A Compreensão Da Experiência Do Adoecer Pela Perspectiva de Pessoas Com Câncer Hospitalizadas
A Compreensão Da Experiência Do Adoecer Pela Perspectiva de Pessoas Com Câncer Hospitalizadas
A Compreensão Da Experiência Do Adoecer Pela Perspectiva de Pessoas Com Câncer Hospitalizadas
RECIFE
2015
1
ALINE AGUSTINHO DA SILVA
RECIFE
2015
2
Silva, Aline Agustinho
Banca Examinadora
Assinatura: ______________________________
Assinatura: ______________________________
Assinatura: ______________________________
3
DEDICATÓRIA
Agradeço a Deus pela oportunidade de vida e pelas mensagens escondidas trazidas pelos
pequenos anjos de cada dia.
Ao meu querido pai, Inácio, que através de seu olhar me transmite todo amor e admiração
que sente.
À minha querida mãe, Liane, que a partir de suas mãos me dedica seu amor incondicional.
À minha querida irmã, Rafaelle, que em sua sabedoria e afeto é minha companheira de
jornada de vida.
Ao meu orientador, professor Marcus, que num gesto de confiança aceitou caminhar junto
a mim nesta empreitada e me ofertou sua tolerância, sua colaboração e seus
conhecimentos.
Aos professores, Rosinha e Libório, que me acolheram, afetuosamente, para que este
projeto pudesse ser concluído.
Às amigas queridas: Sophia, Waleska, Eugênia, Allyde, Bel, Lívia e tantas outras que me
ajudaram das mais diferentes formas ao longo dessa caminhada.
Às minhas chefias, que me permitiram empregar tempo na realização deste trabalho para
que ele se tornasse possível.
À equipe de saúde das enfermarias de Oncologia do IMIP, que colaborou com a indicação
de possíveis participantes para essa pesquisa.
Aos pacientes que aceitaram dividir, por um instante, seus mundos comigo.
5
“Sem dúvida o homem precisa de solidão para perceber que não está sozinho, que
nunca esteve sozinho; deve ter solidão para verificar que a sua fala consigo mesmo
é e sempre foi um diálogo”.
Sendo um fenômeno que permeia o existir, o adoecer se torna alvo importante de reflexões
para diferentes abordagens. Enquanto experiência do humano, possui caráter científico,
mas principalmente singular a partir de uma postura não redutora quanto à concepção de
pathos. Concebendo a apropriação do homem no que diz respeito às suas formas de
comunicação consigo e com o mundo, são observados diferentes modos de ação dos
pacientes hospitalizados que lidam com o adoecer de câncer. Enquanto uns não
conseguem dar qualquer sentido à vivência desse fenômeno, outros vislumbram o adoecer
como horizonte de crescimento em suas jornadas de vida. A partir do conhecimento de que
tantos outros modos de estar no mundo podem se fazer presentes entre essas pessoas, este
estudo tem como objetivo geral a busca pela compreensão da experiência do adoecer pela
perspectiva de pessoas com câncer que se encontram hospitalizadas. Pesquisar sobre a
vivência de internamento em enfermaria oncológica e compreender o desvelamento de
sentidos na experiência do adoecer com câncer constituem os objetivos específicos.
Visando conciliar a proposta desta pesquisa com o conhecimento prático adquirido pela
pesquisadora enquanto psicóloga hospitalar, foram utilizados como instrumentos a
entrevista geradora de narrativa e o diário de campo. Os dados foram coletados em hospital
de grande porte da cidade de Recife – PE, numa enfermaria de oncologia, com
participantes de ambos os sexos e idade mínima de 18 anos. Tendo como fundamentação
teórica os estudos do psiquiatra Viktor Frankl, os dados foram analisados a partir da
perspectiva da filósofa Dulce Critelli no que se refere ao movimento de desvelamento do
fenômeno, e de Gadamer, com sua noção de conversação e fusão de horizontes. Como
resultados foram obtidas narrativas que propiciam o desenvolvimento de novos olhares
para o fenômeno do adoecer, desmistificando alguns pensamentos culturalmente
estabelecidos que restringem a vivência do câncer ao sofrimento intenso e inevitável.
7
ABSTRACT
Being a phenomenon that permeates the existence, sickening becomes an important target
of reflections for different approaches. As a human experience, it holds a scientific
character, but primarily singular from anon-reductive posture regarding the conception of
pathos. Conceiving human appropriation with regard to one’s own ways of self-
communication and communication with the world, it’s possible to observe different
means of action by hospitalized patients who deal with sickening by cancer. While some
don't succeed in giving any meaning to the living of this phenomenon, others glance
sickening as a growing horizon in their life journey. Based on the knowledge that so many
other ways of being in the world can be present among these people, this study states as its
main objective to search for comprehension of the sickening experience by the perspective
of cancer patients under hospitalization. To research the internment experience in
oncology infirmary and to comprehend the unveiling of senses in the experience of
sickening by cancer constitute the specific objectives. Aiming to conciliate the proposal of
this research with the practical knowledge acquired by the researcher as a hospital
psychologist, the tools used for the research were the narrative interview and the field
diary. The data was collected in a large hospital in the city of Recife - PE, in an oncology
infirmary, with participants of both sexes and with the minimum age of 18. The theoretical
fundamentals were based upon the studies of the psychiatrist Viktor Frankl, the data were
analyzed by the perspective of the philosopher Dulce Critelli regarding the unveiling of
senses and of Gadamer concerning his notion of conversation and fusion of horizons. The
results were obtained as narratives that allowed the development of a new look in the
sickening phenomenon, demystifying some culturally established beliefs that restrict the
experience of cancer to intense and inevitable suffering.
8
RESUMEN
9
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.............................................................................................................. 11
METODOLOGIA................................................................................................................ 16
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 81
ANEXO ............................................................................................................................... 86
10
APRESENTAÇÃO
Tal explicação poderia dar cabimento à ideia de que a doença seria, portanto, um
caminho almejado para o entrar em contato com o que o homem necessita conhecer de si
mesmo. Contudo, esta não é a opinião da pesquisadora, que percebe, hoje, o adoecer como
um processo eleito, entre outros, para acessar algo de íntimo que pode ser cuidado para que
haja a possibilidade de um florescimento de verdadeiras potencialidades. É um caminho?
Sim. É o único? Não. Lembrando as palavras do psiquiatra Vitor Frankl, que será trazido
como fundamentação teórica desse estudo, compreende-se em sua obra: Em busca de
sentido (2011) que não evitar um sofrimento evitável não se trata de heroísmo, mas sim de
masoquismo. Sendo assim, este trabalho não se trata de um convite para o adoecer, mas
um convite para o viver, inteiramente, inclusive a enfermidade. E se esse adoecimento for
aquele temido por muitos ao trazer o estigma da morte – como o câncer – que seja o
mergulhar ainda mais profundo, pois por que não aprender também com uma das poucas
certezas da existência?
Todos nós somos por vezes pegos por situações nas quais tínhamos certeza e segurança de
tudo e, de repente, como um golpe do destino, nosso mundo desaba, e as certezas que nós
tínhamos sobre o mundo e sobre nós mesmos se diluem no ar. É neste momento, dominado
pelo Pathos, que encontramos a encruzilhada onde ou nos reconstruímos, ou sucumbimos,
pois não cabemos mais em nós mesmos (Pelizzoli, 2013, p. 37).
11
A indagação apropriada, para o filósofo, seria sobre o que a doença quer dizer ao doente.
Seria preciso para os seres humanos o reaprendizado de que as perturbações da saúde são
alertas para que se atente à importância da busca pelo equilíbrio.
A doença não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem, e sim um modo peculiar de
a pessoa se expressar em circunstâncias adversas. É, pois, como suas outras manifestações,
um modo de existir, ou de coexistir, já que o homem não existe, coexiste. E como o ser
humano não é um sistema fechado, todo o seu ser se comunica com o ambiente, com o
mundo, e mesmo quando, aparentemente, não existe comunicação, isto já é uma forma de
comunicação, como o silêncio, às vezes, é mais eloquente do que a palavra (Campos, 1995,
p.48).
Dahlke (2007) afirma que o câncer costuma assombrar nossa época afetando não
somente seus portadores, mas toda uma sociedade que ainda o mantem como tabu. Para
ele, o câncer torna evidente a relação entre corpo, alma, mente e sociedade, tendo em vista
o fato inegável de se tratar de patologia multifatorial. Apesar dos avanços já obtidos pela
ciência, que avança em recursos tecnológicos constituintes de importante repertório para o
tratamento da doença, o câncer ainda sustenta um lugar de medo devido à sua trajetória na
história da humanidade. O homem, interessado em sua qualidade de vida, teme seu corpo
12
quando este se apresenta de forma diferente do esperado. A doença, segundo Boss (1981),
é uma ameaça que permeia a vida; chamamento para a morte.
É evidente que, nem sempre, essas descobertas ocorrem, pois é preciso estar aberto
e se responsabilizar por tal processo. Contudo, cada ocasião onde foi possível o encontro
com pessoas que quiseram “assumir o leme” repondendo aos questionamentos que a vida
lhes fez, se evidenciou também, na pesquisadora, um sentido para estar ali. Continuando
com o pensamento de Frankl (2011, p.101), “Não perguntamos mais pelo sentido da vida,
mas experimentamos a nós mesmos como os indagados, como aqueles aos quais a vida
dirige perguntas diariamente e a cada hora”.
13
A literatura, neste caso, não traz respostas quanto ao que se almeja neste estudo,
tendo em vista que o enfoque da pesquisa não está em visões pré-formadas sobre o câncer,
mas sim no desvelamento de um fenômeno que pode ser expresso por aquele que vivencia
tal experiência. Justifica-se a relevância desse questionar pelo fato de que, além de
variadas possibilidades de compreensões existentes sobre o fenômeno do adoecer, notam-
se também diferentes modos de ação das pessoas que lidam com a enfermidade – o que
desperta o olhar da pesquisadora para essa questão. Como comentam Corrêa e Valle
(2002), é pertinente considerar a produção de conhecimentos fundamentados na
compreensão existencial do homem, permitindo que sua dimensão humana possa ser
considerada para além da perspectiva técnico-científica.
14
análise/interpretação das narrativas transcritas permitiu a percepção de que o adoecer de
câncer pode propiciar diferentes encontros de sentidos por parte daqueles que o vivenciam.
15
METODOLOGIA
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências
Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte
da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o
que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com
seus semelhantes. O universo da produção humana que pode ser resumido no mundo das
relações, das representações e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa
dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos (Minayo, 2007,
p.21).
Turato (2003) aponta que o investigador qualitativista chega ao campo não com o
intuito de entender/interpretar as pessoas em si mesmas e explicar o que, de acordo com
sua perspectiva, acontece com elas. Antes, dá ênfase às significações das pessoas e
comunidades imersas em seu setting natural, e não em ambiente que procure reproduzir
situações que fujam à realidade cotidiana que se busca compreender. Refere ainda que “o
campo da experiência não pode ser identificado com o da realidade, mas o campo da
experiência é, sim, o dos fenômenos, enquanto nos aparece e como nos aparece” (p.209).
16
numa interrogação sobre determinado fenômeno. Ele procura alcançá-lo da forma como
ele se apresenta na própria experiência. O pesquisador inicia seu caminhar questionando o
fenômeno, oferecendo postura aberta e receptiva para acolher tudo o que o interlocutor
trouxer na ocasião do encontro. “A fenomenologia poderia ser descrita como a tentativa de
encontrar um aparato conceitual que, em contraste com as teorias e investigações
descorporificadas da ciência empírica, seja baseado na experiência vivida” (Svenaeus,
2012, p.375).
17
“É a narrativa da história pessoal que faz emergir o sentido da vida. E é juntando
‘história’ e ‘sentido’, que a narrativa enreda os eventos, transformando a vida em
biografia” (Critelli, 2012, p. 5).
18
necessário, ao longo do internamento do participante, visando minimizar qualquer dano
eventual que a pesquisa pudesse ter causado.
Para atender ao objetivo da pesquisa foi feito uso da Analítica do Sentido, de Dulce
Critelli, na análise dos dados coletados através de sua conceituação quanto ao que seria o
Movimento de Realização, movimento este que, em seu fundamento e desdobramento, são
temporais, existenciais. A hermenêutica filosófica de Gadamer também permeou a postura
da pesquisadora no que traz a sua tônica de que a compreensão é produzida na
dialogicidade participativa do encontro de horizontes distintos.
O retorno aos participantes da pesquisa será por meio de contato individual onde
discutiremos os resultados alcançados, desde que haja o interesse por parte dos
colaboradores.
19
1.SOBRE O ADOECER E O CÂNCER: RELAÇÕES COM A MEDICINA, A
PSICOLOGIA E A EXISTÊNCIA
“Não se trata mais de liberar o homem de sua doença, e sim de guiá-lo até a sua verdade”.
(Frankl, 1978, p.193).
20
Considerando as doenças como "entidades" externas ao organismo e que o invadem
para se localizarem em várias das suas partes, temos ainda perspectivas conservadoras
ligadas a uma forma de medicina que dirige os seus esforços na classificação dos
processos de doença, na elaboração de um diagnóstico exato, procurando identificar os
órgãos corporais que estão perturbados e que provocam os sintomas. É um ponto de vista
redutor que explica o adoecimento na base de órgãos específicos afetados. Assume que a
doença é uma coisa em si própria, sem relação com a personalidade, constituição física ou
o modo de vida do paciente (Dubos,1980). Esta ainda é uma perspectiva utilizada pela
medicina atual, mais precisamente a ocidental.
A palavra grega pathos possui vários significados, se destacando entre estes dois
sentidos principais: o passional, a paixão, a passividade; e o patológico, a doença, presente
no diagnóstico médico. De acordo com Martins (1999), a fronteira que separa estas duas
perspectivas é frágil e varia de acordo com a época e a civilização. Vertentes histórico-
filosóficas explicam o pathos de maneiras diferentes. A vertente aristotélica compreende a
paixão como conteúdo próprio do humano, que não deveria ser extinto nem reprovado. A
segunda vertente, derivada de Platão e do estoicismo, concebe a paixão como um
obstáculo, empecilho, força que precisa ser vencida.
Segundo Ceccarelli (2003), o que está em jogo nestas duas posições, e que afeta
tanto os que padecem de sofrimento quanto aqueles que se propõem a cuidar dele, é a
questão da responsabilidade. Enquanto a posição aristotélica estende esta noção, a estóica
a restringe. Enquanto para um deve-se entender o pathos para tirar-se proveito dele, para o
outro, ele deve ser destruído por tratar-se de uma doença. O interesse em simplesmente
silenciar o pathos-paixão notado em boa parte das propostas de tratamentos curativos
atuais sacrifica a oportunidade de compreensão de si mesmo. De acordo com a mesma
autora, somente no final do século XIX e início do XX é que pathos passou a ser associado
à patologia, tendo se perdido o sentido da experiência.
Como autor de sua própria história, o paciente precisa se apropriar de sua vida e de
tudo que ela abarca. Estar doente e buscar o restabelecimento da saúde se trata de
responsabilidade do sujeito que se encontra enfermo. É ele quem pode curar a si mesmo.
“Pensamentos, que são a energia da mente, influenciam diretamente a maneira como o
cérebro físico controla a fisiologia do corpo” (Lipton, 2007, p.147). Doenças como o
câncer trazem à tona a evidência do encadeamento das facetas do humano onde não é
23
possível a separação entre físico e psíquico. Ciente da importância de sua participação em
todo processo de adoecimento e tratamento, o paciente se implica e reconhece sua
potencialidade para conquistar o equilíbrio representado pela saúde. Seu modo de se
posicionar frente à experiência vivida interfere positivamente ou negativamente em suas
defesas física e psíquica.
Hoje em dia os pesquisadores partem do princípio de que células degeneram com relativa
frequência, mas tornam-se inofensivas graças a um bom sistema de defesa. A fraqueza das
defesas do organismo tem, portanto, um significado decisivo para o surgimento do câncer.
De fato, é frequente encontrar em retrospecto um colapso das defesas justamente na época
em que se presume que o tumor tenha surgido (Dahlke, 2007, p.68).
24
mesmo, onde o paciente possa acessar sua história, não como expectador que assiste ao
fatídico de sua existência, mas como autor responsável por seu modo de ação no mundo e
que, portanto, pode escolher como se colocar nesse caminho.
Enquanto fenômeno que circula pelas mais variadas instâncias, o adoecer constitui
uma experiência do humano que possui caráter científico, mas principalmente singular,
pois age em consonância com o esforço empregado por cada indivíduo no seu processo de
autoconhecimento e busca por sentidos. Percebe-se, portanto, que a busca por integração
se mostra indispensável para aquele que intenciona entrar em contato com sua verdade,
conhecendo e se aprofundando em todos os seus aspectos de vida: sombra e luz, doença e
saúde.
“O ser humano adoece sempre como uma totalidade e então o câncer tem um
significado dentro da história pessoal do paciente e, muitas vezes, se constitui na única
maneira suportável de viver por ser mais acessível às deficiências adaptativas do
indivíduo” (Angerami-Camon, 2004, pp.78-79).
Groddeck (1992) afirma que “a doença não existe como entidade, mas somente
como expressão da totalidade do homem” (Ramos, 2006, p.68). Curar, para o autor,
significa interpretar corretamente o que essa totalidade está tentando expressar através dos
sintomas e ensinar-lhe um modo menos doloroso de auto expressão.
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Não há dúvida de que o avanço tecnológico trouxe inúmeros benefícios para o
tratamento de doenças graves como o câncer. Encontrar recursos que colaborem com a
melhora da qualidade de vida daqueles que sofrem pelo adoecimento é de extrema
importância, mas nada substitui o olhar abrangente para o indivíduo. Supervalorizar o
técnico em detrimento do humano pode gerar o oposto do que se almeja nessa busca por
melhorias. Olhar para o ser em suas múltiplas facetas não é postura que deva se restringir
ao trabalho desenvolvido pelo psicólogo, mas missão que deve fazer parte da atuação de
qualquer profissional de saúde que se atualize em sua função de cuidar. “Somos campo de
força e ação, não realidades separadas” (Quintas, 2013, p.91).
Para que o serviço prestado pela Psicologia possa alcançar, no entanto, dimensões
que vão além do sofrer é preciso dar voz também à dor sentida, dor essa que se refere aos
diversos procedimentos que fazem parte do tratamento, mas principalmente à dor por não
caber num corpo que já não responde como antes. Numa sociedade onde farta é a proposta
de se evitar a dor, percebe-se também o risco de se evitar o humano. Enquanto porta voz
do sentir, o psicólogo pode facilitar não somente o livre expressar, mas também a
oportunidade de transcendência encontrada em qualquer ocasião de vida.
Se a dor não tem lugar no mundo moderno, a experiência também não terá. Isso ocorre
pelo fato de que a experiência é imbuída por si própria de pathos, pois ela expõe o ser à sua
finitude, de forma que não há como passar pela experiência sem ‘provar’ do sofrimento.
Entendendo a experiência como um processo do ser humano permeado por mudança,
abertura, alteridade e pathos, ela demanda um voltar-se a si próprio, e esse voltar-se
traduz-se necessariamente num tatear os limites do ser (Pelizzoli, 2013, p. 22).
26
Atualmente, já se sabe que há uma relação evidente entre as emoções e o
desenvolvimento do câncer como elemento que contribui para a eventual baixa da
eficiência do sistema imunológico (Veit & Carvalho, 2008).
Seguindo essa linha de pensamento, cada vez mais autores trazem suas perspectivas
não dicotomizadas, onde o adoecer ou o estar saudável não se restringem a movimentos do
orgânico ou do psíquico. Como pontua Liberato (2008, p.234), “A sabedoria está no corpo,
a inteligência está em cada célula do corpo. A psique se estende pelo corpo”.
Sendo assim, de acordo com a maneira pela qual o homem elege se posicionar no
uso de seu corpo e de sua psique, diferentes serão os desdobramentos encontrados. Neste
sentido, é reconhecida a complexidade da vivência do câncer, que muito se empobrece ao
ser reduzida ao acontecimento de um órgão afetado. Quando o paciente oncológico pode
ter este tipo de compreensão ele passa a ser agente ativo de mudanças em sua vida, mesmo
quando o seu prognóstico não lhe traz a perspectiva de cura biológica. “As chances de
acabar com o câncer são muito melhores quando toda a pessoa admite o confronto e não
envia unicamente o corpo como seu representante na batalha” (Dahlke, 2007, p.71).
Frankl (2012) afirma que nós, profissionais, não podemos receitar para os pacientes
o sentido da vida, mas nos deixa com a tarefa de tornar compreensível o fato de que nossa
vida pode ser dotada de sentido, em qualquer circunstância, até o último instante. Diante
de vivências que o remetem à finitude, o homem pode também questionar aquilo que
Frankl nomeia como vontade de um sentido derradeiro. Para o psiquiatra (2009), é
justamente essa vontade de sentido que tem sido amplamente frustrada, atualmente,
gerando no ser humano a sensação de falta de sentido que traz como consequência o vazio
interior, que é denominado pelo autor como vazio existencial. O mesmo segue destacando
que o vazio existencial pode ser melhor compreendido como uma neurose sociogênica,
onde a sociedade industrializada busca satisfazer todas as necessidades humanas possíveis
tendo a sociedade de consumo como criadora de necessidades que possam depois ser por
elas satisfeitas.
Seja ele qual for, o sentido se apresenta como estruturante na vivência de quem o
busca. A condição do estar doente ou saudável traz em si possibilidades únicas de
atribuição de sentidos que precisam ser encontrados pelo próprio indivíduo, visto que cabe
27
a ele esta tarefa de se relacionar com seus símbolos, que nada são se não estiverem
inseridos num contexto. Para Cecarelli (2003), trata-se de “criar” uma psicopatologia
própria para cada sujeito, que lhe permita transformar em experiência as manifestações de
seu pathos.
Como esclarece Quintas (2013), a partir dessa perspectiva, a teoria deixa de ser
absoluta e se torna relativa. É preciso lidar com a questão do sentido, e não com causas
explicativas que apenas alimentam o conhecimento. Causas explicativas representam
resultados, certezas, ou seja, o homem pronto que só encontramos nos livros. “O que é
possível fazer é dar a entender ao paciente que até o último momento a vida tem a
possibilidade de ter sentido, sob quaisquer circunstâncias e condições” (Frankl, 2009,
p.102).
O ser/paciente pode expor sua dor exatamente como está sendo sentida, vivida e qual o
sentido que ele mesmo dá ao problema. Estou o tempo todo implicada com a tarefa
existencial que vai para além das palavras, vou acompanhando a expressão viva daquilo
que ele, o ser/paciente, quer e pode me comunicar (Quintas, 2013, p.105).
28
Quando o homem está enfermo, ele pode iniciar um processo de indagações acerca
de tudo aquilo que ele concebe como fazendo parte de sua existência. Estar no mundo lhe
traz a imposição da liberdade de escolha no que se refere ao seu modo de se posicionar
frente àquilo que lhe acontece, inclusive o adoecer. Diante desse fato, compreende-se o
motivo pelo qual variadas são as respostas dadas à vida por aquele que se vê com um
diagnóstico de câncer. Para que o psicólogo alcance uma escuta fidedigna que realmente
considere as idiossincrasias de cada indivíduo é preciso estar atento a como se dá o
desvelamento desse fenômeno para cada um que o vivencie. Trata-se de um encontro
existencial entre o paciente e o profissional que, como diz Quintas (2013, pp.66-67), “É
aquele baseado na relação de espontaneidade, entre subjetividades, objetivando o
acontecer humano, no aqui e agora vivencial, no campo perceptivo-existencial do paciente,
cuja energia poderá fluir e ser transformadora”. Seguindo esta linha de pensamento onde a
doença traz em si um sentido, a ação médica deixa de se limitar à localização da parte
doente do corpo, mas passa a incluir a compreensão de um fenômeno e seu significado
existencial.
É natural que alguém doente deseje reconquistar a saúde, a ponto de lhe parecer que este
seja o supremo objetivo da vida. Mas na realidade a saúde é apenas um meio para um fim,
uma precondição para que se obtenha qualquer coisa que possa ser considerada com
significado em um determinado contexto e situação. Em tal caso é preciso estabelecer qual
seja o fim que está além dos meios (Frankl, 2005, p.26).
29
Em sua experiência com grupos de pessoas com câncer, Silva (2009) tece os
seguintes comentários: “Percebi que a doença desperta uma profunda angústia, muitos
medos e incertezas. Sentia, a cada encontro nos grupos, a presença da morte a lhes exigir
um paciente trabalho de avaliação e reconstrução de sentidos existenciais” (p. 11).
Aposto no homem, no diálogo que busca descobrir como aquele ser, em sua singularidade,
responderá aos seus dilemas e as questões da sua própria existência. Essa verdade, sim,
tem o poder transformador. Pede uma decisão consciente e responsabilidade por suas
30
escolhas, e esse é o ponto fundamental do pensamento existencialista (Quintas, 2013,
p.82).
“O hospital põe a morte à distância, para os outros, para os saudáveis, a tal ponto que eles
acabam, por vezes, esquecendo-a. [...] Pobres crianças que somos! Outros, contra a
angústia, se entopem de ansiolíticos, outros se atordoam no trabalho ou no prazer... Fingem
não morrer, e é a isso que chamam sua saúde.” (Comte-Sponville, 1997, p. 67).
Devo dizer que estar com eles, pacientes/sofrentes, fez me exercer muito mais que uma
tarefa. Considero ter estabelecido verdadeiros encontros. Diante da dor e do sofrimento,
havia algo que não era meu, mas que me parecia muito familiar. Silenciosamente, eu os
acompanhava e compreendia com uma atitude fenomenológica de abertura, disponível para
a escuta, linguagem compartilhada, que é do humano cuidando de outros humanos
(Quintas, 2013, p.83).
O que se pensa quando a palavra é hospital? Estar internado é uma experiência que
pode despertar diversos sentimentos que perpassam pela sensação de desamparo,
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desconforto físico, medo, ansiedade e perda do que, até então, se tinha como referenciais
de vida (Veit & Barros, 2008).
Silva (2009) pontua que o cuidado é o que nos faz existir, não se restringindo a
algo que perpassa e fundamenta apenas as ações em saúde, mas também a própria
existência. “Aquele que já não domina seus movimentos e percebe que alguém ajeita o seu
travesseiro ou arruma a sua coberta sente-se respeitado e acolhido. A mão que alivia
32
mostra ao outro que ele é uma pessoa. O sujeito está doente, não é a doença” (Mercer,
2011, p.39).
33
[...] A prática clínica psicológica em instituições reinventou as ações próprias da clínica
tradicional, fugindo dos modelos assistenciais, inserindo-se às equipes de saúde e
realizando sua prática no ambiente das enfermarias, onde tudo acontece. No âmbito
hospitalar, o psicólogo realiza ações adequadas a esse novo campo de atuação [...]. Atua na
tríade paciente, família e profissionais de saúde modificando, portanto, antigos paradigmas
da metafísica, que fragmentam o homem e separam corpo/mente, para intervir nas
dimensões biopsicossociais do sujeito enfermo. Assim, nos aproximando da dor/sofrimento
do paciente, e do saber de outros profissionais, podemos compreender de forma mais
profunda o sofrimento humano, pelo viés do cuidado e avançar no conhecimento [...]
(Souza& Morato, 2009, p. 166).
O homem é um ser que busca respostas. Com sua capacidade intelectiva ele tenta
alcançar o domínio dos mais variados fenômenos que ocorrem no Universo. Desde a
infância, o ser humano inicia suas indagações, que nunca mais terão fim. Percorrer os mais
diferentes caminhos nessa busca transmite a ideia de que quanto mais conhecimento se
adquire, mais perto se chega da verdade. Diante do adoecer, esse movimento pode se
tornar ainda mais intenso, pois o homem anseia por causas que lhe tragam a informação
acerca do que estaria acontecendo consigo. Tentando ter de volta o “controle” da situação,
34
ele pode buscar variados horizontes ilustrados por médicos, pesquisas ou pessoas que
também se encontram enfermas. Após rodar por “todo o mundo”, o ser humano pode fazer
o caminho de volta e se recordar do único lugar no qual ainda não se tornou um
desbravador aventureiro – o universo de si mesmo.
Para a contemporaneidade, falar sobre o adoecer não tem sua importância restrita
ao próprio fato. É inegável que se olhar só para si, o homem perderá a noção do todo que
lhe constitui e que é constituído por ele. Sendo assim, estar doente é uma condição que não
fala apenas do José ou da Maria. Fala de uma sociedade, um mundo onde uma de suas
línguas é o adoecer. Como toda língua é permeada por seus significados, é possível se
considerar que estando doente o ser humano evidencie o movimento do seu tempo. E que
tempo é o de hoje? O fenômeno do adoecimento caminha junto com a evolução do
homem, mas é a sua forma de vivenciar esta experiência que marca o momento histórico.
De acordo com Sá (2012), poucas experiências motivam tanto o homem a lutar pela
preservação de suas vidas e serem úteis quanto a vivência de uma enfermidade
potencialmente letal. Como é de conhecimento geral, o câncer é uma das doenças que
carrega em si o rótulo dessa potencialidade devido à sua morbidade e mortalidade ainda
elevadas (Silva, 2009).
Conforme Turato (2003, p.248), “numa experiência de vida, tal como, por
exemplo, o acometimento por uma doença, entendemos que esta traz significações
múltiplas, sejam elas conscientes ou inconscientes, para a pessoa que vivencia ou para
aquele que observa e percebe o fenômeno da enfermidade no outro”.
Critelli (2012) afirma que o pensar é compreensão quando tem como fim o
entendimento do sentido de algo ou de uma situação para que seja possível o lidar com.
Diante de eventos inesperados que abalam a forma cotidiana e habitual de entender e ser, o
35
homem se sente perplexo e paralisado como se tivesse perdido seu lugar no mundo. Seria
aí, propriamente, que a compreensão começaria.
Falar sobre qualquer tipo de doença poderia servir para os propósitos dessa
pesquisa, onde o foco se encontra na experiência das pessoas, e não na própria patologia.
No entanto, a partir da minha experiência enquanto psicóloga hospitalar, foi no adoecer de
câncer que diversos sentidos de vida vieram à tona durante os atendimentos, suscitando o
meu interesse em me aprofundar nesse mundo. Foram encontros existenciais que me
permitiram enxergar pessoas – algo que pode parecer óbvio, mas que, quando se tem à
frente corpos debilitados, prognósticos ruins e espaços como o de uma enfermaria
oncológica, pode significar muito. E quando essas pessoas também conseguem nos ver
como tais, e não apenas como profissionais que ali se encontram cumprindo seus afazeres,
temos uma oportunidade ímpar de desenvolver um encontro único, capaz de modificar
aquilo que antes parecia imutável: o modo como vemos ou como sentimos o mundo e a
nós mesmos. O “fraco” se fortalece, o “forte” se enfraquece, o “belo” se sente feio, o
“feio” se sente belo, o que achava que não amava começa a amar, o que se via sozinho se
sente acolhido, o que se via cercado de gente se sente só. E é assim que cada um vai
seguindo sua jornada de vida. Retirando, algumas vezes, o véu de Maia (véu da ilusão), em
outros casos, o colocando para tentar não sentir dor.
Existem registros que sinalizam o câncer como uma doença que existe há milhares
de anos. Além de fósseis de dinossauros que trazem lesões correspondentes com o
diagnóstico da doença, também foram encontrados, em diferentes partes do mundo,
desenhos e escritos primitivos que constituem descrições de variados tipos de cânceres
(Silva, 2009).
36
Como um movimento cíclico onde se faz necessário o resgate de algo já presente
desde a origem, a humanidade mostra hoje uma sede por reencontrar aquilo que já se via
na antiguidade. Os médicos não se detinham aos aspectos biológicos, mas consideravam
também fatores como o ambiente e a cultura, além de aspectos sociológicos, familiares,
psicológicos e espirituais (Landskron, 2008).
37
autores citados acima (2010, p.40), tal noção transmite a ideia de que “a consciência está,
permanentemente, projetada para fora de si mesma – dirigida a um objeto”. Sendo assim, o
objeto de estudo da Psicologia Fenomenológica é a vivência intencional, sentido da
experiência humana. O fenômeno é compreendido como o aparecer do objeto, o surgir de
sua vivência intencional, e não como o próprio objeto da experiência. O filósofo Martin
Heidegger, por sua vez, também se inspirou no pensamento husserliano ao tentar descrever
os fenômenos de acordo com suas maneiras de aparecimento e modos de exibição. Dessa
forma, a noção de intencionalidade desenvolve um papel fundamental. “Heidegger a
apreende a partir do pensamento de Husserl, que considera a intencionalidade uma
dimensão constitutiva estrutural da consciência, de modo que esta não pode ser pensada de
maneira insular, como se fosse uma mônada fechada sobre si própria, contraposta ao
mundo dos objetos que ela mesma representa” (Giacóia Jr., 2013, p. 34).
A filósofa refere em sua teoria que tudo o que há só chega à sua plena existência,
isto é, torna-se real quando ocorrem as seguintes etapas: desvelamento, revelação,
testemunho, veracização e autenticação. O desvelamento ocorreria quando algo é
desocultado. A revelação seria o momento em que algo é acolhido e expresso através de
uma linguagem. O testemunho se dá quando este algo é visto e ouvido por outros. A
veracização diz respeito a algo referendado como verdadeiro por sua relevência pública.
Por fim, a autenticação se dá diante da efetivação em sua consistência através da vivência
afetiva e singular dos indivíduos.
38
Dando continuidade às ideias apresentadas por Critelli, foi utilizada também a
hermenêutica filosófica de Gadamer como recurso durante a análise dos dados. Na
concepção do referido filósofo, pesquisador e pesquisado trazem como bagagem suas
tradições permeadas pela história de vida e conceitos prévios de cada um, que atuam
enquanto constituintes não sendo possível a retirada de tal material. Gadamer trabalha com
a ideia de fusão de horizontes, que pode ocorrer, ou não, durante a ocasião de uma
entrevista de pesquisa, por exemplo. Nesta fusão, um novo horizonte emerge trazendo
consigo novos significados para a experiência vivida. “O que nunca devemos esquecer é
que sempre somos parte daquilo que buscamos compreender” e que, sendo assim, nossa
compreensão é permeada por tudo o que trazemos conosco em nossa trajetória de vida
(Lawn, 2007, p. 59).
O Hospital onde foi realizada a coleta de dados foi fundado em 1960 por um grupo
de médicos. Trata-se de uma entidade filantrópica com atendimentos 100% SUS (Serviço
39
Único de Saúde) que atua nas áreas de assistência médico-social, ensino, pesquisa e
extensão comunitária. Entre os 12 prédios que fazem parte desse Complexo Hospitalar se
encontra o Hospital Pedro II, onde estão localizadas as Enfermarias de Oncologia
Masculina e Feminina, ambas de adultos, com 16 leitos cada. Cada enfermaria conta com
um espaço amplo onde se tem também um posto de enfermagem e sala de evolução de
prontuários. Os pacientes ficam na presença de seus acompanhantes, 24 horas, além de
contarem com a equipe de saúde. Esta é formada por médicos, enfermeiros, técnicos de
enfermagem, psicóloga, residentes e estudantes estagiários.
40
DAVID
Idade: 84 anos.
O paciente entrevistado logo quis dividir comigo suas histórias. Notei que ele não
queria se deter na história do câncer. Queria me falar sobre sua vida e o orgulho que tinha
em ser quem é. Trouxe como preocupação seu filho de nove anos. Fora isso, não teria
medo de morrer. Fala da família como algo estruturante. Sente-se bastante acolhido na
enfermaria, tanto pelo tipo de assistência prestada quanto pelo vínculo positivo que teria
estabelecido com as pessoas da equipe. Trouxe discurso de confiança em sua recuperação,
apesar de ter falado sobre a seriedade do médico que lhe comunicou o diagnóstico. Confia
no trabalho da equipe. Traz também como fonte de fortalecimento a sua fé em Santo
Antônio. Depois da entrevista, fez questão de me mostrar a foto do seu filho e as mágicas
que sabe fazer. David fala de vida. Enquanto alguns pacientes oncológicos não conseguem
avançar pra qualquer outro tipo de horizonte que não seja o da doença, David continua sua
história nesse mundo se recordando do passado como algo grandioso e querendo assegurar
o futuro a partir da continuidade vivida através do jovem filho.
JOSÉ
Idade: 49 anos.
O paciente José trouxe com mais ênfase a sua preocupação com o sustento da
família, já que está sem trabalhar. Em relação ao aprendizado, ele coloca que hoje percebe
a importância de cuidar de si. Acredita que teria feito muitas “extravagâncias” (festas,
cigarro, bebida) que teriam influenciado em sua condição hoje, mas não se sente culpado.
Sente-se bem assistido pela equipe. Não fica tão bem na enfermaria porque gostaria de ir
para casa. Comenta sobre certo medo da morte, principalmente quando ocorre algum óbito.
41
Diz que o clima fica “pesado”. Tem esperança de se recuperar e traz discurso de fé.
Comenta que esteve triste no início da doença e que o pai morreu de câncer. José me
transmite a ideia do pai de família, simples, que não pode fraquejar porque senão, além de
limitado pela doença, poderia ser visto, por seus familiares, como homem fraco, bem
diferente do esteio que costumava ser. Homem de cada dia que se preocupa com a
condição daqueles que cuida por se sentir responsável por eles. Estar doente lhe toca em
sua posição de provedor e de figura masculina representativa de base familiar.
ROBERTO
Idade: 58 anos.
ELIZABETH
Idade: 47 anos.
42
com câncer e que aceita os fatos como um grande convite da vida. Receber essa
participante foi o gás necessário para continuar buscando. Elizabeth fala do câncer com
todas as letras, dando nome à doença e olhando de frente. Recebe tudo que chega como
uma oportunidade de crescer, de fazer diferente aquilo que antes era sempre feito da
mesma maneira. Permite-se ser humana e sentir tristeza, mas está certa do que quer –
viver, curar-se. Demonstra estar inteira quando fala, vive a dor e o prazer em suas devidas
proporções. Traz em sua fala a ideia de espiritualidade como fonte fortalecedora, não como
dogma. Acredita que, a partir do momento que escolhe se ajudar, o Universo também
conspira a seu favor. Fala sobre a experiência de estar internada como algo enriquecedor,
por poder conhecer outras realidades, perceber que existem pessoas em condições
diferentes. Vê o hospital como local onde ela vem buscar um “pedacinho da sua saúde”. É
professora de História e trabalha com crianças. Hoje está na parte administrativa. Sempre
foi muito dedicada em tudo na sua vida. Considera que nunca foi prioridade para si
mesma e que o adoecer estaria lhe permitindo esse olhar. Fala que tem planos de viver, de
fazer coisas prazerosas e de não ser tão exigente. Diz que tem recebido muito apoio da
família e que suas filhas também estão confiantes. Entende a doença como oportunidade.
Acredita que vai conseguir a cura. Se sente feliz e expressa sentimento de gratidão por
tudo que tem vivido. Elizabeth transmite intensidade em todas as suas palavras. Mulher
forte que, segundo diz, sempre cobrou muito de si e procurou a perfeição em suas tarefas
diárias. Tanto tempo em busca de aprimoramentos lhe fez se afastar de pequenos prazeres
da vida. Sentir o sol sobre sua cabeça durante o percurso da enfermaria até a sala onde
conversamos pareceu ser um momento único, que não teria sido tão bem aproveitado em
ocasiões anteriores de sua história. Ciente do seu prognóstico, Elizabeth já ouviu
informações difíceis como um suposto tempo de poucos meses de vida. Percebo-me
questionando se a sua postura confiante seria algo referente a uma negação dos fatos, mas
sinto que independente do que venha a acontecer, Elizabeth já está encontrando seu
sentido de vida no momento presente. Estar inteira em seu momento atual, se permitindo
vivenciar cada acontecimento que surge traz o resgate da simplicidade que antes esteve
perdida.Foi muito bom poder ter essa experiência com essa pessoa... Também me sinto
grata.
SOCORRO
Socorro logo aceitou ser entrevistada porque disse que precisava desabafar. Ela traz
muito sofrimento em toda sua experiência de adoecimento. Está tratando o segundo
câncer. O que mais lhe aflige é o sentimento de impotência. Depende da ajuda de outras
pessoas. Sente falta de trabalhar e cuidar de sua casa. Diz que se sente como “igual”
quando está na enfermaria. Igual porque outras pessoas estão doentes como ela. No
entanto, acha que cada um tem um jeito diferente. Às vezes pensa que ela pode ser a única
que se desespera. Passou a ser crente desde que adoeceu, há dois anos. Traz a religião
como algo importante que lhe traz força. “Quando falo com Jesus ele tira tudo”. Diz que
tem fé e que também será curada desse câncer atual. Mesmo assim, parece olhar para mim
esperando que eu traga a certeza desta informação como se eu pudesse dizer: “Sim, você
ficará curada”. Apesar de sua religiosidade, também diz que sente tristeza, revolta (“Por
que estou vivendo isso?”, “Eu não mereço”) e medo (“Se eu me internar, será que volto
para casa?”). Diz que se sente acolhida por toda equipe, principalmente pelos médicos.
Agradece por ter desabafado. Socorro traz o sofrimento em suas palavras. Sente que a
religião vem como único refúgio para dores de quem vive um câncer pela segunda vez.
Não se sente compreendida por seus familiares, que questionam sua sanidade mental pelo
fato de, agora, viver chorando. Sente falta de um amparo maior, que lhe traga segurança
suficiente para que se liberte das dúvidas que ainda lhe aprisionam apesar da suposta fé.
Diante de uma carência afetiva, poder falar sobre o que tem sentido se tornou grande
oportunidade para esta mulher que realmente parece pedir socorro.
MARIA
Idade: 23 anos.
Paciente receptiva à abordagem, faz questão de falar a sua história. Diz que soube
do câncer quando estava grávida e que quis ter seu filho mesmo assim. Hoje ele é
44
saudável. Ela fala que se tornou uma pessoa mais responsável porque entendeu que tinha
que fazer tudo pelo filho. Afirma receber apoio de todos. Demonstra força e confiança em
Deus apesar de saber que seu câncer não tem cura. Diz que só Deus pode curá-la, mas
aceita o tempo de vida que tiver; cinco, dez ou cinquenta anos. Fala com tranquilidade
sobre sua experiência na enfermaria. Prefere não se aprofundar nas experiências alheias e
investir sua força em sua melhora. Relaciona-se bem com a equipe. É católica. Consegue
separar bem os momentos em que precisa estar no hospital dos momentos em que pode
estar em casa. Transmite simplicidade. Orgulha-se em dizer que não se deprime. O fato de
ter se tornado mãe trouxe grande mudança para o que poderia ter sido o diagnóstico de
câncer recebido por Maria. Diante de dois acontecimentos intensos e inesperados, ela
escolhe cuidar de ser mãe, contrariando a primeira opinião médica, que sugeriu que a
mesma interrompesse a gestação. Tendo um motivo a mais para viver, seu filho, Maria
encontra forças para atravessar as dificuldades inerentes ao adoecimento, hospitalização e
tratamento. Tendo a presença do pequeno ser consigo, ela se reveste de coragem e
encontra alegria em vários momentos de sua vida. O câncer, apesar de bastante incômodo,
perde cartaz para o seu sentido de vida maior: cuidar de seu filho enquanto lhe for
permitido.
Receber um diagnóstico é algo que tanto pode vir como alívio, quando se busca
respostas, quanto como sentença que faz com que, naquele instante, o mundo pare por
alguns segundos e que o chão deixe de existir abaixo dos pés. A partir da experiência
adquirida no contato com pacientes oncológicos, notei que existem nuances que se
encontram entre esses dois extremos; mas, para o profissional de medicina encarregado de
fazer tal comunicação, trata-se um momento de tensão, justamente por não se saber que
tipo de reação será observado em cada caso. Nessas ocasiões, pedir a participação da
45
Psicologia costuma ser medida de cuidado não somente para aquele que recebe o
diagnóstico, mas também para aquele que o fornece.
DAVID:
“Eu sofri um pouco, mas confiei nele (no médico). (...) Confiei muito nele. Fiquei triste,
mas eu confio muito nele, em Deus e em Santo Antônio. (...) Minha preocupação todinha
não é morrer, é deixar esse meu filho de nove anos”.
David estabeleceu relação de confiança com seu médico e trouxe sua fé como
sustentáculo para lidar com a informação de que estava doente. Considerando a
representação de morte já incutida na sociedade no que se trata do adoecer de câncer,
David teme a possibilidade de se tornar ausente para seu filho.
JOSÉ:
“Não me abalei não (fala mais alto dando ênfase), tá entendendo? Não me abalei não
porque ele falou não, que eu estava com esse tumor no pulmão. Aí pronto, eu corri atrás
para fazer esse exame. (...) É..., é um pouco, eu não sei nem dizer a você, minha filha, sabe
como é? Aí a ficha da gente cai um pouco, né? Você fica... A cabeça da gente muda,
muda”.
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Ter uma comunicação clara do diagnóstico contribui com a melhor compreensão do
que se passa, clinicamente, com a pessoa que está doente, mas nem sempre é o suficiente
para que a informação possa ser “digerida” pelo sujeito que a recebe.
ROBERTO:
“Tem sido meio ‘estressado’. (...) Eu fiquei meio nervoso, temeroso, chorei um pouco,
fiquei meio incomodado. (...) Senti uma coisa ruim, fiquei nervoso, mas rapaz eu ainda
não estou velho ainda não, estou com 58 anos, mas rapaz como foi que isso aconteceu?
Fiquei vendo a situação do povo. Esse mesmo problema! Vou morrer? Eu entrei até numa
depressão. (...) Fiquei nervoso, sentia dor sem sentir”.
Roberto descreve em sua fala toda uma angústia referente ao medo da morte que,
para ele, parece precoce. Com sua simplicidade e espontaneidade ele fala de todos os
temores e questionamentos realizados ao receber um diagnóstico difícil que, no seu caso,
vem pela segunda vez.
ELIZABETH:
“Tem sido muito suave pra mim. Pode até trazer surpresa pra quem ouvir, mas pra mim
funcionou da seguinte forma: eu acho que em situações limites o ser humano tem duas
saídas – ou ele acredita, ou ele desiste. Eu optei por acreditar. Em momento nenhum foi
47
difícil ficar com câncer. Dei nome a ele – estou com câncer, o câncer se localiza no
intestino, tem metástase no fígado e agora vamos para os próximos passos”.
Nos anos de atuação junto a pacientes oncológicos, percebo a ligação direta entre a
postura assumida pelo paciente e sua resposta global ao tratamento que, no caso dessa
colaboradora, se torna ainda mais importante considerando seu prognóstico difícil.
SOCORRO:
Mais uma vez o medo da morte surge na fala de um dos entrevistados. Socorro
encontra, antes da fé, o desespero, que parece ter sido ampliado por se tratar de uma
recidiva (segundo diagnóstico de câncer). Como no mito de Sísifo, a participante se vê em
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desespero por ter que recomeçar um trabalho já realizado anteriormente. Na história do
mito, Sísifo teria que rolar diariamente uma pedra montanha acima até o topo. Ao chegar
ao topo, o peso e o cansaço promovidos pela fadiga fariam a pedra rolar novamente até o
chão e no outro dia ele deveria começar tudo novamente, e assim para todo o sempre.
MARIA:
“Eu era aquela pessoa forte. Nunca baixei a cabeça. Nunca entrei numa depressão, nunca
procurei um psicólogo, nunca! Eu disse, não, eu não preciso disso. Eu tenho fé em Deus
que vai passar”.
Maria parece não hesitar quando comenta acerca de sua maneira de lidar com o
adoecer, desde seu diagnóstico. Além de considerar seus próprios recursos psíquicos, ela
procura viver uma fé que lhe nutre em seus possíveis temores. Não abre espaço para que
seja questionada outra ordem de sentimentos que não seja de positividade e enfrentamento.
No que se refere a esta pesquisa, fica evidenciado que o adoecer de câncer continua
sendo representado pelo potencial de morte, sendo esta um acontecimento pavoroso, um
medo universal. (Kübler-Ross, 2008). Percebeu-se, no entanto, que nas falas onde se faz
presente o pensamento de confiança ou crença religiosa é possível encontrar maiores
condições de enfrentamento na ocasião do recebimento desse diagnóstico.
Quando o diagnóstico já constatou a doença, a pressão é monstruosa. Mas ela pode não
apenas oprimir, pode também dar coragem e promover desenvolvimento. Entretanto,
muitos pacientes vivenciam a enunciação do diagnóstico ‘câncer’ como se fosse
adecretação de uma sentença de morte. Seu caminho de volta está então na resignação [...].
Alguns falam até mesmo de um certo alívio, pois com isso todas as responsabilidades lhe
são tiradas. Outros pacientes tomam o desafio segundo o lema ‘começar a fazer as coisas
certas’. O diagnóstico atua para eles como iniciação para uma nova etapa da vida que deve
transcorrer de acordo com outras leis. Aquilo que para o primeiro grupo é o fim de tudo,
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para eles é o começo. E não é raro que aí esteja o princípio de uma nova vida. Segundo a
experiência da própria medicina acadêmica, o prognóstico médico exerce muito menos
influência sobre a expectativa de vida que a atitude interna (Dahlke, 2007, p.84-85).
DAVID:
“O que eu acho bastante interessante são os médicos tudo novinho, né? (...) Eu confio
muito nele (no médico). (...)Eu brinco muito com as enfermeiras, até com os médicos aqui.
(...) Sou muito bem tratado”.
David traz a confiança que sente na equipe médica apesar de considerá-la jovem.
Tal confiança parece lhe trazer leveza suficiente para lidar com a situação de
hospitalização. De acordo com o relato da própria enfermagem, ele interage positivamente
com todos através da sua habilidade para mágica. David foi indicado pelas enfermeiras
pela sua característica de “gostar de conversar muito”. Ser muito bem tratado, como fala o
colaborador, abriu espaço para sua expressão que vai além do adoecer com câncer.
JOSÉ:
50
“Os cuidados é de primeira! Não tenho o que me queixar dos médicos, de enfermeira, não
tenho do que me queixar de jeito nenhum. Os trabalhos deles é tudo de primeira. É é. De
primeira categoria. Não tenho do que me queixar. (...) Dos enfermeiro e médico é tudo
dez. Não tenho do que me queixar não”.
ROBERTO:
“Está de bom tamanho, as pessoas me dão medicamento. (...) Estou me sentindo bem tratado.
(...) Está boa, atende bem, toda hora chega assim”.
ELIZABETH:
“Muito bem assistida (pela equipe). Muito bem. É encantadora a equipe daqui do IMIP.
Muito boa, muito boa. Poder colaborar com os estudantes, com as pessoas que chegam,
ver um futuro nisso aí; ver os futuros profissionais que vão ajudar as pessoas que
futuramente vão precisar, é um prazer”.
Elizabeth também se sente acolhida pela equipe de saúde. Além de ver como
positivo o trabalho desenvolvido, ela não se coloca apenas como receptora da assistência
ofertada, mas compreende que também pode colaborar com a formação de futuros
profissionais que circulam pela enfermaria pelo fato de se tratar de um hospital escola.
Elizabeth se vê como agente ativo de mudança a partir do seu modo de se relacionar com
tal equipe.
51
SOCORRO:
“São ótimos os médicos, me tratam muito bem, com muito carinho... Meus médicos eles
são tudo bom, amoroso, eles me dão a maior força. As enfermeiras também me dão a
maior força, o médico que eu tô (...) me trata com o maior carinho: ‘Danada, tu vai ficar
boa, danada, tu vai ficar boa’. Ele diz assim comigo. Me trata com o maior carinho, me
abraça... Tudinho. Tudinho lá, as enfermeiras... É tudinho. Ficam dizendo: ‘Tu vai ficar
boa... ’. (chorando) (...) Os médicos me dão bastante apoio”.
Socorro entende como positivo seu relacionamento com a equipe de saúde a partir
de toda oferta de carinho por parte dos profissionais que lhe acompanham. Diante de sua
fragilidade emocional gerada, entre outros motivos, por uma carência afetiva, ela recebe
um apoio que se torna extremamente importante em sua trajetória dentro do hospital. Um
abraço, uma palavra encorajadora – o tratamento recebido por Socorro vai além de suas
necessidades físicas, abarcando também a mulher que sofre. “É importante ressaltar a
importância do toque e do contato físico para pessoas gravemente enfermas [...] O toque
físico resgata a possibilidade de nossa humanidade, do nosso corpo e das sensações”
(Kovács, 2003, p.104).
MARIA:
“Adoro todas as enfermeiras, as médicas. Não tenho o que falar nada, sou bem atendida
aqui. Eu queria ficar internada porque eu sou bem atendida. (...) Sou bem atendida e pra
mim eu fico tranquila, relaxo... Tá entendendo? Sou tranquila. Eu não tenho o que falar
não do hospital, da equipe”.
Ao dizer que queria ficar internada, Maria explica que vinha sentindo fortes dores e
que havia percebido que não conseguiria melhorar em casa. A confiança no trabalho
desenvolvido pela equipe de saúde lhe fez acreditar que poderia ser ajudada caso se
internasse. Confiança essa lhe permite também “relaxar” ao se encontrar hospitalizada. O
vínculo positivo estabelecido com a equipe de saúde parece trazer benefícios importantes
para Maria poder lidar, tranquilamente, com situações decorrentes do
adoecimento/hospitalização.
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Na experiência de relacionamento com a equipe de saúde foi unânime a opinião dos
participantes, que trouxeram impressões positivas onde se verifica não apenas a atuação
profissional, mas o vínculo de confiança e afetividade criado nas relações médico –
paciente – enfermagem.
3.3.3 A hospitalização
DAVID:
“Eu vou dizer uma coisa, eu tive em vários hospitais, mas igual aqui não tem não. O
atendimento bom. (...) Aqui até a enfermaria é diferente. Nem parece com hospital. (...)
Com hospital público nem parece. (...) Não, não parece. Eu senti muita diferença. (...)
Eu... quer dizer, eu me sinto bem, né? Me sinto bem. O que eu tô esperando é a
recuperação, né? Tô esperando isso. Aqui tem uma vantagem porque fora fazer o exame
tem o laboratório, aqui tem tudo aqui. (...) Aqui é um hospital de... De referência. (...) É,
aqui eu me sinto em casa, é uma maravilha. (...) Me sinto muito bem. A única coisa que eu
acho ruim aqui é a comida”.
David tem uma referência negativa de outras instituições públicas que lhe fazem
sentir grande diferença em relação aos benefícios percebidos na instituição em que se
encontra hospitalizado. Ao poder se expressar, do seu modo, sendo acolhido em suas
manifestações, ele consegue se sentir como se estivesse “em casa”.
O próximo participante já traz impressão divergente por ter como foco aquilo que
lhe oprime dentro do contexto hospitalar:
53
JOSÉ:
“Agora, minha filha, pra ser sincero, é muito ruim, viu? É muito ruim! É muito ruim! É
muito ruim porque, é como eu falei a você eu não sou um cara de ficar num canto parado,
direto, como eu ‘tô’ aqui. Eu ‘tô’ porque tem que ‘ta´’, ‘tá’ entendendo? Mas que é ruim,
é. É muito ruim! (...) Por ter que ficar parado, assim, por ter que ficar na cama,
aguardando enquanto eu ‘tou’ fazendo essa bateria desses exames todinho, esperando.
Tem que ter paciência também porque se o cara não tiver com uma cabeça boa aí pensa
em besteira, tá entendendo? (...) Passa muita coisa pela cabeça, não é? (...) Quanto que o
cara vai viver, se vai viver, tá entendendo? (...) Só uma queixa que eu tenho, é de mim
mesmo, mas também é a regra do hospital, é o almoço, tá entendendo? Porque em casa
você almoça de todo jeito, né? Aqui tem aquela regra de sal, de açúcar por causa do
sangue, tudo isso, tá entendendo? Aí eu acho ruim assim. (...) Teve umas semana que,
umas semana logo que eu cheguei que eu tava meio aperriado porque é um pouco duro, a
gente tá assim (...) num local desses. Tem os vizinhos de lado. Uns saem bem, um sai bem,
outros não saem, que você sabe, faleceu um ontem. Desde que eu cheguei Deus já levou,
Deus já levou três. Tem vez que você está bem calmo, tranquilo, aí quando acontece fica
um negócio assim, meio pesado. (...) Na sala (na enfermaria), tá entendendo? Você
continua muito desgostoso. Mas é da vida, né? A gente tem que levantar a cabeça e olhar
pra frente, isso acontece com todo mundo, sempre acontece. Só acho ruim porque é o
clima que fica pesado. (...) Fica porque não é um familiar seu, mas é um que está
passando pela mesma situação que eu estou passando que os outros ‘tão’ passando
também, como a família tem a tendência de chegar, trazer, voltar e voltar pra casa e vão
voltar com a mão vazia, tá entendendo?”
54
A morte se avizinha a partir das experiências de outros e traz à tona o medo que já
parece existir no íntimo do homem que tenta não se deixar levar pelo vendaval de
situações que lhe testam. Estar no hospital, para José, representa aflição.
“Mesmo sendo o câncer uma doença com evoluções e prognósticos tão distintos de
pessoa para pessoa, ver outros pacientes em pior estado traz à tona a possibilidade de a
pessoa também viver aquela situação” (Wanderbroocke, 2011, p.101). Em sua narrativa,
José ilustra tal afirmativa a partir do que traz de seus medos ao acompanhar o que se passa
com pacientes que, em alguns casos, chegam até o óbito.
O próximo participante também traz, em alguns momentos, o foco naquilo que lhe
aflige no ambiente hospitalar. Só através de distrações ele consegue se sentir melhor para
permanecer nesse contexto.
ROBERTO:
“Eu estou achando bom né! Está de bom tamanho, as pessoas me dão medicamento, de
vez em quando vai si embora um, ai eu fico esperando a aplicação. (...) Fico com medo,
não vou dizer que fico feliz, fico só na tensão. (...) Pensando coisa ruim, vim para cá
doente, fico pensando em morte, teve dias que eu fiquei bem grave, eu acho que nem vou
sair, às vezes você fica se distraindo com um amigo aí fica mais leve”.
A próxima narrativa já traz posicionamento bem diferente do que já foi exposto até
o momento. Para a colaboradora seguinte, o foco se encontra nos desdobramentos
positivos da experiência de hospitalização.
ELIZABETH:
55
“É... Assim... É enriquecedor porque você se depara com outras pessoas que, às vezes,
estão num quadro até mais sério, mais grave do que o seu e pessoas que se humanizam
muito e se ajudam muito. Isso enriquece a experiência do ser humano, você passa a
conviver com pessoas que estão, de fato, dando valor a vida, ao próximo. Que precisam de
você e que você precisa deles, que vocês estão juntos no mesmo barco e aí é isso que você
percebe e é muito bom. (...) É, de troca (o sentimento). É uma situação semelhante, né?
Me sinto (bem). Me sinto. Me sinto porque aqui eu venho, eu costumo antes de vir pro
hospital, eu costumo postar algumas coisas nas redes sociais e eu costumo dizer que eu
estou vindo buscar uma nova dose de saúde. Porque é assim que eu encaro o hospital.
Voltar pra minha casa, pra minha família, para os meus afazeres, pra minha comodidade,
pra minha zona de conforto é muito bom. Mas vir aqui buscar o que eu preciso também é
muito bom. Faz parte (a hospitalização, o tratamento), faz parte sim. E que eu, de uma
certa forma, me abri pra isso, pra que todas as partes fossem concluídas porque eu sabia
que não seria só ‘doce’. Eu sabia que teria alguma coisa amarga, azeda para enfrentar;
seria um preço, mas eu quis pagá-lo e até agora não me arrependo. Pretendo continuar”.
56
Como afirma Quintas (2013), “O cenário de uma enfermaria é provocador de
profundas afetações, e o paciente, como ser de possibilidades, valendo-se da atenção
psicológica ofertada, poderá encontrar nessa oportunidade e nesse contexto, um modo de
descobrir sentidos” (p.68). Pelo que se verifica em sua narrativa, Elizabeth consegue, além
de se afetar pelo contexto de hospitalização, encontrar sentidos na experiência vivida.
SOCORRO:
“Aí me bateu um desespero muito grande, eu comecei a chorar... Porque eu não queria
ficar internada. Fiquei muito, muito nervosa. Fiquei muito aperreada. A minha nora
ficava dizendo: ‘Tenha calma, tenha calma, você tá parecendo uma criança; mas não é, é
porque a gente fica muito... Como sentindo alguma coisa como se a gente num... A gente
tem fé tudinho de ficar boa... aí a gente fica muito revoltada. Olha eu fiquei revoltada,
fiquei bastante revoltada nesse dia. Mas agora eu tô aceitando, caí na realidade, tô
ficando melhor. (...) A gente é bastante furado, é muita coisa. Aí dá um desespero. Em
mim mesmo dá. Não sei nos outros, né? Mas em mim mesmo já deu. (...) Me sinto igual a
eles (colegas de enfermaria). Não tá com a mesma doença? Me sinto igual a eles. (...) A
mesma doença, a mesma coisa. Acho que a mesma depressão que eles tem eu tenho. Uns
diz que não, outros diz que sim, já mandou procurar um psiquiatra, tudinho. (...) Uns
dizem que não se aperreiam. De ficar aperreado – ‘Se aperreie, não!’. Mas não tem quem
não se aperreie. (...) É difícil. (...) Ah, eu vejo o povo tudo calado, não sei se é só eu que
vivo aperreada...” .
Desespero parece ser a palavra que define a experiência de Socorro no que se refere
à hospitalização. Saber que precisa do internamento lhe traz extrema angústia a ponto de
por à prova a fé que procura sustentar, mas que parece ser vencida, nesse momento, pela
revolta de ter que se submeter aos procedimentos invasivos que a mesma bem conhece.
Diante de tamanha aflição, Socorro parece querer encontrar abrigo ao se comparar com os
demais pacientes da enfermaria. Sentir que sua dor é algo vivido de modo solitário parece
lhe trazer ainda mais perturbação, o que faz com que ela questione o que os demais
também sentem. Vê-se como igual aos demais por partilhar o adoecer.
57
MARIA:
“Eu gostei. Eu acho tranquilo. (...) Eu queria ficar internada, eu queria me internar. Eu
não tava me sentindo bem na casa de apoio aí eu pedi pra ela me internar e eu tô achando
tão bem de eu tá aqui internada. Porque se ela chegasse hoje pra mim – Maria, você tá de
alta, pode ir pra casa de apoio – eu não queria ir. Porque eu tô me sentindo bem. (...) Aí
eu tô achando tudo tranquilo, eu tô tranquila. Era o que eu queria, o que eu queria e
quero. Dependendo da minha recuperação quando eu terminar a radio ela me dá alta. Se
eu tiver bem, se eu disser que não tô eu não quero ir pra casa... (...) Pra mim eu num... Eu
num... Tem gente que acha incrível assim, eu não sou uma pessoa que sente pena, sente
dó. A pessoa tá ali, tem uma paciente ali doente passando mal, mas eu tô ali tranquila.
Cada pessoa tem um caso. Cada caso é um caso. Eu tô ali cuidando de mim, eu tenho que
pensar em mim e em eu ficar boa. Cada pessoa tem um caso. (...) Eu sou mais... Não
converso muito com paciente não. Eu converso mais com as colegas, acompanhantes. A
gente conversa, eu desabafo... ‘Como é tua história, de onde tu é... Então, com os
pacientes eu nunca gostei, nunca gostei de chegar e desabafar com paciente não. (...) Pra
mim, eu não gosto de incomodar eles. Eu não gosto de chegar e contar meu caso e eu
também não quero saber do caso deles. Eles tão na deles e eu na minha. (...) Eu sei que
todos eles tem a doença que eu tenho, só que é a minha doença e cada um tem a sua. Aí eu
sei que a pessoa tá lá com aquele problema, por que eu vou ir lá pra querer saber? Não
interessa pra mim. Eu não gosto que as pessoas fiquem: ‘Á, minha mãe tá doente... ’.
Quero não. Cada caso é um caso. Eu tenho que pensar em mim. Eu tenho que pensar em
mim. Por que eu ficar assim... Eu não me preocupo, não. Não fico sem dormir porque
aquela pessoa tá mal. Pra mim, cada caso é um caso”.
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Conforme explica Wanderbroocke (2011), ver pessoas que apresentam suposto
comprometimento físico maior pode funcionar como facilitador quando o paciente acredita
que sua situação não seria a mais grave. Maria, no entanto, prefere não realizar
comparativos entre sua condição física e a dos demais pacientes, risco que não foi
assumido pela colaboradora, considerando que a mesma tem conhecimento de que sua
doença não teria cura.
O que seria o viver com câncer? Como é a experiência de ser portador desta
patologia? Mesmo que vários sejam os estudos acerca da temática oncológica, nenhum
deles possui uma “regra de ouro” quanto ao que seria vivenciar este acontecimento cada
vez mais frequente em nosso mundo contemporâneo.
Desse modo, trago agora as seis narrativas dessa pesquisa, que trazem seis mundos
diferentes acerca do que é, para essas pessoas, a experiência do adoecer com câncer.
59
DAVID:
(Como é viver com câncer) “Viver lutando né, doutora, até... Luta. (...) Porque eu não
gosto de tá parado, não. (...) Eu não vou arriar a cabeça, não vou baixar a cabeça de jeito
nenhum, tem que ficar com a cabeça erguida. (...) (Como se sente hoje com essas
experiências) Eu me sinto feliz. (...) É como Luiz Gonzaga disse, se houver “encarnação”
eu quero ser de novo o rei do baião. Eu, se houver “encarnação” quero ser David mesmo
porque eu sou o que sou. (...) Eu num sei. Eu acho que castigo não foi porque eu sempre
procurei fazer o bem. Tinha que acontecer mesmo. Eu acho que não foi castigo não. (...)
Eu acho também que isso que tá acontecendo comigo Deus tá recompensando com o que
eu faço com meu filho. (...) E eu vou dizer uma coisa, a pessoa só morre quando tem que
morrer mesmo porque a medicina tá muito avançada”.
JOSÉ:
“Aí pra mim ficou muito difícil porque (pausa), eu, bem dizer, sou o esteio da casa, tá
entendendo? Está certo que minha esposa trabalha, mas o braço forte de casa ‘é eu’, tá
entendendo? Não tô podendo mais trabalhar, e agora quem está segurando a barra é
minha esposa. Em termos da doença, eu não me abalei muito não porque eu já passei por
isso com meu pai. É meio, meio complicado. Mas eu tô levando, tô tirando meio numa
boa. Fazer o quê? Peço a Deus agora que..., Deus permita que corra tudo bem, tá
entendendo? E seguir a vida pra frente. A minha mudou assim, em termo assim de, de, de,
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que eu não sei, eu não sei, como é que se diz estar parado, tá entendendo? Eu sempre
gosto de ‘tá’ me movimentando, fazendo alguma coisa e, tá entendendo? Trabalhando,
né? A pior coisa para mim foi isso aí, tá entendendo? Essa suspensão que a doença dá, de
no caso [de] você estar na ativa, você fica recuado, tá entendendo? É eu acho assim, que
mudou assim porque, mudou e vai mudar, né? É o sistema de vida, né? É. Porque eu não
vou poder fazer mais o que eu fazia, tá entendendo? Eu não vou mais poder fazer o que eu
fazia. Eu gostava de sair, me divertir com a mulher pra brincar, todo final de semana. Isso
aí eu sei que, já vou ter que recuar um pouco isso aí, eu vou ter que ter, ter um outro
sistema, né? Não, me divertir eu vou. Não vou ficar, é, (pensando, breve pausa)
dependendo também (breve pausa, arrumando o pensamento) da minha melhora. Também
não vou ficar ‘amuado’ num canto não, também não vou ficar... também não sou de ficar
encostado esperando o tempo ruim não. A gente tem que correr para a melhora, não é?
É... (pausa para pensar). Eu acho que traz, viu? (alguma lição) Trouxe assim, pra pessoa
é (pausa), pra pessoa tem, tem, tem que procurar saber (...) se cuidar, mais. Tratar mais.
Não fazer muita extravagância. Eu mesmo fiz muita, fiz muita extravagância. Eu novo, fiz
muita extravagância. Assim, beber, fumar, passar muita noite fora, muita noite acordado.
E aí você não sabe quando, quando vai acontecer com a pessoa, né? (pausa) Ninguém
sabe, né? (tosse). Então aí (...) como já aconteceu comigo, é, como eu tô, eu já passei
assim para a minha menina, para a minha esposa que fuma muito. Eu digo assim: rapaz,
pare com o cigarro, você não tá vendo o meu problema? Então eu evito, evito, evito a dor,
mas a pessoa fala mas, tá entendendo? As pessoas parece que não dá importância, só
acredita onde, quando cai dentro do hospital, é. Feito eu digo: se você tivesse aqui no meu
lugar, você tava aqui doidinha, doidinha pra não ‘tar’ aqui porque é, é, é muito ruim. É
ruim porque eu (tosse) acostumado na rua, no meu dia a dia, correndo atrás do meu
serviço, tá entendendo? Trabalhando, no meu dia a dia, pra agora (tosse), tá assim. Feito
eu tô. Nem tô mal, nem tô ruim, tô passando o que eu tô passando, está entendendo? Tô
onde eu não queria passar. Mas aí eu também não sou culpado, acontece, não é isso? Aí é
o que eu passo pra ela direto, pra ela e a mãe dela, olha vocês evitem podem evitar,
(tosse) evite que é melhor, mas num (breve pausa) falta força de vontade, né não? Porque
eu mesmo, eu mesmo, eu mesmo parei de fumar, parei de fumar, ninguém me obrigou a
parar não, eu mesmo parei de fumar antes disso, antes de saber que estava com isso. Já ia
fazer, já tinha feito o quê, uns dois anos, dois anos já. Tá fazendo uns três anos que eu
parei de fumar, mas não sabia que esse problema já estava existindo, tá entendendo? Aí é
61
isso que eu passo pra elas, mas quando a pessoa fala um negócio, não tem aquela
desculpa do cigarro”.
Para José, o adoecer de câncer lhe trouxe consequência negativa no que se refere à
sua capacidade de trabalho. Deixar de exercer suas atividades tem representado perda
importante. Associando seu momento presente com seu estilo de vida pregresso, o
participante acredita que precisará abrir mão de antigos hábitos que podem ter contribuído
com o surgimento da doença. Sua experiência tem como sentido a proposta de poder
exercer o cuidado consigo, trazendo também a preocupação com sua família, que mantém
comportamentos reconhecidos como prejudiciais a saúde. Apesar de fazer tais associações,
o participante procura se desvencilhar da ideia de que seria culpado por sua enfermidade,
algo que poderia gerar carga emocional de dificuldade no lidar com seu adoecer. José se vê
como responsável pelos seus atos e procura, no momento, criar as mudanças que supõe
necessárias para lidar com o câncer que, entre outros fatores, teria surgido como
consequência de escolhas e hábitos ao longo da vida, pelo que acredita.
Dia por dia a vida nos faz questões, somos interrogados pela vida e devemos responder. A
vida, gostaria de afirmar, é um período de perguntas e respostas que dura quanto durar a
vida. Com relação às respostas, não me canso de dizer que podemos responder à vida
apenas com o responder de nossas vidas. Responder à vida significa fazer-nos responsáveis
por nossas vidas (Frankl, 2005, p.100).
ROBERTO:
“Mudou nada não, eu fiquei doente, mas tinha que trabalhar, na agricultura, tem que trabalhar,
vamos lá, entendesse? Capinando o negócio, eu fico meio nervoso por causa da doença e eu
saindo me distrai a vida. Um dia faço coisas maneiras outros dias coisas mais pesadas. Faço
uma coisa aqui e acolá. (...) Passei uma fase sem trabalhar, mas depois voltei a trabalhar vou
viver minha vida. (...) Quero ficar logo bom desse negócio, se fosse logo rápido. (...) Tô mais
tranquilo, das vezes que eu era atrás eu tô mais tranquilo, meu filho me dá uma força, não estou
tão bem, mas estou mais sossegado”.
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consigo: mudanças físicas e emocionais que o mesmo procura superar mantendo, tanto quanto
possível, sua rotina de trabalho.
ELIZABETH:
“Tem sido muito suave pra mim. Pode até trazer surpresa pra quem ouvir, mas pra mim
funcionou da seguinte forma: eu acho que em situações limites o ser humano tem duas
saídas – ou ele acredita, ou ele desiste. Eu optei por acreditar. Em momento nenhum foi
difícil ficar com câncer. Dei nome a ele – estou com câncer, o câncer se localiza no
intestino, tem metástase no fígado e agora vamos para os próximos passos. (...) Tenho
vontade de viver e que valeria a pena lutar e fazer tudo que fosse preciso. Eu cheguei
inclusive, há pouco tempo atrás, a saber que um dos diagnósticos seria de sobrevida,
né...eu teria 2 meses, na realidade, de vida e que nem seria feito um tratamento
quimioterápico comigo porque não seria o caso, não valeria a pena; e eu estou indo pra
segunda sessão de quimioterapia e me sentindo cada vez melhor, mais forte, mais
animada, ultrapassando todos os sofrimentos que a doença traz, que o tratamento
traz...me sentindo pronta pra recomeçar uma nova vida. (...) Tenho só tido ganhos. Na
realidade, com o câncer. (...) Tem me trazido ganhos. Acredito até por eu ter encarado de
frente né, não ter rejeitado. Porque eu poderia ter me revoltado, não ter feito o tratamento
e aí, de fato, eu não teria chance. Mas eu optei por ficar bem, por ficar boa, recomeçar a
vida a partir de agora, zerar tudo e recomeçar de uma forma diferente. (...) Eu tô muito
entregue a tudo isso. Eu vou viver intensamente tudo que for necessário, inclusive o
depois. O depois tá me encantando. (...) A possibilidade... Depois da cura. Eu já me sinto
curada. (...) Essa cura não é só física não. É uma cura por completo porque eu sou uma
pessoa que sempre foi muito dedicada a todas as causas da minha vida, profissional,
pessoal; eu sempre procurei ser uma super mãe, super esposa, super professora... E com
isso eu deixei um pouquinho de olhar pra Elizabeth, voltar pra dentro de Elizabeth, o que
que Elizabeth queria pra ela como pessoa. E hoje eu consigo ver isso bem direitinho,
então eu acho que vai ser uma vida completa. Uma vida em que, provavelmente, eu ainda
vou falhar como pessoa falha que sou, mas eu vou apostar mais em mim, vou consertar
isso que eu acho um erro, né? Não ter olhado pra mim, não ter feito um dengo pra mim, a
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minha vida inteira, por mim mesmo e hoje eu acho que estou disposta a reparar esse... Eu
acho que tenho que olhar esse meu lado, esse meu lado Elizabeth, né? (...) Elizabeth é um
ser que é muito feliz, que gosta muito de viver, muito, mas que levou a vida inteira sendo
muito cobrada por ela mesma e hoje Elizabeth quer ser uma pessoa mais livre. Tão feliz
quanto era antes, mas mais livre. Vivendo mais o que Elizabeth gosta, o que Elizabeth
quer, olhando mais pra esse lado que eu deixei ‘de lado’ durante toda minha vida; e não
me arrependo, acho que fez parte do meu crescimento, só que agora eu quero mais; eu
quero mais pra Elizabeth. (...) Eu queria dar um pouquinho pra mim do que eu tinha dado
a vida inteira pra todo mundo. (...) (Sentir) Esse prazer, esse sucesso... Ser forte. Não me
cobrar por isso. Sabia que tinha horas em que eu iria fraquejar, em que eu iria... Assim,
de tristeza, de desânimo. Embora sejam raras as vezes, mas acontecem; então eu me dei,
inclusive, esse luxo, esse direito de... (ser) Normal, humana. Forte, mas com
possibilidades de fraquejar, de precisar de ajuda de buscar as outras pessoas, não só dar
de mim, mas também querer dos outros e isso tem sido muito bom, muito gratificante. (...)
A humanidade realmente ainda merece um crédito porque com o passar dos anos, com as
experiências de trabalho, de vida, às vezes a gente desacredita na humanidade e foi um
dos ganhos maiores que eu tive até hoje, eu vi várias pessoas, não sei nem te contar, assim
o percentual aproximado de quantas pessoas de credos diferentes, de graus de amizade
diferente que se uniram a essa causa e torcem por mim, me mandam mensagens muito
boas de autoestima... Então hoje, um dos ganhos muito grandes é voltar a acreditar na
humanidade. (...) Eu nem sabia que era tão querida e descobrir isso foi muito bom. De
repente eu vivia num mundinho fechado onde eu achava que só eu dava, né? Só eu dava
amor, só eu dava carinho, só eu dava atenção e eu acho que eu não permitia que as outras
pessoas fizessem por mim. Hoje eu me permito. É por isso que eu te digo, o câncer trouxe
muita coisa boa pra mim. Quisera que todas as pessoas pudessem aproveitar. (...)
(Vivenciar o câncer é) Uma grande oportunidade. Uma grande oportunidade. Seria esse
nome que eu daria. Se você tivesse me perguntado talvez eu não tivesse a consciência de te
responder com tanta clareza. Na realidade, o câncer, a doença, me trouxe isso.
Esperança, vida, alegria... Vontade de viver. De poder chegar lá na frente e dizer: ‘olha
pessoal, o câncer tem cura, basta acreditar, basta querer. Eu sou um exemplo disso.
Entendeu? Pode parecer meio contraditório, né? Mas é assim que eu me sinto. E é muito
bom poder te falar isso. (...) (Sentimento de) De uma gratidão enorme, muito maior do que
eu. É algo do qual a gente nem pode falar muito porque a gente não sabe dar um adjetivo;
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explicar corretamente, é muito grande. É muito bonito, muito bom sentir isso. (...) É algo
muito grande, muito forte. Essa história tem um dia e hora pra terminar e ela se chama
vitória. E assim, uma coisa que eu vou ter sempre comigo, vou levar sempre comigo e isso
já foi um pacto firmado comigo mesma é de não contar experiências pessoais em nível de
sofrimento pra ninguém. Eu acho que isso não ajuda. Não ajuda, cada um vai viver sua
história e no final dela terá valido a pena. Entrar desarmado, sem conhecimento, às vezes
é melhor. Porque com o conhecimento de uma outra pessoa que pode não ser o seu; uma
experiência, uma vivência que pode não ser a sua. Foi uma das coisas eu observei e;
assim, tirei como lição. Não fazer igual. Se me procurarem para falar a respeito do câncer
eu só vou ter coisas boas pra dizer. Porque as pessoas que tiverem que enfrentar, se não
passarem só por coisas boas, mas elas estarão passando naquele momento e não se
enchendo de medo pra talvez nem passar por algo tão difícil. O ser humano é muito
tendencioso a depois que tudo passa ele exagerar, se vitimar... e eu não pretendo fazer
isso. (...) Isso não ajuda, isso não cresce a experiência de ninguém”.
Para Elizabeth, o câncer abriu portas para um renascimento que permitiu seu
reposicionamento perante a vida e sua forma de lidar com ela. Nomeando a doença, ela
assume a responsabilidade perante o momento vivido adotando postura ativa de
enfrentamento. Dessa forma, ela percebe que o adoecer tem lhe trazido ganhos ao
considerar também que esse processo lhe proporciona uma possibilidade de cura que vai
além do biológico. Apesar da gravidade da doença, Elizabeth fala em esperança, vida,
alegria e vontade de viver. Além das mudanças notadas em sua própria história pessoal, ela
encontra sentidos que são transcendentes, chegando a resgatar sua crença na humanidade.
Como qualquer experiência que ganha em profundidade e perde em palavras que lhe
definam, Elizabeth expressa sentimento não nomeável, permeado pela sensação de
gratidão ao suposto “presente” recebido pela vida. Diante da grandiosa oportunidade de
mudança, a participante não demonstra necessitar de recursos que lhe distraiam a visão do
reconhecido adoecimento físico, mas se mostra capaz de atravessá-lo com o uso de sua
potencialidade e crença em força superior. “Dizer sim à vida significa dizer sim também à
sua finitude, ao que ela comporta para nós, necessariamente, de fracassos e de frustrações:
dizer sim à vida significa dizer sim também à doença e à morte” (Comte-Sponville, 1997,
p.68).
65
O indivíduo que se eleva acima de si mesmo avança para a maturidade. Sim, o verdadeiro
produto do sofrimento é, afinal de contas, um processo de maturidade. A maturidade
pressupõe, todavia que o indivíduo tenha alcançado uma liberdade interior, malgrado sua
dependência exterior (Frankl, 1978, p.241).
Crise – em chinês a palavra é formada por dois ideogramas – perigo e oportunidade. O ser
em crise está em perigo, sua integridade, sua sobrevivência, tal qual a conheceu até hoje
está ameaçada – o perigo. Mas a crise oferece a oportunidade de novos mergulhos que não
fosse o perigo, não ousaríamos encarar. [...] Se o perigo da crise ofereceu oportunidades, o
confronto com a finitude deu a perceber ao Ser a oportunidade vital. Pode ser que ele
ressignifique ampla e profundamente sua vida (Castro et al. 2002, p.217-218).
Meazzi (2008), ao tratar da temática do sentido, traz a ideia de que ele é algo
específico para cada um, não havendo resposta única. O sentido também não pode ser
encontrado em manuais porque demanda uma busca individual. No entanto, para o autor,
“doenças como o câncer podem despertar (ou redespertar) em nós o nosso sentido da
existência” (p.136).
Rocha (2007, p.192) comenta sobre o páthos tal como representado na arte trágica
grega, onde cada representação encerrava determinada lição de vida - “Nela, o sofrimento
tornava-se a fonte de uma forma especial de sabedoria, que se poderia dizer trágica. O
sofrimento deixava de ser visto apenas como um castigo dos deuses, pois eles próprios
dele fizeram também uma fonte de sabedoria, articulando o pathein (sofrer) com o mathein
(ação de aprender e de se instruir)”. O autor segue o trajeto histórico adentrando o
pensamento de Nietzche que deu ao trágico o verdadeiro estatuto de um páthos filosófico:
[...] Como diria Zaratustra, não há ser nem antes nem depois do devir. O ser é um
acontecer que não termina nunca de acontecer. . . Tudo isso encaminhou Zaratustra a uma
66
afirmação trágica da existência, a qual essencialmente consistiu na aceitação do amor fati,
vale dizer, na aceitação do destino, qualquer que fosse a sua face. Assim foi, porque assim
eu quis. Aceitar o destino significa dizer sim à vida na alegria e na dor,
incondicionalmente. E isso não era uma questão de saber, mas de poder (Rocha, 2007,
p.197).
Frankl (2011b) considera que o homem é dotado de uma vontade de sentido que ele
classifica como um movimento básico de busca por sentidos e propósitos que possam ser
realizados. De acordo com Studart (2007), a principal manifestação da autotranscendência
seria, justamente, esta vontade. O sofrimento, sendo algo também inerente ao humano,
pode ser fonte de crescimento desde que se busque o seu sentido. A partir das experiências
junto à tríade paciente-família-equipe de saúde, noto a mudança concreta, real que se dá
em várias pessoas que constituem o cenário do hospital. O sofrimento permeia,
constantemente, toda esfera deste tipo de lugar, mas não obscurece a beleza da
transformação vivenciada por aqueles que conseguem lançar mão de sua potencialidade de
criar ou de se recriar.
SOCORRO:
“Agora eu tô aceitando, caí na realidade, tô ficando melhor. (...) Eu acho muito ruim,
doutora (a experiência de estar doente). A pessoa ficar... Sei não. A pessoa não pode fazer
nada, não pode trabalhar, não pode fazer nada, ôxe... Sinto muito que a pessoa não é
como era, de jeito nenhum. (...) Eu era trabalhadeira demais, gostava de fazer tudo e
agora eu não faço nada disso. E agora eu tô esperando pelos outros. Eu nunca vivi desse
jeito, não. Esperando pelos outros que faça as coisas pra mim. Fico dependendo dos
outros, não vivo mais dependendo de mim. Eu vivo dependendo dos outros. Isso não é
67
bom, né? (...) Me incomoda. Incomoda muito por causa dos outros. (...) . É o que é mais
difícil é isso aí, ficar dependendo dos outros, doutora. É muito ruim. Todo dia eu peço isso
a Deus: ‘Meu Deus, deixa eu ficar boa pra eu não ta dependendo de ninguém. É muito
ruim mesmo a gente ficar dependendo dos outros. (...) Ah, doutora, eu queria tanto era
trabalhar, doutora. Trabalhar não, tomar conta da minha casa, né? Tomar conta da
minha neta... Queria isso. Tomar conta da minha casa, fazer minha comida, tudinho. Ter o
prazer de andar, de sair. Trabalhar servindo a Jesus... Era isso que eu queria. (...) Não
tem uma pessoa com quem desabafe, né? Aí eu fico desabafando, fico chorando... E as
pessoas dizem que eu tô ficando louca. (...) Eu acho (que está ficando louca). Agora eu
sou muito nervosa, eu vivo assim, muito nervosa. A minha filha diz que eu grito dentro de
casa, falo muito. (...) Mudou pra eu ser mais agressiva. Pra mim eu acho, sabe? Mudou
por eu ser mais agressiva. Meu marido também diz: ‘Tu fala muito!’ Acho que mudou
bastante isso, eu fiquei mais um pouco agressiva. (choro) (...) É, me sinto (triste). Tristeza
a gente sente muito, né? Fica calado lá, caladinho... Mas a pessoa sente muita tristeza.
Tem vez que eu sinto muita revolta. Eu nem tenho essas coisas e tô pagando uma coisa
dessas...”.
Com a fala de Socorro notamos que o adoecer com câncer possui um caráter de
mudanças negativas a partir de sua perspectiva. A participante narra o quanto tem sido
afetada por sua enfermidade trazendo vivências de impotência, raiva, tristeza e revolta.
Estar doente com câncer lhe faz questionar o motivo de sua experiência, sendo esta
compreendida como castigo, punição. Socorro demonstra que não tem conseguido elaborar
seu momento de vida para além dos desdobramentos negativos despertos pelo adoecer.
Aquino (2012) afirma que o homem concebe três vias de encontro de sentido na
vida: valores vivenciais, criativos e atitudinais. Os valores atitudinais correspondem à
postura frente a uma situação imutável, ou seja, a capacidade humana de transformar um
sofrimento em realização que está, normalmente, associada com a capacidade de suportar
o sofrimento inevitável. Apesar do sofrimento trazido na narrativa de Socorro, é
importante estar atento quanto à ideia de que a mesma estaria impossibilitada de se
recolocar em sua trajetória de vida, incluindo seu processo de adoecimento/tratamento.
“Uma vez que consideremos o homem como uma vítima das circunstâncias e de suas
influências, não apenas o deixaremos de tratar como um ser humano, bem como
aleijaremos sua vontade de mudar” (Frankl, 2011b, p.95).
68
MARIA:
“Eu tinha fé em Deus de que nada ía acontecer com o Miguel, eu tinha que comer, forçava
o comer apulso, ser forte. Eu não chorava, não botava uma lágrima. Porque eu dizia que
se eu chorasse ele vai ficar triste. (...). E venci! Miguel tá bem em casa e tem toda saúde
do mundo! (...) Muita coisa (mudou)... Eu passei três anos só... Antes de engravidar de
Miguel, eu passei três anos e poucos meses só... Minha vida era outra. Eu era em casa
com saúde. Era só eu e o meu marido, mas a gente era outra vida, né? Depois que eu
descobri que tava grávida aí mudou tudo. Tudo a partir do dia que eu disse: ‘Ó Aílton, eu
tô grávida’. Pronto ali mudou tudo aí veio o carocinho, veio exame, e não sei o que, não
sei o que, não sei o que... Até hoje. Já fez dois anos isso. Dois anos em Julho que eu
descobri que tava grávida. De lá pra cá mudou muita coisa. (...) Ah... Só hospital (o que
mudou). Tudo, hospital. Tá entendendo? Tudo hospital, tudo hospital, tudo hospital. O
tempo que eu vou pra casa eu tenho que descansar; relaxar. Aproveitar com Miguel, com
meu marido, com minha família. A minha família se reúne tudinho lá. Todo mundo, muda
tudo. Aí quando eu chego lá em casa todo mundo me atende, todas as minha amigas vão
tudo lá me visitar, a gente conversa bastante, mas sempre eu volto prá cá aí dizem, eu
tenho que mudar isso, mas não! Eu tenho que aproveitar minha vida lá e quando eu vier
pra cá cuidar da minha saúde aqui. E quando terminar aqui, eu vou pra casa pra me
divertir também em casa, né? Não vou tá em casa trancada, né? Eu tenho que sair,
espairecer, conversar, ir na missa que eu adoro a igreja. (...) Tem que fazer o que for
preciso fazer. Terça-feira, se eu me sentir bem eu vou falar pra ela: ‘Doutora, eu tô bem
melhor’. E se eu não tiver vou dizer: ‘Doutora, eu não vou pra casa, eu não tô me
sentindo bem’. Não é verdade? (...) Oxe, eu tô em casa, em casa, em casa. (...) Tô
tranquila. Eu passo até 30 dias, dois meses, três meses. O importante é eu voltar pra casa
melhor. Eu não quero voltar pra casa do mesmo jeito. E nem pior. Tem que voltar melhor.
Se for preciso eu passo aqui até dois meses, três. Eu num tô nem... Tô tranquila. Tem que
cuidar da minha saúde e eu tenho um bebê em casa esperando por mim, né? Entendeu?
Um bebê de um ano e seis meses. (...) Eu acho assim, eu tô me sentindo mais adulta, mais
responsável. Tá entendendo? E eu pensar assim, que eu sou mãe e tenho um filho pra
criar. Eu não me desespero, eu tô em casa eu não baixo a cabeça, não. Eu tô sempre
cuidando dele. Eu adoro, por mim o dia em casa é normal. Tranquilo. Eu não boto na
minha cabeça: ‘Meu Deus, o que tá acontecendo comigo?’. Nada, eu tenho um filho pra
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criar. Eu só penso em ser forte pra eles. (...) Tem. Por exemplo, eu tô lutando pela minha
vida e pelo meu filho. Mas aí tem gente que fala assim: ‘Maria, tu tem que pensar em tu!’
Mas eu não penso em mim, eu tenho que pensar nele. Eu luto pela minha vida por ele. Se
não fosse ele eu acho que não sei. Só Deus, mas acho que se não fosse Miguel, eu não...
Tá entendendo? Mas hoje o que eu passo é pensando nele. É em Miguel. Por isso que eu
me sinto uma pessoa forte, tranquila. Eu não choro, não fico nervosa, não reclamo na
vida. Eu tinha que pensar só no que vai acontecer pra eu ficar melhor porque eu penso em
Miguel. (...) Em Miguel. Adoro ele, ele é tudo, é a razão de eu viver, né? Eu lutei, passei
por tudo isso porque ele tava na minha barriga. E ele nasceu e, graças a Deus, até hoje,
ele tem toda saúde do mundo. Toda saúde ele tem. (...) Essa história minha que eu tô
contando agora pra você, isso eu falo pra todo mundo. Essa mesma história. Quando o
médico chegou pra mim quando eu fiz a biópsia com três meses de gravidez aí o médico
chegou pra mim: ‘Maria, deu câncer. Não é melhor você interromper sua gravidez pra
cuidar de você?’. Eu disse nunca, nunca. (...) A minha história é um livro aberto”.
Mais uma vez percebemos o caráter de mudança vivenciado por quem experimenta
o adoecer de câncer. No caso de Maria, a experiência vai além da enfermidade que foi
simultaneamente vivida com sua gestação. Percebe-se que para a participante as
experiências se misturam, sendo a existência de seu filho a grande força motriz para o
enfrentamento de seu adoecimento. O questionamento acerca do porquê do seu
acometimento físico deixa de ser seu objetivo. A possibilidade de ser mãe se torna seu
sentido existencial, permitindo o transcender de seu processo de adoecer.
Venho encontrando nas falas dos pacientes a vivificação dos valores de atitude
trazidos pela teoria do fundador da Logoterapia (conhecida como psicoterapia do sentido
da vida), através do adoecer como transformador, à medida que favorece o encontro de
sentidos frente à imutabilidade de situações extremas, pelo qual se dá a
autotranscendência. Para Frankl (1991, p.18):
70
3.3.5 Buscando forças: religiosidade e espiritualidade
“A melhor maneira de definir Deus é como o interlocutor de nosso diálogo mais íntimo”
(Frankl, 1978, p.258).
De acordo com Ramos (2006), o homem moderno recorre aos deuses no momento
da dor em busca do significado de seu sofrimento. Por mais evoluída que esteja a
sociedade, com seus recursos da era da informática, o mistério da vida e da morte
permanece. Razão e fé, conceitos científicos e religiosos misturam-se no homem moderno
que busca seu sentido e determinam sua atitude diante da saúde e da doença.
Como explica Batthyany (2013), Frankl percebia o homem não somente em seu
aspecto psíquico, mas também em sua espiritualidade. Sua posição divergia de outras
teorias psicológicas da época que compreendiam a religião como mais um processo
psíquico. O nobre psiquiatra, no entanto, acreditava que todas as tentativas de explicar a
religião e a fé, apenas pelo viés da psique interna, somente são possíveis no que se trata de
seus conceitos e conteúdos.
DAVID:
“Mas eu... Primeiro: eu confio muito em Deus e nos médicos. Eu sou muito devoto de
Santo Antônio, eu já consegui vários milagres com Santo Antônio. Eu confio muito nele.
(...) Levantar a cabeça. Eu confio muito em Santo Antônio. Eu fiz um santuário dele”.
71
David traz em sua narrativa a vivência de religiosidade de modo atuante em seu
lidar com o adoecer – experiência esta que lhe traz confiança em seu processo de
recuperação, permitindo a postura também ativa do participante. “É importante mencionar
que a espiritualidade/religiosidade, como parte integrante da vida das pessoas, está
presente também no curso da doença” (Liberato & Macieira, 2008, p.428).
JOSÉ:
“Peço a Deus agora que, Deus permita que corra tudo bem, tá entendendo? É seguir a
vida pra frente. (...) De vez em quando, eu penso, tá entendendo (pensamentos negativos)?
Mas depois eu peço a Deus que, que, deixe que leve, tá entendendo? Pretendo, pretendo,
que, através que Deus me ajude e eu fique bom, tá entendendo? Falou que, que vai seguir
a minha batalha. Vai chegar o dia de, de ir mesmo porque vai todo mundo, não tem bom,
não é? Aí pronto! (...) Vamos pedir a Deus que dê negativo pra cirurgia ser menor. (...)
Mas graças a Deus tá, tá, tá mais melhor. (...) Seja o que Deus quiser. Eu vou fazer o quê?
(...) Eu creio que eu vá ficar bom. Eu tenho fé em Deus que vá ficar bom. Que eu vá ficar
bom. (...) Peço a Deus que eu vá, faça (cirurgia) e me dê a volta, tá entendendo? (...) Eu
estou aqui com fé em Jesus Cristo”.
ROBERTO:
“Melhorar se Deus quiser, não quero dar trabalho para os outros, eu posso até morrer, mas
tenho esperança de ficar bom, eu tenho fé em Deus. (...) Se Deus quiser (irá para casa)”.
ELIZABETH:
“Eu não sou uma pessoa fanaticamente religiosa, mas eu tenho... Sou cristã, eu tenho uma
crença muito forte em uma energia superior que nos rege e eu optei por acreditar nisso aí
e apostar na vida, tenho vontade de viver e que valeria a pena lutar e fazer tudo que fosse
preciso. (...) Eu acho que quando você tá com a mente voltada pra dar certo eu acho que o
universo inteiro vai conspirando a seu favor. Eu acho que as coisas vão acontecendo. (...)
Eu vejo assim, eu vejo o ser humano como sendo um grande todo com duas partes
importantes que é a parte material, a física e uma essência que alguns chamam de
espírito, alguns de alma e eu acho que eu me preparei primeiro espiritualmente pra
encarar o problema e aí tudo tá fluindo da forma como eu esperei que fosse, de uma forma
muito tranquila. (...) Então eu optei por preparar o meu espírito pra cura. Eu não deixei
brecha pra duvidar de que eu não seria curada e aí a cura espiritual acabou se dando
junto com a material, hoje eu já me vejo como uma pessoa que tem um sucesso embora os
médicos ainda não tenham reavaliado, feito novos exames, mas eu me sinto fisicamente
muito bem e eu acho que o espírito abriu esse espaço. (...) Eu acho que é fé na vida, é fé
no homem. É fé numa força superior que nos motiva, que nos conduz... E é nessa força que
eu creio. Sem dogmas. Não sou uma pessoa com direcionamento religioso, não. Uma
pessoa que acredita que acima de mim, além de mim, existe uma força que está disposta a
me ajudar, se eu quiser”.
73
entre seu corpo e seu espírito. O próprio corpo é também a própria perspectiva sobre o
mundo, o mediador entre a consciência e o mundo. Todo ato físico terá um sentido interior
(Merleau-Ponty, 1999).
“Não sei se ainda lembra de mim. Você me entrevistou no IMIP. Lembra? Elizabeth. Pois
é, acho que esqueci da parte mais importante e queria muito que você tivesse como anexar
o que vou te deixar por escrito agora. Sabe, aquela energia universal que falei para você
que me regia; acho que omiti o nome verdadeiro dela. Não enfatizei; desde então penso
em te escrever. Lembro de ter te falado que não sou piegas, mas sou essencialmente 100%
DEUS. Sou ecumênica, sim, mas adoro a um Deus único, infinitamente poderoso,
maravilhoso, que tenho a cada dia mais certeza: É quem está me dando bom ânimo e me
levará a vitória e me deixa em uma zona de conforto muito grande, onde me descubro
abençoada e grata pela oportunidade de estar vivendo esse momento. Um beijo grande.
Espero de coração que você possa anexar de alguma forma este relato. É um pedido de
grande importância para mim, para o seu trabalho, tenho certeza e para quem tiver
acesso a este material. DEUS, princípio básico de tudo e de todos. Se possível, aguardo
resposta”.
Quando há contato com um sentido existencial de cada um, com uma verdadeira atitude
religiosa para com a vida; o prognóstico melhora sensivelmente. A atitude religiosa
implica a descoberta do religio que a própria doença pode, em muitos casos produzir, em
vez da atitude oposta: ódio e revolta. No primeiro caso, observa-se um tremendo e rápido
desenvolvimento psicológico, sensibilidade e capacidade de amar e doação; no outro,
sentimentos opostos narcisistas de auto-destruição (Boechat, 2004, p.11).
“Fiquei muito feliz em receber teu email. Agradeço muito pelo teu interesse e confiança
em me comunicar a sua verdade. Sua fala foi extremamente importante para a psicóloga,
estudante de mestrado e, principalmente, para a pessoa Aline. Como lhe disse naquela
ocasião, foi por ter conhecido pessoas com o teu tipo de entrega à experiência que me
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encantei pela oncologia e resolvi pesquisar sobre a compreensão do adoecer pela
perspectiva de pessoas com câncer. Percebo que a sua jornada tem sido muito rica e
desejo que cada vez mais você encontre sentidos para tudo que tem vivido.Farei questão
de acrescentar este seu relato e sei que a sua vivência de espiritualidade, representada
por este Deus único, trará ainda mais força para tudo que você já trouxe na ocasião do
nosso encontro”.
“Mais uma vez, obrigada por ter aceitado o convite para a entrevista e; além disso, o
convite feito pela vida”.
Eu diria que o sentido último – ou como prefiro chamar, o ‘suprassentido’ – não diz
respeito a uma questão de conhecimento intelectual, mas de fé. Não conseguimos
relacionar-nos com esse suprassentido em solo puramente racional, mas, apenas, em solo
existencial, através do todo do nosso ser, isto é por meio da fé (Frankl, 2011b, p.181).
SOCORRO:
“Doutora, passou tanta coisa... Passou que eu ía morrer, já deu vontade de eu me matar...
Só agora que eu aceitei Jesus é que eu tô mais... Mais calma. (...) Mas eu tenho fé em
Deus que dessa eu vou sair. (...) Todo dia eu peço isso a Deus: ‘Meu Deus, deixa eu ficar
boa pra eu não ta dependendo de ninguém. É muito ruim mesmo a gente ficar dependendo
dos outros. (...) Trabalhar servindo a Jesus... Era isso que eu queria. (...) Sou crente. (...)
Não era (antes de adoecer). (...) Ajuda. Ajuda muito, a religião. Tem vez que eu tô muito
aperriada, aí chamo por Jesus. Choro tudinho, chamo por ele e aí passa aquelas coisas
ruim. Aí eu acho que Jesus vem e tira tudo. (...) Ele já me curou uma vez e ele vai me
curar de novo. (choro) (...) Aí eu fico perguntando (por que isso aconteceu comigo). Mas
agora que eu aceitei Jesus aí parei mais de perguntar por que era que eu tava vivendo
desse jeito... Mas eu vou ficar boa, doutora. Em nome de Jesus. (...) Aí eu vou fazer
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exames hoje porque a doutora disse que amanhã ía fazer meus exames aí eu voltava pra
casa. Se Deus quiser. (...) Vou fazer meus tratamentos tudinho porque eu tenho fé em Deus
que eu vou ficar boa. (...) Eu peço a Deus porque eu não queria agora. Queria que Deus
não me levasse agora não, só quando minha neta crescesse mais. (...)Tô enfrentando tudo.
E Jesus em primeiro lugar que vai me curar, né? Ele já me curou, né? Já me curou já de
um, vai me curar desse também”.
MARIA:
“Radioterapia e quimioterapia não dá a cura. Só que eu, eu me sinto curada. Deus vai me
curar. (...) Deus vai botar a mão na minha cabeça e vai sumir com tudo! (...) Já tô na
cabeça, eu tenho fé, muita fé em Nossa Senhora Aparecida. Eu tenho muita fé. Fé em Deus
que eu não vou perder meu olho. (...) Eu fiquei tranquila, graças a Deus. Eu tenho fé em
Deus porque falta mais seis rádios e eu vou ver muita diferença. (...) Mas eu tenho muita
fé em Deus e de que nada vai acontecer com ele (com seu filho). (...) Eu tenho fé em Deus
que vai passar. (...) Ele nasceu bem, graças a Deus (o filho). (...) Eu disse graças a Deus,
eu tenho muita fé em Deus, Deus tá vendo o esforço que eu tô tendo. (...) Tenho muita fé
em Deus, tenho certeza que Miguel não vai precisar (de tratamento). (...) Até hoje, graças
a Deus, ele tá com um ano e seis meses e toda saúde do mundo. (...) Continua, até quando
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Deus quiser (a vida). Se vai ser daqui a dois, três anos; ou 20, 30, 40, vai depender de
Deus. (...) Aceito também o tempo que for preciso (tempo de vida). Um ano, dois; dois,
três meses, quatro, 40, 50... Vai depender dEle, né? E o médico já me disse. ‘Você sabe
que essa doença sua não tem cura, pra medicina, até hoje, não existe a cura, mas tem
porque não é médico que vai curar, né? É Deus. (...) É uma promessa que eu fiz (o porquê
do nome do filho). José significa Deus e Miguel pra mim é o nome de um anjo protetor.
Algo com muita força porque eu tinha vontade de que Miguel nascesse com saúde,
perfeito. Aí eu resolvi dar esse nome. (...) Eu nunca fico triste, tenho fé em Deus que vou
ficar boa. Nem que não cure, mas pelo menos combate pra eu viver muitos anos e anos.
(...) Ir na missa que eu adoro a igreja. Adoro a igreja, adoro mesmo a bíblia. (...) Sou
católica. (...) Muito, muito, adoro, adoro, adoro ir à igreja. Sempre que eu tenho um
tempinho eu passo na igreja, cinco minutinhos. (...) É só pra ter força, né? Pedir mais
força. Pra ver se vence, porque quem tem cura é Deus. Não é verdade? Às vezes o médico
diz: ‘Você só tem, por exemplo, você só tem seis meses de vida’. Mas só que não são Deus,
né? Deus, quando passa a mão, ele cura. (...) Aí eu fiquei tão tranquila, disse assim – Meu
Deus, obrigada Jesus. (...) Olha minha gravidez foi de alto risco e corria o risco dele até
não sobreviver, só que eu tenho muita fé em Deus e eu venci’. E essa história eu conto pra
todo mundo”.
De acordo com Caldas & Calheiros (2012, p.93) apud Aquino (2012, p.207), a
experiência de Viktor Frankl como prisioneiro de campos de concentração serviria, assim,
para comprovar que o ser humano é portador – além das dimensões física e psíquica –, de
uma dimensão mais abrangente que pode dotá-lo de uma surpreendente força de
resistência.
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Como se percebe, várias foram as formas de encontro entre o paciente, a doença e
sua espiritualidade. Todas elas, porém, trazem a esperança de que o homem não sucumba
frente a este grande desafio: o adoecer com câncer.
“As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das
oportunidades que aparecem em seus caminhos”.
(Clarice Lispector)
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
(Sigmund Freud)
Como citamos no início desta apresentação, existe um lugar onde não cabem
apenas as palavras quando se trata do trabalho com o humano, principalmente quando esse
se vê em sua forma mais simples, autêntica, onde a verdade de cada um aparece como Sol
que não se pode ofuscar. A sinceridade na dor nos faz perceber que também somos
afetados em nosso próprio existir e que, desta forma, experienciamos um encontro de
sentidos. “Quem não sentiu que consolar alguém serve de consolo a si mesmo?” (Frankl,
1978, p.239).
Tenho a intenção de que este material reverbere nos lugares de cuidado para que as
vozes aqui presentes sirvam de sentido para outros e ecoem nas consciências daqueles que
são responsáveis pelo cuidar.
Por esta razão, trago aqui trechos da narrativa de uma sétima entrevistada que se
mostrou bastante disponível para se colocar, mas que não fez parte do corpo da pesquisa
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por não ter tido seu diagnóstico fechado, na ocasião. Sua fala se refere à sua forma de
perceber as ações desenvolvidas por profissionais de hospitais (inclusive aqueles que não
são da saúde, mas atuam neste ambiente) no que se trata da questão de humanização, tão
pregada atualmente no contexto hospitalar. Apesar do discurso dos seis participantes
anteriores ter sido extremamente positivo quanto à hospitalização, Catarina (nome
fictício), que é policial militar, alcança nuances que, às vezes, passam despercebidamente
pelos demais.
“Eu tão ativa, tão cuidadora, agora sendo cuidada. Esse câncer que está em mim
(suposto) ele veio para mudar muito a minha vida, mas também a vida de muita gente que
está ao meu lado, para refletir alguma coisas, valores. Eu durmo num horário que eu não
quero dormir, é o horário que elas apagam as luzes, e acordo no horário que mandam,
que nem sempre quero, pois é claro que elas tem que dar os remédios para todas as
pacientes, fora a noite super agitada, então assim, estou um caco, estou com essa cara
assim, mas é de sono, eu não estou doente, às vezes fico pensando se o hospital fosse um
pouquinho mais humanizado talvez trouxesse um pouquinho mais de qualidade de vida
para o paciente. Às vezes, fico pensando na comida, eu sinto a falta do carinho. Meu
trabalho eu desenvolvo com aquele carinho. Às vezes, eu acho que tem gente que não
gosta do que faz, e faz apenas pelo salário e isso é muito ruim, porque isso reflete no
outro, sabe; quando eu faço uma coisa que eu não gosto reflete no outro, é lógico que
reflete, principalmente em você. A pessoa já chega com raiva e eu vejo isso nas pessoas,
vejo isso na comida, no corte da comida, é impressionante. Assim, são coisas bobas que
eu acho que poderia haver um projeto em cima disso, não vai gastar mais nada, eu não tô
pedindo para comprar creme de leite, mas que o corte seja feito com carinho. O furo que
dão na minha mão, tem o furo com carinho, dói que só, mas eu sei que está ali com zelo,
com carinho, você percebe, o fato de você cortar um esparadrapo...Nossa, isso eu tenho
visto muito e isso pesa. É aí que eu vejo muita gente se entregando, por isso, não aguenta
mais, eu mesmo não tô aguentando mais não. Tem hora que eu tô para baixo mesmo, não
tô suportando mais, essa cama, esse banheiro, não tô suportando mais nada. E é pesado,
porque eu vejo aquela mulher assim e ela podia estar mais feliz, tá triste, eu fico achando,
eu cá comigo, que é o ambiente, você no meio da noite acende a luz na cara do outro. Eu
acho uma falta de respeito. Aí você diz: sim, mas ela esta trabalhando. Eu sei, mas se
houvesse interruptores individuais ia ser tão bom.É uma bobagem, mas é um que acende o
lado inteiro, aí cadê o respeito comigo, que tô ali dormindo, isso é tão ruim! Eu vejo
quando o serviço está mal feito, a pessoa não tem nenhum carinho naquilo que está
fazendo, isso é ruim, ruim para ela, ruim para os colegas dela que tão ali, no caso do
hospital especificamente falando é ruim para o doente, você se sente mais mal do que já
está, e eu acho que não devia ser assim, entendeu? Se eu pudesse falar com alguém que
pudesse mudar isso eu falaria porque eu acho importante. Às vezes as pessoas falam
assim: mas não, deixe isso pra lá, tu só vai passar 90 dias aqui... . Mas é minha vida!
Cadê o respeito? Tem hora que é gritante, eu olho assim e fico desesperada, quando eu
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vejo que tem uns que não estão nem sabendo que estão sendo desrespeitados, mas estão se
entregando para não ter que vir mais aqui. Estar junto envolve a todos, envolve todo
mundo. A copa, que não está aqui dentro do quarto, mas estar aqui no hospital, envolve a
técnica que está ali furando, mas o furar pode ser menos danoso. Às vezes eu fico achando
que muita gente podia ser salva só se tivesse um pouquinho de respeito pelas pessoas.
Pelo menos para terminar a vida com um pouco mais de carinho”.
Ciente de que não nos falta humanizar, pois já somos humanos, acredito que temos
agora a função de resgatar a capacidade de nos olharmos, em profundidade, pela
simplicidade. Estando com câncer ou qualquer outra patologia, sendo psicólogo ou
qualquer outro profissional, que ao tocar uma alma humana, sejamos apenas outra alma
humana, como sugere Jung.
"Quem me dera, ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais
importante...”. (Renato Russo)
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REFERÊNCIAS
Dethlefsen, T.&Dahlke, R. (2010). A Doença como caminho. 13ª. Ed.São Paulo: Cultrix.
Kovács, M. J. (2003). Educação para a morte: Temas e reflexões. São Paulo: Casa do
Psicólogo: Fapesp.
Meazzi, R. (2008). Logoterapia. Em: Câncer: uma abordagem psicológica. Porto Alegre,
RS: AGE.
84
Quintas, J. (2013). Nos corredores de um hospital: a experiência de ser psicóloga numa
instituição pública de saúde. Recife: Ed. do Autor.
Ramos, D. G. (2006). A psique do corpo: A dimensão simbólica da doença. 4ª. ed. São
Paulo: Summus, 2006.
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ANEXO
Sendo selecionado (a) pelas equipes médica e psicológica da instituição por estar internado
(a) para acompanhamento clínico em enfermaria de Oncologia do IMIP – Instituto de
Medicina Integral Profº Fernando Figueira.
Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento o senhor (a) pode desistir de
participar e retirar o seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua
relação com o pesquisador, com a equipe de saúde que o acompanha ou com a instituição
em que está sendo assistido.
O registro da entrevista será feito através de áudio (gravação de voz) com tempo estimado
de 90 (noventa) minutos sendo utilizadas salas adequadamente vedadas e isoladas quanto a
vazamento de som, localizadas no hospital (IMIP) onde está sendo realizado o tratamento.
Os resultados serão apresentados de maneira que não seja possível identificar os
participantes visando preservar o sigilo necessário.
As informações obtidas através desta pesquisa serão confidenciais. Seu nome será
substituído por nome fictício e não constará em nenhum prontuário ou documento, de
modo a assegurar total sigilo sobre sua participação. Os dados serão protegidos em arquivo
de acesso exclusivo da pesquisadora, pelo prazo de 05 (cinco) anos, e, posteriormente,
serão destruídos. Durante este período os dados colhidos serão utilizados para a publicação
textos científicos que contribuam para a prática clínica, levando em consideração a
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experiência de cada ser. Também servirá para a produção de material que contribua com as
políticas públicas referentes à saúde mental.
O senhor (a) receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do
pesquisador principal (orientador) e do pesquisador associado (mestranda) podendo tirar
suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
______________________________________
Assinatura
End.: Rua José Carvalheira nº392 aptº 1402 Tamarineira Recife PE CEP: 52051-060
Email: [email protected]
__________________________________
Assinatura
End.:Rua Profª. Anunciada da Rocha, 116, ap. 904 – Madalena – CEP 50710-390, Recife-
PE – Brasil.
Email: [email protected]
Eu,
__________________________________________________________________ declaro
que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa A
COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA DO ADOECER PELA PERSPECTIVA DE
PESSOAS COM CÂNCER HOSPITALIZADAS: UM OLHAR
FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL, que minha participação não é obrigatória e que
posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isso me traga qualquer
prejuízo e concordo em participar. A pesquisadora me informou que o projeto foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UNICAP que funciona na PRÓ-
REITORIA ACADÊMICA da UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO,
localizada na RUA ALMEIDA CUNHA, 245 – SANTO AMARO – BLOCO G4 – 8º
ANDAR – CEP 50050-480 RECIFE – PE – BRASIL. TELEFONE (81).2119.4376 – FAX
(81)2119.4004 – ENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]
Participante da pesquisa
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