta e batizada em homenagem à
artista: Scaptia beyonceae.
A mutuca Beyoncé foi assim chamada por duas razões: fora descoberta no
mesmo ano em que a artista nasceu, embora batizada muito tempo depois, e
por ser dotada de um bumbum igualmente belíssimo. Os pelos dourados do
abdome desse inseto inspiraram o cientista que lhe deu o nome, certamente
pelos vestidos reluzentes e justíssimos da estrela pop. Espero ansioso por
mais mulheres no ramo da entomologia, para ver insetos batizados segundo
seus ombros largos, tórax musculoso ou abdome de tanquinho.
Fico pensando cá comigo se a própria artista cou mesmo lisonjeada com
a homenagem, se é que soube dela, uma vez que se trata de uma mutuca
típica do sertão australiano. Embora a mutuca costume pousar em ores e
contribua para a polinização, ela é, antes de tudo, conhecida pelo incômodo
que causa a pessoas e animais domésticos. Sua ferroada é dolorida, deixa o
rebanho estressado e pode transmitir doenças.
Seja como for, na mesma época em que recebeu a homenagem, Beyoncé
cantava um hit que perguntava: “Who runs the world?” (Quem manda no
mundo?). A resposta você deve se lembrar: Girls!
Não creio que ela se referisse a insetos nessa canção. Mas bem que
poderia. Porque se contarmos o número de animais machos e fêmeas em
todo o planeta, os insetos nos dão a certeza de que existem mais mulheres.
Vamos ignorar as bactérias, hermafroditas e outros organismos sem sexo
de nido. Se considerarmos a proporção de fêmeas no restante do reino
animal, pode-se dizer que em alguns grupos muito numerosos, como os
insetos, há um claro predomínio de fêmeas. Todas as abelhas melíferas são
fêmeas — 83 bilhões delas. Todas as formigas operárias são fêmeas, e
existem incontáveis delas, sem que tenhamos uma unanimidade quanto aos
números. A BBC a rma que é seguro presumir que as formigas são o tipo de
inseto mais abundante no planeta. Entre outros insetos numerosíssimos,
como os pulgões, também pode haver o predomínio de fêmeas durante
certos períodos.
Poderia essa prevalência de fêmeas ser posta em xeque pelos animais
marinhos? No mar, são os pequenos crustáceos, o correspondente marinho
dos insetos que predominam — animais como os copépodes e outros tipos
de crustáceos saltadores. A divisão sexual entre eles é equivalente, mas aqui
também há evidências de um número superior de fêmeas. Mesmo
considerando os galináceos e os bovinos animais abundantes no planeta, é
comum haver menos touros e galos que fêmeas de ambas as espécies. Se
bem que há exemplos de organismos com uma superpopulação de machos
em relação a fêmeas, como é o caso dos platelmintos (vermes achatados) e
tartarugas, mas haverá alguma vantagem nisso?
Tudo considerado, parece que Queen B tinha mesmo razão. Se contarmos
o número de indivíduos, fatalmente chegaremos à conclusão de que são as
mulheres que mandam no mundo, graças aos insetos e à extrema
dominância feminina nas espécies mais bem-sucedidas do planeta.

Pai não tenho, mas tenho avô


Como é possível que insetos sociais, como abelhas, formigas e muitas
vespas, vivam em comunidades com tamanha desigualdade de gênero? Parte
do segredo está em como o sexo da prole é determinado nesses insetos.
Entre humanos e em muitos insetos, são os cromossomos sexuais que
determinam tudo, mas os insetos desse tipo não possuem cromossomos
sexuais.
O que determina o sexo é se o ovo é ou não fertilizado, e isso cabe à
rainha decidir. Apenas ela tem a capacidade de pôr ovos. Se decidir fertilizar
os ovos com os espermatozoides guardados, dará à luz uma fêmea, operária
ou rainha, a depender da alimentação recebida como larva. Caso se trate de
um ovo não fertilizado, o resultado será um macho.
Esse sistema resulta em alguns caprichos hereditários, especialmente se a
rainha se acasalou apenas uma vez na vida. Nesse caso, as lhas da rainha
serão mais próximas geneticamente das irmãs do que de seus eventuais
lhos. Isto porque, resumindo, o esperma de cada papai abelha contém
exatamente o mesmo material genético, de maneira que todas as suas lhas
(ele não consegue ter lhos — lembre-se, eles só se desenvolvem a partir de
óvulos não fertilizados) acabam herdando genes idênticos.
Tudo isso signi ca que é melhor que essas lhas se abstenham de ter lhos
e, em vez disso, ajudem a criar mais irmãs, inclusive rainhas — justamente
porque dessa maneira elas transmitem seu material genético mais rápido.
Por muito tempo, acreditava-se que essa era uma boa maneira de explicar as
peculiaridades da natureza social dos insetos. Mas agora sabemos que a
abelha-rainha melífera se acasala com vários zangões. E nos cupins, esses
também insetos sociais, o sexo não é determinado pela fertilização ou não
do ovo, portanto a explicação não se sustenta. Outros mecanismos que
podem explicar o fenômeno são objeto de acaloradas discussões acadêmicas.
Seja como for, esse sistema extravagante signi ca que haverá enormes
desa os pela frente para uma abelha que queira decifrar sua árvore
genealógica. Ela não tem pai, pois nasceu de um óvulo não fertilizado. Mas
tem um avô, mais especi camente um avô materno.
Pesquisas genealógicas com humanos, sejam eles lhos meus, seus, sejam
nossos em comum, são uma bagatela em comparação a isso.

Educando à maneira dos insetos


A mamãe inseto costuma achar que seu trabalho está terminado depois de
pôr os ovos. Mas há exceções. Alguns insetos são muito cuidadosos e fazem
coisas parecidas, como dar mamadeira e trocar fraldas. E os exemplos de
creches de insetos que temos não são apenas curiosidades para animar rodas
de conversa numa festinha. Estudando estratégias de espécies aparentadas,
que cuidam ou não dos seus lhotes recém-nascidos, ou manipulando
espécies e observando as consequências para a sobrevivência da prole, os
biólogos aprendem muito sobre ecologia e evolução.
Um exemplo é uma barata (Diploptera punctata) que dá à luz lhotes
vivos, signi cando que os ovos eclodem ainda no abdome e ela precisa
alimentar as ninfas para que cresçam fortes e saudáveis. Baratas não têm
útero quente e confortável, onde o feto pode ser alimentado através de
cordão umbilical. Em vez disso, a mãe tem glândulas especiais dentro do
abdome que secretam proteína líquida do leite. O conteúdo nutricional
desse “leite” é uma espécie de ração de guerra — uma mistura ideal de
proteínas, carboidratos e gorduras. Alguns estudiosos sustentam que pode
ser um novo superalimento, inclusive para nós, humanos. Mas como deve
ser muito demorado ordenhar baratas, deveríamos talvez nos dedicar à
produção arti cial desse leite.
Outro exemplo de inseto impopular, a mosca-dos-chifres, tem um ciclo de
vida parecido. Essa mosca é um parasita que suga o sangue de cervos e
costuma ocorrer em maior número na época em que brotam os cogumelos
no continente europeu, quando se deslocam em enxames e, embora
raramente ferroem pessoas, incomodam muito zumbindo ao redor do
ouvido e entranhando-se em nossos cabelos. Para os alces, entretanto, são
uma verdadeira praga. Em 2007, o Instituto Veterinário da Noruega
examinou um alce infestado com 10 mil moscas agarradas à pele.
Nas moscas-dos-chifres, os ovos também eclodem no abdome das fêmeas,
e as larvas são “amamentadas” por glândulas internas especiais, enquanto a
mãe pousa confortavelmente no pelo do alce. O lhote “nasce” na forma de
pupa e cai no chão, duro e escurecido como um feijão-preto, onde cará até
eclodir no outono seguinte, reiniciando o ciclo de vida da espécie.
Vários outros insetos alimentam e cuidam dos seus descendentes. Já
vimos os insetos sociais, em que toda a comunidade é envolvida na criação e
alimentação dos lhotes. E isso vale também para a mãe, que não ca
desocupada. A rainha de um cupinzeiro põe um ovo a cada três segundos,
durante toda a vida. Para ela, não faz sentido fazer planos para “quando as
crianças crescerem”, pois esse tempo nunca chegará.
Tesourinhas (dermápteros), aqueles insetos amarronzados com uma
espécie de tesoura na extremidade do corpo, também são mães
extremamente devotadas. Não são exatamente de trocar fraldas, mas
montam guarda sobre os ovos, limpando esporos de fungos e lavando-os
com uma substância que inibe o bolor. Quando os lhotes eclodem, ela traz
comida e alimenta as ninfas recém-nascidas. Um experimento mostrou que
o cuidado das tesourinhas multiplica de 4% para 77% a quantidade de ovos
que eclodem. Os coleópteros do gênero Nicrophorus também são exemplos
de pais devotados (p. 113).
Na Escandinávia, somos orgulhosos de estar à frente em questões de
igualdade de gênero. Mas quando se trata de igualdade entre seres menores
que nós, há outros países que estão na liderança — certamente porque não
temos nas águas escandinavas nenhum representante dos besouros-d’água
gigantes (Belostomatidae). Nessa subfamília, temos um raro exemplo de pai
que cumpre inteiramente sua licença-paternidade, assistindo um montão de
bebês, isto é, ao lado de várias mães diferentes. Após o acasalamento, as
fêmeas põem seus ovos em leiras nas costas do pai. Ele se encarregará dos
ovos, utuando sobre a superfície da água e cuidando para que não quem
secos ou molhados demais. E a mãe? Ela faz como Nora, personagem de A
Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen: abandona o lar.
CAPÍTULO 3

COMER OU SER COMIDO — INSETOS NA


CADEIA ALIMENTAR

A receita para uma vida de inseto bem-sucedida é muito simples: car


vivo quanto puder para se reproduzir. E, para manter-se vivo, é preciso
comer. A vida dos insetos tem tudo a ver com comer e evitar ser comido.
Muitos insetos comem uns aos outros e encontram mil e uma maneiras de
fazer isso. Pode ser comendo de fora para dentro ou de dentro para fora.
Pode ser comendo ovos, larvas ou indivíduos adultos. Pode ser usando
mandíbulas, esponjas ou canudos. Ou pode ser simplesmente jejuando —
um grande número de insetos come apenas quando são larvas e não se
alimentam quando adultos.
Uma vez que o desejável é estar do lado mais forte da equação comer ou
ser comido, os insetos chegam a extremos para evitar serem comidos por
outros. Eles podem viver escondidos ou camu ados, ou ngir que são outra
coisa, de preferência não comestível ou venenosa. Podem também apostar
na sobrevivência desaparecendo no meio da multidão ou cooperando com
outros de maneira muito so sticada. As estratégias que os insetos usam para
se alimentar, sem servir de alimento, são exemplos de adaptações de cair o
queixo, ainda que muitas delas sejam extremamente brutais.

A incredulidade de Darwin
Muitos insetos pertencem à categoria que chamamos parasitoides, isto é,
parasitas que por m matam seu hospedeiro. Muitas vezes o hospedeiro é
consumido por dentro — a larva do parasitoide eclode do ovo nas entranhas
do animal — de outro inseto, por exemplo — e devora lentamente suas
entranhas. É um processo muito bem urdido. A larva poupa os órgãos vitais
do hospedeiro e os deixa para comer por último — como que guardando o
melhor para o nal! Em geral, o hospedeiro acaba morrendo quando a larva
do parasitoide está pronta para a vida adulta.
Teólogos e naturalistas do século XIX arrancaram os cabelos quando
descobriram isso. Não era coisa que calhasse na criação de um Deus bom e
generoso. Até Darwin lutou contra essa ideia e escreveu para seu colega
norte-americano Asa Gray, em 1860: “Não posso me convencer de que um
Deus bom e onipotente teria criado as vespas parasitas com o propósito
muito claro de devorar as entranhas de lagartas vivas”.
Mal sabia ele... Há coisas muito piores que essas vespas.

Zumbis e devoradores de almas


A bela Dinocampus coccinellae, de sedutores olhos verdes, pertence à
categoria das vespas parasitas. A vespa fêmea en a seu ovipositor (duto por
onde põe os ovos) numa joaninha e nela deposita seu ovo. O ovo choca e ao
longo dos vinte dias seguintes a larva da vespa sai mastigando a maioria dos
órgãos internos da joaninha. Em seguida, sem ser percebida, escapa e se
esconde na extremidade do abdome da joaninha, que ainda está viva. A
larva da vespa tece então um pequeno novelo entre as pernas da sua infeliz
hospedeira, onde ocorrerá sua transformação em pupa.
E aí acontece algo extraordinário: a joaninha subitamente muda de
comportamento. Para de se mover e ca em estado de lassidão, preguiçosa,
tornando-se uma espécie de abrigo inanimado para a futura vespa. Somente
quando um inimigo se aproxima é que a joaninha se move, escapando ou
assustando o inimigo e evitando assim qualquer tentativa de comerem o
monstro que quase a devorou inteira. Esse processo dura uma semana, até a
vespa adulta eclodir do ovo, alçar voo e deixar a joaninha à própria sorte.
A grande questão é: como a vespa mãe controla o cérebro da joaninha
para torná-la uma babá zumbi? Faz semanas que ela depositou seu ovo e se
foi. A resposta é que a vespa não injeta apenas um ovo, mas também um
vírus na joaninha. O vírus vai se proliferando no cérebro da joaninha no
ritmo exato para deixá-la paralisada — justamente quando a larva está para
sair. Por intermédio do vírus, a vespa assume o controle do cérebro da
joaninha e a obriga a agir como babá, e também como papinha de bebê. A
única informação agradável a dizer sobre isso é que, mesmo assim, há
joaninhas que sobrevivem a esse martírio.
A mesma sorte não tem a barata vítima da vespa que engole a sua alma:
Ampulex dementor. Você se lembra dos dementadores de “Harry Potter”,
monstros que voavam sugando a alma das pessoas? Essa vespa foi
denominada assim por causa deles. Trata-se de uma das várias espécies do
gênero de vespas parasitas de barata, que ocorrem até em regiões mais
setentrionais da Europa. Quando ainda em estágio infantil, elas vivem nas
entranhas de baratas.
O processo começa com a mãe procurando um lugar para inocular seus
ovos. Primeiro, uma ferroada no abdome para atordoar a barata durante
alguns minutos. Depois, uma cirurgia cerebral de alta complexidade, por
isso a “paciente” precisa estar completamente imóvel. É a vez de dar uma
ferroada na cabeça. Com precisão extrema, a vespa injeta uma dose de
veneno em dois pontos especí cos do cérebro da barata. O veneno bloqueia
os sinais que controlam o processo motor — a barata ainda consegue se
mover, mas não mais por iniciativa própria. Ela está à mercê do desejo da
vespa.
E o desejo da vespa é levar a barata a um lugar onde possa depositar nela
os próprios ovos. Mas como a barata é grande demais para a vespa carregar,
é melhor privá-la de todo e qualquer livre-arbítrio que tivesse (mesmo
sendo barata), mantendo sua capacidade de locomoção. Com isso, a vespa
sugadora de almas pode simplesmente agarrar-se à antena da barata e
conduzi-la aonde quiser — como um cão pela coleira — para a morte certa.
A barata torna-se uma presa dócil que se deixa levar para uma toca no
chão, onde a vespa põe um ovo e gruda-o na perna da barata. Depois, a
vespa fecha novamente a abertura da cova com seixos e desaparece. Sua
pequena larva passará o próximo mês com comida farta. Primeiro, sugando
os uidos corporais da perna, depois perfurando um orifício e penetrando a
barata, da qual devorará as entranhas até, nalmente, matá-la.
Argh! Talvez tenha sido melhor Darwin nem ter sabido disso. Não é fácil
ver bondade numa conduta tão implacável. Mas até aqui a evolução nunca
fez questão de ser motivada por sentimentos, como caridade e benevolência.

Caroneiros audaciosos
Alguns insetos vivem de devorar as crias alheias. Os audazes escaravelhos
da família Meloidae, que secretam uma substância corrosiva quando se
sentem ameaçados, comem larvas de besouros e mesmo assim pegam
carona com os pais até a creche onde estão.
Num dia qualquer de maio eu aproveitava o sol primaveril, quando vi um
besouro rechonchudo caminhando na mesa do jardim. Parecia que tinha
pegado emprestado um sobretudo pequeno demais para ele. O abdome
estava tão cheio de óvulos que se esparramava para além das asas. Era um
desses escaravelhos. Também chamados de besouros de primavera, de maio
ou de Páscoa, essas criaturas têm denominações à altura das adaptações que
fazem para sobreviver.
A escaravelha gorducha traz consigo uma passageira clandestina muito
estranha. Em breve, escavará um buraquinho no chão para depositar ali seus
ovos, talvez até uns 40 mil. Os ovos eclodirão e darão à luz pequenas e
agitadas larvinhas de seis patas. Elas se assemelham a piolhos ou moscas
sem asas, mas são cheias de energia e não param quietas. As larvas de
triungulina, como são chamadas, acabam se ajuntando em ores e esperam
o dia da sorte grande chegar.
Para sobreviver, essas larvas precisam chegar ao ponto certo, e para tanto
dependem de uma carona. Agarram-se ao primeiro inseto que pousa na or
na qual estão — mas é preciso pegar carona com a abelha certa, do contrário
é m de jogo. Por isso mesmo são necessários tantos ovos desde o início:
somente para aqueles que se aventurarem como passageiros clandestinos no
transporte certo o futuro está garantido.
As triungulinas do escaravelho Meloidae amontoam-se numa or e
formam uma gura que parece uma abelha. Além disso, exalam um odor
que imita o de uma abelha melífera solitária. Logo aparece um macho para
lhe fazer companhia. Enquanto ele tenta acasalar com uma gura que lhe
parece ser uma abelha-rainha, ela desaparece e as larvas de triungulina
montam em seu corpo. O zangão retoma o voo, desiludido, e com sorte
encontrará uma abelha-rainha. É aqui que as larvas saltarão sobre ela,
abandonando o navio que está naufragando e garantindo o bilhete para
chegar aonde querem: o ninho da rainha.
As triungulinas agradecem pela carona e mudam novamente o formato
corporal, assumindo a forma de larvas sem patas. Ficam quietinhas no
ninho, surrupiando todo o néctar que conseguem. De sobremesa, podem até
comer as larvas de abelhas que moram ali. Quando estão satisfeitas,
transformam-se em pupas e esperam a primavera chegar. E o ciclo então
recomeça.
Na Noruega, os escaravelhos da família Meloidae são chamados de
“besouros-petróleo”, pois expelem um líquido viscoso semelhante ao
petróleo. Ele contém cantaridina, um dos venenos mais poderosos que
conhecemos. Uma quantidade correspondente ao peso de um único grão de
arroz é o bastante para matar um ser humano.
Por alguma razão, algumas pessoas (erroneamente) acharam que a
cantaridina tinha poderes afrodisíacos. Besouros secos da espécie conhecida
como mosca espanhola (Lytta vesicatoria), encontrados no sul da Europa e
no Oriente, foram usados para estimular o desejo sexual nos homens. Diz-se
que Lívia, a astuciosa amante do imperador Augusto (conhecido pelo relato
bíblico da Natividade), recorria a eles. Lívia teria polvilhado moscas
espanholas na comida dos seus convidados — na esperança de que
perdessem o comedimento e o autocontrole e zessem coisas que mais tarde
poderia usar contra eles.
Na verdade, a substância desses insetos, se ingerida, causa pústulas
dolorosas em contato com a pele e inchaço no trato urinário. Além disso, a
quantidade entre uma irritação e o efeito letal é mínima. Não é coisa com
que se brinque.
Esses besouros se adaptaram para emergir na mesma época do voo
solitário das abelhas que irão parasitar, por isso só podem ser vistos no
início da primavera. A melhor coisa a fazer, caso você tenha a sorte de
avistá-los alguma vez, é deixá-los viver sua estranha vida em paz.

Insetos que gritam por comida


Não sou muito de cozinhar aos domingos. Costumamos sair para fazer
trilhas na mata, e ninguém chega em casa com disposição su ciente para
cozinhar. Nem mesmo sabemos direito o que preparar — não conseguimos
pensar em nada disso quando estamos no supermercado fazendo compras
numa sexta-feira, depois de uma semana intensa.
Como seria bom ser um gafanhoto numa hora dessas! Mais precisamente
um Chlorobalius leucoviridis, um gafanhoto australiano grande e esverdeado.
Ele teria resolvido isso facilmente — e cuidado para que a comida fosse
entregue na porta de casa. Fresquinha. Tão fresca que ele mesmo vem
entregar.
Esses gafanhotos só precisam gritar e a comida vem correndo, direto para
a mesa de refeição deles, bem na hora que bate aquela fome. E o que eles
gritam? Ora, bolas... Digamos que não é nada que faça frente a um Romeu
qualquer fazendo sua serenata debaixo de uma varanda. Os gafanhotos
aprenderam a imitar o canto de acasalamento de uma espécie
completamente diferente, uma cigarra bem bonitinha. Eis que então logo
aparece o senhor cigarra todo pimpão, aproximando-se da fonte do ruído,
mas, em vez de uma cigarra apaixonada, ele encontra pela frente um inimigo
faminto e muito maior que ele. O almoço acabou de ser servido.
Na linguagem acadêmica, isso é chamado de “imitação agressiva” — isto é,
um predador ou parasita imita o sinal emitido por outra espécie com o
propósito de atrair o receptor daquele sinal. Existem vários exemplos
parecidos. O vaga-lume Photuris versicolor pode, por exemplo, imitar onze
espécies aparentadas ngindo ser uma fêmea pronta para se acasalar. Dessa
forma, ele pode pousar e piscar tranquilamente, como uma luzinha de
árvore de Natal, e apenas esperar a comida dar o ar da graça.
Mais estranho ainda é o sistema de entrega em domicílio das aranhas-
boleadeiras (Mastophorini). Essas pequenas aranhas tecem um novelo com
uma cordinha pegajosa na ponta, que giram pelo ar até atingir uma
mariposa que esteja passando por perto. A mariposa é então recolhida,
como um peixe num anzol, e embalada num casulo de teia para ser
devorada sossegadamente ao longo da noite. A arma da aranha lembra a
boleadeira, aquele instrumento que consiste de duas bolas pesadas presas
por uma corda, que os campeiros gaúchos utilizam na lida com o gado.
Mas uma coisa é ser um gaúcho a cavalo atirando boleadeiras na direção
da rês em fuga, outra bem diferente é ser uma aranha imóvel na teia. Qual é
a chance de uma mariposa passar ao largo enquanto você gira uma
boleadeira nas mãos? Quase zero. Por isso, a aranha descobriu um jeito de
atraí-la. Ela usa o cheiro. A aranha-boleadeira aprendeu a imitar os
complexos sinais odoríferos das fêmeas de certas espécies de mariposa. O
senhor mariposo sente o perfume de amor no ar e vem voando cada vez
mais próximo da fragrância da femme fatale, até terminar grudado na
armadilha da aranha.

Moscas assassinas também têm seu dia


Existe um dia para tudo. Temos o Dia Mundial das Aves Migratórias, Dia
Mundial da Alegria, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, Dia do Waffle,
Dia do Zíper. Por acaso você sabia que todos os anos, no último dia de abril,
celebramos o Dia Mundial da Mosca Assassina? A idealizadora do
#worldrobber yday, Erica McAlister, é a responsável pela ala de insetos do
Museu de História Natural de Londres. Ela acredita que deveríamos
comemorar a existência dos insetos muito mais do que fazemos. E por que
não começar com as moscas assassinas?
Essas moscas (da família Asilidae) são predadores ferocíssimos. Essa
família tem espécies de até seis centímetros de comprimento, algo
gigantesco em se tratando de moscas. São escuras e muitas vezes esbeltas,
com pernas pesadas, olhos imensos e um bigode espesso no lábio superior.
Demonstram controle total do espaço aéreo, podem mudar de direção
pairando no ar e sabem esperar a hora certa de dar o bote na presa que vem
voando inocentemente.
Num piscar de olhos, a vítima se vê presa no meio de seis pernas
cabeludas e fortes. Sem precisar aterrissar, a mosca assassina estica seu
probóscide (focinho) sobre a presa, que pode muito bem ser um inseto bem
maior que ela — em alguns casos, pode até mesmo ser um beija- or. A
mosca assassina esguicha um coquetel de saliva, veneno líquido digestivo
que rapidamente transforma as entranhas da vítima numa espécie de
smoothie de inseto. Depois é só sugar, sugar e jogar o esqueleto oco no chão.
Não é sem razão que esses insetos receberam esse nome.
As moscas assassinas são importantes porque controlam e mantêm baixo
o nível populacional de outras espécies de insetos. Ao mesmo tempo são
animais raros e esquivos, e pouco sabemos o que acontece durante seu
estágio larval, o que di culta sua preservação. Só na Noruega são 20 espécies
conhecidas dessas moscas, mas pouco se sabe como vivem. Sem dúvida,
precisamos de mais pesquisas e mais propaganda positiva em todas as
mídias possíveis.

Swarmageddon
Imagine um exército de insetos de olhos vermelhos aproximando-se
devagar, emergindo do chão. Cada inseto tem o tamanho do seu polegar, e
eles surgem em quantidades que lembram um lme de terror classe B sobre
o m dos tempos. Estamos falando de uma densidade de cerca de três
milhões de insetos, numa área correspondente a um campo de futebol. Só
que não se trata de cção cientí ca barata, nem de profecias do Apocalipse.
É apenas o Swarmageddon (de “swarm”, enxame, e “armageddon”, Dia do
Juízo Final), o criativo apelido que recebeu o ciclo vital de 17 anos das
cigarras na América do Norte.
Esses insetos sugadores de seiva vegetal passam 16 anos consecutivos
abrindo mão da vida ao ar livre, escondidos em becos escuros e muquifos
debaixo da terra, tranquilos, esperando pacientemente. De vez em quando
bebem um coquetel de seiva de raízes por meio de um canudo xo na boca.
Então, no décimo sétimo ano, eles reúnem o bando inteiro para uma festa de
arromba.
Multidões de indivíduos de um tom acastanhado brotam das profundezas,
em silêncio e sem asas. A multidão silenciosa sobe nas árvores e realiza sua
última troca de pele, marcando a transição das cigarras para a fase adulta e
reprodutiva. E então, tchan! De dentro da velha casca surge um ser alado,
em vestido de festa e pronto para arrebentar. O amor está no ar, o namoro
está liberado e acabou-se o tédio. Se você passar 17 anos debaixo da terra,
terá acumulado uma energia e tanto. Para nós, humanos, o canto da cigarra
é um som intenso, de alta frequência e irritante. Multiplique então por
milhões de cigarras macho cantando. Daí vai ser fácil entender por que há
pessoas que sofrem danos auditivos ao passar muito tempo ao ar livre
quando o baile das cigarras começa. O volume do ruído pode bater os 100
decibéis. Embora as cigarras que completam 17 anos com essa festa
ensurdecedora não ferroem ou causem maiores danos, os norte-americanos
se veem obrigados a cancelar eventos ao ar livre, como casamentos e
batizados em jardins, porque se torna impossível falar ao ar livre tamanho é
o ruído.
Em compensação, a balada das cigarras não dura muito. Depois de terem
passado 17 anos e 99% da vida sob a terra, sua vida adulta não passa de três
a quatro semanas. Depois do canto vem o acasalamento, depois do
acasalamento, novos ovinhos de cigarras. Os ovos eclodem semanas depois,
e as pequenas ninfas se arrastam pelo galho onde nasceram até caírem no
chão, depois se enterram para esperar os próximos 17 anos na escuridão.
Bem antes de eclodirem os ovos, as ninfas, seus pais e mães já estarão
mortos — já cumpriram seu papel. Tudo que resta a quem agora assistiu ao
baile é arrumar vassouras e pás e limpar quilos e quilos de cascas de cigarras
mortas dos jardins e esperar a próxima aparição delas, em mais 17 anos.
Na verdade, esse tipo de cigarra é o inseto mais longevo que se conhece,
ao lado de sua prima, a cigarra cujo ciclo de vida é de 13 anos. Há várias
espécies delas, cujas ninhadas podem emergir em períodos diferentes, em
diferentes partes dos Estados Unidos. Não é de estranhar que esses insetos
intrigantes tenham recebido o nome cientí co de Magicicada.

Conte até dezessete


Qual a moral dessa fantástica história das cigarras de 17 anos? E como é
possível que os insetos saibam contar?
É provável que esse comportamento tenha evoluído porque reduz a
chance de a cigarra ser comida. As cigarras são insetos grandes, ricos em
proteínas e cobiçados por pássaros, mamíferos e lagartos. Inundar o
mercado com essa oferta maciça de alimentos garante que uma boa parte
das cigarras sobreviva para acasalar-se e pôr ovos. É a estratégia de
sobreviver desaparecendo no meio da multidão. Uma vez que os intervalos
de tempo são tão grandes, é pouco provável que haja um predador capaz de
se adaptar a ele. E não é nenhuma coincidência que tanto 13 como 17 sejam
números primos, isto é, números que só podem ser divididos por eles
mesmos e por 1. Isso signi ca que um predador de ciclo de vida mais curto
não “acompanhará” o boom das cigarras sincronizando seu ciclo de vida
com o delas. Por ter um ciclo que corresponde a um número primo
consideravelmente grande, a chance de a cigarra ser comida diminui. Não
deixa de ser um truque impressionante, vindo de um inseto com uma
capacidade de fazer contas igual à de uma porta.
Mas como as cigarras de 17 anos sabem que está na hora de parar de sugar
a seiva das raízes e se preparar para a balada na superfície? O gatilho para
essa aparição perfeitamente sincronizada é a temperatura do solo. Quando o
solo a uma profundidade de 20 a 30 centímetros se mantém acima de 18 ºC
durante quatro dias pela 17ª vez, o despertador interno das cigarras dispara
simultaneamente em todas elas. A ciência ainda não decifrou como ocorre a
contagem até o ano 17. Uma espécie de relógio biológico no qual
componentes químicos se alteram com o tempo talvez explique
parcialmente o fenômeno. Pode ser que sinais exteriores da árvore também
tenham seu papel, cabendo às cigarras “contar” as oradas e germinações.
Ao manipular as árvores de modo que elas tenham duas germinações num
só ano, os cientistas constataram que essas cigarras apareceram um ano mais
cedo.
Existem cigarras canoras também na Europa, mas essas não são cíclicas.
Muitas pessoas confundem as cigarras (que são besouros verdadeiros, da
ordem hemíptera, junto com pulgões e percevejos) com grilos e demais
insetos assemelhados a gafanhotos. Vários destes também produzem sons,
mas de maneira diferente e em tempos diferentes. O zunido intenso que
você costuma ouvir na mata durante os dias quentes no sul da Europa e
também no Brasil é produzido por cigarras.
Também há na Noruega uma espécie de cigarra canora (Cicadetta
montana); são, porém, pouquíssimos indivíduos e estão na lista de espécies
ameaçadas de extinção, obrigadas que são a competir pelo espaço com
veranistas e proprietários de cabanas nas matas adjacentes ao orde de Oslo.
Por acaso você já reparou em pequenos “montinhos de saliva” que se
acumulam pelo gramado no verão? Em alguns lugares são chamados de
“cuspe de cuco”, mas não têm nada a ver com o pássaro. Dentro da espuma
protetora há uma pequena ninfa da cigarra-de-espuma — uma prima
distante das cigarras de 17 anos norte-americanas. As cigarras-de-espuma
norueguesas, que não cantam, passam a vida inteira envoltas nessa espuma.
A espuma é formada quando a ninfa dessa espécie sopra o ar numa espécie
de gosma que secreta pelo reto, para protegê-la tanto de predadores quanto
da desidratação.

Por que as zebras têm listras?


Podemos pôr a culpa ou dar o mérito aos insetos por muita coisa. Talvez
até pelas listras das zebras. O mistério das listras vem dando dor de cabeça
aos biólogos desde os tempos de Darwin. Por que justamente esses animais
são listrados e outros da mesma espécie não são? Ao longo dos anos surgiu
uma série de hipóteses, cada uma mais imaginativa que a outra. Seria uma
espécie de camu agem para as zebras, que cam dispersas entre arbustos
que projetam sombras? Talvez um padrão para confundir os predadores, que
assim não conseguem identi car onde uma zebra começa e a outra termina?
Quem sabe uma maneira de resfriar o corpo, pois o ar se aquece mais rápido
no preto que no branco, e assim cria pequenos redemoinhos que refrigeram
o corpo das zebras? Ou talvez uma espécie de crachá, daqueles que você
recebe em congressos, com seu nome escrito em letras bem grandes, de
modo que as zebras saibam quem é quem?
A discussão sobre as listras ainda não terminou, mas uma pesquisa
recente rejeita as hipóteses anteriores e sugere uma quinta teoria: as listras
repelem os insetos.
No hábitat das zebras vivem também vários insetos infecciosos: moscas
tsé-tsé e vários tipos de mutucas e carrapatos transmissores de doenças a
mamíferos. Se você for listrado, pode escapar delas com mais facilidade, pois
os vetores dessas doenças não gostam de pousar sobre superfícies listradas.
Por quê? Provavelmente porque as zebras confundem a orientação visual
dos insetos, sobretudo quando estão em movimento. As listras criam uma
ilusão de ótica, semelhante àquela que percebemos quando vemos uma
hélice girando e enxergamos um movimento na direção oposta à rotação. A
nova teoria diz que a evolução criou o padrão listrado nas zebras porque ele
atrai menos insetos e aumenta as chances de sobrevivência.
Aliás, você já parou para pensar que cor as zebras têm sob as listras? A
pele delas não é listrada. É preta. Em outras palavras, a zebra é preta com
listras brancas, e não o contrário. Vai aqui uma nova dica para o próximo
desa o de quem sabe mais da família.

Insetos como patrulheiros da ordem


Insetos servem de ração tanto para pássaros quanto para peixes e até para
vários mamíferos. Ao mesmo tempo, sabemos que em larga escala eles
comem uns aos outros, e isso é essencial para manter em níveis controlados
aqueles insetos que consideramos pragas.
Sabemos que lavouras entremeadas por espécies nativas entre os canteiros
servem de abrigo para inimigos naturais de insetos daninhos. Da mesma
forma, uma oresta natural preservada terá vários insetos e parasitas
predadores, que mantêm as pragas sob controle, ao contrário do que ocorre
numa oresta de manejo. Predadores e parasitas controlam a quantidade de
outros pequenos animais na oresta. Estudos suecos descobriram que numa
mata natural, com várias árvores mortas, há mais inimigos do besouro na
casca do abeto — uma espécie que pode causar grandes danos à madeira —
do que numa mata plantada pela indústria madeireira, de manejo intensivo.
Também no nosso jardim os insetos são úteis como patrulheiros da
ordem: as vespas, por exemplo. Uma colônia de vespas em crescimento
precisa de muita comida. Diz-se que as vespas podem eliminar até um quilo
de outros insetos de jardim a cada metro quadrado, embora a a rmação não
possa ser comprovada.
Para as aranhas, ao contrário, temos estimativas de quanto todos os
indivíduos do planeta podem consumir durante um ano. E não é nada
desprezível: essas aparentadas dos insetos devoram entre 400 e 800 milhões
de toneladas de carne por ano! É mais do que nós, humanos, conseguimos
abater, mesmo somando o consumo de carne de peixe.
Dito de outra forma, as aranhas podem consumir todas as pessoas da
Terra num único ano e ainda têm apetite para mais... Que bom que, em vez
de nós, preferem se contentar com os insetos que habitam o planeta!
CAPÍTULO 4

INSETOS E PLANTAS — UMA CORRIDA


ETERNA

Embora muitos insetos sejam predadores ou parasitas, a maioria consome


alimentos vegetais — seja na forma de saladas, isto é, plantas vivas, ou na
forma de composto (plantas mortas). Veja mais sobre isso no capítulo 6.
A dieta verde é bem balanceada — os insetos podem comer néctar, pólen,
sementes ou a própria planta. Aqui também pode haver vantagens para a
planta, na forma de polinização ou dispersão de sementes. Ao longo de 120
milhões de anos, insetos e plantas vêm evoluindo em conjunto. Em geral são
espécies que dependem umas das outras, mas numa corrida sem m na qual
ambas procuram obter o máximo de vantagens para si. Essa relação de amor
e ódio gerou as mais estranhas formas de coabitação.

Bebendo lágrimas de crocodilo


A vida de um inseto herbívoro não é moleza. O tecido vegetal é um
alimento bastante pobre, com baixo conteúdo de substâncias essenciais,
como nitrogênio e sódio. Isso tem várias consequências para os insetos
herbívoros. Alguns deles têm fases larvais de longa duração, para que
possam obter nutrientes su cientes. Outros se concentram nas partes mais
ricas em nitrogênio das plantas, como as raízes (onde algumas plantas
contam com bactérias hospedeiras que capturam nitrogênio para elas), ou
ores e sementes. Muitos insetos, como as cochonilhas, que se alimentam
sugando a seiva pobre em nitrogênio das plantas, precisam ingerir grandes
quantidades dele para obter os nutrientes necessários. Isso implica em
enorme excedente de água e açúcar, que excretam na forma de melada, para
o deleite de outras espécies (p. 90).
O teor de sódio das plantas também é muito baixo. O sódio é essencial a
todos os indivíduos, entre outras coisas para o bom funcionamento dos
músculos e do sistema nervoso. Enquanto herbívoros superiores podem
absorver sódio lambendo pedras salgadas deixadas num cocho de ração por
um ser humano, os insetos precisam encontrar fontes de sódio natural. Por
isso, é comum vermos borboletas pousadas ao redor de poças d’água
sorvendo a lama rica em minerais como suplemento alimentar à sua dieta de
néctar.
Mas se não houver poça d’água, que tal lágrimas de crocodilo? Biólogos
caram encantados ao registrar, num rio da selva da Costa Rica, em 2013,
lindas borboletas alaranjadas e uma abelha bebendo lágrimas dos olhos de
um caimão, um primo dos jacarés e dos crocodilos. Ocorre que esse método
de adquirir nutrientes essenciais à vida, isto é, bebendo lágrimas de
crocodilo, é mais comum do que imaginamos — apenas é pouco observado.
Beber lágrimas de crocodilo, sem dúvida, soa um pouco mais
sensacionalista do que sorver nutrientes de poças lamacentas.

O desjejum mais importante da primavera


A polinização é uma estratégia de ganha-ganha que une insetos e plantas.
Os insetos recebem comida na forma de néctar adocicado ou pólen rico em
proteínas. As plantas conseguem que o pólen seja transportado de um lugar
a outro, e assim podem germinar novas sementes. Embora algumas ainda
contem com o vento para polinização cruzada, isto é, sejam
autopolinizadoras, oito em cada dez plantas dependem da visita de insetos.
Algumas plantas também têm uma importância especial como
“restaurante de insetos”, porque oferecem néctar em um momento crítico. O
salgueiro é um exemplo. Trata-se de uma árvore que leva uma vida
anônima, seja nas orestas, seja nas paisagens urbanas, mas na primavera o
salgueiro tem seus quinze minutos de fama. É quando o abelhão1 sai do seu
esconderijo subterrâneo, onde dormia feito a Bela Adormecida desde o
outono do ano anterior. E ele sai morto de fome. A nal, passou o inverno
em jejum. E não há ninguém por perto para lhe preparar uma deliciosa
refeição pela manhã. Ainda não. Todos os abelhões-operários encerraram o
expediente quando o frio do outono chegou para valer. O mesmo fez a
rainha dos abelhões, que agora precisa começar a procurar uma nova
colmeia. Se conseguir, será a garantia de que tanto ela como nós, humanos,
teremos comida na mesa. Pois abelhões, abelhas e outros insetos são, como
sabemos, essenciais para a polinização das plantas que comemos (veja mais
sobre isso no capítulo 5). Entretanto, Sua Alteza Abelhão precisa se
alimentar já, e aqui o salgueiro gura na natureza como ponto de partida.
O salgueiro não dorme no ponto enquanto ainda há neve em seus galhos.
Enquanto outras árvores e plantas mal começaram a pensar no que irão
vestir no verão, o salgueiro já está inteiro coberto. Talvez nem tanto quanto
deveria, pois as folhas ainda estão brotando. Mas o que importa aqui são as
ores, as primeiras que despontam na primavera. Há árvores com ores
masculinas e outras com ores femininas. As masculinas são branco-
acinzentadas e acabam adquirindo um tom amarelo berrante após a
polinização. As ores femininas são mais discretas, embora tenham uma
quantidade maior de néctar.
E aqui está a sorte grande da rainha dos abelhões, um café da manhã
reforçado; consiste de pólen rico em proteínas, com um suplemento extra de
néctar açucarado. É pura energia em forma de alimento, e vem bem a calhar
como desjejum depois de um longo inverno, se você tiver pela frente a tarefa
de começar, do zero e sozinha, uma nova comunidade de polinizadores.

Uma cabana turística aberta o ano inteiro


Relacionamentos de casais podem ser complicados. O mesmo vale para as
relações de polinização entre insetos e plantas. A polinização da Trollius
europaeus, uma espécie orífera europeia, é um bom exemplo. Com sua or
amarela, quase fechada em forma de globo, ela passa despercebida no meio
das demais ores nas exuberantes orestas ao norte da Europa.
Apenas três ou quatro espécies de insetos, um deles uma mosca de mesmo
nome, conseguem entrar na or. Em compensação, eles recebem uma bela
recompensa: a or funciona como abrigo e restaurante self-service. E a
despensa ca à disposição dos hóspedes!
O estoque de comida não inclui biscoitos e chocolates, mas a Trollius dá o
melhor que tem: suas próprias sementes. Não sei se o conteúdo proteico
delas corresponde a um bom café da manhã, mas deve dar para o gasto se
você é uma mosca exausta e faminta. A bem da verdade, as moscas não
apenas se servem das sementes, mas também põem seus ovos no repositório
de sementes da or, e ali mesmo as larvas eclodem e crescem. Na verdade,
elas não conseguem crescer e se desenvolver em nenhum outro lugar.
Então, como a planta faz para que as moscas voem de or em or
espalhando seu pólen? Tudo depende do equilíbrio caprichoso entre mosca
e or, pois essa planta só pode ser polinizada exatamente por essas moscas.
Sem a visita delas, nada de plantinhas e nada de sementes. Daí ca claro por
que a or oferece às visitantes tudo que tem de melhor.
Ao mesmo tempo, é um equilíbrio muito delicado. Caso as larvas comam
todas as sementes, no longo prazo não haverá mais ores nem abrigo e
despensa — e com isso tampouco haverá mais moscas. Isso signi ca que as
moscas só podem depositar seus ovos numa determinada quantidade de
sementes. Como elas conseguem manejar isso ainda é uma questão em
aberto. Mas o fato é que a coisa funciona.

Apenas para temperar a pizza? Nada disso!


O orégano é outro exemplo de relacionamento complexo entre plantas e
insetos. Esta conhecida erva que costuma acompanhar pizzas e sanduíches
está envolvida num jogo de intrigas maquiavélico, com direito a alianças
com poderosos, disfarces e falsi cações.
Imagine uma colina seca e ensolarada no norte da Itália, com um grande
contingente de orégano, tomilho e manjerona. Um dos pés de orégano de
repente sente algo lhe fazendo cócegas nas raízes. É que um bando de
formigas Myrmica decidiu se aninhar justamente ali. De vez em quando, elas
aproveitam e mordiscam algumas raízes enquanto trabalham. Isso não faz
bem à planta, que responde aumentando sua produção de carvacrol, uma
substância inseticida. A maioria das formigas não tolera o veneno, mas essa
espécie em particular aprendeu a lidar com a substância e não arreda o pé
das raízes. Nós, humanos, apreciamos muito esse mecanismo de defesa — é
o carvacrol que dá ao orégano o aroma e sabor característicos.
Mas ele tem também outras funções. No canteiro de ores da colina
italiana, a substância também funciona como uma espécie de alerta olfativo
para atrair outra espécie. O destinatário é a majestosa Phengaris arion. De
belíssimas asas azuladas, esta espécie de borboleta põe seus ovos na planta
na qual as lagartas se desenvolvem durante algumas semanas, preparando
um disfarce de fazer inveja a qualquer espião. Não se trata de perucas e
bigodes postiços, pois a visão não tem tanta importância para as formigas,
mas o cheiro, sim. Portanto, as lagartas se perfumam com um aroma de
formiga que combina perfeitamente com aquele das formigas que vivem nas
raízes da planta.
E aí temos o momento crítico: a lagarta desgarra-se da planta e cai no
solo. Uma formiga passa por perto, na sua eterna rotina de procurar comida,
e se deixa enganar pelo cheiro da lagarta, acreditando que ela é na verdade
uma larva que escapou do formigueiro. Cuidadosamente, apanha a lagarta e
a carrega para a escuridão do formigueiro, onde ela é adotada pela colônia
de formigas. Embora sobressaia das formiguinhas tanto em tamanho como
pela cor, ela é mimada e alimentada pelas formigas operárias com o mesmo
cuidado que destinam aos demais bebês.
Para a lagarta, que precisa aumentar de tamanho centenas de vezes até se
dar por satisfeita, um tantinho assim de seiva açucarada não basta. Assim
que suas mães adotivas lhe dão as costas, a voraz lagartinha lança-se sobre as
larvas de formiga abundantes ali no ninho. Além do cheiro, a lagarta
também imita um som de cliques muito parecido com o que emite a
formiga-rainha. Com isso, as operárias acham que a lagarta é uma formiga
nobre e fazem vista grossa para o caos que se estabelece. Por isso nenhuma
formiga intervém quando a lagarta devasta a maternidade do formigueiro.
Por m, a lagarta terá devorado a colônia inteira. A paz volta a reinar nas
raízes do orégano e a lagarta pode recolher-se ao seu casulo e se transformar
em pupa. Sem ter sido criada e alimentada devidamente num formigueiro, a
lagarta jamais poderia dar à luz novas gerações.
Na próxima vez que for comer sua pizza com orégano, pense no drama
que está por trás das folhinhas dessa erva.

Sementes que enganam besouros


No exemplo do orégano, tanto a planta quanto a borboleta tiraram
proveito da relação que estabelecem. Em outros casos, uma das partes
aproveita para passar a perna na outra. É o caso da abelha ladra (Bombus
wur enii), que não se dá ao trabalho de percorrer todo o caminho até o
néctar escondido no estame das ores de lupina (Aconitum). Em vez disso,
toma um atalho: mastiga a copa das ores e vai direto ao ponto, sem fazer a
parte que lhe cabe no processo, pois dessa forma não haverá polinização.
Outras vezes, é a planta que leva a melhor. A planta Ceratocaryum
argenteum, parecida com um junco, cresce apenas na África do Sul. Numa
jogada de mestre, suas sementes se parecem com esterco: bolinhas redondas,
marrom-escuras, semelhantes ao cocô dos antílopes que pastam na região.
Da mesma forma que fazem certas lojas, que perfumam as roupas que
põem à venda, a planta também perfuma sua oferta, isto é, a semente, com
um aroma “atrativo”: cheiro de cocô. E isso com o objetivo de atrair um
grupo de clientes muito especial.
Em geral não é nada esperto produzir sementes que exalam cheiro forte,
pois animais pequenos e famintos conseguem encontrá-las mais facilmente.
A explicação para o mistério foi surpreendente: uma equipe de
pesquisadores da Cidade do Cabo investigou se pequenos roedores comiam
essas sementes pesadas e estranhas. Como amostra, espalharam cerca de 200
sementes de Ceratocaryum numa reserva orestal da África do Sul. O
experimento foi documentado com fotogra as: câmeras com sensores de
presença foram colocadas diante de cada uma das sementes.
Descobriu-se que não eram os pequenos roedores que recorriam às
sementes como alimento — eram os besouros rola-bosta que caíam no
truque publicitário da semente: os besouros achavam que as bolas
perfumadas eram cocô de antílope, onde depositam seus ovos e enterram no
chão, alguns centímetros abaixo do solo.
Os rola-bostas prestam um grande serviço ao ecossistema enterrando
esterco animal de verdade, uma vez que isso impede que as pastagens
naturais sejam cobertas de excrementos e, ao mesmo tempo, devolve os
nutrientes ao solo (p. 117). Mas, nesse caso, os besouros foram tapeados
pelas sementes redondas, parecidas com o cocô dos antílopes. Pelo menos
um quarto das sementes espalhadas foram assim plantadas num novo local.
E o que os besouros receberam em troca? Nada. Os cientistas se
esconderam atrás dos arbustos e desenterraram as sementes enquanto
mamãe besouro rola-bosta seguia seu caminho, e não encontraram nenhum
sinal de ovos nem de que haviam tentado comer a semente. A conclusão é
que os besouros acabam descobrindo que foram enganados e desistem de
pôr seus ovos ali. Besouros não coram de vergonha. Do contrário,
apareceriam vermelhos nas fotos que registraram o experimento. Imagine só
ser enganado por uma bolinha imitando cocô!

Marmita para formigas


Há também uma grande quantidade de plantas que atraem insetos,
principalmente formigas, para espalhar suas sementes em troca de uma
recompensa. Conhecemos mais de 11 mil diferentes plantas desse tipo, ou
quase 5% de todas as espécies vegetais que existem. Em comum elas
oferecem uma recompensa, na forma de suplementação nutricional — uma
marmita para a formiga. A formiga a carrega de volta para o formigueiro, e,
enquanto a marmita é servida para as formiguinhas, as sementes vão sendo
dispersas, de preferência sob a terra ao redor, embora algumas sementes
também são espalhadas durante o transporte.
Na Noruega, muitas plantas também recebem essa mesma mãozinha das
formigas. É uma adaptação engenhosa da parte da planta, que oresce e
dispersa as sementes mais cedo, antes que haja comida em abundância,
aumentando assim as chances de ter seus genes espalhados por aí com a
ajuda das formigas. Da próxima vez que vir uma anêmona na primavera,
preste atenção em como ela oresce e repare em pequenos pontinhos
brancos em cada semente: são as marmitas de comida para as formigas.
Outras plantas rmam uma cooperação ainda mais estreita com as
formigas e não lhes servem apenas comida, mas também constroem casas
para elas. As acácias são o exemplo clássico: algumas têm espinhos
prolongados, local onde as formigas podem se abrigar e aproveitar a dieta
nutritiva que é servida, na forma de pacotinhos de óleo e nutrientes. Em
compensação, as formigas mantêm afastados os herbívoros famintos e criam
um cinturão de plantas rasteiras protetoras em volta das acácias.

Wood Wide Web — a Internet subterrânea das plantas


Colaborar pode ser uma estratégia inteligente quando os insetos estão a
caminho de uma guerra. E aqui as plantas recebem ajuda de outra espécie:
os fungos. Há muito mais coisa sob o chapéu dos cantarelles ou dos porcini
que você avista caminhando pela mata. Uma boa porção desses cogumelos
está justamente embaixo da terra, integrando o sistema de comunicação
secreto da oresta — um emaranhado de os que conectam árvores e
plantas e lhes permite “conversar”. Sim, elas se comunicam. Estamos
aprendendo cada vez mais sobre essa estreita colaboração (simbiose) entre
cogumelos e raízes, chamada micorriza, que na verdade ocorre em 90% das
espécies vegetais do planeta.
Uma vantagem dessa simbiose é ajudar as plantas a crescer, uma vez que o
cogumelo lhes fornece água e nutrientes extraídos da terra. Conhecemos
essa associação há muito tempo. Mas a rede de cogumelos também pode
servir para enviar mensagens, como avisar sobre um ataque de insetos, por
exemplo. Assim como a escola envia um e-mail para os pais quando
descobre a ocorrência de piolhos na classe 6B, ou o Ministério da Saúde faz
uma campanha de vacinação quando a gripe de inverno está próxima, uma
planta sob ataque de insetos envia sinais químicos por meio da Internet
subterrânea para dizer: “Cuidado! Lá vêm os pulgões atacando de novo!”.
Em um estudo engenhosamente elaborado, cientistas britânicos
semearam feijões e permitiram que algumas das plantas desenvolvessem
micorrizas, impedindo ao mesmo tempo que essa estrutura se formasse em
outras. Em seguida, impediram o envio de sinais químicos por meio do ar
envolvendo as plantas em sacos especiais, que não deixavam passar as
moléculas desses sinais. O próximo passo foi deixar os pulgões comerem
algumas das plantas. O estudo demonstrou que as plantas que não foram
atacadas mantiveram contato com as plantas infestadas por meio da Internet
de fungos e conseguiram desenvolver mecanismos de defesa contra os
pulgões. As plantas isoladas não tiveram a mesma sorte.
Nas ores, essa Internet subterrânea — chame de Wood Wide Web, se
preferir — também é utilizada pelas árvores para o intercâmbio de carbono.
Alguns pesquisadores dizem que as árvores maiores e mais antigas de uma
oresta, as “árvores-mães”, ajudam suas parentes mais jovens na fase mais
crítica do crescimento enviando-lhes uma espécie de “lanche” por meio
dessa rede. E plantas que não pertencem à mesma espécie podem trocar
nutrientes da mesma maneira. Talvez devêssemos reavaliar o modo que
imaginamos as orestas — talvez as árvores estejam bem mais conectadas
do que imaginamos.

Cultivando a própria lavoura


A agricultura e a pecuária são alicerces da civilização moderna —
possibilitaram uma alta densidade populacional e todas as oportunidades
decorrentes delas. Mas, em relação aos insetos, estamos in nitamente
atrasados. Nossa revolução agrícola ocorreu há apenas dez mil anos. Nessa
época, formigas e cupins já vinham praticando agricultura havia 50 milhões
de anos, e as formigas já vinham utilizando a pecuária pelo dobro desse
tempo. Talvez não seja de estranhar que as formigas nos deixem para trás
em relação ao número de indivíduos no planeta. O peso conjunto dessas
pequenas, porém numerosas criaturas de seis patas, faz frente ao peso
somado de todas as pessoas na Terra.
Os insetos não cultivam plantas, cultivam fungos — cogumelos
especialmente adaptados que só crescem nos formigueiros, assim como
nossas plantas comestíveis, adaptaram-se a uma vida no “cativeiro”. Nas
Américas Central e do Sul é comum encontrarmos formigas-cortadeiras
(saúvas). Longas las de operárias caminham longas distâncias para cortar
um pedaço de folha e trazê-lo para o formigueiro sob o solo. Nele, uma
engrenagem muito bem azeitada faz inveja a qualquer potência industrial:
uma enorme leira de formigas, de tamanhos ligeiramente diferentes, faz
exatamente o que é necessário — sem protestar por benefícios, como pausa
para refeições, troca de turnos ou expedientes mais curtos.
As folhas são mastigadas e espalhadas na “horta”. Outras formigas
menores umedecem com saliva a massa de folhas, transferindo para ela
fungos de outras partes da horta. Formigas ainda menores fazem ronda ao
redor da horta, eliminando “ervas daninhas”; neste caso, bactérias e outros
tipos de fungos indesejáveis. À medida que os cogumelos crescem e se
espalham pelas novas partes do jardim, certas formigas encarregam-se de
colher as partes ricas em nutrientes do fungo e distribuir o alimento rico em
açúcar para todos, incluindo as larvas, a nova geração de formigas em
crescimento.
Como numa linha de montagem bem operada, essa produção pressupõe
acesso a matérias-primas de boa qualidade. Uma colônia de saúvas de
tamanho médio mantém uma rede de cerca de 2,7 quilômetros de túneis em
formigueiros ao longo de um ano — esses túneis partem do centro do
formigueiro como raios de uma roda de bicicleta.
A agricultura dos cupins se parece com a das saúvas, mas a colônia
consiste de massa de madeira misturada com saliva e é dividida em metades:
acima e abaixo da terra. Um sistema de refrigeração so sticado mantém-se
em níveis ótimos de temperatura para refrigerar as hortas subterrâneas (p.
141). Os cupins não recolhem folhas verdes — eles transportam gravetos,
grama e palha. Com o auxílio dos seus associados, os fungos, o material
vegetal é decomposto e convertido em alimento mais palatável aos cupins.
Ambos, cupins e fungos, dependem um do outro.
Até alguns besouros que vivem em madeira apostam nos fungos. Dessa
forma, podem converter a celulose em matéria digestível. Os besouros da
ambrosia, como são chamados, levam consigo uma espécie de marmita
quando mudam para uma nova árvore — eles possuem cavidades especiais
no corpo (mycangia), onde armazenam um determinado tipo de fungo.
Uma vez acomodados na nova casa, isto é, uma árvore moribunda ou morta,
não se contentam apenas em pôr ovos nas fendas da madeira. Eles escavam
câmaras e corredores bem espaçosos para cultivar fungos — criam uma
espécie de despensa para garantir a alimentação dos futuros besourinhos. E
pode ser preciso, porque a vida familiar dos besouros não é como a nossa.
Mamãe besouro põe seus ovos e vai embora, e os lhotes precisam se virar
sozinhos para comer. Pelo menos a mãe preocupou-se em deixar a despensa
bem abastecida antes de partir.
Não sabemos como formigas e cupins conseguem manter a produção
estável e alta, mesmo tratando-se de um cultivo tão singular, dependente de
uma única espécie de fungo. Se conseguirmos decifrar esse segredo, será
uma ótima notícia para nossa futura produção de alimentos.

Pulgões como vacas leiteiras


A “pecuária” das formigas não é menos impressionante. Como
mencionamos anteriormente, pulgões produzem um excessivo volume de
uido açucarado, e com ele fazem uma espécie de escambo com certas
formigas, que em troca lhes servem de seguranças. Para as formigas, o
fornecimento de carboidratos fáceis de digerir é tão atraente que aceitam de
bom grado o negócio e cam agressivas, defendendo sua reserva de garapa
contra qualquer invasor que pense em se apossar dela. Uma colônia de
formigas pode facilmente colher de 10 a 15 quilos de açúcar de pulgões num
verão. Estimativas sugerem até 100 quilos de açúcar por formigueiro a cada
ano.
Sabemos também que as formigas “pastoreiam” seu gado de modo a
impedir que os pulgões se alastrem e invadam outras plantas. Assim como
nós, humanos, cortamos as asas de patos, gansos e outras aves domésticas, as
formigas podem cortar as asas dos pulgões. Também podem emitir sinais
químicos para inibir a produção de pulgões alados, ou para limitar a
quantidade de indivíduos em cada planta.
O controle dos pulgões pelas formigas pode ser desvantajoso para a
planta, o que é natural, uma vez que pulgões e seus parentes sugam enormes
quantidades de seiva vegetal. Uma prova disso tiveram pesquisadores norte-
americanos, que a princípio estudavam as relações entre formigas e uma
espécie de cigarra numa mata de arbustos no Colorado. Para seu
aborrecimento, ursos negros não paravam de invadir a área de estudos e
destruir formigueiros, dani cando ao mesmo tempo boa parte do
equipamento de pesquisa.
Finalmente, os pesquisadores decidiram mudar o foco do estudo e
examinar de que forma o urso afetava o sistema. Foi quando descobriram
que as plantas cresciam mais onde o urso estava presente, como resultado de
um efeito dominó. Quando os ursos comiam as formigas, havia menos
formigas para afugentar as joaninhas. Logo, havia mais joaninhas nos
arbustos. Elas conseguiam comer em paz, tanto cigarras quanto outros
herbívoros, reduzindo a quantidade de pragas nas plantas, que cresciam
mais. Isso pode indicar que a presença de ursos pode contribuir para o bom
crescimento das plantas.

Pequenos animais, mas de grande importância


Relacionamentos nem sempre são como imaginamos. Um exemplo vem
dos campos de trigo das regiões semiáridas da Austrália. Neste caso, os
pesquisadores queriam investigar a contribuição dos insetos, especialmente
formigas e cupins, e para isso compararam a colheita de trigo em lavouras
onde se pulverizou inseticida com outras, onde formigas e cupins estavam
presentes.
Conclusão: a colheita de trigo na lavoura em que não havia sido borrifada
inseticida foi 36% maior. Por quê? Em zonas secas como essas não existem
minhocas, e cabe às formigas e cupins fazer o trabalho que as minhocas
fariam: cavar pequenos túneis e permitir que mais água escorra da superfície
para o fundo da terra. Nos campos com incidência desses insetos, a
quantidade de água era o dobro em relação à lavoura onde haviam sido
exterminados. E o teor de nitrogênio era muito maior, o que pode ser
resultante das bactérias existentes no intestino dos cupins, que capturam
nitrogênio do ar.
Os insetos não apenas melhoraram a quantidade de água e as condições
de nutrientes no solo — as formigas que se alimentam de sementes também
garantiram que existisse apenas metade das ervas daninhas na lavoura sem
inseticida.
Não precisamos dar a volta ao mundo para reconhecer a importância das
formigas. Há outros exemplos. Um estudo sueco em oresta de coníferas
mostra como as pequeninas formigas conseguem interferir em grandezas,
como o clima, in uenciando o armazenamento de carbono nas orestas.
Dê uma voltinha por qualquer oresta ou mata onde você more e procure
um formigueiro. Ali mora a formiga silvestre que constrói formigueiros,
pertencente ao gênero Formica. Em um experimento no norte da Suécia, os
pesquisadores eliminaram essas formigas de pequenas áreas com cobertura
orestal. As consequências foram enormes.
A comunidade inteira foi afetada. Aumentou a incidência das quatro
espécies de ervas daninhas mais comuns, e isso fez com que o solo da
oresta recebesse mais nutrientes porque essas ervas, como a Melampyrum e
Linnea, decompõem-se mais facilmente do que árvores e arbustos. Com
mais nutrientes à disposição, a atividade bacteriana no solo disparou a níveis
insustentáveis, acelerando a decomposição de troncos remanescentes de
árvores mortas.
Qual o resultado prático de excluir as formigas? Ora, uma vez que a
alteração dos materiais resultou na decomposição de carbono mais antigo,
armazenado na forma de madeira velha, os cientistas observaram um
declínio de 15% no armazenamento de carbono e nitrogênio no solo.
Considerando que as orestas boreais cobrem 11% da superfície terrestre
e armazenam mais carbono que qualquer outro tipo de orestas, pode-se
concluir que as formigas, apesar de seu tamanho insigni cante, in uenciam
decisivamente em processos fundamentais, como a reciclagem de nutrientes
e armazenamento de carbono.

Um problema espinhoso
Nós, humanos, há muito tempo nos bene ciamos da relação sólida entre
insetos e plantas, e entre insetos predadores e herbívoros. Escritos antigos
chineses, provavelmente de cerca de 300 d.C., discorrem sobre como o
agricultor deve transportar certos formigueiros − cujos ninhos lembram
papel − para os pomares de frutas cítricas, a m de afastar pragas. Também
era recomendável construir “pontes suspensas” de bambu entre os cítricos,
para que as formigas pudessem passar de árvore para árvore mais facilmente
e manter as pragas afastadas. Possivelmente temos aqui um dos primeiros
exemplos do que chamamos de controle biológico — o uso de organismos
vivos no combate a pragas como alternativa ao uso de inseticidas químicos.
Já deslocamos espécies por toda a parte do globo, muitas vezes
intencionalmente, com resultados muito variados. Algumas vezes deu tudo
errado. Como na Austrália, no século XVII. Alguém teve a brilhante ideia de
começar a fabricar o corante carmesim (p. 133), importando alguns lotes de
cactos do México. A produção de carmesim fracassou, e o cacto se alastrou
por toda a parte. Em 1900, os cactos cobriam uma área do tamanho da
Dinamarca. Vinte anos mais tarde, essa área havia sextuplicado. Um
território do tamanho da Grã-Bretanha estava completamente imprestável
para a agricultura ou pecuária, por estar inteiramente tomado por cactos
espinhosos. A crise se instaurou. As autoridades prometeram uma
recompensa polpuda a quem encontrasse uma maneira de combater o cacto.
Essa recompensa nunca foi paga.
Finalmente, depois de uma Guerra Mundial e do muito desespero que se
seguiu, a solução surgiu por meio de um inseto sul-americano. Uma espécie
de mariposa do gênero Cactoblastis, cujas larvas mastigam o cacto, foi
testada, introduzida e se reproduziu em larga escala. Cem homens, divididos
em sete caminhões, percorreram todos os territórios de Queensland e Nova
Gales do Sul distribuindo rolinhos de papel com ovos de Cactoblastis para os
fazendeiros. Em cinco anos, de 1926 a 1931, mais de 2 bilhões de ovos foram
distribuídos.
O sucesso foi espetacular. Já em 1932, as larvas de mariposas haviam
mastigado cactos inteiros em boa parte do território infestado. Este também
é um exemplo pioneiro de controle biológico.
Mas sempre há os dois lados da moeda. Depois do sucesso na Austrália, a
mariposa foi usada no controle biológico de cactos em vários outros lugares,
incluindo as ilhas do Caribe. Dali a mariposa Cactoblastis espalhou-se para a
Flórida, onde agora ameaça erradicar espécies de cactos endêmicos e únicos.

1 A autora se refere, nesse caso, aos abelhões (ou mamangabas), não às abelhas melíferas. (N .T.)
CAPÍTULO 5

MOSCAS SERELEPES, BESOUROS


DELICIOSOS — OS INSETOS E A NOSSA
COMIDA

Você não gosta de insetos? É isso mesmo? Então também não deve gostar
de chocolate, maçã e morango, não é? O fato é que todos eles, assim como
uma série de outros alimentos, dependem dos insetos para ser produzidos
no volume e na qualidade a que estamos acostumados. Estamos falando,
claro, sobre o trabalho que os insetos desempenham na polinização.
As mudas de até 80% das plantas silvestres da Noruega bene ciam-se das
visitas dos insetos às suas ores. Também um grande número de plantas da
lavoura é dependente dos insetos.
Embora lavouras agrícolas polinizadas pelo vento (arroz, milho e cereais
variados) sejam responsáveis pela maior parte do nosso consumo
energético, frutas, bagas e nozes polinizadas por insetos constituem
importantes suplementos energéticos e, não menos importante, são fontes
de uma dieta variada. E sabemos que neste particular a diversidade de
espécies é crucial. Em um estudo de 40 plantas alimentícias diferentes
dispersas por todo o planeta, constatou-se que a visita de insetos silvestres
resultou no aumento da colheita em todos os casos.
Estamos cultivando cada vez mais espécies vegetais que precisam de
polinização — de acordo com o Painel da Natureza (IPBES), o volume
dessas culturas agrícolas triplicou nos últimos 50 anos. Ao mesmo tempo, o
número de espécies polinizadoras diminuiu, tanto em números absolutos
como em diversidade. Na Noruega, 11% das espécies de insetos
considerados polinizadores estão listados como ameaçados.
A polinização pelas abelhas também resulta em um subproduto muito
apreciado, mais precisamente o mel, um adoçante natural com séculos de
história. Agora, se você está considerando investir em proteínas
ambientalmente corretas na sua dieta, que tal comer os próprios insetos?
Eles são fonte nutricional importante, consumidos normalmente na dieta de
boa parte do mundo, exceto no Ocidente. Examinaremos mais
detalhadamente o papel dos insetos no nosso suprimento alimentar neste
capítulo.

Doces gostosos, confeitados de história


Nós adoramos doces. Se você for um norueguês típico, terá ingerido 27
quilos de açúcar no ano passado. Não chega a surpreender, porque a
di culdade de se conter diante de uma boa sobremesa é algo que está no
nosso eu mais íntimo. Um belo dia, no nosso passado de primatas,
provamos uma fruta enquanto vagávamos pelas estepes africanas. As frutas
mais doces e mais maduras tinham maior conteúdo energético, por isso, e
com o passar do tempo, fomos desenvolvendo uma preferência pelo sabor
adocicado. Naquele tempo, ter uma quedinha por doce era a coisa mais
inteligente a fazer.
Qualquer um que a tenha esquecido na lancheira sabe que, uma vez que
amadurece, a banana tem uma vida útil muito curta. Mas há outra fonte de
doçura bem mais durável, que está em uso há muito tempo: o mel. Em 2003,
na Geórgia, durante as obras de construção do segundo maior oleoduto da
Europa, descobriu-se a cova de uma mulher com jarros de mel de 5.500 anos
de idade.
Mas o que é mesmo o mel? O mel é fabricado pelas abelhas quando sugam
o néctar das ores e o armazenam em um órgão interno chamado vesícula
nectífera, localizado entre a faringe e o estômago. Isso signi ca que o néctar
que se transforma em mel não é misturado com os alimentos que passam
pelo trato digestivo das abelhas. Na vesícula nectífera, o néctar é misturado
com as enzimas produzidas pelas abelhas. Quando retornam à colmeia, as
abelhas regurgitam o conteúdo da vesícula nectífera na boca de outras
abelhas, que o armazenam na sua vesícula nectífera e o repassam adiante,
regurgitando-o para outras abelhas. Por m, o mel é armazenado em células
de cera, para uso futuro desses insetos — ou de nós, humanos, que iremos
coletá-lo.

Mel alucinógeno
Em Cuevas de La Araña, na cidade espanhola de Valência, existem
pinturas rupestres de 8 mil anos de idade que ilustram a coleta de mel. Elas
mostram um homem pendurado numa corda ou cipó, com uma mão
segurando um cesto e outra a colmeia, rodeado por um enxame de abelhas.
Na Ásia ainda há vestígios de culturas baseadas nas abelhas e no mel,
tanto para ns de alimentação quanto para ns econômicos e culturais.
Duas vezes por ano, o povo do mel, que habita o sopé da Cordilheira dos
Himalaias, coleta o mel da Apis dorsata laboriosa, a abelha melífera asiática,
a maior do gênero. É uma tarefa árdua e perigosa, que exige escalar picos
íngremes com andaimes e cordas, com milhares de abelhas furiosas
zumbindo em volta. Atualmente, a curiosidade dos turistas para
testemunhar o fenômeno está causando uma exploração excessiva das
colmeias, ao mesmo tempo a erosão e a diminuição das áreas selvagens
alteram a paisagem e causam ainda mais danos às abelhas.
Não bastasse isso, jornalistas descobriram que uma variedade de mel
coletado nas montanhas do Nepal possui efeitos alucinógenos, isto porque
as abelhas coletam o néctar de plantas como o rododendro, o alecrim-do-
pântano (Andromeda polifolia) e de outras plantas da família das ericáceas.
Neste caso, o mel pode conter uma substância chamada graianotoxina, que,
além de acelerar a pulsação e causar náuseas, pode causar alucinação.
Na verdade, o “mel louco” é um fenômeno conhecido também no
Ocidente. Escritos datados de 400 a.C. relatam uma campanha militar em
que milhares de soldados gregos, de passagem pela atual Turquia,
consumiram mel silvestre. Mesmo sem inimigos à vista, o acampamento
militar converteu-se em um verdadeiro campo de batalha. Segundo
Xenofonte, comandante militar da Grécia Antiga, os soldados pareciam
bêbados, enfureceram-se e perderam a razão. Acessos de vômito e diarreia
tomaram conta do acampamento, e somente depois de dias os soldados
puderam car de pé e marchar de volta para casa.
Outras fontes antigas descrevem o uso de mel alucinógeno como arma de
combate. Qual soldado faminto e exausto resistiria a alguns favos de mel de
rododendro largados displicentemente à beira da estrada? Não vai demorar
muito para ele ser presa fácil para o inimigo.
Esse tipo de mel ainda hoje é produzido comercialmente em partes da
Turquia, sob o nome de Deli Bal. Mas não se preocupe: você não vai ser
envenenado se provar o tal “mel louco”. A concentração da toxina no
produto comercial vendido hoje é mínima, e é pouco provável que vai lhe
causar algum sintoma grave. Felizmente.
O efeito bactericida do mel também é conhecido há bastante tempo. Ele
era usado em feridas, e até para preservar corpos, como teria sido o caso de
Alexandre, o Grande, que morreu na Babilônia com apenas 33 anos − ele
teve o caixão preenchido com mel para que o corpo fosse preservado e
transportado para Alexandria, dois anos depois, onde nalmente foi
sepultado. Vai ser difícil saber ao certo se o relato é mesmo verdadeiro.

Doce colaboração
Um caso verídico, ainda que pareça pouco crível, é a história do pássaro-
indicador, cujo nome em latim não deixa dúvidas sobre o que faz: Indicator
indicator. Esse pássaro africano nos ajuda a encontrar mel. O pássaro adora
favos e mel, e não é de recusar larvas de abelhas. Ele é conhecido por seu
comportamento singular, avisando os humanos e outros animais onde está a
colmeia. Em troca, ca com sua parte do butim quando a colmeia é pilhada
por uma criatura maior e mais forte que ele próprio.
Enquanto a maioria dos pássaros voa para longe quando nos
aproximamos, o indicador faz o contrário. Ele assedia os humanos, canta e
saltita de um lado para o outro, como se convidasse a ser seguido. Pesquisas
recentes mostram que os pássaros respondem a certos sons humanos. O
povo moçambicano Yao ainda encontra mel com a ajuda do indicador.
Quando pesquisadores produziam sons idênticos ao chamado do povo Yao,
um pássaro-indicador, aparecia e os conduzia ao local onde havia uma
colmeia, aumentando a probabilidade de 16% para 54% de encontrar mel.
Este é um dos poucos exemplos de cooperação ativa com benefícios mútuos
entre animais e seres humanos.
Essa estranha colaboração é conhecida desde o século XIV, mas alguns
antropólogos a rmam que pode remontar aos tempos do Homo erectus.
Estamos falando de mais de 1,8 milhão de anos, e isso diz muito sobre
quanto esse produto dos insetos é importante tanto para animais quanto
para nós, humanos.

Maná, o alimento milagroso


Os insetos também podem contribuir oferecendo outros tipos de doces.
Talvez sejam eles a origem do maná, o alimento citado na Bíblia — a menos
que acreditemos em milagres. O maná era, segundo o Antigo Testamento, a
comida que sustentou os israelitas enquanto caminhavam do Egito a Israel.
E foi uma caminhada e tanto. Quarenta anos atravessando o deserto do
Sinai, com pouquíssimos recursos para conseguir alimento.
Isso era justamente a maior preocupação dos israelitas: “E toda a
congregação dos lhos de Israel murmurou contra Moisés e contra Arão no
deserto. Disseram-lhes os israelitas: “Quem dera a mão do Senhor nos
tivesse matado no Egito! Lá nos sentávamos ao redor das panelas de carne e
comíamos pão à vontade, mas vocês nos trouxeram a este deserto para fazer
morrer de fome toda esta multidão!” (Êxodo, 16:2-3)
Mas o Senhor, que em Gênesis já havia se preocupado em povoar a Terra
com “todas as criaturas que se movem rente ao chão”, demonstrou sabedoria:
“Disse, porém, o Senhor a Moisés: ‘Eu lhes farei chover pão do céu’.” “Depois
que o orvalho secou, ocos nos semelhantes a geada estavam na superfície
do deserto. Quando os israelitas viram aquilo, começaram a perguntar uns
aos outros: ‘Que é isso?’, pois não sabiam do que se tratava. Então lhes disse
Moisés: ‘Este é o pão que o Senhor lhes deu para comer’.” (Êxodo 16:14-15)
“O povo de Israel chamou maná àquele pão. Era branco como semente de
coentro e tinha gosto de bolo de mel.” (Êxodo 16:31) “Os israelitas comeram
maná durante quarenta anos, até chegarem a uma terra habitável.” (Êxodo
16:35; todas as citações foram transcritas de https://www.bibliaon.com/)
Uma dieta assim restrita – 40 anos comendo apenas bolo de mel —
deveria ser o bastante para mudar a opinião do mais renitente dos
apaixonados por esse doce. Ainda assim, o alimento pelo visto serviu para
fazerem a travessia do deserto, pois os israelitas conseguiram chegar aonde
queriam. Mas haveria algum produto comestível natural naquela parte do
mundo que poderia ter inspirado a narrativa bíblica do miraculoso maná?
Os pesquisadores relacionam, com variado grau de probabilidade, desde
seiva vegetal de diferentes arbustos e plantas, como o maná-cinza (Fraxinus
ornus), passando por cogumelos alucinógenos (Psilocybe cubensis), pedaços
de líquenes (Lecanora esculenta), a espuma da bactéria espirulina trazida
pelo vento, até larvas de moscas, girinos ou outros pequenos animais vivos
arrastados pelas tempestades de areia.
A hipótese mais plausível é que o maná seria a melada cristalizada de
algum inseto que se alimentasse de seiva, mais precisamente a cochonilha
(Trabutina mannipara). Este pequeno inseto alimenta-se da seiva de
arbustos da tamargueira (do gênero Tamarix), comuns em todo o Oriente
Médio.
Como a seiva que ingere a cochonilha (e muitos outros insetos do tipo - p.
72) contém uma enorme quantidade de açúcar em relação ao nitrogênio, ela
precisa se livrar desse excesso, e o faz secretando um líquido açucarado
chamado melada. Nos arbustos da tamargueira, grandes quantidades dessa
substância adocicada se acumulam e secam na forma de cristais. Ainda hoje
há pessoas no Iraque e em outros países árabes que coletam torrões desse
açúcar da tamargueira, considerados iguaria.
Se ele for mesmo a origem do maná bíblico, podemos supor que o vento
arrastou os cristais de açúcar e os espalhou pelo chão do deserto, dando a
impressão de que os torrões de açúcar caíam do céu.
Suplemento para maratonistas
Talvez os israelitas devessem ter levado consigo um pouco de suco de
vespa para ajudar na longa e extenuante travessia. A larva de uma vespa
asiática é capaz de produzir uma substância que hoje é comercializada como
um verdadeiro milagre para aumentar a resistência e melhorar o
desempenho de esportistas.Vespas adultas não conseguem digerir proteína
sólida. Em vez disso, elas voam para a colônia e alimentam suas larvas com
pequenos pedaços de carne. As larvas têm mandíbulas poderosas e
mastigam tudo que veem pela frente. Em troca desses nacos de carne, as
larvas regurgitam uma espécie de geleia que as vespas ingerem sugando.
Quando se descobriu que o conteúdo dessa geleia era importante para a
resistência das vespas — elas podem voar 100 quilômetros por dia, a uma
velocidade de 40 km/h —, não demorou para que se fabricasse um produto
comercial destinado a esportistas. E será que funciona? Hummm... Bem,
está vendendo feito água. As vendas decolaram sobretudo depois que a
maratonista Naoko Takahashi ganhou o ouro olímpico em Sidney, em 2000,
e deu boa parte do crédito ao extrato de vespas. Hoje é possível comprar
bebidas esportivas com extrato de larvas de vespas no Japão, e produtos
similares são vendidos nos Estados Unidos.

Bilhões de gafanhotos famintos


Às vezes os insetos simplesmente comem a nossa comida. Enxames de
gafanhotos são temidos até hoje justamente por isso. Na Bíblia, os
gafanhotos são descritos como uma das dez pragas que o Senhor lançou
sobre o Egito.
“Moisés estendeu a vara sobre o Egito, e o Senhor fez soprar sobre a terra
um vento oriental durante todo aquele dia e toda aquela noite. Pela manhã,
o vento havia trazido os gafanhotos, os quais invadiram todo o Egito e
desceram em grande número sobre toda a sua extensão. Nunca antes houve
tantos gafanhotos, nem jamais haverá. Eles cobriram toda a face da Terra de
tal forma que ela escureceu. Devoraram tudo o que o granizo tinha deixado:
toda a vegetação e todos os frutos das árvores. Não restou nada verde nas
árvores nem nas plantas do campo, em toda a terra do Egito. (Êxodo 10:13-
15, transcrito de https://www.bibliaon.com/exodo_10/)
Um aspecto fascinante dessa citação da Bíblia é que até hoje ela
permanece atual do ponto de vista ecológico. Somente quando o khamsin,
um vento quente do sudeste, sopra por pelo menos 24 horas, enxames de
gafanhotos conseguem alcançar o Egito provenientes das regiões onde
nasceram, mais a leste.
É realmente um espetáculo tenebroso. Um gafanhoto sozinho pode comer
por dia uma quantia equivalente ao seu próprio peso. Uma vez que um
enxame deles pode reunir até dez bilhões dessas criaturas saltadoras
famintas, espremidas numa área correspondente a 192 campos de futebol, é
possível visualizar o céu escurecendo numa nuvem que não deixa nenhum
traço de verde atrás de si.
Ao mesmo tempo, o fato de que os insetos comem plantas destinadas ao
consumo humano não é intrinsecamente algo negativo. Muitos vegetais que
valorizamos por terem um gosto ácido, amargo ou forte desenvolveram
esses sabores como defesa a m de não serem comidos, inclusive por
insetos. Pense em ervas como o orégano da sua pizza (p. 74), por exemplo, a
menta do seu creme dental ou a mostarda do seu cachorro-quente. Caso a
defesa não seja mais necessária, a planta economizará esse recurso para
outro uso, e o sabor pode ser alterado. Muitos princípios ativos das plantas
que usamos em medicamentos também podem se originar da necessidade
de evitar serem comidas por insetos e outros animais maiores.

O melhor amiguinho do chocolate


Nós, humanos, adoramos chocolate. O consumo mundial de chocolate
aumenta a cada ano, e os noruegueses ingerem mais de nove quilos por ano!
Ao mesmo tempo, alguns fabricantes estão prevendo uma possível escassez
de chocolate no futuro próximo devido a fatores globais, como mudanças
climáticas e aumento do consumo de chocolate na China e na Índia.
Mas, na verdade, há um fator minúsculo do qual ninguém fala e é
determinante para que você possa se deliciar com o seu chocolate − um
pequeno mosquito, menor que a cabeça de um al nete, com cara de poucos
amigos. Não é de estranhar, quando se é do tamanho de uma vírgula e todos
os seus parentes atazanam a vida das pessoas lhes sugando o sangue.
Estamos falando de um mosquito da família dos borrachudos, esses
minúsculos insetos que se enfronham em véus de proteção, entram nos
ouvidos e até atrás das lentes dos óculos e arriscam tudo por uma gotinha de
sangue.
Ainda assim, esse inseto é quase que inteiramente responsável pelas
guloseimas do seu nal de semana, ou por aquele chocolate quente que você
toma para se aquecer no inverno. Na oresta tropical existe um parente do
borrachudo que não quer saber de sangue; em vez disso, passa a vida
procurando ores do cacaueiro.
As belíssimas ores, que nascem no tronco da árvore, são de uma
complexidade incrível. Os mosquitos do cacau são dos poucos que têm a
paciência − e o tamanho reduzido − para entrar nessas ores e fazer a
polinização do cacau.
Mas a relação de amor entre o mosquito e o cacau é muito complicada.
Não adianta vir com o pólen de outra folha na mesma árvore, nada disso. É
preciso trazê-lo de árvores vizinhas. Considerando que nosso pequeno
inseto mal consegue levar consigo material su ciente para polinizar uma
única or, cuja vida não dura mais que um ou dois dias antes de perecer,
você pode ter uma ideia de como essa relação pode ser tensa.
Além disso, o mosquito do cacau é muito exigente no que diz respeito à
decoração da casa. Ele precisa de sombra e muita umidade e faz questão de
ter uma camada de folhas podres forrando o chão do quarto das crianças,
isto porque suas larvas crescem e se desenvolvem no composto úmido da
oresta tropical.
Esse processo não é capaz de produzir tanto cacau, especialmente em
plantações em mata aberta, mais secas e bem mais iluminadas para o gosto
do mosquito. Nas lavouras de cacau, apenas três de cada mil ores obtêm
sucesso na polinização e acabam desenvolvendo frutos. Em média, um
cacaueiro produz, ao longo dos seus 25 anos de vida, grãos su cientes para
fabricar apenas 5 quilos de chocolate.
Traduzindo para uma medida palpável da quantidade de chocolate que
consumimos durante a Páscoa, diria que um simples ovo de chocolate de
tamanho médio requer um trimestre inteiro de produção de um único
cacaueiro, incluindo o trabalho duro que os mosquitinhos tiveram de fazer
para polinizá-lo.

Como nasce o marzipã


O marzipã ou maçapão é simples: consiste apenas de amêndoas namente
moídas misturadas com açúcar de confeiteiro e um pouco de clara de ovo
para dar liga. Ao mesmo tempo, a criação dos doces à base de marzipã é o
resultado nal de um “parto” bastante complicado que ocorre na ensolarada
Califórnia.
Oitenta por cento da produção mundial de amêndoas vem da Califórnia.
O clima é ideal para a produção intensiva, e por isso as lavouras são
exploradas ao máximo. Filas de amendoeiras cobrem uma área
correspondente a quatro vezes o município de São Paulo.
As amêndoas são colhidas em setembro, usando-se um agitador mecânico
que sacode cada árvore para que caiam dos galhos. Depois são postas no
chão para secar por alguns dias, varridas, aspiradas e sugadas por um
aspirador de pó tamanho gigante que percorre as lacunas entre as leiras de
árvores. E agora chegamos ao problema: entre as amendoeiras só deve haver
solo compacto e nada mais. É mais produtivo e higiênico, mas signi ca
também que não haverá alimento para os polinizadores naturais, como
abelhas e outros insetos, ao longo de quilômetros de extensão.
É uma situação bastante complicada, uma vez que as amendoeiras
dependem inteiramente da polinização para produzirem amêndoas. Por isso
mesmo, a cada fevereiro ocorre ali uma mudança de dimensões colossal. As
abelhas precisam tomar seus lugares! Mais de um milhão de colmeias são
transportadas em caminhões especiais, de todas as partes dos Estados
Unidos. A coisa toda parece um exercício de combate da Otan. Mais da
metade de todas as colmeias dos Estados Unidos são transferidas para a
Califórnia todos os anos, a m de garantir o marzipã nosso de cada dia.
Na próxima vez que provar um doce de marzipã, lembre-se de mandar
um agradecimento especial às abelhas. Elas são as parteiras desse doce.

Grãos, abelhas e cocô


O café tem muitas funções. Pode servir de desculpa para aquela merecida
pausa. No trabalho, a máquina de café é o ponto de encontro mais popular.
E uma xícara de cafezinho é um pré-requisito para nos despertar pela
manhã − para mim, pelo menos, e para muita gente.
Reza a lenda que um pastor etíope foi quem primeiro descobriu os efeitos
revigorantes do café. Ele percebeu que suas cabras preguiçosas comiam os
grãos vermelhos do cafeeiro e começavam a pinotear alegremente — ele
mesmo se sentiu assim quando provou o café. Certo dia um monge passava
por perto e o pastor lhe explicou o que acontecia. Logo os monges
conseguiam car acordados nas suas preces que atravessavam noites a o.
Seja ou não esta a verdade mais el sobre a origem da bebida de café, fato
é que estamos cada vez mais conhecendo o papel que diferentes espécies de
animais desempenham para que você possa ter na sua xícara aquele
cafezinho gostoso. Estamos falando aqui de animais que são muito menores
ou muito maiores que uma cabra.
Vamos começar com os pequenos. Embora o cafeeiro comum consiga
polinizar-se sozinho, no interior de cada or, a safra de café será muito
maior se os arbustos intercambiarem seu pólen. Uma vez que a oração do
cafeeiro é bastante curta, nada melhor que uma entrega expressa de pólen
no tempo exato. Ou, para usar o termo botânico mais adequado, entregue
diretamente ao estigma, a parte feminina da or.
E quem é o portador da encomenda? Abelhas de vários tipos. Estudos
mostram que as abelhas podem aumentar a produção de café em até 50%.
Nas áreas em que a abelha melífera não é introduzida, mais de 40
diferentes espécies de abelhas solitárias fazem seu trabalho nas ores do
cafeeiro. Nas abelhas solitárias, cada fêmea é responsável pelos seus lhotes
— ao contrário das abelhas sociais, cuja maioria dos indivíduos são estéreis
e ajudam a criar as lhas da rainha.
Abelhas sociais, como as melíferas, são ótimas para polinizar o café.
Anteriormente, dizia-se que os cafeicultores deveriam, portanto, ter
colmeias dessas abelhas próximo às lavouras de café, mas agora acredita-se
que a introdução de abelhas sociais pode afetar a diversidade de abelhas
solitárias, que em geral fazem um trabalho ainda melhor.
Para que possam prosperar, as abelhas solitárias precisam ter locais
próximos às lavouras de café onde possam nidi car. Algumas espécies
precisam de uma área de terra nua ao redor do ninho, outras habitam ocos
de troncos de árvores mortas. O modo tradicional de cultivo do café —
pequenas áreas de cultivo com cafeeiros distribuídos no meio da mata —
assegura uma polinização muito melhor do que lavouras a céu aberto. Além
disso, o café de sombra é mais saboroso.
Já que falamos de sabor, sabia que o café mais luxuoso do mundo é um
verdadeiro café de merda, literalmente falando? Quando o café atravessa o
trato digestivo animal, alguns dos seus componentes são metabolizados e o
que sai do outro lado são grãos de café mais doces, sem amargor.
Essa descoberta bizarra começou com a civeta asiática, uma criatura da
família dos felinos. Ela vive nas orestas tropicais da Indonésia, onde
desfruta de uma dieta variada de pequenos animais e frutas, incluindo
algumas mais comuns, como manga, outras mais exóticas, como rambutão,
e grãos de café. Não me pergunte quem descobriu, mas alguém começou a
selecionar grãos de café das fezes da civeta e a vendê-los por um preço
altíssimo, algo como 250 reais a xícara!
No início, essa foi uma boa fonte de renda adicional para os pequenos
agricultores indonésios que coletavam fezes de civeta. Mas quando pessoas
inescrupulosas perceberam que havia muito dinheiro em jogo, passaram a
capturar as civetas e mantê-las em condições insalubres, forçando-as a
ingerir grãos de café. Eis aqui um comércio nocivo, a ser evitado a todo
custo.
Se você quer mesmo gastar 250 reais numa xícara de café, que tal então
provar a variedade que vem do cocô do elefante? Ele é produzido por uma
fundação sem ns lucrativos que trabalha pela preservação dos elefantes.
Três dias depois que o elefante põe os grãos na boca, eles são retirados do
esterco que sai pela outra extremidade do bicho. Quem já provou diz que o
café ca com aroma de passas. De minha parte, pre ro tomar um bom café
de sombra e comer as passas de acompanhamento.

Morangos mais vermelhos e tomates mais suculentos


É sabido que a polinização por insetos é importante para safras mais
numerosas de várias frutas e bagas. Mas você sabia que a polinização por
insetos também contribui para uma melhor qualidade das bagas?
Pegue o morango, por exemplo, que do ponto de vista botânico nem baga
é, mas uma falsa fruta — a base de uma fruta inchada e suculenta salpicada
de frutinhas (que do ponto de vista botânico são nozes e não frutas, só para
di cultar ainda mais). O ponto é que cada uma das pequenas “sementes”
grudadas na casca do morango é uma frutinha, na verdade, e para que seu
morango seja grande e suculento a maioria delas precisa se desenvolver.
Caso apenas poucas dessas “sementes” evoluam, o morango ca pequeno e
retorcido. Um morango bem polinizado pode ter de 400 a 500 “sementes”, e
para tanto precisa de insetos.
Um estudo alemão mostra que os morangos polinizados por insetos são
mais vermelhos, mais rmes e têm menos malformações que aqueles
polinizados pelo vento ou autopolinizados. Bagas mais rmes também
toleram melhor o transporte e o armazenamento, isto é, duram mais nos
hortifrútis e, como resultado, remuneram melhor o produtor pelos
morangos que cultivou. O estudo demonstrou que morangos polinizados
por insetos tiveram valor de mercado 39% superior aos morangos
polinizados pelo vento e 54% maior que os morangos autopolinizados.
Efeitos similares acontecem com várias outras espécies vegetais de
consumo humano polinizadas por insetos. As maçãs cam mais doces, os
mirtilos são maiores, a colza tem maior teor de óleo e a polpa dos melões e
pepinos ca mais rme. Até mesmo para aqueles tomates cujo produtor sai
pela estufa agitando uma varinha para dispersar o pólen, imitando as
vibrações de um abelhão, a prova do sabor é implacável: os tomates
polinizados por insetos são mais gostosos.

Comida para nossa comida


Fabricar mel e polinizar plantas, porém, não são as únicas coisas úteis que
os insetos fazem por nós e pela nossa comida. Os insetos também são
necessários para outros alimentos que apreciamos; entre eles, as espécies
maiores, como peixes e aves.
Peixes de água doce alimentam-se em grande parte de insetos. Alguns
insetos levam muito a sério as aulas de natação dos seus lhotes, que cam
permanentemente submersos até atingirem a idade da razão. Mosquitos,
moscas e libélulas, apenas para citar alguns. Submersos, muitos desses
lhotes acabam virando ração de trutas e percas — que nós comemos.
Agradeça aos insetos, então, na próxima vez que saborear um lé de truta.
Pássaros também são inveterados comedores de insetos. Cerca de um
terço das espécies de aves norueguesas são puramente insetívoras. Se
contarmos aqueles que comem um inseto aqui, outro ali, chegaremos a 80%.
Não menos importante, insetos são alimentos básicos para lhotes de aves e
oferecem a reserva de proteína necessária para que cresçam fortes e
saudáveis. Muitas espécies de aves que caçamos para comer, como perdizes,
codornizes e faisões, dependem de saborosas larvas de insetos para chegar à
idade adulta.
Também podemos usar os insetos como alimento. A ONU estima que um
quarto da população mundial recorre a dieta em parte constituída de
insetos, particularmente em países da Ásia, África e América do Sul. Mesmo
na nossa cultura Ocidental temos uma certa tradição no assunto. A Bíblia
descreve minuciosamente quais insetos podem ser comidos —embora a
descrição não acompanhe os padrões atuais (insetos têm seis patinhas, não
quatro): “Dessas, porém, vocês poderão comer aquelas que têm pernas
articuladas para saltar no chão. (Levítico, 11: 20-21, transcrito de
https://www.bibliaon.com/ versiculo/levitico)
Essa passagem normalmente é interpretada como um sinal verde para
comer gafanhotos, e interdita os demais insetos. Sabemos bem que
gafanhotos eram considerados iguaria na Antiguidade: relevos em pedra,
cerca de 700 a.C., mostram espetinhos de gafanhotos sendo servidos ao rei.

Insetos são saudáveis e ecologicamente corretos


Insetos são, de fato, uma comida saudável. Depende, naturalmente, de
qual inseto estamos falando, mas em geral eles têm um conteúdo proteico
tão alto quanto o da carne bovina, porém com baixo nível de gordura. Os
insetos também têm muitos outros nutrientes importantes: a farinha de grilo
pode conter mais cálcio que o leite e duas vezes mais ferro que o espinafre.
Comer insetos não é apenas saudável. É também ecologicamente correto.
Substituir animais domésticos tradicionais por animais em miniatura, como
gafanhotos ou carunchos, pode contribuir para uma produção alimentar
mais sustentável. Dessa forma, pode ser mais fácil para algumas pessoas
fazer a transição para uma dieta baseada menos em carne e mais em
vegetais.
Porque, como você sabe, este planeta está abarrotado de gente. Já somos
mais de 7 bilhões de pessoas. A cada minuto, aumentamos em mais 140 —
um número correspondente ao que a população da Noruega cresce em um
mês. E quando se trata de produzir comida para toda essa multidão, os
insetos são muito mais e cazes do que o gado tradicional. Estima-se que os
gafanhotos, na melhor das hipóteses, sejam doze vezes mais e cazes do que
os bovinos no fornecimento de proteínas.
Além disso, precisam de uma fração da quantidade de água e quase não
produzem esterco, se comparados a uma vaca. Ou seja, as vacas estão
cobrindo de esterco o nosso planeta inteiro. Uma vaca elimina várias
toneladas de esterco por ano, mas produz também uma imensa quantidade
de metano e de outros gases que provocam o efeito estufa. O cocô dos
insetos não traz nenhum desses prejuízos.
Resumindo grosseiramente, insetos como minianimais domésticos
requerem pouquíssimo espaço, água e comida, reproduzem-se num ritmo
acelerado, ao mesmo tempo que consistem numa dieta nutritiva e rica em
proteínas, com a vantagem de quase não produzirem gases poluentes.
Pode car ainda melhor? Pode, sim! Os insetos, além de tudo, podem ser
criados à base da comida que descartamos. E aí podemos matar duas moscas
(ou gafanhotos) com um só golpe: produzindo boa comida e nos livrando
do lixo que geramos. Mas é preciso pesquisar mais se quisermos realmente
incluir insetos na dieta humana.

Mingau de insetos
Do ponto de vista ambiental, não estamos falando de polvilhar a salada
com formigas fritas, nem decorar o bolo de chocolate com confeitos de
gafanhotos.
Chefs de cozinha que servem pratos com insetos apelam a uma
curiosidade natural do público, e são uma novidade passageira.
Assim como não comemos um carneiro envolto na própria lã, os insetos
também precisarão ser processados para serem oferecidos como alimento. E
será preciso oferecer um produto nal barato, de preparo fácil e acessível a
qualquer pessoa. Somente assim produtos como farinha de grilo e
hambúrgueres feitos de larvas de caruncho podem vir a ser alimentos do dia
a dia.
A “segunda-feira sem carne” é uma tendência que veio para car. Quem
sabe a próxima seja “terça-feira com insetos...”
Pode demorar um pouco até pensarmos nos insetos como um alimento
comum. Mas que tal desenvolver ração para gado ou para peixes baseada em
insetos? Insetos que cresceram e chegaram à vida adulta ajudando a eliminar
o lixo orgânico que produzimos? Dessa maneira poderíamos alimentar o
salmão produzido em fazendas marinhas com insetos, em vez de soja
plantada no Brasil, e isso, felizmente, já é objeto de pesquisa hoje.
Há certos desa os no uso de insetos como alimento humano. Insetos têm
sua cota de parasitas e doenças que precisamos controlar, se pensarmos
numa produção em larga escala. Algumas pessoas têm alergia a insetos, e a
legislação sobre alimentos para consumo humano precisará ser atualizada.
É igualmente importante garantir que essa seja uma iniciativa de fato
sustentável, numa perspectiva de longo prazo. Não adianta gastar uma
grande quantidade de energia para manter uma “fazenda” de insetos.
Gafanhotos não são como ovelhas, que resistem a um inverno rigoroso. Eles
não toleram o clima frio e será necessário aquecer criatórios de dimensões
gigantescas para que cresçam e se reproduzam rapidamente.
Resta ainda um desa o importante, a saber, a aceitação do consumidor.
Os consumidores precisam estar dispostos a comprar e comer produtos
alimentícios com insetos porque este é um tema relevante, e devem
considerá-los interessantes e saborosos. Talvez isso seja rapidamente
superado assim que uma boa farinha de insetos, acessível e saborosa, chegue
às gôndolas dos supermercados. Nós podemos fazer isso. Basta querer.
A nal, não aprendemos a comer peixe cru em poucos anos? Quem sabe os
insetos sejam o novo sushi.
Dar nomes a essas novidades também é importante — é preciso batizar
produtos com nomes que resultem em associações positivas. Gafanhotos e
grilos, que tantas pessoas consomem em boa parte do mundo, podem muito
bem ser comercializados como “camarões terrestres”. Podemos fazer
associação dos nomes com a crocância do seu exoesqueleto, e larvas podem
ser chamadas de mushi (“inseto”, em japonês, e uma boa contrapartida,
inclusive sonora, ao sushi).
Pode ser engraçado, mas não é brincadeira. Na Noruega, o Conselho
Nacional do Idioma Norueguês já está pesquisando nomes para alimentos à
base de insetos, usando inclusive dialetos e palavras derivadas do antigo
idioma nórdico.
Se você não consegue derrotar o inimigo, coma-o.
O entomologista britânico Vincent M. Holt preocupava-se especialmente
com a nutrição, sobretudo nas classes menos favorecidas. Ele acreditava que
as classes operárias deveriam prestar mais atenção nos insetos como uma
rica fonte de alimento. Ainda em 1885, ano em que a Estátua da Liberdade
foi erguida em Nova York, Holt escreveu um provocativo pan eto intitulado
“Por que não comer insetos?”. No seu texto, tomou a liberdade “poética” de
incluir caracóis (que são moluscos) e tatuzinhos-de-jardim (crustáceos) no
conjunto dos insetos.
Holt fez uma defesa apaixonada dos insetos na alimentação,
argumentando que são “saudáveis” e “úteis”, sustentando que poderiam
diversi car a dieta miserável dos operários naqueles dias.
“Que o jardineiro coma as pragas do campo no almoço, que a dieta dos
lenhadores consista em gordas larvas que caem das árvores que derruba”,
sugeriu Holt. Em outras palavras, seria uma situação de ganha-ganha.
O divertido opúsculo de Holt inclui algumas receitas. Infelizmente, talvez,
a receita de sopa de caracóis e linguado frito ao molho de tatuzinho não caiu
no gosto popular. Talvez uma melhor escolha de matérias-primas, além de
métodos de preparo contemporâneos, possa corrigir a falta de entusiasmo
por insetos como alimento. Trata-se, aliás, de um tema que vem sendo
discutido com toda a seriedade na ONU e em outros organismos
multinacionais.
No futuro é bem possível que Holt tenha razão no nal: “Embora esteja
certo de que eles jamais se negariam a nos comer, estou igualmente certo de
que, tão logo descubramos o quão deliciosos são, iremos prepará-los e
comê-los com prazer”.
CAPÍTULO 6

INSETOS COMO FAXINEIROS

Carvalhos grandes e velhos são algumas das coisas mais belas que
conheço. Eles se erguem orgulhosos, um legado de outra era. Árvores que
brotaram e cresceram bem antes do surgimento da luz elétrica e das mídias
sociais, um tempo em que trolls eram seres míticos que habitavam as
orestas, não as páginas da Internet.
Os enormes carvalhos de hoje em dia preservaram essa mágica. Neles,
onde Pippi Meias Longas, personagem do clássico infantil de Astrid
Lindgren, ia buscar seu suco de framboesa, nós, pesquisadores, procuramos
por insetos raros. No interior dos troncos de carvalho existem cavidades
ocas, nas quais a madeira apodrece lentamente. O interior parece um pouco
assustador, mas não é inteiramente escuro, cheira a mofo e umidade, com
um quê da brisa de outono que traz o aroma das folhas mortas. Ao mesmo
tempo, recende também um leve toque de madeira, como a primavera. Aqui
dentro você encontrará outro mundo, um mundo no qual tempo e espaço
ganham outro signi cado. O tempo passa mais rápido, pois uma geração
inteira de besouros cumprirá seu ciclo de vida num único verão. Aqui, uma
camada de fungo avermelhado, recendendo a mofo e umidade, exalando o
cheiro da impermanência da vida, é um universo para um pseudoescorpião
de um milímetro de comprimento.
Dentro do tronco habitam ácaros coloridos e besouros pálidos,
escaravelhos adultos e outros insetos minúsculos. Vida e morte, drama e
sonhos, lado a lado, em escala milimétrica.
A busca por velhos carvalhos e seus hospedeiros me levou a muitas áreas
de oresta por onde jamais eu teria me aventurado, e me deu a
oportunidade de testemunhar a natureza de uma maneira única e
inesquecível. Acampamentos nas colinas nuas e rochosas de Vestfold, com
vista para as montanhas azuladas no horizonte, noites de primavera em
Telemark, voltando para o carro depois de um dia de trabalho, tendo por
companhia apenas o pio da coruja e o brilho da lua. Escarpas íngremes e
escorregadias em Agder, que mal consegui escalar sob a chuva torrencial.
Rochedos imensos na costa oeste da Noruega, onde todos os carvalhos têm
no tronco as marcas das intempéries e dos tempos de penúria, quando deles
se colhiam as folhas para servir de ração animal no inverno. Becos,
pastagens, árvores no meio de lavouras, jardins privados. Na maioria das
vezes, sozinha — mas nem tanto, pois no interior desses troncos o número
de habitantes é maior que toda a população de Oslo.
Um tronco de carvalho oco é como um castelo. Um palácio de
biodiversidade, pura e simplesmente. A casca da madeira de carvalho
resistente protege contra a chuva, o sol e os pássaros as centenas de
diferentes espécies de insetos que vivem ali. O tronco retorcido, que evoca
esculturas barrocas sacras, tem vãos que permitem o crescimento de
líquenes minúsculos. Alguns cogumelos vivem em estreita coabitação com
as raízes da árvore, e outros ajudam a decompor a madeira que tomba.
Boa parte dessas espécies tem uma razão de existir na oresta: o bolor da
madeira, uma mistura vivi cante composta de restos de madeira podre, os
de fungos, talvez um ou outro ninho de pássaros e um pouco de guano
(fezes de morcego). O fungo da madeira é uma espécie de restaurante
so sticado para insetos. Ali eles encontram um pouco de tudo que
apreciam. Na escuridão tênue de um oco de carvalho, centenas de insetos
diferentes podem viver. O eterno ciclo da natureza move-se lentamente,
convertendo árvores imponentes em um substrato de fungo e solo onde
novas nozes de carvalho podem brotar.

Alguém tem de cuidar da limpeza


Apenas um décimo de tudo que brota e cresce é comido pelos herbívoros.
Todo o resto, 90% de toda a produção vegetal, permanece no solo. E não são
apenas plantas e árvores que morrem — animais de todos os tamanhos, de
formigas a elefantes, chegam ao m um dia. A quantidade de proteínas e
carboidratos que precisam ser reciclados é imensa. Além disso, há os
resíduos que esses animais produzem enquanto vivem: cocô,
resumidamente. É preciso limpar isso também. Um trabalho não muito
agradável, mas os insetos também nos ajudam nessa tarefa.
É aqui que o batalhão de faxineiros da natureza entra em campo.
Exatamente como na escola ou no condomínio, cabe aos faxineiros limpar a
sujeira que os outros deixam para trás. Assim é também na oresta, nos
campos e nas cidades, onde milhares de fungos fazem o trabalho
importantíssimo de decompor matéria orgânica morta. Os pequenos
faxineiros da natureza cuidam de arrumar a bagunça. Pode levar tempo, e é
necessário um trabalho conjunto em que cada diferente espécie tem um
papel a cumprir.
Mesmo que poucos se deem conta do que jogamos no lixo durante os
passeios de domingo pelo parque ou na oresta, esses processos de
decomposição são cruciais para a vida no planeta. O paciente mastigar de
árvores secas e restos podres pelos insetos não só retira do solo a sujeira das
plantas e animais mortos, mas também devolve ao solo os nutrientes do
material orgânico morto. Se substâncias como nitrogênio e carbono não
retornarem ao solo, nenhuma nova vida poderá germinar e crescer.

Á
Árvores mortas são condomínios de besouros
Quando mamãe inseto está em busca de um lar na oresta, encontra
coisas que não estamos acostumados em reparar. Tome o exemplo de
besouros que habitam árvores mortas: nós temos repulsa por casas com
umidade e podridão, e eles acham isso o máximo: signi ca uma geladeira
abarrotada de comida para as vorazes crianças da família.
A senhora besouro vem então fazer uma visita ao imóvel. Com suas seis
patinhas, pousa suavemente numa árvore morta. Com as antenas e os
dedinhos dos pés ela sente o gosto e o cheiro para saber se ali é o melhor
local para inaugurar um jardim de infância de besouros. Se car satisfeita,
rapidamente depositará ali mesmo seus ovos, numa fenda da madeira, e
alçará voo novamente à procura de outra árvore que precise de um batalhão
de limpeza.
Do ovo sairá uma minúscula larva, que corajosamente abre seu caminho
mastigando a casca e a madeira do tronco. Uma tarefa hercúlea, que ela
felizmente não precisará fazer sozinha. Milhares de larvas de besouros
podem coexistir numa árvore morta, contando com a ajuda de bactérias e
fungos.
A madeira recém-tombada é um festim: contém seiva abundante em
açúcar logo abaixo da casca, que começa a fermentar e deixa os convivas
com o apetite aguçado. Para os besouros, cada espécie de madeira é um
prato diferente e irresistível. Os besouros que se alimentam da casca são um
exemplo. Só que é preciso ser rápido. Passado o verão, as panelas estarão
vazias — todo o açúcar delicioso que estava ali já terá desaparecido.
Madeira morta e seca, entretanto, não é um banquete tão apetitoso. Para
os insetos, celulose e lignina, dois dos principais ingredientes da madeira,
são tão saborosos e digeríveis quanto para nós seria um saco de ração. Neste
caso, é bom que alguns cogumelos tenham uma verdadeira paixão por
celulose e outros, por lignina. Eles atiram seus os fúngicos e tornam a
madeira ainda mais atraente para os besouros, aumentando seu conteúdo
nutricional e tornando-a mais acessível. Além do que, como
acompanhamento eles têm as bactérias. Alguns besouros têm até pequenos
parceiros no corpo que ajudam a extrair os nutrientes das partes menos
digeríveis da árvore. Em geral, um conjunto de vários organismos está
envolvido na decomposição de madeira morta.

A madeira morta vive!


Árvores mortas, galhos e raízes são o lar de uma quantidade
surpreendente de espécies. Um total de 6 mil espécies vivem em madeira
morta na Noruega, isto é, um terço de todas as espécies orestais existente
no país. Cerca de 3 mil dessas espécies são insetos. Em comparação,
contamos apenas cerca de 300 espécies de aves e menos de 100 espécies de
mamíferos no país.
Quando fungos, insetos, musgos, líquenes e bactérias assumem seu posto,
há mais células vivas na madeira morta do que havia quando estava viva.
Não deixa de ser irônico que uma árvore morta seja a coisa mais viva que
você pode encontrar numa oresta. Cada espécie encarrega-se de uma
limpeza especí ca e tem uma série de exigências muito peculiares para
escolher o tipo de madeira em que quer morar.
Por que há tantas espécies de insetos em madeiras mortas? Uma
explicação é que os insetos que vivem em pedaços de madeira morta têm
demandas diferentes para suprir. Para nós, que não conseguimos digerir
madeira, é difícil compreender as nuances existentes em cada espécie, seu
estado de decomposição, tamanho e onde se encontra.
Se você for um inseto, saberá que um abeto morto é completamente
diferente de uma bétula morta. Assim como um álamo que acabou de
morrer não tem nada a ver com outro que tombou na oresta há anos.
Conforme mencionamos anteriormente, as plantas e as árvores têm defesas
especí cas contra herbívoros e insetos. Essas defesas permanecem ativas
depois que a árvore morre, sobretudo imediatamente após a morte; logo, os
insetos que se apossam de uma árvore recém-morta devem ter se adaptado
para poder driblá-las.
O tamanho também conta muito: o galho morto de um carvalho oferece
hábitats bem diferentes no interior do tronco apodrecido da mesma árvore.
Da mesma forma, um pinheiro morto no alto de uma colina servirá de
morada para espécies com hábitos alimentares bem diferentes daquelas que
resolveram morar num pinheiro morto no coração de uma oresta sombria
e úmida.
Em outras palavras, um pinheiro não é apenas um pinheiro — madeira
morta tem mais nuances que um vinho no, e os insetos são sommeliers
bastante exigentes. Uma vez que têm necessidades distintas, é preciso haver
madeira morta em quantidade e qualidade su cientes para que possam
ocupá-la e fazer seu trabalho.
Existe, contudo, um ponto fundamental quando mamãe besouro está
procurando um pedaço de árvore morta para instalar as crianças. É preciso
chegar lá no tempo certo, antes do m da festa! Se ela demorar demais, o
local será ocupado por outros — isto é, se conseguir chegar.
Por isso as orestas naturais são tão importantes — orestas que não
tenham sido afetadas pela indústria madeireira moderna. Nelas há muito
mais madeira morta e em maior variedade, o que signi ca mais
oportunidades no mercado imobiliário dos insetos. Os troncos cam mais
próximos uns dos outros, permitindo à mamãe besouro visitar vários deles
num só dia e pôr seus ovos durante cada visita, assegurando uma nova
geração de milhares de besourinhos.

Uma pesquisa estrondosa


O que se passa com as árvores que morrem é, portanto, um dos meus
assuntos preferidos, um tema ao qual nós, pesquisadores, dedicamos muito
do nosso tempo. Pode não ser tão complexo como mandar um foguete ao
espaço, mas sem dúvida já participei de projetos igualmente barulhentos. Há
aproximadamente quinze anos, por exemplo, zemos um experimento
estrondoso: cercamos uma área de oresta com explosivos, localizados a
cerca de cinco metros do solo, acionamos o detonador e demos no pé. Foi
um barulho enorme; sentimos o impacto quando a copa da árvore caiu no
chão e fez a terra tremer.
Nosso intuito era criar troncos mortos em posição vertical. Criamos
sessenta deles, e a cada ano que passava veri cávamos quais espécies de
besouro visitavam aquele tronco. Dessa maneira, aprendemos muito sobre a
dieta de diversos insetos. Também comprovamos a e cácia das normas
regulatórias de preservação orestal, isto é, deixar troncos altos mortos em
intervalos regulares nas orestas de manejo.
Mais empolgante é agora, quinze anos depois, ouvir uma espécie de eco
distante da visita desses besouros. Há naquelas árvores, hoje, fungos de
diversos tipos, a depender de quais insetos as visitaram no passado.
Isso nos fez pensar o seguinte: será que fungos e besouros não seriam
como ores e abelhas, que dependem mutuamente um do outro? Talvez
certos bolores de madeira correspondam diretamente à ocorrência de
determinados tipos de besouro. Isso já é conhecido em certos besouros de
casca de árvores, cuja colaboração com fungos é tão estreita que ambos
dependem um do outro. Mas será que essa colaboração é mais comum do
que imaginamos, ainda que se dê de maneira mais informal, porém com
vantagens para ambas as partes?
Para examinar isso, um dos nossos doutorandos resolveu engaiolar
árvores. Ou, melhor dizendo, restos mortos delas. Esses pedaços não
podiam ser visitados por insetos, que não atravessavam a malha da rede de
proteção da gaiola. Para efeito de comparação, ele deixou troncos idênticos
do lado de fora das gaiolas, onde os insetos podiam pousar livremente.
O resultado foram comunidades de fungos inteiramente diferentes
daquelas em que o acesso dos insetos não era permitido. Acreditamos que
isso se deve ao fato de que muitos insetos trazem consigo, presos ao corpo
ou no estômago, esporos ou os fúngicos. Assim que pousam no tronco para
pôr seus ovos, os insetos deixam ali, pelo simples contato ou misturados às
fezes, fungos que serão os novos inquilinos daquele pedaço de madeira.
Além disso, outra coisa chama atenção: parece que os troncos isolados nas
gaiolas se decompõem mais devagar. O trabalho de limpeza ca mais lento
se os insetos tiverem que fazer tudo sozinhos.

Um zoológico debaixo dos pés


Eu amo correr, de preferência pelo chão úmido e macio das trilhas da
oresta. A meia hora de distância de onde moro existe uma reserva orestal
com árvores mortas empilhadas umas sobre as outras, como num jogo de
pega-varetas. Olho em volta e tento contar as espécies — nas orestas
norueguesas há cerca de 20 mil delas. Nem todas elas vivem na “minha”
oresta, mas, mesmo assim, quantas saberei identi car? Consigo identi car
algumas árvores, uma dezena de plantas, líquenes, fungos, talvez um alce ou
uma ave silvestre, se não tiver feito muito barulho. Se for no verão, os insetos
dominarão minha lista de espécies, mas di cilmente chegarei a mais de cem
deles, mesmo aqui na reserva orestal. Então onde estará o restante?
Muitas das outras espécies são pequenos insetos e congêneres, levam uma
vida inteiramente em segredo. Como já mencionamos, um terço das
espécies orestais vivem na superfície e no interior de árvores mortas. Outro
hábitat importante é o solo. Em nenhum outro lugar as espécies vivem num
espaço tão densamente povoado. Na pequena quantidade de terra que ca
presa no solado do meu sapato, depois de um passeio pela oresta, pode
haver mais bactérias do que a população dos Estados Unidos, sem
mencionar os fúngicos invisíveis de tão nos. Na terra você também
encontrará uma miríade de pequenos insetos e outros seres rastejantes. Um
verdadeiro zoológico em miniatura oculta-se nessa escuridão: minhocas e
outros anelídeos, ácaros, nematoides e tatuzinhos-de-jardim. Todas essas
espécies, que ignoramos no nosso dia a dia, têm um papel importante no
trabalho de reciclagem, mastigando, escavando, arejando e misturando.
Num piscar de olhos, tudo é transformado em terra vegetal fértil, para que
uma nova vida possa brotar. É um feito e tanto, na verdade.
A terra é importante, mas a cada ano muito dela desaparece. Não porque
ca presa à sola do sapato de alguém, mas por causa da erosão decorrente do
vento e da água. A erosão é um fenômeno natural, mas em muitos locais a
perda do solo é demasiado alta porque nós, humanos, removemos a
vegetação natural que havia ali. Como resultado, não há onde a terra se
segurar e ela é arrastada pelo vento ou escorre em direção ao mar, entre
outros motivos. Nós perdemos bilhões de toneladas de solo fértil a cada ano
dessa maneira. Com a terra vai-se também uma importante diversidade de
agentes decompositores, a garantia de que os nutrientes da oresta serão
reciclados.
A na camada de terra é a pele que reveste o nosso planeta. Uma camada
delicada e viva sobre o magma e a crosta de rocha estéril e dura. Quem sabe
não é hora de nos preocuparmos um pouco mais com o tratamento que
estamos dando à pele do planeta... Como um adolescente que observa
ansioso o rosto no espelho, também devemos nos preocupar em garantir
boas condições para o nosso chão e para as criaturas que ali habitam, pois
nós precisamos deles. E, parafraseando uma propaganda de cosméticos,
“porque eles merecem”.

Uma formiga em Manhattan


Cachorros-quentes no parque e comidinhas nos festivais de música. O
breve verão norueguês atrai as pessoas para fora de casa e muda os hábitos
alimentares da população. Mas o que acontece com os restos de comida que
largamos pelas calçadas e gramados afora? É aí que as formigas entram em
cena.
Muita gente considera as formigas irritantes, até mesmo nojentas, mas a
verdade é que é até bom ter formigas por perto, inclusive nos centros
urbanos. Um grupo de entomologistas que estudou as formigas de
Manhattan fez as contas e concluiu que devem existir cerca de 2 mil delas
para cada nova-iorquino. E o que faz uma formiga na metrópole? Ela vive
sua vida de formiga, que consiste majoritariamente em conseguir comida e
se reproduzir. No que se refere à dieta, as formigas não são muito exigentes e
têm apetite para tudo: os pesquisadores estimam que a quantidade de
comida descartada e recolhida por elas corresponde a 60 mil cachorros-
quentes por ano! É bom mesmo que estejam por perto.
Em um experimento, os pesquisadores compararam restos de comida
carregados pelas formigas em diferentes locais de Manhattan, distribuindo
porções iguais em parques urbanos e canteiros centrais de ruas e avenidas.
As formigas foram servidas com um lanche nova-iorquino típico: cachorro-
quente, batatas fritas e um biscoito de sobremesa. Ao mesmo tempo, os
pesquisadores mediram a variedade de espécies de formigas e outros
animais urbanos de pequeno porte nos mesmos locais, e concluíram que
havia mais formigas nos canteiros centrais das ruas do que nos parques.
É sabido que em outros sistemas naturais a coleta de alimentos é mais
efetiva quanto mais diversidade de espécies houver, e por isso os
pesquisadores esperavam que as formigas dos parques comessem mais
restos de alimentos que as dos canteiros, mas em Manhattan o resultado foi
o oposto: as formigas dos canteiros consumiram o dobro de restos de
comida. Isso pode ter várias razões: em primeiro lugar, os canteiros são mais
quentes. Para as formigas, animais de sangue frio, tudo vai melhor quando a
temperatura é mais alta.
Em segundo lugar, uma formiga da Europa, Tetramorium caespitum,
tomou gosto pela dieta norte-americana. Ela era bem mais comum nos
canteiros que nos parques, e quando estava presente a comida desaparecia
numa velocidade três vezes maior. Em outras palavras, as condições
ambientais e uma espécie individual provaram ser mais importantes do que
a diversidade de espécies quando o assunto são os resíduos alimentares de
Nova York.
As Tetramorium são territoriais e, como outras gangues urbanas,
defendem ferozmente seu pedaço de chão contra qualquer invasor que ouse
pôr os pés ali. Mas as gangues de formigas não estão sozinhas nas ruas de
Manhattan. Há incidentes violentos bem mais frequentes envolvendo
gangues de ratos, que são menores em quantidade, porém maiores em
tamanho. Eles também querem seu quinhão de restos de comida. Para nós,
que somos maiores em tamanho, o con ito dessas gangues tem sua
relevância. Ratos e camundongos contribuem de forma positiva comendo os
restos de alimentos que desprezamos, mas ambos são conhecidos vetores de
doenças, diferentemente das formigas. Por isso, elas são melhores para
recolher restos de comida pela cidade.
Já passa da hora de perceber que até as nossas cidades são pequenos
sistemas naturais, nos quais os pequenos e rastejantes insetos são um
elemento essencial. Somente o canteiro central da Broadway abriga treze
diferentes espécies de formigas. Ao todo, são mais de quarenta espécies
vivendo em Nova York, dois terços da totalidade de espécies de formigas
existentes na Noruega. Uma vez que a maior parte da população mundial
hoje vive nas cidades, deveríamos passar mais tempo pesquisando o
funcionamento do nosso ecossistema urbano.
A questão é que a natureza urbana também contribui signi cativamente
para os ecossistemas. As árvores fornecem sombra, abafam o ruído e
limpam o ar. Áreas verdes absorvem o excedente de água depois de
pancadas de chuva e impedem inundações. Espelhos d’água ajudam a
resfriar a temperatura, e as espécies existentes em reservatórios ajudam a
ltrar a água potável e torná-la mais limpa. Qualquer pedaço de chão, por
menor que seja, pode servir de lar para uma quantidade in nita de insetos
que polinizam as plantas, dispersam sementes ou ajudam a limpar as ruas —
como as formigas.
Em Oslo, os economistas também estudam os serviços e o valor dos
ecossistemas urbanos. Um estudo que mediu a importância das áreas verdes
internas e no entorno da capital norueguesa, inclusive para a diversão e para
a saúde dos seus habitantes, chegou a uma soma de bilhões de dólares, e isso
sem computar o valor da contribuição trazida pelas formigas.
Com mais conhecimento sobre ecologia urbana, podemos planejar e
manter melhor nossas cidades. Mesmo algo tão singelo quanto um canteiro
central é importante, pois lhe fornece abrigo e garante uma vida mais feliz —
se você for uma formiga corajosa morando em Manhattan.

Uma mosca na defensiva


Não há nada de extraordinário em carrocinhas de cachorro-quente. Mas
na natureza há outros tipos de carne morta de que precisamos nos ver livres.
Imagine todos os animais, pequenos ou grandes, que perecem e jazem pelo
chão. Não seria nada bom se esses restos não fossem reciclados
imediatamente.
Do ponto de vista dos insetos, cadáveres são uma boa fonte de alimento
— não se esquivam e não têm como se defender. Mas tudo é uma questão de
ser rápido, pois carcaças de animais são uma fonte nutritiva importante e
por isso muito cobiçada, e a concorrência inclui uma grande variedade de
espécies diferentes e de todos os tamanhos. Aqui, os insetos disputam na
categoria peso-mosca, literalmente falando, na luta contra pesos-pesados,
como raposas, corvos, urubus e hienas, por exemplo. Um truque é não
colocar ovos diretamente na carcaça, mas sim larvas recém-eclodidas, como
fazem algumas moscas do gênero Sarcophaga. Outro truque é engolir bem
depressa, crescer mais depressa ainda e ser exível em relação ao tamanho
que precisam alcançar para tornarem-se pupas.
Esconder a carcaça, enterrando-a no chão, é outra ideia criativa. Os belos
besouros Nicrophorus, de casco preto com marcas vermelhas, são mestres
em encenar esse número de desaparecimento. Eles trabalham em pares,
escavando a terra e depositando-a sobre a carcaça, e ao nal de um dia
podem sepultar um rato morto. Debaixo da terra, empacotam a carcaça na
forma de uma bola e ali põem seus ovos. Apesar da escolha um tanto
estranha para criar os lhos, os besouros Nicrophorus são pais zelosos. Eles
mastigam pedaços de carniça e os regurgitam na boca das larvas, que de
início não conseguem digerir a carniça sozinhas — um dos poucos
exemplos de cuidados parentais entre os insetos (ver também os insetos
sociais – p. 37).
Os cavadores de sepulturas têm bons amigos que não são insetos. Quando
os besourinhos deixam o cadáver onde nasceram, um grupo de pequenos
ácaros monta sobre suas costas e pega uma carona até a próxima carcaça. Os
ácaros são de uma espécie que depende desses besouros para sobreviver,
pois não sabem voar e precisam da carona para chegar ao corpo de outro
animal recém-morto. Em retribuição, eles devoram larvas de moscas
concorrentes que por acaso tenham chegado e se intrometido por ali.
O batalhão que se encarrega de decompor cadáveres pertence àquele
grupo de insetos que nunca é reconhecido. Ao contrário das abelhas, por
exemplo, os insetos saprófagos não contam com entusiastas reunidos em
clubes de estudo. Mesmo assim, são animais extremamente importantes.
No Sudeste Asiático, as pessoas aprenderam a duras penas a falta que esses
insetos fazem. Estamos falando do irmão gigante da mosca saprófaga, se
pudermos assim considerá-lo, detentor de uma péssima reputação para a
maioria das pessoas: o urubu. De qualquer forma, o argumento é o mesmo.
Na virada do milênio, o medicamento diclofenaco foi introduzido na Índia
para o tratamento de bovinos. Ao longo de quinze anos, cerca de 99% dos
urubus do país desapareceram, pois o princípio ativo do medicamento
acabava contaminando as aves, que se alimentavam de carcaças de vacas
doentes e morriam de insu ciência renal. Embora os insetos que se
alimentam de carne putrefata trabalhem em alta velocidade, não eram
su cientes para processar tamanha quantidade de matéria-prima, e o
resultado foram carcaças e carcaças de bois e vacas abandonados pelo chão.
Uma vez que não havia mais os urubus, outra espécie de animal saprófago
adentrou o cenário: cães selvagens. Bandos de cães selvagens, muitos deles
infectados com vírus da raiva, alastraram-se exponencialmente. O aumento
do número de cães selvagens, decorrente do declínio de urubus que
ajudavam a decompor os cadáveres de animais mortos, resultou em 48 mil
óbitos por raiva humana.
Insetos saprófagos podem até ajudar a polícia, pois existe um padrão de
espécies que chegam a um cadáver, e isso pode ser usado para elucidar
crimes. Consta que a primeira vez que insetos ajudaram a implicar um
assassino teria sido numa pequena aldeia chinesa, no ano 1235. Um homem
foi brutalmente assassinado com uma foice, e os fazendeiros locais foram
convocados para uma assembleia, cada um levando sua própria foice. O
investigador deixou-os esperando, e, como era um dia quente e ensolarado,
não tardou para as moscas darem o ar da graça. Quando um enxame de
moscas pousou na mesma foice, o fazendeiro cou tão assustado que
confessou o crime ali mesmo. Com seu olfato absoluto, as moscas foram
atraídas pelos vestígios de sangue, embora a foice tivesse sido lavada.
Hoje em dia os métodos são mais so sticados, mas os fundamentos são os
mesmos. Os insetos surgem num cadáver obedecendo a uma determinada
ordem e segundo certa lógica, e isso pode ser usado para estimar a hora e,
em certos casos, até a causa da morte. Diversas substâncias químicas, como
veneno e cocaína, podem afetar a velocidade com que os insetos fazem a
decomposição do cadáver.
Além disso, há a distribuição geográ ca das espécies. Saber exatamente
onde essas espécies ocorrem pode revelar se um corpo foi transportado ou
se a morte ocorreu naquele mesmo lugar. Assim foi o caso de um cadáver
encontrado numa lavoura de cana-de-açúcar no Havaí. As larvas mais
antigas encontradas nele pertenciam a uma espécie de mosca que ocorre
sobretudo em áreas urbanas. Descobriu-se que o corpo fora mantido num
apartamento em Honolulu durante dias, antes de ser desovado na lavoura de
cana.
Os insetos também podem ajudar a desvendar crimes de forma mais
indireta. Insetos esmagados na grade do motor de um carro foram usados
para prender um assassino nos Estados Unidos. Ele alegou que estava na
costa leste quando ocorreu o assassinato de sua família, na Califórnia, mas
as espécies encontradas em seu carro só existiam na costa oeste.

Quando a natureza chama, os insetos respondem


Todos os animais expelem resíduos alimentares na forma de fezes. O
esterco de animais de maior porte, como os mamíferos, representa uma
grande quantidade de biomassa. As fezes podem conter nutrientes úteis, mas
também podem conter uma grande quantidade de bactérias, parasitas
patogênicos e outras coisas das quais o corpo quer se ver livre, e portanto se
alimentar desse material não é para qualquer um. Mas há insetos que topam
tudo. Especialmente para besouros e moscas, as fezes são uma boa opção do
cardápio. Para este grupo de insetos são necessárias certas habilidades
especiais, como olfato apurado e re exos rápidos. Quando é chegada a hora
de dividir a ração, o que vale é partir na frente para garantir uma fatia do
bolo.
Alguns desses comensais, como a mosca-dos-chifres, são conhecidos por
pôr seus ovos nas fezes antes mesmo de o animal ter terminado de defecar. É
arriscado, mas o que não fazemos para garantir a sobrevivência das
crianças? A nal, o esterco mais fresco estará mais rente ao solo e se mantém
quente por mais tempo. Há uma boa razão para se usar a expressão
“vendendo bem como esterco quente”: um estudo aponta que, em cerca de
15 minutos, um total de 4 mil besouros atiram-se sobre apenas meio litro de
fezes de elefante. Outros estudos descobriram que, após algumas horas,
meio quilo de cocô de elefante desapareceu da face da Terra como resultado
do trabalho e ciente de 16 mil besouros coprófagos, isto é, que se alimentam
de esterco.
Besouros desse tipo têm três estratégias principais: podem ser inquilinos,
cavadores de túneis ou roladores. Os inquilinos preferem viver no meio da
comida. En am-se no esterco e lá vivem felizes para sempre, comendo e
depositando seus ovos. Muitos dos besouros noruegueses da subfamília
Aphodiinae pertencem a essa categoria. Mas quem opta por morar nessas
condições corre um certo risco. Ninguém sabe quantos outros estarão
pondo seus ovos no mesmo local, e na pior das hipóteses as larvas irão se
devorar umas às outras para não morrer de fome.
Uma maneira de evitar isso é construir um apartamento separado para os
lhotes, com refeitório próprio. É a técnica dos cavadores de túneis. Eles
escavam túneis debaixo ou ao lado do monte de cocô; túneis que podem
medir poucos centímetros ou até mesmo um metro de comprimento, e
resultam do esforço conjunto de papai e mamãe besouro, que levam para lá
bolinhas ou salsichas de cocô para alimentar suas larvas. Neste grupo
encontramos o escaravelho azul-escuro (Geotrupidae), que o norueguês Alf
Prøysen imortalizou no poema “Tordivelen og ue” (O escaravelho e a
mosca).
A variante mais avançada, digamos, são os roladores, que pegam a comida
e vão embora. Eles compactam as fezes alheias numa bola, que chega a pesar
50 vezes mais que o próprio besouro, e a empurram rolando, sempre em
linha reta, quer o Sol brilhe no céu, quer seja uma noite estrelada. Como eles
conseguem isso?
Alguns pesquisadores abusaram da criatividade e caíram em campo para
tentar descobrir: alguns “vestiram” a cabeça dos besouros com uma espécie
de boné para protegê-los do Sol. Outros manipularam a posição do Sol e da
Lua com o uso de grandes espelhos. Mas a mais criativa foi uma
entomologista que realizou a experiência dentro do Planetário de
Joanesburgo e demonstrou que os besouros rola-bosta podem usar a Via
Látea como referência. Orientar-se pela posição dos astros é algo que até
então só era conhecido por seres humanos, focas e algumas aves. Em suma,
a pesquisa mostrou que os besouros rola-bosta podem usar a posição do Sol
e da Lua, a luz polarizada e até a Via Láctea para manter seu curso sem
desviar.
Esses besouros vêm fascinando a humanidade há milhares de anos. O
Scarabaeus sacer tinha um lugar de destaque na mitologia egípcia. Quando
os antigos egípcios os encontravam rolando bolinhas de cocô pelo caminho,
lembravam-se do trânsito do Sol pelo céu. Para eles, o besouro era “o
escaravelho sagrado”, símbolo de Kheper, o deus do sol nascente. Esse deus-
inseto ora é retratado como besouro, ora como ser humano com cabeça de
escaravelho.
Os egípcios também constataram que os escaravelhos estavam entre os
primeiros seres vivos a emergir das margens lamacentas do Nilo depois das
enchentes da primavera. No exato local onde os besouros adultos
enterravam suas bolas de cocô no chão, surgia, semanas depois, uma nova
leva de besouros. A partir disso, a associação do escaravelho-sagrado com a
renovação e o renascimento ocorreu naturalmente. Amuletos de
escaravelhos eram comuns tanto em pessoas vivas como adornando
múmias.
Talvez os egípcios tenham se inspirado nos besouros para desenvolver
suas técnicas de mumi cação. A nal, o que pode ser mais parecido com a
pupa de um inseto que uma múmia? Já se sugeriu, talvez até em tom de
brincadeira, que as pirâmides são representações sagradas de montes de
esterco, onde o faraó morto é como uma pupa mumi cada aguardando a
transformação que lhe possibilitará renascer.

Cocô multiuso
O esterco pode ter diversas nalidades. Muitas culturas ainda usam
esterco seco de vaca como combustível ou argamassa de construção.
Também no mundo dos insetos podemos encontrar exemplos de uso
criativo dos excrementos. Que tal uma peruca de cocô, por exemplo? O
besouro Hemisphaerota cyanea vive em palmeiras-anãs na Flórida e em
estados vizinhos. Enquanto a larva mastiga a folha da palmeira, uma série de
cachos dourados vai se formando no seu extremo oposto. A larva acomoda
esses cachos nas costas e vai formando uma peruca, bem semelhante ao
topete do presidente Donald Trump. O objetivo da tal peruca é obviamente
defender-se de predadores — mesmo que esteja com fome, você não vai
querer encher a boca de cabelos, muito menos de cabelos feitos de cocô.
Larvas de vários besouros usam técnicas parecidas; em vez de se cobrirem
de cachos dourados, procuram na verdade assustar o inimigo. A Cassida
viridis, besouro verde-claro semelhante a uma joaninha, é bastante comum
na Noruega. Suas larvas vão acumulando pele e bolinhas pretas de esterco
até formar uma espécie de tenda ou guarda-sol, que mantêm preso ao corpo
por uma espécie de “garfo anal” — “anal fork”, na expressão inglesa. Se um
inimigo se aproximar, a larva aponta o guarda-sol de cocô na sua direção, e é
melhor que ele mantenha distância. O guarda-sol também pode conter
substâncias tóxicas que a larva produz a partir das folhas que ingere.
Os besouros da subfamília Cryptocephalinae são ainda mais so sticados.
Seus lhotes são equipados com o que parece ser um trailer feito de dejetos:
a mãe põe os ovos em um belo recipiente que constrói a partir das próprias
fezes. Quando os ovos eclodem, as larvas esticam o pescoço e as patas e
assim podem levar consigo a própria moradia por onde forem. À medida
que defeca, a larva vai aumentando a casa de modo a que não lhe falte
espaço. Quando é hora de se tornar uma pupa, tudo que precisa é voltar para
dentro do trailer e fechar as portas. Ali dentro ela estará em segurança até se
transformar em um besouro adulto e começar tudo outra vez.

Um ecossistema inteiro no pelo


Há quem ache o bicho-preguiça um animal fo nho. As preguiças
costumam ser retratadas nos desenhos animados como um animal lento,
bonachão e sorridente. Eu mesma já estive cara a cara com uma preguiça
certa vez, em plena selva, e, na minha opinião, ela não é um bicho fo nho
coisa nenhuma.
Eu estava numa aldeia no interior da Nicarágua, sentada em um terreno
baldio de terra nua, na fímbria da oresta. Chovia a cântaros. Ouvi um
barulho atrás de mim e me virei na direção da mata. A poucos metros de
distância, devagar, bem devagarinho, com o olhar xo em mim, a criatura
mais estranha que jamais encontrei na vida veio rastejando ao meu
encontro, encharcada dos pés à cabeça. Já se passaram mais de trinta anos,
mas lembro bem o que pensei naquela hora: “Deus do céu, parece um
mutante depois de um bombardeio nuclear!”.
Depois de vários anos de muito estudo, concluí que aquela aparição foi
um episódio muito raro.
Preguiças são dos poucos mamíferos inteiramente arbóreos que existem, e
passam o mínimo de tempo no solo. Uma vez por semana é hora de fazer as
necessidades e, por estranho que pareça, precisam descer até o chão. Elas
correm mais perigo porque são incrivelmente lentas e mal conseguem se
defender.
A última coisa que pensei foi contar os dedos das patas dianteiras daquela
criatura assustadora que me encarava com olhar xo. Hoje eu sei que
existem dois grupos de preguiças: de dois e de três dedos, com algumas
poucas subespécies em cada grupo. As espécies de dois e de três dedos são
bem diferentes. Aqui vamos tratar das preguiças de três dedos.
Na ocasião eu não me aproximei do animal para procurar mariposas
naquele pelo marrom-esverdeado, e hoje me arrependo disso – as preguiças
mantêm um ecossistema inteiro na pelagem, algo que só descobrimos
recentemente.
Por que as preguiças de três dedos se arriscam a descer para ir ao banheiro
no chão da oresta, em vez de fazer as necessidades na copa das árvores
onde vivem? Além disso, elas gastam 8% de sua ingestão diária de calorias
nesse deslocamento. Para correrem o risco de serem comidas? Os
pesquisadores há muito tempo se perguntam por quê. Talvez para fertilizar
as árvores em que vivem, ou, quem sabe, se comunicar com outras preguiças
por meio de suas latrinas?
Nada disso. Na pelagem da preguiça de três dedos vive uma mariposa,
cujo nome em inglês é um belo trocadilho com o nome do seu hospedeiro:
“sloth moth” (mariposa-preguiça). Assim que a preguiça faz suas
necessidades, a mariposa sai do pelo e põe os ovos nas fezes. As lagartas
vivem alguns dias ali preguiçosamente, e quando se tornam adultas só
precisam esperar a próxima ida ao banheiro para se mudarem para um local
seguro e aconchegante: o pelo da preguiça.
Agora a coisa ca mais intrigante. Por que a preguiça colocaria sua vida
em risco apenas para ser gentil com uma mariposa? Deve haver alguma
vantagem para a preguiça nessa relação.
As borboletas também defecam, morrem e se decompõem na pelagem da
preguiça, e isso deixa seu pelo rico em nutrientes e favorece o crescimento
de uma espécie de alga — que só existe no pelo da preguiça e em nenhum
outro lugar do mundo, diga-se de passagem. O bicho-preguiça come essa
alga ao lamber a própria pele, e ela tem uma vantagem signi cativa: contém
nutrientes importantes que a preguiça não consegue obter com sua dieta
exclusivamente herbívora. Além disso, as algas funcionam como
camu agem.
Portanto, a mariposa faz bem às algas, as algas fazem bem à preguiça, a
preguiça faz bem à mariposa. Eis aqui nosso pequeno ecossistema — no
pelo de uma preguiça.
Em outros animais de grande porte também há insetos que descobriram
que é melhor estar perto da fonte do que car à procura de cocô fresco pelo
resto da vida. Tanto entre os cangurus como entre nossos primos peludos, os
primatas, existem besouros que xam moradia no pelo próximo ao ânus
desses animais. Portanto, caso você nunca tenha se dado conta, há certas
vantagens em não ter um traseiro coberto de pelos.

Afundando na merda
Em 1788, a primeira vaca pôs seus quatro cascos em território australiano.
Chegou acompanhada de uma comitiva bem heterogênea, integrada por
39.184 homens, mulheres e crianças — a maioria presos sentenciados —,
bem como 87 galinhas, 35 patos, 29 ovelhas, 18 faisões e outros bichos em
menor quantidade. Com isso, os 40 mil anos de isolamento dos aborígenes
chegava ao m, e também o isolamento da vida animal e vegetal — apartada
no continente australiano desde a separação da Antártida, ocorrida entre 40
e 85 milhões de anos atrás. Assim sendo, a Austrália estava repleta de
espécies que não existiam em nenhum outro lugar do planeta — 84% dos
mamíferos e 86% das plantas australianas eram únicos.
As quatro vacas e os dois bois transportados na primeira nau europeia
pegaram carona no meio do percurso, mais exatamente na Cidade do Cabo,
e eram da raça zebu, acostumada ao clima quente. A responsabilidade de
cuidar dos animais cou a cargo de um prisioneiro chamado Edward, que
recebeu a recomendação expressa de não deixá-los sumir de vista. Porém,
poucos meses depois, as vacas desapareceram. Sumiram do mapa enquanto
o encarregado de cuidar delas jantava.
Foi uma grande catástrofe. As quatro vacas serviriam não apenas como
matrizes, mas também forneceriam leite, e os recém-chegados não
conheciam nenhuma planta comestível na Austrália. Embora tivessem
trazido sementes, não tinham experiência alguma com lavouras e não
estavam particularmente interessados em aprender. Nem mesmo pescar
sabiam direito. As provisões diminuíram aceleradamente, mesmo diante do
racionamento severo.
Grande foi a alegria quando, poucos anos depois, encontraram as vacas —
que, entretanto, haviam se tornado um rebanho inteiro. Elas se deram muito
bem nos pastos australianos.
Alguns séculos depois, a alegria deu lugar ao desespero. A nal, o que
fazem as vacas? Comem, mastigam, arrotam e defecam, sem parar, em
quantidades enormes. Uma vaca produz até nove toneladas de esterco por
ano — e aqui consideramos o esterco seco. Em um ano, o cocô de uma única
vaca é su ciente para cobrir uma área correspondente a cinco quadras de
tênis. Quando as vacas vão bem, elas se reproduzem, e com isso vão
cobrindo de esterco tudo ao redor.
Por volta de 1900, havia mais de um milhão de cabeças de gado na
Austrália. Mas quem iria limpar a sujeira que faziam? Chegamos aqui ao que
interessa nesta história: não havia besouros na Austrália que pudessem
decompor as fezes das vacas. Sim, claro que havia besouros nativos que se
alimentavam de esterco — mas durante milhões de anos acostumaram-se a
lidar apenas com fezes secas, de marsupiais. Eram besouros que não tinham
o menor gosto por um prato estrangeiro, como o cocô fresco e pastoso dos
zebuínos.
As únicas que demonstravam apetite pelo cocô eram as moscas. Na
Austrália vive uma espécie que lembra a nossa mosca doméstica, exceto por
não viver em casas, mas em outros locais, especialmente onde há um
verdadeiro tapete de cocô forrando o chão. O que se seguiu foi uma enorme
proliferação dessas e de outras espécies de moscas, que adoram infernizar a
vida tanto dos animais domésticos como de seres humanos.
Vale mencionar que essas moscas não enterram as fezes, elas continuam
espalhadas pelo chão; as fezes ressecam, criando uma crosta que impede a
germinação até de capim. Como resultado, a cada ano uma área agrícola de
até 2 mil quilômetros quadrados tornava-se deserta e infértil. Na década de
1960, quase dois séculos depois da introdução da primeira vaca na Austrália,
extensos lotes de terra estavam abandonados devido ao esterco que não era
decomposto.
Foi aí que outros besouros entraram em cena. Elaborou-se um plano de
larga escala, nanciado pelo governo e pelos pecuaristas. Ao longo de quinze
anos, entomologistas australianos estudaram uma grande quantidade de
espécies e, depois de testes rigorosos, liberaram na natureza 1,7 milhão de
indivíduos de 43 espécies de besouros rola-bosta.
O projeto foi um sucesso, e mais da metade das espécies conseguiu se
estabelecer no território. O esterco desapareceu e a praga das moscas
diminuiu dramaticamente. Antes, apenas uma fração (15%) do nitrogênio
do esterco era devolvido ao solo. O batalhão de insetos lixeiros conseguiu
elevar esse número para 75%. Esse exemplo mostra didaticamente a
importância dos insetos decompositores para a natureza e para nós,
humanos.
É importante mencionar que para o grupo dos besouros coprófagos (que
se alimentam de fezes) as coisas não vão tão bem. Globalmente falando, 15%
dessas espécies estão ameaçadas de extinção. Na Noruega, mais da metade
dos besouros coprófagos estão na lista vermelha, isto é, estão ameaçados ou
correm risco de extinção, e 13 espécies provavelmente já desapareceram da
face da Terra. É especialmente no sul do país que os besouros noruegueses
agonizam — hábitat de espécies que dependem de fezes frescas, aquelas
largadas na areia ou num pasto, durante um dia de sol quente de verão. A
mudança nos métodos agrícolas é a grande responsável pelo
desaparecimento desses besouros, uma vez que os pastos vêm deixando de
ser utilizados e acabam cobertos por capim.
Outro problema é o vermífugo de amplo espectro Ivermectina, aplicado
em vacas em todo o mundo. Sabe-se que o princípio ativo acaba indo parar
nas fezes do gado e mata os coprófagos em busca de alimento, com sérias
implicações tanto para a biodiversidade como para a decomposição do
esterco.

Pesquisando ocos de carvalho


É dura a vida em ocos de carvalho. A pesquisa que conduzimos mostra
que insetos que vivem em troncos de carvalho estão travando uma luta
inglória pela sobrevivência. Alguns deles ocorrem em pouquíssimos locais,
talvez apenas em alguns troncos. Essas espécies estranhas preferem viver em
áreas com abundância de troncos grossos e expostos ao sol, árvores repletas
de bolor no interior da madeira. Carvalhos nessas condições são muito
raros.
Com outros pesquisadores e colaboradores eu venho investigando a vida
dos insetos em ocos de carvalho há mais de dez anos. Já catalogamos mais
de 185 mil indivíduos de diversas espécies de besouros, de 1.400 espécies
distintas. Alguns deles são extremamente especializados e só vivem em
árvores ocas, de preferência carvalhos. Cerca de cem espécies nessas
condições estão ameaçadas ou em sério risco de extinção na Noruega.
Atualmente os carvalhos ocos são protegidos por uma lei própria na
Noruega, que os designa como “hábitat natural especí co”, justamente
devido à biodiversidade que contêm. Esse status jurídico prevê cuidados
especiais para evitar danos a essas árvores. Estou envolvida em um
programa nacional para monitorar as condições e o desenvolvimento dessas
árvores. Com sorte, passaremos também a acompanhar o estado dos insetos
que vivem nelas.
Se quisermos garantir a sobrevivência dessas espécies e proteger a
biodiversidade, é preciso saber quantos carvalhos ainda existem. Nossa
pesquisa indica que a exploração madeireira do carvalho ocorrida há
séculos ainda tem re exos nas espécies de besouros que habitam as árvores
hoje em dia. É provável que estejamos testemunhando uma reação
retardada, conhecida como “débito de extinção”, em que as espécies resistem
durante um tempo após a destruição de um hábitat, mas acabam
sucumbindo ao nal.
É preciso evitar também o crescimento populacional em torno dos
carvalhos isolados. Muitos dos insetos mais especializados vivem melhor se
o sol incidir no tronco da árvore e aquecê-lo o su ciente.
Também devemos pensar em longo prazo e garantir o surgimento e o
crescimento de novos carvalhos ocos, antes que as velhas árvores de hoje
desapareçam por completo.
Não é preciso muito tempo para remover um carvalho oco que ca no
meio do caminho e impede o progresso — seja ele na forma de novas
estradas ou condomínios. Bastam cinco minutos de serra elétrica, e um
colosso que brotou ainda nos tempos da peste negra, que testemunhou o
princípio e o m do Renascimento e da Revolução Industrial, tombará no
chão. No entanto, um carvalho do mesmo porte demorará 700 anos para
crescer ali. Onde os insetos poderão morar nesse ínterim?
CAPÍTULO 7

DA SEDA À TINTA — PRODUTOS


DERIVADOS DE INSETOS

Ao longo da história, os insetos nos legaram vários produtos essenciais e


alguns deles mantêm essa importância até os dias de hoje. Alguns são bem
conhecidos, como o mel e a seda. De outros, talvez, você nunca tenha
ouvido falar, ou jamais pensou que derivam de insetos — como a cor
vermelha da sua geleia de morango ou a superfície lustrosa das maçãs no
supermercado.
Como sempre, quando falamos de insetos, os números são
desconcertantes. Mesmo o 1,5 bilhão de cabeças de gado do planeta não faz
jus se considerarmos a quantidade de insetos que nos bene ciam. Em todo o
mundo, mais de 80 bilhões de abelhas melíferas trabalham a nosso serviço,
de acordo com as estatísticas da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação. A cada ano, mais de 100 bilhões de bichos-da-seda sacri cam
suas vidas para nos dar um tecido macio e valorizado.

Asas de cera
Abelhas melíferas fazem mel, é claro, como mencionamos no capítulo 5.
Mas também produzem cera, uma massa macia que tem origem nas
glândulas especiais que têm no abdome. A cera é utilizada para construir
berçários para as larvas e depósitos para guardar o mel. Além disso, a cera
de abelha tem diversas aplicações para nós, seres humanos, e é protagonista
numa narrativa da mitologia grega bastante conhecida.
Dédalo e seu lho Ícaro escapam da ilha de Creta com a ajuda de asas que
Dédalo construiu colando penas de pássaros com cera de abelha. Antes de
partir, Dédalo adverte o lho sobre o perigo de dois vícios: soberba e
preguiça. Se não se esforçar o bastante, Ícaro voará muito baixo e as ondas
do mar o engolirão. Se for tomado pela húbris, excesso de autocon ança, e
não se der conta dos próprios limites, ele voará muito alto e o Sol tratará de
derreter a cera de abelha que mantém suas asas inteiras (um psicólogo talvez
diga neste trecho que caberia melhor ao pai dizer exatamente ao lho o que
fazer, em vez de especular sobre caminhos que levariam à catástrofe). De
todo modo, naquele tempo os jovens tampouco davam ouvidos ao que
diziam os pais. Ícaro aproximou-se demais do Sol, a cera derreteu e ele
espatifou-se no mar. Em sua memória existem o mar Icário, um trecho do
Egeu, e a ilha Icária.
Hoje em dia não fazemos asas com cera de abelha, mas sim velas e
cosméticos. Historicamente, a igreja católica foi uma grande consumidora
do produto, pois as velas usadas durante a missa tinham, obrigatoriamente,
de ser de cera de abelha. A vela de um branco pálido simbolizava o corpo, e
o pavio no meio representava a alma de Jesus. A chama que arde no pavio da
vela acesa nos dá a luz, enquanto a cera queima e se esvai — a exemplo de
como Jesus deu sua vida por todos os seres humanos. Apenas a mais pura
das ceras podia ser usada para a fabricação das velas, e aqui os insetos
levavam a melhor: uma vez que seu acasalamento nunca era observado,
acreditava-se que as abelhas eram virgens em perpétua abstinência sexual.
Somente no século XVI esse mal-entendido foi esclarecido, mas ainda hoje
as normas da igreja católica dizem que as velas precisam conter pelo menos
51% de cera de abelha.
Na indústria cosmética, o uso de cera de abelha tem aumentado. Cremes,
pomadas, loções e cera de depilar. O mel também é bastante usado em
cosméticos. Se você está pensando em fazer uma máscara caseira no rosto à
base de mel, saiba que está em companhia muito nobre: Popeia, esposa do
imperador romano Nero, que não tinha acesso aos re nados cosméticos
franceses de hoje em dia, elaborava suas máscaras faciais misturando mel
com leite de jumenta. Neste caso, não havia problema se um pouco do
creme escorresse sobre os lábios. De fato, a cera de abelha é um excelente
bálsamo labial quando misturada a óleos vegetais.
A cera de abelha também contribui para deixar maçãs, laranjas e melões
maduros e apetitosos por mais tempo, além de realçar seu brilho. Assim
como a laca (p. 137), a cera de abelha, mais conhecida na indústria
alimentícia como E901, é aplicada sobre as frutas, nozes e até mesmo sobre
pílulas de suplementos alimentares. Atualmente, boa parte da cera de abelha
retirada de colmeias é reutilizada em tábuas para construir colmeias, uma
espécie de mimo para retribuir o trabalho das valorosas abelhas.

Seda, tecido de princesa


A seda é ondulada e resistente, porém leve, fresca ao contato com a pele e
com um brilho único. Um tecido exclusivo. Não é de estranhar, portanto,
que a seda — a lagarta da mariposa Bombyx mori, comumente chamada de
bicho-da-seda — fosse por muito tempo reservada exclusivamente para o
uso na casa imperial da China.
A história da seda é uma verdadeira aventura das Mil e Uma Noites —
exótica, cruel, com limites muito tênues entre o que é mito e o que é verdade
factual. Duas mulheres fortes têm um protagonismo nessas narrativas. Tudo
começou em 2600 a.C., quando a princesa chinesa Lei-Tsu tomava seu chá
debaixo de uma amoreira nos jardins do palácio, e o casulo de um bicho-da-
seda caiu do galho dentro da xícara de chá. Lei-Tsu tentou tirá-lo dali, mas o
calor derreteu o casulo que se transformou num o maravilhoso, tão
comprido que serviu para cobrir todo o jardim. Dentro do casulo havia uma
pequena lagarta. Lei-Tsu imediatamente percebeu o que poderia ser feito
com aquilo e conseguiu permissão do imperador para plantar amoreiras e
cultivar bichos-da-seda. Ela ensinou às mulheres da corte a enrolar a seda
num único e rme o, rme o bastante para resistir ao tear, estabelecendo as
bases da indústria de seda chinesa.
A produção de seda tornou-se um importante fator cultural e econômico
da China durante milhares de anos. O país ainda é o maior produtor
mundial, e hoje os casulos são colocados em água fervente para matar as
pupas e liberar os nos os de seda.
A China guardou a sete chaves os segredos da seda por muito tempo.
Com o passar dos anos, foram abertas vias comerciais entre a China e os
países do Mediterrâneo, chamadas Rotas da Seda. A seda era um produto de
extrema importância, e os romanos a adoravam! Porém, algumas pessoas
consideravam imoral aquele tecido inovador e quase transparente. Alguns
chegavam a dizer que os vestidos de seda eram quase um convite ao
adultério, já que escondiam tão pouco.
Seja como for, podemos especular se os romanos achavam indecente o
tecido em si ou a enorme quantidade de ouro que o Império Romano
pagava pela importação da seda, pois o monopólio chinês na produção
rendeu divisas vultosas ao país. Sendo assim, era estritamente proibido
espalhar o segredo chinês: tentativas de contrabandear lagartas ou ovos de
bicho-da-seda para além das fronteiras da China eram punidas com a
morte.
Finalmente o mistério foi desvendado, e mais uma vez, segundo reza a
lenda, as mulheres tiveram um papel central na história. Diz-se que uma
princesa chinesa se casou com o príncipe de Khotan, um reino budista a
oeste da atual China, situado ao longo da Rota da Seda. Ao partir,
escondidos em seu cabelo meticulosamente arrumado, a princesa
contrabandeou ovos de bicho-da-seda e sementes de amoreira. Dessa forma
o segredo se espalhou, o monopólio da China foi quebrado e vários outros
países passaram a produzir o tecido. Hoje, mais de 200 mil toneladas de seda
são utilizadas anualmente na produção de roupas, pneus de bicicleta e os
de sutura cirúrgicos. No centro da produção está a lagarta do bicho-da-seda,
embora algumas espécies correlatas também sejam empregadas.

Pendurado por um fio
Entre os insetos, as lagartinhas do bicho-da-seda não são as únicas que
sabem tecer. Essa habilidade pode ter surgido mais de vinte vezes ao longo
da história da evolução, e apenas nos insetos: as Chrysopidae prendem seus
ovos a pequenos bastões de seda. Parecem pequenos cotonetes com os ovos
na extremidade, longe do alcance de formigas e outros insetos. As larvas de
tricópteras tecem redes de seda ao longo de cursos d’água, nos quais
capturam pequenos animais para comer. As larvas de certas variedades de
mosquitos também tecem teias de seda que usam para coletar esporos
fúngicos ou até capturar pequenos insetos. Algumas dessas larvas são
inclusive bioluminescentes e emitem uma luz verde-azulada, ainda que não
saibamos exatamente por quê. Ao contrário das larvas de mosquitos
luminescentes nas cavernas da Nova Zelândia, predadoras que usam a luz
para atrair a comida para suas redes, as espécies europeias de Keroplatus
contentam-se em obter a proteína de que precisam de esporos de fungos,
sem que se saiba por que precisam de luz para isso.
Os machos das moscas-dançarinas (Empididae) usam a seda para embalar
um “presente” para o desjejum das fêmeas. Os machos não são sequer
predadores — vivem paci camente com uma dieta de néctar —, mas o que
não são capazes de fazer por suas amadas ávidas por um pouco de proteína
animal? Sim, eles capturam um inseto (preferencialmente outro macho, para
reduzir a competição pelas fêmeas — e assim matam duas moscas com um
só golpe, por assim dizer), e embalam a presa lindamente num pacotinho da
seda que produzem em glândulas nas patas dianteiras. Um pretendente
levando um presente que ele mesmo cuidou de embalar... Que romântico!
Mas, na prática, não é nada disso. Esse comportamento ilustra apenas a
evolução atuando, como de costume. Uma teoria diz que quanto maior o
presente e, logo, quanto maior a embalagem, mais tempo durará a cópula, ou
seja, mais espermatozoides serão transferidos e maior será a chance de o
macho perpetuar seus genes. Para a fêmea, vem muito bem a calhar uma
quantidade extra de proteína, pois a postura de ovos implica em grande
dispêndio de energia.
Mesmo assim, sempre há aqueles que querem levar vantagem sem fazer o
menor esforço. Alguns machos dão de presente um balão de seda vazio, e aí
se apressam em copular antes que a fêmea descubra a trapaça.

Uma teia milagrosa


Não podemos falar de seda sem mencionar as aranhas, mesmo que não
sejam insetos. Na verdade, elas pertencem ao grupo dos aracnídeos, assim
chamado em memória daquela que se transformou na primeira aranha,
segundo a mitologia grega: a habilidosa tecelã Aracne. Ela desa ou a própria
Atena, deusa grega da guerra e da sabedoria, gabando-se de que suas mãos
eram capazes de tecer melhor que ninguém. A punição por tamanha
arrogância foi transformar-se em aranha. Aracne teve muitos descendentes:
hoje contamos mais de 45 mil espécies de aranhas. A seda não é usada
apenas para fazer redes e capturar presas, mas também como uma espécie de
compensação para as asas, motivo de inveja das aranhas diante dos seus
longínquos parentes, os insetos. Num local arejado, pendendo por um longo
o de seda soprado pelo vento, aranhas pequenas conseguem velejar usando
uma técnica toda própria de navegação.
A seda das aranhas tem propriedades impressionantes. É seis vezes mais
resistente que o aço em relação ao próprio peso, embora extremamente
elástica ao mesmo tempo, e é isso que impede uma mosca mais pesada de
romper a teia quando é capturada no voo. Em vez disso, a teia cede, um
pouco como os cabos de frenagem que ajudam a deter o pouso de aeronaves
em porta-aviões. Um tecido no de seda de aranha pode, em tese, deter um
projétil — pode também ser utilizado para fabricar coletes à prova de balas
extremamente leves, capacetes superabsorventes e uma nova geração de
airbags nos veículos.
Experimentos mostraram que é possível colher cerca de 100 metros de
seda de uma única aranha; o problema é quando começa a aumentar essa
escala. Ao contrário das lustrosas e gorduchas lagartas de bicho-da- -seda,
que não pensam em outra coisa a não ser comer folhas da amoreira e ar
seda crua, as aranhas são predadoras e não têm nenhum problema em
praticar o canibalismo, por isso é tão difícil mantê-las em cativeiro com
vistas a uma produção de larga escala.
Um belo vestido de seda amarela, tecido a partir do o de aranhas
douradas de Madagascar, estabeleceu um recorde de público quando foi
exibido em Londres, em 2012. Não é de admirar, porque a roupa é realmente
especial. Precisou de cinco anos de trabalho para car pronta. A cada
manhã, 80 operários encarregavam-se de coletar novas aranhas, que eram
presas a uma pequena máquina, “ordenhadas” para a retirada da seda e
libertadas à noite. Foi necessário nada menos que 1,2 milhão de aranhas
para o vestido car pronto.
Não é difícil entender por que essa produção não é industrializada.
Portanto, é preciso encontrar alternativas. Em 2002, as primeiras “cabras-
aranha” vieram à luz. Graças à engenharia genética, genes de aranha foram
misturados aos de cabras para resultar num leite com proteínas capazes de
viabilizar a produção de seda, um feito que ganhou grande notoriedade, mas
não teve desdobramentos práticos até o momento.
Pesquisadores suecos também se lançaram na corrida para obter seda
sintética de aranha, e recentemente obtiveram um quilômetro inteiro de o
usando proteínas solúveis em água, sintetizadas a partir de bactérias. A
solução proteica endurece e se transforma em seda de aranha quando as
condições químicas são alteradas, num processo idêntico ao que ocorre nas
glândulas das aranhas.
Ainda assim, há um longo caminho a percorrer para produzir essa
substância em escala comercial, o que é perfeitamente compreensível, uma
vez que as aranhas passaram 400 milhões de anos para chegar aonde
chegaram.

700 anos de escrita graças aos insetos


Peças de Shakespeare e sinfonias de Beethoven. Esboços orais de Carl
von Linné e desenhos do Sol e da Lua por Galileu Galilei. As sagas
islandesas e a declaração de independência dos Estados Unidos. O que tudo
isso tem em comum? Todos foram feitos com tinta ferrogálica — uma tinta
escura e arroxeada que devemos aos insetos, mais precisamente à pequena
vespa-das-galhas. Esses pequenos seres são parasitas de plantas e árvores, e
particularmente no carvalho encontramos várias espécies distintas. A vespa-
das-galhas excreta uma substância que desencadeia um processo de
crescimento anômalo da planta, uma espécie de “câncer controlado” que
forma o abrigo onde crescerão suas larvas, e também a despensa de onde
retirarão seu alimento.
Há muitas variedades de galhas (ou bugalhos, como também são
conhecidas). Um dos tipos mais usados na fabricação de tinta é chamado de
maçã de carvalho. Parece de fato com uma maçã pequena, bem redonda e
com veios avermelhados — embora esteja presa a uma folha de carvalho.
No interior dessa maçã está a larva da vespa devorando sossegadamente o
tecido vegetal, sem precisar se preocupar com eventuais inimigos. Isto é,
quase, pois certos parasitas têm seus próprios parasitas. Hóspedes
indesejados que aparecem na hora do jantar e se recusam a ir embora —
larvas de vespas-das-galhas que invadem a morada alheia porque não sabem
construir a própria casa. Pior ainda são as intrusas, que usam seu comprido
órgão ovipositor para perfurar a parede da galha e pôr ovos ali, à revelia da
larva que é a verdadeira inquilina do local. Como resultado, insetos
completamente diferentes podem surgir de dentro de uma galha originada
pela vespa.
As paredes das maçãs de carvalho são revestidas com ácido tânico, uma
substância que ocorre naturalmente em várias plantas e está associada tanto
ao seu casaco de couro quanto ao melhor dos vinhos tintos. O ácido tânico é
essencial para curtir couros, e um bom sommelier saberá distinguir
variedades e métodos de fermentação de um bom vinho pela quantidade de
tanino que a bebida tem.
Os primeiros tipos de tinta, à base de fuligem de lamparina, foram feitos
na China milhares de anos antes da nossa era comum. A fuligem era
misturada à água e à goma arábica, uma borracha natural proveniente das
acácias, que mantinha a fuligem suspensa no meio líquido. Até o momento
que você se descuidasse e derramasse o chá sobre o papel, arruinando tudo o
que havia escrito. A tinta carbônica à base de fuligem era solúvel e
facilmente lavável, algo bastante comum de ocorrer, especialmente diante da
falta de papiro ou pergaminho.
Mais tarde, as pessoas passaram a fabricar tinta com maçãs de carvalho,
misturadas com sal de ferro e goma arábica. A grande vantagem desse novo
tipo de tinta era ser indelével, isto é, à prova d’água. Além disso, era mais
uida, sem caroços, e fácil de fazer. Do século X até meados do século XIX, a
tinta à base de maçãs de carvalho foi a mais usada no Ocidente.
Se não fosse pela pequena vespa-das-galhas, certamente não teríamos
tantos documentos de mestres da Idade Média e do Renascimento ainda
conservados e legíveis nos dias de hoje. Se contássemos apenas com a tinta
carbônica, muitas ideias, melodias e escrituras teriam sido perdidas para
sempre, seja por causa das más condições de armazenamento, seja porque
alguém precisasse reutilizar o meio onde estavam registradas.

Carmesim, orgulho dos espanhóis


Os insetos nos dão mais cores que o amarronzado da tinta de galha.
Também são responsáveis por nos legar um tom de vermelho intenso e
profundo, um artigo comercial de propriedade exclusiva das colônias
espanholas durante vários séculos, ainda hoje em uso tanto na alimentação
como na cosmética.
O corante carmesim provém das fêmeas de uma espécie de cochonilha
(Dactylopius coccus), inseto do tamanho de uma unha. A cochonilha é
oriunda das Américas Central e do Sul, e a fêmea, que não tem asas, passa a
vida inteira presa ao mesmo lugar: um cacto cheio de espinhos.
O corante era conhecido dos astecas e maias bem antes da chegada dos
europeus ao novo continente, e estes, ao descobri-lo, desenvolveram uma
tonalidade ainda mais intensa. Uma vez que a cor vermelha era cara e difícil
de produzir na Europa da Idade Média, as cochonilhas secas tornaram-se
um dos produtos mais valiosos das colônias hispânicas, e no seu auge
chegou a competir com a prata em valor de mercado. O carmesim resultava
em tons vermelhos intensos que suportavam a luz solar sem desbotar. Os
famosos “red coats” dos soldados britânicos eram tingidos com carmesim, e
o célebre pintor holandês Rembrandt usava o corante nas suas obras.
Como os insetos secos eram pequenos e leves, e estamos falando de uma
época anterior ao microscópio, durante muito tempo os europeus não
sabiam se o corante vermelho2 provinha de uma planta, de um animal ou de
um mineral. Os espanhóis mantiveram o segredo durante quase 200 anos,
para garantir o monopólio e a enorme receita que os pequenos insetos lhes
geravam.
Hoje em dia, o carmesim provém em grande parte do Peru. O corante, de
código industrial E120, é usado em muitos produtos alimentícios, como
geleias, iogurtes, sucos, molhos, balas e até na bebida Campari. Além disso, é
encontrado em vários tipos de cosméticos, como batons e sombras.

Laca: do verniz à dentadura


O que jujubas, discos de gramofone, violinos e maçãs têm em comum?
Uma substância oriunda de um inseto, é claro. Um produto incrivelmente
útil, do qual você provavelmente nunca ouviu falar. Estamos falando da
goma-laca, uma espécie de resina produzida pela fêmea do besouro-da-laca,
parente da cochonilha que nos dá o carmim. Esse pequeno animal ocorre
em grande número em várias espécies de árvores do Sudeste Asiático.
Algumas fontes sugerem que o nome vem do sânscrito lakh, “cem mil”, e se
refere à enorme quantidade de besouros que se pode encontrar num só
lugar. (Uma breve digressão: a mesma fonte diz que a palavra norueguesa
para salmão, laks, tem a mesma origem e pela mesma razão, dada a
quantidade de peixes que se acumulam nos rios na época da desova.)
Existem várias espécies de besouro da laca, mas a mais comum na
produção da goma-laca chama-se Kerria lacca. Esses besouros pertencem à
ordem dos hemípteros e passam a maior parte da existência com o focinho
en ado no tecido vegetal. Uma vida muito sem graça, você vai dizer, mas
que maravilhas nos deu essa pequena criatura! Um artigo cientí co chega ao
ponto de dizer que “a goma-laca é uma das mais valiosas dádivas que a
natureza nos legou”.
O cultivo dos besouros-da-laca tem uma longa tradição. O inseto é
mencionado em textos hindus de 1200 a.C., e Plínio, o Velho, descreveu-o
como “âmbar da Índia” em seus textos datados de 77 d.C., mas somente no
m do século XII é que os europeus foram conhecer o produto. Inicialmente
como corante, depois como verniz, uma substância que se aplica sobre a
madeira para impermeabilizá-la e deixá-la mais brilhante. Móveis
belíssimos, peças de artesanato de madeira e violinos eram costumeiramente
tratados com goma-laca, mas o produto acabou tendo vários outros usos:
durante cinquenta anos, do nal do século XIX até a década de 1940, era o
principal ingrediente dos discos de gramofone. A goma-laca era misturada
com pó de pedra e bra de algodão para produzir o que na Noruega cou
conhecido como “steinkaker” (bolos de pedra), isto é, discos de 78 rotações
por minuto, pesados e inquebráveis. A qualidade do som era apenas
aceitável, mas os toca-discos pioneiros, também chamados de “talking
machines” (máquinas falantes), zeram enorme sucesso no seu tempo.
Lembre-se de que o rádio não era um aparelho comum: a primeira
transmissão pública só ocorreu em 1910, na cidade de Nova York, e na
Noruega iniciamos as transmissões experimentais apenas em 1923.
Portanto, os gramofones eram a única possibilidade de receber a visita de
uma “orquestra virtual” na sala de estar da casa.
A produção de discos no século XX foi tal que as autoridades norte-
americanas caram alarmadas. A laca também era importante na indústria
militar, inclusive em detonadores e na impermeabilização de munições. Em
1942, o governo dos Estados Unidos ordenou às gravadoras que reduzissem
o consumo de laca em 70%.
Como, então, esses pequenos insetos produzem uma substância com
tantos e tão variados usos — vernizes, pintura, polimento, joalheria,
tingimento têxtil, dentaduras e obturações, perfumaria e cosmética,
isolamento elétrico, selantes, cola para restauração de ossos de dinossauros e
muitas outras aplicações na indústria alimentícia e farmacêutica?
Tudo tem início ainda no enxame. Milhares de pequenas ninfas de
besouros-da-laca assentam num galho que lhes parece apropriado. Com o
focinho, sugam a seiva da planta que é alterada quimicamente no interior do
inseto. Pela extremidade traseira secretam um líquido viscoso e alaranjado,
que solidi ca em contato com o ar. Essa resina sólida torna-se uma espécie
de “telha” sobre um único besouro, mas com o passar do tempo transforma-
se num telhado imenso que pode cobrir todo o galho. Depois de algumas
trocas de pele surgem besouros adultos, que se acasalam e põem ovos, bem
protegidos pela resina alaranjada. Os adultos morrem e dos ovos eclodem
milhares de ninfas que atravessam o telhado de resina e voam em busca de
um novo galho.
Para fabricar a goma-laca é preciso primeiro raspar a resina dos galhos.
Depois ela é ltrada para remover restos de insetos, triturada e posta à venda
— na forma de ocos cor de âmbar ou dissolvida em álcool.
A maior parte da produção atual de goma-laca ocorre na Índia, e
felizmente a produção está a cargo de pequenos proprietários de terra.
Estima-se que três a quatro milhões de pessoas, que de outra maneira não
teriam como se sustentar, mantêm os besouros em cativeiro para
complementar a renda. Além disso, a produção contribui para manter a
biodiversidade natural do hábitat, sobretudo porque as “pastagens” desse
pequeno animal não podem ser pulverizadas com pesticidas — do contrário,
a própria vida do besouro estaria em risco.

Clínica de beleza para peles de pêssego


Você também acha que as maçãs na gôndola do supermercado parecem
deliciosas? Pudera, elas passaram por um tratamento para car com aquela
pele de pêssego, se me perdoa o trocadilho. Maçãs não têm pelos para
depilar, é claro. Mas nós, humanos, eliminamos o revestimento natural das
maçãs quando as lavamos depois da colheita, e sem essa camada protetora
elas rapidamente cariam enrugadas, pareceriam menos apetitosas e
encalhariam no supermercado. Por isso as maçãs precisam ser enceradas
novamente, e aqui entra a laca, uma espécie de creme antirrugas para as
frutas.
Muitas outras frutas e vegetais passam pelo mesmo processo para carem
frescos por mais tempo e parecerem mais apetitosos. Na Noruega, a laca é
utilizada em cítricos, melões, peras, pêssegos, abacaxis, romãs, mangas,
abacates, mamões e nozes. Em 2013, o governo norueguês aprovou o uso da
laca também em ovos de galinha, para deixá-los mais bonitos e brilhantes e
aumentar a durabilidade.
Com o código E904, a laca aparece nas embalagens de produtos
alimentícios na cobertura de jujubas, confeitos, pastilhas e demais
guloseimas. Se essas guloseimas forem produzidas nos Estados Unidos, os
nomes podem variar, mas é a mesma substância: lacca, lac resin, gum lac,
candy glaze ou confectioner’s glaze.
A goma-laca também é utilizada na indústria de cosméticos: em sprays de
cabelo, esmaltes de unha e como aglutinante de rímel e máscara para cílios.
E mais: também é usada para revestir comprimidos. A laca não só deixa a
superfície mais brilhante. Como não é facilmente dissolvida em ácido, pode
ser usada para fabricar comprimidos “temporizados”, que só serão
absorvidos quando chegarem ao trato intestinal.
Depois de termos uma perspectiva das potencialidades desse produto,
talvez não seja exagero dizer que a goma-laca é uma das dádivas mais
valiosas que a natureza nos legou.

2 Em português, essa associação cou marcada no próprio nome “vermelho”, derivado do latim
“vermiculu” (“vermezinho”), a cochonilha. (N. do T.)
CAPÍTULO 8

INSIGHTS DE INSETOS

O velcro é uma invenção genial. É usado em calçados, jaquetas, luvas e


uma in nidade de outras aplicações. Tudo começou com um engenheiro
suíço que estava caçando com seu cachorro. Ele cava incomodado cada vez
que o cão voltava para casa cheio de carrapichos, e passou a examinar
detalhadamente esses engenhosos mecanismos de propagação de sementes.
Pequenos ganchos que se agarram ao pelo dos animais — quem sabe não
seria uma ideia digna de copiar? E assim nasceu o velcro.
Engenheiros e projetistas cada vez mais se inspiram nas soluções que a
natureza lhes apresenta. A natureza teve bilhões de anos para re nar suas
soluções, e a evolução trouxe inúmeras estruturas e funções inteligentes.
Quando se trata de soluções engenhosas, os insetos merecem um lugar de
destaque, porque existem em grande número e são extremamente
adaptáveis. Podemos tomá-los como modelo, como fazemos com as moscas-
das-frutas (p. 143). Podemos mandá-los fazer coisas que não conseguimos,
como rastejar entre escombros de um prédio ou ajudar na decomposição de
plásticos. Talvez eles nos deem novas soluções para a crise dos antibióticos,
para a melhoria da saúde mental de idosos ou mesmo para viabilizar viagens
interplanetárias. Uma coisa é certa: devemos lhes dar o devido valor, porque
eles vão continuar a nos inspirar por bastante tempo.

Biomimética — a natureza sabe o que faz


Segundo a Wikipédia, biomimética “é uma área da ciência que tem por
objetivo o estudo das estruturas biológicas e das suas funções, procurando
aprender com a natureza suas estratégias e soluções, e utilizar esse
conhecimento em diferentes domínios da ciência”.
Existem inúmeros exemplos de biomimética a partir dos insetos. As
libélulas serviram de inspiração para os drones. O besouro-de-fogo, que põe
ovos em brasa depois de um incêndio orestal, é objeto de estudo das Forças
Armadas dos Estados Unidos devido aos sensores de calor que possui no
abdome.
Muitos insetos têm cores que não provêm de pigmentos, mas de
estruturas especiais na superfície, que re etem determinados comprimentos
de onda, resultando em cores metálicas intensas que se alteram conforme o
ângulo de visão, caso das monumentais borboletas azuis das matas sul-
americanas. Conhecendo melhor essas estruturas, poderemos criar cores
que não desbotam, painéis solares mais poderosos e novos tipos de
brinquedos, tintas e cosméticos, ou mesmo cédulas de dinheiro à prova de
falsi cação.

Bafeje nas notas!


O belo Tmesisternus isabellae, que só ocorre numa pequena área da
Indonésia, é um besouro que muda de cor conforme a umidade do ar.
Quando está seco, ele assume um tom dourado com listras verde- -
escuras. Se o tempo mudar e car mais úmido, as microestruturas que dão a
cor ao besouro incham e o dourado se torna vermelho. Recentemente,
engenheiros químicos chineses copiaram esse truque e o aplicaram na
tecnologia de impressão.
Esses engenheiros acreditam que a tinta derivada do besouro pode ser
usada na impressão de cédulas de dinheiro impossíveis de falsi car. Se você
descon ar que a cédula não é verdadeira, é só bafejar nela e veri car se a cor
muda. Adeus, fraudes e golpes.
Só tome cuidado de manter suas cédulas de dinheiro em locais seguros e à
prova de insetos, principalmente nos trópicos, onde os cupins podem
devorar qualquer coisa que contenha celulose, inclusive dinheiro vivo. Na
Índia, os cupins não se cansam de devorar fortunas: em 2008, comeram as
cédulas que um comerciante indiano mantinha em um banco do país; em
2011, mastigaram pilhas e pilhas de notas de rupias no cofre-forte de um
banco. O prejuízo passou de 2 milhões de reais!

Cupinzeiros, construções ecologicamente corretas


Talvez possamos perdoar os cupins por comerem cédulas de rupias se
percebermos o quanto podemos economizar copiando suas soluções
arquitetônicas. Os cupins nos deram excelentes ideias para melhor refrigerar
o ar.
Os enormes cupinzeiros existentes na África erguem-se dezenas de metros
acima do solo e abrigam milhões de indivíduos sociais, de cor branca ou
parda. Apesar do calor escaldante do lado de fora, dentro dos cupinzeiros a
temperatura é sempre agradável. E lá no fundo, talvez um metro abaixo do
solo, está sua majestade, a rainha dos cupins, pondo ovos em velocidade
recorde na sua câmara real bem resfriada e arejada. Ao redor dela, milhares
de jardineiros trazem os fungos preparados na “cozinha” do cupinzeiro,
onde se produzem milhões de refeições. Porém, se os fungos são exigentes e
pedem uma temperatura próxima a 30 oC para se desenvolverem, como os
cupins conseguem regular a temperatura interna do cupinzeiro?
Acontece que um engenhoso sistema de dutos de ar aproveita as
mudanças diárias de temperatura na parte externa para criar uma sucção de
ar ao longo de todo o cupinzeiro. Esse “pulmão arti cial” assegura que o ar
frio e rico em oxigênio seja impulsionado para baixo, enquanto o ar quente,
rico em dióxido de carbono, é expelido pelas chaminés.
Os arquitetos copiaram o design inteligente dos cupins para construir o
Eastgate Centre, um grande prédio comercial em Harare. Um dos maiores
edifícios comerciais da capital do Zimbábue, o centro não conta com um
sistema de ar condicionado qualquer. Em vez de energia elétrica, usa-se a
refrigeração passiva, seguindo os princípios dos cupins. O resultado é que o
prédio consome apenas 10% da energia de um edifício similar com
refrigeração tradicional.

Bananas para um Nobel


Certamente você conhece a mosca-das-frutas, aqueles insetinhos que
chegam a formar uma nuvem quando levantam voo do cacho de bananas na
fruteira da cozinha. São muito irritantes, sim, mas essas pequenas criaturas
de olhos vermelhos são detentoras de nada menos que seis prêmios Nobel!
São também conhecidas como moscas-do-vinagre, mas o nome cientí co
da espécie é Drosophila (aquele que ama o orvalho da manhã), um nome
bem mais poético para criaturas que originalmente vivem em áreas tropicais
quentes e úmidas. Atualmente há espécies da família das drosó las
espalhadas por todo o mundo (exceto na Antártida). Comum a todas elas,
que entram sem ser convidadas nas nossas cozinhas, mesmo na fria
Noruega, é a xação por colocar seus ovos em matéria orgânica apodrecida e
em processo de fermentação, como resíduos de compostagem, frutas
maduras ou mesmo aquele resíduo que sobrou no fundo de uma lata de
cerveja.
Elas se reproduzem numa velocidade acelerada e, claro, são extremamente
irritantes. Bem que gostaríamos que a nossa comida fosse deixada em paz, e
achamos que o lugar dos insetos é lá fora, longe da cozinha, mas esses
insetinhos são mais importantes do que você pensa. A Drosophila
melanogaster é a verdadeira majestade dos laboratórios. Há mais de cem
anos ela tem sido crucial para a realização de pesquisas cientí cas.
As drosó las têm várias características que as tornam perfeitas para as
pesquisas cientí cas: são leves e baratas de manter em laboratório, vivem em
ritmo acelerado e se reproduzem mais rápido ainda. Além disso, temos um
bom controle sobre o material genético dessa espécie, cujo DNA foi inteiro
mapeado em 2000. Sem querer insultar ninguém, posso garantir que seus
genes são mais próximos dos genes de uma mosca-das-frutas do que você
imagina. Um estudo que identi cou genes associados a doenças em
humanos descobriu que 77% desses genes também existiam nas drosó las.
Justamente essa semelhança explica por que pesquisá-las é muito útil para
compreender vários fenômenos, inclusive em humanos.
Essas mosquinhas nos ensinaram muito sobre os cromossomos e sobre
hereditariedade genética, e renderam um Prêmio Nobel a omas Hunt
Morgan, em 1933. Anos depois, submetidas a doses maciças de radiação, as
moscas e Hermann Muller receberam outro Prêmio Nobel (em 1946), por
demonstrarem que a radiação causa mutações e é prejudicial ao material
genético. Em 1995, o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia mais uma vez
foi para os nossos pequenos amigos alados e uma equipe de três pessoas, por
um trabalho abrangente que mostrou como os genes controlam o
desenvolvimento da vida fetal precoce. Em 2004, o prêmio foi para um
trabalho sobre o sistema olfativo das drosó las e, em 2011, sobre seu sistema
imunológico. Em 2017, a mosca-das-frutas recebeu seu até agora último
Prêmio Nobel, por um estudo sobre o “relógio embutido” que controla o
ritmo circadiano dos organismos vivos. Esses prêmios mais recentes são
exemplos de como as pesquisas com as moscas-das-frutas têm um alto grau
de transferência para nós, humanos.
Até o comportamento que mais nos irrita nessas moscas, sua atração por
produtos fermentados, de preferência alcoólicos, tem sua utilidade. A
pesquisa sobre “alcoolismo” em drosó las é séria e importante, e traça vários
paralelos humanos que podem dar um belo mote para conversas numa mesa
de bar. Que tal mencionar que, ao consumir álcool em demasia, a mosca
macho ca carente e sexualmente ensandecida, ao mesmo tempo que suas
chances de acasalar diminuem? Ou dizer que os machos de drosó las que
não obtêm sucesso na conquista de uma parceira buscam consolo afogando
as mágoas em álcool?
Como se não bastasse, as moscas-das-frutas continuam a nos dar novas
informações sobre doenças, como câncer e Parkinson, e fenômenos, como
insônia e jet lag. Portanto, seja minimamente respeitoso ao xingar uma
mosquinha dessas na sua cozinha. Na próxima vez que estiver dando cabo
de uma, pelo menos lembre-se de agradecer a um dos animais mais
importantes da pesquisa biomédica.

Formigas que nos dão antibióticos


A resistência aos antibióticos é um problema grave e não para de crescer.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), bactérias imunes a
antibióticos já são a causa de quase 6 mil mortes a cada ano. Nessa luta, o
estudo da ecologia e da evolução é fundamental, e os insetos contribuem
com suas soluções.
Nesse particular, o destaque vai para as formigas. Elas vivem juntas em
grandes comunidades e contam com uma boa defesa contra bactérias e
fungos para impedir que a colônia inteira seja dizimada. Por isso, as
formigas têm no corpo duas glândulas que produzem antibióticos. Elas
lubri cam a si mesmas e as companheiras com a ajuda das patas dianteiras, e
estudos demonstram que essa atividade aumenta diante da presença de
fungos no ninho.
As saúvas — que levam para casa pedaços de folhas que mastigam e usam
como base para cultivar fungos (p. 80) — têm um desa o ainda maior ante
as ameaças de infecção. Às vezes, outros fungos parasitários tentam se
estabelecer na horta de fungos das formigas. Se tiverem sucesso, podem
matar tanto a colheita quanto as próprias. Elas, portanto, desenvolveram
uma poderosa defesa contra tais intrusos, cooperando com uma bactéria. A
bactéria vive em bolsos especiais no corpo do inseto e produz um
antibiótico que mata os fungos invasores, um trabalho em perfeita sintonia,
aperfeiçoado ao longo de milhares de anos. Isso signi ca que temos boas
oportunidades para encontrar fungicidas e bactericidas e cazes estudando a
colaboração das formigas com as bactérias. Várias descobertas já foram
patenteadas, incluindo um antibiótico e antifúngico desenvolvido a partir
das saúvas chamado Selvamicina. Essa substância age, entre outras
infecções, contra a Candida albicans, uma micose muito comum na forma
de infecção oral ou genital.

Terapia larval
Sempre co feliz quando vejo roupas ou joias com estampas de insetos.
Não é tão frequente, mas aqui e ali vejo uma borboleta ou uma abelha
decorando uma peça de roupa. Mas raramente vejo moscas. Certa vez z um
experimento altamente cientí co: pesquisei na Internet por “joias com
borboleta” e obtive cerca de mil resultados. Escrevendo “mosca” no lugar de
borboleta, o resultado é zero.
Pensamos na mosca doméstica como disseminadoras de doenças, mas
esses insetos podem realmente nos curar comendo nossas feridas infectadas.
Parece repugnante, mas é uma novidade bem antiga. Gengis Khan foi um
imperador mongol do século XI que fundou um império tido como o maior
de toda a história, uma área que se estendia da Coreia à Polônia. E não o fez,
digamos, abusando da diplomacia: naquele tempo, o que valia era a guerra,
brutal e implacável. Diz a lenda que Gengis Khan sempre levava consigo
para a batalha uma carroça cheia de larvas de moscas. As larvas eram
colocadas nas feridas para que cicatrizassem logo e os soldados voltassem à
ativa mais rápido.
Essa terapia larval também foi utilizada nas guerras napoleônicas, na
Guerra Civil Americana e na Primeira Guerra Mundial com grande sucesso.
Depois de descobertas as propriedades fantásticas dos antibióticos, a terapia
larval cou nos livros de história. Nos últimos tempos voltou a ganhar
relevância, não só por causa das bactérias multirresistentes.
As larvas da mosca-dourada (Lucilia sericata) são as mais comumente
utilizadas. Essa mosca é encontrada ao ar livre em boa parte do sul
norueguês. Para o uso medicinal, é importante que as larvas sejam
esterilizadas antes de serem colocadas sobre a ferida, portanto elas são
cultivadas em laboratórios próprios. Costuma-se usá-las dentro de uma
espécie de saquinho de chá, dessa forma impedindo que escapem e se
concentrem fazendo o trabalho que lhes cabe. E o trabalho consiste de várias
etapas. As larvas inibem o crescimento das bactérias, produzindo
substâncias semelhantes a antibióticos e a outras que alteram o pH da ferida.
Além disso, simplesmente devoram o tecido necrosado. Em alguns casos,
descobriu-se também que produzem substâncias que promovem o
crescimento de novos tecidos. As larvas comem apenas tecido morto e pus,
não tocam o tecido vivo ao redor da ferida.
Entre as tentativas mais criativas de usar moscas domésticas está o “Rei da
Larva”, um inglês que no início do século XX achava saudável respirar cheiro
de larvas de moscas. O sujeito tinha tuberculose, mas estava convencido de
que as larvas que cultivava como iscas para suas pescarias eram o que o
mantinha vivo, e fazia questão de compartilhar isso com outros doentes.
Todo verão, portanto, o Rei da Larva recebia toneladas e toneladas de
carcaças de animais mortos, às vezes provenientes até de zoológicos, que
deixava ao relento até que se cobrissem de larvas de moscas. Em seguida, as
transportava em vasos para locais abrigados, que chamou de “magotoriums”
(de “maggot”, larva em inglês). Eram galpões de madeira onde os pacientes
podiam ler, jogar cartas ou apenas jogar conversa fora ao lado de montes de
larvas de moscas e carne apodrecida — era o tipo de empreendimento que
realmente não cheirava bem.
O mau cheiro da fazenda do Rei da Larva podia ser sentido a quilômetros
de distância, e não havia nenhum embasamento cientí co para o negócio.
Embora vários pacientes tenham de fato mostrado evidências de melhora na
saúde após uma visita aos galpões de carne podre, inspirar vapores de larvas
de mosca nunca se tornou exatamente um sucesso comercial, mas talvez o
futuro prove que o Rei da Larva não estava tão errado assim. As larvas de
moscas domésticas provavelmente exalam substâncias gasosas que inibem o
crescimento de um parente da bactéria da tuberculose, uma variante não
patogênica muito usada em experiências. Enquanto as pesquisas não trazem
resultados de nitivos, a rmar que as larvas de moscas não são apenas iscas,
mas também têm ns medicinais, não é história de pescador.
Grilos como animais de estimação
Insetos também podem ajudar a melhorar a nossa saúde mental. É bem
sabido que ter um animal de estimação pode deixá-lo mais feliz e saudável, e
há milhares de anos, em países do Oriente, existe o hábito de ter insetos
como animais de estimação. Especialmente na China e no Japão, é comum
manter grilos em gaiolas, pelo som agradável que produzem, mas no século
XI era muito popular criar grilos de combate. Ainda hoje, campeonatos de
grilos são realizados na China, um dos vários festivais tradicionais chineses
relacionados a insetos.
Entre as crianças japonesas não é raro brincar de capturar (ou, se vivem
na cidade, comprar) besouros machos e organizar lutas entre eles. Estamos
falando aqui de algumas das maiores espécies existentes, com chifres
poderosos ou mandíbulas protuberantes, que os machos usam para lutar. No
Japão, assim como nos Estados Unidos, é comum organizar passeios para
apreciar vaga-lumes dançando pela noite em determinados locais.
Hoje em dia, insetos estão sendo testados como animais de estimação no
cuidado de idosos — na Ásia, é claro. A nal, que mal haverá se os idosos da
Coreia tomarem gosto de cuidar de grilos numa gaiola?
Cerca de cem coreanos de mais de 70 anos foram examinados quanto a
fatores psicológicos, como depressão, percepção, nível de estresse, distúrbios
de sono e qualidade de vida. Em seguida, o grupo foi dividido em dois.
Ambos receberam orientações sobre estilos de vida saudáveis e telefonemas
de acompanhamento semanal, mas apenas um dos grupos recebeu uma
gaiola com cinco grilos canoros. Aqui nos referimos à espécie Teleogryllus
mitratus, um grilo de jardim que vive no Sudeste Asiático, dono de uma
“voz” muito bela e cativante.
Depois de dois meses, os participantes do experimento foram novamente
examinados e entrevistados. Quase todos tomaram afeto pelos seus grilos e,
em um terço deles, cuidar dos insetos contribuiu para melhorar a saúde
mental. Os resultados do teste também mostraram um efeito discreto e
positivo em vários dos fatores medidos — especialmente na redução de
depressão leve e na melhoria da qualidade de vida.
Uma gaiola de grilos é barata e requer poucos cuidados. Os idosos não
precisam levá-los para passear, cortar suas unhas ou aparar o pelo. Ainda
assim, pode ser grati cante car assistindo os grilos passeando e cantando
na gaiola, e ter a obrigação de lhes dar um pouco de comida de quando em
quando. O grilo precisa de um dono, o que é algo muito bom. Cuidar de um
grilo pode ser aquele pouquinho que faltava para dar sentido à vida
cotidiana de pessoas com problemas de saúde, que passam muito tempo em
casa, sozinhas.

Biofilia — amor pela natureza


Felizmente, o interesse por insetos parece estar aumentando também no
Ocidente. Há mais pessoas reparando no zumbido de vespas e abelhões
gorduchos, plantando ores ricas em néctar, construindo “hotéis” para alojar
insetos e construindo colmeias nos jardins. Muitos admiradores de insetos
fazem um trabalho importante procurando e coletando (ou fotografando)
exemplares e identi cando novos lugares onde ocorrem, numa espécie de
caça ao tesouro que tanto rende experiências na natureza como aumenta
nosso conhecimento sobre insetos.
Em vários locais, especialmente de clima tropical, é possível encontrar
borboletários, grandes espaços protegidos por telas onde as borboletas
podem voar livremente e encantar os visitantes. Kjell Sandved, fotógrafo
norueguês que trabalha num museu em Washington, tornou-se
mundialmente famoso por seu abecedário de borboletas — lindos close-ups
de asas de borboleta à guisa de letras do alfabeto. As regiões de invernada da
borboleta monarca no México atraem turistas de todo o mundo – meio
milhão de turistas viajaram à Nova Zelândia em 2016 para admirar os
fungos bioluminescentes no teto da caverna de Waitomo.
Esses fenômenos apontam para algo que o famoso entomologista Edward
O. Wilson alertava: a necessidade que nós, humanos, temos de uma conexão
profunda e próxima com a natureza e com as outras espécies. Wilson
chamou isso de bio lia, o amor pelos seres vivos. Ele sustentava que essa é
uma característica que se desenvolveu e se fortaleceu ao longo da evolução,
pois estar perto da natureza aumenta as chances de sobrevivência. Quem se
dá conta das ores, semanas depois poderá encontrar no lugar delas as
frutas. Quem sabe distinguir entre as espécies que podem ferir ou matar,
aumenta suas chances de car vivo. Muitos acreditam que nossa repulsa a
cobras e aranhas pode estar relacionada a essa adaptação.
Hoje em dia existem mais e mais pesquisas que atestam que a
proximidade da natureza é importante para o bem-estar e para a saúde.
Idosos vivem mais se morarem perto de área verde, independentemente do
status socioeconômico. Estudantes aprendem melhor se tiverem uma
paisagem verde para admirar pela janela. Crianças com transtorno de
personalidade apresentam menos sintomas depois de fazerem atividades na
natureza. Em comunidades de baixa renda, moradores de casas com espaços
verdes experimentam menos violência doméstica em relação aos moradores
de casas com áreas livres pavimentadas.
Quando meus lhos frequentavam a escola primária, eu costumava
passear com a turma pelo riacho próximo durante a primavera. Os
pequenos alunos do quinto ano me encaravam céticos enquanto eu puxava
um funil de metal preso à ponta de uma vara para retirar a lama do fundo
do riacho, e em seguida despejá-la num depósito de plástico branco.
“Argh, você não vai tocar nisso aí, vai?”, resmungavam. Mas aí acontecia
algo fantástico: a lama se depositava no fundo e a vida surgia daquela água.
Juntos, observávamos insetos com dois pares de olhos — um para ver acima
e outro para ver abaixo da água — e conversávamos sobre a bolinha cor de
prata no traseiro de outros, na verdade uma pequena bolha de ar por onde
eles respiravam.
De repente, todas as crianças queriam pegar o funil e o recipiente plástico,
cada uma desejando descobrir com as próprias mãos os insetos mais
estranhos. Num piscar de olhos, esqueciam que acabariam de sapatos
molhados e com as unhas sujas de lama, mas nada disso importava.
Esses dias são parte das boas lembranças que guardo, com a certeza de ter
dado minha contribuição para algo importante.
Mais da metade da população mundial vive hoje em grandes cidades.
Muitos não têm oportunidade de experimentar a vida ao ar livre ou ver de
perto, no próprio hábitat, animais selvagens de grande porte. Felizmente,
perto de áreas populosas, parques e grandes extensões de mata ainda
cumprem seu papel e servem de lar para inúmeros insetos.

Baratas, as melhores amigas do homem?


Com as novas maneiras de viver surgem também novos problemas e
novas oportunidades para tirar partido dos insetos. O trabalho de resgate
em áreas urbanas, nos escombros de um prédio, por exemplo, apresenta
desa os muito especí cos. Nesse cenário, um são-bernardo com um barril
de conhaque preso à coleira não conseguirá cavar coisa alguma. Nosso anjo
da guarda no cenário urbano de hoje em dia pode muito bem ser uma
barata.
Você provavelmente já ouviu alguém dizer que as baratas são as únicas
espécies que sobreviverão a uma guerra nuclear, certo? Esse mito tem
origem no cinema, em lmes de títulos assustadores, como O mundo em
perigo (em!), Possuídos (Bug) ou O crepúsculo das baratas (Twilight of the
Cockroaches), lmes dominados por insetos monstruosos em cenários pós-
apocalípticos, que se alimentam de detritos atômicos, e de belas mulheres de
vestidos vermelhos abandonadas no deserto. Tudo bobagem, é claro, embora
seja verdade que as baratas podem suportar mais radioatividade que nós,
humanos (embora os carunchos suportem ainda mais).
A capacidade que as baratas têm de resistir às adversidades e também sua
força e agilidade podem, na verdade, nos ser muito úteis. Equipe uma barata
com uma mochila cheia de equipamentos de alta tecnologia: microchip,
receptor, transmissor e uma unidade de controle ligada às antenas e aos cerci
(apêndices traseiros). Um microcontrolador, operado a distância, estimula
os cerci com impulsos elétricos, fazendo a barata acelerar acreditando que
algo se aproxima por trás dela. Se o impulso for dirigido às antenas, a barata
acreditará que bateu em algo e mudará de direção. Dessa forma é possível
controlar um exército inteiro de baratas dentro de um prédio em perigo e,
analisando os sinais recebidos, desenhar um mapa do local.
Pode-se também equipar a mochila com um microfone para captar o som
ao redor. Os controladores podem assim escutar ruídos de pessoas
soterradas por terremoto, por exemplo, e, uma vez determinada a
localização da vítima, apressar os trabalhos de resgate.
Então, se você tiver o azar de car soterrado num prédio em ruínas, evite
pisar nas baratas que cruzarem seu caminho. Elas podem ser um sinal de
que o socorro está vindo. Se em vez disso você estiver nos Alpes suíços em
pleno inverno, é melhor recorrer ao são-bernardo. A neve é uma das poucas
condições climáticas que a barata não consegue dominar.

Plástico no menu
A cada minuto uma quantidade de plástico correspondente à carga de um
caminhão de lixo é jogada no mar. A mesma quantidade acaba indo parar
em aterros sanitários, que não param de crescer, pois somos apaixonados
por plástico.
Plástico é um material conveniente e barato. Fabricamos e consumimos
uma quantidade anual de plástico vinte vezes maior que há 50 anos, porém
menos de 10% desse total é reciclado. O restante acaba indo parar em
aterros, em terrenos baldios ou no mar. Um relatório da Fundação Ellen
MacArthur estima que, se isso continuar, em 2050 haverá mais plástico do
que peixes no oceano, isso porque o plástico se decompõe muito devagar na
natureza. Portanto, é uma notícia sensacional a descoberta de que vários
insetos podem digerir e decompor o plástico.
Tome o poliestireno como exemplo. Nunca ouviu falar de poliestireno?
Posso apostar que você já pegou nele, na forma de embalagem de comida ou
de copo para bebidas quentes. O poliestireno, também chamado de isopor, é
justamente um material utilizado para manter alimentos e bebidas
aquecidos. Somente nos Estados Unidos, 2,5 bilhões de embalagens de
poliestireno são descartadas a cada ano — e estamos falando de um material
que não é biodegradável. Isto é, até agora, pois parece que as larvas do
caruncho mastigam o poliestireno como se fosse ração.
Nos Estados Unidos e na China, larvas de caruncho foram alimentadas
com poliestireno em um experimento. Todas pertenciam à espécie Tenebrio
molitor, que também ocorre na natureza no sul da Noruega e pode aparecer
em restos de farinha úmida esquecida no armário por muito tempo. Elas
digeriram o isopor em tempo recorde, as larvas tornaram-se pupas e
resultaram em besouros adultos normais. Ao longo de um mês, 500 larvas
de caruncho chinesas comeram um terço dos 5,8 gramas de isopor que
tinham à disposição, deixando como resíduos um pouco de dióxido de
carbono e de cocô de besouro, que por sinal pode ser utilizado como adubo.
A taxa de sobrevivência de besouros que comeram outros alimentos foi a
mesma daqueles com a dieta de poliestireno, mas não se trata de um
superalimento. Longe disso.
Em outro experimento foram comparados três grupos: as larvas
alimentadas com isopor, outras alimentadas com ocos de milho e outras
que não receberam comida. As larvas que comeram ocos de milho
engordaram 36%, enquanto as que comeram isopor mantiveram o mesmo
peso, um resultado ainda assim melhor do que as pobres larvas que
passaram fome, que perderam um quarto do peso durante as duas semanas
do experimento.
Não são os próprios insetos que fazem o trabalho de decompor o plástico,
mas os bons inquilinos que eles carregam na barriga. Se as larvas recebem
antibióticos que matam a ora intestinal, o plástico deixa de ser degradado.
A decomposição do plástico depende, provavelmente, do esforço combinado
entre o besouro e as bactérias.
É preciso promover mais pesquisas para saber se essa descoberta pode nos
ajudar a combater o problema do plástico nos oceanos, pois os carunchos
não gostam de meter as patas na água e não estão preparados para lidar com
o ambiente marinho. Mas na terra há plástico de sobra, e talvez possamos
contar com a ajuda desses besouros para nos livrar dele.
Os carunchos não estão sozinhos. Há outros insetos que podem
contribuir para solucionar o problema do plástico. A mariposa-da-cera é
considerada uma praga por apicultores porque se alimenta das placas de
cera das colmeias − a cera de abelha tem uma estrutura muito parecida com
outro plástico, o polietileno, o das sacolas de supermercado. Essa mariposa
pode fazer furinhos em sacos plásticos e transformar polietileno em
etilenoglicol, uma substância anticongelante utilizada em motores de
automóveis. Novamente, não é mérito apenas da lagarta, mas de uma
combinação de esforços com as bactérias que habitam seu intestino.
Os pesquisadores estão se debruçando sobre essas novas descobertas para
tentar encontrar um princípio ativo que possa ser produzido em escala
industrial para, em longo prazo, usá-lo a m de nos ajudar a eliminar o lixo
plástico.

Eternamente jovem — o besouro que descobriu a fonte da


juventude
Às vezes, as descobertas cientí cas resultam do mais puro acaso. No m
da Primeira Guerra Mundial, um cientista norte-americano esqueceu
algumas lagartas dentro de uma gaveta.
Quando se estuda assuntos tão diferentes, como estruturas celulares
humanas, o porquê de as mulas serem estéreis e a reação de larvas de moscas
à luz, é natural que a pessoa seja um pouco distraída. Por isso, jamais
saberemos exatamente por que esse pesquisador esqueceu uma caixa com
larvas de besouros dentro da gaveta da escrivaninha do laboratório. A
questão não é o fato de tê-las colocado na gaveta, mas de tê-las esquecido ali,
sozinhas e intocadas, durante cinco meses. Para um besouro como o
Trogoderma glabrum, cujo ciclo de vida do ovo à vida adulta não passa de
dois meses, cinco meses deveria signi car o m da linha. No entanto,
quando o pesquisador encontrou as larvas na gaveta, elas estavam vivas e em
perfeito estado. Mais estranho ainda: elas haviam rejuvenescido! Sim, de
verdade!
Se você se lembra do curso relâmpago de insetos no primeiro capítulo,
sabe que todos eles trocam de pele várias vezes a caminho da vida adulta (p.
22), mas isso normalmente ocorre em única e imutável direção, isto é, de
uma pequena larva para uma larva maior, da mesma maneira como nós,
humanos, evoluímos de recém-nascidos até a adolescência, e não o
contrário. Mas as larvas na gaveta haviam percorrido o caminho oposto —
evoluíram para trás, de um tamanho maior para um menor, de um estado
avançado para um mais simples.
Essa foi uma descoberta revolucionária e nosso amigo distraído se deu
conta disso. Ele as deixou sem comida e descobriu que essas larvas malucas
conseguiam se manter vivas por mais de cinco meses “sem comer uma
migalha sequer”, conforme registrou. Elas simplesmente iam diminuindo de
tamanho porque viviam na direção contrária — passaram do estágio larval
mais evoluído para o mais precoce. E, ainda mais bizarro, quando terminava
essa greve de fome involuntariamente longa e as larvas recebiam comida,
voltavam a evoluir no modo normal e passavam novamente da fase “recém-
nascidas” para a fase “adolescentes”.
Um estudo mais recente, da década de 1970, con rmou essas descobertas.
As larvas do Trogoderma glabrum podem crescer para a frente e para trás,
repetidamente, ainda que a um certo custo, pois mesmo que pareçam
recém-nascidas, uma larva submetida a esse vaivém evolutivo mostrará um
declínio siológico que indicará que terá envelhecido de qualquer maneira.
Além disso, a cada turno ela demora mais tempo para voltar a crescer.
É de revirar a cabeça! E não para por aí: as abelhas melíferas também
podem controlar o processo de envelhecimento.
As abelhas responsáveis por cuidar das larvas na colmeia conseguem se
manter no ápice da juventude por muitas semanas. As operárias, no entanto,
que saem para coletar o néctar, morrem senis ao longo de duas semanas.
Mas, caso uma operária precise assumir o lugar de uma cuidadora, ela
“rejuvenescerá” — conseguirá viver uma vida mais longa no ápice do seu
vigor, uma mudança engenhosa controlada por uma proteína especí ca,
uma espécie de elixir da juventude próprio das abelhas.
O estudo desses insetos pode nos ajudar a compreender o processo de
envelhecimento dos humanos. Poderá nos dar novos insights, por exemplo,
sobre diversas demências e, em longo prazo, contribuir para cuidarmos
melhor dos nossos idosos.

Mosquitos astronautas
Falando em expectativa de vida e envelhecimento, que tal alguns truques
para nos ajudar em viagens interplanetárias? Talvez os insetos possam
também dar sua contribuição nesse assunto. Um mosquito não hematófago
chamado Polypedilum vanderplanki é um verdadeiro aspirante a astronauta e
já sabe como hibernar durante longos períodos.
O mosquito vive na África e sua larva habita poças d’água que secam
constantemente. Porém, enquanto um ser humano pode morrer se perder
14% dos líquidos do corpo, e a maioria dos organismos suporta uma perda
de no máximo 50%, a larva desse mosquito tolera uma desidratação de até
97%! No estágio mais seco, essas larvas aguentam todo tipo de provação:
você pode cozinhá-las, mergulhá-las em nitrogênio líquido, embebê-las em
álcool, expô-las à radiação cósmica durante anos ou apenas deixá-las quietas
— o recorde de sobrevivência até hoje é de 17 anos.
Quando é chegada a hora de despertar, é só adicionar água e zás! Elas
incham igualzinho àqueles pedacinhos de carne de sopas instantâneas e
voltam ao tamanho normal. Uma hora depois estarão se alimentando como
se nada tivesse acontecido.
A larva do mosquito pode, assim, entrar em estágio de animação suspensa
e car entre a vida e a morte, aparentemente sem sofrer dano algum. A
única coisa de que precisa é um tempo para se preparar. A chave para
sobreviver é substituir a água do corpo por um tipo de açúcar cha- mado
trealose. Este açúcar tem apenas metade do dulçor do açúcar comum e
existe em baixas concentrações no sangue dos insetos. Aliás, ele é assim
chamado em alusão às secreções larvais de um gorgulho encontrado no Irã,
chamado trehala no idioma persa, amplamente usado na medicina
tradicional local.
Quando o mosquitinho acha que os tempos de estiagem estão por vir,
começa a fabricar mais trealose no corpo, aumentando o teor dela no sangue
de 1% para 20%. O açúcar protege as células e as funções do corpo de várias
maneiras.
Existem vários organismos que dominam a arte de ser um morto-vivo —
incluindo bactérias, fungos (fermento seco, por exemplo!), lombrigas,
tardígrados e tatuzinhos-de-jardim. O interessante é que eles não usam as
mesmas técnicas. Nos tardígrados (ou ursos d’água), por exemplo, não há
acúmulo de trealose.
Se pudermos entender o que exatamente determina a mudança para o
estado de animação suspensa, podemos usar o mesmo processo para
preservar células, tecidos ou até mesmo indivíduos desidratados. Quem sabe
encontraremos num mosquitinho africano a chave para viagens
interplanetárias no futuro.
Abelhas-robôs
Enquanto esperamos que os insetos nos ajudem a viajar pelas estrelas, que
tal ajudá-los a passear entre as ores? Quem sabe eles nos ajudem a polinizá-
las em contrapartida... Para isso já existe, sim, abelhas-robôs. Pelo menos em
laboratório. Na forma de um pequeno drone, decorado com pelos e uma
na camada de gel elétrico para que possam carregar o pólen. Foram
testados pelos de cavalo, de bra de carbono e de náilon de uma escova de
rímel (sim, é sério). Embora o cavalo não seja exatamente conhecido por ser
um animal polinizador, seu pelo parece ser o que funciona melhor. Com
isso, a versão 0.1 da abelha-robô cou pronta para o teste. Na Internet você
pode assistir a um vídeo do drone voando de um lírio para o outro no
laboratório japonês onde foi criado. Um voo um tanto desajeitado, é
verdade, mas pilotagem de drone não é disciplina curricular na universidade
— ainda.
O uso mais imediato desses drones vai para as plantas alimentícias
dependentes de polinização em estufas. Com isso, poderemos limitar o uso
de espécies de abelhas naturais, que tendem a escapar das estufas e se
espalhar na natureza. Por enquanto, as abelhas-robôs não são muito e cazes,
pois precisam ser controladas manualmente. As baterias precisam ser
recarregadas a todo instante, mas talvez no futuro possam navegar
autônomas, com a ajuda de GPS ou controladas por inteligência arti cial,
equipadas com baterias de longa duração.
Mesmo assim, vamos acreditar que nosso mundo não será obrigado a
recorrer à mecânica moderna para substituir os recursos in nitamente
avançados da natureza. Mais de 20 mil espécies diferentes contribuem para a
polinização de ores silvestres e plantas cultivadas, e as pesquisas mostram
que a polinização é mais e caz tanto maior for a variedade de espécies, cada
uma com sua especialização. Sabemos que a interação entre inseto e or vem
sendo namente ajustada ao longo de mais de cem milhões de anos, e que a
polinização da natureza é muito mais complexa e engenhosa do que
qualquer coisa que possamos copiar. É mais fácil e mais barato cuidar das
soluções que a natureza nos oferece.
Quando se trata de obter novos insights de insetos antigos, tenha em
mente que jamais saberemos quais espécies serão úteis. Carunchos, moscas-
das-frutas, baratas, formigas ou mosquitos.
Nós, humanos, somos rápidos em distinguir espécies de acordo com o
grau de utilidade ou de transtorno que nos causam, e queremos nos ver
livres daquelas que se encaixam neste último grupo. Mas a natureza é algo
delicadamente inter-relacionado e, à medida que aumentamos o
conhecimento dela, não cessamos de fazer novas e so sticadas descobertas.
Há uma razão pela qual é tão importante cuidar da natureza e de todas as
espécies que existem, quer as percebamos como úteis ou não.
CAPÍTULO 9

OS INSETOS E NÓS NO FUTURO

O planeta dos insetos está em transformação. Os ecossistemas da Terra


mudaram mais rapidamente nos últimos cem anos do que em toda a história
da humanidade. Bem mais da metade da superfície da Terra foi modi cada
pela agricultura, pecuária e desmatamento, e os números não param de
crescer. Isso signi ca que os hábitats desapareceram e que os restantes são
poucos, menores e isolados. Por causa do represamento e da irrigação
arti cial, cada vez mais saturamos os recursos de água doce do planeta. Já
produzimos e descartamos tanto plástico que, na forma de microplásticos,
estarão presentes na Terra durante várias gerações futuras. Todos os anos
despejamos na atmosfera e nos rios, lagos e mares quantidades enormes de
resíduos químicos, inclusive pesticidas que matam insetos, para assegurar
nossas safras agrícolas. Mudamos espécies de lugar, consciente e
inconscientemente. Duplicamos a quantidade de nitrogênio e fósforo no
solo com o uso de fertilizantes, e as emissões de CO2 são as maiores em
dezenas de milhões de anos, resultando em mudança do clima.
Tudo isso afeta os insetos, e o que afeta os insetos também afeta a nós. A
diminuição na quantidade e a extinção de espécies de insetos re etirão nos
ecossistemas, como círculos expandindo-se na superfície de um lago, e ao
longo do tempo isso terá grandes consequências, na medida em que
interfere em funções ecológicas básicas.
Uma coisa é certa: nunca seremos capazes de erradicar todos os insetos,
felizmente, mas podemos tirar proveito do que nos possibilitam nossos
pequenos amigos alados. Mesmo com 479 milhões de anos de evolução, eles
agora correm risco.
Conhecemos apenas uma pequena fração de todas as espécies de insetos
existentes, e das espécies conhecidas dispomos de poucos dados de
monitoramento con áveis. Uma estimativa, no entanto, sugere que um
quarto de todos os insetos do mundo podem estar ameaçados de extinção.
Um ponto importante nesse contexto: é tarde demais para se importar
quando uma espécie está à beira da extinção. Uma espécie deixa de ser
funcional no ecossistema muito antes de o último indivíduo morrer, por isso
é tão importante não virar o rosto de lado diante da erradicação, mas
também estar atento à redução global do número de indivíduos. Muitos
dados sugerem que o número de insetos está declinando. Na Alemanha, a
quantidade total de insetos capturados em mais de 60 locais em todo o país
diminuiu 75% em pouco menos de 30 anos. Estimativas sugerem que
enquanto nós, humanos, duplicamos nossa população nos últimos 40 anos,
o número de insetos foi reduzido a quase metade. São números dramáticos.
Por que a quantidade de insetos diminui? Não é fácil dizer, pois as
respostas são muitas e estão relacionadas. Mas a agricultura e a silvicultura
intensivas, o uso de pesticidas, a degradação ambiental e a redução de áreas
naturais remanescentes, associadas às mudanças climáticas, são fatores
determinantes.
O que acontecerá quando nossa demanda por mais áreas de crescimento e
de recursos aumentar e a população de insetos declinar, com a extinção de
espécies e a mudança no comportamento daquelas remanescentes?
Suponhamos que o mundo seja como uma rede de dormir. Todas as espécies
do planeta e suas vidas são os dessa rede, e a soma desses os compõe o
tecido no qual nós, humanos, estamos deitados. Os insetos são muitos, e por
isso mesmo compõem boa parte do tecido dessa rede. Quando reduzimos
populações e erradicamos espécies de insetos, é como se estivéssemos
puxando os desse tecido. Tudo bem se aparecer um buraquinho aqui ou
um o solto ali, mas se forçarmos demais a rede irá necessariamente romper,
e com isso nosso bem-estar e nossa prosperidade estarão arruinados.
Mudanças muito grandes nas comunidades de insetos podem criar uma
destruição cujas consequências ninguém pode prever. Não sabemos, de fato,
o futuro que nos espera — apenas que será muito diferente. Corremos o
risco de viver num mundo muito pior, porque os desa os de obter água
limpa, comida su ciente e boa saúde para todos serão ainda maiores do que
hoje.
Para concluir, vejamos alguns outros desa os, alguns exemplos que
ameaçam a vida dos insetos, local e globalmente.
Primeiramente, o uso que fazemos da terra. É, sem dúvida, a ameaça mais
grave. Usamos as áreas agricultáveis de forma cada vez mais intensiva e isso
signi ca menos hábitats. Há menos áreas de orestas tropicais, menos
canteiros de ores nas lavouras e mais áreas densamente povoadas nas
cidades. Há menos áreas de oresta natural, nas quais árvores velhas e
mortas cumprem seu papel de abrigar a diversidade de insetos. Tudo isso
também signi ca mais luz arti cial, que afeta o comportamento de diversas
espécies de insetos.
Em segundo lugar, mudanças climáticas. Um planeta mais quente, mais
úmido e com cenários mais extremos é o que temos pela frente, mas o que
signi cam essas mudanças para os insetos?
Em terceiro lugar, desa os relacionados aos pesticidas e às novas técnicas
de engenharia genética. Um campo imenso, com muitas perguntas ainda
por responder.
Por último, a introdução de espécies exóticas e seu efeito sobre os insetos.
Como lidar com “pecados antigos” nessa área? É possível reverter o que foi
feito e isso seria uma prioridade? Ao mesmo tempo que exterminamos as
espécies, as mudanças que causamos ao planeta também criam espaço para
o surgimento de novas espécies, impulsionadas pela dinâmica da evolução.
Até que ponto a natureza suportará isso e como devemos olhar para nós
mesmos no contexto de milhões de outras espécies?

O sapo que você não quer beijar


Nas orestas da América do Sul vive uma rã venenosa dourada
extremamente tóxica. Seu nome cientí co não deixa dúvidas: Phyllobates
terribilis. Não é o tipo de sapo que você vai querer beijar para encontrar um
príncipe encantado. Se insistir, você certamente morrerá em poucos
minutos. Estamos falando de uma das neurotoxinas mais poderosas que
conhecemos, a batracotoxina. Uma rã dessas contém cerca de um miligrama
de veneno, mais ou menos o peso de alguns grãos de sal, o bastante para
matar dez homens adultos. Vale também mencionar que não existe antídoto
contra ele.
Essa pequena rã, do tamanho de uma ameixa, era muito comum em
trechos da oresta tropical colombiana. Os nativos locais costumavam
passar a ponta das suas echas no dorso da rã para infectá-las com veneno
su ciente para matar qualquer alvo que atingissem.
A indústria farmacêutica apropriou-se do veneno encontrado nas
rãzinhas douradas da oresta tropical. Os primeiros testes indicaram que,
em doses adequadas, o veneno era um analgésico extremamente e caz.
Além disso, como afeta o transporte de sódio entre as membranas celulares,
o veneno também pode ser importante para compreendermos uma série de
doenças correlatas, como a esclerose múltipla. Alguns exemplares foram
capturados para pesquisas mais aprofundadas, e adivinhe o que aconteceu
quando levaram as rãs para o laboratório... Elas haviam deixado de ser
venenosas.
A natureza é mais insondável do que imaginamos. A rã não é venenosa,
mas fabrica o veneno desde que esteja vivendo no seu hábitat natural. Por
quê? Depois de uma investigação sherlockiana, agora sabemos que o veneno
provém de uma dieta de — você já sabe, claro, a nal este é um livro sobre
insetos — besouros! Um besouro da família Melyridae. Portanto, a rã só é
venenosa quando come um determinado tipo de besouro no seu hábitat
natural.
O desmatamento da oresta tropical fez com que a rãzinha amarela fosse
parar na lista vermelha global de espécies ameaçadas de extinção. Uma luta
desesperada para salvar a espécie está em curso, mas as boas notícias são
poucas. Além do desaparecimento de hábitats, o comércio de carne de rã
disseminou uma doença causada por um fungo (conhecido como Bd) que
está dizimando rãs, sapos e salamandras por todo o planeta — um terço
dessas espécies corre o risco de sumir do mapa. Em breve não haverá mais
rãs venenosas douradas, nem possibilidade alguma de pesquisar mais a
fundo as substâncias que produzem.

Uma paisagem mais variada terá mais insetos


Se quisermos manter a chance de encontrar princípios medicinais ativos,
devemos cuidar dos hábitats dessas espécies. Proteger extensões de território
com natureza intocada é uma maneira importante de assegurar a existência
desses hábitats, seja na oresta tropical, seja no extremo norte da Europa, na
Noruega. Alguns insetos são tão especializados e precisam de hábitats tão
singulares que não conseguem sobreviver na paisagem urbana, moderna e
modi cada, daí a necessidade crucial de criar reservas naturais e outras
áreas de preservação caso queiramos assegurar sua existência.
Mesmo fora das áreas de conservação, é importante manter o máximo
possível de biodiversidade na paisagem natural. Nos bosques, isso signi ca
garantir que haja árvores velhas e mortas su cientes, uma vez que a madeira
morta é fundamental para manter a oresta viva. E também para abrigar
uma grande parte das espécies da oresta, incluindo insetos que servem de
decompositores, polinizadores, disseminadores de sementes, alimento para
outros animais e controladores de pragas. Ainda que gradativamente haja
mais madeira morta nas orestas norueguesas, a quantidade é inferior a um
quinto do que encontramos em áreas correspondentes de orestas naturais
não afetadas pela exploração madeireira.
Também na agricultura e nos nossos cenários urbanos podemos obter
muitos resultados com recursos simples, que ao mesmo tempo ajudam a
embelezar o nosso entorno. Criando um cinturão de árvores e arbustos entre
quarteirões e prédios, por exemplo, ou canteiros ao longo de vias, inclusive
com oreiras e árvores frutíferas. Ou, ainda, preservando um vasto território
com árvores de carvalho, inclusive de troncos ocos. Uma paisagem variada
oferece muito mais oportunidades para insetos de várias espécies, e isso
contribui para a polinização tanto de ores silvestres como de frutas e
hortaliças, pois não dependemos apenas das abelhas para uma polinização
boa e e caz. Trata-se de um trabalho em equipe, com vários atores. Com
frequência, moscas, besouros, formigas, vespas e borboletas costumam ser
polinizadores menos e cazes que as abelhas e espécies relacionadas. Mas
isso é compensado pelo fato de que, no total, aquelas espécies acabam
visitando mais ores, porque são mais numerosas. Algumas dessas “não
abelhas” também podem ter hábitos únicos e adaptações perfeitamente
sintonizadas para realizar uma polinização e caz.
Dados de dezenas de pesquisas em lavouras de colza, melancia, manga,
morango e maçã em cinco continentes nos permitem concluir que as safras
tiveram melhor rendimento e resultaram em produtos agrícolas de maior
tamanho em lavouras visitadas também por outras espécies de insetos,
independentemente da quantidade de abelhas que havia por lá. Isso mostra
que esses outros insetos dão sua contribuição singular e trazem benefícios
que só as abelhas não conseguem nos oferecer. Também existem diferenças
na maneira como diferentes insetos reagem às mudanças na paisagem, e isso
é vantajoso para nossa produção de alimentos. A soma de todos eles age
como um tipo de polinizador: se alguma espécie não é capaz de fazer o
trabalho, outra pode assumir o posto e realizá-lo.
Sabemos que uma biodiversidade preservada torna os ecossistemas mais
e cazes na captura de recursos, como água e nutrientes, aumentando a
quantidade de biomassa, uma informação fundamental quando sabemos
que essa biomassa é justamente o fator mais importante para a produção
daquilo que servimos à mesa. Também sabemos que a biodiversidade é
fundamental para decompor a biomassa, de modo a liberar os nutrientes e
permitir novas colheitas.
Tem cada vez mais apoio a ideia de que uma biodiversidade bem
preservada pode deixar os ecossistemas mais estáveis ao longo do tempo. Os
mecanismos são vários, uma vez que espécies diferentes possuem
características diferentes. Onde uma espécie cresce melhor em verões
frescos, outra pode prosperar quando o sol incide com mais força. Quando
as espécies recrudescem ou são extintas, a natureza empobrecida nos deixa
menos preparados para enfrentar tanto as oscilações naturais quanto as
mudanças provocadas pelo homem — por exemplo, no clima.
Não é fácil quanti car o auxílio que os insetos nos dão, mas assim mesmo
várias pessoas já tentaram. A polinização que fazem a cada ano,
globalmente, é estimada em US$ 577 bilhões em todo o mundo. É quase
cinco vezes o orçamento estatal da Noruega. A decomposição de matéria
orgânica e a recomposição do solo valem, segundo estimativas, quatro vezes
mais que a própria polinização. Embora esses números dependam de vários
fatores e sejam bastante incertos, eles mostram que o trabalho dos insetos
vale cada centavo e vale a pena cuidar bem deles.

Uma luz problemática


O fato de nós, humanos, nos espalharmos por partes cada vez maiores do
globo acarreta também algumas consequências que passam despercebidas
no nosso dia a dia, como a poluição luminosa, isto é, a quantidade de luz
arti cial externa produzida por lâmpadas de rua, casas, cabanas e edifícios
industriais. A poluição luminosa aumenta 6% ao ano e interfere nos nossos
ecossistemas, inclusive de insetos.
Todos nós sabemos que mariposas são atraídas pela luz. O motivo ainda é
objeto de discussão. A teoria principal diz que as mariposas confundem as
lâmpadas com a luz da lua, e procuram se orientar a partir de um ângulo
xo em relação à fonte luminosa. Enquanto esse sistema de orientação
funciona bem com a lua, que está a milhares de quilômetros de distância, a
luz arti cial representa uma armadilha para as mariposas, que voam em
círculos, desorientadas, e acabam morrendo queimadas.
A iluminação de rua pode alterar a composição local de insetos. A luz
arti cial re etida por superfícies brilhantes também pode confundir insetos
terrestres que depositam seus ovos na água. Onde vemos um carro
estacionado sob um poste, a libélula só vê a luz re etida na lataria, pensa que
se trata de um lago e ali mesmo põe toda sua produção de ovos — no seco,
onde jamais eclodirão.
O que acontecerá com os insetos no longo prazo? Será que a poluição
luminosa pode causar uma mudança de comportamento nos insetos, que
passarão a evitar a luz? Para testar essa hipótese, cientistas suíços
compararam mil larvas da mariposa Yponomeuta cagnagella, metade delas
em áreas urbanas e metade em zonas rurais. Todas elas passaram a infância
sob as mesmas condições de luminosidade, em laboratório. Imediatamente
após eclodirem dos ovos, no começo da noite, as larvas foram liberadas em
uma grande gaiola feita de tela, com uma fonte de luz no lado oposto.
Depois foi só esperar a noite passar para conferir se ambos os grupos de
mariposas foram atraídos pela luz na mesma medida. O resultado foi claro:
cerca de 30% das mariposas da cidade eram menos atraídas pela luz. Isso
sugere que insetos noturnos que viveram geração após geração em
ambientes arti cialmente iluminados já se adaptaram à luz arti cial. A nal,
não faz sentido um enxame de mariposas voando ao redor de um poste para
morrerem queimadas ou comidas por predadores que já sabem onde o
banquete é servido. O desprezo da maior parte das mariposas urbanas pela
luz no experimento pode ser resultado da pressão evolucionária.
Por um lado isso é bom, pois elas estão driblando a morte certa. Por outro
lado, pode ter consequências negativas no longo prazo, pois há um preço a
pagar: ao evitar a luz, as mariposas urbanas passam mais tempo pousadas.
Consequentemente, a luz arti cial em áreas urbanas altera o papel dos
insetos no ecossistema. Insetos noturnos terão mais di culdade de capturar
presas que passam a maior parte do tempo escondidas ou imóveis. Flores
ativas à noite deixarão de ser polinizadas por insetos menos ativos. Sendo
assim, é importante restringir a poluição luminosa e, especialmente, tentar
manter a luz arti cial longe de áreas naturais que ainda não tenham sido
afetadas.
Mais quente, mais úmido, mais extremo — e os besouros
com isso?
Sabemos que estamos diante de um futuro no qual o clima será diferente,
e isso afetará os insetos direta e indiretamente.
Um desa o que se apresenta é a ruptura da sintonia na entre as
diferentes espécies. Percebemos que muitos processos, como o retorno de
aves migratórias às regiões de origem, a decídua ou a oração da primavera,
são deslocados no tempo. Eventos diferentes nem sempre se deslocam em
sincronia, e este é um grande desa o. Se as aves insetívoras se reproduzirem
muito tarde ou cedo demais em relação ao pico de incidência de insetos,
pode faltar comida para os lhotes no ninho. Da mesma maneira, a
dispersão de sementes de plantas dependentes de insetos para se
reproduzirem será afetada, caso oresçam numa época em que os enxames
de insetos já não ocorram.
Uma estação particularmente difícil é a primavera, sobretudo diante de
“alarmes falsos”, prenúncios da estação que ocorrem cedo demais e não se
con rmam, despertando insetos adultos da hibernação, atraídos pelo calor e
em busca de comida. Quando o gelo retornar, esses insetos sofrerão com o
frio e com a fome, uma vez que sua proteção térmica é insu ciente e sua
reserva energética também.
Observamos que muitos insetos tentam acompanhar as mudanças
climáticas. Seus hábitats podem se deslocar e as espécies podem não
acompanhar essa mudança; em vez disso, sua área de distribuição acaba
diminuindo. No caso de libélulas e borboletas, já se demonstrou que muitas
espécies se tornaram menos difundidas e migraram para o norte.
Examinando mapas de distribuição das várias espécies de libélulas e
mariposas, veri camos que boa parte delas, especialmente as mais escuras,
desapareceu do sul da Europa e procurou refúgio mais ao norte do
continente, onde o clima é mais frio. Para os abelhões, simulações indicam
que corremos o risco de algo entre 10% e metade das 69 espécies europeias
até o ano 2100 devido às alterações climáticas.
No norte europeu, o clima alterado faz aumentar a prevalência de lagartas
que se alimentam de folhas, impondo uma enorme pressão às orestas de
bétulas, deixadas nuas no tronco. Ao longo de uma década, uma verdadeira
epidemia de mariposas causou danos consideráveis às orestas de bétulas na
região de Finnmark, extremo norte da Noruega. As epidemias têm efeitos
que se propagam por todo o sistema — nutrientes, vegetação e vida
selvagem são afetados.
Junto com pesquisadores da Universidade de Tromsø e da Universidade
de Ciências Biológicas da Noruega eu pude testemunhar como a depredação
causada pelas mariposas afeta um grupo diferente de insetos, os besouros
que ajudam a decompor os troncos das bétulas, possibilitando a reciclagem
de nutrientes. Nossos resultados indicam que o ataque das mariposas acaba
por matar as bétulas rápido demais para que os besouros tenham tempo de
fazer o seu trabalho. Eles simplesmente não conseguem responder à súbita
abundância de comida com um correspondente aumento de indivíduos.
Quais serão os efeitos disso no longo prazo não sabemos, e isso ilustra um
ponto fundamental: não temos ideia das consequências que o contínuo
aumento da temperatura terá no ecossistema do norte europeu, mas é óbvio
que as mudanças serão dramáticas.
Uma vez que me dedico a estudar insetos em carvalhos antigos e ocos, me
pergunto como a alteração climática afetará os besouros que vivem neles.
Alguns anos atrás, meu grupo de pesquisa, junto com pesquisadores suecos,
consolidou uma enorme quantidade de dados sobre as comunidades de
besouros e a ocorrência de carvalhos em todo o sul da Suécia e da Noruega.
Os carvalhos ocorrem em locais de clima diverso, de tal forma que sua
distribuição corresponde em boa parte aos cenários previstos com as
mudanças climáticas. Usamos isso para analisar as diferenças nas
comunidades de besouros, para descobrir como um clima mais quente,
úmido e extremo poderá afetar essas comunidades únicas num futuro
próximo.
No nosso estudo, descobrimos que climas mais quentes são bons para
espécies mais especializadas e peculiares. Infelizmente, essas espécies
também respondem de forma negativa a uma maior incidência de chuva.
Isso signi ca que as mudanças climáticas di cilmente trarão melhores
condições para esses insetos em particular. As espécies mais comuns, ao
contrário, mostraram pouca resposta ao clima no nosso estudo.
Isso con rma um padrão que é consistente ao longo do nosso tempo, não
apenas em face da mudança climática, mas também no geral: as espécies
endêmicas e únicas estão sob risco, e as espécies mais comuns passam bem.
Assim, uma série de espécies raras e de localizações muito especí cas está
regredindo, enquanto outras, poucas e mais bem distribuídas, tornam-se
ainda mais comuns. A isso damos o nome de homogeneização ecológica: as
mesmas espécies vão sendo encontradas em todos os lugares, e a natureza
vai se tornando cada vez mais semelhante.

Inseticidas e engenharia genética: devemos e ousaremos?


Todos os anos, aspergimos grandes quantidades de substâncias químicas
deliberadamente com o propósito de exterminar insetos. É para isso que
servem os inseticidas usados na agricultura, em casas e jardins particulares.
Muitos acreditam que o uso intensivo de pesticidas agrícolas é o preço que
temos de pagar para alimentar uma população cada vez maior por meio da
agricultura industrial. Outros dirão que devemos agir de maneira mais
ecológica e usar as ferramentas que a natureza nos oferece, mesmo que isso
implique uma redução das lavouras e das colheitas.
É uma discussão muito extensa para este livro, mas é fato que há uma
evidência grande e crescente de que neonicotinoides, um grupo de
inseticidas amplamente usados, têm uma série de efeitos adversos. Esses
pesticidas afetam tanto a navegação quanto a defesa imunológica de abelhas
melíferas e silvestres, e pode ser uma das razões para que essas espécies
estejam em franco declínio.
Recentemente, nós, humanos, ganhamos uma ferramenta nova na luta
contra os insetos que nos são prejudiciais. Estou falando da manipulação
genética, em particular de um método mais conhecido pelo enigmático
nome de CRISPR/Cas9. O método funciona como uma tesoura que pode
“recortar” sequências genéticas e eliminar ou alterar o DNA de certos
organismos. Esse método pode ser associado a outro, que chamamos de
acelerador genético, para garantir que a mudança seja rapidamente herdada
por todos os descendentes.
A malária é causada por um pequeno parasita e disseminada por
mosquito que pica uma pessoa infectada e o transmite para outra, sadia, ao
lhe sugar o sangue. Anualmente, morrem de malária cerca de meio milhão
de pessoas, a maioria com menos de 5 anos. Ainda assim, é bem menos do
que há apenas quinze anos, graças a medidas simples, como o uso de
mosquiteiros repelentes. Agora temos à disposição uma ferramenta que,
num cenário mais extremo, pode erradicar o mosquito da malária de uma
vez por todas. Isso pode ser alcançado por meio da esterilização maciça das
fêmeas ou garantir que os descendentes do mosquito sejam todos do mesmo
sexo.
A pergunta atual, debatida pelo Conselho Norueguês de Biotecnologia em
vários fóruns, é se nós devemos e ousaremos dispor de tal recurso na
natureza. Sabemos muito pouco sobre os desdobramentos desse recurso.
Não sabemos, por exemplo, quais serão os efeitos nos ecossistemas. E se, ao
erradicarmos uma espécie, uma outra assumir seu papel de vetor na
disseminação de doenças? Por tudo que sabemos, pode ser ainda pior que o
cenário original.
Outra questão é se esse recurso pode levar a mutações indesejáveis, com
consequências que sequer sonhamos. Cenários de terror, como a esterilidade
espalhando-se para outros organismos, não podem ser descartados. O
importante aqui é “apressar-se lentamente”, como se diz na Noruega, ou seja,
proceder com extremo cuidado. Antes de recorrer a novas ferramentas de
engenharia genética para alterar geneticamente ou erradicar insetos que
disseminam doenças graves, devemos nos prevenir melhor contra
consequências indesejáveis.

O fim dos abelhões gigantes


Nós, humanos, já mudamos muitas coisas neste planeta. Algumas,
entretanto, não podemos mudar, como a extinção, pelas mãos dos nossos
ancestrais, da maioria dos animais de grande porte há dezenas de milhares
de anos, de continente a continente. Lá se foram o mamute, o tigre-dentes-
de-sabre e a preguiça gigante. Junto com eles provavelmente desapareceu
uma grande variedade de insetos, associados a esta megafauna de diversas
maneiras, mas dos quais não sabemos quase nada.
Outras mudanças ocorreram em datas mais recentes. Na época das
grandes navegações, marinheiros levavam gatos, ratos e outros predadores
para as ilhas onde se aventuravam e lá os deixavam à própria sorte. As
espécies nativas, indefesas diante desses novos inimigos, não tinham tempo
de se adaptar.
Continuamos a transportar espécies em ritmo acelerado. Algumas vezes
desavisadamente, outras vezes de propósito, como foi o caso do abelhão
Bombus terrestris, introduzido na América do Sul para melhorar a
polinização de pomares e estufas. Ele se espalhou rapidamente e tomou o
lugar da espécie endêmica, Bombus dahlbomii, provavelmente ao infectá-la
com parasitas para os quais não tinha defesa. O Bombus dahlbomii é o maior
abelhão do mundo, carinhosamente descrito pelo especialista Steve Goulson
como um “monstro fofo, de cor ruiva e aparência aveludada”. Logo ele
desaparecerá para sempre.
Então, o que vamos fazer com espécies exógenas que ameaçam espécies
locais e únicas? São perguntas importantes, difíceis e urgentes, que precisam
ser debatidas em sociedade. Em alguns lugares, como na Nova Zelândia, é
preciso agir imediatamente. Lá o governo lançou, para eliminar ratos,
gambás e arminhos, espécies exógenas que matam cerca de 25 milhões de
pássaros a cada ano.
Muitas outras nações insulares sofrem com o mesmo problema. Esse
desa o pode ser ilustrado com um relato australiano sobre o bicho-pau que
se acreditava extinto devido a uma invasão de ratos-pretos, porém foi
redescoberto vivo décadas mais tarde.

Erradicar os ratos?
No dia 15 de junho de 1918, o vapor SS Makambo, carregado de frutas e
vegetais, encalhou ao largo da ilha Lord Howe, no meio do Pací co tropical,
um território do extremo leste australiano, cujos poucos habitantes estavam
isolados do continente principal por mais de 600 quilômetros de mar. Nesse
relato não há os que morreram, mas os que de fato alcançaram a terra rme:
os ratos. Ao longo dos nove dias que levou o conserto do navio, um número
desconhecido de ratos-pretos conseguiu nadar até a ilha Lord Howe, que se
mantivera isolada no mar durante milhões de anos. Ali espécies únicas
evoluíram; espécies jamais encontradas em qualquer outro lugar do mundo.
Mas os ratos não foram lá para relaxar na praia. Lembra-se do livro A
lagartinha esfomeada que mencionei anteriormente? Ela, que comia uma
maçã na segunda-feira, duas peras na terça e terminava engolindo laranjas,
salsichas inteiras, sorvete e bolo de chocolate antes do m de semana
chegar? Foi mais ou menos isso que zeram os ratos na ilha Lord Howe, que
devoraram não um exemplar, mas espécies singulares inteiras, uma atrás da
outra. Durante os primeiros anos, estima-se que os ratos deram cabo de pelo
menos 5 espécies de pássaros e 13 animais de pequeno porte desconhecidos
em outras partes do mundo.
Um desses animais era o bicho-pau gigante, igualzinho àqueles insetos
amarronzados que parecem um graveto seco. Mas este não era um graveto
seco. Era um inseto muito especial, o mais pesado da sua espécie, do
tamanho de uma salsicha, escuro, brilhante e sem asas, apelidado de “tree
lobster”, isto é, “lagosta arbórea”. Ou Dryococelus australis, se quiser
enriquecer seu latim. Esse inseto, como se viu, foi um verdadeiro banquete
para os ratos esfomeados. Já em 1920, a espécie foi declarada extinta, um
efeito colateral atrasado do naufrágio ocorrido dois anos antes.
Mas essa história teve uma reviravolta. Aquele território isolado tinha
outra fronteira. A cerca de 20 quilômetros de distância da ilha Lord Howe
ca a Pirâmide de Ball, um estreito e escarpado rochedo marítimo,
equivalente a um arranha-céu de 500 metros de altura, que atraiu alpinistas
aventureiros ao longo de décadas. Depois que o rochedo (junto com a ilha
Lord Howe) adquiriu status de patrimônio mundial em 1982, somente
expedições cientí cas são autorizadas a visitá-lo. Como persistia o boato de
que haveria “lagostas arbóreas” por lá, uma grande leva de alpinistas,
disfarçados de entomologistas, obtinha permissão e acorreu para a ilhota a
pretexto de “realizar pesquisas”, não em busca do raro bicho-pau, mas
apenas com o objetivo de escalar até o pico da escarpa. Por m, o
encarregado de emitir as permissões cansou-se da brincadeira e decidiu pôr
m aos rumores de uma vez por todas.
Em 2001, dois pesquisadores, acompanhados de dois assistentes, visitaram
o rochedo com esse m. Escalaram a parede íngreme sem avistar nenhuma
“lagosta arbórea”, mas ao descer descobriram um pequeno arbusto do
mesmo tipo que servia de alimento para o inseto, espremido numa fenda da
escarpa. Ali mesmo também avistaram alguns excrementos, que pareciam
recentes. Por mais que procurassem, não conseguiram encontrar nenhum
bicho-pau, então só havia uma coisa a fazer: repetir a escalada à noite, pois
os maiores insetos-pau do mundo são conhecidos por terem hábitos
noturnos.
Equipados com lanternas e câmeras, os pesquisadores testemunharam o
que parecia ser um sonho. Lá, no meio do que seria o único arbusto em todo
o rochedo, caram cara a cara com 24 enormes insetos-pau.
Ninguém sabe dizer como foram parar ali desde a ilha Lord Howe, onde
foram extintos em 1920. Quando não se pode voar ou nadar, uma travessia
de 20 quilômetros em mar aberto é um desa o e tanto. A melhor hipótese é
que um ovo ou uma fêmea grávida tenha pegado carona num pássaro ou em
alguma vegetação à deriva, e os insetos conseguiram a façanha de sobreviver
por pelo menos 80 anos no inóspito penhasco marítimo, quase sem
vegetação.
Os trâmites burocráticos que se seguiram é melhor nem mencionar.
Depois de dois anos de vaivém de documentos, foi autorizada a retirada de
dois machos e duas fêmeas do penhasco para se dar início a um programa
de repopulação da espécie. Dois desses exemplares (batizados de Adão e
Eva, naturalmente) resistiram por um o e hoje há uma razoável quantidade
desses insetos-pau em vários zoológicos, inclusive na Europa.
Mas eis que surgiu a questão de recolocá-los na ilha Lord Howe, onde a
espécie de fato pertencia, pois um rochedo com um único arbusto não é
local adequado para estabelecer uma população viável do bicho-pau. Na
ilha, no entanto, permanecia a ameaça representada pelos ratos. Sem que
fossem eliminados, não haveria por que reintroduzir os insetos. Aliás, o
bicho-pau não seria o único bene ciado com o extermínio dos ratos. Além
dele, 13 espécies de aves e répteis estão ameaçadas de extinção caso os ratos
se mantenham ali. Por isso, as autoridades puseram em prática um plano
para acabar com os ratos de uma vez por todas, e para tanto serão tomadas
medidas extremas. Quarenta e duas toneladas de cereais envenenados serão
despejados na ilha por helicópteros, uma missão nada simples de ser
executada.
Primeiramente, outros animais e não só os ratos podem ingerir os cereais;
entre eles, pássaros que se quer proteger. Portanto, a ideia é capturar as
espécies de aves mais vulneráveis numa espécie de Arca de Noé provisória e
só soltá-las novamente depois da chuva de cereal venenoso. Mas quais
consequências isso terá, por exemplo, para a diversidade genética das aves,
uma vez que não será possível capturar todos os indivíduos?
Algumas pessoas estão preocupadas. Há apenas 350 almas vivendo na
ilha, mas nem todas querem que chova cereal venenoso sobre suas cabeças,
embora as autoridades assegurem que isso não será feito próximo às casas.
Outros simplesmente acham que o bicho-pau é tão repugnante e merecedor
de ser exterminado quanto os próprios ratos. Para a biologia da conservação,
o que pensamos e sentimos tem tanto valor como as espécies que estamos
tentando preservar.

Novos tempos, novas espécies


A natureza é resistente e está em constante adaptação. Novas espécies vão
surgindo à medida que nós, humanos, criamos novas oportunidades. Como
nas profundezas de Londres, nos túneis inóspitos e úmidos do famoso metrô
da cidade, conhecido como “e Tube”, lar de um mosquito único. Ele
pertence à Culex pipiens, a mesma espécie do mosquito hematófago mais
comum nas áreas urbanas, mas evoluiu para uma forma genética especí ca
(chamada molestus), incapaz de gerar descendentes se cruzar com seu
parente que vive na superfície. Presume-se que algumas fêmeas foram
descendo pelas galerias há alguns anos, talvez durante a construção do
metrô em 1863, e desde então o mosquito metroviário de Londres vive uma
existência à parte, geração após geração.
Eles caram famosos durante a Segunda Guerra Mundial, picando as
pessoas que buscavam refúgio nas galerias do metrô durante os
bombardeios em Londres. Hoje, as condições do metrô londrino são muito
melhores do que na época da guerra, e, embora animais como veados,
raposas, morcegos, pica-paus, pardais, tartarugas e salamandras já tenham
sido avistados passeando pelos túneis, os mosquitos costumam ter como
companhia apenas ratos e camundongos.
Análises mostraram que o material genético do mosquito varia entre
linhas e estações — os mosquitos da linha Picadilly são diferentes dos
mosquitos da linha Central —, mas tais diferenças não são grandes o
bastante para que se acasalem uns com os outros. A hipótese principal é que
todos descendem do mesmo e ousado mosquito que primeiro resolveu
tomar o metrô, 150 anos atrás.
Se é verdade que o mosquito evoluiu para uma nova forma genética em
apenas 150 anos, temos aqui um exemplo de que a evolução às vezes ocorre
muito rapidamente, como é o caso de populações que vivem completamente
isoladas. Charles Darwin previu que novas espécies precisariam de dezenas
de milhares, ou mesmo centenas de milhares de gerações para surgir. É
curioso imaginar que enquanto ele especulava sobre isso, na sua casa nos
arredores de Londres, logo após publicar “A origem das espécies” em 1859,
uma evolução instantânea estava ocorrendo bem debaixo dos seus pés.
Provavelmente, várias espécies surgirão com a mesma rapidez no futuro,
como resultado do deslocamento de espécies pelo planeta que,
deliberadamente ou não, nós promovemos. A mosca norte-americana
Rhagoletis pomonella vivia feliz e contente como larva no espinheiro branco
até as maçãs chegarem aos Estados Unidos, levadas da Europa. A mosca
agora tem duas formas genéticas distintas — uma que só come as bagas do
espinheiro branco e outra que só come maçãs. Em apenas algumas centenas
de anos, uma espécie está a caminho de se tornar duas. Até mesmo o
parasita dessa mosca está prestes a se dividir em duas espécies, uma para as
larvas do espinheiro e outra para as larvas que comem maçãs.
Quando novos insetos surgem e outros desaparecem, o efeito dessa
mudança dependerá da espécie que se modi cou, pois, como já demonstrei
neste livro, insetos diferentes realizam trabalhos diferentes na natureza.
Além disso, cada inseto está conectado a outras espécies por meio de
adaptações sutilmente estabelecidas, e essas adaptações são a base de todos
os bens e serviços que a natureza nos proporciona.
Nós, humanos, por muito tempo desprezamos os serviços que os insetos
nos prestam gratuitamente. Devido ao uso intensivo da terra, às mudanças
climáticas, aos pesticidas e à migração de espécies, as condições planetárias
estão sob perigo de uma mudança tamanha e tão acelerada que corremos o
risco de não ter mais os insetos a nosso serviço como antes, por mais
adaptável que seja a natureza. Por razões puramente egoístas, devemos,
portanto, nos preocupar com o bem-estar desses animais. Cuidar deles é um
seguro de vida que fazemos para nossos lhos e netos.
Se tirarmos os olhos do nosso próprio umbigo, perceberemos que se trata
mais do que um simples benefício. Nosso planeta é, até onde sabemos, o
único lugar a abrigar vida no universo inteiro. Muitos dirão que nós temos o
dever moral de limitar nosso domínio, de modo que os milhões de seres que
coabitam este planeta conosco também tenham a chance de viver suas vidas,
por mais pequenas e estranhas que sejam.
EPÍLOGO

Os insetos e nós compartilhamos um ancestral comum, em algum lugar


do nosso passado mais profundo. Embora os insetos tenham chegado muito
antes — são mais velhos que nós em algumas centenas de milhões de anos
—, todos os seres vivos compartilham uma longa história que une a todos,
para o bem e para o mal. E não há dúvida de que precisamos deles. O
professor E. O. Wilson, da Universidade Harvard, escreveu: “A verdade é que
precisamos desses pequenos seres rastejantes, mas eles não precisam de nós.
Se as pessoas desaparecessem amanhã, o mundo continuaria como antes.
(...) Mas se os insetos desaparecerem, duvido que os humanos conseguiriam
se virar sem eles por mais do que uns poucos meses”.
Assim, temos tudo a ganhar zelando pela vida dos insetos. Eu acredito no
conhecimento, no diálogo franco e na capacidade que temos de nos
entusiasmar com as coisas. Desperte a sua curiosidade sobre os insetos,
aproveite o tempo que tem para ver e aprender. Ensine às crianças sobre as
esquisitices, curiosidades e utilidades dos insetos. Fale bem deles. Faça do
seu jardim um lugar melhor para aqueles que vêm visitar suas ores. Vamos
incluir os insetos nas discussões sobre desenvolvimento urbano, agricultura,
pecuária e também no orçamento público do lugar onde vivemos. Vamos
apreciar o colorido das borboletas, nos admirar com as inter-relações entre
os insetos e ser gratos por trabalharem tanto por nós.
Os insetos são estranhos, delicados, esquisitos, divertidos, charmosos,
únicos e nunca cessam de nos surpreender. Um entomologista canadense
disse certa vez: “O mundo é tão rico em pequenas maravilhas, mas tão pobre
em olhos para reparar nelas”. Minha esperança com este livro é que mais
pessoas reparem no bizarro e maravilhoso mundo dos insetos e na
extraordinária vida que levam neste planeta que habitamos juntos.
AGRADECIMENTOS

Ao longo dos anos, foram muitas as boas conversas que tive sobre insetos
e temas relacionados. Agradeço à supercolega Tone Birkemoe, da NMBU
(Universidade Norueguesa de Ciências da Vida), por seu entusiasmo
inesgotável, pelas conversas inspiradoras e pelos comentários sobre o texto.
Um viva para todos do grupo Ecologia de Insetos da NMBU, que
contribuem para uma defesa entusiasmada dos insetos e para um ambiente
de trabalho divertido. Obrigada aos velhos colegas do NINA (Instituto
Norueguês de Pesquisa da Natureza, onde ainda tenho o prazer de ter um
assistente) — representados aqui pelo diretor de pesquisas Erik Framstad —
pelas conversas estimulantes sobre absolutamente tudo que há entre o céu e
a terra.
Obrigada a minha família, tanto aos mais próximos como aos mais
distantes. Meus pais me ensinaram a ser curiosa sobre tudo que se move ao
ar livre, na natureza. Tenho a impressão de que minha mãe leu, ouviu, viu e
disse palavras positivas sobre todas as ideias de divulgação cientí ca que tive
nos últimos anos. Agradeço ao meu querido Kjetil pela paciência, pelo chá e
biscoitos recém-assados servidos nas longas noites de escrita. Quero
agradecer também aos nossos lhos, Simen, Tuva e Karine, por todas as
alegrias que compartilhamos, e fazer um agradecimento especial a Tuva,
pelo olhar sempre aguçado para o meu texto e pelas ilustrações que fez.
Por m, quero dizer que escrever este livro foi incrivelmente divertido. Foi
uma imensa satisfação ter aprendido tantas coisas e ter recebido o apoio da
minha editora em todos os instantes. Sou grata por tudo isso e também pelo
apoio recebido do De faglitterære fond (Fundo Literário de Não Ficção).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Indicações de leitura suplementar


Andersen, T., Baranov, V., Hagenlund, L.K. et al. (2016). Blind Flight? A New Troglobiotic
Orthoclad (Diptera, Chironomidae) from the Lukina Jama – Trojama Cave in Croatia. PLOS ONE 11:
e0152884.
Artsdatabanken. Hvor mange arter nnes i Norge? Recuperado em 2017 de
https://www.artsdatabanken.no/Pages/205713.
Baust, J. G., & Lee, R. E. (1987). Multiple stress tolerance in an antarctic terrestrial arthropod: Belgica
antarctica. Multiple stress tolerance in an ant- arcticterrestrial arthropod: Belgica antarctica.
Berenbaum, M. B. (1995). Bugs in the system. Addison-Wesley, Reading, Massachusetts.
Bishopp, F. C. (1939). Domestic mosquitoes. U.S.D.A. Lea et No. 186.
Fang, J. (2010). Ecology: A world without mosquitoes. Nature 466, 432-434.
Guinness World Records. Largest species of beetle. Recuperado em 2017 de
http://www.guinnessworldrecords.com/world-records/ largest-species-of-beetle/
Huber, J. T., & Noyes, J. (2013). A new genus and species of fairy y, Tinkerbella nana
(Hymenoptera, Mymaridae), with comments on its sister genus Kikiki, and discussion on small size
limits in arthropods. Journal of Hymenoptera Research 32, 17-44.
Kadavy, D. R., Myatt, J., Plantz, B. A. et al. (1999). Microbiology of the Oil Fly, Helaeomyia petrolei
Applied and Environmental Microbiology 65, 1477-1482.
Kelley, J. L., Peyton, J. T., Fiston-Lavier, A.-S. et al. (2014). Compact genome of the Antarctic midge
is likely an adaptation to an extreme environment. Nature Communications 5: 4611.
Knapp, EW. 1985. Arthropod pests of horses. Side 297-322 i Williams, R.E., Hall, R. D., Broce, A. B.
& Scholl, P. J. (red.): Livestock Entomology. Wiley, New York.
Leonardi, M. & Palma, R. (2013). Review of the systematics, bio- logy and ecology of lice from
pinnipeds and river otters. Insecta: Phthiraptera: Anoplura: Echinophthiriidae). Zootaxa, 3630(3),
445-466.
Misof, B., Liu, S., Meusemann, K. et al. (2014). Phylogenomics resolves the timing and pattern of
insect evolution. Science 346: 763-767.
Nesbitt, S. J., Barrett, P.M., Werning, S. et al. (2013). e oldest dinosaur? A Middle Triassic
dinosauriform from Tanzania. Biology Letters 9.
Shaw, S. R. 2014. Planet of the bugs. Evolution and the Rise of Insects. University of Chicago Press,
Chicago. Xinhuanet. (2016). World’s longest insect discovered in
China. Recuperado em 2017 de http://www.xinhuanet.com//english/2016-05/05/c_135336786.htm
Zuk, M. (2011). Sex on Six Legs: Lessons on Life, Love, and Language from the Insect World.
Houghton Mifflin Harcourt.

Capítulo 1
Alem, S., Perry, C. J., Zhu, X. et al. (2016). Associative Mechanisms Allow for Social Learning and
Cultural Transmission of String Pulling in an Insect. PLOS Biology 14: el002564.
Arikawa, K. (2001). Hindsight of Butter ies. BioScience 51: 219-225.
Arikawa, K., Eguchi, E., Yoshida, A. & Aoki, K. (1980). Multiple extraocular photoreceptive areas on
genitalia of butter y Papilio xuthus. Nature 288: 700-702.
Avargués-Weber, A., Portelli, G., Benard, J. et al. (2010). Con gural Processing enables
discrimination and categorization of face-like stimuli in honeybees. e Journal of Experimental
Biology 213: 593-601.
Caro, T. M. & Hauser, M. D. (1992). Is there teaching in nonhuman animals? e Quarterly review
of biology 67:151-74.
Dacke, M. & Srinivasan, M. V. (2008). Evidence for counting in insects. Animal Cognition 11: 683-
689.
Darwin, C. (1834). Charles Darwin. e Beagle Diary. Recuperado em (2017) de
http://darwinbeagle.blogspot.no/2009/09/17th-september-1834.html
Darwin, C. (1871). e descent of man, and selection in relation to sex. J. London, Murray, .
Elven, H., & Aarvik, L. (2017). Insekter Insecta. Recuperado em 2017 de Artsdatabanken
https://artsdatabanken.no/Pages/135656.
Falck, M. (2004). La vevkjerringene veve videre. Insektnytt 29: 57-60.
Franks, N. R. & Richardson, T. (2006). Teaching in tandem-running ants. Nature 439:153-153.
Frye, M. A. (2013). Visual attention: a cell that focuses on one object at a time. Current Biology 23:
R61-63.
Gonzalez-Bellido, P. T., Peng, H., Yang, J. et al. (2013). Eight pairs of descending visual neurons in
the dragon y give wing motor centers accurate population vector of prey direction. Proceedings of the
National Academy of Sciences 110: 696-701.
Gopfert, M. C., Surlykke, A. & Wasserthal, L.T. (2002). Tympanal and atympanal ‘mouth-ears’ in
hawkmoths (Sphingidae). Proc Biol Sci 269: 89-95.
Jabr, F. (2012). How Did Insect Metamorphosis Evolve? Recuperado em (2017) de
https://www.scienti camerican.com/article/insect-metamorphosis-evolution/
Leadbeater, E. & Chittka, L. (2007). Social Learning in Insects - From Miniature Brains to
Consensus Building. Current Biology 17: R703-R713.
Minnich, D. E. (1929). e chemical sensitivity of the legs of the blow- y, Calliphora vomitoria
Linn., to various sugars. Zeitschri ir vergleichende Physiologie 11:1-55.
Montealegre-Z., E. Jonsson, T. Robson-Brown, K. A. et al. (2012). Convergent Evolution Between
Insect and Mammalian Audition. Science 338: 968-971.
Munz, T. (2016). e dancing bees: Karl von Frisch and the dis covery of the honeybee language. e
University of Chicago Press.
NINA. (2017). Eremitten yttes til åpen soning. Recuperado em 2017 de
http://www.nina.no/english/News/News-article/ArticleId/4321
Ranius, T., & Hedin, J. (2001). e dispersal rate of a beetle, Osmoderma eremita, living in tree
hollows. Oecologia 126: 363-370.
Shuker, K. P. N. (2001). e Hidden Powers of Animals: Uncovering the Secrets of Nature. Marshall
Editions Ltd., London.
Tibbetts, E. A. (2002). Visual signals of individual identity in the wasp Polistes fuscatus.
Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences 269:1423-1428.

Capítulo 2
Banerjee, S., Coussens, N. P., Gallat, F. X. et al. (2016). Structure of a heterogeneous, glycosylated,
lipid-bound, in vivo-grown protein crystal at atomic resolution from the viviparous cockroach
Diplopterapunctata. IUCrJ 3: 282-93.
Birch, J., & Okasha, S. 2015. Kin Selection and Its Critics. BioScience 65: 22-32.
Boos, S., Meunier, J., Pichon, S., & Kolliker, M. 2014. Maternal care provides antifungal protection
to eggs in the European earwig. Behavioral Ecology 25: 754-761.
Borror, D. J., Triplehorn, C. A., & Johnson, N. F. (1989). An Introduction to the Study of Insects,
Philadelphia, Saunders College Pub.
Brian, M. B. (1978). Production Ecology of Ants and Termites. Cambridge University Press.
Eady, P. E., & Brown, D. V. (2017). Male-female interactions drive the (un)repeatability of copula
duration in an insect. Royal Society Open Science 4:160962.
Eberhard, W. G. (1991). Copulatory courtship and cryptic female choice in insects. Biological
Reviews 66:1-31.
Fedina, T. Y. (2007). Cryptic female choice during spermatophore transfer in Tribolium castaneum
(Coleoptera: Tenebrionidae). Journal of Insect Physiology 53: 93-98.
Fleming, N. (2015). Which lifeform dominates on Earth? Recuperado em 2017 de
http://www.bbc.com/earth/story/20150211-whats-the-most-dominant-life-form.
Folkehelseinstituttet. (2015). Hjortelus ue. Recuperado em 2017 de
https://www.i.no/nettpub/skadedyrveilederen/ uer-og- mygg/hjortelus ue-/
Hamill, J. (2016). What a buzz kili: Male bees’ testicles EXPLODE when they reach orgasm.
Recuperado em (2017) de https://www.thesun.co.uk/news/1926328/male-bees-testicles-explode-
when-they-reach-orgasm/
Lawrence, S. E. (1992). Sexual cannibalism in the praying man- tid, Mantis religiosa. a eld study.
Animal Behaviour 43: 569-583.
Liipold, S., Manier, M. K., Puniamoorthy, N. et al. (2016). How sexual selection can drive the
evolution of costly sperm ornamentation. Nature 533-535.
Maderspacher, F. (2007). All the queen’s men. Current Biology 17: R191-R195.
Nowak, M. A., Tarnita, C. E. & Wilson, E. O. (2010). e evolution of eusociality. Nature 466:1057-
1062.
Pitnick, S., Spicer, G. S. & Markow, T. A. (1995). How long is a giant sperm? Nature 375:109-109.
Schwartz, S. K., Wagner, W. E. & Hebets, E. A. (2013). Spontaneous male death and monogyny in
the dark shing spider. Biology Letters 9.
Shepard, M., Waddil, V. & Klo, W. (1973). Biology of the preda-ceous earwig Labidurariparia
(Dermaptera: Labiduri- dae). Annals of the Entomological Society of America 66: 837-841.
Sivinski, J. (1978). Intrasexual aggression in the stick insects Dia-pheromera veltet and D. Covilleae
and sexual dimorphism in the phasmatodea. Psyche 85:395-405.
Williford, A., Stay, B. & Bhattacharya, D. (2004). Evolution of a novel function: nutritive milk in the
viviparous cockroach, Diplopterapunctata. Evolution & Development 6: 67-77.

Capítulo 3
Britten, K. H., atcher, T. D. & Caro, T. (2016). Zebras and Biting Flies: Quantitative Analysis of
Re ected Light from Zebra Coats in eir Natural Habitat PLOS ONE 11: e0154504.
Caro, T., Izzo, A., Reiner Jr., R.C. et al. (2014). e function of zebra stripes. Nature
Communications 5: 3535.
Caro, T., & Stankowich, T. (2015). Concordance on zebra stripes: a comment on Larison et al.
(2015). Royal Society Open Science 2.
Darwin, C. (1860). Darwin Correspondence Project. Recuperado em (2017) de
http://www.darwinproject.ac.uk/letter/DCP-LETT-2814.xml
Dheilly, N. M., Maure, E., Ravallec, M. et al. (2015). Who is the puppet master? Replication of a
parasitic wasp-associated virus correlates with host behaviour manipulation. Proceedings of the Royal
Society B: Biological Sciences 282.
Eberhard, W. G. (1980). e natural history and behavior of the bolas spider MastophoraDizzydeani
SP. n. (Araneidae). Psyche 87:143-169.
Haynes, K. F., Gemeno, C., Yeargan, K.V. et al. (2002). Aggressive chemical mimicry of moth
pheromones by a bola’s spider: how does this specialist predator attract more than one species of prey?
Chemoecology 12:99-105.
Larison, B., Harrigan, R. J., omassen, H. A. et al. (2015). How the zebra got its stripes: a problem
with too many Solutions. Royal Society Open Science 2.
Libersat, F. & Gal, R. (2013). What can parasitoid wasps teach us about decision-making in insects?
Journal of Experimental Biology 216: 47-55.
Marshall, D. C. & Hill, K.B.R. (2009). Versatile aggressive mimicry of cicadas by an Australian
predatory katydid. PLOS ONE 4: e4185.
Melin, A. D., Kline, D. W., Hiramatsu, C., & Caro, T. 2016. Zebra stripes through the eyes of their
predators, zebras, and hu- mans. PLOS ONE 11: e0145679.
Yeargan, K.V. 1994. Biology of bolas spiders. Annual Review of Entomology 39: 81-99.

Capítulo 4
Babikova, Z., Gilbert, L., Bruce, T. J. A. et al. (2013). Underground signals carried through common
mycelial networks warn neighbouring plants of aphid attack. Ecology Letters 16: 835-843.
Barbero, E, Patricelli, D., Witek, M. et al. (2012). Myrmica Ants and eir Butter y Parasites with
Special Focus on the Acoustic Communication. Psyche 2012:11.
Dangles, O., & Casas, J. (2012). e bee and the turtle: a fable from Yasuni National Park. Frontiers
in Ecology and the Environment 10: 446-447.
de la Rosa, C. L. (2014). Additional observations of lachryphagous butter ies and bees. Frontiers in
Ecology and the Environment 12: 210-210.
Department of Agriculture and Fisheries, B.Q. 2016. e prickly pear story. Recuperado em 2017 de
https://www.daf.qld.gov.au/__data/assets/pdf_ le/0014/55301/ IPA-Prickly-Pear-Story-PP62.pdf
Ekblom, R. (2007). Smorbolls ugornas fantastiska vårld. Fauna och Flora 102: 20-22.
Evans, T. A., Dawes, T. Z., Ward, P. R. & Lo, N. (2011). Ants and termites increase crop yield in a
dry climate. Nature Communications 2: 262.
Grinath, J. B., Inouye, B. D. & Underwood, N. (2015). Bears bene t plants via a Cascade with both
antagonistic and mutualistic interactions. Ecology Letters 18:164-173.
Hansen, L. O. (2015). Maridalens Venner. Pollinerende insekter i Maridalen. Årsskri 2015.132 s.
Maridalens Venner.
Holldobler, B. & Wilson, E. O. (1994). Journey to the ants: A story of scienti c exploration. Belknap
Press of Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts.
Lengyel, S., Gove, A. D., Latimer, A. M. et al. (2010). Convergent evolution of seed dispersal by ants,
and phylogeny and biogeography in owering plants: A global survey. Perspectives in Plant Ecology
Evolution and Systematics 12: 43-55.
McAlister, E. (2017). e secret life of ies. London, Natural History Museum.
Midgley, J. J., White, J. D. M., Johnson, S. D. & Bronner, G. N. (2015). Faecal mimicry by seeds
ensures dispersal by dung beetles. Nature Plants 1:15141.
Moffett, M. W. (2010). Adventures among Ants. A Global Safari with a Cast of Trillions. University of
California Press.
Nedham, J. (1986). Science and Civilisation in China. Volume 6, Biology and Biological Technology.
Part 1: Botany. Cambridge University Press, Cambridge, UK.
Oliver, T. H., Mashanova, A., Leather, S. R. et al. (2007). Ant semiochemicals limit apterous aphid
dispersal. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 274: 3127-3131.
Patricelli, D., Barbero, E., Occhipinti, A. et al. (2015). Plant defences against ants provide a pathway
to social parasitism in butter ies. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 282: 20151111.
Simard, S. W., Perry, D. A., Jones, M. D. et al. (1997). Net transfer of carbon between
ectomycorrhizal tree species in the eld. Nature 388: 579-582.
Stiling, P., Moon, D. & Gordon, D. (2004). Endangered cactus restoration: Mitigating the non-target
effects of a biological control agent (Cactoblastis cactorum) in Florida. Restoration Ecology 12: 605-
610.
Stockan, J. A., & Robinson, E.J.H. (red.). (2016). Wood Ant Ecology and Conservation. Ecology,
Biodiversity and Conservation. Cambridge University Press, Cambridge.
Wardle, D. A., Hyodo, F., Bardgett, R. D. et al. (2011). Long-term aboveground and belowground
consequences of red wood ant exclusion in boreal forest. Ecology 92: 645-656.
Warren, R. J., & Giladi, I. (2014). Ant-mediated seed dispersal: A few ant species (Hymenoptera:
Formicidae) bene t many plants. MyrmecologicalNews 20:129-140.
Zimmermann, H. G., Moran, V. C. & Hoffmann, J. H. (2001). e renowned cactus moth,
Cactoblastis cactorum (Lepidoptera: Pyralidae): Its natural history and threat to native Opuntia oras
in Mexico and the United States of America. Florida Entomologist 84: 543-551.

Capítulo 5
Bartomeus, L., Potts, S. G., Steffan-Dewenter, I. et al. (2014). Contribution of insect pollinators to
crop yield and quality varies with agricultural intensi cation. PeerJ 2: e328.
Crittenden, A. N. (2011). e Importance of Honey Consumption in Human Evolution. Food and
Foodways 19: 257-273.
Davidson, L. 2014. Don’t panic, but we could be running out of chocolate. Recuperado em 2017 de
http://www.telegraph.co.uk/ nance/newsbysector/retailandconsumer/11236558/Dont-panic-but-we-
could-be-running-out-of-chocolate.html
DeLong, D. M. (2014). Homoptera. Recuperado em 2017 de https://www.britannica
.com/animal/homopteran
Harpaz, I. (1973). Early entomology in the Middle East. S. 21-36 i Smith, R. F., Mittler, T. E. & Smith,
C. N. (red.). History of entomology. Annual Re vie w, Palo Alto, California.
Hogendoorn, K., Bartholomaeus, F. & Keller, M. A. (2010). Chemical and sensory comparison of
tomatoes pollinated by bees and by a pollination wand. Journal of Economic Entomology 103:1286-
1292.
Hornetjuice.com. About Hornet juice. Recuperado em (2017) de
https://www.hornetjuice.com/what/
Isack, H. A. & Reyer, H. U. (1989). Honeyguides and honey gatherers: interspeci c communication
in a symbiotic relationship. Science 243:1343-1346.
Klatt, B. K., Holzschuh, A., Westphal, C. et al. (2014). Bee pollination improves crop quality, shelf
life and commercial value. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 281.
Klein, A. -M., Steffan-Dewenter, I. & Tscharntke, T. (2003). Bee pollination and fruit set of Coffea
arabica and C. canephora (Rubiaceae). American Journal of Botany 90:153-157.
Lomsadze, G. (2012). Report: Georgia Unearths the World’sOldest Honey. Recuperado em 2017 de
http://www.eurasianet.org/node/65204
Ott, J. (1998). e Delphic bee: Bees and toxic honeys as pointers to psychoactive and other
medicinal plants. Economic Botany 52: 260-266.
Spottiswoode, C. N., Begg, K. S. & Begg, C. M. (2016}. Reciprocal signaling in honeyguide-human
mutualism. Science 353: 387-389.
Språkrådet. (2015). Språklig insekt i mat. Recuperado em (2017) de https://www.sprakradet.no/Vi-
og-vart/Publikasjoner/Spraaknytt/spraknytt-2015/spraknytt-12015/ Totland, 0., Hovstad, K. A.,
Ødegaard, F. & Åstrom, J. 2013. Kunnskapsstatus for insektpollinering i Norge – betydningen av det
komplekse samspillet mellom planter og insekter. Artsdatabanken, Norge.
Wotton, R. 2010. What is manna? Opticonl 826.

Capítulo 6
Barton, D. N., Vågnes Traaholt, N., Blumentrath, S., & Reinvang, R. (2015). Naturen i Oslo er verdt
milliarder. Verdsetting av urbane økosystemtjenester fra grønnstruktur. NINA Rapport 1113. 21 s.
Cambefort, Y. 1987. Le scarabée dans TÉgypte ancienne. Origine et signi cation du symbole. Revue
de Hiistoire des religions 204: 3-46.
Dacke, M., Baird, E., Byrne, M. et al. (2013). Dung Beetles Use the Milky Way for Orientation.
Current Biology 23: 298-300.
Direktoratet for naturforvaltning. 2012. Handlingsplan for utvalgt naturtype hule eiker. DN Rapport
1-2012. 80 s.
Eisner, T. & Eisner, M. (2000). Defensive use of a fecal thatch by a beetle larva (Hemisphaerota
cyanea). Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 97: 2632-2636.
Evju, M. (red.), Bakkestuen, V., Blom, H., Brandrud, T. E., Bratli, H. N. B., Sverdrup-ygeson, A. &
Ødegaard, F. (2015). Oaser for artsmangfoldet - hotspot-habitater for rødlistearter. NINA Temahee
61. 48 s.
Goff, M. L. 2001. A y for the prosecution: how insect evidence helps solve crimes. Harvard
University Press, Cambridge, Mass.
Gough, L. A., Birkemoe, T., & Sverdrup-ygeson, A. (2014). Reactive forest management can also
be proactive for wood-living beetles in hollow oak trees. Biological Conservation 180: 75-83.
Jacobsen, R. M. (2017). Saproxylic insects in uence community assembly and succession of fungi in
dead wood. PhD thesis, Norw. Univ. of Life Sciences.
Jacobsen, R. M., Birkemoe, T., & Sverdrup-ygeson, A. (2015). Priority effects of early successional
insects in uence late successional fungi in dead wood. Ecology and Evolution 5: 4896-4905.
Jones, R. (2017). Call of nature: the secret life of dung. Pelagic Publishing, Exeter, UK.
Ledford, H. (2007). The tell-tale grasshopper. Can forensic science rely on the evidence of bugs?
http://www.nature.com/news/2007/070619/full/news070618-5.html.
McAlister, E. (2017). e secret life of ies. Natural History Museum, London.
Parker, C. B. (2007) Buggy: Entomology prof helps unravel murder. Recuperado em 2017 de
https://www.ucdavis.edu/news/buggy-entomology-prof-helps-unravel-murder/
Pauli, J. N., Mendoza, J. E., Steffan, S.A. et al. (2014). A syndrome of mutualism reinforces the
lifestyle of a sloth. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 281.
Pilskog, H. (2016). Effects of climate, historical logging and spatial scales on beetles in hollow oaks.
PhD thesis, Norw. Univ. of Life Sciences.
Savage, A. M., Hackett, B., Guénard, B. et al. (2015). Fine-scale heterogeneity across Manhattan’s
urban habitat mosaic is associated with variation in ant composition and richness. Insect Conservation
and Diversity 8: 216-228.
Storaunet, K. O., & Rolstad, J. (2015). Mengde og utvikling av død ved produktiv skog i Norge. Med
basis i data fra Landsskog- takseringens 7. (1994-1998) og 10. takst (2010-2013). Oppdragsrapport
06/2015, Norsk institutt for skog og landskap, Ås
Strong, L. (1992). Avermectins – a review of their impact on insects of cattle dung. Bulletin of
Entomological Research 82: 265-274.
Simtari, M., Majaneva, M., Fewer, D. P. et al. (2010). Molecular evidence for a diverse green algal
community growing in the hair of sloths and a speci c association with Trichophilus welckeri
(Chlorophyta, Ulvophyceae). BMC Evolutionary Biology 10: 86.
Sverdrup-ygeson, A., Brandrud T. E. (red.), Bratli, H. et al. 2011. Hotspots – naturtyper med
mange truete arter. En gjennomgang av Rødlista for arter 2010 i forbindelse med ARKO-prosjektet.
NINA Rapport 683. 64 s.
Sverdrup-ygeson, A., Skarpaas, O., Blumentrath, S. et al. (2017). Habitat connectivity affects
specialist species richness more than generalists in veteran trees. Forest Ecology and Management 403:
96-102.
Sverdrup-ygeson, A., Skarpaas, O., & Odegaard, F. (2010). Hollow oaks and beetle conservation:
the signi cance of the surroundings. Biodiversity and Conservation 19: 837-852.
Vencl, F. V., Trillo, P. A., & Geeta, R. 2011. Functional interactions among tortoise beetle larval def
enses reveal trait suites and escalation. Behavioral Ecology and Sociobiology 65: 227-239.
Wall, R., & Beynon, S. 2012. Area-wide impact of macrocyclic lactone parasiticides in cattle dung.
Medical and Veterinary Entomology 26:1-8.
Welz, A. (2014). Bird-killing vet drug alarms European conservationists. Recuperado em (2017) de
https://www.theguardian.com/environment/nature-up/2014/mar/11/ bird-killing-vet-drug-alarms-
european-conservationists
Youngsteadt, E., Henderson, R.C., Savage, A. M. et al. (2015). Habitat and species identity, not
diversity, pre diet the extent of refuse consumption by urban arthropods. Global Change Biology
21:1103-1115.
Ødegaard, E, Hansen, L. O. & Sverdrup-ygeson, A. (2011). Dyremøkk – et hotspot-habitat.
Sluttrapport under ARKO-prosj ektets periode II. NINA Rapport 715. 42 s. NINA
Ødegaard, E. Sverdrup-ygeson, A., Hansen, L. O. et al. (2009). Kartlegging av invertebrater i fem
hotspot-habitattyper. Nye norske arter og rødlistearter 2004-2008. NINA Rapport 500. 102 s.

Capítulo 7
Andersson, M., Jia, Q., Abella, A. et al. (2017). Biomimetic spinning of arti cial spider silk from a
chimeric minispidroin. Nature Chemical Biology 13: 262-264.
Apéritif.no. (2014). De nødvendige tanninene. Recuperado em (2017) de
https://www.aperitif.no/artikler/de-nodvendige-tanninene/169203
Bower, C. F. (1991). Mind Your Beeswax. Recuperado em 2017 de
https://www.catholic.com/magazine/print-edition/mind-your-beeswax
Copeland, C. G., Bell, B.E., Christensen, C. D. & Lewis, R. V. 2015. Development of a Process for the
Spinning of Synthetic Spider Silk. ACS Biomaterials Science & Engineering 1: 577-584.
Europalov.no. (2013). Tilsetningsf or ordningen: endringsbestemmelser om bruk av stoffer på
eggeskall. Recuperado em (2017) de http://europalov.no/rettsakt/ tilsetningsforordningen-
endringsbestemmelser-om-bruk-av-stoffer-pa-eggeskall/id-5444
Fagan, M. M. (1918). e Uses of Insect Galls. e American Naturalist 52:155-176.
Food and Agriculture Organization of the United Nations. FAO STATS: Live Animals. Recuperado
em (2017) de http://www.fao.org/ faostat/en/#data/QA
International Sericultural Commission (ISC). Statistics. Recuperado em 2017 de
http://inserco.org/en/statistics
Koeppel, A. & Holland, C. (2017). Progress and Trends in Arti cial Silk Spinning: A Systematic
Review. ACS Biomaterials Science & Engineering 3: 226-237.10.1021/acsbiomaterials.6b00669
Lovdata. 2013. Forskri om endring i forskri om tilsetningsstoffer til næringsmidler. Recuperado em
(2017) de https://lovdata.no/dokument/LTI/forskri/2013-05-21-510
Oba, Y. (2014). Insect Bioluminescence in the Post-Molecular Biology Era. - Side 94-120 i Insect
Molecular Biology and Ecology. CRC Press.
Osawa, K., Sasaki, T. & Meyer-Rochow, V. (2014). New observations on the biology of Keroplatus
nipponicus Okada 1938 (Diptera; Mycetophiloidea; Keroplatidae), a bioluminescent fungivorous
insect. Entomologie Heute 26:139-149. Ottesen, P. S. 2000. Om gallveps (Cynipidae) og jakten på det
forsvunne blekk. Insekt-nytt 25.
Rutherford, A. (2012). Synthetic biology and the rise of the ‘spider-goats’. Recuperado em 2017 de
https://www.theguardian.com/science/2012/jan/14/synthetic-biology- spider-goat-genetics
Seneca den eldre. Latin text & translations, Seneca the Elder, Excerpta Controversiae 2.7.
Recuperado em 2017 de http://perseus.uchicago.edu/perseus-cgi/citequery3.pl?
dbname=LatinAugust2012&getid=0&query=Sen.%20Con.%20ex.%202.7
Shah, T. H., omas, M. & Bhandari, R. 2015. Lac production, constraints and management – a
review. International Journal of Current Research 7:13652-13659.
Sutherland, T. D., Young, J.H., Weisman, S. et al. (2010). Insect silk: one name, many materials.
Annu Rev Entomol 55:171-188. Sveriges lantbruksuniversitet. 2017.
Spinning spider silk is now possible. Recuperado em 2017 de
http://www.slu.se/en/ewnews/2017/l/spinning-spider-silk-is-now-possible/
Tomasik, B. (2017). Insect Suffering from Silk, Shellac, Carmine, and Other Insect Products.
Recuperado em (2017) de http://reducing-suffering.org/insect-suffering-silk-shellac-carmine-insect-
products/
Wakeman, (2015). e Origin & Many Uses of Shellac. Recuperado em 2017 de
https://www.antiquephono.org/the-origin-many- uses-of-shellac-by-r-j-wakeman/
Zinsser & Co. (2003). e Story of Shellac. Recuperado em 2017 de
http://www.zinsseruk.com/core/wp-content/uploads/2016/12/Story-of-shellac.pdf, Somerseth, NJ.

Capítulo 8
Aarnes, H. (2016). Biomimikry. Recuperado em 2017 de https://snl.no/ Biomimikry
Alnaimat, S. (2011). A contribution to the study of biocontrol agents, apitherapy and other potential
alternative to antibiotics. – Ph.D. thesis, University of Sheffield.
Amdam, G. V. & Omholt, S.W. (2002). e regulatory anatomy of honeybee lifespan. Journal of
eoretical Biology 216: 209-228.
Arup.com. Eastgate Development, Harare, Zimbabwe. Recuperado em 2017 em
https://web.archive.org/web/20041114141220/http://www.arup.com/feature.cfm?pageid =292
Bai, L., Xie, Z., Wang, W. et al. (2014). Bio-Inspired Vapor-Responsive Colloidal Photonic Crystal
Patterns by InkJet Printing. ACS Nano 8:11094-11100.
Baker, N., Wolschin, F., & Amdam, G. V. (2012). Age-related learning de cits can be reversible in
honeybees Apis mellifera. Experimental Gerontology 47: 764-772.
BBC News. 2011. India bank termites eat piles of cash. Recuperado em (2017) de
http://www.bbc.com/news/world-southasia-13194864
Bombelli, P., Howe, C. J. & Bertocchini, F. Polyethylene bio-degradation by caterpillars of the wax
moth Galleria mellonella. Current Biology 27: R292-R293.
Carville, O. (2017). e Great Tourism Squeeze: Small town tourist destinations buckle under weight
of New Zealand’s tourism boom. Recuperado em 2017 de
https://www.nzherald.co.nz/nz/news/article.cfm?c_id=1&objectid=11828398
Chechetka, S. A., Yu, Y., Tange, M. & Miyako, E. 2017. Materially Engineered Arti cial Pollinators.
Chem 2: 224-239.
Christmann, B. Fly on the Wall. Making y science approachable for everyone. Recuperado em 2017
de http://blogs.brandeis.edu/ yonthewall/list-of-posts/
Cornette, R. & Kikawada, T. (2011). e induction of anhydrobiosis in the sleeping chironomid:
Current status of our knowledge. IUBMB Life 63: 419-429.
Dirafzoon, A., Bozkurt, A., & Lobaton, E. (2017). A framework for mapping with biobotic insect
networks: From local to global maps. Robotics and Autonomous Systems 88: 79-96.
Doan, A. (2012). Biomimetic architecture: Green Buildingin Zimbabwe Modeled Aer Termite
Mounds. Recuperado em 2017 de https://inhabitat.com/building-modelled-on-termites-eastgate-
centre-in-zimbabwe/
Drew, J. & Joseph, J. (2012). e Story of the Fly: And How it Could Save the World. Cheviot
Publishing, Country Green Point, South Africa.
Dumanli, A. G. & Savin, T. (2016). Recent advances in the biomimicry of structural colours.
Chemical Society Reviews 45: 6698-6724.
Fernåndez-Marin, H., Zimmerman, J. K., Rehner, S. A. & Wcislo, W. T. (2006). Active use of the
metapleural glands by ants in controlling fungal infection. Proceedings of the Royal Society B:
Biological Sciences 273:1689-1695.
Google Patenter. Infrared sensor systems and devices. Recuperado em 2017 de
https://www.google.com/patents/US7547886
Haeder, S., Wirth, R., Herz, H., & Spiteller, D. (2009). Candicidin-producing Streptomyces support
leaf-cutting ants to protect their fungus garden against the pathogenic fungus Escovopsis. Proceedings
of the National Academy of Sciences 106: 4742-4746.
Hamedi, A., Farjadian, S., & Karami, M. R. (2015). Immunomodulatory properties of Trehala
manna decoction and its isolated carbohydrate macromolecules. Journal of Ethnopharmacology
162:121-126.
Horikawa, D. D. (2012). Survival of tardigrades in extreme environments: a model animal for
astrobiology. S. 205-217. In Altenbach, A. V., Bernhard, J. M. & Seckbach, J. (red.). Anoxia: Evidence
for eukaryote survival and paleontological strategies. Springer Netherlands, Dordrecht.
Holldobler, B., & Engel-Siegel, H. (1984). On the metapleural gland of ants. Psyche 91: 201-224.
King, H., Ocko, S., & Mahadevan, L. (2015). Termite mounds harness diurnal temperature oscillations
for ventilation Proceedings of the National Academy of Sciences 112: 11589-11593.
Ko, H. J., Youn, C. H., Kim, S. H. & Kim, S. Y. (2016). Effect of pet insects on the psychological
health of community-dwelling elderly people: A single-blinded, randomized, controlled trial.
Gerontology 62: 200-209.
Kuo, F. E. & Sullivan, W. C. (2001). Environment and crime in the inner city: Does vegetation
reduce crime? Environment and behavior 33: 343-367.
Kuo, M. (2015). How might contact with nature promote human health? Promising mechanisms
and a possible central pathway. Frontiers in Psychology 6.
Liu, E., Dong, B. Q., Liu, X.H. et al. (2009). Structural color change in longhorn beetles
Tmesisternus isabellae. Optics Express 17:16183-16191.
McAlister, E. (2017). e secret life of ies. Natural History Museum, London.
North Carolina State University 2017. Tracking the movement of cyborg cockroaches. Recuperado em
2017 https://www.eurekalert.org/pubreleases/2017-02/ ncsu-ttm022717.php
Novikova, N., Gusev, O., Polikarpov, N. et al. (2011). Survival of dormant organisms aer long-term
exposure to the space environment. Acta Astronautica 68:1574-1580.
Pinar. (2013). Entire alphabet found on the wing patterns of butter ies. Recuperado em 2017 de
http://mymodernmet.com/kjell-bloch-sandved-butter y-alphabet/
Ramadhar, T. R., Beemelmanns, C., Currie, C. R., & Clardy, J.
(2014). Bacterial symbionts in agricultural systems provide a strategic source for antibiotic
discovery. e Journal of Antibiotics 67: 53-58.
Rance, C. (2016). A breath of maggoty air. Recuperado em 2017 de
http://thequackdoctor.com/index.php/a-breath-of-maggoty-air/
Sleeping Chironomid Research Group. About the Sleeping Chironomid. Recuperado em 2017 de
https://www.naro.affrc.go.jp/archive/nias/anhydrobiosis/Sleeping%20Chironimid/e-about-
yusurika.html
Sogame, Y., & Kikawada, T. (2017). Current ndings on the molecular mechanisms underlying
anhydrobiosis in Polypedilum vanderplanki. Current Opinion in Insect Science 19:16-21.
Sowards, L. A., Schmitz, H., Tomlin, D. W. et al. (2001). Characterization of beetle Melanophila
acuminata (Coleoptera: Buprestidae) infrared pit organs by high-performance liquid
chromatography/mass spectrometry, scanning electron microscope, and Fourier transform-infrared
spectroscopy. Annals of the Entomological Society of America. 94: 686-694.
Van Arnam, E. B., Ruzzini, A.C., Sit, C.S. et al. (2016). Selvamicin, an atypical antifungal polyene
from two alternative genomic contexts. Proc Natl Acad Sci U s. A113:12940-12945.
Wainwright, M., Laswd, A., & Alharbi, S. (2007). When maggot fumes cured tuberculosis.
Microbiologist March 2007: 33-35.
Watanabe, M. (2006). Anhydrobiosis in invertebrates. Applied Entomology and Zoology 41:15-31.
Whitaker, I. S., Twine, C., Whitaker, M. J. et al. (2007). Larval therapy from antiquity to the present
day: mechanisms of action, clinical applications and future potential. Postgraduate Medical Journal
83:409-413.
Wilson, E. O. 1984. Biophilia. Harvard University Press, Cambridge, Mass.
World Economic Forum, Ellen MacArthur Foundation and McKinsey & Company. (2016). e
New Plastics Economy Rethinking the future of plastics. Recuperado em 2017 de
https://www.ellenmacarthurfoundation.org/assets/downloads/EllenMacArthur
Foundation_eNewPlasticsEconomy_Pages.pdf
Yang, Y., Yang, J., Wu, W. M. et al. (2015). Biodegradation and mineralization of polystyrene by
plastic-eating mealworms: part 1. Chemical and physical characterization and isotopic tests.
Environmental Science & Technology 49:12080-12086.
Yates, D. (2009). e science suggests access to nature is essential to human health. Recuperado em
2017 de https://news.illinois.edu/blog/view/6367/206035
Zhang, C. -X., Tang, X.-D. & Cheng, J.-A. (2008). e utilization and industrialization of insect
resources in China. Entomological Research 38: S38-S47.

Capítulo 9
Brandt, A., Goren o, A., Siede, R. et al. (2016). e neonicotinoids thiacloprid, imidacloprid, and
clothianidin affect the immunocompetence of honey bees (Apis mellifem L.). Journal of Insect
Physiology 86: 40-47.
Byrne, K., & Nichols, R.A. (1999). Culexpipiens in London Underground tunnels: differentiation
between surface and subterranean populations. Heredity 82: 7-15.
Dirzo, R., Young, H. S., Galetti, M. et al. (2014). Defaunation in the Anthropocene. Science 345:401-
406.
Dumbacher, J. P., Wako, A., Derrickson, S. R. et al. (2004). Melyrid beetles (Choresine): A putative
source for the batrachotoxin alkaloids found in poison-dart frogs and toxic passerine birds.
Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 101:15857-15860.
Follestad, A. (2014). Effekter av kunstig nattbelysning på naturmangfoldet – en litteraturstudie.
NINA Rapport 1081.89 s.
Forbes, A. A., Powell, T. H. Q., Stelinski, L. L. et al. (2009). Sequential sympatric speciation across
trophic levels. Science 323: 776-779.
Garibaldi, L. A., Steffan-Dewenter, I., Winfree, R. et al. (2013). Wild pollinators enhance fruit set of
crops regardless of honey bee abundance. Science 339:1608-1611.
Gough, L. A., Sverdrup-ygeson, A., Milberg, P. et al. (2015). Specialists in ancient trees are more
affected by climate than generalists. Ecology and Evolution 5:5632-5641.
Goulson, D. (2013). Review: An overview of the environmental risks posed by neonicotinoid
insecticides. Journal of Applied Ecology 50: 977-987.
Hallmann, C. A., Sorg, M. Jongejans, E. et al. (2017). More than 75 percent decline over 27 years in
total ying insect biomass in protected areas. PLOS ONE 12: e0185809.
IPBES. (2016). Summary for policymakers of the assessment report of the Intergovernmental
Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services on pollinators, pollination and food
production. Secretariat of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and
Ecosystem Services, Bonn, Germany.
McKinney, M. L. (1999). High Rates of Extinction and reat in Poorly Studied Taxa. Conservation
Biology 13:1273-1281.
Morales, C., Montalva, J., Arbetman, M. et al. (2016). Bombus dahlbomii e IUCN Red List of
reatened Species 2016: e.T21215142A100240441. Recuperado em 2017 de
https://www.iucnredlist.org/species/21215142/100240441
Myers, C. W., Daly, J. W. & Malkin, B. (1978). A dangerously toxic new frog (Phyllobates) used by
Embera Indians of western Colombia with discussion of blowgun fabrication and dart poisoning.
Bulletin of the American Museum of Natural History 161: 307-366.
Pawson, S. M. & Bader, M. K. E. (2014). LED lighting increases the ecological impact of light
pollution irrespective of color temperature. Ecological Applications 24:1561-1568.
Rader, R., Bartomeus, L, Garibaldi, L. A. et al. (2016). Non-bee insects are important contributors to
global crop pollination. Proceedings of the National Academy of Sciences 113: 146-151.
Rasmont, P., Franzén, M., Lecocq, T. et al. (2015). Climatic risk and distribution atlas of european
bumblebees. BioRisk 10.
Såterberg, T, Sellman, S., & Ebenman, B. 2013. High frequency of functional extinctions in
ecological networks. Nature 499: 468-470.
Schwågerl, C. (2017). Vanishing Act. Whafs causingthe sharp decline in insects, and why it matters.
Recuperado em 2017 de https://e360.yale.edu/features/insect_numbers_declining_why_it_matters
oresen, S. B. (2016). Gendrivere magisk medisin eller villfaren vitenskap? Recuperado em 2017
de https://www.aenposten.no/viten/i/4m9o/Vi-kan-na-genmodi sere- mygg-sa-vi-kanskje-kvitter-
oss-med-malaria-for-godt
oresen, S. B. & Rogne, S. 2015. Vi kan nå genmodi sere mygg så vi kanskje kvitter oss med
malaria for godt. Recuperado em 2017 de https://www.aenp0sten.n0/viten/i/4m9o/Vi-kan-
nagenmodi sere-mygg-sa-vi-kanskje-kvitter-oss-med-malaria-for-godt
Tsvetkov, N., Samson-Robert, O., Sood, K. et al. (2017). Chronic exposure to neonicotinoids
reduces honey bee health near corn crops. Science 356:1395.
Vindstad, O. P. L., Schultze, S., Jepsen, J. U. et al. (2014). Numerical responses of saproxylic beetles
to rapid increases in dead wood availability following geometrid moth outbreaks in sub-arctic
mountain birch forest. PLOS ONE 9.
Vogel, G. (2017). Where have all the insects gone? Recuperado em 2017 de
http://www.sciencemag.org/news/2017/05/where-have-all-insects-gone
Wilson, E. O. e Little ings at Run the world (e Importance and Conservation of
Invertebrates). Conservation Biology 1: 344-346.
Woodcock, B. A., Bullock, J.M., Shore, R.F. et al. 2017. Country-speci c effects of neonicotinoid
pesticides on honey bees and wildbees. Science 356:1393.
Zeuss, D., Brandl, R., Bråndle, M. et al. 2014. Global warming favours light-coloured insects in
Europe 5:3874.

Você também pode gostar