O Processo de Gestão e Participação Na Universidade
O Processo de Gestão e Participação Na Universidade
O Processo de Gestão e Participação Na Universidade
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Goiânia – GO
Junho/2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS
Goiânia – GO
Junho/2011
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins - SISBIB
CDD 378.81
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio
deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime
estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
A minha mãe, Luzia, a meu pai, Eduardo, e a minha sogra,
Joana (in memorian), pessoas que influenciaram minha
formação com seu exemplo de vida, acrescentando valores
como o respeito aos outros, trabalho com dignidade e
convivência fraterna, visando à construção de um mundo
melhor.
Professor Dr. Nelson Cardoso Amaral, orientador desta Tese, por ter-me aceitado como seu
orientando, contribuindo significativamente para minha formação acadêmica e,
particularmente, para a construção deste estudo, em suas diversas fases, de forma criteriosa e
participativa.
Universidade Federal de Goiás, especialmente aos professores Dra. Anita Cristina A. Resende,
Dra. Ângela Cristina Belém Mascarenhas, Dra. Maria Margarida Machado, Dra. Maurides B.
Macedo F. Oliveira, Dr. Nelson Cardoso Amaral, Dr. Adão José Peixoto, Dr. José Adelson da
Cruz, Dr. João Ferreira de Oliveira e Dr. Ildeu Moreira Coêlho, que contribuíram diretamente
para minha formação acadêmica no decorrer do curso de Doutorado.
Professora Dra. Rosilene Lagares e professores Dr. Valdemar Sguissardi, Dr. João Ferreira de
Oliveira e Dr. Luiz Fernandes Dourado, pelas significativas contribuições que deram para a
concretização do presente trabalho no processo de qualificação.
Colegas do Programa de Pós-Graduação, Francisco, Doracy, Paulo Fernando, Vânia, Regina e
Eugênio pelo companheirismo e oportunidade de construir conjuntamente o conhecimento nas
discussões e estudos.
Universidade Federal do Tocantins na pessoa do professor Dr. Alan Barbiero que autorizou a
realização da pesquisa que culminou na presente Tese.
Campi da UFT que, por meio dos seus diretores e coordenadores, disponibilizaram as
informações e documentos necessários à construção desta Tese.
Professores, estudantes e técnico-administrativos da UFT que, mesmo submetidos a um
grande volume de trabalhos e estudos, não mediram esforços para responder ao instrumento de
coleta de dados, fornecendo informações significativas para a realização do presente estudo.
Colaboradores Antônio Miranda de Oliveira, Doracy Dias Aguiar de Carvalho, Lúcia Maria
Wanderley Neves, Luis Gustavo, Márcio Antônio Cardoso e Raquel Aparecida de Souza que
contribuíram com a leitura do projeto e dos instrumentos de pesquisa e com a indicação de
leituras e materiais fundamentais ao desenvolvimento da tese.
Servidor da PROAP, Radi Melo Martins, que contribuiu como o processo de tabulação dos
dados da pesquisa de campo e forneceu informações importantes para a realização do presente
estudo.
Estudantes e professores dos sete campi da UFT que contribuíram na aplicação dos
questionários e outros encaminhamentos referentes a esta pesquisa.
Campus Universitário de Miracema, em especial o Colegiado do Curso de Pedagogia, que
reorganizou parte de minhas atividades profissionais para que eu pudesse cursar o Doutorado.
Amigos Edvan e Joanita, Márcia e Joaquim Muniz, Milton Alves, Paulo Aires e Josué
Amorim, que me têm incentivado a dar continuidade aos estudos.
O elemento popular „sente‟, mas nem sempre
compreende ou sabe; o elemento intelectual „sabe‟,
mas nem sempre compreende e, especialmente,
„sente‟. Os dois extremos traduzem, por um lado, o
pedantismo e o filisteísmo e, por outro, a paixão cega
e o sectarismo. [...] O erro do intelectual consiste em
crer que se possa saber sem compreender e,
especialmente sem sentir e estar apaixonado (não só
pelo saber em si, mas pelo objeto do saber), isto é, em
acreditar que o intelectual possa ser tal (e não um puro
pedante) quando distinto e separado do povo-nação,
ou seja, sem sentir as paixões elementares do povo,
compreendendo-as e, portanto, explicando-as e
justificando-as em determinada situação histórica,
bem como relacionando-as dialeticamente com as leis
da história, como uma concepção do mundo superior,
científica e coerentemente elaborada com o „saber‟;
não se faz política-história sem essa paixão, isto é sem
esta conexão sentimental entre intelectuais e o povo-
nação (GRAMSCI, 2006).
RESUMO
Palavras-Chave: Esfera pública e privada. Democracia. Relações de poder. Gestão das IFES.
Participação na UFT.
ABSTRACT
CARVALHO, Roberto Francisco de. The management process and the university
participation: limits, possibilities, and FUT challenges. 2011. 350 f. Thesis (Doctorate in
education) – Federal University of Goias, Goiania, 2011.
This study aims to understand the participation in the FUT management process according to the
institutional documents and the university community perception: teachers, students, and
administrative staff. To achieve the goal, we used an empirical-theoretical investigation,
including bibliographic survey and documentary research, related to the written documentation
about the FISEs, especially the FUT, and field research including the university community from
seven campuses involved in the study. The study about the participation in the FUT management
process had as basis the understanding in the social regulation process, resulting from the
overlapping of the public and private spheres, and the liberal and materialist-historical
democratic approaches. From this broader discussion, we make explicit the tension between the
business-strategical and the participatory-democratical management perspectives and the
participation in the business organizations and social institutions as the FISES. Owing to the
social regulation perspective, we aim to understand the civil society participation in the Brazilian
State modernization process, and in its bulge, the historical democratization of the Brazilian
public university, in distinct moments, in its management process. We aim to deepen the
discussion about the moment that the market power and the social organizations were made
explicit tensioned by the State- 1990 to 2010- in which the private market sphere has been
strengthened at the expense of public and showing the process of superior education
marketization, making explicit, within the FISES, the neo professional, heteronomous,
competitive, an operational nature characteristics. In this context the democracy, neoliberal-
liberal, and minimalist values have been strengthened in the FISES and in the FUT,
operationalized in the management logic and in the business strategical participation. This is
also, the context in which we aim to understand the participation in the FUT management
process, a university that, at first, shows an organized structure by councils and boards with the
teachers, students, and administrative staff representation, favorable to a participation in the
participatory-democratic perspective, but that implements a management very close to the
management perspective, in which not even the representative liberal participation has been
consolidated. Owing that in the FUT deliberative councils there is a strong concentration of
power in the managers‟ hands, it is even more distant from the consolidation of an effective
participation in which the university community segments have more equality of participation in
the deliberative spaces, as well as the expand of these segments participation in the institutional
management process, covering, in addition to implementing, the highest levels and degrees in the
decision-making process, as the definition of the guidelines, politics, financial management, and
institutional evaluation. Paradoxically, in the perspective of the participation as politics fight,
although there is a demand from the university community to take part in the decision-making
processes, there is a low participation in these same spaces and in activities or important actions
that are happening in the university, mainly related to the policy guidelines proposition level.
Though smaller in scale, the obstacles to the participation in the FUT management process don‟t
differ from the obstacles in the society participation in general, and they are related to the way
the production system and the social reproduction is organized and effective.
Key words: public and private spheres, democracy, power relations, FISES management FUT
participation.
LISTAS DE FIGURAS, QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS
LISTA DE FIGURAS
LISTAS DE QUADROS
LISTA DE GRÁFICOS
Tabela 11 Média ponderada das prioridades no âmbito dos campi da UFT 243
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................15
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................295
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................313
ANEXOS E APÊNDICES...........................................................................................................328
15
INTRODUÇÃO
1
A sigla TAE (técnico-administrativo em educação) na presente tese refere-se ao conjunto dos técnico-administrativos da UFT
que abrange, além dos cargos técnico-administrativos educacionais, os demais técnicos: médicos, psicólogos, engenheiros,
advogados, arquitetos, bibliotecário, serviço social etc.
16
outros (GUILLERM; BOURDET, 1976; MEISTER, 1969; MOTTA et alii, 1987). No final do
século XX e início do século XXI, esse tema permanece latente, principalmente nos processos de
gestão das organizações empresariais e instituições sociais em geral (MOTTA, 1984;
TRAGTENBERG, 1989; 2004; PATEMAN, 1992; COUTINHO, 2006).
No âmbito da universidade, particularmente das IFES, a participação também tem
centralidade, embora tenha sentido e importância distintos para gestores, entidades
representativas, cientistas e estudiosos. É incomum ouvir dos gestores das instituições
universitárias que a participação não seja importante para o desenvolvimento do processo
educativo. Nesse sentido, os documentos institucionais - estatutos, regimentos e planejamento
institucional - em geral retratam a dimensão participativa da gestão universitária. As entidades
representativas como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(ANDES-SN), União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Federação de Sindicatos de
Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras (FASUBRA), guardados os diferentes
interesses, também defendem maior participação dos membros da comunidade universitária no
processo de gestão.
Na literatura corrente que apresenta estudos sobre as instituições sociais, a problemática
referente à gestão e à participação tem feito parte dos estudos do campo da educação superior.
Nessa literatura, um conjunto de estudos retrata a participação como uma dimensão técnica de
engajamento no processo de produção - seja ele material ou imaterial -, determinando, em
virtude da natureza do trabalho na universidade, os limites da participação de cada segmento da
comunidade universitária (UFSC/OEA, 1987; ORGANIZAÇÃO..., 1994; SILVEIRA;
COLOSSI; SOUSA, 1998; HARDY; FACHIN, 2000; KERR, 2005). Outros estudiosos
explicitam em seus estudos a necessidade de uma participação efetiva como forma de ampliação
do processo democrático na sociedade em geral e em suas instituições em particular. Para tanto,
defendem uma participação menos desigual entre os segmentos da comunidade universitária nos
espaços deliberativos e mais ampla nos processos de tomadas de decisão em geral
(TRIGUEIRO, 1999; MENEZES, 2000; TRAGTENBERG, 2004; RAMPINELLI; ALVIN;
RODRIGUES, 2005; GROPPO, 2006; ORSO, 2007).
Depreendemos do exposto que há visões distintas sobre a participação na universidade,
sobretudo em virtude da natureza do trabalho, da função de cada segmento e das finalidades do
trabalho acadêmico na universidade. Tal pressuposto revela uma dada concepção de sociedade,
de universidade e de gestão. Nessa perspectiva, o campo universitário tem certa autonomia em
relação aos outros campos sociais, tendo em vista que o valor básico de troca consiste na
17
autoridade científica que delimita o processo de participação institucional. Nesse embate, insere-
se a presente temática, objeto de estudo desta tese.
Buscamos, neste estudo, apreender a educação como prática social na relação entre esfera
pública e privada; a participação como fundamento da democracia; a gestão como ação política
dotada de sentido, envolvendo a imbricação das questões técnicas com as questões
socioeconômicas, culturais e políticas; e a participação como a capacidade política do ser
humano de fazer história. Nesse sentido, a compreensão do processo de gestão e de participação
de um sistema educacional e seu desdobramento na universidade pública brasileira,
principalmente nas IFES, é relevante em virtude de possibilitar estudarmos os elementos
constitutivos e constituintes desse processo a partir de uma compreensão ampliada de Estado e
de educação que transcende o processo de escolarização.
Historicamente, a participação democrática na sociedade brasileira vem sofrendo
oscilações e, após longo período de ditadura militar, seguiu-se, a partir da década de 1980, o
processo de redemocratização da sociedade com uma participação efetiva da sociedade civil
organizada. Entretanto, a partir de 1990, parece ter existido um refluxo da participação efetiva
nos processos decisórios no âmbito da sociedade em geral e das instituições sociais em
particular, tendo em vista a implantação das políticas de cunho liberal/neoliberal (NEVES,
2005).
Sem perder de vista a amplitude dos determinantes da participação na sociedade
brasileira, a presente investigação aborda - considerando as demais IFES - a participação no
processo de gestão da UFT, permeando o processo de escolha dos dirigentes, a composição dos
órgãos colegiados e outros espaços e formas de participação. Essa temática constitui-se num
desafio a ser enfrentado na sociedade atual, marcada pelas mudanças ocorridas no âmbito da
ciência, do modelo de produção e do Estado. Essas mudanças trouxeram implicações para o
processo de regulação social ressignificando a esfera pública, a democracia, a gestão e a
participação em instituições sociais como as universitárias.
Referindo-se especificamente à educação superior, vê-se que tais mudanças trouxeram
importantes implicações ao processo educativo ao situarmos a discussão no contexto da reforma
do Estado e da educação em geral que vem ocorrendo no Brasil, de forma expressiva, desde
1990. Estudo realizado por Oliveira (2000, p. 54) analisando a supracitada reforma explicita que
O processo de reforma do Estado em curso no Brasil desde 1990 a esta primeira década
do século XXI - guardados os atenuantes/agravantes conjunturais - afeta a esfera pública, pois as
responsabilidades do Estado/governo são deslocadas para o âmbito da sociedade civil -
fortalecendo fundamentalmente a dimensão do privado - reduzindo, dessa forma, os subsídios
públicos na implementação dos serviços sociais. Tais serviços foram, em grande medida,
assumidos pela iniciativa privada em uma perspectiva de gestão gerencialista que abrangeu as
instituições sociais como as IFES. Com esse entendimento, as mudanças ocorridas na educação
superior passam pela compreensão das mudanças no campo da produção capitalista, das
reformas do Estado e da educação que continuam ocorrendo - embora em alguns aspectos com
intensidade diferente - nesse início de século XXI (SGUISSARDI; SILVA JR, 2009).
A reformulação da aparelhagem do Estado dos anos 1990 se configurou como importante
instrumento difusor da ideologia do grupo governante junto à sociedade civil brasileira. Houve
forte movimento de minimização do Estado norteado pela lógica liberal/neoliberal. Orientada
por uma perspectiva mercadológica, foi promovida uma forte privatização de empresas estatais
com o discurso de melhorar a eficiência do Estado obtendo-se melhores resultados com menos
custos na implementação das políticas públicas (DOURADO; CATANI, 1999). Nesse contexto,
tendo em vista os pressupostos do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE),
foi explicitada a política de implantação das organizações sociais não governamentais (ONGS),
entidades públicas não-estatais - fundações privadas, ou sociedades civis sem fins lucrativos -
prestadoras de serviços nas diversas áreas da sociedade por meio da adoção de uma gestão
gerencial de natureza empresarial (OLIVEIRA, 2000; CATANI; OLIVEIRA; DOURADO,
2004).
Nessa primeira década do século XXI persiste a lógica neoliberal de Estado em que se
evidencia um processo de cooptação dos movimentos sociais, possibilitando a recomposição,
consolidação e aprofundamento da hegemonia da burguesia brasileira, que por sua vez se
acomodou ao consenso apregoado pelo capitalismo monopolista internacional. Embora haja o
entendimento de que a lógica neoliberal não tenha sido alterada, existem, por outro lado,
argumentos evidenciando que, nesse início de século XXI, ocorreram mudanças importantes que
alteraram a referida lógica neoliberal no âmbito internacional e nacional concernentes aos
aspectos econômicos e sociais. É neste contexto que se situa a discussão da presente temática
considerando-se os processos contraditórios de manutenção e mudanças que mantêm uma
perspectiva hegemônica de produção e reprodução do capital. Essa é uma hegemonia que
fragmenta os sujeitos coletivos no que se refere ao aspecto material, devido à reestruturação
produtiva do capital e ao aspecto político-cultural “através dos valores particulares e individuais
19
2
Embora implantadas e consolidadas no governo Lula, a UFT e a Universidade Federal do Vale de São Francisco (UNIVASF)
foram as duas universidades federais criadas no governo FHC (BRASIL, 2000c; e BRASIL, 2002a).
20
3
Nosso entendimento sobre o processo de globalização se coaduna com o pensamento de Corsi (1997, p. 103). Para esse autor,
“a globalização, do ponto de vista econômico, funda-se em variados processos concomitantes e interligados, quais sejam: a
formação de oligopólios transnacionais em importantes setores, a formação de mercados de capital, de câmbio e de títulos de
valores globais, a formação de um mercado mundial unificado, a formação de uma nova divisão internacional do trabalho em
uma certa desconcentração industrial e a formação de espaços onde se processa uma produção globalizada. Observa-se também
uma nova onda de inovações tecnológicas (informática, robótica, biotecnologias, etc.), que foi fundamental para viabilizar
alguns destes processos. [...] Estes processos são, ao mesmo tempo, fruto da antiga tendência à internacionalização do
capitalismo, que ganhou força no pós-guerra, a partir sobretudo da expansão das grandes empresas norte-americanas em escala
mundial, e uma resposta das grandes empresas, dos grandes bancos e de governos à grave crise aberta no início dos anos 1970.
A saída da crise que o capital procurou imprimir foi, de um lado, a busca de espaços mais amplos e desregulamentados de
acumulação, de outro lado, uma reestruturação e reorganização da produção, cujos traços principais parecem ser a utilização
intensiva de novas tecnologias; a organização de processos produtivos mais flexíveis e prontos a responder de forma ágil às
necessidades do mercado ao lado da continuação da produção em massa: a redução da força de trabalho com a introdução de
vínculos variados e relativamente frouxos entre o trabalhador e a empresa e a realocação espacial entre alguns países de vários
segmentos produtivos.” Em outras palavras, conforme Sguissardi (2009, p. 28), trata-se de um processo de mundialização do
capital entendido como “o movimento em que uma empresa nacional forte num ramo industrial descentraliza-se em unidades
em diversos países ou regiões, com menores custos e maiores vantagens quanto à força de trabalho, matéria prima, leis
trabalhistas, universidades a serviço de empresas etc.” Nessa lógica “[...] a soberania econômica de uma grande empresa
poderia sobrepor-se à de um Estado nacional e suas instituições republicanas. Destaquem-se, aqui, as universidades.” (Ibidem)
21
processo de reforma educacional realizado a partir de 1990, sob a influência das transformações
que ocorreram por meio do processo de reestruturação produtiva e de reforma do Estado
acentuando a lógica liberal de regulamentação social, que até a primeira década do século XXI
tem sido apontada, por alguns estudos, como neoliberal. Ressaltamos, entretanto, que outros
estudiosos sinalizam o arrefecimento do neoliberalismo em relação ao caracterizado na década
de 1990.4
Nessa direção, mesmo considerando tal tensão no entendimento da lógica
liberal/neoliberal em desenvolvimento, nas últimas duas décadas do século XX e primeira
década do século XXI, o Brasil tem assumido a perspectiva neoliberal e, nessa direção, a
educação superior vem sendo diversificada, diferenciada, flexibilizada e o trabalho docente tem
sido fortemente precarizado e intensificado (OLIVEIRA, 2000; ANTUNES, 2001;
SGUISSARDI; SILVA JR 2009), influenciando decisivamente o processo de participação na
gestão externa e interna das universidades públicas brasileiras. A lógica neoliberal de Estado,
calcada na atual fase de modernização econômica de reprodução do capital, vem influenciando o
conjunto das decisões governamentais, a exemplo das políticas de educação superior,
particularmente, daquelas implantadas nas instituições de educação superior brasileiras. É nesse
contexto que se busca entender o processo de participação na gestão das IFES, particularmente
da UFT.
Foi exatamente do embate entre as forças impulsionadoras da privatização - de orientação
neoliberal - e a sociedade civil e política favorável a uma educação superior pública que se
originou a UFT, uma das duas universidades federais criadas no governo FHC. Nesse início de
século XXI, essa Universidade, de natureza multicampi, criada em 2000, ocasião em que
encampou da antiga Universidade do Tocantins (Unitins)5, os Campi universitários de
4
Mesmo não tendo o presente estudo o propósito de polemizar sobre a continuidade ou não das políticas neoliberais no Brasil,
nesse início de século XXI, diversos estudos explicitam que, embora tenha havido mudanças econômicas e sociais no Brasil,
nessa primeira década do século XXI, a lógica neoliberal continua influenciando o processo de definição das políticas sociais
públicas como as políticas de educação superior (LIMA, 2004; VIEITEZ; DAL RI, 2005; RODRIGUES, 2007, LEHER, 2007,
LÉDA; MANCEBO, 2009). Cabe a ressalva de que existem diversos argumentos esclarecendo que a fase neoliberal
desenvolvida desde 1970 e intensificada na década de 1990 perdeu força na primeira década do século XXI (FONSECA;
OLIVEIRA, 2009; CHAUÍ, 2009). Para Chauí (2009, p. 18), por exemplo, a fase do neoliberalismo já foi, em grande medida,
superada, tendo em vista que sua operação própria foi interrompida, “qual seja, a de dirigir todos os recursos públicos para os
interesses do capital, levando à privatização dos direitos sociais, ao transformá-los em serviços privados a serem adquiridos no
mercado.” A autora ressalta, entretanto, que a fase aguda do neoliberalismo de mercado foi arrefecida, mas o capitalismo não
acabou e, nesse sentido, “irá prevalecer a tentativa de um neoliberalismo moderado, temperado com ideias keynesianas.” Chauí
observa ainda que “as medidas econômicas e políticas colocam novamente na cena a figura do Estado nacional, que o
„pensamento único‟ e a chamada globalização haviam decretado extinto”, bem como destaca o fato do reaparecimento da “figura
da sociedade civil, na qual se dá a luta de classes, que o neoliberalismo também considerava extinta.” Nessa perspectiva, Chauí
entende que “o neoliberalismo, dirigindo os fundos públicos exclusivamente para o capital, se caracterizou pelo encolhimento do
espaço público republicano e democrático e pelo alargamento do espaço privado dos interesses de mercado; seu fim, portanto,
pode significar a reabertura do espaço público e o encolhimento do espaço privado”.
5
Mesmo com a encampação de praticamente toda a estrutura física e cursos pela UFT, a Unitins continuou existindo como uma
Fundação e foi reconfigurada por meio de uma estrutura acadêmica que privilegiava áreas do conhecimento, com o propósito de
firmar novas parcerias mediante convênios que contemplavam a oferta de Curso Telepresencial com a Rede Educon/Eaducon e
outros convênios com a Secretaria de Educação, Secretarias Municipais entre outros órgãos. Ofereceu até 2009 cursos de
22
Araguaína, Arraias, Gurupi, Miracema, Palmas, Porto Nacional e Tocantinópolis. Já foi, pois,
implantada e está em fase de consolidação. No seu processo de gestão participam, além do reitor,
vice-reitor e pró-reitores, os diversos segmentos da comunidade universitária, organizados nos
colegiados de cursos, conselhos diretores dos Campi, câmaras de ensino, pesquisa e extensão,
conselho de ensino, pesquisa e extensão (Consepe) e Conselho Universitário (Consuni). Desse
processo de gestão, sem desconsiderar a participação, na sociedade brasileira, de suas
instituições como as IFES, o presente estudo buscou entender, a partir da percepção da
comunidade universitária - professores, estudantes e técnico-administrativos - e baseado nos
documentos institucionais: 1) qual tem sido e como ocorre o processo de gestão e participação
institucional da UFT; 2) os mecanismos, tipos, condicionantes e possibilidades da participação
que estão presentes em tal processo de gestão. Em síntese, buscamos entender qual tipo de gestão
se implementa na UFT e como ocorre, na percepção da comunidade universitária, a participação
em tal processo.
Em outras palavras, a presente tese problematiza, tendo em vista o ambiente social mais
amplo, os embates teórico-práticos que envolvem as relações de poder nas IFES, em especial na
UFT. Nesse sentido, o estudo buscou abordar: o projeto de universidade e de gestão que estão
sendo praticados e com quais objetivos; as formas de decisões na universidade, se mais
verticalizadas ou mais horizontalizadas; as pessoas que efetivamente decidem na universidade,
bem como sobre o que decidem e como procedem nessas tomadas de decisões; como participam
os segmentos da comunidade universitária - professores, estudantes e técnico-administrativos -,
além do corpo de gestores; as dimensões priorizadas no processo de gestão e participação:
econômicas, pedagógicas, políticas, culturais; as instâncias de participação; os níveis e graus em
que ocorre a participação.
Tendo como ponto de partida tal problematização, o presente estudo parte de uma
instituição social específica, mas envolve questões amplas e complexas, como a compreensão de
esfera pública, de Estado, de democracia e de autonomia. Tais categorias circunscrevem-se ao
mundo da ideologia por se referirem a ideias, conceitos e valores, expressão de uma cultura que
se articula com o mundo da economia e da política, que precisam ser compreendidos na
perspectiva da sociedade atual em constante mudança. Em tal mudança tem sido mantida, ora de
forma mais acentuada ora mais arrefecida, a hegemonia da lógica liberal/neoliberal de Estado,
que adota como estratégia de regulamentação social na perspectiva do capital a gestão e
participação de tipo estratégico-empresarial (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2004). No
caso da educação superior, tendencialmente vem-se implantando uma lógica de universidade
regulatório-regulamentatória (CONTERA, 2002) de natureza neoprofissional, heterônoma,
competitiva e operacional (SGUISSARDI, 2004; CHAUÍ, 1999).
Nesse sentido, a compreensão do processo de participação envolve o entendimento do
sentido dos termos que os adjetivam, particularmente aqueles referentes ao processo de direção,
subsunção, dominação, controle e hegemonia. Assim, partindo da noção de esfera pública, o
presente estudo apoia-se na compreensão gramsciana de Estado ampliado, ideologia, democracia
- entendida como constituição hegemônica - participação e autonomia, por entender que tal
discussão é atual e atende aos propósitos deste estudo6.
Feita esta breve discussão sobre a importância de pensarmos a temática em estudo
articulada à compreensão de Estado ampliado, esfera pública, democracia e gestão, retornamos
ao problema central que buscamos equacionar: o tipo de gestão que, na percepção da
comunidade universitária e com base nos documentos institucionais, vem sendo implementado
na UFT e como ocorre a participação em tal processo de gestão, sem desconsiderar o processo de
participação na sociedade e nas IFES brasileiras em geral.
Mediante a problematização anteriormente explicitada, foram levantadas as seguintes
hipóteses: 1) decorrido o período de redemocratização da sociedade brasileira, a partir de 1990,
articulado com as mudanças ocorridas no campo da ciência e no modelo de produção, tem
existido certo arrefecimento no processo de efetiva participação da sociedade civil nas tomadas
de decisão das instituições sociais como as IFES, e, na UFT, esse arrefecimento na participação
dos segmentos docente, discente e técnico-administrativo também parece ter ocorrido; 2) a partir
de 1990, a despeito de se ter adotado a gestão democrática como princípio constitucional,
evidencia-se, nas IFES, a exemplo da UFT, a crescente implantação, não sem resistência, de uma
lógica de gestão gerencial de natureza estratégico-empresarial em que o processo de participação
é condicionado por múltiplas determinações: institucionais, políticas, materiais, culturais,
tecnológicas e ideológicas; 3) as universidades federais, neste caso a UFT, embora sejam
6
Destacamos nesta nota as principais referências por categoria de análise orientadoras do presente estudo. Esfera pública: Arendt
(2008), Habermas (2003; 1995; 1993) e Mészáros (2009; 2008; 2006; 2004), estado ampliado, ideologia e democracia: Bobbio
(2000; 1992; 1994; 1989), Coutinho (2007; 2000; 1981), Duriguetto (2007), Gramsci (2007; 2006; 2004; 1995; 1991; 1978a;
1978b; 1977; 1975), Cardoso (1991; 1977), Portelli (1977), Santos (2005; 1999; 1991), gestão e participação; antunes (2006;
2001a; 2001b; 1999), Catani; Oliveira; Dourado (2004), Chauí, (2006; 2005; 2001; 2000; 1999; 1981) Contrera (2002), Cunha
(2007; 2003; 2000; 1986; 1980); Dourado (2001; 2000; 1999); Fávero (2004; 2000; 1991; 1988; 1980), Gadotti (2008),
Oliveira (2000), Paro (2001; 1997), Sander (1995), Silva (2002), Silva Jr (2007; 2005; 2002), Sguissardi (2004; 2000),
Sguissardi; Silva Jr.(2009).
24
pensado7. Ressaltamos, recorrendo a Marx, que a forma como se apresenta o texto, método de
exposição, difere da forma em que os dados foram coletados e tratados, método de pesquisa8.
É fundamental no desenvolvimento de pesquisas na concepção adotada a adequada
interpretação da diferenciação entre método de pesquisa e método de exposição feita por Marx.
Por método de pesquisa entende-se uma apropriação em pormenor da realidade estudada, ou
seja, é a análise que evidenciará as relações internas de cada elemento em si. Nesse método, a
análise detalhada evidenciará as leis particulares que regem o início, o desenvolvimento e o
término de cada objeto ou fenômeno estudado. Por método de exposição entende-se a
reconstituição, a síntese do objeto ou fenômeno estudado, como um processo inverso, oposto ao
primeiro, de tal forma que se imagina que foi construído a priori. Na exposição, o objeto desvela-
se gradativamente conforme suas peculiaridades. É, pois, consequência de uma pesquisa anterior
das formas de desenvolvimento e das conexões existentes entre elas. Nesse sentido, para Marx
(1985, p. 20),
O método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta. Para
Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de ideia, transforma num sujeito
autônomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas a sua manifestação externa.
Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais que o material, transposto e traduzido
na cabeça do homem.
7
Utilizando o método materialista dialético, que abrange, articuladamente, os princípios da historicidade, da totalidade e da
contradição, Marx comenta que “quando estudamos um dado país do ponto de vista da Economia Política, começamos por sua
população, sua divisão em classes, sua repartição entre cidades e campo, na orla marítima; os diferentes ramos da produção, a
exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias etc. Parece que o correto é começar pelo
real e pelo concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, começar-se-ia pela
população, que é a base e o sujeito do ato social de produção como um todo. No entanto, graças a uma observação mais atenta,
tomamos conhecimento de que isso é falso. A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a
compõem. Por seu lado, essas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por
exemplo: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. O capital, por
exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc., não é nada. Assim, se começássemos pela
população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise,
chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até
atingirmos determinações as mais simples. Chegados a esse ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até
dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de
determinações e relações diversas. O primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente economia. [...]
O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é a síntese de muitas
determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como
resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também, da
intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo,
as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de
conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto o
método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar
do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado.” (MARX, 1982, p. 14)
8
Para Marx, “é, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição formalmente, do método de pesquisa. A pesquisa tem
de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de
concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente
agora a vida da matéria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção a priori.” (MARX, 1985, p.20)
26
sociedade, entre outros. O pensamento, a partir do real, parte do mais simples ao mais complexo,
isto é, das partes ao todo, pois o todo ganha sentido significativo por meio das partes, o
individual e particular, que existe na conexão com o universal.
Ocorre nessa lógica pensada e praticada por Marx (1982) o movimento do
sensorial-concreto, do senso comum ou visão aparente das coisas, ao concreto-pensado, que
revela as leis, contradições e essência da realidade objetiva. O movimento do pensamento em
busca do conhecimento do real vai, primeiramente, do específico ao geral e depois faz o
movimento inverso, indo do geral ao específico, alterando significativamente o conhecimento
antecedente. Posteriormente, há o retorno ao todo e novamente às partes, pois, nesse constante
movimento do conhecimento, o todo e as partes vão se modificando.
Esse movimento do conhecimento efetiva-se por meio da síntese e da análise. A análise
decompõe os elementos do todo, indo do simples ao complexo, da parte ao todo; já a síntese
refaz, em sentido inverso, o caminho percorrido pela análise, reconstituindo o todo e mostrando a
dinamicidade rica do real que não se esgota numa dada realidade específica. Logo, é o todo real
que revela a verdade e o motivo de ser das partes ou do particular por meio do processo de
mediações mediatas e/ou imediatas, objetivas e/ou subjetivas.
Nessa direção, depreendemos das reflexões de Marx (1982; 1985), que a construção do
conhecimento por meio da concepção materialista pressupõe articular dialeticamente os
princípios da historicidade, da totalidade e da contradição. A historicidade relaciona-se à
compreensão de que, no desenvolvimento da história humana, os bens materiais condicionam,
em grande medida, a vida social, política, cultural e intelectual, que, por sua vez, interagem com
a base material e contraditoriamente também a modificam. Nessa perspectiva, o materialismo
histórico contrapõe-se à forma idealista de interpretação e desenvolvimento dos fenômenos
sociais. O pesquisador, diante dessa concepção da história humana, tendo secundarizado, mas
não negado a importância do pensamento em função da materialidade objetiva como princípio
primário, deve ter presente a concepção dialética da realidade material e social do pensamento.
As pesquisas orientadas pelo materialismo histórico-dialético explicitam a história do
fenômeno e suas relações situando a problemática investigada dentro de um contexto amplo e
complexo, mostrando de forma dialética as suas contradições. Nesse sentido, o pesquisador deve
ter presente as leis e categorias do método dialético. As leis da dialética materialista expressam
uma ideia mais geral presente na unidade e luta dos contrários, nas mudanças quantitativas em
qualitativas e na negação da negação. As categorias da dialética, construídas historicamente, são
elementos de apoio ao pensamento no processo de conhecimento da realidade como meio de
síntese na dinâmica da criação de novos conceitos e teorias que possibilitam a compreensão do
27
objeto investigado. Recorrendo a Engels (1979), inferimos que no campo da educação algumas
categorias que expressam o movimento da realidade empírica e do pensamento, – dentre as
quais, sujeito e objeto, teoria e prática, lógico e histórico, abstrato e concreto – são fundamentais
e atuais na realidade educacional brasileira.
Do exposto, é possível dizer que o método do materialismo histórico-dialético
caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos
homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir, pelo movimento do pensamento, as leis
fundamentais que definem a forma organizativa dos homens em sua historicidade.
Nessa perspectiva de investigação, objetivando a apreensão do objeto de estudo, partimos
do empírico, o real aparente, a realidade como se apresenta na sua forma primeira para o sujeito
do conhecimento e, por meio de abstrações, elaborações teóricas, reflexões, construções,
chegamos ao concreto: compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, objeto-
síntese de múltiplas determinações, concreto pensado. Por fim, procuramos chegar à diferença
entre o empírico, real aparente, e o concreto, real pensado, que são as abstrações, reflexões do
pensamento que tornam mais completa a realidade investigada por levar em conta o princípio da
totalidade.
Nesse sentido, tomamos como referência Pires (1997), para a qual em uma pesquisa na
área educacional, embora já se tenha alguma compreensão do objeto estudado, o ponto de partida
deve ser a categoria mais simples, o empírico, para se chegar à categoria síntese de múltiplas
determinações, concreto pensado. A análise do fenômeno educacional estudado será efetivada
quando for apreendida sua manifestação mais simples possibilitando a compreensão plena do
objeto estudado. Dessa forma, a participação em um processo de gestão, nesse caso específico a
gestão da UFT, pode ser compreendida a partir das reflexões empreendidas sobre as relações
cotidianas entre professores, alunos, TAE, gestores e sociedade no processo administrativo.
Quanto mais articulações teórico-práticas puderem ser explicitadas sobre esta categoria simples,
empírica - relação professor, aluno, TAE, gestores e sociedade em geral -, mais próximo se
estará da compreensão da participação no processo de gestão em questão.
Como as questões ligadas à educação se complexificaram devido ao aprofundamento da
crise da sociedade capitalista, materializada no seu modelo de Estado e de produção,
influenciando significativamente o processo de educação superior, entendemos ser adequado e
atual tratar da participação no processo de gestão das IFES, tendo como caso a UFT, utilizando-
se a abordagem do materialismo histórico-dialético. Nesse sentido, o entendimento da
participação no processo de gestão da UFT, instituição social universitária em desenvolvimento,
passa pela compreensão histórica de esfera pública, de democracia, de gestão, de autonomia e de
28
democratização, sem perder de vista a forma como a sociedade brasileira vem sendo constituída
e o papel que o Estado no sentido amplo vem tendo nesse processo de constituição.
Tendo em vista o método adotado, a operacionalização específica da pesquisa articula, o
estudo bibliográfico, o documental e o de campo objetivam abarcar, na temática em estudo, o
sistema de relações que a constrói, seus significados e os determinantes exteriores aos sujeitos
pesquisados. Dessa forma, Deslandes
[...] considera que o fenômeno ou processo social tem que ser entendido nas
determinações e transformações dadas pelos sujeitos. Compreende uma relação intrínseca
de oposição e complementaridade entre o mundo natural e social, entre o pensamento e a
base material. Advoga também a necessidade de se trabalhar com a complexidade, com a
especificidade e com as diferenciações que os problemas e/ou „objetos sociais‟
apresentam. (DESLANDES, 1994, p. 25)
9
“A informação fatual é o tipo de resposta relativa a elementos objetivos e enumeráveis como, por exemplo, o número de filhos e
de dormitórios da casa. A informação perceptiva diz respeito às maneiras preconceituosas ou não e, em geral, pré-conscientes,
dos indivíduos se representarem ou descreverem certos elementos da realidade social. A informação opinativa se concentra em
torno das preferências ou escolhas conscientemente formuladas. A informação atitudinal remete às disposições mais
„profundas‟ ou menos „conscientes‟ do que as opiniões, mas que se manifestam subjacentemente a diversos conjuntos de
opiniões de relativa sistematicidade como, por exemplo, do racismo, do fascismo etc. O caráter reativo da informação recolhida
pode encobrir os outros tipos precedentes distinguidos. Refere-se ao condicionamento da resposta pela pergunta ou pela
situação da entrevista. A informação reativa e mais significativa da artificialidade da pesquisa do que da realidade objetiva ou
subjetiva dos entrevistados” (THIOLLENT, 1980, p. 36).
29
consiste no fato de colocar o entrevistado frente á uma estruturação dos problemas que
não é a sua e no fato de estimular a produção de respostas que chamamos reativas. O
problema remete à distância social ou cultural que existe entre o universo dos
pesquisadores que concebem o questionário e o universo dos respondedores.
Relativamente a cada um dos dois universos, a relevância e a significação de uma
pergunta não são necessariamente comparáveis. (THIOLLENT, 1980, p. 48)
Não se trata aqui, por inferência das reflexões desse autor, da eliminação de uma temática
- ou o presente estudo sequer existiria - mas de ficar atento à dissimulação da problemática
30
ideológica que como expressão a desconsideração para com: a diversidade social e cultural; as
visões políticas divergentes; e o relativismo cultural. Nesse sentido, na formulação das perguntas
e utilização das respostas, a atenção precisa ser redobrada para não se proceder a um processo de
homogeneização na coleta e tratamento dos dados referentes à realidade investigada. Para tanto,
é recomendado evitar as abstrações das diferenças entre o investigador e a população
investigada, bem como entre os diversos conglomerados sociais investigados. Referindo-se à
presente pesquisa, tivemos a preocupação de eliminar, na medida do possível, os empecilhos que
dificultam a comunicação entre o investigador e a comunidade universitária: professores,
estudantes e TAE.
Nessa perspectiva, outros aspectos importantes no processo de coleta e tratamento de
dados a serem considerados referem-se ao desnível de comunicação entre investigadores e
investigados decorrentes das classes ou grupos sociais diferenciados e a diferença de vocabulário
e de formas de compreensão e interpretação de determinada realidade, coisa ou fato. Ao não
reconhecer os desníveis de comunicação acaba-se por impor uma forma única de comunicação,
que nivela sem reconhecer as diferenças e contradições sociais na realização de um levantamento
de dados. O desconhecimento dos desníveis pode interferir “na enunciação da pergunta por parte
do investigador, na compreensão da pergunta e na formulação da resposta por parte do
respondente e, finalmente, na transcrição da resposta.” (THIOLLENT, 1980, p. 53)
Consequentemente, “as interpretações sem levar em conta as diferenças de modos de
comunicação recaem inevitavelmente nos problemas de sociocentrismo ou de falta de
irelativismo cultural” (Idem, p. 53), ou seja, na realização de investigação tendo como
centralidade e parâmetro determinada classe ou grupo social alheios à realidade investigada e
desconsiderando as diferentes perspectivas culturais existentes.
Ademais, faz-se necessário utilizar uma linguagem mais familiar ou próxima à realidade
dos participantes da pesquisa. Nessa direção não se pode esquecer de formular questões numa
linguagem na qual se comunica de modo satisfatório com os diversos tipos de respondentes, do
mais ao menos sofisticado e que, ao mesmo tempo seja capaz de evitar uma extremada
simplificação que “pode prejudicar a motivação do respondente mais sofisticado ao sentir
desprezada a sua própria „capacidade intelectual‟.” (Idem, p. 55) Preocupação semelhante é
preciso ter o pesquisador ao adotar questões pré-formuladas nas quais os participantes da
pesquisa respondem perguntas de múltipla escolha. Esse tipo de pergunta tem, também,
vantagens e desvantagens. A principal vantagem consiste na facilidade de tabulação dos dados e
de estruturação da análise devido à facilidade de codificação das respostas via processamento
computacional. “A desvantagem tem a ver com a eventual inexaustividade do leque de
31
10
Como o objetivo do estudo é compreender o processo de gestão e participação na UFT na percepção dos sujeitos da
comunidade universitária - professores, estudantes e TAE - não elaboramos um questionário específico para os gestores. É
possível que parte dos gestores tenha respondido ao questionário não como ocupante de uma função de gestor e sim como
professor. Dessa forma, sem desconsiderar a importância dos dirigentes no processo de gestão institucional, buscamos captar a
percepção dos segmentos da comunidade universitária sobre tal processo de gestão, o que inclui a ação dos gestores.
11
A pesquisa de natureza “qualitativa emprega usualmente a observação do desenvolvimento de determinada situação. Nela pelo
menos devemos ter presente dois aspectos de natureza metodológica que são muito importantes. Um deles relacionado com a
amostragem de tempo, e outro, com as denominadas Anotações de Campo.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 153). Conferir também
Vianna (2007).
34
estudantes e funcionários da UFT nos sete campi Universitários de Araguaína, Arraias, Gurupi,
Miracema, Palmas, Porto Nacional e Tocantinópolis.
Em 2009, período no qual realizamos a pesquisa de campo, a UFT possuía 43 cursos de
graduação (25 encampados da Unitins, quatro criados em 2007 e 14 criados em 2009, por meio
do programa Reuni), 28 cursos de pós-graduação lato sensu e 12 cursos de pós-graduação stricto
sensu (nove cursos de mestrado e três de doutorado). No referido ano, foram matriculados 8.590
alunos na graduação (matrículas de 2008), 935 alunos na pós-graduação lato sensu e 152 alunos
na pós-graduação stricto sensu. O quantitativo de docentes, somados professores efetivos e
substitutos, totalizou 636 professores. O quadro de técnico-administrativos em educação
correspondia a 504 servidores distribuídos entre os níveis médio e superior (UFT, 2009e).
O desenvolvimento da pesquisa ocorreu articulando-se, sem a preocupação de
estabelecimento de uma ordem cronológica, investigações bibliográfica e empírica (documental
e de campo).
diretores dos campi Universitários, X e Y, bem como o estudo das atas das reuniões dos
colegiados de cursos da UFT12.
Tendo em vista o objetivo da pesquisa que é o de compreender o processo de gestão e
participação da UFT a partir da percepção dos sujeitos da comunidade universitária, o estudo
focou nos 25 cursos de graduação encampados da Unitins, principalmente no que se refere ao
estudo das atas e aplicação de questionário para os estudantes. Tal procedimento se justifica em
virtude de a maioria das informações utilizadas na pesquisa e parte das perguntas do questionário
relacionar-se com o processo de gestão que antecede à criação dos demais cursos.
Em outra frente de ação, realizamos, no primeiro semestre de 2009, a pesquisa empírica
junto aos segmentos da comunidade universitária: 149 professores, 504 estudantes e 159 TAE
dos sete Campi da UFT e junto aos representantes dos Conselhos da universidade. Utilizamos
como instrumento de coleta de dados nessa etapa da pesquisa o questionário, contendo questões
semiestruturadas, abordando, além das categorias de análise em geral, os diversos aspectos do
processo de gestão da UFT.
Embora os sujeitos da pesquisa não tivessem que se identificar nos referidos
questionários, optamos por pesquisar os professores e funcionários efetivos que haviam
cumprido o estágio probatório, tendo em vista o entendimento de que os profissionais
estabilizados, em virtude da experiência e tempo de trabalho na universidade, reuniam melhores
condições para responder, com liberdade, às questões formuladas com vistas ao atingimento dos
objetivos da presente pesquisa. A opção de pesquisar estudantes cursando a partir do 6º período
dos 25 cursos mais antigos da UFT deveu-se ao entendimento de que estes tiveram a
oportunidade de vivenciar, em considerável espaço de tempo, as diversas fases do processo de
gestão da UFT, foco das preocupações deste estudo, como, por exemplo, a participação na
elaboração das diretrizes gerais e documentos institucionais.
Os questionários foram aplicados aos sujeitos da pesquisa no seu local de atuação na
universidade, após a anuência do Reitor e dos diretores dos campi universitários pesquisados
(Anexo I). Os participantes da pesquisa tomaram ciência do termo de consentimento livre e
esclarecido (Anexo II), antes de responder o instrumento de pesquisa em questão.
Concomitantes à aplicação dos questionários, foram realizadas as observações
sistemáticas das reuniões do Conselho Diretor do Campus Universitário dos campi, X e Y e
reuniões do Consepe e do Consuni. As observações dos conselhos foram realizadas após
assinatura, por parte das respectivas autoridades responsáveis, dos termos de consentimento livre
esclarecido, (Anexo IIIa, Anexo IIIb, Anexo IIIc e Anexo IIId), referente a esta pesquisa. Essas
12
Estudamos as atas de 21 cursos de graduação, pois, por motivos não esclarecidos quatro dos 25 cursos não disponibilizaram
tais documentos para serem estudados.
36
13
Esclarecemos que, na perspectiva de gestão emancipatória, não é eliminada a regulação dos processos sociais, mas tal
procedimento não visa a exacerbar o processo de regulamentação por meio da criação de entraves burocráticos alienantes de
subsunção do homem a determinada lógica produtivista em detrimento da realização humana de forma autônoma e numa
perspectiva mais emancipatória. Esclarecemos que a regulação, em geral, tem a ver com o modo como os processos sociais
ajustam-se a determinadas finalidades traduzidas sob a forma de regras e normas pré-definidas. A regulamentação é um caso
particular de regulação e as regras, nesse caso, são fixadas sob a forma de regulamentos, tendo, muitas vezes, um valor em si
mesmo, independente dos usos que delas são feitos. A regulação, nesse caso, apresenta-se como sendo uma dimensão da
regulação que, sob o poder de uma autoridade, visa a controlar e a influenciar decisões por meio da introdução de regras e
normas diversas. Na regulação em uma perspectiva emancipatória – que não elimina a regulamentação –, ocorre a produção
conjunta das regras orientadoras de determinado processo social em função das ações postas em movimento por meio de
diversas estratégias e atores sociais em busca de um objetivo comum (BARROSO, 2005).
38
de reforma educacional realizado a partir de 1990, sob a influência das transformações que
ocorreram no modelo de produção e de Estado.
Tendo esse entendimento, discutimos a participação na universidade pública brasileira,
principalmente nas IFES, situada no contexto da participação na sociedade brasileira, o que
implicou debater as relações de poder, a organização social e institucional e os mecanismos de
atuação dos sujeitos sociais. Nesse sentido, procuramos entender a participação na universidade
pública brasileira, abordando: o processo de modernização do Estado brasileiro e as implicações
para a democratização social e para a participação na educação superior; as relações de poder
presentes nesse espaço educativo; a historicidade da gestão e da participação na universidade
pública brasileira; os espaços e mecanismos de participação e a relação de forças no âmbito da
comunidade universitária; e a concepção de Estado e de educação orientadora da gestão
universitária no final do século XX e primeira década do século XXI.
No quarto capítulo, são apresentadas as características gerais da UFT destacando-se, a
partir da documentação estudada, a organização de gestão nela proposta e a forma como foi
pensada a participação nos espaços formais de tomadas de decisão. Nesse sentido, sem perder de
vista a estrutura organizacional e a participação na gestão das IFES brasileiras, caracterizamos a
instituição objeto de estudo e discutimos seu processo de gestão situado no contexto das políticas
de educação superior brasileiras, levando em conta o processo de reforma educacional da década
de 1990 e seus desdobramentos nesse início de século XXI. Também explicitamos como estão
distribuídos os representantes dos segmentos docentes, discentes e técnico-administrativos e
como estes têm participado dos processos de tomadas de decisão nos conselhos e colegiados da
UFT.
Já o quinto capítulo trata da prática de gestão em curso na UFT e explicita como vem
ocorrendo, na percepção da comunidade universitária, a participação dos professores, estudantes
e TAE nesse processo, revelando, dentre outros aspectos, a concepção, o tipo, o grau, o nível, os
condicionantes e os pressupostos de tal participação nos espaços formais e não formais.
Tomando como base a discussão realizada no decorrer do presente texto, apresentamos o
processo de participação na gestão da UFT na percepção dos segmentos docente, discente e
técnico-administrativo. Ao mesmo tempo, abordamos a prática de participação da comunidade
universitária nos espaços formais de deliberação como os colegiados, conselhos diretores de
campus, Consepe e Consuni, procurando evidenciar a real concepção de gestão e suas
consequências para o processo de tomada de decisão no âmbito da UFT.
39
CAPÍTULO 1
a capacidade humana de organização política não apenas difere, mas é diretamente oposta
a essa associação natural cujo centro é constituído pela casa (oikia) e pela família. O
surgimento da cidade-estado significava que o homem recebera, além de sua vida privada,
uma espécie de segunda vida, o seu bios politikos. Agora cada cidadão pertence a duas
ordens de existência; e há uma grande diferença em sua vida entre aquilo que lhe é
próprio (idion) e o que lhe é comum (koinon). (ARENDT, 2008, p. 33)
A autora estabelece um limite claro entre o espaço público e o espaço privado. A esfera
privada exemplificada pela casa e a família busca prioritariamente atender às necessidades da
vida, garantir a sobrevivência individual e prover a continuidade da espécie. Ou seja, a esfera da
40
o termo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós [...].
Este mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço limitado para o
movimento dos homens e a condição geral da vida orgânica. Antes tem a ver com o
artefato humano, com o produto das mãos humanas, com os negócios realizados entre os
que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem. Conviver no mundo significa
essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum.
(ARENDT, 2008, p. 62)
Sendo assim, a esfera pública constitui-se numa elaboração humana tendo o trabalho
como meio fundamental. Nessa elaboração, cabe ao labor a produção de bens que serão
consumidos imediatamente no próprio ciclo da subsistência e ao trabalho, produzir bens que
transcendem para além de seu uso imediato.
Sem essa transcendência para uma potencial imortalidade terrena, nenhuma política, no
sentido restrito do termo, nenhum mundo comum e nenhuma esfera pública são possíveis
[...]. O mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para traz
quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado como no futuro:
preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência. É isto o que temos
41
em comum não só com aqueles que vivem conosco, mas também com aqueles que aqui
estiveram antes e virão depois de nós. Mas esse mundo comum só pode sobreviver ao
advento e à partida das gerações na medida em que tem uma presença pública. É o caráter
público da esfera pública que é capaz de absorver e dar brilho a tudo que os homens
venham a preservar da ruína natural do tempo. (ARENDT, 2008, p. 64-65)
Esfera pública episódica (bares, cafés, encontros na rua), esfera pública da presença
organizada (encontro de pais, público que frequenta o teatro, concerto de Rock, reuniões
de partido ou encontro de igreja) e esfera pública abstrata, produzida pela mídia (leitores,
ouvintes e espectadores singulares e espalhados globalmente). (HABERMAS, 2003, p. 9,.
grifos na fonte).
O autor destaca que a esfera pública funciona como uma caixa de ressonância na qual os
problemas a serem elaborados pelo sistema político encontram eco, ou seja, “[...] a esfera pública
é um sistema de alarme dotado de sensores não especializados, porém, sensíveis no âmbito de
toda a sociedade.” (HABERMAS, 2003, p. 91) Dessa forma, a esfera pública reforça a pressão
exercida pelos problemas, ou seja, tematiza-os e dramatiza-os de modo convincente e eficaz, até
serem assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar.
Trata-se de uma esfera pública de perspectiva liberal na qual a participação dos
indivíduos ocorre tendo como motivação os interesses privados. Assim, há uma articulação que
confunde os interesses privados com os públicos.
A esfera pública retira seus impulsos da assimilação privada de problemas sociais que
repercutem nas biografias particulares. Neste contexto particular é sintomático constatar
que, nas sociedades europeias do século XVII e XVIII, se tenha formado uma esfera
burguesa moderna, como „esfera das pessoas privadas reunidas e formando um público‟.
Do ponto de vista histórico, o nexo entre esfera pública e privada começou a aparecer nas
formas de reunião e de organização de um público leitor, composto de pessoas privadas
burguesas, que se aglutinavam em torno de jornais e periódicos. (HABERMAS, 2003, p.
98)
A primeira apoia a ordem estabelecida com uma atitude acrítica, adotando e exaltando a
forma vigente do sistema dominante - por mais que seja problemático e repleto de
contradições - como horizonte absoluto da própria vida social. [...] A segunda,
exemplificada por pensadores radicais como Rousseau, revela acertadamente as
irracionalidades da forma específica de uma anacrônica sociedade de classes que ela
45
rejeita a partir de um novo ponto de vista. Mas sua crítica é viciada pelas contradições de
sua própria posição social - igualmente determinada pela classe ainda que seja
historicamente mais evoluída. [...] A terceira, contrapondo-se às duas anteriores,
questiona a viabilidade histórica da própria sociedade de classe, propondo, como sua
intervenção prática consciente, a superação de todas as formas de antagonismos de classe.
(MÉSZÁROS, 2004, p. 67-68)
14
“Weber estabeleceu condições que eram radicalmente incompatíveis não apenas com o materialismo histórico como sistema
exploratório causal (isto é, solicitando-lhe que substituísse suas categorias – definidas por Marx como Daseinsformen „formas
de ser social‟ – por tipos ideais vazios), mas também com o socialismo e a revolução. Ele não imaginou em nenhum momento,
que uma revolução socialista pudesse „criar um todo histórico‟, pela simples razão de considerar que o destino do capitalismo -
com seus necessários „cálculos‟ racionalização, burocracia, etc. - era não ser superado.” (MÉSZÁROS, 2004, p. 217)
15
Mészáros (2009) está se referindo à argumentação de Arendt que afirma: “a palavra privada em conexão com a propriedade,
mesmo em termo do pensamento político dos antigos, perde imediatamente o seu caráter privativo e grande parte de sua
oposição à esfera pública em geral; aparentemente, a propriedade tem certas propriedades que, embora situadas na esfera
privada, sempre foram tidas como absolutamente importantes para o corpo político. [...] A propriedade e a riqueza são de maior
relevância para a esfera pública que qualquer outra questão ou preocupação privada e desempenharam, pelo menos
formalmente, mais ou menos o mesmo papel como principal condição para a admissão do dinheiro à esfera pública e à plena
cidadania. [...] Antes da era moderna [...], todas as civilizações tiveram por base o caráter sagrado da propriedade privada.”
(ARENDT, 2008, p. 70-71)
46
privada não deva ser inflacionada, expropriada e tributada, mas sim que ela, sendo mais bem
distribuída possibilite a ampliação da liberdade. Depreende-se desse posicionamento que Arendt
“[...] nos oferece a mitologia do „capitalismo do povo‟ como um ideal pelo qual lutar, em vez de
um fato consumado.” (MÉSZÁROS, 2009, p. 86, grifos na fonte) Continuando a discussão, o
autor argumenta que, dessa forma, Arendt parece não considerar que a maioria dos indivíduos
sociais foi e continua impiedosamente sendo desprovida das mais escassas posses em benefício
dos proprietários privados. Nesse sentido, para Mészáros existe uma postura de conformidade
com a sociedade capitalista, o que impossibilita sua transformação radical.
Reforçando a adesão de Arendt à lógica capitalista, é elucidador o posicionamento de
Mészáros (2009) com referência à administração burocrática. Nesse sentido, ao mesmo tempo
em que se opõe à burocracia, argumenta ser impossível livrar-se dela na sociedade atual, pois
não vê algo para sua substituição, mesmo porque, no seu entendimento, a burocracia é uma
realidade altamente reveladora e ocultadora da vida social. A perspectiva adotada por Arendt faz
Mészáros entender por que ela rejeita categoricamente não somente a noção marxiana de
superestrutura, definida em termos de suas reciprocidades dialéticas com a base material da
prática social, “mas também as categorias de classes sociais, tendências e movimentos, com a
curiosa justificativa de que conceitos como esses pertencem ao século XIX.” (MÉSZÁROS,
2009, p. 85)
Nessa direção, segundo Mészáros (2009), a participação defendida por Arendt parece ser
uma participação integradora e não transformadora, pois ela não sinaliza a possibilidade do
forjamento de outra sociedade. O tipo ideal16 de sociedade, estilo weberiano, defendido pela
autora, argumenta Mészáros, é a sociedade capitalista burocraticamente modernizada. Nessa
sociedade quem está habilitado a participar da esfera pública é o proprietário e o burocrata e não
o indivíduo organizado em classe, partido, sindicato, associação, dentre outros.
16
Para Arendt - na interpretação de Mészáros - “todos criamos aquilo que Max Weber chamou de „tipo ideal‟. Quer dizer,
meditamos sobre um conjunto de fatos históricos, e discursos, ou qualquer outra coisa, até que se torne um tipo de regra
consistente.” (MÉSZÁROS, 2009, p. 84) O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se desenvolveria uma forma particular de
ação social se o fizesse racionalmente em direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim.
Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um
curso de ação “objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele depura as propriedades dos
fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois reconstruí-los. O tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem
uma proposição e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo com sua utilidade para a
compreensão significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador seguindo uma dada racionalidade. Weber constrói
quatro tipos ideais de ação social que podem se enquadrar na sociedade. A ação tradicional diz respeito aos hábitos e costumes
enraizados, como por exemplo, comemorar o natal. A ação afetiva é inspirada em emoções imediatas, sem considerações de
meios ou de fins a atingir, como torcer por um time, o indivíduo pratica a ação porque se sente bem. A ação racional em relação
a valores é aquela em que o individuo considera apenas suas convicções pessoais e sua fidelidade a tais convicções, como ser
honesto, ser casto. E a ação racional com relação a fins é praticada com um objetivo previamente definido, visando apenas o
resultado. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas condições. Em primeiro lugar, uma ação é racional na medida
em que é orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, também claramente formulados e
logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ação é racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo são os
mais adequados (COHN, 2003; WEBER, 2007).
47
Segundo Mészáros (2004), tendo como ponto de partida a escola de Frankfurt, Habermas
teorizou sobre a relação de poder, esfera pública, democracia e participação social, mas, antes,
propôs-se fazer a denominada atualização do marxismo, substituindo as categorias: forças e
relações de produção por trabalho e interação; e trabalho como produtor de valor por ciência e
tecnologia. Nessa atualização a luta de classe perde sentido na modernidade, pois a atual
sociedade, regulada pelo Estado “[...] suspende o conflito de classe, e [que] na sociedade
capitalista avançada, os grupos carentes e privilegiados não mais se confrontam um com o outro
como classes socioeconômicas.” (MÉSZÁROS, 2004, p. 200, grifo na fonte)
Na sociedade pensada por Habermas (2003) é possível estabelecer uma ação
comunicativa ampliadora da esfera pública por meio da participação consensual verdadeira e em
igualdade de direito, pois os conflitos foram dirimidos. Uma participação nesses termos, para
Mészáros (2004), somente é possível de ocorrer entre os membros de uma elite formada por
especialistas da comunicação, mas não em uma sociedade real dividida, fragmentada na qual as
lutas pelo poder são intensas.
Na compreensão de Mészáros (2006) a dificuldade de que sejam ampliados o espaço
público e o processo de democratização e participação na atualidade relaciona-se diretamente
com a concepção e lógica da organização “sociometabólica capitalista”17 em geral: sociedade
dividida, fragmentada, atomizada e heteronomizada, explicitadora de uma profunda
concentração de poder econômico e político-administrativo em pequenos grupos de indivíduos
em detrimento da maioria da população (BRAVERMAN, 1977).
Dessa forma, o processo de produção e reprodução da vida em sociedade, articula
dialeticamente dois momentos: o da produção e o da distribuição. Numa perspectiva de
17
O prefixo “sócio” relaciona-se ao caráter social do capitalismo, acrescido do termo “metabólico” ou metabolismo que significa
os processos físicos e químicos que o organismo necessita para a formação, desenvolvimento e renovação de suas estruturas
celulares (FERREIRA, 2004), neste caso, estruturas sociais. Nesse sentido, o sistema sociometabólico do capital, tem a ver com
o processo social que o capitalismo forma, desenvolve e renova, tendo, dentre outros, o objetivo de produzir, de acordo com
Mészáros (2006) e Antunes (1999), um trabalhador precarizado: parcelar, descontínuo, flexível, polivalente e subordinado ao
capital.
48
Relaciona, portanto, a divisão e fragmentação no seu sentido mais geral com a divisão e
fragmentação no local de trabalho ou em uma instituição social capitalista em particular. Nesse
sentido, inferimos da visão de Mészáros (2004), ser compreensivo que o controle social, mesmo
em uma instituição educacional, é significativamente difícil em virtude de sua organização,
muitas vezes, autoritária. Em contraposição ao exposto, o controle social efetivo passa pela luta
que vislumbre, mesmo frente a monumentais entraves, a democratização do local de trabalho,
bem como pela eliminação da “anarquia da divisão social do trabalho que prevalece na
sociedade como um todo e a tirania do mercado que o acompanha.” (MÉSZAROS, 2004, p. 515,
grifos na fonte).
Então, a participação efetiva na sociedade e em suas instituições relaciona-se
diretamente com o “exercício efetivo do controle sobre os processos reprodutivos da sociedade,
e não simplesmente a contraposição aos efeitos negativos do avanço e da complexidade
técnicos,” (MÉSZÁROS, 2004, p. 517, grifos na fonte) Explicita-se, dessa forma, a necessidade
de, em vez de a racionalização concretizar-se, que seja efetivado o controle social e, em vez de a
programação técnico-burocrática prevalecer, que seja estruturado um plano de poder posto em
prática pelos legítimos produtores de determinado local de trabalho como a universidade.
49
18
“Deve-se efetivar aqui que a negação prática materialmente eficaz das estruturas reprodutivas dominantes não implica a
ilegalidade, ou mesmo a rejeição apriorística da estrutura parlamentar. Todavia, envolve a sustentação organizacional de um
desafio contínuo às restrições mutiladoras que as „regras do jogo‟ parlamentarista unilateralmente impõem somente às classes
subalternas. O que nos preocupa no presente contexto é que, enquanto os representantes das classes dominantes fazem uso
irrestrito, como fato natural, das forças extraparlamentares do capital – que não só dominam totalmente as bases materiais da
sociedade como também se acham rigorosamente organizadas na esfera política e cultural, com imensos recursos à sua
disposição –, a ideia de oposição e ação extraparlamentar, do outro lado da confrontação sociopolítica, é vista como uma
blasfêmia” (MÉSZÁROS, 2004, p. 487).
50
19
No entendimento de Mészáros (2004, p. 486) “não se deve esperar o genuíno envolvimento da massa em um empreendimento
revolucionário sem a profunda crise das estruturas materiais dominantes da sociedade. Entretanto, essa inequívoca rejeição da
perspectiva voluntarista e elitista não implica a defesa de uma „concepção fatalista da filosofia da práxis‟, que pede para
esperar até que a própria crise tenha realizado sozinha o trabalho necessário. Significa apenas que a transformação radical do
„panorama ideológico da época‟ não pode ser definida em termos estritamente ideológicos como o trabalho da consciência
sobre a consciência. Mas exatamente, deve conter como um componente organizacional articulado da estratégia geral, a
negação prática, materialmente eficaz das estruturas reprodutivas dominantes, em vez de reforçá-las através da „economia
mista e de várias formas de „participação‟ na reestabilização socioeconômica e política do capital em crise.”
20
Para Chauí (1981, p. 96), a democracia tem intima articulação com “o conceito de alienação e sua forma na sociedade
capitalista, a reificação. Em resumo, o problema da divisão social do trabalho como divisão das classes para e pela exploração
social da mais-valia, exploração que não se realiza pelo Estado, mas através do Estado. Eis porque a questão da democracia, ao
ser reduzida à esfera estritamente político institucional, acaba sendo reduzida a uma discussão que se concentra, em última
instância, nas transformações do aparelho do Estado, isto é, „discutida pelo alto‟ e com as lentes dos dominantes. Se, do lado
socialista, a ênfase no econômico parece fazer com que a discussão se realize a partir „de baixo‟ e reforce o tema da igualdade,
contrapondo-se à discussão liberal que enfatiza o tema da liberdade, em termos estritamente históricos, a igualdade afirmadas
por uns, e a liberdade, defendidas por outros, deixam intacta a questão da alienação e com ela a da democracia, porque deixam
intacta a questão do poder.”
51
em tempos em que ora há supervalorização da estrutura ora da superestrutura, a trilha aberta por
ele no processo de valorização da participação dos sujeitos sociais é rica para pensarmos a esfera
pública, a democracia e a participação nesse início de século XXI, na tensão entre as esferas da
produção e reprodução da vida em sociedade.
O presente estudo ao pretender entender o processo de gestão e participação na UFT, uma
das instituições sociais da sociedade brasileira desta primeira década do século XXI, o faz com a
compreensão de que há, conforme o pensamento gramsciano, um vínculo orgânico entre
estrutura e superestrutura formando um bloco histórico. Nesse bloco histórico a economia no
âmbito da estrutura não se relaciona simplesmente com a produção de bens materiais, mas,
também, com a forma de ocorrência das relações sociais na produção e reprodução desses bens
materiais (GRAMSCI, 1995). É no âmbito da superestrutura, potencializadora da ação de retorno
ativa, que há a possibilidade de participação política efetiva dos sujeitos sociais, participação
que, por sua vez, embora seja preponderantemente determinada pela esfera estrutural, pode,
também, agir sobre esta. A arena na qual se trava tal luta política é ampla e diversificada e fazem
parte de tal arena as instituições sociais como as universidades.
Essa perspectiva de vínculo orgânico vislumbrada por Gramsci abre a possibilidade de
participação como luta política no âmbito superestrutural no sentido em que os socialmente
subalternos, no campo da ideologia, desvendam o domínio aos quais estão submetidos e
“encontra os meios de reação a ele, claro que quando há condições concretas determinadas pela
base econômica.” (CARDOSO, 1977, p. 53) Nessa lógica, fica aberta a possibilidade de se
construir uma nova hegemonia, diferente daquela do grupo dominante e, assim, democratizar as
relações sociais. Tendo essa compreensão, para além do Estado coerção de domínio da sociedade
política, Gramsci entende o Estado articulador das sociedades política e civil. Estamos falando
da noção ampliada de Estado que adotaremos no presente estudo como categoria de análise da
sociedade em geral e, consequentemente, da instituição social universitária pública. O Estado
moderno, na perspectiva gramsciana, não se constitui somente como instrumento coercitivo de
dominação a serviço da classe dirigente, sendo também consenso, ou seja, é, ao mesmo tempo,
coerção e hegemonia. Esta é uma perspectiva de Estado em que, no âmbito da sociedade civil,
evidenciam-se a ideologia, a democracia e a participação.
Por essa via de entendimento, forjar outra democracia significa, conforme o pensamento
gramsciano, construir uma nova hegemonia, ou seja, agir para corroer e destruir internamente o
projeto constituído, tendencialmente propício à intensificação do processo de alienação e
reificação social. Para romper com o projeto constituído, é preciso deixá-lo sem sentido e,
continuamente, ir constituindo as bases de uma perspectiva de projeto mais emancipador
52
[...] não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção
intelectual, não se pode separar o Homo faber do Homo sapiens. Em suma, todo homem,
fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um
„filósofo‟, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção de mundo, possui
uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar
uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar. (GRAMSCI,
2004, V. 2, Q. 12, § 3, p. 53, grifos nossos, na penúltima linha)
Esse pensamento ajuda a entender que o homem pode ser sujeito de, pelo menos, dois
projetos de educação que, contraditoriamente, efetivam-se no mesmo espaço social: o da
manutenção e o da mudança. Nesse sentido, vislumbram-se, também, duas tendências de gestão
e de participação social: o da heterogestão, de participação tendencialmente verticalizada e o da
autogestão, de participação mais horizontalizada. Inferimos da discussão anterior que, embora
não de forma mecânica e pura; em virtude das mencionadas contradições, na atualidade,
prevalece a primeira tendência de gestão e participação. Tal tendência de gestão e participação
está em consonância com a concepção de educação hegemônica na qual os governantes e
53
21
Segundo Dahl, a Grécia era composta por várias centenas de cidades independentes, isoladas umas das outras por extensas
áreas rurais. A democracia foi aplicada especificamente pelos atenienses e outros gregos ao governo de Atenas e de outras
cidades da Grécia. O processo de participação ocorria da seguinte forma: “no seu centro havia uma assembleia na qual todos os
cidadãos tinham o direito de participar. A assembleia elegia alguns membros-chave, por exemplo, generais, por estranho que
isso possa nos parecer. Mas o método principal para escolher os cidadãos para outros serviços públicos consistia num sorteio
através do qual os cidadãos elegíveis tinham igual oportunidade de ser selecionados. (DAHL, 2000, p. 20)
55
democrático, defendido, dentre outros, por Robert Dahl, situa-se entre o elitismo e o
participacionismo democráticos.
Schumpeter, as pessoas estão interessadas naquilo que está diretamente relacionado à sua vida
cotidiana e é em benefício dela que normalmente agem.
Não há, para começar, um bem comum inequivocamente determinado que o povo aceite
ou que possa aceitar por força de argumentação racional. Não se deve isso primariamente
ao fato de que as pessoas podem desejar outras coisas que não o bem comum, mas pela
razão muito mais fundamental de que, para diferentes indivíduos e grupos, o bem comum
provavelmente significará coisas muito diversas. (SCHUMPETER, 1961, p. 306-307)
22
Confira a discussão sobre democracia minimalista e o neoliberalismo no estudo realizado por DURIGUETTO, Maria Lúcia.
Sociedade civil e democracia: um debate necessário. São Paulo: Cortez, 2007, p. 78-95.
23
Ressaltamos que Dahl não faz menção específica à universidade, mesmo porque está tratando da democracia em larga escala.
Mas como faz referência à inclusão dos grupos de interesse no processo democrático para além da democracia representativa e
afirma que a mesma lógica de participação pode ser aplicada à democracia em pequena escala, essas reflexões contribuem com
os propósitos do presente estudo.
59
24
A democracia poliárquica significa o governo de múltiplas minorias. O máximo do poder popular é expresso na representação
mediante o processo de voto, pois a maioria dos cidadãos é apática e de pouca participação política. Assim, o controle popular
ocorre por meio do voto na escolha dos lideres políticos e a igualdade política se reduz, praticamente, ao sufrágio universal,
quando cada homem é igualado a um voto (Dahl, 2000).
60
como na transmissão das opiniões públicas que resultam desse processamento tanto para os
cidadãos quanto para o sistema político.” (p. 100)
Nesse sentido, inferimos que, no âmbito da sociedade civil e da esfera pública, são
organizadas as demandas, a opinião pública e valores dos grupos que defendem seus interesses
específicos privados. A democracia resume-se em assegurar os direitos individuais por meio de
uma participação moderada, limitada às regras institucionais do jogo democrático.
Como a democracia propícia à sociedade capitalista é vista em contínuo aperfeiçoamento,
os defensores dessa lógica trabalham constantemente para o seu desenvolvimento, aperfeiçoando
seus princípios e procedimentos. Nesse sentido, várias produções teóricas vêm sendo publicadas
na tentativa de encontrar saídas viabilizadoras da democracia na contemporaneidade, ou seja,
procura-se ampliar as possibilidades democráticas no âmbito do próprio capitalismo. A
democracia na perspectiva deliberativa ou procedimental proposta por Habermas (1993)
constitui-se em uma dessas produções.
25
De acordo essa concepção, “a razão prática se afastaria dos direitos universais do homem (liberalismo) ou da eticidade
concreta de uma determinada comunidade (comunitarismo) para se situar naquelas normas de discurso e de formas de
argumentação que retiram seu conteúdo normativo do fundamento de validade da ação orientada para o entendimento, e, em
última instância, portanto, da própria estrutura da comunicação lingüística.” (HABERMAS, 1995, p. 46)
26
Conforme breve exposição no item 1 deste capítulo, mundo da vida “refere-se às ações comunicativas, informais motivadoras
do desejo de compreensão mútua entre os indivíduos”. Segundo Habermas (2003), no mundo da vida situa-se a sociedade civil.
Esta é composta por “associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de
comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida (p. 99).”
27
Para o modelo teórico-discursivo de Habermas os atores da sociedade civil têm um caráter diferenciado quanto: ao conteúdo,
tematizado em situações-problemas emergentes na vida cotidiana de relevância para toda sociedade; à forma de comunicação,
sintetizada na transformação da esfera pública numa arena de argumentação discursiva e de convencimento do conjunto da
sociedade sobre a justeza de seus propósitos. Nessa forma de comunicação busca-se o entendimento que pode levar à revisão
de opiniões originalmente formuladas; ao tratamento da esfera pública – expresso no empenho da sua reprodução e
revitalização de forma a inovar as possibilidades comunicativas facilitadoras da inclusão das minorias –; e a identificação dos
membros da sociedade civil é constituída, neste caso, no âmbito da ação coletiva (COSTA, 1995).
63
ocorre no debate público, no qual as ideias são expostas e explicitadas as contradições. Emergem
daí as ideias substancialmente transformadas que melhor atendem aos interesses dos indivíduos e
dos grupos, conforme os objetivos almejados. Não se trata de selecionar as melhores ideias ou
propostas, mas de construir, por meio do debate, os propósitos políticos de interesse individual e
público.
O debate público funciona como um processo educativo que transforma os indivíduos em
cidadãos coletivos, mais justos e livres, voltados para o bem público, o que produz,
indiretamente, valores democráticos emancipatórios e duráveis. A transformação da preferência
dos próprios cidadãos pressupõe sua aproximação com o bem comum, e possibilita que os
interesses pessoais sejam subsumidos por interesses de natureza pública, ampliando as chances
de se tomarem boas decisões políticas.
Estamos diante de uma possibilidade procedimental de democracia evidenciada na forma
metodológica em detrimento de uma democracia substancial como finalidade e princípio
orientador da vida humana. Mas a deliberação, no reverso do voto, não se limita em adicionar, a
um dado momento de tomada de decisões, as preferências dos eleitores, mas procura, antes,
transformá-las para uma posterior incorporação. Segundo Habermas (1993), para a consecução
dos objetivos da democracia deliberativa são necessárias as seguintes condições: caráter público
das trocas, igualdade de direito de comunicação, ausência de enganação e ausência de coação.
Depreendemos dos fundamentos da democracia deliberativa; de um lado, a sua
engenhosidade que, certamente, avança em relação às proposituras das abordagens de
democracia elitista e pluralista. Por outro lado, revela-se idealizada, se considerarmos os
inúmeros impedimentos para se porem em prática as condições necessárias para sua efetivação,
bem como parece ela padecer da ausência de uma concepção mais crítica da realidade social
capitalista no que se refere aos princípios básicos da democracia: a liberdade e a igualdade.
Em linhas gerais, inferimos que as abordagens de democracia elitista,
pluralista e deliberativa parecem ser incompatíveis com a democracia no seu sentido substantivo
ou emancipador. Pensar e praticar um governo democrático para além da democracia pluralista,
poliárquica e deliberativa requer uma reflexão sobre a sociedade capitalista em geral que leve em
conta a dimensão política organicamente vinculada com o conjunto do processo produtivo,
entendido como as relações sociais de produção, de distribuição e de consumo, que se realiza por
meio do trabalho numa sociedade de classe.
Tratando especificamente da democracia deliberativa segundo Habermas, tendo como
base a presente discussão, destacamos, em conformidade com Duriguetto (2007), alguns
aspectos considerados frágeis para a sustentação de uma democracia participativa.
64
Primeiramente sinalizamos o fato de que a “sociedade civil se apresenta como uma „terceira via‟
(como esfera pública participativa) entre o mercado e o Estado.” (DURIGUETTO, 2007, p. 120,
grifo na fonte). Essa dicotomização apresenta os três subsistemas sociais - mercado (ligado ao
dinheiro), Estado (vinculado ao poder) e sociedade civil, esfera pública (destinado à participação
por meio dos processos argumentativos) -, de forma autonomizada. Essa perspectiva de leitura
impossibilita a análise da realidade enquanto totalidade e, consequentemente, desarticula a ideia
de vínculo orgânico entre infraestrutura e superestrutura; por sua vez, nessa lógica, praticamente
desaparece a ideia de contradição entre capital e trabalho, visto que a categoria trabalho perde a
sua centralidade para os processos argumentativos; e, no lugar da contradição entre capital e
trabalho passa a existir a contradição entre a “colonização do dinheiro e do poder sobre o
consenso gestado no agir comunicacional.” (DURIGUETTO, 2007, p. 122)
Ressaltamos que essa perspectiva de análise da realidade social difere do entendimento
marxista da temática na concepção gramsciana, adotada no presente estudo. O pensador italiano
compreende a produção e reprodução social numa visão de unicidade na contradição que articula
de forma orgânica estrutura e superestrutura. Tendo essa compreensão, não há a possibilidade de
atomização dos subsistemas sociais mercado, Estado e sociedade civil, mas, pelo contrário, eles
são compreendidos como momento unitário da vida social que totaliza dois complexos: a esfera
estatal ou Estado ampliado (integradora da sociedade civil e sociedade política) e a estrutura
econômica (PORTELLI, 1977).
Do pensamento gramsciano inferimos não haver dúvida de que o processo de
emancipação social da classe trabalhadora tem a sociedade civil como espaço privilegiado de
participação, mas essa participação, desvinculada da sociedade política e da esfera econômica,
tem efeitos pontuais e reformistas. Em outras palavras, a participação efetiva e desalienante não
pode circunscrever-se a um ou outro subsistema social nem somente a um grau mínimo de
deliberação, mas, ao contrário, precisa repor, aos sujeitos sociais classistas detentores de projetos
emancipatórios, o controle sobre os meios de produção, processos produtivos e produção
efetivada.
As perspectivas de esfera pública participativa e de democracia participativa avançam em
relação às abordagens democráticas elitistas e pluralistas. Destacamos, na sequência, a
democracia participativa tendo como base as reflexões de C. Pateman (1992) e C.B. Macpherson
(1978). Os propositores da democracia participativa defendem, em geral, uma participação
efetiva dos sujeitos sociais nas diversas instâncias deliberativas envolvendo assuntos públicos.
No entendimento de Duriguetto (2007), embora a proposta de democracia participativa
acabe por revelar uma análise da sociedade civil separada das relações mercantis, tais relações
65
são articuladas ao aparato estatal. Essa compreensão de democracia defende a participação dos
sujeitos coletivos no âmbito da sociedade civil com possibilidade de influenciar no que se refere
às demandas sociais e ao controle sobre o Estado, não somente por meio dos espaços formais de
participação, mas também via movimentos sociais contestatórios. Há, nessa perspectiva
democrática, o entendimento de que a extensão da esfera da participação nas instituições formais
constitui condição essencial para se ampliar a participação democrática, ou seja, quanto mais se
participa mais se aprendem os jogos da democracia e mais se aprofundam as práticas
democráticas.
O aprendizado das práticas democráticas, conforme Pateman (1992), efetiva-se no nível
local, onde são evidenciados os interesses dos indivíduos e grupos. O exercício da participação
local prepara os indivíduos para a participação estadual, nacional e municipal. Por esse motivo,
os espaços promissores da participação são as indústrias, escolas, universidades e comunidades,
tendo em vista que nesses espaços se “[...] cumpre o verdadeiro efeito educativo da participação”
(PATEMAN, 1992, p. 46), pois abrange questões da vida cotidiana dos indivíduos e prepara-os
para possíveis exercícios da administração local, bem como para exercícios eletivos variados.
Macpherson formulou uma proposta de democracia participativa como sendo a “melhor
tradição da democracia liberal” (1978, p. 116), na qual prevaleceria o autodesenvolvimento do
princípio da igualdade individual. Ao propor o modelo de democracia participativa28, o autor
alerta que o problema principal para atingi-la não se encontra, simplesmente, na sua forma
procedimental, mas nas condições para a sua efetivação, resumidas na “substituição da imagem
do homem como consumidor, e uma grande redução da desigualdade social e econômica.”
(MACPHERSON, 1978, p. 103) A desigualdade social e econômica exige um sistema partidário
não participativo a fim de manter a sociedade coesa e sob controle mas, na medida em que as
desigualdades vão diminuindo, o sistema partidário centralizador dá lugar a uma sociedade na
qual os cidadãos são mais ativos e participativos, em virtude da existência de recursos e
oportunidades concretos. Para isso, outra condição é necessária: “[...] a mudança da consciência
do povo [...], do ver-se agir como essencialmente consumidor, ao ver-se agir como executor e
desfrutador da execução e desenvolvimento de sua capacidade.” (MACPHERSON, 1978, p. 102)
No entendimento do autor em tela, na própria lógica capitalista, com suas contradições
estruturais, está o germe que gera uma nova consciência social propícia ao desenvolvimento
individual e coletivo. As contradições sociais, tendo em vista a ação dos novos movimentos
28
O modelo mais simples que mais adequadamente pudesse ser chamado de democracia de participação seria um sistema
piramidal com democracia na base e democracia por delegação em cada nível depois da base. Assim, começaríamos com a
democracia direta ao nível da fábrica ou vizinhança – discussão concreta face a face e decisão por consenso majoritária, e
eleições de delegados que formariam uma comissão no nível mais próximo seguinte, digamos, um bairro urbano ou subúrbio
ou redondezas. [...] Assim prosseguiria até o vértice da pirâmide, que seria um conselho nacional para assuntos de interesse
nacional, e conselhos locais e regionais para questões próprias desses segmentos territoriais. (MACPHERSON, 1978, p. 110).
66
Rousseau defende outro tipo de contrato, no seu entender legítimo, pois orientado pela
vontade geral fundada no interesse comum, cujo pressuposto é a soberania popular. Nesse
sentido, sobre a posição democrática de Rousseau, Coutinho (2007, p. 230) afirma que é
precisamente “a afirmação de que só é legítima uma sociedade fundada na soberania popular, na
construção de um sujeito coletivo, com base na vontade geral, atuando segundo o interesse
comum, subordinando a esse último os interesses puramente privados.”
No entendimento de Coutinho (2007), Gramsci retém essa compreensão de democracia
de Rousseau, mas exclui aquilo que Marx (2000) já criticara no pensador genebrino, ou seja, o
fato de a vontade geral suprimir as vontades particulares. Sobre este aspecto, Rousseau foi
enfático ao propor que as vontades particulares, por se contraporem à vontade geral, devem ser
suprimidas. Assim, “quem se recusar a obedecer à vontade geral a isso será obrigado por todo o
corpo, o que apenas significa que será forçado a ser livre.” (ROUSSEAU, 2006, p. 30) No
entendimento de Marx não se resolve o problema da desigualdade simplesmente explicitando a
dicotomia entre o citoyen (vontade geral) e o bourgeois (ações egoístas e privatistas). Assim, na
medida em que a proposição de Rousseau conserva a propriedade privada, ao sugerir a divisão
da propriedade e não sua socialização, também mantém a fonte de reprodução das vontades
particulares. A vontade particular reprimida ou recalcada tende a reaparecer e bloquear a vontade
geral. Em outras palavras, argumenta Marx, a vontade burguesa, mais cedo ou mais tarde, acaba
por dominar a vontade geral e o bem comum de interesse cidadão (MARX, 2000).
Nessa mesma direção, outra limitação de Rousseau, provavelmente em virtude do
momento histórico, consistiu em prestar pouca atenção à questão do pluralismo na sociedade
moderna. Rousseau combateu incisivamente a presença de grupos, associações e organizações,
pois temia que estas corporações acabassem por se transformar em vontades gerais próprias,
mutilando, assim, o conteúdo público da vontade geral e do bem comum. Mas, na
impossibilidade de inibi-las, seria prudente que essas existissem em quantidade numerosa e em
igualdade de participação política (ROUSSEAU, 2006). Coutinho (2007, p. 234) lembra que essa
solução de Rousseau não resolve o problema “já que ele não discute o modo pelo qual essa
multiplicidade de vontades e de grupo poderia se articular com a vontade geral.” De qualquer
forma, mesmo com essas ambiguidades, as reflexões de Rousseau, no entender de Coutinho,
contribuíram para explicitar que a “democracia tem como fundamento um contrato, ou um
consenso, cujo pressuposto e cujo resultado são a vontade geral ou coletiva, ou seja, a prioridade
do público sobre o privado.” (COUTINHO, 2007, p. 235)
Hegel, tendo também o mundo grego como parâmetro, buscou desenhar um modelo de
democracia visando a superar as cisões e alienações no âmbito da sociedade. Hegel tinha
70
Em sua filosofia política, ao contrário, ele busca conciliar essa liberdade do particular
com a prioridade do público sobre o privado, ou, em outras palavras, busca conciliar (ou
sintetizar dialeticamente) essa expansão moderna da particularidade com o ideal
comunitário da polis grega. [...] Hegel propõe a criação de instâncias universalizadoras
que superem dialeticamente (ou seja, que conservem, eliminem e elevem a nível superior)
essa esfera da particularidade, sobretudo a „sociedade civil‟. (COUTINHO, 2007, p. 236)
Prosseguindo a discussão na linha escolhida por Coutinho (2007), podemos dizer que a
instância universalizadora a que Hegel se refere é o Estado, ao qual seria subordinada a
sociedade civil, não como repressão, mas como superação das particularidades (social-civis) na
vontade universal (estatal). Essa superação ocorreria por meio do que ele denominou
“moralidade objetiva” ou “eticidade”. Em outros termos, tendo presente o princípio da
“eticidade”, é da esfera social que emergem os valores comunitários decorrentes da inserção dos
indivíduos em interações objetivas como as práticas sociais. Isso significa dizer que a vontade
geral não resulta de virtudes singulares, mas de uma realidade ontológico-social que emerge das
interações sociais concretas. Na prática, esse processo se efetiva na ação das corporações
situadas no âmbito da sociedade civil, como associações, sindicatos, conselhos. É no interior
dessas corporações que se realiza a formação da vontade geral, inicialmente circunscritas aos
interesses coletivos corporativos, e, em outro nível concretizado no Estado, expressão máxima da
vontade geral.
Hegel, dessa forma, supera o subjetivismo e a dicotomia particular-universal de
Rousseau, mas retroage no que se refere aos aspectos relacionados à soberania popular ao
defender formas elitistas de governo, como a monarquia hereditária, por meio de uma câmara
alta formada por nobres, e o contrato social, tendo em vista que rejeita qualquer tipo de contrato
consensual: “a vontade objetiva [geral] é o racional em si no seu conceito, seja esse reconhecido,
ou não, pela vontade do indivíduo, e seja, ou não, querido pelo seu querer.” (HEGEL, 1995 p.
402) Essa determinação de Hegel suplanta a dimensão intersubjetiva do fazer político humano
enquanto construção histórica. Em outras palavras minimiza a importância da participação dos
sujeitos sociais e, consequentemente, não dá crédito às possibilidades de transformação advindas
desse processo de participação.
A compreensão da problemática referente à vontade geral em Rousseau e Hegel é a base
para o entendimento da vontade geral no pensamento gramsciano. Gramsci, conforme Coutinho
(2007), de um lado, apreende de Rousseau e Hegel o que há de mais lúcido e tem maior valor
71
29
“O máximo fator da história não são os fatos econômicos, brutos, mas o homem, a sociedade dos homens, que se aproximam
uns dos outros, entendem-se entre si, desenvolvem a partir desses contatos (civilização) uma vontade social, coletiva, e
compreendem os fatos econômicos, e os julgam, e os adéquam à vontade deles, até que esta se torna o motor da economia, a
plasmadora da realidade objetiva, a qual vive, e se move, e adquire caráter de matéria telúrica em ebulição, que pode ser
dirigida para onde a vontade quiser”. (Gramsci, apud COUTINHO, 2007, p. 245)
30
Tomando como referência as reflexões de Coutinho, “Gramsci, de um lado, recolhe de Hegel a ideia de que as vontades são
concretamente determinadas já no nível dos interesses materiais ou econômicos e, tais vontades, de resto, experimentam um
processo de universalização – de „associacionismo‟ –, que leva à formação de sujeitos coletivos („corporações‟ em Hegel,
72
aparelhos de hegemonia em Gramsci), sujeitos movidos por uma vontade que se universaliza, que tende a superar os interesses
meramente „econômico-corporativos‟ e orientar-se assim no sentido da consciência „ético-política‟. Mas podemos também
dizer, por outro lado, que Gramsci - ao definir como consensual a adesão a tais aparelhos de hegemonia e ao defini-los como
momentos do Estado ampliado - introduz uma clara dimensão contratual no coração da esfera pública, retomando desse modo
uma ideia básica de Rousseau [...].” (COUTINHO, 2007, p. 247-248)
31
No plano político, a “guerra de movimento” refere-se à tomada de poder formal radical e frontal por meio da conquista da
sociedade política ou aparelho político-administrativo. Já a “guerra de posição” trata-se da conquista estratégica do poder por
meio da formação do consenso no interior da sociedade civil como ponto de partida para a construção hegemônica no âmbito
do Estado ampliado. Disponível em: <http://www.acessa.com/gramsci/index.php > Acessado em 03/03/2010.
32
“O conceito gramsciano de hegemonia implica, por um lado, um contrato que é feito no próprio nível da sociedade civil,
gerando em consequência sujeitos coletivos (sindicatos, partidos, movimentos sociais etc.) que têm uma clara dimensão pública
„estatal‟. Mas implica também, por outro lado, a necessidade de formas de contrato entre governantes e governados (entre
Estado e sociedade), com base no fato de que, nessas sociedades „ocidentais‟, a obrigação política se funda numa obrigação
consensual, por governantes e governados, de um mínimo de regras procedimentais e de valores ético-políticos. Neste último
caso, estamos certamente diante de contratos que frequentemente coexistem (e de modo conflitivo) com a permanência de
formas de coerção. Também não se deve esquecer, de resto, que tais „contratos‟ estão sujeitos a permanentes revisões e
mudanças, segundo variações do que o próprio Gramsci chamou de „correlações‟ de força.” (COUTINHO, 2007, p. 250)
73
33
Trata, entretanto, de um processo revolucionário que vai além do campo em que as relações se estabelecem de cidadãos para
cidadãos, ou seja, “O processo revolucionário é exercido no campo da produção, na fábrica, onde as relações são de opressor
para oprimido, de explorador para explorado, onde não existe liberdade para o operário, onde não existe democracia; o
processo revolucionário é exercido onde o operário nada é e quer tornar-se tudo, onde o poder do proletário é ilimitado, é
poder de vida e de morte sobre o operário, sobre a mulher do operário, sobre os filhos do operário.” (GRAMSCI, 1981, p. 93)
34
Coutinho (1981, p. 11) percebe certa ingenuidade em parte da proposta do jovem Gramsci, pois “ao conceber a fábrica como
território nacional da classe operária Gramsci incide num erro corporativista: não vê que a dominação e a direção políticas da
classe operária, sem as quais não pode se constituir um Estado socialista, não se esgotam no controle imediato da produção
material, mas implicam também uma ação hegemônica sobre o conjunto dos mecanismos (políticos, sociais, culturais) que
asseguram a reprodução da vida social global e, inclusive, a reprodução das próprias relações de produção.” Lembramos,
entretanto, conforme Coutinho (1981), que o Gramsci dos Cadernos do Cárcere conseguiu fazer a síntese histórica e superar
os equívocos e as aporias da juventude compreendendo que as corporações, produtivas ou não, são importantes se articuladas
com o partido político, com os sindicados etc., compreendidos numa perspectiva social de Estado ampliado que articula
sociedade política e sociedade civil, coerção e consenso.
35
Segundo Coutinho (2007), Togliatti, Eugenio Curiel e Ingrao foram os pensadores que deram continuidade ao pensamento
gramsciano de democracia. Togliatti já dizia: “queremos uma república democrática dos trabalhadores, queremos uma
república que se conserve no âmbito da democracia e na qual todas as reformas de conteúdo social sejam realizadas no
75
[...] num regime democrático republicano que, graças à articulação dialética entre os
organismos tradicionais de representação democrática (parlamentos etc.) e os novos
institutos de democracia direta (conselhos de fábrica, de bairro), permite o avanço
progressivo no sentido de transformações sociais e econômicas profundas, da conquista
permanente de posições no rumo do socialismo. (COUTINHO, 2007, p. 161)
respeito ao método democrático (p. 161). Nesse sentido, “[...] a democracia política perde o seu caráter de etapa a ser
cumprida e abandonada no momento do „assalto ao poder‟, no pretenso „grande dia‟, para ganhar a característica de um
conjunto de conquistas a serem preservadas e elevadas a nível superior – ou seja, dialeticamente superadas – na democracia
socialista.” (p. 162) Para Curiel “a democracia progressiva não significa apenas uma etapa, uma fase à qual se chega e na
qual se fica por algum tempo a fim de retomar o fôlego para seguir adiante: democracia progressiva é a formulação política
do processo social da revolução permanente.[...] A experiência de uma democracia progressiva é condicionada pelo contínuo
progresso social, por uma participação popular cada vez mais decisiva no governo, pela hegemonia cada vez mais madura da
classe operária. (p. 162) Na trilha deixada por Gramsci, Ingrao argumenta que se trata de defender a ideia de “hegemonia e
de pluralismo. Diria de modo mais preciso: hegemonia da classe operária no pluralismo; batalha por uma hegemonia operária
que se explicite no pluralismo. É uma forma que não se limita a indicar uma direção da classe operária fundada no consenso;
é uma fórmula que já alude a uma precisa forma política e estatal de consenso” (p. 163).
76
em benefício dos diversos grupos sociais no poder. Para Gramsci, essa concepção de
participação é muito limitada e, ampliando o seu sentido, defende uma nova ordem societária na
qual a democracia abranja uma nova experiência de vida econômica, social, política e cultural
como unidade vivencial ativa do povo e da nação (GRAMSCI, 1977, Q. 14, § 72 p. 1740). Um
dos objetivos desse novo projeto societal é superar a milenar separação entre dirigentes e
dirigidos; por isso, dentre os muitos significados de democracia para Gramsci,
o mais realista e concreto é aquele que se pode deduzir em conexão com o conceito de
„hegemonia‟. No sistema hegemônico, existe democracia entre o grupo dirigente e os
grupos dirigidos na medida em que o desenvolvimento da economia, e por conseguinte da
legislação, que exprime este desenvolvimento, favorece a passagem (molecular) dos
grupos dirigidos ao grupo dirigente. (GRAMSCI, 1978b, p. 183)
CAPÍTULO 2
36
Desde 1970 que, do ponto de vista dos organismos multilaterais, o modelo de educação dos países emergentes se tornou
ineficiente, ineficaz e inoperante a ponto de suscitar a sugestão de um processo de reforma capaz de “instituir, ao lado ou no
lugar do Ministério da Educação, um conselho governamental ou interministerial da educação” (FAURE, 1975, p. 63; 332-335).
O plano de trabalho da Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em Jomtien, Tailândia, nos dias 5 a 9 de
março de 1990 apontava como uma das ações prioritárias o aperfeiçoamento das capacidades gerenciais, analítica e tecnológica
dos sistemas educacionais. Quanto à melhoria das capacidades gerenciais, propõe-se para diversos países “[...] o fortalecimento e
o desenvolvimento da capacidade de planejamento e gestão, nos níveis estadual e local, com uma maior distribuição de
responsabilidades [...]” (DECLARAÇÃO MEPT, 1990, p. 12). Reforçando o exposto, no relatório Educação: um tesouro a
descobrir, produzido para a UNESCO, é enfatizado o processo de gestão da educação. Na ideia de gestão presente no referido
documento está explicito o processo de desconcentração e autonomização das instituições educativas com o objetivo de mobilizar
a sociedade civil local como uma das estratégias de implementação de reformas da educação (DELORS, 1996). Nesta linha de
pensamento, para o BM a implementação de um estilo gerencial de gestão da educação viabiliza novas formas de regulação que
facilitam a eliminação de resistências à ideologia neoliberal e reestruturam o processo educacional, adaptando-o ao momento
histórico vivido pela sociedade capitalista, marcado pelo liberalismo de mercado, neoliberalismo (SILVA, 2002).
79
que está em curso nas instituições da sociedade brasileira. Procuramos ainda, após a discussão
acerca de conceitos, tipos e condicionantes, explicitar a concepção de participação em evidência
em processos sociais como os educativos, confrontada com a concepção de participação efetiva
sinalizada no presente estudo.
O termo gestão vem sendo utilizado por diferentes segmentos da sociedade como as
organizações multilaterais e os movimentos sindicais, embora motivados por pressupostos e
objetivos diferentes. A utilização desse termo, portanto, é decorrente, em muitos casos, do jogo
de forças político-ideológicas dos diferentes segmentos que as utilizam. No entendimento de
Gracindo e Kenski (2001, p. 204), é
37
Não estamos advogando que o Estado brasileiro não deva regular o processo educativo, pois, sabemos que ele tem esse papel,
inclusive, de regulamentar o setor privado, que tem atuado de acordo com as leis do mercado, mas somente sinalizando que as
universidades pública brasileiras, particularmente as IFES, vêm sendo regulamentada na perspectiva da esfera privada
mercantil e da gestão de natureza regulatório-regulamentatória pautada pela lógica estratégico-empresarial, mas tensionada pela
perspectiva da gestão de natureza regulatório-emancipatória orientada pela lógica democrático-participativa.
80
Explicita-se, dessa forma, o entendimento da educação como prática social, que, embora
tenha como um dos seus papéis a escolarização, não se reduz a ela, vinculando-se simplesmente
à lógica utilitarista do mercado de trabalho, mas redimensiona o seu papel político no sentido de
resgatar sua função social, que está ligada a um projeto de sociedade em disputa. Nesse contexto,
localizam-se as lutas pela democratização da educação e das instituições educacionais, lutas que
se materializam, entre outros aspectos, nas formas de gestão da educação.
Historicamente, a administração tem feito parte da vida humana em suas múltiplas
dimensões. Pensar a atividade administrativa específica precede ao seu entendimento em geral,
considerando seus sentidos distintos. A administração em geral é caracterizada pela utilização
racional, de forma livre, dos recursos para a realização de determinados fins (PARO, 2001, p.
18). Inicialmente, faz-se necessário refletirmos sobre a expressão utilização racional e de forma
livre dos recursos para melhor compreendermos a conceituação mencionada. Referindo-se à
questão da racionalidade dos recursos, Paro (2001, p. 19) afirma que “a palavra racional vem do
latim ratio, que quer dizer razão. Assim, quando se tem um fim em mente, utilizar racionalmente
os recursos (utilizá-los de acordo com a razão) significa, por um lado, que tais recursos sejam
adequados ao fim visado, por outro, que seu emprego se dê de forma econômica.”
Então, o homem, tendo explicitado determinado fim, deve lançar mão dos recursos
existentes de forma adequada, procurando evitar o máximo possível seu desperdício na
81
teórico e prático da área, já que com o início de um enfoque não ocorreu o desaparecimento do
enfoque antecedente.
O enfoque jurídico, de tradição europeia, ressalta o caráter normativo e legalista,
influente até os anos 1930 no Brasil, agregando valores e ideais ligados ao cristianismo e ao
positivismo. O enfoque organizacional ou tecnocrático se desenvolveu na organização do
trabalho nas empresas privadas e públicas, particularmente na administração da educação, na
forma tecnicista. A atividade administrativa desse período fundamentou-se nos princípios da
administração vinculada às abordagens clássicas, com destaque para as proposições da
administração científica e gerencial que teve como referência Taylor e Fayol. O enfoque
comportamental originou-se como reação aos princípios e práticas da administração clássica,
baseada nas teorias funcionalistas da escola psicossociológica, enfatizando a eficácia dos fins e
objetivos como critérios básicos para o desempenho administrativo. Esse enfoque prima pelos
processos de dinâmicas de grupo e treinamento de lideranças, que influenciaram
significativamente a administração das instituições educativas brasileiras por meio da inter-
relação da psicologia com a pedagogia. O enfoque sociológico privilegia o contexto social,
político e econômico onde ocorre a atividade administrativa. Nele, sobressai a preocupação com
o critério político em relação aos critérios técnicos, inerentes à eficácia e eficiência, no sentido
de colocar em evidência a relevância humana (SANDER, 1995).
A partir desses enfoques, segundo Sander (1995), duas tradições da administração em
geral podem ser visualizadas: a funcionalista, enraizada nas teorias positivista e evolucionista; e
a interacionista, que procura mediar reflexivamente as diferenças sociais numa perspectiva de
diálogo. Nessa lógica,
[...] a regulação enquanto acto de regular significa o modo como se ajusta a ação
(mecânica, biológica ou social) a determinadas finalidades traduzidas sob a forma de
regras e normas previamente definidas. Nesse sentido, a diferença entre regulação e
regulamentação não tem que ver com a sua finalidade (uma e outra visa à definição e
cumprimento de regras que operacionalizam objetivos), mas com o facto de a
regulamentação ser um caso particular da regulação, uma vez que as regras estão, neste
caso, codificadas (fixas) sob a forma de regulamentos, acabando, muitas vezes, por terem
um valor em si mesmas, independentes de seu uso. (BARROSO, 2005, p. 727)
A regulação que objetiva assegurar ao Estado maior poder na condução das políticas
públicas tem sido realizada no sentido de modernizar a administração pública em relação ao
processo de burocratização administrativa focado em normas e regulamentos criadores de
barreiras técnicas para fins de controle burocrático. Assim, a regulação que flexibiliza os
processos e enrijece a avaliação dos resultados em busca de mais eficiência e eficácia constitui-
se “o oposto da „regulamentação‟ (centrada na definição e controle a priori dos procedimentos e
relativamente indiferente às questões de qualidade e eficácia dos resultados).” (BARROSO,
2005, p. 727) Estamos falando de um processo de regulação social efetivado com vistas a
fortalecer uma concepção de “Estado menos prescritivo e regulamentador e de uma „nova
administração pública‟ que substitui um controlo directo e a priori sobre os processos, por um
controlo remoto, e a posteriori baseado nos resultados.” (Idem, p. 732)
Quando buscamos entender a condução dos processos sociais sob o ponto de vista da
lógica mercadológica, a noção de regulação aparece como oposta à noção de desregulação.
Nesse caso, desregular significa substituir um conjunto de regras de tendência estatizante por
outro de tendência concorrencial ou mercadológica. Referindo-se à educação, “o que está em
causa não é uma simples alteração do modo de regulação pelo Estado, mas a substituição parcial
da regulação estatal por uma regulação de iniciativa privada através da criação de quase-
mercados educacionais.” (Idem, 732-733) Isso tem implicação clara no processo de produção e
distribuição das políticas educacionais, pois tal processo de produção e distribuição é deslocado
da competência do Estado para o mercado, da esfera pública para a esfera privada mercantil. Por
essa via argumentativa, é importante destacar, ainda conforme Barroso (2005, p. 733), que “o
uso do mercado tem, nesse contexto, um sentido mais instrumental, do que alternativo a um
processo de decisão democrática.”
Logo, a regulação do processo educativo universitário, na lógica do mercado, é associada
à intervenção autoritária do Estado e a desregulamentação, entendida como substituição, parcial
e não ao fim, das regras de regulação estatal por regras estratégico-empresariais, como
liberalização e descentralização do Estado para a sociedade civil em busca de maior controle,
mais eficiência e, portanto, mais competência produtiva. Na lógica mercadológica tal processo
tem desdobramento no produtivismo acadêmico expresso, entre outros aspectos, na carga
didática por professor, no número de orientandos por orientador, número de teses concluídas por
período, número de publicações concretizadas. Essa lógica de regulação nada mais é que a óptica
do capital que, nas palavras de Cardoso (1991, p.17), “aparece ditando os objetivos e
procedimentos, os fins e meios, impondo não apenas valores e normas, mas o próprio modo
capitalista de pensar e de viver”, evidenciado na competição produtivista e eficientista. Não
87
estamos sugerindo que não se deva produzir, mas que o critério da produção, conforme Cardoso
(1991, p. 15), seja o da cidadania que possibilite “indagar sobre o conteúdo da produção
universitária e sua compatibilidade com as prerrogativas próprias da cidadania, com seu rol de
direitos a respeitar e de necessidades a atender”. O foco central dessa perspectiva produtiva, mais
do que a mera produtividade deve considerar a capacidade de produzir, ou seja, “trata-se menos
de quanto se produz, a que velocidade e a que custo, mas principalmente do que se produz,
certamente também considerando o tempo e o custo dessa produção.” (Idem, p. 19) A regulação,
nesse sentido, busca a autonomia e a emancipação em uma perspectiva democrático-
participativa; portanto, em contraste com a regulação economicista regulatório-regulamentatória
de natureza estratégico-empresarial.
Depreendemos do exposto que a regulação, mesmo tendo uma orientação estatizante,
pode seguir uma perspectiva regulatório-regulamentatória de natureza estratégico-empresarial
quando é orientada pela lógica do mercado, mais distante, portanto de uma regulação autônoma e
emancipatória de natureza democrático-participativa. De tal depreensão sinalizamos o
entendimento do que sejam regulação e regulamentação no presente estudo. Para além da
perspectiva regulatório-regulamentatória de natureza estratégico-empresarial, a universidade
pública brasileira, em virtude da sua especificidade como lugar de formação e de investigação
científica e tecnológica em nível superior, precisa desvencilhar-se da regulação subordinada aos
padrões burocráticos e ao produtivismo acadêmico de lógica mercadológica. Tal
desvencilhamento embasa a pretensão de autonomia, didática, pedagógica, de pesquisa e de
gestão financeira e administrativa na universidade em que seja fortalecida a lógica de regulação
focada na produção na perspectiva da qualidade socialmente referenciada. “A autonomia, assim,
não procede de nenhuma concessão para a qual se exija ou se deva exigir uma contrapartida.”
(CARDOSO, 1991, p. 15)
Mas a qualidade socialmente referenciada na universidade pública brasileira, inferida da
argumentação de Cardoso, é multideterminada, ou seja, depende, dentre outros aspectos, de
condições técnicas, profissionais, financeiras e de gestão democrática especialmente no que se
refere às tomadas de decisões, flexibilidade do poder para a participação em geral e estruturação
de mecanismos públicos de controle de todo o processo educativo. A gestão democrático-
participativa nesses moldes evidencia uma forma de regulação mais compatível com a ampliação
da esfera pública e dos interesses comuns e com a defesa das instituições sociais públicas em
relação às investidas privatistas e de práticas clientelistas e patrimonialistas. Tal
compatibilização, segundo Barroso (2005, p. 747), somente se efetivará com o reforço das
“formas democráticas de participação e decisão, o que, nas sociedades contemporâneas exige
88
cada vez mais uma qualificada e ampla informação, a difusão de instâncias locais e
intermediárias de decisão e uma plena inclusão de todos os cidadãos [...].”
Diante do exposto, pensar sobre a participação no processo de gestão da universidade
pública pressupõe compreender as contradições e embates entre as perspectivas da regulação de
natureza estratégico-empresarial e da emancipação de natureza democrático-participativa que
fazem parte da mesma realidade educacional. Temos clareza de que a gestão em uma perspectiva
emancipatória não exclui a necessidade de regulação, mas entendemos que quanto mais
preponderante for a perspectiva de regulação regulatório-regulamentatória de natureza
estratégico-empresarial em um processo de gestão mais limitada será a participação efetiva dos
sujeitos que compõem a comunidade universitária. Mas que elementos temos para fazer tal
afirmação? Cristina Contera (2002) explicita a diferença entre essas duas perspectivas
apresentando argumentos de natureza filosófica, política e metodológica. No tocante à
perspectiva da regulação de natureza estratégico-empresarial, afirma que
do ponto de vista filosófico este modelo se orienta por uma racionalidade instrumental em
que predomina um interesse técnico. Os juízos objetivos de eficácia instrumental se
baseiam inteiramente na evidência concreta do grau em que determinado curso de ação
conduz às consequências (ou objetivos) pretendidas. [...] Do ponto de vista político é
claramente um modelo cuja intencionalidade explícita é que as universidades públicas
„prestem contas‟ (accountability) do uso do orçamento concedido pelo Estado. [...] uma
nova forma de Estado, o Estado avaliador, [que se pauta] nos valores de competitividade,
esforço individual e produtividade própria do mercado. [...] O ensino é um instrumento
técnico a serviço de objetivos políticos, definidos prioritariamente por exigências
econômicas externas, cuja determinação escapa precisamente a quem participa na vida
cotidiana das instituições educativas. [...] Do ponto de vista metodológico, o modelo se
sustenta em enfoque predominantemente quantitativo já que se parte de uma análise
custo-benefício, insumos resultados e se desconhecem ou simplesmente ignoram os
processos. Enfatiza-se a busca de indicadores de rendimento, fixação de padrões, provas e
testes com um objetivo de controle. (CONTERA, 2002, p. 132-134)
38
Nas primeiras –neonapoleônicas – “predominam os „critérios‟ e „indicadores‟: ausência de estruturas de pesquisa e pós-
graduação stricto sensu consolidadas, presença majoritária de docentes em regime de tempo parcial ou horistas e sem
qualificação pós-graduada que habilite para a pesquisa; isolamento das universidades, ou porque únicas ou porque agregadas
apenas formalmente; dedicação quase exclusiva às atividades de ensino; estrutura administrativo-acadêmica voltada para a
formação de profissionais etc. Nas neo-humboldtianas, ao contrário, predominariam „critérios‟ e „indicadores‟ como: presença
de estruturas de produção científica e pós-graduação stricto sensu consolidada e reconhecida; presença majoritária de docentes
em regime de tempo integral e com qualificação pós-graduada que habilite para a pesquisa; integração das unidades em torno
de projetos comuns de ensino e pesquisa; associação de ensino e pesquisa (e extensão) em diferentes níveis; estrutura
administrativo-acadêmica voltada para a formação de profissionais e para a formação de pesquisadores na maioria das áreas do
conhecimento.” (SGUISSARDI, 2004, p. 41-42)
90
pauta a partir das reflexões de Chauí. O ponto de partida consistiu em compreender que do
imbricamento das diversas concepções administrativas na sociedade capitalista ocorre a
planificação da atividade administrativa, ou seja, tanto as empresas com fins diretamente
econômicos quanto as instituições de cunho social, de educação, de saúde, de cultura, de
utilidade pública etc., passam a ser denominadas organizações. Mas instituições e organizações
não são idênticas, sendo necessário, por isso, distingui-las. Dessa forma, utilizando-se da
discussão feita por Chauí (1999, p. 3), organização difere fundamentalmente de instituição.
Assim,
uma organização difere de uma instituição por definir uma prática social, qual seja, a de
sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios particulares para a obtenção de
um objetivo particular. Não está referida às ações articuladas às ideias de reconhecimento
externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como
estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e sucesso no emprego de determinados meios
para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas ideias de gestão,
planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir sua própria existência,
sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social
[...] é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que,
para que e onde existe.
A autora, por um lado, destaca que a instituição social tem uma aspiração universal, tem a
sociedade como o seu princípio e sua referência normativa e valorativa, ou seja, a instituição está
inserida na divisão social e política, buscando definir uma universalidade na busca de responder
às contradições impostas pela referida divisão. De outro lado, a organização relaciona a sua
eficácia e o seu sucesso a sua particularidade. O ponto de referência é a própria organização que
compete com as demais organizações orientadas por objetivos particulares, que são geridos num
espaço e tempo igualmente particular, inserindo-se num dos lados da divisão social, não tendo,
portanto, interesse em responder às contradições, mas vencer a competição com as demais
organizações que aparentemente estão dispostas igualmente no ambiente social.
A adoção da homogeneização, planificação e/ou generalização da forma de administrar,
ou seja, a passagem ou transformação das instituições com características particulares em
organizações gerais é própria da atual fase do capitalismo. Tal fase caracteriza-se pela
fragmentação da vida social na sua totalidade, abrangendo a forma de produção, o espaço e o
tempo do trabalho, a identidade e a luta de classes (CHAUÍ, 1999).
A mencionada discussão permite explicitar o papel da administração no interior das
empresas capitalistas, que esteve sempre voltado ao proporcionamento de maior produtividade e
redução dos custos no processo de produção. Depreendemos das reflexões de Chauí que mesmo
as iniciativas aparentemente democráticas, possibilitadoras da participação do trabalhador, na
verdade se revelou como um instrumento de controle e de adequação do homem ao trabalho de
forma regulada, na busca de mais eficiência e eficácia no processo produtivo das empresas. Este
92
é o caso da teoria das relações humanas, que surgiu supostamente com o propósito de combater o
aspecto desumano proveniente da aplicação do método rigoroso utilizado pela teoria científica da
escola clássica de administração, introduzindo no seu lugar a ideia de valorização, participação,
cooperação etc.
No campo educacional, o discurso em torno da racionalidade e da competência para
produzir com eficiência e eficácia insere-se na lógica economicista expressa pelas ideias de
organização, planejamento, gestão, revisão, controle, êxito etc.
Discutindo o aspecto ideológico da racionalidade econômica, Chauí (1980) diz que esta
racionalidade mitifica o real, que aparece como fazendo parte da natureza das próprias coisas.
Neste sentido, a origem ideológica encontra-se no mundo econômico da produção expressa no
taylorismo39 que, de um lado, apoia-se na racionalização fragmentadora do trabalho objetivando
aumentar a sua produtividade por meio de um maior controle e maior exploração do trabalhador;
por outro lado, opera-se a reunificação do processo de fragmentação taylorista utilizando-se da
organização e planificação administrativas. Os dois aspectos do processo de produção econômica
explicitam a separação entre os que decidem e dirigem e os que executam e são dirigidos. Assim,
os primeiros detêm todo o poder em detrimento do poder sobre as atividades realizadas por parte
dos últimos. A atividade administrativa, neste contexto de divisão, parcelarização e de
fragmentação do trabalho, tem o papel de reunificar, por meio da burocracia, o que se encontra
disperso utilizando-se da sistematização e hierarquização do processo administrativo no mercado
capitalista.
Na verdade, o processo administrativo unificado por meio da organização e da
planificação das empresas e instituições coaduna-se com o modo de produção capitalista, no qual
tudo se transforma em mercadoria, sendo estas mercadorias, equivalentes, ou seja, tudo se
equivale a tudo, ou ainda, uma mercadoria pode ser trocada por qualquer outra mercadoria ou
pelo equivalente universal, o dinheiro. Desta forma, tudo é mercadoria e faz parte,
indistintamente, de um grande mercado de troca, sejam os bens materiais – casa, carteira, mesa
etc. – ou os bens imateriais – cultura, educação, saúde... Ora, se tudo é equivalente, são coerentes
para o mercado capitalista a homogeneização e a planificação das instituições sociais e das
39
O taylorismo visa à organização qualificada do trabalho. O foco de seu objetivo é a decomposição do processo de trabalho nas
tarefas mais simples, mediante a análise de tempo e movimento. Com isso se pretende colocar à disposição da direção das
empresas um conhecimento detalhado dos processos de trabalho que lhes evite terem que depender do saber dos trabalhadores
e de sua boa vontade, isto é, de sua disposição para empregarem a fundo sua capacidade de trabalho a serem explorados. O
capitalista espera, com o aprofundamento do controle e divisão do trabalho, aproveitar o máximo a força de trabalho que
comprou e a esta expropriação uma das estratégias é a de criar meios que possibilitem ao trabalhador assemelhar-se à máquina,
trabalhando de forma mecânica, sem a necessidade de empregar o raciocínio. Desta forma, na divisão manufatureira do
trabalho, o taylorismo, representa simplesmente uma tentativa de sistematização, codificação e regulação dos processos de
trabalho individuais com vistas à maximização do lucro, mas seu método é qualitativamente distinto (ENGUITA, 1989).
93
[...] a administração possui seu próprio sistema de regras, normas e preceitos, seus
próprios princípios acerca do ato administrativo independente do objeto ou realidade que
será administrada. Em outras palavras, do ponto de vista da administração, a
Wolkswagen, a universidade, o primeiro e o segundo graus, o Detran, a P.M., o museu de
arte, o cinema, o teatro, a Bom-Bril ou a Bendix são absolutamente equivalentes. Não há,
do ponto de vista da administração, algo que individualize ou singularize esses „objetos‟,
pois são todos igualmente administráveis, isto é, organizáveis e planejáveis. (CHAUÍ,
1980, 5: p. 28)
como ações sempre orientadas por escolhas (prioridades, vínculos, compromissos) nem
sempre manifestas, que retratam interesses e funções, objeto da articulação pela
estruturação do sistema escolar entre o Estado, demandas sociais e o setor produtivo,
permeadas por um conjunto de variáveis intervenientes (mercado de trabalho, instituições,
tradições) o que, certamente, indicará o papel do Estado na proporção em que este deixa
de ser visto como mero mediador de interesses antagônicos, ao situar-se, à luz da
correlação de forças que se trava no âmbito da sociedade civil e política (noção de Estado
ampliado), como um processo complexo e articulado de embates, efetivados
simultaneamente no terreno ideológico e econômico, em que o papel da superestrutura
não é meramente mecânico, mas catalisador de uma ação de retorno ativa. (DOURADO
L, 2000, p. 80)
96
40
Formação na qual, segundo o pensamento gramsciano, a educação é colocada a serviço do homem e suas múltiplas e históricas
necessidades materiais, biológicas, psíquicas, afetivas, estéticas, lúdicas.
97
O elemento popular „sente‟, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual
„sabe‟, mas nem sempre compreende e, especialmente, „sente‟. Os dois extremos
traduzem, por um lado, o pedantismo e o filisteísmo e, por outro, a paixão cega e o
sectarismo. [...] O erro do intelectual consiste em crer que se possa saber sem
compreender e, especialmente sem sentir e estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas
pelo objeto do saber), isto é, em acreditar que o intelectual possa ser tal (e não um puro
pedante) quando distinto e separado do povo-nação, ou seja, sem sentir as paixões
elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e justificando-as em
determinada situação histórica, bem como relacionando-as dialeticamente com as leis da
história, como uma concepção do mundo superior, científica e coerentemente elaborada
com o „saber‟; não se faz política-história sem essa paixão, isto é sem esta conexão
sentimental entre intelectuais e o povo-nação. (GRAMSCI, 2006, v. 1, Q. 11, § 67, p.
221-222)
41
Tomando como referência Pannekoek, Guillerm e Bourdet (1976, p. 91-92, grifos nosso) os “Conselhos operários [...] não
designa uma forma fixa, elaborada de uma vez por todas, e na qual restaria apenas aperfeiçoar os detalhes; trata-se de um
princípio, o princípio da autogestão operária das empresas e da produção. [...] Assim, por conseguinte, a ideia dos conselhos
operários nada tem a ver com um programa de realizações práticas – que há de por em aplicação amanhã, ou no ano seguinte;
trata-se unicamente de um fio condutor para a longa e dura luta de emancipação [...].”
98
trazendo esta reflexão para a educação superior, a gestão universitária deve ser vislumbrada
como uma ação inserida no campo da política e da economia, como uma prática social dotada de
relativa autonomia. Portanto, uma gestão que tenha a participação na perspectiva democrática
objetivando pensar as estruturas de poder existentes no seio das relações sociais onde se dão as
práticas educativas precisa ir além e processar uma educação e gestão contra-hegemônicas
agindo, por contradição, no seio do projeto educacional hegemônico. Neste caso, não se trata de
uma autonegação automática da educação atual, mas de sua intensa e contínua transformação.
Nessa perspectiva, tendo em vista a possibilidade de adoção da “guerra de posição” – sem
esquecer a importância da “guerra de movimento” – parece viável o exercício de uma gestão na
qual se compartilha o poder de decisão – co-gestão nos argumentos de Motta (1984) ao estudar
as organizações sociais do setor produtivo –, forma possível de gestão da sociedade em curso,
mas pouco realizada. Exercitá-la permitiria colocar em marcha a forma máxima de participação
na atual organização educacional para promover algum tipo de contraste com o processo
heterogestionário em vigência na atualidade. Sander (1995) propõe, neste sentido, uma gestão
multidimensional articuladora das dimensões econômica, pedagógica, política e cultural nas
instituições educacionais como as universidades.
Em conformidade com Sander, é possível delinear quatro construções conceituais e
praxiológicas de gestão da educação: administração eficiente, administração eficaz,
administração efetiva e administração relevante, que correspondem, respectivamente, a quatro
critérios de desempenho ou enfoques: a eficiência, a eficácia, a efetividade e a relevância. Tendo
em vista essas conceituações, segundo Sander (1995), a gestão das escolas e universidades tem
respondido historicamente a múltiplas orientações, assumindo, assim, diversas perspectivas que,
metodologicamente, apontam para a existência de três possibilidades de realização teórico-
prática da administração da educação.
A primeira concebe as quatro construções conceituais e praxiológicas de gestão da
educação como alternativas excludentes, ou seja, ocorrem isoladamente e sem a
interdependência das demais. Assim, “a opção por um dos vários caminhos é feita em função das
percepções e interpretações da realidade educacional e dos fenômenos administrativos por parte
dos cidadãos que participam do sistema educacional.” (SANDER, 1995, p. 54)
A segunda difere da anterior por apoiar-se na ideia de que os diferentes paradigmas não
se excluem mutuamente, mas podem ser, de forma articulada, utilizados para resolver as
demandas da instituição de ensino, fator que caracteriza a concepção multiparadigmática de
gestão.
100
Primeiro, a educação e a administração são concebidas como realidades globais que, para
efeitos analíticos, podem ser construídas por dimensões múltiplas dialeticamente
articuladas entre si. Segundo, no sistema educacional existem preocupações substantivas
ou ideológicas, de natureza cultural e política, e preocupações instrumentais ou técnicas,
de caráter pedagógico e econômico. Terceiro, no sistema educacional existem
preocupações internas, de caráter antropológico e pedagógico, e preocupações externas
relacionadas com a economia e a sociedade mais ampla. Quarto, o ser humano, como
sujeito individual e social historicamente responsável pela construção da sociedade e de
suas organizações, em um conjunto de oportunidades históricas, constitui a razão de ser
da existência do sistema educacional.
O debate sobre a participação tem tido uma relação direta com as formas de organização
do processo produtivo – material e imaterial – que vai da heterogestão, fixando-se na co-gestão e
vislumbrando-se a autogestão. A cada um desses sistemas de organização social relacionam-se
diferentes formas e graus de envolvimento dos produtores. Para um número significativo de
pensadores uma participação efetiva – no processo de tomada de decisões – somente ocorrerá
com a implantação da autogestão social na qual a participação não se circunscreve à simples
execução de atividades e nem se resume ao local de trabalho, pois engloba as questões macro-
sociais ligadas ao mundo da economia, da cultura e da política. Estudando especificamente a
participação na sociedade atual, Motta (1984, p. 18) afirma que, potencialmente, “[...] a co-
gestão parece ser o limite das formas participativas características do capitalismo avançado, da
mesma forma que a autogestão parece ser o limite e a meta final do socialismo”.42
Em uma sociedade de concepção socialista, conforme Chauí (2006), os processos de
dominação e coerção seriam substituídos pela “participação e autogestão, por meio de
associações, conselhos e movimentos sociopolíticos.” (p. 145-146) Desta forma, o poder não se
realizaria pela força identificada na figura dos dirigentes, “mas verdadeiramente como espaço
público do debate, da deliberação e da decisão coletiva.” (p.146)
A perspectiva da autogestão é mais frequente nos países que vivenciaram algum tipo de
revolução social. Em sociedades onde está ausente uma perspectiva revolucionária a participação
tem significados mais integrativos e conformativos ao sistema capitalista. Numa visão geral, no
caso brasileiro, segundo Chauí (2006), duas formas de participação não-revolucionárias são
evidentes: a socialdemocrata e a liberal – fundamentada na ideia de representação; e a
democracia cristã – fundamentada na ideia de pobreza. Nessa lógica, a participação ou fica
reduzida as formas variadas de pressão ou se reduz ao trabalho popular coletivo e voluntário, ou
seja,
42
Ressaltamos, neste sentido, que a participação, no setor produtivo, é uma forma de heterogestão, visto que os trabalhadores
participam de atividades previamente definidas por outros situados numa estrutura de poder superior. Embora os trabalhadores
possam sentir-se participando do processo produtivo, na verdade são instrumentalizados para aumentar a produção. A co-
gestão trata-se de uma forma de participação possibilitadora da determinação dos meios para alcançar os objetivos definidos
em um grau mais elevado da hierarquia. Com o controle operário o trabalhador passa a decidir – no local de trabalho – além
dos meios, também, dos fins da empresa chegando a conquistar aspectos pontuais que contribuam com a melhoria das
condições de trabalho e atenuação da exploração (GUILLERM; BOURDET, 1976). A autogestão – que articula o controle
operário e a cooperativa – levaria a uma profunda modificação da própria estrutura do Estado. Trata-se de uma nova forma de
organização do Estado oposta ao sistema capitalista “em benefício de um conjunto autogestionado de cooperativas
igualitariamente associadas segundo um plano elaborado pela soma das necessidades e desejos.” (GUILLERM; BOURDET,
1976, p. 30) Ocorreria, assim, o forjamento de uma sociedade desalienada baseada na liberdade, no autocontrole dos meios de
produção, do processo produtivo e do produto, ou seja, haveria a “manipulação sem intermediário e em todos os níveis, de
todos os „seus negócios‟ por todos os homens.” (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 31)
104
43
Uma referência importante sobre a participação é Pateman (1992, p. 95). Essa autora fez uma ampla revisão de literatura sobre
o papel da participação nas diferentes concepções teóricas sobre democracia e critica a imprecisão com que esse termo é
utilizado. Para ela “não causa surpresa o fato de os autores de textos sobre administração não discriminarem, com mais
cuidado, as diferentes situações „participativas‟, quando se considera o motivo pelo qual eles estão interessados em participação
no local de trabalho. Para eles trata-se apenas de uma técnica a mais entre outras, que pode auxiliar no alcance do objetivo geral
da empresa – a eficiência da organização. [...] A participação pode contribuir com o aumento da eficiência, mas o que importa é
que esses autores utilizam o termo „participação‟ não apenas para referir a um método de tomada de decisão, mas também para
abranger técnicas utilizadas para persuadir os empregados a aceitarem decisões já tomadas pela administração.”
105
disputa. Nessa perspectiva, sem negar as conquistas da democracia liberal em voga, vislumbra-se
novas possibilidades democráticas que extrapolam os limites da representatividade parlamentar e
institucional. Trata-se de uma democracia efetivamente participativa que, sem desprezar as
regras do jogo democrático liberal, vislumbra uma participação direta nos diversos níveis
governamentais distribuídos no âmbito da sociedade civil e sociedade política, neste caso,
incluindo a aparelhagem de governo e institucional. Esclarecido isto, alertamos que ao expormos
os diversos sentidos, graus e níveis da participação nas práticas institucionais do final de século
XX e início do século XXI estamos buscando explicitar as possibilidades e limites de tal
participação na sua forma mais elementar possível. A participação política no sentido empregado
nesta tese considera a participação liberal representativa – que precisa ser levada a cabo na sua
forma mais desenvolvida: a co-participação – não para conformar-se a ela, mas para, numa
perspectiva de continuidade e ruptura, ir além de sua forma instituída.
Nessa primeira década do século XXI, é comum se falar de participação em todos os
ambientes sociais, seja numa perspectiva macro-social44 - mundo, bloco de países, países, estado
- ou micro-social - associações, conselhos, organizações, instituições sociais. Parece ser
unanimidade o interesse por essa temática, assim como pela sua importância para uma boa
vivência social. Mas o entusiasmo pela participação em geral em nossa sociedade não revela as
dimensões do que seja realmente participar: de qual participação tanto se fala? Participar tem um
sentido genérico igual para todas as pessoas? Em que grau e nível a participação pode ocorrer?
Existem condicionantes da participação em nossa sociedade? Como ocorre a participação e que
mecanismos são essenciais para a efetivação de um processo participativo?
Em geral, onde há o relacionamento dos seres humanos, é inevitável a ocorrência da
participação: na família, nas associações, nos locais de trabalho, nos espaços culturais e
esportivos, nos partidos políticos, nas organizações empresariais e em instituições sociais como
hospitais, escolas, universidades, entre outras. Certamente, são vários os motivos que levam as
pessoas a participar, mas quais seriam aqueles que mais se evidenciam? A participação pode
ocorrer por motivos libertários e emancipatórios ou por motivos de manutenção da ordem e de
controle. A participação pode se dar numa perspectiva pragmática e utilitária - motivos
44
“A especificidade histórica de qualquer ordem socioeconômica particular é definida pelo relacionamento constitutivo entre
suas múltiplas „microestruturas‟ e por sua „macroestrutura‟ sintetizadora. Este relacionamento é inerentemente dialético, bem
como histórico. Dialético porque a natureza do relacionamento entre as partes e o todo só pode ser compreendido em termos de
determinações recíprocas que resultem em uma unidade dinâmica. Por isso as microestruturas trazem as marcas indeléveis da
macroestrutura a que pertencem; e, vice-versa, a macroestrutura de uma determinada formação socioeconômica representa a
configuração geral de seus componentes multifacetados. Quanto à questão das inexoráveis determinações históricas, a
macroestrutura de qualquer formação social é em si constituída de microestruturas historicamente determinadas que não podem
escapar às necessárias limitações – e ao correspondente tempo de vida – de sua especificidade social. Ou seja, o caráter
histórico do complexo social total é praticamente definido e constantemente redefinido pela configuração geral mutável dos
complexos particulares uns em relação aos outros, no quadro da dinâmica objetiva das transformações em desenvolvimento.”
(MÉSZÁROS, 2004, p. 500-501)
106
como os espaços não formais onde se efetivam, no âmbito institucional, o planejamento, as ações
e atividades diversas e a avaliação processual contínua.
É importante compreender que a macro e micro participação na sociedade e em suas
instituições sociais - caso em que podemos incluir as instituições universitárias - ocorrem de
formas diversas. Assim, Meister (1969) destaca a existência de algumas maneiras de participação
que podem ser dispostas da seguinte forma: participação de caráter imposto, na qual o individuo
é obrigado a fazer parte de grupos e realizar certas atividades consideradas indispensáveis. Essa
participação pode ser observada através do sufrágio universal, no qual os indivíduos vão às urnas
eleger seus representantes governamentais ou institucionais. Participação concedida, que venha
a ser a parte de poder ou de influência exercida pelos subordinados e considerada como legítima
por eles mesmos e por seus superiores. Um exemplo claro de participação concedida é o
chamado planejamento participativo adotado por alguns organismos oficiais.
Há também a participação provocada ou dirigida, na qual agentes externos manipulam
pessoas a fim de atingirem seus próprios objetivos e interesses, e a participação simbólica, onde
os participantes de um grupo têm pouca influencia nas decisões e nas realizações, mas são
mantidos na ilusão de que participam do poder. Comumente, a participação simbólica acontece
em democracia representativa eleitoralista e em instituições onde a gerência ou o comando
central tomam as decisões e os membros do grupo social se limitam a aprová-las. Existe ainda a
participação espontânea na qual os indivíduos formam grupos fluidos, sem organização estável
ou propósitos definidos, como os grupos de vizinhos e os de amigos (MEISTER, 1969).
Outro tipo de participação apontado por Meister é a participação voluntária, que consiste
na criação de grupos fundados pelos próprios participantes, que definem sua organização e
estabelecem seus objetivos e métodos de trabalho. Frequentemente ocorre em associações
profissionais, em sindicatos livres, em partidos políticos e nem sempre a formação dos grupos
surge com a iniciativa dos membros do grupo. E por fim, Meister destaca a participação real ou
efetiva, na qual os membros influenciam em todos os processos da vida institucional.
De modo mais específico, a participação dos indivíduos, em uma determinada
organização empresarial ou instituição social - incluindo, nesse caso as universidades -, pode
sofrer variações conforme o grau e o nível de importância das tomadas de decisão. Por isso, é
vago dizer, sem a devida qualificação, que há participação em um determinado ambiente. Uma
melhor precisão sobre a participação evidencia o grau de controle dos participantes sobre as
decisões, bem como o nível de importância dessas decisões. Conforme a literatura estudada, são
vários os graus em que ocorrem a participação nas organizações empresariais e instituições
sociais, em geral, mas, para os propósitos deste estudo, destacamos seis desses graus. Assim, o
108
45
Ressaltamos que vários pesquisadores, como Meister 1969, Bordenave, 1994 e Bandeira, 1999 têm estudado os níveis de
participação no âmbito das organizações empresariais e instituições sociais.
109
importância acaba sendo exercido por aqueles que detêm o poder econômico, político e
administrativo. Ou seja, nos níveis da formulação de política e de planejamento, a participação
restringe-se, muitas vezes, aos especialistas, gerentes ou lideranças.
Explicitamos que há em geral diversos graus e níveis em que a participação pode ocorrer,
mas como alcançar estes graus e níveis de participação nas universidades públicas? A
participação efetiva e autônoma em dada instituição social parece encontrar mais eco se nela o
princípio da autonomia consistir em um valor fundamental a ser continuamente conquistado e, se
possível, preservado; por outro lado, o exercício da participação efetiva dos sujeitos nela
envolvidos pode contribuir para a construção da autonomia que, conforme Fávero (2000), não se
efetiva por decreto e muito menos por acaso, mas com luta política consciente e organizada.
Pensando especificamente sobre o ambiente universitário, pode ser objetado que este seja um
campo no qual, conforme Bourdieu (1983), a autoridade científica46 se apresenta como valor
fundamental; portanto, a produção nesse espaço é diferente da dos demais espaços sociais.
Certamente este é um espaço específico, mas as intercorrências mais amplas mencionadas
anteriormente - principalmente em virtude do fortalecimento da lógica mercadológica liberal ou
neoliberal, que iguala tudo a mercadoria, inclusive o conhecimento e a educação (CHAUÍ, 1980
e 2001) - influenciam o processo de produção na universidade, bem como a autonomia e a
participação efetiva nesse espaço institucional, principalmente em virtude de estar esta, segundo
Santos (1999), vivenciando uma tripla crise de: hegemonia, de legitimidade e institucional.
A crise de hegemonia relaciona-se à contradição entre as funções tradicionais da
universidade (século XIX) e aquelas que, no decorrer do século XX e início do século XXI, lhe
vêm lhe sendo atribuídas. Tradicionalmente, a universidade foi incumbida da produção de alta
cultura e conhecimento científico avançado, traduzido na “excelência dos seus produtos culturais
e científicos, na criatividade da atividade intelectual, na liberdade de discussão, no espírito
crítico, na autonomia e no universalismo dos seus objetivos.” (SANTOS, 1999, p. 193) Em razão
das constantes mudanças sociais historicamente determinadas pela forma de produção e
reprodução da vida na sociedade capitalista, a universidade tem sido pressionada a submeter-se,
46
Para Bourdieu, o campo universitário/científico é entendido como o espaço de disputa concorrencial pela autoridade científica
a qual resulta da soma da capacidade técnica e do poder social. Nesse sentido, “o campo científico é sempre o lugar de uma
luta, mais ou menos desigual, entre agentes desigualmente dotados de capital específico e, portanto, desigualmente capazes
de se apropriarem do produto do trabalho científico que o conjunto dos concorrentes produz pela sua colaboração objetiva ao
colocarem em ação o conjunto dos meios de produção científicos disponíveis.” (BOURDIEU, 1983, p.136)
110
47
Paro (1997) utiliza-se da noção de condicionante social para analisar a realidade da escola básica brasileira. Mesmo
reconhecendo a especificidade da educação superior, compreendemos que tais condicionantes podem ser utilizados para a
análise das instituições desse nível de educação, tendo em vista que esse espaço educativo também é determinado, dentre
outros, pelos condicionantes políticos, materiais, institucionais e ideológicos.
112
sobre outro segmento ou grupo social tido como inferior e incapaz. Se uma determinada
instituição social, em seu dia a dia, está permeada por tal prática nas relações que envolvem
direção, professores, estudantes, funcionários etc., como esperar que ela exercite relações mais
democráticas?
Pensando na análise da instituição universitária, podemos acrescentar um quinto
condicionante da participação, qual seja, o condicionante tecnológico-comunicacional. Segundo
Chauí (2005), com o advento da revolução comunicacional, aparentemente a questão da
participação não mais constituiria problema para a vida em sociedade, pois as novas tecnologias
iriam encurtar a distância entre as pessoas e a democratização do conhecimento – por meio da
sociedade do conhecimento – favoreceria a democratização da sociedade. Para Chauí a expressão
sociedade do conhecimento
Tomando como referência as reflexões de Chauí, podemos dizer que, embora seja
inegável a importância dos novos meios de comunicação, parece que as dificuldades da
participação não foram superadas e a aproximação entre as pessoas, mesmo no local de trabalho,
em muitos casos não tem sido ampliada.
Inferimos dos argumentos anteriores que compreender os condicionantes da participação
pode possibilitar aos sujeitos envolvidos em uma determinada instituição social superá-los a
partir de um esforço coletivo, consciente e planejado. Ao mesmo tempo, é preciso ter claro que o
processo é dialético, ou seja, os condicionantes podem ser superados, embora outros venham a
aparecer, tendo em vista uma construção constante do processo de gestão numa perspectiva
democrática. Deste modo, a gestão democrática de uma instituição social como a universidade
pública brasileira, particularmente as IFES, consiste numa prática social dinâmica, marcada por
lutas políticas travadas pelos diversos sujeitos envolvidos no processo educativo. Este embate se
dá tendo em vista os diversos interesses convergentes e divergentes, com resultados que podem
representar superação, quando a luta gera um avanço democrático, e retrocesso quando os ideais
democráticos são fragilizados, beneficiando mais um dos lados do embate.
114
primeiro, o que se quer não é uma representação entendida como participação meramente
formal e, segundo, não pode deixar de ter presente a existência de interesses e de conflitos
a compor e de que as correções necessárias não serão feitas se os interessados não se
fizerem de alguma forma presentes ou representados. [...] Não se pode pensar em
democratizar a universidade apenas com propostas retóricas, soluções formais. [...] A
participação não pode reduzir-se ao momento das eleições e à escolha de representantes.
Não deve limitar-se, ainda, a tomar parte de uma atividade ou órgão existente, que tem
sua estrutura e funções definidas. Participação é mais que isto: é a presença ativa de todos
os interessados, representantes dos diferentes segmentos que constitui a comunidade
universitária, no processo de tomada de decisão, execução e avaliação de todas as
atividades relacionadas com a definição dos objetivos, organização e funcionamento da
vida universitária, nos diferentes setores e níveis. Lembro, também, que só se pode falar
em democracia participativa se for eliminada toda e qualquer forma de dominação, na
qual o detentor de cargos ou funções – pessoa ou grupo – se identifica com o próprio
poder. (FÁVERO, 1983, p. 57-58)
Essa lógica de participação aponta para uma perspectiva de gestão universitária com
múltiplas dimensões - econômico-administrativa, pedagógica, política e cultural - na qual os
membros da comunidade universitária terão a oportunidade de discutir e decidir sobre a
totalidade da vida institucional, situada em um contexto macrossocial, que abrange os momentos
do planejamento, do desenvolvimento das atividades e da avaliação. Essa perspectiva de
participação não ocorre, entretanto, descolada da realidade histórico-social mais ampla,
determinada por múltiplos condicionantes, como os políticos, os institucionais, os ideológicos, os
116
os professores levam vantagens, pois possuem maior salário, maior período de férias, autonomia
na condução do trabalho acadêmico e reconhecimento no que se refere à profissão.
Para Vieira (2000), por muito tempo, pareceu existir nas universidades públicas
brasileiras somente a figura dos professores e estudantes com magistral poder e domínio
daqueles sobre estes. Somente no final da década de 1970 os TAE passaram a se organizar
politicamente e, de lá para cá, vem com muita luta conquistando o seu espaço na universidade
estudando e demonstrando sua importância. Embora não se possa negar a importância do
professor, a forte centralização do poder neste segmento – secundarizando de modo geral os
demais segmentos – não parece favorecer uma relação democrático-participativa no processo de
gestão universitária. A este respeito, conforme o parágrafo único do artigo 56 da LDB
9.394/1996, em qualquer caso, no processo de gestão institucional, os docentes terão poder de
decisão superior – chegando a setenta por cento das possibilidades de tomadas de decisões – aos
estudantes e TAE.
118
CAPÍTULO 3
Entender a forma de organização social passa pela compreensão da relação de poder nela
existente e do modo como seus membros participam do processo de produção e reprodução da
vida social nos diversos espaços sociais como: a família, o trabalho, a escola, a universidade.
Como a participação efetiva tende a se ampliar onde o espaço público também se amplia, falar
em participação é falar em democracia e em descentralização de poder na sociedade em geral e
nas suas instituições em particular.
Com essa compreensão, no presente capítulo discutiremos a participação na universidade
sem perder de vista a participação na sociedade brasileira, o que implica debater sobre as
relações de poder, a organização social e institucional e os mecanismos de atuação dos sujeitos
sociais. Neste sentido, buscaremos entender a participação na universidade pública brasileira,
especificamente nas IFES, abordando: (i) o processo de modernização do Estado brasileiro e
suas implicações para a democratização social e para a participação na educação superior; (ii) as
relações de poder presentes neste espaço educativo; (iii) a historicidade da gestão e da
participação na universidade pública brasileira; (iv)os espaços e mecanismos de participação e a
relação de forças no âmbito da comunidade universitária; e (v) a concepção de Estado e de
educação orientadora da gestão universitária no final do século XX e primeira década do século
XXI.
48
“Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, ou da chamada „cultura senhorial‟, a sociedade brasileira é marcada
pelo predomínio do espaço privado sobre o público e, tendo o centro na hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em
119
todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que
manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a
relação mando-obediência. O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido
como subjetividade ou como alteridade. As relações entre os que se julgam iguais são de „parentesco‟, isto é, de cumplicidade;
e, entre os que são vistos como desiguais, o relacionamento toma a forma do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação, e,
quando a desigualdade é muito marcada, assume a forma de pressão. Em suma: micropoderes capitalizam em toda a sociedade
de sorte que o capitalismo da e na família se espraia para a escola, as relações amorosas, o trabalho, os mass media, o
comportamento social nas ruas, o tratamento dado aos cidadãos pela burocracia estatal, e vem exprimir-se, por exemplo, no
desprezo do mercado pelos direitos do consumidor (coroação da ideologia capitalista) e na naturalidade da violência policial.”
(CHAUÍ, 2001, p. 13-14)
120
49
Para Coutinho (2007) há na concepção gramsciana dois tipos de transformismo: o molecular, no qual “personalidades políticas
singulares elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à classe política conservadora
moderna” e o de “grupos radicais inteiros, que passam para o campo moderado.” (COUTINHO, 2007, p. 205)
121
Por essa via, abre-se a possibilidade de também os grupos sociais básicos dominados
desenvolverem outra direção intelectual e moral, mesmo não tendo acesso aos meios de direção.
As possibilidades de construção de hegemonia até então refletidas estavam relacionada aos
grupos dominantes que detinham o poder econômico. Assim, a hegemonia da classe dominada
somente seria possível se houvesse uma transformação econômica, mas, “com a separação,
proposta por Gramsci, das funções coercitiva e dirigente a hegemonia inclui a possibilidade de
uma reforma intelectual e moral que se processe já antes daquele acesso.” (CARDOSO, 1977, p.
61) Revitaliza-se, dessa forma, sem desconsiderar a determinação econômica, a dimensão
política, revalorizando-se a ideologia. Nessa direção, Gramsci faz importante alerta no que se
refere à relação entre a política, a ideologia e a estrutura material, ao dizer que “apresentar e
expor qualquer flutuação da política e da ideologia como uma expressão imediata da infra-
estrutura deve ser combatido, teoricamente como um infantilismo primitivo.” (GRAMSCI, 1995,
p. 117)
Tal preocupação é reforçada por Cardoso (1977, p. 61) ao argumentar que “não há dúvida
de que a determinação é do econômico, mas não diretamente, nem imediatamente, nem
absolutamente.” Em outras palavras, a relação entre o político, o ideológico e o econômico
122
precisa ser vista sob o ponto de vista da totalidade contraditória, pois há uma inter-relação entre
essas dimensões no processo de produção e reprodução da vida social. Gramsci, entretanto, ao
falar da reforma intelectual e moral, já inclui a necessidade de transformação das relações
econômicas da sociedade, ou seja, “o programa da reforma econômica é exatamente o modo
concreto através do qual se apresenta toda a reforma intelectual e moral” (GRAMSCI, 1978b, p.
9) produtora de hegemonia da classe dominada. Com isso Gramsci explicita a necessidade da
classe dominada de afastar-se da influência ideológica dominante. O ponto fundamental para tal
afastamento é a tomada de consciência, no nível da ideologia, do conflito das relações de
produção e, nesse caso, do imbricamento entre ideologia e economia, superestrutura e infra-
estrutura.
faz-se necessária uma unificação global articuladora das forças materiais e ideológicas e do
Estado no seu sentido amplo: sociedade política e sociedade civil.
Desse vínculo orgânico entre estrutura e superestrutura, sociedade política e sociedade
civil são estabelecidas as bases materiais e ideológicas em que se fundamentam as relações de
hegemonia explicitadoras de direção política e coerção. Dessa forma, Gramsci (1991), ao discutir
o Estado ampliado, está referindo-se à superestrutura do bloco histórico formado pelo conjunto
de duas esferas essenciais: a sociedade política, inerente ao aparelho de Estado, e a sociedade
civil, que corresponde à maior parte da superestrutura.
Por enquanto pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser
chamado de “sociedade civil” (isto é, conjunto de organismos chamado comumente de
“privados”) e o de “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de
hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e aquela de „domínio‟ ou
de comando, que se expressa no Estado e no governo jurídico. (GRAMSCI, 1991, p. 10-
11)
a evolução histórica do Brasil mostra o fato de que houve (como causa e efeito dos
processos de revolução passiva) um longo período, que corresponde a toda a fase imperial
e uma parte da republicana, no qual a sociedade brasileira apresentava fortes traços
típicos do modelo „oriental‟ no que se refere à relação entre Estado e sociedade civil. [...]
o que torna possível afirmar a predominância de pontos de semelhança com o modelo
„oriental‟ é o fato de que não só a sociedade civil brasileira era até pouco tempo
„primitiva e gelatinosa‟, mas também de que o Estado – ao contrário das mencionadas
sociedades liberais – foi sempre bastante forte. (COUTINHO, 2007, p. 211-212)
50
Explicitando a compreensão sobre a formação social oriental e ocidental Gramsci argumenta, criticando aqueles que buscavam
fazer a revolução por meio da guerra de movimento, que “no Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e
gelatinosa; no Ocidente, havia uma justa relação entre Estado e sociedade civil e, diante dos abalos do Estado, podia-se divisar
imediatamente uma robusta estrutura de sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se
situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; isso se podia ver, mais ou menos, de Estado para Estado, mas esta
observação exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional.” (GRAMSCI, 2007, v. 3, Q. 7, p. 262)
125
participou no âmbito da sociedade por meio: do parlamento via partido político; dos sindicatos;
das greves; dos movimentos econômicos, culturais e políticos; e mesmo por meio da insurreição
armada. É bem verdade que a reação da classe dominante a essas pressões foi, sistematicamente,
contida por meio de outra revolução passiva, como foi o caso da Revolução de 1930 na qual os
“setores mais modernos da oligarquia agrária conquistaram uma posição hegemônica no bloco
de poder, cooptando ao mesmo tempo a ala mais moderada da liderança das camadas médias, os
tenentes.” (COUTINHO, 2007, p. 214)
Acontecimentos históricos na sociedade brasileira têm revelado, de um lado, a existência
de um movimento de revolta e manifestação reivindicativa da sociedade civil e, de outro, a
contenção, via cooptação e repressão, do Estado. Mas o germe de uma sociedade civil mais
participativa foi crescendo e fortalecendo em cada embate político-social. Entre 1945 e 1964
passou a existir uma posição mais equilibrada entre o Estado e sociedade civil e, nessa
perspectiva, “ em 1945, com a queda da ditadura e o retorno à democracia (ainda que limitada), o
processo de „ocidentalização‟ da sociedade brasileira se tornou mais nítido.” (COUTINHO,
2007, p. 214) Com o golpe militar de 1964, o processo de ocidentalização foi drasticamente
interrompido com consequências cruéis para as iniciativas de autonomia da sociedade civil e
fortalecimento do poder do Estado, o que não significou o fim das margens à liberdade e à
emancipação social real. Esse germe de autonomia da sociedade civil, mesmo nas adversidades,
cresceu e se diversificou a partir de meados dos anos 70, quando um forte movimento no
sentido de auto-organização envolveu os operários, os camponeses, as mulheres, os
jovens, as camadas médias, os intelectuais e até mesmo setores da burguesia. O
movimento de massa (ocorrido em 1984) em favor da eleição direta para presidente da
república, que desempenhou um papel decisivo na derrota definitiva da ditadura militar,
foi a culminação desse processo de fortalecimento da sociedade civil, que assumiu
dimensões até então inéditas na história do Brasil. (COUTINHO, 2007, p. 215)
Ressalta-se, tendo por base Trindade (2000), que na fase estatizante, em muitos
momentos, o sentido social da universidade foi severamente ameaçado pela lógica
mercadológica, como foi o caso da lógica neoliberal vivenciada no Brasil a partir de 1970 e
intensificada na década de 1990. De qualquer forma, parte daí a universidade moderna estatal e
pública tematizadora das complexas relações entre a sociedade, conhecimento e poder. Mas é
bom dizer que antecede a essa fase estatal o uso do saber universitário por interesses diversos:
corporações, reis, nobres, religiosos, empresários, militares, governos, grupos, classes, entre
outros.
É possível depreender do estudo de Trindade (2000) que o conhecimento na universidade
tem sido produzido de forma contraditória, pois, embora aparentemente vislumbre a
emancipação, tem contribuído, também, com o poderio comprometido com a destruição da vida
humana e da natureza. A esse respeito, o autor enumera um conjunto significativo de ações de
cunho econômico, científico e ideológico, não emancipadoras, praticadas a partir do
conhecimento produzido na universidade, destacando-se a: fabricação de bombas; militarização
do espaço; Guerra Fria; exploração humana; destruição da natureza; e a prática de genocídios
com apoio científico-tecnológico.
Nesse início de século XXI, ao pensarmos a universidade, estamos discutindo-a
dialeticamente e, portanto, as contradições existentes na tríade sociedade, conhecimento e poder.
A contradição do conhecimento produzido na universidade estatal tem-se complexificado e
intensificado. Em virtude de tal complexificação, o controle da produção do conhecimento
técnico-científico constitui-se num processo importante de manutenção e ampliação de poder,
pois a interação entre ciência básica e aplicada tem poderosa utilização civil e militar. Como a
produção da ciência depende do Estado, tem existido uma intensa luta pelo controle da produção
e distribuição do conhecimento envolvendo interesses dos cientistas, do setor produtivo e do
Estado. A universidade é um dos espaços sociais em que essa luta é travada e, nela, projetos de
educação e de sociedade de tendências públicas e privadas são disputados (TRINDADE, 2000).
Cada vez mais tem sido intensificada a pressão para que a universidade pública brasileira
assuma a lógica mercadológica de natureza liberalizante, em contraste com uma perspectiva
pública e socializante. Ou seja, a universidade pública vem assumindo uma perspectiva de
organização multifuncional utilitária e pragmática submetida ao imediato da vida social
capitalista (CHAUÍ 2001; SGUISSARDI, 2004). Nesse sentido, a universidade, muitas vezes
constitui-se num instrumento que desenvolve um processo formativo com função internalizante,
na perspectiva do que aponta Mészáros (2008), a serviço da lógica societal existente.
129
Tomando como referência Gadotti (2008), a sociedade em geral de que falamos está
estruturada na lógica da divisão social que contrapõe proprietários e trabalhadores, produção e
distribuição, planejadores e executores e dirigentes e dirigidos. Especificamente, tendo como
caso a universidade, essa lógica é materializada, ainda no entender de Gadotti, entre outros
aspectos, na forma de discriminação expressa: pela classificação dos estudantes, ao entrar na
universidade (via vestibular), conforme sua posição social e econômica; nos mecanismos de
internalização formativa, explicitados nos currículos, programas, exames e notas; e na forma,
muitas vezes, antidemocrática, de gestão institucional e de governança dos projetos de extensão,
pesquisa e da própria sala de aula. Isso ocorre, dentre outros motivos, porque a universidade não
possui autonomia para determinar os seus fins e objetivos, pois “fazendo parte de um subsistema
do sistema social e político ela é mais ou menos submissa, mais ou menos obediente ao sistema
político.” (GADOTTI, 2008, p. 113)
A universidade pública brasileira, diante dessa problemática, tem o desafio de ser
repensada enquanto instituição social que produza conhecimento capaz, para além da reprodução
da lógica do capital, de fundamentar um projeto de sociedade mais emancipador, mais
democrático, mais participativo e mais humano. Trata-se de um projeto que objetive a superação
histórica das profundas disparidades, diferentes contradições políticas, econômicas, sociais,
culturais, entre outras.
No fundo, essa é a contradição geral do próprio sistema econômico capitalista que gera a
divisão da sociedade em classes, não apenas diferentes, mas antagônicas, isto é,
defendendo interesses opostos: a classe dos trabalhadores, que produzem riquezas sem se
beneficiar delas e a classe daqueles que possuindo os meios, o dinheiro, o capital, fazem
multiplicar esse capital pelo trabalho dos outros. A nossa realidade é marcada por este
ponto: é uma realidade social e política dividida. Essa divisão está estampada no rosto de
cada brasileiro. (GADOTTI, 2008, p. 113)
em que a ciência é vista como um dos domínios da ideologia, destacando-se dos demais por
critérios de cientificidade, sim, mas sem esquecer que esses critérios são históricos, e que a
ciência é também um produto social – mantendo relações não só com a filosofia, a arte e as
demais expressões do pensamento humano, como também com as necessidades materiais dos
homens – e como tal um produto do seu tempo e do seu meio (a sociedade).
130
Entendendo a educação como prática social no seu sentido amplo, sua realização,
também por meio das instituições formais como a universidade, ocorre em íntima relação com a
sociedade na qual está inserida. Com essa compreensão, Fávero (1980), estudando a formação
histórico-social desde as primeiras escolas de educação superior e universidades à década de
1970, observa que havia naquelas instituições uma dependência estrutural que delimitava uma
rígida estrutura de classe e dava lugar a uma política cultural, em que o papel que exerciam foi,
em geral, o de reforçar os laços de dependência por meio da manutenção das classes dominantes.
Foi nessa sociedade dependente, bem distinta de uma lógica liberal democrática, que a educação
superior pública brasileira foi fundada.
Trata-se de uma dependência externa à universidade, devida a nossa condição inicial de
colonizados e que, historicamente, se estendeu submetida à intervenção consentida aos países
hegemônicos em períodos históricos determinados, mas também de uma dependência interna,
com duplo desdobramento no âmbito do Estado brasileiro: o da submissão de uma classe social a
outra; e o da forte influência exercida pelo aparelho de governo. Nesse sentido, por exemplo,
Entender a universidade pública brasileira51 sem perder de vista que o foco do estudo são
as IFES, tendo como caso específico a UFT, como um desenvolvimento histórico dialeticamente
articulado, é fundamental para compreendermos como se processa no seu interior a participação
das diversas forças que lutam pelo poder na sociedade. Nesse contexto, uma das dimensões
importante dessa luta tem sido expressa pela tensão entre a necessidade de autonomia da
universidade e o controle exercido sobre ela pelo aparelho estatal e pelos diversos grupos que aí
veem uma possibilidade de ampliação do poder. Esse embate, segundo Fávero (1980, p. 27),
apesar de toda essa vinculação e funcionalidade, não significa que a universidade seja uma
“resposta automática às exigências do contexto social. [...] Não resta dúvida de que nas
universidades existem algumas liminares de liberdade, algumas brechas que poderão ser
exploradas e muitas vezes não o são.” Para Fávero, portanto, explorar melhor essas brechas tem
a ver com combater as formas de modernização dependente e autoritária e insistir no processo de
51
Ao nos referirmos à universidade brasileira, levando em conta o contexto geral, estamos falando, principalmente da
universidade pública, abrangendo: as precárias experiências da universidade de Manaus (1909), São Paulo (1910) e Curitiba
(1912); a primeira universidade do Brasil, Universidade do Rio de Janeiro (1920); a Universidade de São Paulo (USP), em
1934, e a Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935; e as IFES historicamente constituídas até esta primeira década do
século XXI (SGUISSARDI, 2005).
131
52
Trata-se do projeto de universidade numa perspectiva democrática e emancipadora. Nesse caso, parafraseando Ristoff e
Sobrinho (2002), o comprometimento da universidade deve ser com a formação do homem em sua totalidade (a ética, a
estética, a política e a técnica) o que vai além de treinar recursos humanos para uma profissão, pois o ser humano é muito mais
que isso. É preciso unificar, no mesmo homem, a formação técnica e humana. Assim, antes de formar o jornalista, devemos
formar o ser humano que conheça a ética, a estética e a técnica que deve orientar os meios de comunicação de massa; antes do
advogado, o ser humano, que entenda de leis. A profissão é tão somente um aspecto do ser humano. Ajuda a completá-lo e, por
isso mesmo, é necessária. Confundi-la com o ser humano é achar que o psicólogo nada mais é que o divã; o químico nada
mais que o tubo de ensaio. Ao propormos que a universidade não abdique de seu papel de formar cidadãos, não propomos a
formação de profissionais incompetentes, mas de pessoas para as quais a profissionalização não seja sinônimo de estreiteza, de
barbarismo, de falta de compreensão ética e de falta de empatia com os valores sociais que nos sustentam enquanto sociedade
democraticamente organizada. Mais do que o aperfeiçoamento da qualidade material da vida, queremos maior qualidade
cultural, social, civil e cidadã; uma educação que oportunize o desenvolvimento da tolerância às diferenças e da intolerância à
injustiça, à miséria, à falta de respeito pelo outro e de zelo pela vida. A educação cidadã e a educação profissional podem e
devem, portanto, ser vistas como complementares, sem antagonismos. Tememos, sinceramente, que a crescente opção pela
universidade operacional sobreponha-se à universidade emancipadora e venha a significar a opção pelo bárbaro altamente
qualificado em oposição à adequada formação do cidadão. Entendemos ser a formação do cidadão o que devemos buscar.
132
A autora continua a discussão alertando que a luta para que a gestão da universidade
pública brasileira seja feita por ela mesma, envolvendo a comunidade universitária, é um
133
aprendizado que vai amadurecendo com o tempo histórico. Isso porque lidar com o poder é lidar
com as diferenças e com os conflitos inerentes ao nosso tempo histórico, presente, portanto, na
universidade pública brasileira.
Quanto à relação de poder na educação superior, sem perder de vista o estreito vínculo
com a relação de poder na sociedade, Vlasman e Castro, comentam que a universidade, ao
mesmo tempo em que exerce a função de reprodutora das relações sociais de produção, constitui-
-se em espaço que, ao produzir conhecimento e reflexões críticas, influencia nas transformações
sociais. Mas é preciso ter clareza de que “é a sociedade que modifica a universidade e não ao
contrário, mas a sociedade só se modifica enquanto as suas instâncias (entre as quais a
universidade) também se modificam.” (VLASMAN; CASTRO, 1985, p. 94) Depreende-se do
exposto que os acontecimentos estruturais de uma sociedade acabam por determinar os rumos de
suas instituições, como as universidades, e, ao mesmo tempo, ser influenciados por essas, em
conformidade com o poder dos sujeitos sociais no processo de tomada de decisão. Assim, os
autores em pauta apresentam quatro períodos históricos da universidade brasileira em geral, sem
clara distinção entre rede pública e privada, nos quais se explicitam poderes distintos: o poder da
cátedra, o poder estudantil, o poder centralizado e o poder das associações da sociedade civil, aos
quais acrescentamos um quinto poder: o poder do mercado e das organizações sociais
tensionados pelo Estado. Esclarecemos, entretanto, que essa breve retrospectiva histórica tem
somente a pretensão de situar a discussão em sentido amplo, para posteriormente buscarmos
explicitar melhor a trilha histórica da participação na universidade pública brasileira,
particularmente as IFES.
O período no qual se sobressaiu o poder da cátedra na universidade brasileira, segundo
Vlasman e Castro (1982), vai da origem dessa instituição ao primeiro governo Vargas. Tal
período corresponde a uma sociedade predominantemente agrária, com uma industrialização
incipiente, na qual a demanda por formação superior concentrou-se nas profissões de advogado,
médico e engenheiro. Dessas profissões originaram-se os intelectuais da época, os quais
compartilhavam a estrutura de poder por meio da participação do professor catedrático vinculado
organicamente à burguesia industrial urbana e comprometido com a manutenção das relações
sociais de produção em curso naquele período. O catedrático era uma figura investida de poder e
muito respeitada na sociedade e no interior das instituições universitárias. Nesse sentido,
segundo Vlasman e Castro,
134
não havia contestação do poder do catedrático; ele era uma espécie de senhor feudal em
seu feudo do saber que compartilhava com os seus discípulos. A relação das cátedras com
a administração superior era fraca, e a relação entre as cátedras, quando muito, podia
configurar um tipo de cooperativismo, onde cada qual é dono de seu feudo, sua parcela de
saber especializado, mas onde há um esforço de conjunto em relação ao produto final,
coordenado pelo diretor da faculdade. (1982, p. 95)
O poder estudantil na universidade, para Vlasman e Castro, vai de 1930 a 1964. Esse foi
o período de intensa contestação dos defensores do processo de industrialização contra a cátedra;
do nascimento da juventude universitária católica; da criação da UNE, que teve um papel
essencial na politização da universidade por meio da luta pelo petróleo, campanha da guerra
contra o eixo, entre outros, o que possibilitou aos estudantes, dentre outras coisas, participarem
da estrutura informal universitária de poder. Esse foi um momento em que a universidade
conviveu com interesses contrastantes explicitados, de um lado, pela ação do governo na
estrutura da universidade através da normatização formal garantidora dos privilégios da
burguesia rural e industrial e, de outro, tendo que conviver com a pressão social de iniciativa
popular, discutindo temas de natureza cultural, econômica e social da sociedade brasileira. Nesse
contexto,
reitor indicava a maioria dos conselheiros de tais colegiados, nomeação ex officio, dentre os
professores titulares, adjuntos e assistentes; e a representação mínima do corpo discente. Nesses
colegiados havia a total ausência de representação do corpo técnico-administrativo. Com essa
composição, “a função do colegiado é apenas consultiva, às vezes controladora, através das
minorias, mas não exerce uma verdadeira função deliberativa.” (VLASMAN; CASTRO, 1985,
p. 97)
O poder centralizado do período militar, embora procure aprofundar o poder de controle e
dominação, também, contraditoriamente, gera resistência no seu interior e nas entidades da
sociedade. Trata-se do poder das associações da sociedade civil que cresceu e se diversificou a
partir de meados da década de 1970 e avançou até os movimentos políticos das Diretas Já e da
Constituinte, na década de 1980. Movimentos estes de resistência e renovação protagonizados
pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), pela Conferencia Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), e por outras entidades da sociedade civil organizada, em diferentes
áreas do conhecimento (SANDER, 2001).
No âmbito da universidade foram criadas as entidades representativas para fazer frente à
estrutura administrativa formal centralizadora - reitoria, congregação, colegiado, centros,
faculdades, departamentos - com a finalidade de promover uma participação efetiva no processo
universitário de tomada de decisões, bem como visando a reivindicar e defender direitos, além de
pensar a estrutura e as finalidades da educação superior. Fizeram parte dessas entidades naquele
momento histórico o Andes-SN, a Fasubra e a UNE, revitalizada. O processo de participação,
naquele momento ocorreu objetivando, entre outros aspectos, ampliar a participação na estrutura
formal da universidade, denunciar o centralismo autoritário e fortalecer o poder político das
entidades representativas (VLASMAN; CASTRO, 1985).
Podemos dizer que o objetivo aqui, além dos já mencionados, baseado nos argumentos
dos autores em pauta, entre outros, era disputar o poder a partir das suas próprias contradições e,
paulatinamente, ocupar os espaços de tomadas de decisão da estrutura universitária. Esse foi,
indubitavelmente, um momento de intensas lutas que renderam importantes frutos no processo
de redemocratização da sociedade e da universidade brasileira, mas, certamente, não puseram
fim ao revigoramento de práticas autoritárias inerentes ao sistema capitalista de produção que
depõem contra a construção da autonomia e da democracia efetivamente participativa no
processo de gestão da universidade. Significa isso que a luta deve ser constante e contínua.
Nesse sentido, podemos acrescentar a estes quatro períodos históricos demarcadores do
poder na sociedade brasileira um quinto momento, a partir de 1990, caracterizado pelo processo
de implantação e implementação das políticas neoliberais explicitadoras do poder do mercado
136
53
Vários autores têm estudado o momento de explicitação do poder do mercado confrontado e/ou articulado com o poder do
Estado, dentre eles citemos: Chauí (1999, 2001); Sguissardi (2000, 2004, 2009); Silva Junior e Sguissardi (2001); Silva Junior
(2002 e 2007) Peroni (2005); Mancebo e Fávero (2004); Dourado (1999, 2001, 2002); e Oliveira (2000).
137
implantação que também não lograram êxito. Nesse sentido, segundo Fávero (1980), embora
desde 1808, com a chegada da família real ao Brasil, tenha sido criada a primeira escola superior
brasileira, Escola de Cirurgia e Medicina da Bahia, levando-se em conta as precárias
experiências de universidade em Manaus (1909), São Paulo (1910/1911) e Curitiba (1912)
(SGUISSARDI, 2005; SGUISSARDI; SILVA JR.; HAYASHI, 2006), somente no início da
República (1920) é que foi criada a primeira universidade brasileira, Universidade do Rio de
Janeiro.
A discussão sobre a autonomia na universidade retrocede a esse período e já em 1911,
com a Reforma Rivadávia, especificamente expressa no Decreto nº 8.659, de 5 de abril de 1911.
A partir desse decreto, no entendimento de Fávero (2000, p. 71-72), era possível “inferir que os
estabelecimentos de ensino superior são conhecidos e considerados como „corporações
autônomas, tanto do ponto de vista didático, como administrativo‟.” E, ao tratar das normas de
funcionamento das instituições universitárias, “estabelece que os Diretores dos Institutos,
Escolas e Faculdades sejam eleitos por suas congregações para um período de dois anos, através
de eleições secretas.” (Idem, p. 72)
Com a reforma Carlos Maximiliano em 1915, o ensino secundário e superior foi
reorganizado por meio do Decreto, nº 15.530, de 18 de março daquele ano e, nesse processo, o
termo autonomia foi suprimido. Nessa reforma, “os institutos perderam, entre outras
prerrogativas, o direito de eleger seus dirigentes, que passaram a ser „nomeados livremente pelo
Presidente da República dentre os professores catedráticos efetivos ou jubilados‟.” (Ibidem) A
partir desse momento histórico, as universidades federais passam a ser controladas de modo
explícito pelo governo federal.
A década de 1930 – Segunda República56 – constituiu um marco importante na história
da educação brasileira. Nesse período ocorreram profundas transformações de natureza política e
administrativa na sociedade brasileira, repercutindo no sistema de ensino, inclusive, no processo
de reestruturação do ensino superior. Com a criação do Ministério da Educação e Saúde, em
1931, seu primeiro ministro, Francisco Campos, apresenta ao presidente Vargas um conjunto de
decretos destinados a produzir a reforma do sistema educacional brasileiro, denominado
Reforma Francisco Campos.
56
Em conformidade com Fávero (1980, p. 44), “se, na primeira república, prega-se o federalismo, e há um atendimento aos
interesses econômicos dos senhores rurais e às oligarquias estaduais da época, na República Nova a centralização política retida
nas mãos do poder central vai se opor ao federalismo e ao separatismo. Essa centralização do poder político não é resultado do
equilíbrio de forças dos grupos que constituem as classes dominantes. De início, pareceu favorecer a classe empresarial, com
prejuízo dos grandes proprietários de terra; mas, à medida que se tornava evidente que os interesses rurais não poderiam ficar
nas mãos incertas de uma coligação de oligarquias estaduais, passou a haver uma aceitação tácita da centralização. As
oligarquias subordinavam-se ao poder central e os governos estaduais perderam o controle direto, tendo sido substituído por
interventores federais.”
139
57
O ministro Gustavo Capanema, no ano de 1937, transformou a universidade do Rio de janeiro em Universidade do Brasil,
convertendo-a em modelo padrão para as universidades brasileiras. Ressalta-se que a Universidade do Brasil é, atualmente, a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (FÁVERO, 1980).
140
58
É importante lembrar, conforme discussão de Fávero (1980, p. 51), “a ideia de propriedade de cátedra, no Brasil, vem desde
1827, com a criação dos cursos jurídicos. É retomada no Estatuto das Universidades Brasileiras, o qual preconizava que a
vitaliciedade não seria adquirida apenas por concurso, mas por dez anos de atividades docentes”. Com a manutenção da cátedra
nos termos do estatuto, foi dificultada a carreira docente, pois, dentre outros aspectos, “a escolha dos assistentes, monitores etc.,
dependia exclusivamente do arbítrio dos catedráticos, em decisões muitas vezes tendenciosas e eivadas de autoritarismo”. A
autora afirma, ainda, que a ideia da cátedra ganha força nas constituições de 1934 e 1946.
141
tanto o Reitor como os Diretores dos estabelecimentos de ensino seriam escolhidos pelo
Presidente da República, dentre os respectivos catedráticos, e nomeados em comissão.
Por outro lado torna-se expressamente proibida aos professores e alunos da universidade
qualquer atividade de caráter político-partidário ou o comparecimento às atividades
universitárias com uniforme ou emblema de partidos políticos. (p. 75)
A caracterização anterior permite inferir que esse foi um período marcado pelo
centralismo autoritário. No caso da educação, a função autoritária foi conduzida pelo ministro da
Educação Gustavo Capanema, traduzida no rígido controle legalista das instituições
universitárias, fazendo valer princípios como autoridade, disciplina e progresso, contrastando
com o princípio da autonomia e da participação da comunidade universitária nas tomadas
decisão sobre, por exemplo, a escolha dos dirigentes universitários (FÁVERO, 2000).
Em 1945, com a deposição do Presidente Getúlio Vargas, inaugura-se um momento
histórico mais democrático, período no qual foi promulgada a Constituição Federal de 1946 e os
temas da autonomia e da participação são, de alguma forma, revigorados. Evidência da
retomada, o principio democrático é explicitado no corpo da Lei nº 8.393, de 17 de dezembro de
1945, ao preceituar que a Universidade do Brasil, a partir de então, gozaria legalmente de
autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar. Alguma possibilidade participativa é
revigorada tendo em vista que o Reitor volta a ser escolhido pelo presidente da república
mediante lista tríplice e os diretores das unidades, passaram a ser nomeados “pelo Reitor, com
prévia autorização do Presidente da República, obtida por intermédio do MES [Ministério da
Educação e Saúde], sendo a escolha feita a partir de lista tríplice organizada pela respectiva
Congregação.” (FÁVERO, 2000, p. 76)
Fávero (2000), embora sinalize como positivos os referidos lampejos de participação,
enfatiza que um dos limites da autonomia da universidade pública brasileira, no período
compreendido entre as décadas de 1950 e 1960, consistiu no fato de essas instituições serem
organizadas em departamentos, mas dirigidos somente por professores catedráticos. “Seu poder
se exerce às vezes de forma autoritária dentro das instituições universitárias, autoritarismo este
que deixa suas marcas nas atividades de ensino e pesquisa.” (p. 82) A autora, analisando a
Universidade do Brasil, evidencia esse autoritarismo na exclusão da “comunidade acadêmica –
professores de outros níveis, alunos e funcionários – do direito de opinar a respeito de questões
relativas à política de ensino, de pesquisa, de pessoal e finanças.” (p. 82)
Os estudos de Fávero sobre o mencionado período revelaram que, embora o tema da
autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar outorgada à universidade tenha sido
reposta na legislação, não conseguiu avançar em sua concretização. “Tal inferência leva a
reconhecer que, ontem como hoje, a autonomia outorgada às universidades não passa muitas
vezes de uma ilusão, embora se apresente, por vezes, como um avanço.” (FÁVERO, 2006, p.28)
142
59
O processo de modernização da universidade brasileira remonta à década de 1960 e, desde aquela época, significou reestruturar
tais instituições, inclusive sua administração, em conformidade com a lógica economicista. A partir de 1990, a modernização
das instituições universitárias vem-se efetivando articulada à perspectiva neoliberal modernizadora do Estado no contexto do
“processo de globalização em curso, sintonizado às premissas de liberalização econômica, desregulação financeira, alterações
substantivas na legislação previdenciária e trabalhista e, fundamentalmente, na intensificação do processo de privatização da
esfera pública.” (DOURADO, 2002, p. 238)
143
esse processo dito modernizador, orientando a reforma das universidades federais que se
consolida com a Lei nº 5.540, de 20 de novembro de 1968 (BRASIL, 1968a).
A partir dos Decretos-Lei n° 53/66 e 252/67, a universidade brasileira foi reorganizada.
Assim, as universidades federais foram estruturadas no sentido de preservar a unidade das suas
funções de ensino e pesquisa e assegurar a plena utilização dos seus recursos materiais e
humanos, vedando a duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes (BRASIL, 1966;
1967b).
Também os estatutos das instituições foram reformulados com base nesses dispositivos
legais, modificando a estrutura interna do poder de decisão. Nesse sentido, foi estabelecido o
departamento como a menor fração administrativa da universidade, congregando professores e
pesquisadores voltados para a realização dos objetivos comuns de ensino e pesquisa. Os chefes
dos departamentos constituíram o Conselho Departamental e a coordenação didática de cada
curso ficou a cargo de um colegiado, composto pelos representantes dos departamentos que
participavam do ensino daquele curso (BRASIL, 1966 e 1967b).
Compondo o rol da legislação que regulamenta a vida na universidade nessa época,
destaca-se a lei 5.540/1968 e a legislação complementar. A referida lei, conforme Fávero (2004),
expressa o princípio da autonomia universitária nos aspectos didático-científico, disciplinar,
administrativo e financeiro, mas, por outro lado esse mesmo princípio é fortemente limitado em
decorrência de outras peças legislativas como o Ato Institucional Nº 5 de 13 de dezembro de
1968 (AI-5) e do Decreto Lei 477, de 26 de fevereiro de 1969 (BRASIL, 1968b e 1969).
Conforme estudiosos da área, como Fávero (2004), o AI-5, embora em seus considerandos
pareça uma norma revolucionária, representou o ápice do autoritarismo no governo militar,
excluindo fortemente qualquer tipo de autonomia e liberdade no país. O Decreto Lei 477
transportou para dentro da universidade os preceitos do AI 5, ao decretar severa punição às ações
de professores, funcionários e alunos consideradas subversivas pelos militares. Em caso de
apuração de infração, conforme parágrafo 1º do artigo 1º, a punição se faria de forma exemplar:
pensamento, por outro, faz-se uma ressalva, advertindo quanto „à propaganda da subversão da
ordem‟.” (p. 207). Para Ranieri (1994), a limitação da autonomia universitária intensificou-se
com a reforma administrativa, normatizada pelo Decreto-Lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967.
Tal reforma atingiu sobremaneira as universidades federais e os órgãos de administração indireta
vinculados ao MEC. Nesse sentido, de acordo com o artigo 26 do supracitado decreto,
apesar de os documentos legais conterem normas e recomendações que até poderiam abrir
a carreira do magistério em termos de uma competição livre, eliminando a dependência e
a subordinação dos professores assistentes em relação aos catedráticos e favorecendo o
surgimento de novos talentos, na prática o que se verificou após a reforma, sobretudo nas
universidades federais, foi a redução de sua autonomia. (FÁVERO, 2004, p. 208)
superiores de direção, mas com a participação do governo por meio da nomeação baseado em
uma lista tríplice de nomes pré-selecionados pelos segmentos da comunidade universitária
(CNRES, 1985).
Segundo Fávero (2004), a autonomia constitui-se na tônica do relatório elaborado pela
mencionada comissão. Relacionada à ideia de autonomia aparece a preocupação ligada à
estrutura do poder decisório na universidade, tendo em vista o processo de democratização.
Nesse sentido, a comissão afirma categoricamente que
luta da comunidade acadêmica e científica que, a partir do final dos anos de 1970,
juntamente com outras entidades, organizaram-se para defender seus direitos e a
universidade pública de qualidade, enfrentando, em diversos momentos, o arbítrio e o
autoritarismo dos poderes constituídos. (FÁVERO, 2004, p. 211)
Em 1986, por meio da Portaria Ministerial nº 100 de 6 de fevereiro, foi criado o Grupo
Executivo para a Reformulação da Educação Superior (GERES). O referido grupo, após ser
implantado por meio da Portaria Ministerial nº 170, de 03/03/1986, passou a funcionar como um
grupo interno do MEC, para repensar e adequar as propostas contidas no Relatório da Comissão
Nacional (GERES, 1986).
A leitura do Relatório desse grupo de trabalho possibilita deduzir que os trabalhos por ele
realizados transcorreram sem a efetiva participação da comunidade acadêmica e, “mesmo após a
conclusão do Relatório e do Anteprojeto de Lei que sumaria a proposta, o conteúdo desses
documentos foi mantido em sigilo por seus integrantes e pelas autoridades do MEC por eles
147
responsáveis.” (FÁVERO, 2004, p. 212) De qualquer forma, conforme Fávero, o documento foi
amplamente discutido e criticado por grande parte da comunidade acadêmico-científica por
representar um retrocesso, entre outros aspectos, no que diz respeito à autonomia e à
democratização interna da universidade. Nesse sentido, a autora lembra que,
Constituição Federal de 1988 a esse respeito. Mas enfrentou forte reação da comunidade
universitária e setores ligados à educação em geral, à ciência e à tecnologia.
Por falar em alteração de artigos constitucionais, salientamos no presente estudo a
concepção de autonomia universitária expressa na CF de 1988 como um aspecto significativo no
processo educativo brasileiro. A este respeito, preceitua o artigo 207: “as universidades gozam
de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, obedecerão
ao princípio da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão.” (BRASIL, 1988)
Lembramos, entretanto, que nos termos mencionados, conforme Fávero (2004), embora a
universidade goze de ampla autonomia não quer dizer que tenha autonomia política, “por não ser
ela nem uma nação, nem um Estado.” (FÁVERO, 2004, p. 213) A autonomia expressa na CF de
1988, “é um modo de ser institucional e exige liberdade para a universidade se autodeterminar.”
(FÁVERO, 2004, p. 213) Nessa direção, continua a autora com o argumento de que essa
autodeterminação não seja compreendida isoladamente, mas abrangendo o corpo constitucional
como um todo, com destaque para os artigos 212 e 213, que se referem ao financiamento, e
artigo 206, que explicita os princípios da educação nacional, dentre os quais: o da “liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”; e da “gestão democrática
do ensino público, na forma da lei.” (BRASIL, 1988)
Embora esteja estabelecido no corpo da Constituição o princípio da autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira, na prática, a efetivação dessas
dimensões da gestão universitária, conforme já exposto por Fávero, não virá como dádiva, mas
como conquista construída no dia a dia do trabalho universitário que deve pautar-se pelo
princípio da gestão democrática (BRASIL, 1988). Uma das preocupações a esse respeito consiste
em lutar pela manutenção dos dois supracitados princípios – autonomia e gestão democrática –
que sofrem constantes ataques por parte daqueles que pretendem implantar processos decisórios
na universidade baseados nos ideais liberais/neoliberais e na democracia minimalista. A própria
Lei 9.394/96 (LDB), segundo análises de Cunha (2003), caracteriza-se por esse princípio
neoliberal minimalista, além de apresentar, em alguns aspectos, normatização ambígua.
De qualquer forma, a LDB traz um capítulo contendo 15 artigos sobre a educação
superior, sendo que em dois destes, o 53 e o 54, trata-se da autonomia e o artigo 56 dispõe sobre
a gestão democrática na universidade (BRASIL, 1996). Sobre a autonomia, são inúmeras as
atribuições da universidade em que ela se manifesta. Dentre estas, destacam-se: criar e extinguir
cursos; fixar currículos; estabelecer e executar programas e projetos diversos; elaborar e
reformar estatutos e regimentos; conferir graus, diplomas e outros títulos; administrar os recursos
orçamentários disponíveis.
149
todos disputada no mercado livre. Colocadas sob a lógica do mercado, “as universidades seriam
controladas gerencialmente pelo Estado por meio de „novos‟ procedimentos burocráticos, dos
resultados e da competição administrada” (CATANI; OLIVEIRA, 2000, p. 107).
O referido controle nas universidades federais, por exemplo, ocorreria por meio do
contrato de gestão60 estabelecido com o poder público, que transformaria, assim, a instituição
universitária em organização social (BRASIL, 1998a). Essa forma de gestão explicitaria uma
compreensão de autonomia controlada pelo mercado e pelo Estado. O Estado seria minimizado,
ou seja, passaria de uma função de provimento e supervisão para uma função
preponderantemente supervisora. Para Chauí (1999), essa lógica de gestão afetaria
significativamente a autonomia das universidades federais, que passariam a assumir um perfil
organizacional semelhante ao das empresas prestadoras de serviços e subordinadas ao setor
produtivo.
O contrato de gestão, naquele momento, não chegou a se concretizar-se, mas, ressalvadas
as devidas diferenças entre aquele contrato de gestão e o praticado nessa primeira década do
século XXI, as universidades públicas federais têm sofrido desde então forte pressão para se
adequarem à lógica mercadológica das organizações sociais, a exemplo da recente alternativa de
gestão dos Hospitais Universitários via organizações da sociedade civil de interesse público, com
base nas parcerias público-privadas e do contrato de gestão no âmbito do Programa de Apoio aos
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Tal lógica vem
progressivamente trazendo consequências diversas para a educação superior pública, para a
autonomia, processo de gestão de natureza democrática sustentada na efetiva participação da
comunidade universitária (SOBRINHO; RISTOFF, 2002; SILVA JR, 2005; SGUISSARDI;
SILVA JR, 2009).
Essa perspectiva de autonomia e democratização coaduna-se com o processo de
mundialização da educação na lógica neoliberal. Nessa direção, em texto publicado no Brasil em
1994, Tomaz Tadeu da Silva chama-nos a atenção para que a compreensão das estratégias do
projeto neoliberal no Brasil na área da educação passa pelo entendimento de que “esse processo
é parte de um processo internacional mais amplo. Numa era de globalização e de
internacionalização, esses projetos nacionais não podem ser compreendidos fora de sua dinâmica
60
Contrato de gestão elaborado em conformidade com o Decreto Lei nº 2.488/1998, que define medidas de organização
administrativa específicas para as autarquias e fundações qualificadas como Agências Executivas e dá outras providências
(BRASIL, 1998a). O contrato de gestão consiste em um instrumento regulador das ações do Projeto das Organizações Sociais
inseridas no Plano de Reforma do Estado com o objetivo de promover o Programa Nacional de Publicização das empresas
estatais brasileiras (BRASIL-MARE, 1998b). O contrato de gestão constitui-se em “um compromisso institucional firmado
entre o Estado - Poder Executivo através de seus Ministérios e uma entidade pública não-estatal, para o desenvolvimento de um
programa de fortalecimento institucional e de modernização da gestão, com vistas a atingir melhores resultados que objetivem
uma superior qualidade do produto ou serviço prestado ao cidadão.” (BRASIL/MARE, 1995c, p. 3)
152
internacional.” (SILVA, 2002, p. 14) Esse processo internacional mais amplo, segundo Silva
(2002, p. 15), ficou caracterizado, dentre outros traços, pela
Nessa operação, os problemas sociais [...] e educacionais [...] não são tratados como
questões políticas, como resultado [...] e o objeto de lutas em torno da distribuição
desigual de recursos materiais e simbólicos e de poder, mas como questões técnicas, de
eficácia/eficiência na gerência e administração de recursos humanos e materiais. Assim, a
situação desesperadora enfrentada cotidianamente em nossas escolas por professoras/es e
estudantes é vista como resultado de uma má gestão e desperdício de recursos por parte
dos poderes públicos, como falta de produtividade e esforço por parte dos professores/as e
administradores/as educacionais, como consequências de métodos „atrasados‟ e
ineficientes de ensino e de currículos inadequados e anacrônicos (SILVA, 2002, p. 18-
19).
61
Ressalta-se que, embora não se tenha vivenciado no Brasil a fase do Estado de bem-estar social, em determinados períodos foi
adotada uma perspectiva de governo em que o Estado se responsabilizou mais diretamente pelas políticas públicas sociais de
proteção à classe trabalhadora. Nesse sentido, segundo Bresser Pereira (1997), o Estado de bem-estar social foi vivenciado
somente pelos países desenvolvidos e, nos países em desenvolvimento, vivenciou-se o Estado social-burocrático,
desenvolvimentista e protecionista. Como ocorreu um processo de reforma do Estado de abrangência global, países em
desenvolvimento como o Brasil foram fortemente afetados, principalmente com a redução dos investimentos na área social.
62
Taylorismo e fordismo: padrão produtivo capitalista do século XX, fundamentado na produção em massa, em unidades
produtivas concentradas e verticalizadas, com um controle rígido dos tempos e dos movimentos, desenvolvidos por um
proletariado coletivo e de massa, sob a autoridade arbitrária de um patrão e controle fabril. Toyotismo: forma de expansão do
capitalismo monopolista do Japão no pós-1945 (ANTUNES, 2001), cujos traços principais serão apontados neste texto,
63
Embora entendendo que, de fato, se vive hoje em uma sociedade de orientação mundializada, particularmente quanto aos
aspectos econômicos, é importante compreender que a reorganização do capital não ocorreu de forma automática nem o
predomínio neoliberal se dá de forma linear ou idêntica em todos os lugares do planeta. Isso significa dizer que a implantação,
a implementação e os efeitos neoliberais são diversos, de acordo, por exemplo, com a posição que os países ocupam no planeta:
se são centrais ou periféricos (MÉSZÁROS, 2006).
155
Esses elementos dão a noção da dimensão da crise que afetou profundamente o mundo do
trabalho em vários sentidos. As respostas do capital à sua crise estrutural vão se dando em
diversas frentes e uma delas corresponde às mudanças no processo de produção capitalista com
repercussões significativas para o mundo do trabalho.
Destaca-se, como resposta à referida crise, a utilização das novas tecnologias, a
constituição das formas de acumulação flexível e a adoção do toyotismo em substituição aos
156
deve pensar e agir para o capital, para a produtividade, sob a aparência da eliminação
efetiva do fosso existente entre elaboração e execução no processo de trabalho.
Aparência porque a concepção efetiva dos produtos, a decisão do que e como produzir
não pertence aos trabalhadores. O resultado do processo de trabalho corporificado no
produto permanece alheio e estranho ao produtor, preservando, sob todos os aspectos, o
fetichismo da mercadoria. (ANTUNES, 1999, p. 34)
64
O toyotismo constitui-se em nova forma de organização do trabalho, uma nova forma de regulação e um novo ordenamento
social pactuado entre capital, trabalho e Estado. Concepção que se estrutura, portanto, na convivência e na colaboração entre as
classes sociais, relação esta concebida como cooperativa. Isto supõe, evidentemente, a incorporação e aceitação, por parte dos
trabalhadores, da política concorrencial e de competitividade, formulada pelo capital, que passa a fornecer o ideário dos
trabalhadores (ANTUNES, 1999).
157
65
“Com o desenvolvimento da subsunção real do trabalho ao capital ou do modo de produção especificamente capitalista, não é o
operário individual, mas uma crescente capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente (Funktionär)
real do processo de trabalho total. [...] este trabalha mais com as mãos, aquele trabalha mais com a cabeça, um como diretor
(manager), engenheiro (engineer), técnico, outro como capataz (overlooker), um outro como operário manual direto, ou
inclusive como simples ajudante [...].” (MARX, 1978, p. 71)
66
A expressão classe-que-vive-do-trabalho foi cunhada por Antunes e aqui é sinônimo de classe trabalhadora, no seu sentido
contemporâneo. “Ela compreende: 1) todos aqueles que vendem sua força de trabalho, incluindo tanto o trabalho produtivo
quanto o improdutivo (no sentido dado por Marx); 2) inclui os assalariados do setor de serviços e também o proletariado rural;
3) inclui proletariado precarizado, sem direitos, e também os trabalhadores desempregados, que compreendem o exército
industrial de reserva; 4) e exclui, naturalmente, os gestores e altos funcionários do capital, que recebem rendimentos elevados e
vivem de juros.” (ANTUNES, 2001, p. 23)
158
O Estado - que não está acima do capitalismo, mas é parte constitutiva e constituinte
deste - em qualquer concepção, é uma das mediações de segunda ordem da maior importância no
processo de desenvolvimento da sociedade capitalista, pois funciona como um corretivo dos
desajustes que dificultam a reprodução do capital, e, ao mesmo tempo, como impulsionador do
seu desenvolvimento. Assim, as políticas educacionais em geral, incluídas as de educação
superior, precisam ser entendidas nessa primeira década do século XXI no contexto das diversas
colorações desse Estado.
Estudos têm demonstrado que o Estado moderno de natureza liberal origina-se no período
do absolutismo, vinculado à ideia de soberania. Tal concepção é formulada inicialmente por J.
Bodin, em 1576, e se caracteriza pela inobservância e insubordinação às ordens externas ao
território e, ao mesmo tempo, pela ausência de normas para sua auto-regulação; portanto,
contrária ao totalitarismo (SUNDFELD, 2001). Duas macrotendências se explicitam ao longo da
história do liberalismo: a concorrencial e a estatizante.
Nesse sentido, para os referidos autores, a tendência liberal de cunho socializante, o novo
liberalismo de J. Dewey e J. M. Keyne, foi praticada entre a segunda Guerra Mundial e a
primeira metade da década de 1970. A partir daí, em resposta à grande crise do capitalismo, o
liberalismo conservador e elitista de F. A. Hayek se evidencia, agora chamado de neoliberalismo
de mercado, ou apenas de neoliberalismo. Porém, de acordo com Libâneo, Oliveira e Toschi
(2003, p. 86), “o neoliberalismo teorizado por Hayek não significa o fim do novo liberalismo,
social-liberalismo, de Keynes e Dewey, ou mesmo uma negação de todos os fundamentos do
liberalismo clássico, e sim uma nova, grande e complexa rearticulação do liberalismo, imposta
pela nova ordem econômica e política mundial.”
O ideário do liberalismo origina-se no século XVII, desde quando a teoria do Estado foi
debatida e defendida por vários pensadores, como Locke, Montesquieu, Kant, Adam Smith,
Humboldt, Benjamin Constant, John Stuart Mill, Toqueville e outros. Esses pensadores
defendiam, no geral, as ideias liberais de individualidade, igualdade, liberdade, propriedade e
democracia (CUNHA, 1980; SILVA JR, 2002).
A perspectiva liberal - denominada neoliberal com suas diversas colorações - aprofunda-
se trazendo implicações econômicas e políticas significativas para a governabilidade do Estado,
pois a condução das atividades econômicas passa a ser feita pelo mercado. Para Bobbio (2000, p.
128), “o liberalismo é, como teoria econômica, defensor da economia de mercado; como teoria
política, é defensor do Estado que governe o menos possível ou, como se diz hoje, do Estado
mínimo (isto é, reduzido ao mínimo necessário).” Estado mínimo no que tange a sua
responsabilização para com as políticas sociais públicas, o que não significa estado fraco ou
pequeno, pois ele continua forte, centralizador, gestor, avaliador e caritativo, fornecendo as
67
Neoliberalismo de mercado é a “denominação de uma corrente doutrinária do liberalismo que se opõe ao social-liberalismo ou
novo liberalismo - modelo econômico keynesiano - e retoma algumas das posições do liberalismo clássico e do liberalismo
conservador, preconizando a minimização do Estado, a economia com plena liberação das forças de mercado e a liberdade de
iniciativa econômica..” (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2003, p. 97)
161
condições para que o mercado de capitais não tenha empecilhos, seja em termos da legislação ou
da dotação de infra-estrutura (SILVA JR, 2002; DOURADO; CATANI, 1999).
Dessa forma, são necessárias as reformas definidas desde o Consenso de Washington e
implementadas pelos governos latino-americanos a partir da década de 1980: disciplina fiscal,
redefinição das prioridades dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização do setor
financeiro, manutenção de taxas de câmbio competitivas, liberalização comercial, atração das
aplicações de capital estrangeiro, privatização de empresas estatais e desregulação da economia.
Essas ações acalmam o mercado financeiro e restabelecem a confiança internacional nos países
periféricos ou emergentes (SILVA JR., 2002).
Na visão neoliberal, o Estado interventor aprofunda a desigualdade e a injustiça social ao
impedir o desenvolvimento eficiente do mercado, pois a liberdade econômica, nesse modelo de
desenvolvimento, é condição básica para a existência das demais liberdades: política, social e
individual (LIBÂNEO; OLIVEIRA; THOSCHI, 2003).
Esse pensamento apoia-se nos ideais da pós-modernidade, que apregoa a ideia do fim da
história e das ideologias, e, portanto, cai no fatalismo de que não há alternativas plausíveis para a
humanidade a não ser adaptar-se à lógica do capital. É nesse contexto que ocorre a
desqualificação do público, dos ideais e valores socialistas e a superqualificação do privado, com
o estabelecimento do consenso neoliberal.
O neoliberalismo econômico defende a liberdade soberana do mercado; a mínima
intervenção do Estado nas questões econômicas, principalmente, nos momentos em que ocorre o
arrefecimento das crises no processo de produção e reprodução do capital; a abertura da
economia ao mercado externo; a privatização de bens e serviços sociais; a redução das despesas
e do déficit público; a desregulamentação estatal e dos direitos trabalhistas com a desarticulação
dos sindicatos e a eliminação de programas e benefícios sociais; a flexibilização68 e a
informalização das relações de trabalho; além da oposição às políticas sociais universais e à
gratuidade dos serviços públicos.
Refletindo acerca dos traços caracterizadores do neoliberalismo mencionados no
parágrafo anterior, podemos dizer que no Brasil, nessa primeira década do século XXI, em
alguns aspectos houve certa mudança na atuação do governo, principalmente no que se refere à
retomada do Estado no desenvolvimento de algumas das políticas públicas. Ressaltamos,
entretanto, que, embora não tenha havido o processo de intensificação de parte das mencionadas
68
Conforme Vasapollo (2006, p. 45), “a flexibilização é considerada uma das alternativas para combater o desemprego. Mas o
que é flexibilização? As definições são muitas. Há que se distinguir flexibilidade salarial de flexibilidade de horário, por
exemplo. Existe também a denominada flexibilidade funcional (ou organizativa).” Segundo esse autor , nenhuma dessas formas
de flexibilização beneficia o trabalhador, ao contrário, vieram para aumentar a sua exploração.
162
características, as mesmas têm sido mantidas na perspectiva da lógica proposta pelo Consenso de
Washington.
Relembramos que, segundo Batista (1999), persiste na concepção de Estado defendida
no Consenso de Washington uma visão economicista do problema político. Nessa visão, a
democracia e a economia são reconhecidas como objetivos complementares no desenvolvimento
social. Entretanto, há a manifestação de clara preferência do segundo sobre o primeiro objetivo.
“Ou seja, revela-se implicitamente a inclinação a subordinar, se necessário, o político ao
econômico.” (BATISTA, 1999, p. 18) Nessa linha de raciocínio,
o pleno funcionamento das instituições democráticas parece até mesmo ser visto como
um „excesso de democracia‟, algo capaz de converter em empecilho às reformas
liberalizantes da economia, na medida em que enseje a emergência, tanto no Executivo
quanto no Legislativo, de lideranças não comprometidas com as propostas neoliberais. A
modernização da América Latina deve se fazer assim, prioritariamente, por um processo
de reformas econômicas. [...] A democracia não seria, pois, um meio para se chegar ao
desenvolvimento econômico e social [mas] um subproduto do neoliberalismo econômico.
Para o Consenso de Washington, a sequência preferível pareceria ser, em última análise,
capitalismo liberal primeiro, democracia depois. (BATISTA, 1999, p. 19)
elevadas taxas de evasão e repetência e baixa taxa de formandos, além do fato de os estudantes
que frequentam as universidades públicas serem oriundos da camada social economicamente
mais favorecida da população.
Nessa linha de raciocínio, o documento do BM (1995) em análise preceitua reformar o
nível de educação superior tornando-o mais eficiente por meio do estímulo ao financiamento
privado e à diversificação das formas de oferecimento desse grau de educação, sem aumentar os
recursos públicos. Propõe para a efetivação de tal reforma as seguintes orientações:
69
Autonomia para o BM, segundo Dias (2004, p. 904), significa “não o desenvolvimento da capacidade crítica, mas uma maior
descentralização na gestão. Esta autonomia seria acompanhada de medidas visando à prestação de contas das instituições
através de critérios precisos de avaliação.” Em outras palavras, a autonomia “significa tão somente a liberdade para atender aos
objetivos oficiais, mediante a competição por fundos e outros incentivos econômicos” (LÉDA; MANCEBO, 2009, p. 56) e não
autonomia de gestão financeira que possibilite às instituições universitárias gerir com liberdade, por exemplo, os recursos
provenientes do Tesouro Nacional.
164
racionalizada que possibilite a economia dos recursos. Nesse sentido, “as instituições de ensino
superior devem adotar práticas de gestão com uma visão de futuro que responda às necessidades
de seus ambientes.” (p. 20) Para a concretização de tal gestão recomenda que “os
administradores do ensino superior devem ser receptivos, competentes e capazes de avaliar
permanentemente - por meio de mecanismos internos e externos - a eficácia dos procedimentos e
regulamentos administrativos” (p. 20). Para a Unesco,
Esclarecemos, tomando como referência Dias (2004), ter consciência de que, em linhas
gerais e muito mais no passado do que nos acontecimentos recentes, as visões do BM e da
Unesco são distintas sobre a educação superior e sobre a educação em geral. O BM, devido a sua
natureza comercial, tem uma visão economicista sobre a sociedade e sobre a educação, enquanto
a Unesco vê a sociedade sob o ponto de vista mais amplo e considera a educação, em seu todo,
como um bem público. A “Unesco discute a sociedade como uma entidade coletiva, ao passo que
o Banco Mundial dá a impressão de ver a sociedade apenas como um mecanismo para regular o
mercado.” (DIAS, 2004, p. 897) A perspectiva de atuação do BM sobre os problemas sociais é
pontual e dogmática, ao passo que a Unesco tem uma perspectiva de atuação mais aberta na qual
há espaços para controvérsias, debates, dúvidas, contradições, alternativas etc. Nessa direção, as
necessidades da economia precisam gerar pertinência social que abranja os valores éticos, a
participação e a democracia. “A pertinência implica o uso eficiente de recursos públicos, o que
supõe uma prestação de contas à sociedade, uma gestão eficaz, num marco que preserve a
autonomia e as liberdades acadêmicas.” (DIAS, 2004, p. 906)
Referindo-se especificamente ao processo de gestão, embora o foco do BM se concentre
prioritariamente no critério de eficiência econômica e o da Unesco no critério de eficácia
institucional, as visões do BM e da Unesco, embora diferentes, guardam, no fundo, certo
vínculo, tendo em vista que ambos trazem como preocupação prioritária a relação entre os gastos
eficientes dos recursos e os resultados eficazes obtidos pelas instituições. Mas as orientações do
BM para os países em desenvolvimento têm um foco fundamentalmente economicista no que se
refere ao custeio da educação, particularmente da educação superior, que deve ser assumida,
também, pela iniciativa privada. Nesse sentido, o BM defende claramente uma gestão de
165
natureza gerencial que visa ao controle e à racionalização de recursos. Tal gestão parece pautar a
participação da comunidade universitária na execução das políticas previamente pensadas por
especialistas dos organismos multilaterais e os administradores dos órgãos governamentais dos
diversos países.
Pode-se afirmar que, nos países em desenvolvimento como o Brasil, desde 1990 à
primeira década do século XXI, o neoliberalismo vem-se desenvolvendo no sentido da
perspectiva neoliberal de nova coloração, que representa “a retomada „envernizada‟ do projeto
burguês a qual mantém as premissas básicas do neoliberalismo em associação aos elementos
centrais do reformismo social-democrata.” (LIMA; MARTINS, 2005, p. 43) Esse ideário, apesar
de realizar a crítica às teses neoliberais de desregulamentação do mercado e de participação do
Estado, traz em sua estrutura a preservação dos ideais neoliberais.
Ao negar a centralidade de elementos da modernidade, como as classes sociais e o
trabalho, o neoliberalismo de viés humanizador propõe que o Estado promova a formação de
uma nova cultura cívica por meio da renovação organizativa da sociedade civil, visando à coesão
social, ao empreendedorismo social e à ação voluntária dos indivíduos (NEVES, 2005). Ocorre a
expansão da denominada economia mista, pautada pelo equilíbrio entre “a regulamentação e a
desregulamentação entre o aspecto econômico e o não econômico na vida da sociedade”
(ANTUNES, 2001a, p. 98), que seja capaz de “preservar a competição econômica quando ela é
ameaçada pelo monopólio, [...] controlar os monopólios naturais, criar e sustentar as bases
institucionais dos mercados.” (Ibidem)
Nessa perspectiva, explicita a prática política de ajustamento da sociedade civil e política
aos imperativos do capitalismo, o que denota seu caráter instrumental e seu comprometimento
com o projeto burguês de sociabilidade na formação de uma nova pedagogia da hegemonia70,
frente às necessidades e exigências do mercado. Isto é, a perspectiva neoliberal de nova
coloração fragmenta e decompõe a realidade social em três esferas autônomas entre si, ou seja,
as organizações sociais da sociedade civil são apresentadas como um novo segmento que toma
corpo, um terceiro setor, que se coloca como parceiro do Estado, primeiro setor, e do mercado,
tido como segundo setor.
A compreensão adotada nesse texto é a de que o Estado em seu sentido ampliado não se
reduz ao governo, ao aparato parlamentar, mas constitui-se pela superestrutura do bloco
histórico, formada intrinsecamente pela sociedade civil e sociedade política com conteúdo
econômico-social, no qual as relações sociais são produzidas e reproduzidas. Portanto, o Estado
70
Trata-se de uma ação orientada por uma concepção pedagógica que procura criar novas ancoragens teóricas e simbólicas
responsáveis por estabelecer mediações entre sujeito e realidade social em uma perspectiva de conservação das relações sociais
(LIMA; MARTINS, 2005; NEVES, 2005).
166
está longe de ser uma esfera autônoma desvinculada da dinâmica social, cultural e econômica,
como propõe o liberalismo em uma visão que nega as múltiplas determinações do real, como é o
caso da perspectiva neoliberal de nova coloração, que quer passar por mais humanizada.
Nessa perspectiva, Gramsci, ao discutir o Estado ampliado, refere-se à superestrutura do
bloco histórico formado pelo conjunto de duas esferas essenciais: a sociedade política, inerente
ao aparelho de Estado, e a sociedade civil, que corresponde à maior parte da superestrutura.
Assim, em contraposição ao Estado mínimo, aborda-se a ideia de Estado ampliado em Gramsci,
que integra, de forma articulada, a sociedade civil - o alto governo, cujas atividades têm a
finalidade de construir a hegemonia, pela direção e persuasão e a sociedade política - o governo
dos funcionários, cujas atividades passam pela ditadura, pela dominação e coerção (PORTELLI,
1977). Nesse sentido, o Estado é formado por forças contraditórias: a classe dominante e os
movimentos sociais que, em um embate constante em torno de interesses, às vezes opostos e
excludentes, dão dinamismo ao Estado, que vai além das ações do aparelho parlamentar. Nessa
perspectiva de Estado ampliado, chama-se a atenção para o fato de que a educação - incluindo,
certamente, o seu processo de gestão - é constitutiva e constituinte do universo das relações
sociais, campo, portanto, de disputa hegemônica entre a classe dominante e a classe trabalhadora
(FRIGOTTO, 1999).
Existe, portanto, uma relação entre as forças políticas e a sociedade em geral no seio da
estrutura e superestrutura, âmbito em que a sociedade civil e a sociedade política são
indissociáveis na composição do Estado. Na prática, inexiste a separação entre sociedade civil e
política, e sim unidade dialética em que o processo de construção da hegemonia, pelo consenso,
e de governo autônomo ou de dependência preexiste ao mesmo tempo ou alternativamente.
Nessa linha de pensamento, as instituições sociais articulam-se abrangendo o universo do Estado
na sua totalidade. Essa compreensão é fundamental para as preocupações sobre o processo de
organização e gestão institucional, objeto de discussão deste texto, na medida em que esta se
evidencia na tensão existente no processo de materialização das políticas educacionais.
Nesse sentido, a discussão em pauta possibilita entender que o capitalismo vem passando
historicamente por diversas mudanças. Tais alterações determinam e são determinadas pelo
conjunto dos processos sociais, dentre eles o das políticas públicas que influenciam
expressivamente o modo como vem ocorrendo o processo de organização e gestão da educação
superior, sem perder de vista o protagonismo da sociedade civil (GRAMSCI, 1991 e 1995).
167
assistencialismo e a produção direta de bens e serviços pelo Estado. Assim, o Estado foi
enxugado71, transferindo-se, em grande medida, suas responsabilidades para a sociedade civil,
com destino especial as ONGs, por meio da chamada descentralização democrática
(BRESSER-PEREIRA, 1996; 1998).
O quadro a seguir explicita bem as mudanças que, em parte, ocorreram no processo de
gestão das instituições sociais com o advento da implantação do Estado gerencial. Em tal
perspectiva de Estado, foi atribuída ao governo brasileiro uma nova função no desenvolvimento
das atividades públicas, tendo em vista os tipos de propriedades estatal, pública não-estatal e
privada e a forma burocrática ou gerencial de administração pública adotada.
esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a saúde, a educação e a cultura) no
setor de serviços definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço
público democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso seria
previsível – nas atividades ligadas à produção econômica – mas também onde não é
admissível – no campo dos direitos sociais conquistados. (CHAUÍ, 2000, p. 211, grifos na
fonte)
71
“Ainda que enxuto, o Estado teria de ser forte, ou seja, produzir centralizadamente as políticas em todos os setores de ação do
Estado, daí tal instituição maior em um estágio societal ter de estabelecer rumos e metas para a sociedade. Forte também diante
da transferência de responsabilidades na área social para a sociedade civil segundo políticas pré-estabelecidas. Tudo isso
exigia, além de radicais mudanças em instituições, também transformações de instituições em organizações bem como a
valorização das ONGs.” (SILVA Jr., 2002, p. 47)
169
O Estado assume uma função de gestor e fiscalizador e não mais produtor. Nesse sentido,
o Estado gestor, travestido de democrático, promove a desconcentração das ações de sua
competência referentes às políticas sociais para a responsabilidade da sociedade civil. Num
aparente clima democrático, insere-se o processo de desconcentração e de promoção da
denominada autonomia das instituições sociais como as universidades, hospitais, entre outros.
Aparente, porque, de fato, o Estado gestor, sob a orientação da esfera econômica, já definiu
previamente as políticas públicas para a área social, restando aos participantes da sociedade civil
a execução daquilo que já foi decidido; sendo assim, “a cidadania que deriva daí é a cidadania
produtiva. Os direitos sociais são agora mercantilizados pelas organizações não governamentais,
pelos planos de saúde, pelos planos de previdência privados e até pelos salários-educação e
vouchers educacionais.” (SILVA JR., 2002, p. 35)
Em se tratando da educação superior, as ideias orientadoras da reforma de 1990
contrapõem-se à reforma de 1968 no que se refere, principalmente, à estruturação de um modelo
único, que associa ensino, pesquisa e extensão. Para Oliveira (2000, p. 30), a reforma de 1968
“procurou formular diretrizes e desenvolver ações que permitissem construir um ambiente
universitário mais homogêneo e unificado nacionalmente. O modelo único tinha como princípio
básico a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, o que significava que as universidades
deveriam institucionalizar a pesquisa e articulá-la com o ensino e com os serviços de extensão.”
Nesse contexto, são apontados como fatores causadores da crise das IFES a unidade
salarial, o regime de dedicação exclusiva, isonomia entre ativos e inativos, o sistema
predominante de financiamento universitário com verbas públicas e o consequente mau uso dos
recursos, excessivo envolvimento do Estado, governo, nas questões do ensino superior, pouco
crescimento da educação em relação à demanda, entre outros (SILVA JR.; SGUISSARDI,
2001).
A superação da crise abrangeria o fomento de maior diferenciação institucional com
maior incentivo à iniciativa privada; carreiras diversificadas em conformidade com cada
instituição, com pisos e tetos próprios; diversificação das fontes de financiamento, com a
introdução do ensino pago nas instituições públicas; articulação aos resultados aferidos por meio
dos processos de avaliação; redefinição do papel do governo, que passa de mantenedor a
fiscalizador e regulador; criação e implementação de um sistema de avaliação norteado pela
eficiência, visando à adequação das instituições superiores ao mercado e criação das condições
para o desenvolvimento do ensino privado (OLIVEIRA, 2000; SILVA JR.; SGUISSARDI,
2001).
170
colaboradores entre dirigentes e assessores para avaliar o avanço da implementação das políticas
e ações, revisar metas e fixar novos objetivos, metas e estratégias.
Não obstante, essa prática altamente participativa, eu me reservava sempre a palavra final
na definição dos rumos do ministério ou na simples elaboração de um documento que
tivesse de ir a público, por mais técnico que fosse. Pessoalmente examinava em detalhe
todos os projetos de lei submetidos ao Congresso e os decretos a serem assinados pelo
presidente. Nenhuma negociação no Congresso foi encerrada sem a minha palavra final.
Nenhuma campanha de comunicação, incluindo cada uma de suas peças, foi a público
sem a minha aprovação final. Essa é uma orientação essencial quando se adota um estilo
de gestão altamente participativo como tivemos no ministério. (p. 56)
Essa citação expressa bem, no entendimento de Souza, em que consistiu essa gestão
altamente participativa no período em que foi ministro da educação. Entender o processo de
gestão nas IFES, particularmente na UFT, passa pela problematização dessa forma de
participação no sentido de compreender se tal lógica de gestão, que se diz altamente
participativa, mas em que somente uma pessoa, de fato, decide, persiste ou se o processo
administrativo está sendo orientado por outra concepção.
A lógica de universidade evidenciada desde meados da década de 1990, sem
desconsiderar os atenuantes e os agravantes, tem seus desdobramentos na primeira década do
século XXI com a explicitação, no âmbito do Estado, das relações “estatal/público,
estatal/mercantil, privado/mercantil e privado stricto sensu, isto é, a prestação de serviços ao
mercado por meio do fundo público ou não, mas para a captação de recursos.” (SGUISSARDI;
SILVA JR., 2009, p. 36). Esse é o cenário no qual se efetiva a lógica da “universidade estatal
pública, que se mercantiliza com base na institucionalização dos serviços não-exclusivos do
Estado, acaba por produzir o professor dotado de uma „sociabilidade produtiva‟” (Idem, p. 46-
47). Tal produtivismo certamente acirra o individualismo e a competitividade no interior da
universidade pública e evidencia uma perspectiva de prática educativa cada vez mais pragmática
e utilitarista em contraste com uma perspectiva mais emancipatória, autônoma e democrática, na
qual os interesses coletivos, o bem comum e a participação política efetiva sejam priorizados no
processo de gestão da universidade.
Conforme já mencionado no decorrer da presente discussão, há de se reconhecer que, no
governo Lula, a condução das políticas públicas na lógica do mercado, de alguma forma foi
arrefecida e houve mudança positiva em relação à atuação do governo no que se refere a
aspectos específicos da política de educação superior. No presente estudo não é nosso objetivo
fazer uma comparação entre os governos, mas entender, conforme Silva Jr. (2005, p. 58), sem
perder de vista as reformas em andamento desde 1970, “os elementos históricos brasileiros que
embasam a construção do que estamos denominando de cultura mercantil da universidade
brasileira nos governos FHC-Lula”. Estamos falando de um amálgama cultural que vem sendo
173
produzido e atualizado ao longo dos últimos quarenta anos, explicitando, assim, elementos de
rupturas e continuidades.
Em tal amálgama cultural a ciência e a tecnologia tornam-se mercadorias disponíveis no
mercado concorrencial a serviço do sistema econômico. Foi essa lógica produtiva que
influenciou a reforma do Estado nacional, da educação e, no seu bojo, da educação superior,
principalmente a pós-graduação, com sua capacidade de agregar valor produtivo benéfico à
reprodução do capital mercantil. Esse é o cenário no qual ocorre o processo de reestruturação
produtiva, que exige um novo cidadão dotado de sociabilidade produtiva, ou seja, “um ser
humano mudo, solitário e útil.” (SGUISSARDI e SILVA JR., 2009, p. 58) No entendimento dos
referidos autores, teve início no governo FHC e intensificou-se no governo Lula o processo
educativo, que vai da creche à pós-graduação, voltado para formar este novo cidadão produtivo,
caracterizado como competente e empregável.
O Brasil cumpriu sua tarefa e deixou-se embalar ao ritmo do câmbio flutuante. De FHC
até hoje, nunca se realizou com tanta subalterna maestria a máxima do neoliberalismo
criada por Hayek - extended order - que se traduz livremente como a ordem estendida do
mercado, isto é, que todo tipo de atividade humana tem como fim o mercado. Trata-se da
mais concreta tradução do neoliberalismo político e econômico. Locke, um insuspeito
individualista liberal, assustar-se-ia diante da situação brasileira. Países como a China e
Índia não tomaram o remédio/veneno do Consenso de Washington, a não ser em doses
homeopáticas. O Brasil tomou o frasco inteiro e agora teme pela volta da inflação
exportada pela crise da economia. (Ibidem, 2009, grifos na fonte)
financiamento e gestão. Por esse caminho, o governo vem estabelecendo, com essas instituições,
“contratos de gestão formalizados por meio dos „acordos de metas‟ para a implantação do
REUNI, nos quais exige o cumprimento de metas e índices de produtividade para que possam
fazer jus às verbas necessárias à sua manutenção e expansão.” (CHAVES; MENDES, 2009, p. 7-
8) No entendimento de Mancebo (2009), tal contrato de metas tem um viés economicista e
produtivista, que distancia as IFES da perspectiva de educação superior que articula ensino,
pesquisa e extensão, criando, além disso, problemas para a autonomia universitária, bem como
reforçando o processo de precarização do trabalho docente.
175
CAPÍTULO 4
72
A Universidade do Tocantins (Unitins), conforme informações contidas em seu sítio, foi criada em fevereiro de 1990, pelo
Decreto Estadual nº 252. Desde então, essa instituição de educação superior vem passando por inúmeras transformações dentre
as quais destacamos: a estruturação da instituição em forma de autarquia efetivada por meio da Lei Estadual nº 326, de outubro
de 1991; a extinção da autarquia determinada pela Lei Estadual nº 872, de novembro de 1996; e criação da então Fundação
Universidade do Tocantins, regulamentada pela Lei Estadual nº 874, de novembro de 1996. A referida instituição foi
constituída como uma Fundação Pública de Direito Privado, mantida por entidades públicas e particulares, com apoio do
governo do Estado. Em fevereiro de 2000, com a edição da Lei Estadual nº 1.127, a Unitins passou a denominar-se Unipalmas.
Tendo sido criada a UFT e, decorrente desse ato, realizado o processo de encampação de parte dos cursos e da estrutura
material e humana da Unitins, a estrutura dessa Instituição de Educação Superior Estadual foi mais uma vez alterada, tendo
como normativa legal básica a Lei Estadual nº 1.160, de 21 de junho de 2000. Após o referido processo de encampação com
vista à adequação da Unitins à nova realidade, amparado pelo Decreto Estadual nº 1672, de dezembro de 2002, e pela Lei
Estadual nº 1.478, de junho de 2004, foi extinta a Unipalmas e excluídos da sua estrutura os campi naquela época existentes:
Guaraí, Tocantinópolis, Arraias, Porto Nacional, Araguaína, Paraíso, Gurupi, Colinas, Miracema, Palmas. A partir de 2004 a
Unitins passou a ofertar, também, cursos na modalidade de educação a distância, coordenar, no âmbito estadual, a pesquisa
agropecuária e realizar concursos para o poder executivo (http://www.unitins.br/portal/historico.aspx). Nessa perspectiva, a
Unitins foi reconfigurada com o propósito de firmar novas parcerias mediante convênios que contemplavam a oferta de Curso
Telepresencial com a Rede Educon e outros convênios com a Secretaria de Educação, Secretarias Municipais e outros órgãos.
Dentro dessa lógica, a Unitins ofereceu, até 2009, cursos de graduação e pós-graduação na modalidade de educação a
distância, momento em que foi descredenciada pelo MEC (BRASIL, 2009b). Em 2010 a Unitins foi recredenciada e passou a
176
efeitos estendidos à primeira década do presente século XXI. Nesse sentido, é importante
destacar que a reforma do Estado afeta drasticamente a esfera pública, pois as responsabilidades
do Estado e do governo, constituídas no embate com a sociedade civil são deslocadas para o
âmbito da sociedade civil, reduzindo, dessa forma, os subsídios públicos na implementação dos
serviços sociais, os quais foram, em grande medida, assumidos pela iniciativa privada.
Articulada à lógica privatista e desconcentradora da reforma do Estado, a Unitins, criada
em 1990 como fundação e transformada em autarquia, foi transformada novamente na Fundação
Universidade do Tocantins, em 1996. Como fundação, passou a vigorar em novo regime
jurídico, tendo sido instituída a cobrança de mensalidades. O processo de privatização, em uma
lógica patrimonialista, acabou acentuando-se com a transferência do curso de medicina
veterinária para o Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC), instituição privada
situada no município de Araguaína. Nessa direção, o governo do Estado convidou outras
empresas a investirem em outros cursos da Universidade e a assumirem integralmente as
despesas e receitas existentes à época.
O governador daquele período, José Wilson Siqueira Campos, do Partido da Frente
Liberal (PFL), adotou medidas que geraram, no entanto, indignação entre os estudantes, que
entraram em greve. Por mais de um mês, o movimento estudantil em prol da universidade
pública e gratuita enfrentava um aparelho de governo cujo poder concentrava-se nas mãos do
governador e dos partidos governistas: Partido da Frente Liberal, (PFL), Partido da Social-
Democracia Brasileira (PSDB), Partido Progressista Brasileiro (PPB), Partido Trabalhista do
Brasileiro (PTB) e Partido Liberal (PL). Em matéria rara sobre o assunto, publicada na Revista
Caros Amigos, Biondi (2001, p. 34) comenta que,
integrar o grupo de Instituições de Ensino Superior Públicas do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB (BRASIL,
2010c) e está oferecendo os cursos de Direito, Engenharia Agronômica, Sistemas de Informação e Serviço Social. Para maior
aprofundamento sobre a Unitins consultar: Maia (2002), Moretz-Sohn (2002) e Souza (2007).
73
Trata-se de uma forma patrimonialista de administrar a partir de interesses próprios, utilizando-se da centralização da tomada
de decisão, adotando mecanismos de controle específicos em que o Estado de direito liberal democrático no seu sentido
original não se consolidou. No Estado de direito, defendido por Locke, “o súdito tornou-se cidadão e o Estado passou a ser
concebido como a instituição responsável por garantir a autonomia e a liberdade de cada homem. Reduzido às tarefas de
assegurar a cada um o poder de dispor de sua propriedade, comercializar, expressar a sua opinião e participar de eleições, o
poder do Estado foi restringido e determinado e seu campo de ação delimitado pela lei, expressão da vontade geral
institucionalizada.” (GANDINI; RISCAL, 2002, p. 41) No Brasil, na prática, os direitos dos cidadãos, na sua maioria, não são
177
em que a política de viés desenvolvimentista, focada na livre iniciativa privada, convive com
iniciativas governamentais de natureza clientelista, personalista e patrimonial. O entendimento
dessa articulação é importante para explicitar a relação entre o governo do Tocantins e o
processo de privatização da educação superior a partir da análise histórica do Estado do
Tocantins no contexto das reformas da década de 1990, com efeitos estendidos à primeira década
do presente século. Nesse sentido, mesmo com a exigência de um mercado livre, não ocorreu, no
âmbito do governo do Tocantins, uma ruptura no seu modelo patrimonial de administrar.
Continuaram os interesses dos grupos e de alguns indivíduos na luta pelo poder (BIONDI, 2001).
Nessa lógica, as políticas educacionais expressam o embate entre os interesses públicos e os
interesses privados. É evidente que, nesse embate, estão também incluídos os interesses
legítimos da população, evidenciados pelas manifestações, às vezes individuais, mas,
principalmente, pelas entidades organizadas da sociedade civil, como por exemplo, política e
sindical.
Desse embate origina-se a criação e implantação da UFT74, cujo processo político-legal
teve início com a assinatura da Mensagem Presidencial nº 745, de 26 de maio de 2000, que
encaminhava ao Congresso Nacional o texto do Projeto de Lei nº 3.126/2000, por meio do qual
se autorizava o Poder Executivo a instituir a UFT (BRASIL, 2000a; 2000b).
Originariamente, o projeto de criação da UFT contemplava a autorização de uma
universidade unicampi. O relator do processo, Deputado Federal Paulo Mourão, após várias
discussões e reflexões, apresentou um projeto substitutivo, indicando a criação de uma
universidade na forma multicampi. O projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado Federal e
transformado na Lei 10.032, de 23 de outubro de 2000, instituindo a UFT (BRASIL, 2000c).
Em abril de 2001, foi nomeada pelo Ministro da Educação, Paulo Renato, a primeira
Comissão Especial de Implantação da UFT, por meio da Portaria de nº 717, de 18 de abril de
2001. Essa comissão, presidida pelo professor doutor Eurípedes Vieira Falcão, ex-reitor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, teve, dentre outros, o objetivo de elaborar o
assegurados pelo Estado, ou seja, a vontade geral institucionalizada não se efetiva, mas sim a vontade particular. “De posse do
controle do Estado, os agentes da administração pública se apresentariam como provedores de oportunidades de ascensão
política, dispensando prestígio àqueles que agem segundo suas expectativas ou repudiando desafetos” (Ibidem). “É essa
maneira autocrática e autoritária de funcionamento do Estado, característica do governo estamental, que permite que as
políticas públicas, das quais a gestão democrática do ensino público é apenas um exemplo, sejam constantemente alteradas, ao
sabor das conveniências políticas. O governante dita à sociedade a sua vontade pessoal como se estatal fosse, numa versão
adaptada e moderna do coronelismo, elemento que participa da estrutura patrimonial e que transforma o governante no dono do
governo. [...] Esse poder pessoal acaba permitindo a descontinuidade na sustentação de políticas educacionais, mencionada
como fator que dificulta a implantação de mecanismos de gestão democrática. Cada secretário, cada governador ou prefeito tem
seu plano, a sua proposta curricular, a sua lei, julgando, com arrogância típica de quem se pensa dono do cargo que ocupa, que
são os seus instrumentos os que melhor respondem às necessidades da população.” (MENDONÇA, 2001, p. 97)
74
A presente descrição do processo histórico de criação e implantação da UFT foi elaborada a partir das informações contidas em
alguns de seus documentos institucionais: Projeto Pedagógico-Institucional (PPI) (UFT, 2007a) e Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) (UFT, 2007b). Para maior detalhamento do processo histórico de criação e implantação da UFT, ver Souza
e Silva (2006).
178
realização da consulta acadêmica para a escolha do Reitor e do Vice-Reitor da UFT, que ocorreu
no dia 20 de agosto de 2003, quando foi eleito como reitor o professor Alan Kardec Barbiero.
Resultante dos encaminhamentos realizados por essa comissão, em 24 de setembro de 2003 o
professor Alan foi nomeado pelo Vice-Presidente da República, José Alencar, o primeiro reitor
pró-tempore pelo período de aproximadamente um ano, ou seja, até 12 de julho de 2004. Nesse
mesmo ano, por meio da Portaria nº 658, de 17 de março de 2004, o Ministro da Educação, Tarso
Genro, homologou o Estatuto da UFT, aprovado pelo CNE, tornando possível a criação e a
instalação dos Órgãos Colegiados Superiores, como o Conselho Universitário (Consuni) e o
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) (BRASIL, 2004d).
A instalação do Consepe e do Consuni viabilizou a condução do processo de eleição para
Reitor e Vice-Reitor da UFT, em conformidade com as diretrizes estabelecidas pela Lei. 9.192,
de 21 de dezembro de 1995, que regulamenta o processo de escolha de dirigentes das instituições
federais de ensino superior por meio da composição de uma lista tríplice. Na UFT, a lista foi
elaborada pelo Colégio Eleitoral no dia 20 de abril de 2004, em conformidade com a Resolução
nº. 001, de 14 de abril de 2004, do Consuni. Os nomes do professor Alan Kardec Barbiero, para
Reitor, e da professora Flávia Lucila Tonani, para Vice-Reitora, foram indicados, prevalecendo a
lógica do processo eletivo realizado no dia 20 de agosto de 2003 (BRASIL, 1995b; UFT, 2007a).
O resultado da consulta foi encaminhado ao Ministério da Educação e, no dia 13 de julho de
2004, o Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, nomeou o professor Alan Kardec
Barbiero para o cargo de reitor, para o mandato de 13 de julho de 2004 a 13 de julho de 2008 75,
sendo este empossado pelo Ministro da Educação, Tarso Genro, em 03 de agosto de 2004.
Feita a homologação do Estatuto da Fundação Universidade Federal do Tocantins, no ano
de 2004, por meio do Parecer do (CNE/Câmara de Educação Superior – CES) nº 041 e Portaria
Ministerial 658/2004, também foi realizada a convalidação dos cursos de graduação e os atos
legais praticados até aquele momento pela Unitins. Por meio desse processo, a UFT incorporou
25 cursos de graduação e também o curso de Mestrado em Ciências do Ambiente, já ofertado
pela Unitins, bem como absorveu os mais de oito mil alunos, além de materiais diversos, como
equipamentos e estrutura física dos campi já existentes e dos prédios em construção (UFT,
2007a).
No primeiro Plano Estratégico de Desenvolvimento (VIEIRA; FARINA, 2001),
elaborado pela comissão de implantação da UFT, há uma crítica à estrutura multicampi da
Unitins, instalada no Estado do Tocantins em oito cidades. Para essa comissão,
75
O professor Alan Barbiero concorreu, novamente, como candidato único ao cargo de Reitor para o quadriênio 2008 II a 2012 I
e foi reeleito tendo como Vice-Reitor o Professor José Expedito Cavalcante da Silva.
180
se efetivar, tomando como referência os argumentos de Sguissardi (2004) e Chauí (1999), uma
perspectiva de universidade neoprofissional, heterônoma e competitiva ou operacional. Tal
perspectiva de universidade, na visão desses autores, fundamenta-se na lógica da reforma
gerencial do Estado e da administração pública brasileira, implementada em 1990, com
desdobramentos na primeira década do século XXI, reforma que está inserida na lógica das
mudanças que vêm ocorrendo no campo da ciência, da tecnologia e do modo de produção
capitalista.
76
“Eliminação das referências ao socialismo e às lutas antiimperialistas como princípios e objetivos do partido, substituídas pela
tentativa de conciliação dos inconciliáveis interesses de classes; burocratização do partido através da ação de funcionários
contratados que substituíram a militância de base; redução da luta dos trabalhadores à igualdade burguesa, fazendo com que o
objetivo do partido se restringisse à ocupação de cargos no governo através de alianças com setores da burguesia brasileira;
182
aprofundamento, e não apenas continuidade, da agenda neoliberal para o Brasil, [...] no que se refere ao pagamento da dívida
externa e aos acordos com os organismos internacionais do capital.” (NEVES, 2004, p. 27) Entendemos que o processo de
ressignificação da plataforma política do PT vem ocorrendo dentro de um contexto histórico, político, econômico e cultural
amplo e complexo no decorrer das últimas três décadas.
77
Embora tenha sido pensada, no início do governo Lula, a realização de um projeto de reforma universitária em sentido amplo,
na prática, este projeto foi abandonado e substituído por uma reforma nos moldes da ideia de diversificação e diferenciação da
reforma da educação superior realizada nos anos de 1990 por FHC, na qual a universidade não foi tomada como referência para
a reorganização e expansão do sistema de educação superior.
183
78
GTI composto por membros do Ministério da Educação; Casa Civil – a quem coube a coordenação juntamente com a
Secretaria da Presidência da República –; Secretaria Geral da Presidência da República; Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; e Ministério da Fazenda.
79
Em conformidade com o GTI “por meio de aumento na dedicação à sala de aula, de um maior número de alunos por turma e,
sobretudo, graças ao esperado uso de técnicas de ensino a distância, será possível atingir um aumento significativo na relação
alunos/docente para os próximos anos” (BRASIL, 2003, p. 3). Como meta o GTI projetou a seguinte revisão na relação
professor aluno: 2003 (11,9), 2004 (12,5), 2005 (14,5), 2006 (16) e 2007 (18). Conforme o INEP (2008), no ano de 2008 a
relação alunos por função docente no Brasil ficou em 15,8, mas esta relação varia conforme a região geográfica do país: Norte
(16,8), Nordeste (14,9), Sudeste (16,5), Sul (14,6) e Centro-Oeste (15,7) (BRASIL/INEP, 2008).
184
que priorizam atividades de ensino e pesquisa e são, via de regra, de melhor qualidade. A
utilização dos espaços ociosos dos campi das IFES seria muito menos onerosa e cumpriria parte
de um dos compromissos do plano de governo para a educação superior.
A referida reforma tem continuidade com a proposta do Projeto de Lei (PL) 7.200/2006
(BRASIL, 2006a), comprometido com uma reforma universitária em sentido amplo e do Decreto
6.096/2007, que instituiu o REUNI (BRASIL, 2007), voltado para a reestruturação da educação
superior nas IFES. Os referidos projetos e programas vêm sendo desenvolvidos em meio às
contradições no âmbito do governo, ou seja, entre a forte pressão da força política em defesa do
ensino privado e os conflitos da sociedade civil organizada, que oscila entre apoiar o governo e
fazer uma crítica propositiva.
O PL 7.200/2006, que trata da reforma universitária, foi enviado ao Congresso Nacional,
na sua quarta versão, após amplo debate com a sociedade civil e comunidade universitária, e já
conta com 368 emendas parlamentares e sem perspectiva de aprovação, pois foi abandonado
pelo governo federal em favor da realização do projeto de reforma da educação superior de
forma fragmentada e a conta gotas. Pensamos que a não aprovação de uma reforma universitária
mais ampla, como prevê o referido PL, dificulta uma perspectiva democrático-popular de
educação capaz de incluir nos processos educativos formais a camada social economicamente
menos favorecida. Lembramos, ainda, que, ao prever algum tipo de regulação do ensino privado,
o PL 7.200/2006 desagradou profundamente os empresários da educação, que se têm colocado
contra a efetivação de uma reforma universitária em sentido mais amplo.
De fato, quanto à dimensão privatista alguns gargalos permanecem inalterados e, em
grande medida, estreitados, como é o caso das fundações de apoio institucional e da ausência de
gestão democrática com controle social das instituições privadas de educação superior. Por
pressão, em especial dos dirigentes das IFES, por meio da Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Educação Superior (ANDIFES), as fundações foram mantidas no
texto do PL 7.200/2006 (§ 2º do artigo 37)80 e deixou-se brecha legal para o processo de
privatização do espaço público, o que contraria a perspectiva pública e autônoma das IFES. O
problema permaneceu, principalmente em virtude de inexistirem, de forma clara, os dispositivos
de salvaguarda que permitam o controle social dessas organizações privadas. Nesse mesmo
sentido, o PL em pauta não regulamenta o processo de gestão para as IES privadas, que
estabelece, por exemplo, ampla participação dos segmentos da comunidade universitária na
escolha dos dirigentes e nos conselhos deliberativos.
80
Lembramos que a atuação das Fundações de Apoio à Pesquisa nas IFES, a partir de 2010, tem como orientação a Lei nº 12.349
de 15 de dezembro de 2010, que altera as Leis 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, 10.973, de 2
de dezembro de 2004, e revoga o § 1º do artigo 2º da Lei 11.273, de 6 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2010a).
186
O REUNI causou muitas polêmicas e recebeu muitas críticas por tender a realizar a
expansão da educação superior em uma perspectiva produtivista, trazendo como consequências:
o aumento da carga horária dos professores, a focalização das atividades acadêmicas no ensino
em detrimento da pesquisa e da extensão, a secundarização do rigor acadêmico por meio do
pragmatismo pedagógico, em prejuízo de uma formação crítica, entre outros aspectos (LÉDA,
2007; LÉDA; MANCEBO, 2009). De qualquer forma, no âmbito da reforma da educação
superior, o programa vem sendo consolidado, a partir de 2008, com a adesão de todas as IFES,
que viram no plano a oportunidade de ampliar seus recursos orçamentários, visando à
reestruturação e à expansão da educação superior.
No entendimento de Léda e Mancebo (2009), as consequências advindas da implantação
do REUNI são amplas e reforçam a lógica da precarização e intensificação do trabalho docente e
de ensino, pois, com o aumento do número de alunos por turma, os professores tendem a “se
concentrar na tarefa de repassar conhecimentos e os alunos de reproduzi-los nas avaliações, que,
por seu turno, deverão ser flexibilizadas para o alcance das metas de titulação.” (p. 57). As
autoras preveem um crescente aumento da carga horária do professor para além daquela já
187
praticada, acarretando uma crescente pressão na vida desse profissional que extrapola os limites
da universidade e trazem implicações para a sua saúde e sua vida social em geral. As autoras
argumentam ainda que, embora sendo flagrantes as dificuldades advindas da implantação do
REUNI, não se pode desprezar o apelo ideológico que o mesmo revela.
Olhando retrospectivamente, pode-se dizer que são visíveis os efeitos das mudanças,
advindas da reestruturação produtiva e da reforma do Estado na educação brasileira,
particularmente na educação superior. Conforme foi discutido até aqui, é possível dizer que,
desde o início da década de 1990, a educação superior vem sendo fortemente impactada por um
conjunto de reformulações com objetivos expansionistas, calcados numa política de
diversificação e diferenciação81 associada à flexibilidade, competitividade e avaliação. Esse
impacto tem intensificado o processo de privatização da universidade pública brasileira e de
precarização do trabalho docente (BRIGEL, 2005), bem como alterado significativamente o
processo de gestão da educação superior, de modo particular a das IFES.
De forma intensiva e crescente, tem ocorrido a expansão da educação superior por meio
da privatização e do acirramento do processo de mercantilização do trabalho docente nas IES
públicas, por meio, por exemplo, do crescimento da pós-graduação lato sensu paga e da captação
de recursos via elaboração de projetos de pesquisa e de extensão via editais disponíveis no
mercado (SGUISSARDI; SILVA JR, 2009). Essa lógica mercadológica advém da ideia de que a
educação deve ser entendida como setor de serviços não exclusivos do Estado. Como
consequência dessa lógica, tem aumentado o número de matrículas em cursos presenciais nas
IES privadas. Até 1980 o conjunto das matrículas realizadas nas IES públicas e privadas
equiparava-se em 50% (BRASIL, 1999); em 2000 passou-se a 67% para as privadas e 33% para
as públicas; em 2005 a proporção evidenciou o crescimento das privadas (73%) em relação às
públicas (27%); e em 2008 manteve-se a tendência de crescimento numa relação de 75% para
25% em favor das IES privadas (BRASIL, 2006b e BRASIL, 2009a).
81
A diferenciação relaciona-se aos tipos de instituições onde a educação superior foi ofertada com base na organização
universitária determinada pelo Decreto Lei nº 2.306/1997: Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas e
Institutos Superiores ou Escolas Superiores, explicitando, assim, a separação de instituições de pesquisa e instituições de
ensino. Lembramos que a partir da publicação do Decreto Lei nº 5.776/2006 a organização acadêmica da educação superior
passou a ter a seguinte classificação: Universidade, Centros Universitários e Faculdades. A diversificação ocorre via oferta da
educação superior em suas diversas formas flexibilizadas: cursos presenciais, cursos a distância, cursos tecnológicos, cursos
sequenciais, mestrados profissionais, entre outros.
188
82
Conforme a Lei 11.784, de 22/9/2008 (BRASIL, 2008), a Gratificação de Estímulo à Docência (GED), criada em 1998 e
extinta em março de 2008 foi substituída pela Gratificação Temporária do Magistério Superior (GTMS), mas a sua lógica
economicista parece não ter desaparecido. A proposta de Projeto de Lei que dispõe sobre o Plano de carreira e cargo de
magistério superior federal, a criação de encargos de atividades de preceptoria (GAP) e da gratificação de atividade de
coordenação de cursos (GCC) e dá outras providências (BRASIL, 2010b), de alguma forma, retomar tal lógica.
83
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) chama a atenção para o fato de que “a
ampliação da matrícula de alunos tem como objetivo fazer com que a universidade atinja a meta de 18:1, sem ampliar o seu
quadro docente, transformado em banco de professor-equivalente. É dentro desse banco que as universidades federais terão
“autonomia” para contratar. Com a maior entrada de alunos, a tendência é a própria universidade substituir gradualmente
docentes em DE (que valem 1,55) por docentes de 40 horas (que valem 1,0) – até o momento, um regime de caráter
excepcional – ou por docentes de 20 horas (que valem 0,5). Importante lembrar que, como consequência, dois professores DE
podem ser substituídos por 6 de 20 horas, ou 3 de 40 horas. Essa mudança no perfil docente afetará enormemente a capacidade
de desenvolvimento de pesquisa nas universidades federais. Qualquer contratação de docente acima do banco de professores
equivalente, que seja autorizado pelo governo, implicará a entrada de mais alunos para recompor a meta de 18:1.” (ANDES-
SN, 2007, p.2)
189
diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade das publicações,
colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc.” (CHAUÍ, 1999, p. 3)
Implanta-se a intensificação da precarização do trabalho nas universidades públicas,
principalmente nas IFES, centradas na produção quantitativa de artigos, livros, palestras,
conferências, bancas etc., incentivada pelos órgãos de fomento à produção científica, Capes,
CNPq, fundações de apoio à pesquisa, que têm atrelado, em grande medida, o financiamento de
projetos a sua ligação com o processo de reprodução do capital (SGUISSARDI; SILVA JR,
2009). Os editais são divulgados numa lógica instrumentalizadora, com objetivos produtivistas,
que privilegiam as áreas do conhecimento ligadas à ciência e à tecnologia. Sobressaem-se os
pesquisadores ou grupos de pesquisadores denominados empreendedores que vêm atuando na
captação de recursos por meio do oferecimento de cursos de pós-graduação lato sensu pagos e
outros serviços como consultoria e desenvolvimento de produtos diversos. Há, assim, uma
flagrante mudança na natureza das atividades desenvolvidas nas IFES, pois no lugar ou ao lado
da produção de bem público, gratuito e universaliozável, passou a existir um serviço remunerado
“destinado aos que dispõem de recursos financeiros para dele usufruírem. Enfim, o que importa é
a pauta de serviços de ensino e pesquisa da universidade, enquanto a autonomia e formação
universitárias como bens públicos são ignorados.” (SGUISSARDI; SILVA JR., 2009, p. 161)
Uma das estratégias utilizadas para assegurar e incentivar o padrão produtivista nas IFES
tem sido a avaliação de sua produção. Os cursos de graduação e pós-graduação são medidos,
classificados e hierarquizados por meio de diversas formas de avaliação como a da CAPES, a do
SINAES e outras. Com o mesmo objetivo a produção docente tem sido
Na verdade, parece que toda a sociedade foi contaminada pela ideologia gerencialista que
nascera na esfera do privado e se espalhou pelos setores públicos e pelo mundo não comercial. O
indivíduo é mais valorizado pelo seu empreendedorismo, pelo que produz, e menos pelo que faz
para fortalecer a dimensão substantiva do humano. Nessa perspectiva, Gaulejac (2007, p. 28)
assevera que a elevação da insignificância
arrasta cada pessoa em uma busca de sentido e de reconhecimento jamais satisfeita, como
uma competição sem limites, que gera um sentimento de assédio generalizado. A cultura
do alto desempenho se impõe como modelo de eficiência. Ela põe o mundo sob pressão.
O esgotamento profissional, o estresse, o sofrimento no trabalho se banalizam. A
sociedade se torna um vasto mercado, no qual está comprometido em uma luta pra
encontrar um lugar e conservá-lo.
O ambiente universitário das IFES foi profundamente afetado por essa lógica na qual o
individualismo e a competição parecem ter-se naturalizado, a ponto de, em razão do trabalho
enquanto pesquisador, o professor renunciar às demais dimensões de sua vida: família, lazer,
saúde o convívio coletivo em geral. Nesse sentido, existe um conformismo por parte dos
professores no âmbito da universidade pública brasileira, principalmente daqueles já formados
dentro da lógica de produção mercantilista, que não esboçam reação ao processo de
intensificação e precarização do seu trabalho. Para Sguissardi e Silva JR. (2009, p. 185),
opera-se, dessa forma, um processo de irracionalidade, produtor de conformismo e alienação.
“O conformismo ou a alienação parecem poder justificar-se pelo prazer do trabalho. O trabalho
já não é mais trabalho, é pura paixão ou puro prazer, que liberariam de culpa toda a eventual
transgressão das regras da convivência familiar e das relações de trabalho.”
No âmbito das IFES, segundo Sguissardi e Silva Jr. (2009, p. 45), o adoecimento, para
muitos professores, dentre outros mecanismos como a aposentadoria e outras saídas individuais,
torna-se a forma possível de resistência ao processo de intensificação do trabalho. Nessa lógica,
o individualismo impede os professores de “terem um sentimento de pertença ao coletivo
institucional, sua competitividade impede-os de se espelharem no âmbito da alteridade”. Esse
ambiente, certamente influencia a forma de participação na sociedade e na gestão de instituições
sociais, como é o caso da UFT. Como pensar num projeto de educação coletivo? Como praticar
o compartilhamento de poder quando a perspectiva do individualismo e do isolamento é, cada
vez, mais evidente?
Conforme anteriormente discutido, o processo de intensificação e precarização do
trabalho na universidade pública, de modo particular nas IFES, tem provocado o envolvimento
individual e a competição dos professores por recursos extra-orçamentários para
complementação salarial. Essa forma de agir dos professores trouxe como consequência o
enfraquecimento do engajamento político-sindical e o arrefecimento da participação na vida
192
O resultado desta situação é a modificação da forma de gerir as IFES, tornando sua gestão
mais centralizada. Este fato se dá em razão da ausência do professor nos órgãos
colegiados de curso de graduação e pós-graduação, de reuniões de departamentos, de
órgãos colegiados superiores e no sindicato. Há um enfraquecimento dos sindicatos no
âmbito local, e consequentemente no plano nacional, o que explicaria uma gestão
centralizada no Ministério da Educação e o enfraquecimento por reivindicações para
mudanças nas políticas de avaliação e financiamento da própria Capes. Explicaria a
emergência de outro sindicato que pouco discute as concepções de universidade e a
dimensão da cientificidade reflexiva e não-pragmática e o movimento de desqualificação
de um histórico sindicato que sempre se preocupou com a dimensão corporativo-
econômica, mas também com uma concepção de universidade articulada a um projeto de
país. (SGUISSARDI e SILVA JR., 2009, p. 222)
São poucos, nesse sentido, os que têm tempo para participar do processo de gestão e da
discussão das políticas institucionais em virtude de terem que se dedicar incansavelmente a sua
produção intelectual mercantilizada, agregadora de valor comercial ao Currículo Lattes. Para
Sguissardi e Silva Jr. (2009, p. 214) o que se está vivendo na universidade pública brasileira,
principalmente nas IFES, “é um processo que busca identificar o tempo da economia ao tempo
da universidade. A reflexão, o debate e a maturação da compreensão da realidade tendem a ser
abolidos da instituição universitária.” Este é um tempo não propício à efetiva participação no
processo de gestão institucional. É, igualmente, um tempo em que a esfera pública e o bem
comum são fortemente invadidos pela esfera privada mercantil e os interesses particulares dentro
de uma nova sociabilidade competitiva, mas é, também, o tempo em que as contradições do
sistema capitalista se intensificam e afloram sinais de resistência, acadêmica, sindical,
trabalhista, entre outras, que, embora frágeis, precisam ser levados em consideração, ao menos
como “luz no fim do túnel”, porque trazem, na perspectiva gramsciana de Estado ampliado,
possibilidades de revigoramento da dimensão política no processo de produção e reprodução da
vida social.
sem perder de vista os determinantes externos, a gestão das IFES em geral, a participação no
processo de gestão da UFT na percepção dos sujeitos da comunidade universitária e,
particularmente, entender como se organizam e compõem os espaços deliberativos e como
ocorre a participação dos segmentos docente, discente e técnico-administrativos nesses espaços e
além deles. Nesse sentido, inicialmente tornou-se importante explicitarmos as características
básicas da estrutura administrativa da universidade pública brasileira para identificarmos os
espaços de participação nas IFES, principalmente na UFT, e suas formas de composição.
A estrutura organizacional da instituição universitária pública, especialmente das IFES,
conforme Trigueiro (1999), compreende três características que se interligam, sendo a
formalização, a centralização e a complexidade. Acrescente-se a esses o aspecto infra-estrutural,
que abrange os recursos humanos, materiais, físicos e financeiros.
A formalização, que se encontra em constante tensão com os acontecimentos reais,
refere-se às normas, regulamentos e regras que orientam o caminhar da instituição universitária
pública, neste caso das IFES, em suas diversas dimensões: administrativa, pedagógica,
econômica, política e cultural. Mas, na realidade, nem sempre acontece na instituição exatamente
o que o sistema formal estabelece, pois a realidade é dinâmica e contraditória. Assim, na
universidade, o docente “reivindica para si um alto grau de autonomia, o qual muitas vezes
colide com regras bem estabelecidas pela instituição.” (TRIGUEIRO, 1999, p. 32) Bem mais
condicionado ao sistema normativo, os técnico-administrativos, sentindo-se, muitas vezes,
injustiçados, lutam para ser contemplados, pelo menos, naquilo que determinam as regras
formais e, ao mesmo tempo, “questionam o cumprimento dos horários regulamentários, uma vez
que, como dizem, muitos outros funcionários, os docentes não seguem as mesmas regras
(TRIGUEIRO, 1999, p. 32).
Essa tensão leva ao segundo aspecto da estrutura administrativa da universidade: a
centralização, que diz respeito ao modo como o poder está internamente localizado, se mais
centralizado ou mais descentralizado. Para Trigueiro (1999, p. 33), nas universidades públicas a
distribuição do poder é, em grande medida, ambígua, pois certas atividades são muito
centralizadas na administração superior, enquanto outras bastante descentralizadas, “levando,
essas disparidades, a conflitos de orientação em processos decisórios, bem como a problemas na
comunicação interna”. O autor lembra, ainda, que em alguns casos a diluição do poder e o
excesso de burocracia deixam os processos decisórios muito lentos, dispersos, caros ou pouco
eficientes, mas não deixa de reconhecer que a participação é um mecanismo importante na
dinamização da universidade por dificultar, entre outros, o uso inadequado da instituição por
aqueles que estão temporariamente no poder.
194
84
Trata-se do Plano Atcon e do Relatório da Comissão Meira Mattos, documentos adotados pelo governo no período pós-1964.
O primeiro refere-se “ao estudo realizado pelo consultor americano Rudolph Atcon, entre junho e setembro de 1965, a convite
da Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura, preconizando a implantação de nova estrutura
administrativa universitária baseada no modelo empresarial, cujos princípios básicos deveriam ser o rendimento e a eficiência”
(FÁVERO, 1991, p. 8). O segundo trata do “estudo da Comissão Meira Mattos, criada pelo governo com o objetivo de emitir
pareceres sobre as reivindicações, teses e sugestões relacionadas com as atividades estudantis e propor medidas em relação às
instituições de ensino.” (Idem, Ibidem)
195
encontra-se uma concepção de educação universitária de natureza modeladora cujo objetivo seria
o desenvolvimento socioeconômico, capaz de promover, por meio da formação de lideranças, a
integração da população ao modelo social vigente naquele período.
Depreendemos do exposto que, em boa medida, essa estrutura tenha sido a implantada
nas IFES brasileiras; a burocracia não conseguiu ainda submeter totalmente os docentes à
regulação de cunho estritamente técnico-administrativo. Isso ainda não aconteceu, dentre outros
motivos, porque, de alguma forma, a burocracia tem sido contestada, principalmente pelos
professores das IFES, o que impede, por enquanto, a total consumação da lógica empresarial na
instituição universitária. Não sabemos, no entanto, quanto tempo tal contestação ainda durará,
visto que o setor econômico-mercantil do Estado tem sido fortalecido. A esse respeito,
exemplifica tal perspectiva, a realização da avaliação da pós-graduação na lógica
estratégico-empresarial, que submete o trabalho docente e a produção científica à lógica de
produção econômico-mercantil.
Mesmo assim, como foi dito anteriormente, esse modelo influenciou o legislador no que
se refere à Lei nº 5.540/1968, lei essa que, embora já revogada, por sua vez, orientou e orienta
significativamente a estruturação administrativa da universidade pública brasileira, a exemplo
das IFES. Nesse sentido, segundo Lopes e Bernardes (2005), quatro modelos de estruturação
administrativa das universidades brasileiras quanto às atividades fins podem ser visualizados: 1)
associação de departamentos a alguns centros; 2) junção de departamentos em um número maior
de institutos; 3) vinculação direta de departamentos à gestão superior; e 4) superposição de
centros aos institutos. A menor unidade administrativa nesses modelos são os departamentos
que, estruturados em colegiados departamentais, demandam e articulam um conjunto de
disciplinas comuns.
Com a aprovação da Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), revogou-se a Lei nº 5.540/1968
(artigo 92) e deu-se liberdade às universidades para organizarem, dentre outros, seus cursos e
programas (artigo 53). Com essa nova orientação surgiram quatro novos modelos referentes às
atividades-fim, derivados dos quatro modelos já mencionados: 5) agregação de cursos em
poucos centros ou áreas; 6) junção de cursos em número maior de faculdades; 7) vinculação de
cursos diretamente à administração de determinado campus; e 8) ligações de cursos diretamente
à administração superior (LOPES; BERNARDES, 2005). A nova modelação tem como menor
unidade administrativa o curso e não o departamento. Nessa estrutura, as disciplinas estão
vinculadas diretamente ao curso. O quadro seguinte representa os oito modelos organizacionais
expostos anteriormente.
197
Instituto ou Instituto ou
Centro Centro
Faculdade Faculdade
MODELO 3 MODELO 4
Administração
superior
Administração superior
Instituto ou Instituto ou
Departamento Departamento Faculdade Faculdade
Departamento Departamento
MODELO 7 MODELO 8
Administração
superior Administração superior
Campus Campus
Curso Curso
Curso Curso
FONTE: Quadro adaptado dos modelos de estruturas administrativas propostos por Lopes e Bernardes (2005)
universitárias eficientes e eficazes, o foco tem-se centrado mais na função ensino, principalmente
no que se refere às IES privadas.
Sem pretensão de fazer comparações entre as IFES organizadas neste ou naquele modelo,
pois tais modelos não encontram correspondência pura com a realidade empírica nem
acompanham as mudanças dos processos educacionais, buscamos, nos anos 2009 e 2010, por
meio do estudo de seus respectivos estatutos e regimentos, explicitar a estruturação
administrativa e a composição dos espaços de participação formal de cinco universidades
federais, quais sejam: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade
Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal de
Goiás (UFG) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), uma por região geográfica do
país85. As estruturas administrativas da UFRGS e UFAM se aproximam mais do modelo 2, já as
estruturas administrativas da UFF, UFC e UFG tendem a aproximar-se do modelo 4. A UFT, que
fora criada sob a orientação da Lei nº 9.394/1996, tem sua estruturação administrativa análoga ao
modelo 7.
Esclarecemos que a referência a essas cinco IFES tem somente o objetivo de ilustrar o
estudo no sentido de buscar identificar possíveis diferenças e semelhanças entre a UFT e tais
IFES. Entendemos que tal ilustração contribui para melhor compreender a forma organizacional
e a composição dos espaços participativos, bem como forma de escolha dos dirigentes
institucionais da UFT, base empírica do presente estudo.
Pretendemos com essa abordagem ilustrativa explicitar como se dá a distribuição
percentual de participantes no Conselho Superior e Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão das
instituições universitárias citadas, bem como demonstrar como vem se efetivando o processo de
participação nessas IFES no que se refere à escolha dos dirigentes universitários, como reitor,
vice-reitor, diretores de campi, de centro, de unidades, coordenadores de cursos e de
departamentos. Com isso, pretendemos esclarecer se a organização e composição dos espaços
deliberativos e a forma de escolha dos dirigentes pela comunidade universitária da UFT, de
modo especial pelos representantes dos segmentos docentes, discentes e técnico-administrativos,
é ou não diferente em relação às cinco instituições estudadas. Também buscaremos
problematizar, tomando como referência o posicionamento das entidades representativas, por
meio do Andes-SN, da UNE e da Fasubra, se o processo de democratização da gestão dessas
instituições pode ainda ser aprofundado na perspectiva gramsciana de democracia efetivamente
85
As referidas IFES foram, em princípio, selecionadas aleatoriamente tendo como principal critério a região geográfica. No
decorrer da pesquisa trabalhou-se com as IFES que disponibilizam em seus sítios os Estatutos, Regimentos e composição dos
Conselhos Superiores.
199
que participam do Consuni em relação aos demais grupos é superior aos referentes às cinco IFES
pesquisadas (70%)86. Acrescente-se a isto o fato de inexistirem representantes de outros espaços
da universidade e de segmentos da comunidade externa como ocorre nas outras IFES incluídas
como ilustração no estudo.
Esta constatação pode sugerir que a participação nesse espaço deliberativo, o Consuni, é
atípica na UFT e poderá ser mais bem distribuída nos campi e segmentos, tendo em vista a alta
centralização de poder no grupo de dirigentes institucionais. Quanto à representação da
comunidade externa nos conselhos das IFES, temos consciência de que tal propositura é
complexa, pois pode envolver interesses econômicos e políticos que extrapolem os interesses
acadêmico-científicos e educacionais e comprometer a autonomia universitária. De qualquer
forma, ressalvados os legítimos interesses institucionais, faz-se necessário que a universidade
aprofunde o diálogo com as instituições sociais, cujas finalidades sejam convergentes no sentido
de fortalecer a universidade e a própria sociedade. Nesse sentido, ter no Consuni representantes
de instituições educacionais, culturais, sociais e sindicais, entre outras não parece representar
risco à instituição universitária, podendo, pelo contrário, fortalecê-la.
Referindo-se à composição do Consepe, há uma variedade do quantitativo de
participantes, conforme explicita a tabela 2. Mesmo com essa peculiaridade é possível extrair a
informação geral de que o percentual de dirigentes institucionais, considerando a somatória dos
itens 1 e 2, varia entre 4% e 79% dos participantes nas cinco IFES pesquisadas e de que na UFF,
UFC e UFAM, a comunidade externa participa do Consepe.
Merece destaque, no que tange à composição do Consepe, a existência de representantes
de centros, campi, unidades, departamentos, cursos e câmaras em três das cinco IFES
pesquisadas, sendo elas a UFRGS (51%), UFC (34%) e UFG (48%). Este aspecto indica que
existem outras possibilidades de composição do Conselho diferentes daquela envolvendo
gestores e representantes da comunidade universitária na UFT. Essa pode ser uma forma de
composição que, se realizada com critérios claros, pode melhorar a distribuição do poder no
Consepe.
Em relação à totalidade dos membros do conselho em pauta, na UFRGS e UFG a
distribuição percentual dos representantes docentes, discentes e técnico-administrativos é
igualitária, correspondendo respectivamente a 15% e 12%; nas outras três IFES, quanto aos
referidos segmentos, há uma variedade dos dados: na UFF, onde não participa o TAE, o
percentual de representação dos segmentos docentes e discentes totaliza respectivamente 37% e
13%; na UFC, docentes e TAE não possuem representação e o segmento discente é representado
86
No caso da UFT, os dados que compõem as tabelas 1 e 2 referem-se ao ano de 2009 e foram fornecidos pela Secretaria dos
Órgãos Colegiados e confirmados pelo pesquisador durante o período de observação das reuniões do Consuni e do Consepe.
201
por 16% dos membros do Conselho; já na UFAM, onde não há representação específica do
segmento docente, discentes e TAE ocupam 10% e 7% de participação no Consepe. Infere-se
desses dados que a composição desse conselho não segue um padrão rígido, estritamente em
observância à orientação legal 70% + 30%, principalmente no que se refere à distribuição do
número de docentes, discentes e TAE. Isto parece reforçar legitimidade da defesa daqueles que
entendem ser possível ampliar o processo de participação dos segmentos discente e técnico-
administrativos.
87
A forma de participação da comunidade universitária nas eleições dos dirigentes nas referidas universidades – conforme a
documentação estudada – é realizada de acordo com a legislação vigente. Na prática, a exemplo do que ocorreu na UFRGS em
2008, tem havido esforços no sentido de ampliar o processo de participação dos estudantes e TAE, portanto, tendo em vista a
democratização do processo de gestão da instituição universitária. Ressaltamos que, para além do que preceitua a legislação e
os documentos institucionais como estatuto e regimentos, a realidade é dinâmica e, no caso da escolha dos dirigentes
institucionais, implementa processos de votações diversos que incluem consultas à comunidade universitária com diferentes
distribuições percentuais de votantes.
203
Nas IFES pesquisadas, como também na UFT, o processo de escolha de Reitor, Vice-
Reitor e Diretores ocorre na forma da Lei nº 9.192/1995 e do Decreto 1.916/1996, já
apresentadas no terceiro capítulo. Em conformidade com a norma, nos Estatutos e Regimentos
das IFES relacionadas no quadro 4, o Conselho Universitário, feita a consulta à comunidade
universitária, elabora, por meio de eleição, uma lista tríplice contendo nomes ao cargo de Reitor
e Vice-Reitor para a nomeação pelo Presidente da República. Os segmentos docente, discente e
técnico-administrativo participam efetivamente da consulta na proporção percentual de 70% e
30% respectivamente.
O mesmo procedimento ocorre na escolha de diretores e de coordenadores de centros,
institutos, unidades acadêmicas e Campi, quando o colegiado local realiza a consulta junto à
comunidade universitária, prepara a lista tríplice na forma da lei e a envia às autoridades
competentes para nomeação.
204
88
Estamos cientes de que as IFES possuem organizações específicas dos docentes, discentes e TAE, caso do Sindicato Nacional
dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE), mas optamos por estudar as entidades
Andes-SN, UNE e Fasubra em virtude de conterem historicamente em suas propostas a luta pelo processo de democratização e
de participação na universidade, inclusive nas IFES. Essas entidades além de manterem, desde sua criação, a preocupação com
a ampliação da participação democrática na universidade brasileira, preservam na atualidade, em sentido amplo, tal princípio, o
qual, também orienta as entidades específicas nos diversos níveis e redes de ensino. Ressaltamos, nesse sentido, que
consultando os documentos institucionais como o Estatuto e as catorze páginas de notícias disponibilizadas no sítio do Fórum
dos Professores das IFES (PROIFES), não foram encontradas menções à democratização das IFES no que tange à organização
e composição dos conselhos universitários, ao processo de eleição dos dirigentes institucionais, nem à participação dos
segmentos da comunidade universitária nos processos de tomadas de decisão (PROIFES, 2008).
205
p. 5) fizeram parte das discussões e deliberações da entidade. Nesse sentido, ao fazer propostas
para reformular a administração das universidades públicas, o Andes-SN defende que
A Universidade deve ser gerida pela própria Comunidade Universitária, através de órgãos
colegiados democráticos em todos os aspectos: constituição, eleição, funcionamento, etc.
Jamais podem ser aceitas ingerências externas, como por exemplo, Conselhos nomeados,
geralmente constituídos de pessoas alheias à vida acadêmica como são os Conselhos de
curadores das Fundações, superiores aos órgãos colegiados da Universidade; Eleição
direta, pela comunidade universitária, de todos os dirigentes universitários; Autonomia
departamental: poder decisório, autonomia acadêmica e administrativa. (ANDES-SN,
1982, p. 21)
Eleição direta (ou consulta quando não for possível) dos cargos de direção com
participação de todos os setores da comunidade universitária envolvidos; Representação
paritária ou proporcional de docentes, estudantes e funcionários nos órgãos de gestão das
IES; Autonomia departamental no processo decisório. (ANDES-SN, 1982, p. 32)
A partir de então, a defesa da paridade tem sido tema constante das lutas do Andes-SN,
inclusive fazendo parte da proposta de universidade defendida pela entidade. Em tal proposta,
está explicito que, em virtude dos
lutar pela reformulação de estatutos e regimentos das IES, por meio de processos
democráticos, definidos no âmbito de cada instituição, e que nela se esgotem, tomando
como referência o projeto do ANDES-SN que dispõe sobre a gestão democrática nas IES,
indicando a paridade como princípio mínimo de representação e de escolha de dirigentes.
(ANDES-SN, 2010a, p. 37)
eleição direta para reitor nas universidades com eleição paritária! Pelo fim da lista
tríplice!; Paridade em todos os órgãos colegiados com 1/3 para cada representação:
discente, docentes e técnico-administrativos; Livre organização estudantil e sindical com
garantia de espaço para o funcionamento das entidades de participação; Definir que as
mantenedoras não poderão exceder 20% da representação total dos colegiados,
independente do cargo ou atividade que exerçam na instituição; Criação de câmaras
comunitárias nas universidades que permita a participação da sociedade nas decisões das
instituições. (UNE, 2008, p. 4)
A bandeira de luta da UNE pela democratização interna das universidades está reiterada
no projeto denominado UNE pelo Brasil, elaborado a partir do 58º CONEG/2010 (58º Conselho
Nacional de Entidades Gerais da União Nacional dos Estudantes). No referido documento, a
UNE defende para a gestão das universidades públicas brasileiras “eleições paritárias,
composição paritária das instâncias de decisão e congressos estatuintes paritários.” (UNE, 2010,
p. 2) No que diz respeito à gestão das IES privadas, continua a defesa de “democracia e garantia
de participação estudantil, com órgãos colegiados paritários e liberdade para organização dos
estudantes.” (UNE, 2010, p. 3)
O processo de democratização da gestão das IFES tem sido também uma das
preocupações históricas da Fasubra. A esse respeito, no documento denominado Projeto
universidade cidadã para os trabalhadores, um dos princípios defendidos pela entidade é o da
“gestão democrática e colegiada.” (FASUBRA, 2005, p. 7) Nessa direção, a proposta de gestão
das IFES prevê que a estrutura acadêmico-administrativa favoreça a participação da comunidade
em órgãos colegiados e de direção, com a finalidade de decidir no que se refere às atividades de
ensino, pesquisa, extensão e gestão. Prevê a participação, nos órgãos colegiados, de
trabalhadores em educação, estudantes e comunidade externa, observada a “composição paritária
dos trabalhadores em educação nos Órgãos Colegiados Superiores, nos Centros, nos
Departamentos e nas demais Unidades” (FASUBRA, 2010, p. 10) universitárias.
Acrescente-se a isso a defesa da participação na escolha dos dirigentes universitários,
como Reitor, Vice-Reitor e demais cargos de direção dos campi, centros e unidades
universitárias “através de eleições diretas e democráticas,” (Ibidem), garantindo “a participação
no processo, no mínimo paritária, de trabalhadores em educação e dos estudantes.” (Ibidem)
Em conformidade com o relatório da plenária nacional da Fasubra, realizado nos dias 23
e 24 de janeiro de 2010 em Porto Alegre-RS, a temática referente à democracia e autonomia nas
universidades permanece orientada pelo projeto de universidade da entidade anteriormente
mencionado, que tem atualmente como objetivos:
Uma das importantes formas de participação que envolve tomada efetiva de decisão é a
escolha dos dirigentes da Universidade - Reitores e diretores de unidades universitárias -
assegurado no artigo 40 do supracitado PL, processo que se concretiza por meio da “escolha em
lista tríplice eleita diretamente pela comunidade acadêmica, na forma do estatuto.”
Chamamos a atenção, também, para a possibilidade de participação externa da sociedade
civil, por meio do Conselho Social de Desenvolvimento (artigo 26), nas atividades da
universidade, conselho que, embora tendo caráter consultivo, poderá contribuir para um maior
controle social. Esse Conselho, composto por representantes majoritariamente da sociedade civil
externa e presidido pelo reitor, tem “a finalidade de assegurar a participação da sociedade em
assuntos relativos ao desenvolvimento institucional da universidade e às suas atividades de
ensino, pesquisa e extensão”, desenvolvendo, dentre outras, as seguintes atribuições:
I - dar amplo conhecimento público das atividades acadêmicas da universidade, com vista
à avaliação social de sua efetividade enquanto instituição; II - acompanhar a execução do
plano de desenvolvimento institucional; e III - indicar demandas da sociedade para a
fixação das diretrizes e da política geral da universidade, bem como opinar sobre todos os
assuntos que lhe forem submetidos. (BRASIL, 2006a)
Ressalta-se que tal perspectiva de gestão sofre crítica e resistência fora e dentro da
universidade, o que certamente dificulta sua aprovação e sua implementação. Dentre as críticas,
destacamos aquela na qual se argumenta que a gestão democrática e colegiada, “submete as
universidades, literalmente, ao controle de corporações e segmentos internos e externos às
instituições de educação superior.” (FILHO, 2005, p. 1) A esse respeito, quanto à escolha de
dirigentes institucionais - embora na versão do PL em análise não esteja assim expresso - o autor
entende que “fica aberta a possibilidade de adoção do chamado “voto paritário” (peso de um
terço para cada segmento da comunidade universitária), antiga bandeira de sindicatos de
professores, técnico-administrativos e de entidades estudantis.” (Idem, p. 3)
210
89
“A ideia ou princípio da paridade ganhou visibilidade durante o processo de democratização da Universidade, e diz respeito a
um modelo de organização política que deveria pautar as relações entre os três segmentos que compõem a chamada
"comunidade universitária": professores, alunos e funcionários técnico-administrativos. De acordo com este modelo, as
eleições para os cargos de administração acadêmica (Reitor, Diretor de Instituto ou Faculdade e Chefe de Departamento),
assim como a composição dos Órgãos colegiados com função deliberativa sobre a política universitária (Conselho
Universitário, Conselhos e Colegiados Departamentais), deveriam ser definidas paritariamente. Isto é, nas eleições para os
cargos executivos os votos deveriam ser computados por segmento, onde cada segmento contribuiria com um terço destes
votos, e a mesma proporção seria adotada na distribuição dos assentos nos Órgãos colegiados, que também seriam divididos
irmãmente entre os segmentos, configurando-se assim o que se convencionou chamar de estrutura de representação
paritária.” (OLIVEIRA, 1992, p. 5)
211
(UFT, 2008b)
213
A UFT, com seus sete campi, abrange todo o Estado do Tocantins. É a mais importante
instituição pública de educação superior do estado em dimensão e atendimento acadêmico e tem
como objetivo, conforme os documentos institucionais, oferecer uma formação que articule o
ensino, a pesquisa e a extensão.
Na consecução do processo formativo a Instituição contava, em 2009, momento da
pesquisa de campo, com 571 professores efetivos e 65 professores substitutos, perfazendo um
total de 636 docentes. Do total de professores efetivos, 41% eram doutores, 54% mestres e 5%
especialistas. O quadro de servidores técnico-administrativos totalizavam 504 profissionais,
sendo 346 de nível médio e 158 de nível superior (UFT, 2009e).
Ressaltamos que, no ano de 2009, no supramencionado quantitativo de servidores
anteriormente mencionado ainda não estavam incluídos os 413 trabalhadores terceirizados que
prestavam serviços nos diversos setores da UFT. Acrescente-se a isso a existência de 357
estagiários que também desenvolviam atividades profissionais nos supracitados setores da UFT
(UFT, 2009d).
No que se refere ao quadro de servidores técnico-administrativos, fica evidente o
processo de terceirização e precarização do trabalho na UFT. Essa realidade, que está de acordo
com o processo de reforma do Estado e da educação iniciado nos anos de 1990 e se estendeu à
primeira década do século XXI, afeta o processo de participação efetiva, uma vez que os
trabalhadores terceirizados, devido à precariedade do contrato de trabalho, participam
basicamente da execução das atividades institucionais e não do processo de tomada de decisões.
Lembramos que a existência da categoria de trabalhadores terceirizados no âmbito institucional
enfraquece o movimento sindical no interior das IFES, principalmente na ocasião das greves,
quando essa categoria de trabalhadores supre parte significativa do trabalho dos profissionais de
carreira e amortece o impacto das paralisações dos serviços prestados pela universidade.
A UFT, em termos numéricos, apresenta-se em expansão, estando esta relacionada à
implantação do REUNI. No âmbito desse programa, a universidade teve seu projeto aprovado
com o acréscimo de mais 14 cursos e o propósito de “criar 1.000 vagas anuais em cursos
presenciais90 de graduação. Isto quer dizer um aumento no número de matrículas projetadas de
9.477 (2007) para 15.124 (2012), ou seja, um incremento de 5.647 novas matrículas.” (UFT,
2007c, p. 9) O gráfico seguinte esclarece o crescimento quantitativo dos cursos de graduação da
UFT com acentuada elevação em 2009.
90
A UFT ofereceu em 2007 um total de 275 vagas no curso de Biologia a Distância nos polos formativos de Ananás, Arraias,
Araguaína, Gurupi, Nova Olinda, Porto Nacional e Wanderlândia (UFT, 2008b).
214
(UFT, 2009e)
extensão (PROEX) diz ter buscado, ao longo desses cinco anos, “identificar demandas e
estabelecer um calendário mínimo de ações conjuntas, na área de esporte, lazer, arte, cultura e
assistência estudantil.” (UFT, 2009f, p. 60) Do conjunto de ações realizadas na área da extensão,
conforme o referido relatório de gestão, existem vários programas e projetos financiados com
recursos advindos de editais lançados pelo governo federal e outras ações ligadas à prestação de
serviços assistenciais, eventos e cursos de curta duração.
Conforme os documentos institucionais, as atividades de extensão têm crescido na UFT
e, neste sentido, a PROEX afirma que, para “garantir a construção de uma política para o setor,
foi criado o Manual para a Institucionalização de atividades de extensão.” (UFT, 2009f). A
referida institucionalização será efetivada por meio de um detalhamento técnico, cujo objetivo é
o de registrar e controlar as atividades de extensão em desenvolvimento na UFT (UFT, 2007).
Quanto à estrutura física geral da UFT, os dados oficiais explicitam uma forte projeção de
crescimento de área construída em metros quadrados, passando de 41.069,60 m2, em 2003, para
87.738,44 m2, em 2009 (UFT, 2008b; UFT, 2009e). A expansão da área construída traz,
certamente, impactos positivos para os espaços administrativos e pedagógicos da UFT.
O gráfico 2 demonstra que, a exemplo da ampliação dos espaços físicos nos diversos
campi, a estrutura física e o acervo bibliográfico das bibliotecas da UFT também vêm-se
expandindo com o objetivo de atender a comunidade acadêmica. Destacamos, entretanto, o fato
de o número de periódicos ter diminuído no ano de 2008, muito provavelmente pelo incentivo do
uso do portal de periódicos da Capes.
ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR
CONSUNI CONSEPE
REITORIA
Procuradoria Jurídica
Vice-Reitoria
UNIDADES ADMNISTRATIVAS
ADMINISTRAÇÃO- C. EXECUTIVA
CONSELHO COLEGIADOS DE
DIRETOR CUSOS
92
Embora conste no Estatuto da UFT, o Conselho de Desenvolvimento ainda não foi constituído.
220
93
Para maiores detalhes sobre o funcionamento dos órgãos colegiados máximos de deliberação político-pedagógica e político-
administrativa da UFT, conferir os seus Regimentos Internos (UFT, 2004a e UFT, 2004b).
221
(2003a), o Consepe compõe-se de: “I - Reitor, que será seu presidente; II ´- Vice-Reitor e Pró-
Reitores; III - Todos os coordenadores de curso de Graduação e pós-graduação stricto sensu; IV
- 1/5 (um quinto) de representação do corpo discente referente aos demais membros do
Conselho; V - um representante do corpo docente; e VI - um representante do corpo técnico-
administrativo”. Conforme informações da Secretaria dos Conselhos Superiores da UFT, no ano
de 2009 (UFT, 2009h), período em que realizamos observações junto aos órgãos colegiados, o
Consepe era composto por 58 membros: oito membros da Reitoria – o Reitor, o Vice-Reitor e
seis Pró-Reitores; 45 coordenadores de Cursos de graduação e de pós-graduação; cinco
representantes dos segmentos da comunidade universitária, sendo três representantes dos
estudantes, um representante dos docentes e um representante dos técnico-administrativos. A
figura que segue ajuda a compreender como está dividido o poder no Consepe.
A partir dos dados apresentados, fica demonstrado que o número dos dirigentes da
instituição é preponderante em relação aos segmentos docente, discente e técnico-administrativo,
tendo em vista que a somatória dos dirigentes que compõem a gestão superior (14%) mais os
coordenadores de cursos (77%) chega a 91% dos membros do Consepe. Aproximando-se a
composição desse conselho com os conselhos das IFES abordadas na seção anterior (UFRGS,
UFF, UFC, UFG e UFAM), é possível dizer que, na UFT, a proporção da participação dos
representantes da comunidade universitária em relação aos dirigentes da instituição é bem menor
distanciando-se ainda mais da participação paritária, defendida pelas entidades representativas
dos diferentes segmentos, como o Andes-SN, a UNE e a Fasubra.94 É possível inferir que, em
94
Conforme os documentos analisados, participação paritária refere-se, para essas entidades, à participação dos representantes na
proporção de 1/3+1/3+1/3 no processo de tomada de decisão. Quanto ao processo de eleição dos dirigentes universitários, há
consenso entre docentes, discentes e TAE, mas no que se refere à composição dos conselhos, os docentes já resistem à
participação paritária.
222
parte, essa relação decorre da forma como, administrativamente, a UFT está estruturada, ou seja,
os cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu têm relação direta com a administração
superior, por meio dos seus coordenadores, que têm assento garantido no Consepe. Essa forma
de gestão acaba por contribuir para acentuar a desigualdade no processo de participação, embora
apenas essa forma estrutural, por si só, não explique o aprofundamento dessa desigualdade. Para
ficar somente com a ilustração das IFES mencionadas, podemos deduzir que é possível organizar
a composição do Consepe de outras formas, como por exemplo, por campus ou por área do
conhecimento. Dessa forma, a representação dos docentes, discentes e TAE poderia ser ampliada
no sentido de proporcionar maior participação da comunidade universitária nas tomadas de
decisão em relação ao que compete a esse conselho no âmbito da UFT.
O Conselho Universitário, de acordo com o artigo 12 do Estatuto da universidade (UFT,
2003a), é o órgão deliberativo máximo da instituição, destinado a traçar a política universitária e
a funcionar como instância de deliberação superior de recurso. Em conformidade com
informações da Secretaria dos Conselhos Superiores, no ano de 2009 (UFT, 2009i), esse
conselho era constituído de 21 membros: o Reitor como seu presidente; o Vice-Reitor; seis Pró-
Reitores; sete Diretores de Campi; dois representantes do segmento docente; dois representantes
do segmento discente e dois representantes do segmento técnico-administrativo.
docentes (10%), discentes (10%) e TAE (10%) em relação ao conjunto dos demais conselheiros,
a UFT segue a mesma lógica do que ocorre na UFG que, também faz a distribuição igualitária
entre os representantes da comunidade universitária. Nas outras IFES estudadas - UFRGS, UFF,
UFC e UFAM - não percebemos essa equiparação entre os representantes dos docentes, dos
discentes e dos TAE. Nessas instituições aparece em primeiro lugar a representação docente,
seguida das representações discentes e dos TAE, em segundo e terceiro lugares.
Diante do exposto, retomamos a bandeira de luta do Andes-SN - participação “no mínimo
paritária” – e da “participação paritária” defendida pela UNE e Fasubra no que diz respeito à
composição dos conselhos. Em relação à participação defendida por essas entidades, uma,
sindical e a outra, estudantil, entendemos que há muito que se avançar quanto ao princípio da
gestão democrática na composição do Consuni da UFT, tendo em vista que 70% dos assentos
nesse conselho são ocupados por dirigentes institucionais. Relembrando, o Andes-SN, em
determinado momento de sua história, abandonou a ideia da participação paritária, mas a
reincorporou a sua bandeira de luta após a promulgação das leis 9.192/1995 e 9.394/1996. A
retomada desta discussão ocorreu, conforme o Andes-SN, por entender que tal legislação causou
“efeitos nefastos” na composição dos colegiados deliberativos, que, embora tenham passado a
ser compostos por 70% de professores, estavam de fato sendo “formados majoritariamente por
dirigentes e não por representantes da categoria” (ANDES-SN, 2003a, p. 55). Isso fez com que a
entidade retomasse a discussão a respeito da participação paritária no âmbito dos “colegiados das
IES.” (ANDES-SN, 2003a, p. 55)
Ressaltamos que, no âmbito dos Campi da UFT, a composição dos Conselhos Diretores e
Colegiados de Cursos é semelhante à que ocorre nos órgãos da administração superior no que diz
respeito à relação de participação entre os dirigentes institucionais e os representantes da
comunidade universitária: docentes, discentes e TAE (UFT, 2003a e 2003b). Não podemos
perder de vista, entretanto, que a composição dos órgãos colegiados nos moldes anteriormente
mencionados, embora seja essa uma especificidade da UFT, em alguns aspectos, abrange o
conjunto das IFES brasileiras. Tal composição ocorre em conformidade com o preceituado no
artigo 56 da Lei 9.394/1996, ou seja, deve obedecer ao princípio da gestão democrática,
assegurar a existência de órgãos colegiados deliberativos, dos quais participarão os segmentos da
comunidade universitária, local e regional. Tendo como referência o parágrafo único do artigo
supramencionado, a determinação legal, quanto à participação na universidade é imperativa,
pois, em qualquer tipo de deliberação “os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em
cada órgão colegiado e comissão”, inclusive na escolha de dirigentes.
224
obtido êxito na consulta eleitoral prévia. A nomeação do candidato mais votado, no caso da
UFT, tem sido pactuada e respeitada pelo Consuni.
Segue uma lógica parecida à escolha de Diretor de Campus o processo de escolha do
Reitor e Vice-Reitor da UFT. O artigo 18 do Estatuto da UFT (2003a) preceitua que “o Reitor e
o Vice-Reitor serão eleitos pela comunidade universitária e nomeados pelo presidente da
república, com mandato de quatro anos.” A escolha de Reitor e Vice-Reitor da UFT para o
mandato de 2008 a 2012 foi realizada pelos membros efetivos do Consuni por meio de votação,
em sessão realizada no dia 12 de maio de 2008. Puderam participar do pleito para compor a lista
tríplice os ocupantes dos níveis superiores da Carreira do Magistério Superior, em efetivo
exercício na UFT, ou os portadores do título de doutor (UFT, 2008a).
Obtendo 92% de aprovação na consulta prévia junto à comunidade universitária
(CONSUNI, 2008), a chapa única, composta pelos professores Alan Barbiero, candidato a
Reitor, e José Expedito Cavalcante, candidato a Vice-Reitor, foi eleita no Consuni. Obedecendo
ao que determina a legislação vigente, seus nomes foram enviados ao MEC juntamente com dois
outros nomes para o cargo de Reitor e dois para o cargo de Vice-Reitor96.
Ressalta-se que a supracitada escolha foi realizada observando-se o percentual de 70% de
docentes conselheiros na composição do Consuni. A consulta prévia à comunidade universitária
ocorreu conforme estabelece o inciso III do artigo 16 da Lei nº 9.192/1995 (BRASIL, 1995b).
Isto é, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, “prevalecerão a votação
uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação à
das demais categorias.”
Os dados aqui explicitados não deixam dúvidas sobre a grande concentração de poder nos
dirigentes e na administração superior da UFT, o que sugere uma reforma estatutária e
regimental. O estatuto e o regimento elaborados por um corpo específico de professores, alunos e
TAE por ocasião da criação da UFT não responde mais a contento à realidade da instituição.
Manter a gestão da UFT nos moldes anteriormente mencionados é interessante para os gestores e
para a administração superior, uma vez que, assim, não terão qualquer dificuldade para a
aprovação e a condução de suas políticas nos conselhos deliberativos. Tal manutenção, no
entanto, não contempla a participação efetiva pela comunidade universitária.
A composição dos Conselhos e a escolha de dirigentes na UFT revelam que há espaço
para a ampliação numérica da participação dos representantes dos segmentos docentes, discentes
e técnico-administrativos no processo de gestão da instituição, mas, para além dos conselhos e da
96
Compuseram a lista tríplice para a votação no CONSUNI e envio ao MEC as professoras Liliana Pena Naval e Valéria
Momenté para o cargo de Reitor, e para o de Vice-Reitor o professor Joenes Mucci e a professora Adriana Malvásio.
(CONSUNI, 2008).
226
escolha de dirigentes, a participação pode ser ampliada para os diversos espaços e atividades no
âmbito da universidade. Essa constatação é importante tendo em vista que, na perspectiva
gramsciana de democracia efetivamente participativa, que fundamenta as reflexões deste estudo,
o compromisso formativo vislumbra um projeto mais emancipatório de educação, no qual, dentre
outros aspectos, o processo educativo busque a construção de relações menos desiguais entre
dirigentes e dirigidos (COUTINHO, 2000; 2007). Infere-se desse raciocínio que no caso do
processo de gestão da UFT, a ampliação da democratização, além de outros aspectos, relaciona-
se à diminuição da desigualdade tanto na composição dos espaços formais de participação
quanto na escolha dos dirigentes.
No entendimento de Coutinho (2007), na abordagem da democracia efetivamente
participativa, um passo importante consiste em esgotar os próprios limites da democracia
representativa, viabilizando uma gestão co-participativa como estratégia que vislumbre frentes
de lutas e trilhas possíveis rumo a uma autogestão universitária. Adotar a co-gestão implica,
dentre outras, a ampliação dos espaços de participação e a equalização, dentro das regras do jogo
democrático representativo, das oportunidades para os segmentos que compõem a comunidade
universitária, a fim de que possam atuar como sujeitos ou corporações autônomos. Ressaltamos,
conforme o pensamento gramsciano, que, ao mesmo tempo, esses mesmos sujeitos, para além da
corporação, precisam estar conscientes e imbuídos da necessidade de construção de um projeto
coletivo de universidade fundamentado na noção de bem comum e no interesse público.
Nessa lógica de democracia, em conformidade com Gramsci (2001), há a superação do
momento puramente econômico-corporativo - ligado às particularidades de cada corporação,
nesse caso, corporação de professores, estudantes e TAE - por um momento ético-político no
qual os interesses particulares e individuais são canalizados ou submetidos aos interesses
coletivos e ao bem comum público. Depreende-se dessa lógica, no caso da universidade, que os
interesses corporativos dos representantes dos docentes, dos discentes e dos TAE, embora não
suprimidos, são canalizados para o projeto coletivo de educação institucional e, assim, o
interesse corporativo ganha sentido e relevância em função do projeto de universidade. A
concretização plena da democracia representativa e, para além desta, a ampliação da democracia
participativa, são condições importantes para a superação do momento econômico-corporativo
em direção ao momento ético-político no processo de gestão da universidade.
Nessa direção, parece que no caso da instituição em estudo, ao mesmo tempo em que se
busca implantar uma democracia participativa no sentido republicano, na qual ocorre uma
participação efetiva dos segmentos da comunidade universitária, é preciso lutar para assegurar,
minimamente, a participação na perspectiva da democracia representativa efetivada nos
227
colegiados. É importante lembrar, conforme Hardy e Fachin (2005), que o modelo colegiado de
gestão da universidade, quando satisfatoriamente implantado, supera o modelo burocrático ou
organizacional, que reúne características burocráticas e profissionais típicas das estruturas
departamentalizadas97. Faz-se necessário, entretanto, conforme esses autores, compreender que a
gestão colegiada centrada nos professores, que são maioria na administração central e nos
Conselhos e Colegiados, revela que “a visão da colegialidade como uma estrutura
descentralizada pouco tem a dizer sobre os processos de tomadas de decisão.” (HARDY;
FACHIN, 2000, p. 25) Isto quer dizer que a forma colegiada de governo da universidade, embora
importante, por si só, não garante a ampliação do compartilhamento de poder numa perspectiva
de participação mais igualitária no âmbito da universidade.
Depreendemos do exposto que assegurar uma gestão que busque diminuir a desigualdade
de participação da comunidade universitária e, alem disso, que amplie essa participação
envolvendo, na universidade, os representantes da sociedade, parece ser uma bandeira defensável
e útil ao aprendizado do jogo democrático. E, para além da universidade, tal aprendizado poderá
contribuir para superarmos a “descrença popular nas eleições e nos eleitos, o baixo interesse
popular pelas questões político-institucionais e o consequente esvaziamento da esfera pública.”
(RAMPINELLI; ALVIM; RODRIGUES, 2005, p. 125)
A não consolidação da democracia representativa nos conselhos e colegiados representa
uma dificuldade para a gestão da universidade na medida em que tende a enfraquecer o poder de
decisão da comunidade universitária por meio da fragmentação do processo de gestão e de
trabalho em geral e da priorização de interesses pessoais ou grupais em detrimento dos interesses
públicos comuns, o que pode fortalecer as investidas neoliberais, os interesses privados, a apatia
política etc. Frente ao exposto, compreendemos ser coerente e defensável articular a luta pela
efetivação da democracia representativa com a democracia participativa. Com este pensamento,
relembramos, a partir da reflexão de Santos (2005), que a universidade vem sofrendo um ataque
a sua gestão no sentido de submeter a universidade à lógica do capital por meio da proletarização
de docentes e pesquisadores. Tal investida pode ser dificultada com a ativação dos mecanismos
de democracia interna na perspectiva democrático-participativa.
A democracia interna da universidade, na visão de Santos (2005), precisa ser fortalecida
contra as investidas pragmáticas e economicistas da indústria, mas o fortalecimento da gestão
97
Essa discussão é melhor aprofundada por Hardy e Fachin (2000, p. 21). Segundo esses autores “as pesquisas, em sua maioria,
desde os anos 70, tèm se baseado em quatro modelos. Um desses modelos era o burocrático, cujo conceito tradicional (fundado
em Weber) foi modificado para introduzir a ideia da universidade como organização em que se combinam características
burocráticas e profissionais. Outra visão da vida universitária se centrou em torno do conceito de uma comunidade de homens
cultos (sccholars) e enfatizou autonomia e consenso. Outros autores abandonaram tais modelos em favor da teoria política. Um
quarto modelo foi o denominado “lata de lixo” (garbage can) em que se concebem universidades como “anarquias
organizadas”, em que as decisões são tomadas, primariamente, por ausência (default). Pesquisas mais recentes tendem a se
apoiar e a avançar a partir de um dos modelos anteriormente mencionados ou de uma combinação deles.”
228
e instituições da sociedade vigente – entendida como democracia forte – que vai além da
participação representativa indireta em conselhos e colegiados. Para esse autor,
Nessa direção, o processo de gestão de uma instituição universitária como a UFT envolve
a participação dos sujeitos da comunidade universitária nos espaços formais de tomadas de
decisão, mas, para além deles, engloba, dentre outros, os processos de planejamento, de
operacionalização e de avaliação. Em geral, enquanto explicitação discursiva expressa em
documentos institucionais, o processo de gestão da UFT aparenta ocorrer numa perspectiva
democrática. Mas, ao se analisarem ações já concretizadas, como o planejamento institucional,
estas apontam, em princípio, para uma gestão na perspectiva gerencialista, nem tão democrática
no sentido da participação, marcada por um viés de conotação regulatório-regulamentatória, com
a preocupação de imprimir o controle institucional (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2004).
Ressaltamos, entretanto, que nesse mesmo espaço social há também práticas importantes, a
exemplo da realização do I Fórum de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura da UFT (FEPEC)
conduzido dentro de uma perspectiva emancipatória. Neste sentido, guardada a devida
especificidade, a gestão da UFT, assim como de outros espaços educativos, é,
contraditoriamente, constituída na tensão entre as perspectivas regulatório-regulamentatória de
natureza estratégico-empresarial e a emancipatória de natureza democrático-participativa
(CONTERA, 2002). Com esse entendimento, em sentido amplo, a forma com que a UFT é
administrada está vinculada com a tensionada relação entre a esfera pública e a esfera privada
mercantil, em crescente fortalecimento no âmbito da sociedade.
No entender de Trigueiro (1999), a gestão universitária contemporânea precisa aprender a
articular o processo de regulação regulatório-regulamentatória com o processo da emancipação,
o que implica ter presente o critério da eficiência e da efetividade institucionais, ou seja, é
preciso que haja controle sobre o resultado do processo educativo, mas que isso seja feito com
efetiva participação da comunidade educativa. Nessa direção, o autor destaca a importância da
participação efetiva na elaboração do planejamento e da avaliação institucional. Quanto ao
planejamento institucional ou estratégico, o qual o autor prefere denominar de “direcionamento
estratégico”, este precisa ser elaborado valorizando a “dimensão da integração e o conhecimento
dos vários aspectos e particularidades envolvidos, conectando partes e atividades, diferentes
níveis hierárquicos e as várias dimensões – materiais, econômicas, ideológicas, políticas,
culturais e psicológicas, por exemplo.” (TRIGUEIRO, 1999, p. 111)
230
98
Este tipo de iniciativa teve continuidade com realização da segunda versão do referido Fórum no ano de 2009
(www.uft.edu.br).
231
graduação, pesquisa, pós-graduação, extensão, cultura e gestão da UFT. O evento visou ainda
construir o “Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto Político Institucional (PPI),
além de aprofundar as discussões sobre a elaboração e reestruturação dos Projetos Político-
Pedagógicos dos Cursos de Graduação.” (UFT, 2006b, p. 1)
O referido Fórum, segundo o relatório analisado (UFT, 2006b), pautou-se pelos
princípios da gestão democrática, fortalecimento da estrutura multicampi, articulação entre
ensino, pesquisa e extensão, descentralização e unicidade institucional. O relatório recupera
algumas das ações que vêm sendo desenvolvidas no âmbito da UFT desde sua gênese e situa o
evento em pauta. Assim, os relatores afirmam que:
99
Ressalta-se que os participantes do Fórum apontaram a realização das atividades de ensino, pesquisa e extensão de forma
desarticulada e em alguns casos sobrepostas.
233
CAPÍTULO 5
Relembramos que, em 2009, período em que o questionário foi aplicado, a UFT possuía
um quantitativo global de 8.540 alunos na graduação, 636 professores entre efetivos (571) e
substitutos (65) e 504 servidores técnico-administrativos (UFT, 2009e).
D a amostra selecionada para a pesquisa que, em 2009, totalizava 1.372 sujeitos, sendo
319 professores, 750 estudantes e 303 TAE, o estudo abrangeu um total de 812 (59%) sujeitos
que responderam ao questionário. Os participantes que responderam os questionários ficaram
distribuídos da seguinte forma: 149 (47%) professores, 504 (67%) estudantes e 159 (52%) TAE.
Dos 812 sujeitos pesquisados, 382 (47%) são do sexo masculino, 424 (52%) do sexo
feminino e 6 (1%) não informaram o gênero a que pertencem. Entre os professores e TAE, a
maioria (54%) dos respondentes do questionário é de homens, mas, entre os estudantes a
maioria, (57%) é de mulheres.
Quanto à faixa etária dos participantes da pesquisa: a maioria dos professores (82%) tem
idade entre 31 e 50 anos, distribuindo-se a idade dos demais da seguinte forma: 6% acima dos 50
anos, e 11% até 30 anos, sendo que um dos respondentes (1%) não respondeu a essa questão. A
maioria dos TAE (58%) tem até 30 anos de idade, seguida das faixas etárias de 31 a 40 anos,
com 31%, de 41 a 50 anos, com 8% e acima de 50 anos, 3%. Já a faixa etária dos estudantes
ficou assim distribuída: 1% não informou; até 20 anos, 12%; de 21 a 30 anos, 70%; de 31 a 40
anos, 13%, e acima de 40 anos, 4%.
236
100
No questionário dos estudantes não foram feitas as perguntas um e cinco, tendo em vista que na ocasião do pré-teste dos
referidos instrumentos de pesquisa os alunos tiveram dificuldades em respondê-las, por desconhecimento dos conteúdos nelas
contidos.
237
PROFESSORES TAE
Aspectos avaliados Em Não Em Não
Sim Não Sim Não
parte sabe parte sabe
Respeito ao pluralismo de ideias na participação
31% 10% 55% 4% 18% 21% 53% 8%
no processo de gestão
Participação dos professores, estudantes e
servidores técnico-administrativos das tomadas de 29% 8% 61% 2% 16% 25% 56% 3%
decisão
Existência de igualdade de oportunidades e de
condições para que os membros da comunidade 19% 23% 53% 5% 9% 49% 36% 6%
universitária participem do processo de gestão
Fonte – Tabela elaborada a partir dos questionários respondidos pelos professores e TAE.
101
Com a finalidade de simplificar a forma de referenciar os dados da pesquisa serão utilizadas as seguintes abreviaturas:
QUEST. (questionário); PROF, EST. e TAE (Professores, Estudantes, Técnico-administrativos em Educação); e q. (questão,
seguido dos seus respectivos números – 1, 2, 3 etc.).
238
PROFESSORES TAE
Aspectos avaliados Em Não Em Não
Sim Não Sim Não
parte sabe parte sabe
Discussão das prioridades da instituição nos
diversos campi envolvendo os segmentos 27% 14% 52% 7% 23% 25% 40% 12%
docentes, discentes e técnico-administrativos
Empenho em prestar contas dos recursos
financeiros aplicados na universidade à 20% 24% 42% 14% 24% 32% 28% 16%
comunidade universitária
Cumprimento das decisões tomadas nos órgãos
40% 9% 46% 5% 44% 3% 32% 21%
colegiados
Fonte – Tabela elaborada a partir dos questionários respondidos pelos professores e TAE.
PROFESSORES TAE
Característica
I MS PS D I MS PS D
1) Existência de competição entre os indivíduos e grupos com
interesses específicos por vantagens no exercício do poder e na 33% 44% 15% 8% 25% 36% 28% 11%
alocação dos escassos recursos para a execução de seus projetos
2) Condução do processo educativo visando a alcançar as
9% 49% 31% 11% 12% 46% 34% 8%
grandes finalidades da instituição quanto à formação humana
3) Busca por atingir as metas do planejamento estratégico,
executando e verificando as ações a serem desenvolvidas e 12% 46% 30% 12% 9% 47% 34% 10%
registradas diariamente
4) Existência de espaços colegiados, no qual participam
professores, estudantes e técnico-administrativos com o objetivo
18% 38% 32% 12% 14% 28% 42% 16%
de promover o consenso universitário em torno de interesses
tidos como comuns
5) Incentivo às pessoas, nos diversos níveis hierárquicos da
comunidade universitária, a participarem das atividades
10% 42% 36% 12% 6% 31% 47% 16%
referentes ao processo de ensino-aprendizagem em busca de
qualidade
6) Desenvolvimento de atividades de forma autônoma,
espontânea, ocasionais, sem um propósito claramente definido,
9% 35% 38% 18% 7% 30% 39% 24%
bem como o livre estabelecimento de intercâmbios internos e
externos à universidade
SOMATÓRIA
Característica
80%
PROF.: TAE:
60%
I+MS PS+D I+MS PS+D
40% 1 77% 23% 61% 39%
2 58% 42% 58% 42%
20%
3 58% 42% 56% 44%
0% 4 56% 44% 42% 58%
1 2 3 4 5 6
5 52% 48% 37% 63%
PROF.: I+MS PROF.: PS+D TAE: I+MS TAE: PS+D
6 44% 56% 37% 63%
LEGENDA: Idêntico (I), Muito Semelhante (MS) Pouco semelhante (PS) e Diferente (D)
perspectiva burocrática. Assim, as ações políticas nos colegiados centrar-se-iam na busca por
meios e instrumentos capazes de melhorar os processos e as atividades institucionais, em virtude
das demandas sociais e mercadológicas existentes, relegando a preocupação com as finalidades
da educação para além das exigências mais pontuais e utilitárias.
Embora em último lugar, o traço anárquico também é visualizado pelos respondentes da
pesquisa no processo de gestão da UFT, mas em menor grau de semelhança. Ou seja, o que
ocorre na UFT pouco se assemelha com uma gestão, conforme Hardy e Fachin (2000),
caracterizada dentre outros aspectos, pela definição clara das propostas educativas institucionais
que dificulta aventuras particularistas; pelo foco na dimensão processual e política e na
autonomia política, econômica, administrativa e pedagógica; e pela ausência de planejamento de
natureza reguladora, tendo em vista que a prioridade institucional recai sobre as atividades de
pesquisa, sem um propósito burocraticamente pré-definido.
Feita essa caracterização mais geral da concepção de gestão da UFT na visão dos
respondentes da pesquisa, particularmente os professores e técnico-administrativos em educação,
a discussão seguinte busca explicitar, na percepção dos professores, estudantes e TAE as
prioridades102 assumidas pela instituição no âmbito da reitoria, dos campi, dos colegiados e locais
de trabalho. Para efeito didático, as prioridades nesses espaços foram agrupadas em quatro
dimensões: econômica, pedagógica, política e cultural.
As prioridades, conforme o grau de importância, da administração superior - reitoria e
pró-reitorias ao efetivarem o processo de gestão da UFT foram averiguadas entre professores,
estudantes e TAE (TABELA 10). Em virtude de não ter havido uma discrepância nas respostas
fornecidas pelos três segmentos quanto às prioridades no âmbito da reitoria, efetuamos a média
ponderada103 das respostas no sentido de visualizar, em seu conjunto, a visão dos sujeitos sobre
102
Os dados das tabelas 10, 11 e 12 foram analisados com o objetivo de evidenciar as ações priorizadas na UFT na percepção dos
professores, estudantes e TAE. Em virtude de ser pequena a diferença de pontuação das respostas dadas pelos três segmentos
da pesquisa com relação aos itens propostos, ficou impossibilitada uma explicitação mais contundente de tais prioridades na
UFT. Provavelmente, a pequena discriminação advinda dos dados tenha a ver com o enunciado dos itens, o que pode ter
contribuído para a quase homogeneidade das respostas ou a muito baixa capacidade de discriminação dos enunciados. Diante
do exposto, buscamos extrair uma tendência geral a respeito da perspectiva prioritária de ação da UFT, que pode ser mais
bem explicitada na discussão dos dados das tabelas 13 e 14 em diante.
103
Em se tratando de cálculos envolvendo média aritmética simples, todas as ocorrências têm exatamente a mesma importância
ou o mesmo peso, ou seja, elas têm o mesmo peso relativo. Na média ponderada as ocorrências têm importância relativa
diferente. A média, dessa forma, deve levar em conta essa importância relativa ou peso relativo. Ponderar, assim, tem o
sentido de pesar, balancear. No cálculo da média ponderada, multiplicamos cada valor do conjunto por seu "peso", isto é, sua
importância relativa (FREUD, 2004). No caso do presente estudo foi solicitado – conforme tabelas 10, 11 e 12 – aos
participantes da pesquisa que se manifestassem sobre as prioridades de seus dirigentes no processo de gestão da UFT
abrangendo a universidade em geral, os campi e os locais de trabalho. Os participantes responderam ao questionário
assinalando com x - para diversos itens - a coluna que melhor representasse essa prioridade, explicitando um determinado
grau de importância, que varia de 1 a 5, sendo 1 o menos importante e 5 o mais importante. Exemplo de como chegamos ao
primeiro resultado da tabela 9 referente à coluna professor: 1) multiplicamos o número de respostas de cada coluna pelo seu
respectivo peso 1, 2, 3, 4, 5 [(12x1)+(23x2)+(52x3)+(37x4)+(25x5)]; 2) efetuamos a somatória dos produtos
(12+46+156+148+125 = 487); 3) efetuamos a soma do número correspondente às respostas, ou seja, a soma do fator
multiplicado referente ao passo 1 deste exemplo. (12+23+52+37+25 = 149); e 4) dividimos o resultado do item 2 pelo
resultado do item 3 (487:149 = 3,2). Todas as demais médias ponderadas seguiram a mesma lógica.
242
as prioridades estabelecidas no âmbito da gestão superior. A tabela seguinte revela que, embora
com pequena diferença de pontuação entre os itens relacionados, a prioridade que aparece em
primeiro lugar no âmbito da reitoria, na visão dos estudantes e TAE, consiste em “ajustar as
ações aos interesses do mercado, valorizando os critérios de eficiência”, primeiro lugar, seguido
da busca por “alcançar os índices que demonstrem a eficácia pedagógica institucional”, segundo
lugar. Na terceira e quarta posição estão, respectivamente, as prioridades voltadas para “atender
às demandas e compromissos políticos e socioeconômicos do Estado, da região e do país” e
“atender as reivindicações coletivas dos participantes da comunidade universitária”. Embora a
visão dos professores seja praticamente coincidente com a dos estudantes e TAE, na primeira,
terceira e quarta prioridades, distancia-se um pouco mais no que diz respeito à segunda
prioridade, que se refere a “alcançar os índices que demonstrem a eficácia pedagógica
institucional”.
Os três segmentos estão de acordo que a prioridade três dos campi consiste em
“implementar programas e projetos para melhorar a qualidade de vida externa ao campus
universitário”. Estudantes e técnicos concordam, também, que a prioridade um dos campi
consiste em “aperfeiçoar o processo administrativo em busca de resultados quantitativos”,
destoando dos professores para os quais a primeira prioridade é “implementar as decisões para
alcançar os índices estatísticos pedagógicos”. Ressaltamos, ainda, a concordância entre os
professores e técnicos de que a quarta e última prioridade seja “promover a participação dos
membros dos campi na formulação dos objetivos e metas educacionais”. Na visão dos estudantes
a participação dos membros dos campi na formulação dos objetivos e metas educacionais é a
segunda prioridade e não a última.
Diretores de Campus. A esse respeito, conforme a tabela 13, no âmbito dos referidos Conselhos,
as 220 pautas que foram discutidas e deliberadas englobam, em sua maioria, as dimensões
denominadas por Sander (1995) de instrumentais, envolvendo principalmente os aspectos
econômico-administrativos (66%) e pedagógico-científicos (25%). As dimensões substantivas
aparecem em último lugar, envolvendo um pequeno percentual de pautas (9%) relacionadas aos
aspectos político e cultural.
No âmbito dos colegiados de cursos (TABELA 14), a tendência de discussão das pautas
se mantém. Do conjunto de 1.456 pontos de pauta discutidos e deliberados em 335 reuniões de
21 cursos de graduação abrangendo os sete campi da UFT, a maioria (93%) das pautas está
ligada às dimensões que Sander denominou de instrumentais: econômico-administrativa (60%) e
pedagógico-científica (33%). Como ocorreu nos Conselhos estudados, a minoria das pautas (7%)
está relacionada diretamente com as dimensões substantivas, ou seja, com os aspectos políticos e
culturais da UFT. Com a expressão “relacionada diretamente” queremos explicitar o nosso
entendimento de que, embora tenhamos feito uma classificação para facilitar a análise, temos
convicção de que essa classificação não encontra materialidade amplamente coincidente com a
realidade empírica. Em outras palavras, em uma discussão sobre um ponto de pauta de dimensão
pedagógico-científica podem, perfeitamente, estar articuladas as dimensões econômico-
administrativas e político-culturais e vice-versa.
(UFT/Pautas/Cursos, 2007)
substantivas voltadas para os fins da educação. Essa perspectiva de gestão pode revelar que os
aspectos ligados à efetiva participação ainda não se colocam como característica institucional
fundamentalmente evidenciada. Isto não significa que inexista a participação na instituição, mas
que esta participação ocorre, tendencialmente, no nível da execução de ações, secundarizando-se
os níveis na definição das políticas e diretrizes institucionais, do planejamento e da avaliação.
Essa tendência de participação relaciona-se a um conjunto de fatores e, no caso da UFT, pode ter
a ver, dentre outros, com o fato de a universidade estar em fase de consolidação, ainda, portanto,
criando as condições para uma participação efetiva; as determinações concorrenciais e
mercadológicas provenientes das mudanças que vêm ocorrendo no âmbito do Estado com seus
efeitos para a educação superior, principalmente no que se refere à precarização e à
intensificação do trabalho; e, decorrente de tais determinações, a perspectiva estratégico-
empresarial de gestão adotada, o que afeta significativamente uma participação política que
tenha consequências nas finalidades institucionais.
respostas mais indicadas pelos professores possibilitam dizer que este segmento tem, em grande
medida, “participado da execução de programas, projetos, atividades etc. pré-definidos e pré-
estruturados pela direção superior da instituição (26%) e influenciado “os processos da vida
institucional universitária, que se dá na elaboração de planos, projetos, programas; e na
formulação e/ou avaliação de políticas” (24%). Em sentido contrário, chamam-nos a atenção as
respostas dadas pelos segmentos discente e técnico-administrativo indicando a alternativa que
mais se aproxima e a que menos se aproxima da participação praticada no processo de gestão da
UFT: Essas respostas revelam que esses dois segmentos não têm muita influência nas decisões
tomadas no Consepe e Consuni (32% e 43%) e apenas 14% e 9%, respectivamente, afirmaram
influenciar positivamente a formulação e a avaliação das políticas educativas da UFT
materializadas nos planos, programas e projetos institucionais.
Dessa forma, é possível inferir que a participação desses dois segmentos se dá, principalmente,
no processo de execução das ações.
Corroboram a perspectiva de participação explicitada anteriormente os dados obtidos por
meio da questão que buscou averiguar junto aos participantes da pesquisa a percepção acerca do
grau de participação em que os segmentos da comunidade universitária têm atuado no processo
de gestão da UFT. Nesse sentido, as tabelas 16, 17 e 18, a seguir, revelam a visão dos
professores, estudantes e TAE acerca da participação na instituição ao se manifestarem a respeito
da atuação do segmento ao qual pertencem no que se refere a diversas atividades no âmbito da
UFT.
Na visão dos professores, apresentada na tabela 16, o segmento docente tem, em parte,
participado satisfatoriamente nos diversos graus do processo de gestão da UFT. A esse respeito,
quase a metade dos respondentes (48%) concordam que o segmento docente “tem elaborado
propostas educacionais e as recomendado às autoridades superiores”; e que tais propostas “têm
sido aceitas e implementadas pelas autoridades superiores” (62%). Nessa mesma direção, para
51% dos respondentes, em parte, o processo de gestão da UFT “tem permitido que o segmento
docente tenha relativa autonomia para tomar decisões quanto à prática pedagógica, plano de
qualificação e processo de formação”. Essas respostas revelam que os professores, em princípio
mais participativos, consideram que a efetividade de sua participação no processo de gestão da
UFT tem sido mediana, ou seja, sua atuação e os resultados dela advindos têm-se efetivado
somente em parte.
Das respostas dadas pelos respondentes discentes apresentadas na tabela 17, destacamos
o fato de que um alto percentual de estudantes sequer soube opinar sobre os itens relacionados
no questionário que responderam. Destacam-se, nesse sentido, a manifestação dos respondentes
250
sobre os itens 2, 3 e 4. Esses dados explicitam o desconhecimento de grande parte dos estudantes
de aspectos do processo de gestão que têm a ver diretamente com a sua vida acadêmica, como a
elaboração e implementação de propostas educacionais de interesse estudantil.
Não
Grau de participação Sim Não Em parte
sabe
1) Os dirigentes têm somente informado aos membros do segmento estudantil as
decisões já tomadas pela gestão superior 26% 13% 34% 27%
As respostas dos TAE são mais negativas sobre o grau de participação do segmento no
processo de gestão da UFT nos aspectos mencionados na tabela 18. Chama-nos a atenção o alto
percentual de respondentes que se manifestaram negativamente em relação à existência de
participação do segmento dos TAE na elaboração de “propostas educacionais e as recomendado
às autoridades superiores” (38%) e em relação ao fato de que essas propostas tenham sido
“aceitas e implementadas pelas autoridades superiores” (38%). Para a maioria dos TAE (66%) o
processo de gestão não “tem sido compartilhado com os segmentos docente, discente e técnico-
administrativo, em igualdade de oportunidades e condições”. Outros 45% dos técnicos negaram
que o processo de gestão da UFT “permite que o segmento técnico-administrativo tenha relativa
autonomia para tomar decisões quanto à organização do trabalho administrativo, planos de
carreira e de formação”.
As respostas dos três segmentos expressas nas tabelas 16, 17 e 18, se consideradas em
conjunto as colunas sim, em parte e não, não sabe, expressam bem a visão dos segmentos da
comunidade universitária quanto ao grau de participação no processo de gestão da UFT. Em
conformidade com o item um, os três segmentos possuem entendimento semelhante -
provavelmente em tom de crítica - de que os gestores da UFT têm somente informado os
membros da comunidade acadêmica sobre as decisões tomadas pela gestão, mas as semelhanças
param por aí. Analisando-se os outros quatro itens, percebemos que, para a maioria dos
respondentes do segmento docente, o processo de gestão da UFT tem sido compartilhado e que o
segmento tem relativa autonomia no processo de tomada de decisões, inclusive na elaboração
das propostas educacionais, que são, em grande parte, aceitas e implementadas pela gestão
superior. Essa visão coaduna-se com um grau de participação que se aproxima da concepção de
co-gestão, com delegação importante de poder para as atividades diárias realizadas na UFT.
Os outros dois segmentos, estudantes e técnico-administrativos em educação, têm visão
diferente. Para a maioria de seus componentes, não tem havido compartilhamento de poder no
âmbito da gestão da UFT; inexiste, também, autonomia no processo de tomada de decisão no
âmbito de sua área de atuação, e não tem sido possibilitado a estudantes e técnicos participar da
elaboração das propostas educacionais em andamento na instituição, ou seja, a participação
desses segmentos se dá, efetivamente, no nível da informação ou consulta.
Avançando mais na análise dos dados empíricos percebemos que a percepção dessa
participação diferenciada está relacionada com as oportunidades de participação dos três
segmentos da comunidade universitária na gestão da UFT, agrupadas, conforme a tabela 19, em
três conjuntos de respostas: oportunidade de participar e participação de fato; oportunidade de
participação e desinteresse em participar; e falta de oportunidade para participar. Nesse sentido,
quando perguntado aos sujeitos da pesquisa sobre as oportunidades de participação no processo
de gestão da UFT, questão na qual o respondente pôde assinalar quantas alternativas quisesse,
ficou evidenciado que os professores percebem suas oportunidades como maiores do que as
oportunidades dos estudantes e técnico-administrativos em educação (TABELA 19). Um número
significativo de professores tem visão positiva da participação na UFT ao afirmarem que “há
oportunidade de contribuir com sugestões no processo de gestão [...], além de participar
ativamente das tomadas de decisões” (50%). Outros 11% entendem que há oportunidade de
participação, mas por opção não participam ou não tem sugestão a dar. Por outro lado, em
número menor (39%), há aqueles que também apontam aspectos negativos no processo de
participação ao declararem que: “são poucas as oportunidades de participar e, aos poucos, vai se
produzindo o silenciamento de vozes como a sua, que lutam por uma participação democrática; a
252
UFT não facilita o envolvimento dos professores nas tomadas de decisões por isso não
participa”; e que “não vê sentido em participar, pois são os líderes e autoridades que acabam
decidindo tudo”.
Para os TAE, as oportunidades de participação efetiva na gestão da UFT não são muitas
(TABELA 19). Nesse sentido, 22% afirmaram que participam com sugestões e efetivamente das
tomadas de decisão no processo de gestão. Outros 16% entendem que existe oportunidade de
253
participar, mas por algum motivo não participam. Adicionalmente, 62% dos TAE em educação
apontam barreiras que dificultam ou desencorajam sua participação no processo de gestão da
instituição tendo em vista que: “são poucas as oportunidades de participar e, aos poucos, vai-se
produzindo o silenciamento de vozes como a sua, que lutam por uma participação democrática; a
UFT não facilita o envolvimento do técnico-administrativo nas tomadas de decisões; por isso não
participa”; e esse segmento “não vê sentido em participar, pois são os líderes e autoridades que
acabam decidindo tudo.”
Ao responderem a um dos campos da questão 8, os TAE mencionaram como
desencorajadores da participação, além da falta de oportunidades anteriormente aventada, os
traços caracterizadores de discriminação, clientelismo e centralização das decisões na figura dos
gestores e dos professores. No entendimento de alguns técnicos, tem havido prática
discriminatória no processo de gestão da UFT, na medida em que existe “discriminação dos
técnicos por parte dos docentes” (Q. 8, TA. 44) expressa na “falta de confiança nos projetos
apresentados por técnico-administrativos” (Q. 8, TA. 143); dessa forma, manifesta um TAE que
“raramente temos voz, nunca temos vez!! São os líderes e autoridades que acabam decidindo
tudo” (Q. 8, TA. 83); além do mais, argumenta outro respondente, “as sugestões dos técnicos,
embora ouvidas, são descartadas, o que desmotiva a participação dos mesmos no processo de
gestão universitária” (Q. 8, TA. 55). Como agravante desse processo discriminatório, na
instituição tem havido uma “gestão „participativa‟ de uma pessoa só, ou de um grupo de amigos
que não cede espaço para mais nada” (Q. 8, TA. 127); e “existem pessoas que não obedecem à
hierarquia da instituição e querem resolver tudo diretamente com o reitor.” (Q. 8, TA. 134)
É também sinal de desmotivação da participação dos técnicos a centralização do processo
de decisão na gestão superior da universidade e no segmento dos professores, ou seja, existe
“centralização nas tomadas de decisões e o excesso de demagogia nos discursos sobre a gestão
da universidade” (Q. 8, TA. 135). A esse respeito, “nas decisões dos órgãos colegiados, os
interesses da reitoria estão, quase sempre, de acordo com os interesses dos demais gestores e,
nesse cenário, a desproporcional representação dos técnico-administrativos pouco influencia o
processo decisório” (Q. 8, TA. 144). Nessa direção, outros comentários dos técnicos dão conta
do poder que tem o segmento docente; dentre estes, destacamos os dois seguintes, que afirmam
haver “prepotência do segmento docente e direção de campus que não aceitam a diversidade de
ideias, especificamente aquelas distintas das suas” (Q. 8, TA. 111); e “alta centralização das
decisões, pois somente docentes podem decidir dentro da UFT.” (Q. 8, TA, 100)
Visão semelhante à dos técnicos têm os estudantes, visto que suas respostas não indicam
positivamente a existência de oportunidades de participação na gestão da UFT. Em
254
Os representantes dos estudantes não comunicam nada, tomam suas próprias decisões
[177]; eu trabalho em tempo integral, tenho filhos e sou a chefe da família [356]; por ter
uma carga horária de estudo e serviço que ultrapassa as 12 horas diárias não participo,
pois não posso dedicar-me com exclusividade [148]; os dirigentes só beneficiam o
complexo estudantil [sic] quando este se mobiliza e expõe o fato a sociedade [61]; as
ideias passadas por acadêmicos, de certa forma, não tem "prioridade" em serem pelo
menos analisadas [287]; a gestão da UFT é de grupos fechados e as políticas da
instituição são para poucos [211]; não existe muito diálogo dentro da UFT entre reitor,
coordenador e estudante[328]; os gestores negam o direito dos estudantes priorizando os
professores [19]; inexiste iniciativa e dialogo do corpo docente em relação ao corpo
discente [504]; o colegiado toma as decisões e só depois informa aos alunos. Este foi o
exemplo da definição dos pré-requisitos para o estágio [297]; vários professores não
valorizam a opinião dos acadêmicos [55]104. (Q. 6, EST. 177, 356, 148, 61, 287, 211, 19,
504, 297, 55).
Mesmo não havendo uma participação mais igualitária dos três segmentos da comunidade
universitária nos espaços formais, estes se constituem, na compreensão da maioria dos
participantes da pesquisa, em espaços importantes. Dessa forma, ao se indagar aos respondentes
da pesquisa sobre a importância real dos espaços de participação no âmbito da UFT, como o
Consuni, Consepe, Conselho Diretoria de Campus, Colegiado de Curso, eventos científicos,
culturais e esportivos, internet e acontecimentos espontâneos - manifestações, grupos de ajudas,
entre outros -, foram obtidas respostas convergentes e divergentes na compreensão dos três
segmentos.
Tomando como referência o gráfico 6, para mais de 50% dos professores respondentes da
pesquisa excetuando-se a internet e os acontecimentos espontâneos diários, tidos como de menor
importância, há o entendimento de que os demais espaços são muito importantes para o processo
de participação do segmento na gestão da UFT. Destaca-se, nesse sentido, em primeiro lugar,
com 86%, o Colegiado de Curso.
257
Os dados possibilitam inferir que o forte da participação dos professores são as atividades
técnico-administrativas, científicas e pedagógicas, secundarizando, de certa forma, as atividades
relacionadas aos encontros festivos ou esportivos, as manifestações políticas e as conversas e
discussões informais no âmbito da UFT. Essa prática coaduna-se com a concepção de gestão e
de participação discutida anteriormente e possibilita dizer que o critério da efetividade,
promotora da participação nas tomadas de decisões, ainda está em fase de desenvolvimento na
UFT e concentra-se nos aspectos técnico-científico e pedagógico.
Nessa direção, nas respostas subjetivas dadas pelos professores, ao serem solicitados a
emitir opinião sobre se “tem havido impedimentos para o segmento docente participar da gestão
da UFT” por meio dos mecanismos de que trata o gráfico 6 e a tabela 21, é possível evidenciar
essa natureza mais técnico-burocrática das atividades docentes, além das atividades
político-pedagógicas, por meio da expressão afirmativa de que a “forma centralizada da gestão
da UFT transforma os conselheiros em tarefeiros” (Q. 10, PROF. 36) e não em sujeitos
proponentes de políticas no âmbito do processo de gestão da UFT. Nesse mesmo sentido, outro
respondente afirma que só participa “do colegiado do curso para tomada de algumas decisões
administrativas” (Q. 10, PROF. 99). Outro docente afirma, ainda, perceber problemas na
representatividade dos coordenadores de curso, pois quando estes “participam de reuniões
decisivas muitas vezes seus votos não correspondem à maioria [dos membros] do colegiado,
muitas vezes nem somos consultados a respeito de decisões importantes e o voto acaba sendo
pessoal (do coordenador).” (Q. 11, PROF. 34) As respostas transcritas a seguir são ilustrativas
dessa perspectiva de gestão, mas principalmente reforçam que a tomada de decisões mais
importantes ocorre de forma centralizada. Assim,
os espaços que estejam mais diretamente vinculados com suas atividades acadêmicas e menos
com os espaços nos quais são tratadas as questões mais gerais da universidade. Resta saber se o
desconhecimento e a pouca importância atribuída ao Consuni e Conselho Diretor de Campus
(CDC) consiste numa opção dos estudantes ou se inexiste informação e abertura suficientes para
a integração do discente nesses espaços de participação.
campus e curso em que estuda” (65%); de “encontros festivos, culturais ou esportivos da UFT”
(60%); e de “conversas e discussões informais nos corredores da UFT” (65%). Mesmo a atuação
em espaços ou mecanismos dos quais, a priori, os estudantes teriam facilidade de participar não
tem ocorrido de forma mais intensa. Nesse sentido, foi grande o número dos estudantes que
afirmaram conhecer sem participar, ou desconhecer, os seguintes espaços de participação:
“reuniões com coordenadores, diretores, professores etc.” (78%); “assembleias e reuniões
específicas do segmento discente” (68%); “grupos de estudo, pesquisa e extensão” (55%); e
“manifestações políticas em favor de interesses da UFT em geral e do interesse do segmento
discente” (57%).
O que acontece é que se fala muito em gestão participativa e reflexiva, porém na prática é
bem diferente [43]; os órgãos deliberativos dificultam o acesso real do estudante,
silenciando o mesmo [302]; as decisões são sempre da direção [17]; não há
reconhecimento da relevância dos estudantes por parte dos professores e gestores [161].
Uma grande questão é aceitar que os estudantes tenham a voz ativa e diminua a
autoridade da reitoria [67] (Q. 9, EST. 43, 302, 17, 161 e 67).
do segmento estudantil: “o acadêmico não sabe que pode participar, e a universidade não
demonstra que o aluno pode participar” (Q. 9, EST. 161). Nesse sentido, outras manifestações
expressam a falta de incentivo e de oportunidade de participação aos estudantes por parte da
instituição: “a opinião dos alunos é desconsiderada quase sempre [442]; falta de incentivo da
própria instituição [119]; falta de oportunidade e pouca importância ao ponto de vista do aluno”
[196] (Q. 9, EST. 442, 119, 196). Acrescente-se à falta de incentivo institucional mencionada
pelo estudante, também, a desmotivação e falta de interesse dos próprios estudantes, presente em
várias de suas respostas, dentre as quais destacamos a falta de “entrosamento e de mobilização;
de apoio dos próprios acadêmicos; de interesse por grande parte dos estudantes; de interesse dos
estudantes ou relações distorcidas com partidos políticos” (Q. 9, EST. 316, 75, 383 e 472).
As questões organizacionais e materiais que obstaculizam a participação do segmento
estudantil foram citadas por vários estudantes. Para alguns a forma como o segmento estudantil
está organizado é inadequada, mas existe também falha das lideranças na mobilização da
comunidade estudantil, ou seja, existe “pouca mobilização do corpo discente” (Q. 9, EST. 228) e
“falta de diálogo entre os acadêmicos e os representantes estudantis” (Q. 9, EST. 25). Além do
mais, no entendimento de muitos estudantes, existe um complicador maior no processo de
tomada de decisão que tem a ver com a “pouca representatividade do segmento estudantil, que
não tem voz ativa nos espaços deliberativos” (Q. 9, EST. 383). Em outras palavras, no dizer de
outro respondente, inexiste “paridade entre docentes, discentes e técnicos nos conselhos e pouco
poder institucional delegado aos discentes (e muito aos docentes).” (Q. 9, EST. 472)
Das respostas dos estudantes foi possível depreender que, além dos aspectos
mencionados anteriormente, as questões materiais têm peso significativo na definição da
participação do segmento estudantil. Nessa linha de raciocínio, os estudantes relacionaram como
obstáculos à participação, além da grande distância geográfica entre os campi,
esses espaços não contribuem efetivamente para a participação do segmento dos TAE no
desenvolvimento das ações da universidade? Pode ser que ambos os aspectos expliquem parte do
supracitado resultado, mas não podemos esquecer os diversos condicionantes materiais,
institucionais, políticos e ideológicos da produção e reprodução da vida na sociedade capitalista,
que acabam por influenciar o processo de produção da universidade, com desdobramentos na
forma como ocorre a participação e o compartilhamento do poder no processo de gestão
institucional.
O segundo aspecto levantado tem a ver com a avaliação negativa, por parte do segmento
dos técnico-administrativos em educação, dos referidos mecanismos de participação.
Considerando aqueles que tiveram a oportunidade de avaliar os referidos mecanismos como
muito importantes, pouco importantes ou sem nenhuma importância, podemos inferir que os
técnico-administrativos em educação de fato não consideram esses espaços como importantes
para sua participação. A somatória dos respondentes que consideram a maioria desses espaços
pouco importantes mais aqueles que os consideram sem nenhuma importância chega a
ultrapassar os 50% das respostas: Consuni e Consepe (54%), CDC (51%), Colegiado de Curso
(63%) e eventos científicos (50%).
264
No tocante aos obstáculos à participação dos TAE ocasionados pelo relacionamento com
professores, foi possível enumerar várias falas, dentre as quais selecionamos duas que
expressam, em grande medida, o pensamento dos participantes da pesquisa. Em primeiro lugar,
para esse segmento da comunidade universitária, existe muito corporativismo “por parte dos
professores e pouca abertura aos técnicos nos conselhos de direção” (Q. 11, TA. 109). Em
segundo lugar, como há uma “predominância do segmento docente na gestão universitária e
pouca importância dada ao segmento técnico-administrativo” (Q. 11, TA. 111) acaba ocorrendo
um desestimulo à participação dos técnicos motivado pela forte atuação dos professores.
Dos aspectos destacados anteriormente depreende-se que, concernente aos espaços
formais de participação, o segmento técnico-administrativo parece não considerar suficiente ou
adequada a forma de representação aí praticada e, no que se refere aos espaços não formais como
eventos científicos, entende não haver abertura para, efetivamente, participar da vida
universitária mais em igualdade de condições e de oportunidades.
Merece ainda destaque, na tabela 24, o fato de as respostas dos professores terem uma
compreensão mais positiva sobre a participação no processo de gestão, com concordância plena
ou parcial sobre três dos cinco aspectos mencionados. Isso reforça a preponderância da
participação desse segmento sobre os demais, que vêm aparecendo em praticamente toda a
pesquisa. Certamente essa tendência evidenciada pela pesquisa revela que, de fato, no processo
de participação na UFT o professor tem naturalmente participado mais intensamente. Desse
processo podemos inferir que existe uma distância muito grande, quanto ao grau de participação,
entre os docentes, de um lado, em relação aos discentes e TAE, de outro.
Os dados apresentados anteriormente não parecem indicar, em princípio, a realização de
uma gestão que envolva de forma efetiva os sujeitos da comunidade universitária,
particularmente estudantes e TAE, por meio dos seus representantes, nos espaços deliberativos e,
ao mesmo tempo, avance em direção a uma democracia efetivamente participativa, abrangendo
em seu sentido amplo o conjunto das ações em desenvolvimento na instituição. Vejamos na
continuidade da discussão se, na visão da comunidade universitária, essa tendência de gestão e
participação realmente se confirma no desenvolvimento de um conjunto de ações concretas
realizadas e em realização na universidade.
Quando solicitado aos respondentes do questionário que se manifestassem, em geral e
focando em elementos concretos do processo de gestão, sobre alguns aspectos que se aplicavam
à participação dos segmentos da comunidade universitária no processo de gestão da UFT, os
resultados não destoaram da lógica participativa explicitada anteriormente, como mostra a
Tabela 25, a seguir. Nesse sentido, os dados revelaram que, para os três segmentos, a
268
Professor Estudante TA
Ações
Sim% Não% Sim% Não% Sim% Não%
Elaboração do regimento, do estatuto, do planejamento
54 46 14 86 25 75
estratégico da universidade etc.
Estabelecimento de estratégias macroinstitucionais com vistas
à elaboração dos planos, programas e projetos da UFT 27 73 12 88 13 87
Elaboração de planos, programas e projetos: plano de
desenvolvimento institucional, projetos pedagógico- 64 36 17 83 25 75
institucional e de avaliação institucional etc.
Alocação de recursos e administração de recursos financeiros,
24 76 13 87 21 79
em conformidade com as prioridades da UFT
Execução dos planos, programas, projetos, atividades e ações
71 29 40 60 52 48
na UFT
Avaliação dos resultados dos planos, programas, projetos,
45 55 22 78 20 80
atividades e ações diversas no processo educativo em geral
Fonte – Tabela elaborada a partir do questionário respondido pelos professores, estudantes e TAE.
Conforme a tabela 25, as respostas dadas pelo segmento docente possibilitam depreender
que a maioria dos professores tem participado de parte das definições finalísticas da UFT por
meio da elaboração dos seus principais planos: regimento, estatuto, planejamento estratégico
(54%); e plano de desenvolvimento institucional, projeto pedagógico-institucional e programa de
avaliação institucional105 (64%). Também tem participado ativamente da execução dos planos,
programas, projetos, atividades e ações na UFT (71%).
Chama a atenção, entretanto, o fato de 73% dos professores responderem que não
participaram do “estabelecimento de estratégias macroinstitucionais com vistas à elaboração dos
planos, programas e projetos da UFT”; da “alocação de recursos e administração de recursos
financeiros” (76%) nem da Avaliação dos resultados dos planos, programas, projetos, atividades
e ações diversas no processo educativo em geral (55%) (TABELA 25). É também significativo o
fato de 46% dos professores não terem participado da elaboração do regimento, do estatuto e do
planejamento estratégico da universidade. Deduzimos desse fato que as tomadas de decisão nesse
nível de planejamento circunscrevem-se, predominantemente, aos conselhos superiores, espaços
nos quais atuam os gestores e representantes, portanto, sem a participação da maioria da
comunidade universitária. Nesse aspecto evidencia-se o problema da democracia representativa
105
Reforçando essa prática participativa docente, conforme respostas à questão 12, é reveladora a participação frequente ou
eventual da maioria dos professores na elaboração: “do Projeto Pedagógico de Curso (PPC)” (92%); “do Plano de
Qualificação Docente (PQD)” (79%); “de resoluções, normativas e outros documentos específicos do segmento docente”
(57%); e “das diretrizes orientadoras dos planos de ensino, pesquisa, extensão e gestão da UFT ou do setor em que trabalha”
(72%).
269
O tempo oferecido para as discussões coletivas dos docentes parece ter sido insuficiente
[135]; as decisões, muitas vezes, são emanadas de cima e disfarçadas de resultados
democráticos [129]; algumas atividades são restritas aos participantes de conselhos:
Consepe, Consuni etc. [50]; a gestão da UFT centra-se muito no Campus de Palmas e na
Reitoria [148]; as pessoas convocadas são sempre as mesmas [27]. (Q. 12, PROFs. 135,
129, 50, 148 e 27).
Mais uma vez, conforme demonstrado na tabela 25, a maioria dos estudantes e TAE
sinaliza que suas participações na gestão da UFT ocorrem, predominantemente, na execução de
ações ligadas aos planos, programas e projetos em desenvolvimento no âmbito da universidade.
Em outras palavras, esses dois segmentos, estudantes e TAE, respectivamente, não têm
participado do estabelecimento das diretrizes gerais da instituição (88%) e (87%); do
macroplanejamento institucional (86%) e (75%); da elaboração dos seus principais documentos,
programas e projetos (83%) e (75%); da alocação e administração de recursos (87%) e (79%); e
da avaliação da produção universitária (78%) e (80%).
Os dados anteriormente explicitados indicam que, de fato, os segmentos da comunidade
universitária, especialmente estudantes e TAE, não participam efetivamente das tomadas de
decisão no que se refere a aspectos importantes que influenciam o encaminhamento das
atividades fins da UFT. Tal perspectiva de participação tem relação com a forma de gestão de
natureza estratégico-empresarial discutida no decorrer da tese, que vislumbra a dicotomia entre
os especialistas e gestores superiores, que definem as diretrizes, objetivos e políticas
institucionais, e os que devem participar no nível da execução de tais políticas após devidamente
informados e treinados.
270
Existe um grande impedimento: a falta de informação aos acadêmicos, pois vim saber que
existe isso respondendo este questionário [67]; na maioria das atividades citadas acima os
271
estudantes não ficam sabendo das datas em que elas ocorrerão [350]; a única atuação em
que sinto a liberdade é em relação ao curso [261]; acho que não é de interesse da gestão
da instituição disponibilizar para os alunos a participação nos itens como planejamento da
universidade [92]; o universitário não é visto como uma peça importante na maioria
dessas elaborações [157]; os horários de reuniões são incompatíveis e nunca se pensou em
"pegar" pelo menos um dia de aula para usar como um momento democrático com todos
do campus [16]; há monopolização das tomadas de decisões por meio das diretorias
[162].
Outros posicionamentos pontuais revelam que parte dos estudantes se sente fora da
universidade ou mesmo conformada com o tipo de participação existente. Nesse sentido, um
estudante afirma que “esse tipo de acontecimento [referindo-se aos itens mencionados no gráfico
nº 9] é restrito à universidade, os alunos não são convidados a participar” [Q. 10, EST. 119]; para
outro estudante o “PPI, PPC não são de caráter acadêmico para a construção” (Q. 10, EST. 428)
com a participação dos discentes; e um terceiro assevera que, em sua opinião, “não é que tenha
impedimento à participação, mas eu é que não me interesso” (Q. 10, EST. 480).
estratégias de participação dos referidos segmentos, em virtude de ela afetar a vida também dos
estudantes e TAE. Trata-se, nesse sentido, da realização de discussões sobre a definição das
prioridades, objetivos e metas que antecedem a elaboração do planejamento e do orçamento
institucional, que incluam os estudantes, no âmbito dos Campi e colegiados de cursos, por meio
de grupos de estudos, debates, consultas, entre outras ações, mas respeitando o conhecimento, o
interesse e os limites dos segmentos da comunidade universitária. Por essa via argumentativa, os
papéis de professores, estudantes e TAE na universidade não se confundem mas se
complementam quando, em uma perspectiva democrático-participativa de gestão, há uma
participação que respeite os limites e competências de cada um dos segmentos nos diversos
processos da gestão institucional. Talvez, por essa via, seja possível contribuir com a ampliação
do espaço público que valorize o bem comum e o interesse coletivo e diminuir a fragmentação e
competição individualizada, característica de uma perspectiva de gestão
regulatório-regulamentatória de natureza estratégico-empresarial.
Tomados em seu conjunto, os dados obtidos por meio da aplicação dos questionários
confrontados, por exemplo, com os dados das tabelas 26 e 27 revelam um paradoxo da
participação no processo de gestão da UFT, pois de um lado, verifica-se uma demanda por
participar dos processos de tomadas de decisão nos diversos espaços participativos e, por outro
lado, observa-se uma baixa participação nesses mesmos espaços e em atividades ou ações
importantes que vêm ocorrendo na universidade, principalmente, no que se refere ao nível da
proposição e elaboração de diretrizes e planejamento. Existe a reivindicação de maior
participação, mas nem mesmo os espaços de participação existentes vêm sendo preenchidos,
particularmente por estudantes e TAE.
A percepção dos sujeitos da comunidade universitária sobre o processo de gestão da UFT
revela que a participação, principalmente a de estudantes e TAE encontra dificuldades para se
realizar de forma efetiva. Os dados da pesquisa apontam que a não realização de uma
participação efetiva tem múltiplas explicações, que abrangem, dentre outros aspectos, a forma de
estruturação organizacional da instituição, a pertinência desse tipo de participação no modelo de
gestão adotado pela administração superior, e a inconsistência do processo de representação no
âmbito da universidade.
Os dados revelam, ainda, que a estrutura organizacional da UFT na forma de conselhos e
colegiados não resolve por si só o problema da participação da comunidade universitária. Há
ainda dificuldades no que tange à participação por meio da representação nos espaços
deliberativos, além do fato de a participação da maioria da comunidade ocorrer basicamente no
nível da execução de tarefas, em contraste com o nível da elaboração, avaliação e
acompanhamento.
Essa perspectiva de participação não garante a efetiva descentralização do poder de
decisão para o conjunto da comunidade universitária, particularmente para o segmento discente e
TAE, mas somente a desconcentração de discussões pontuais e a execução de tarefas de natureza
técnico-administrativa e pedagógico-científica. Esse tipo de participação pode dificultar um
maior controle social da comunidade universitária sobre as ações gerais desenvolvidas na
276
Os obstáculos que foram mais assinalados pelos professores como de baixa ou inexistente
dificuldade à participação foram: a adesão dos representantes dos docentes, nos órgãos
colegiados, à lógica política e de gestão adotada pela administração superior - Reitoria, Pró-
reitorias etc. (27%); e o modo pouco democrático de conduzir o processo de gestão por parte dos
dirigentes da UFT nos Conselhos, Colegiados, Comissões etc. (34%). Observamos que não
chegou a 40% o conjunto das respostas envolvendo os seis obstáculos relacionados na tabela 28
que indicaram “baixa dificuldade” mais a “dificuldade inexistente” para a participação.
Chama a atenção o fato de ter sido assinalado por 48% dos respondentes o obstáculo
“atuação corporativa, baseada em interesse particular, de determinado segmento da comunidade
universitária no processo de gestão da UFT, a exemplo da escolha de dirigentes e da definição de
políticas, programas e projetos de interesse comum”. Esse dado pode sugerir o reconhecimento
por parte dos professores dos interesses dos segmentos da comunidade universitária na definição
das políticas da UFT.
GRAU DE DIFICULDADE
OBSTÁCULOS
Alta Média Baixa Dificuldade
dificuldade dificuldade dificuldade inexistente
Muitas das decisões que antecedem as discussões junto à comunidade universitária no que
tange à aplicação de recursos orçamentários não são efetivamente cumpridas; é comum se
decidir pela aplicação de algo que irá ocorrer e, para a surpresa de todos, no ano seguinte
é dito que aquilo não ocorreu (Q. 13, PROF. 64).
Inexiste uma crítica aos projetos "impostos" pelo governo, com subserviência da
administração superior e a manipulação das decisões com o discurso falso de ambiente
democrático (Q. 13, PROF. 100).
Na votação da educação a distância o reitor perdeu no Consepe e convocou uma reunião
do Consuni após um feriado, uma manobra para não haver articulação docente e discente.
Resultado: a EAD foi aprovada a funcionar na UFT. Como o reitor tem maioria no
Consuni, sempre que perde no Consepe, encontra forma de recorrer ao Consuni para
aprovar as matérias de seu interesse (Q. 13, PROF. 145).
diálogo, as coisas acontecem sem informações e os grupos que decidem são sempre os mesmos”
(Q. 13, PROF. 123).
No entendimento de um dos professores, essa postura de tomadas de decisão sem muita
discussão tem sido normalmente justificada pelos gestores da UFT. Ou seja, em muitos casos
impera a decisão das lideranças justificada pela necessidade de “aceitar determinadas demandas
por causa do tempo que se tem para dar respostas; por isso aceitam fazer acordos sem planejar
nem discutir e só depois é que vão executar do jeito que dá” (Q. 13, PROF. 108). Esse tipo de
justificativa pode comprometer a autonomia universitária, um dos princípios fundamentais da
gestão democrática.
Com base nos depoimentos dos professores, anteriormente descritos, e, tendo em vista a
literatura que fundamenta o presente estudo, é possível, hipoteticamente, inferir que: implantar e
implementar, sem um profundo debate, políticas de orientação externa à universidade, do
governo ou do mercado, pode representar uma dificuldade para a democratização institucional.
Pensando especificamente no ambiente universitário, a condução, dessa forma, das políticas
pode favorecer ações individualistas que contribuam para o fortalecimento de interesses
particulares (ampliação da esfera privada mercantil) em detrimento de interesses públicos
(ampliação da esfera pública). Em outras palavras, tal perspectiva, tende a não contribuir para a
ampliação do processo de democratização da gestão da universidade, que visa a articular a
representação nos espaços de deliberação e a democracia participativa efetiva dos sujeitos
envolvidos no processo educativo.
Para os estudantes, os obstáculos referentes à tabela 29 constituem dificuldades de alta
e/ou média intensidade à participação do segmento discente. Nesse sentido, chamamos a atenção
para que parte significativa dos estudantes considera como obstáculos de alta dificuldade para
participação a “centralização das decisões na administração central e local” (52%), a
“precariedade nas condições materiais” (39%), a “atuação corporativa, baseada em interesse
particular de determinado segmento da comunidade universitária no processo de gestão da UFT
(38%), e o “modo pouco democrático de conduzir o processo de gestão por parte dos dirigentes
nos Conselhos, Colegiados, Comissões, etc.” (35%). Já como média dificuldade para a
participação apareceram como obstáculos o “pouco tempo para se realizar um debate maduro no
que se refere à concepção e implementação de programas e projetos relevantes” (42%); a
“adesão dos representantes dos discentes nos órgãos colegiados à lógica política e de gestão
adotada pela administração superior” (38%) e o “preconceito quanto à capacidade do segmento
estudantil no desenvolvimento de questões político-pedagógicas, científicas, culturais, entre
outras” (35%). Ressaltamos que um pequeno percentual, variando entre 5% e 24%, indicou
281
GRAU DE DIFICULDADE
OBSTÁCULOS Alta Média Baixa Dificuldade
dificuldade dificuldade dificuldade inexistente
1) Centralização das decisões na administração central e local:
52% 34% 9% 5%
reitoria, direção de campus e coordenação de cursos etc.
2) Pouco tempo para se realizar um debate maduro no que se
refere à concepção e implementação de programas e projetos 36% 42% 16% 6%
relevantes.
3) Atuação corporativa, baseada em interesse particular de
determinado segmento da comunidade universitária no
processo de gestão da UFT, a exemplo da escolha de 38% 34% 19% 9%
dirigentes e da definição de políticas, programas e projetos de
interesse comum.
4) Adesão dos representantes dos discentes nos órgãos colegiados
à lógica política e de gestão adotada pela administração 32% 38% 24% 6%
superior (Reitoria, Pró-reitoria etc.).
5) Precariedade das condições materiais tais como: espaços
físicos inadequados, falta de recursos para deslocamento e 39% 27% 24% 10%
pouco tempo disponível.
6) Preconceito quanto à capacidade do segmento estudantil no
desenvolvimento de questões político-pedagógicas, científicas, 28% 35% 24% 13%
culturais etc. na UFT.
7) Modo pouco democrático de conduzir o processo de gestão por
parte dos dirigentes da UFT nos Conselhos, Colegiados, 35% 34% 22% 9%
Comissões etc.: atropelo das discussões e pouco diálogo.
Fonte – Tabela elaborada a partir do questionário respondido pelos estudantes.
indicando alta dificuldade os percentuais variam entre 36% e 68% e, efetuando-se uma média,
mais de 50% dos respondentes indicaram os obstáculos elencados na tabela 30 como de alta
dificuldade, além de uma média de 31% dos TAE que apontaram os referidos obstáculos como
de média dificuldade à participação do segmento no processo de gestão da UFT. Esses dados
apontam que, na compreensão da maioria dos TAE, os condicionantes à participação são
múltiplos e abrangem um leque de aspectos institucionais, materiais (econômicos),
ideológico-culturais e políticos.
GRAU DE DIFICULDADE
OBSTÁCULOS Alta Média Baixa Dificuldade
dificuldade dificuldade dificuldade inexistente
1) Centralização das decisões na administração central e local:
reitoria, pró-reitoria, direção e coordenação do seu setor de 63% 27% 9% 1%
trabalho etc.
2) Pouco tempo para a realização de um debate maduro no que se
refere à concepção e implementação de programas e projetos 43% 42% 13% 2%
relevantes.
3) Atuação corporativa, baseada em interesse particular, de
determinado segmento da comunidade universitária no
processo de gestão da UFT, a exemplo da escolha de 54% 27% 15% 4%
dirigentes e da definição de políticas, programas e projetos de
interesse comum.
4) Adesão dos representantes dos técnico-administrativos nos
órgãos colegiados à lógica política e de gestão adotada pela 36% 34% 22% 8%
administração superior (Reitoria, Pró-reitorias etc.).
5) Precariedade das condições materiais tais como: espaços
físicos inadequados, falta de recursos para deslocamento e 42% 33% 18% 7%
pouco tempo disponível.
6) Preconceito quanto à capacidade do segmento técnico-
administrativo no desenvolvimento de questões 68% 19% 9% 4%
político-pedagógicas, científicas, culturais etc. na UFT.
7) Modo pouco democrático de conduzir o processo de gestão por
parte dos dirigentes da UFT nos Conselhos, Colegiados, 45% 36% 13% 6%
Comissões etc.: atropelo das discussões e pouco diálogo.
Fonte – Tabela elaborada a partir do questionário respondido pelos TAE.
A análise do processo de gestão da UFT, com base nos dados expostos anteriormente,
revela que na participação dos segmentos da comunidade universitária, os professores, embora
vivenciando o processo de intensificação do seu trabalho dentro da lógica produtivista, têm as
condições que lhes possibilitam uma atuação bem mais intensa do que os estudantes e TAE.
Embora a universidade seja um ambiente institucional com características específicas, em seu
processo de gestão são vários os condicionantes de tal participação, que não diferem muito dos
comumente percebidos nos processos sociais mais amplos. Ressaltamos, entretanto, que os
depoimentos escritos dos participantes da pesquisa apontam para uma reação destes aos entraves
que limitam sua participação e propõem alternativas para superar tais entraves.
Os dados da presente pesquisa sinalizam que, não sem resistência, a participação efetiva
no processo de gestão da UFT encontra obstáculos. Tais obstáculos, contrastantes com uma
perspectiva acadêmico/crítica de universidade, coadunam-se com a efetivação de um projeto
universitário de cunho produtivista de natureza neoprofissional, heterônoma, competitiva e
operacional que tem contribuído para a redução da esfera pública e para ampliação da esfera
privada mercantil. De qualquer forma, mesmo reconhecendo que nessa primeira década do
século XXI tem-se ampliado a esfera privada, intensificando nas instituições sociais, como a
universidade, a perspectiva produtivo-mercadológica e no seu bojo a emergência de uma gestão
285
3.3.2 PROPOSTAS PARA A SUPERAÇÃO DOS OBSTÁCULOS À PARTICIPAÇÃO NA UFT NA PERCEPÇÃO DOS
SUJEITOS DA PESQUISA
A partir da análise dos dados da pesquisa, foi possível perceber que há dificuldades de
participação dos segmentos da comunidade universitária no processo de gestão da UFT,
principalmente por parte dos segmentos discente e TAE. Foram vários os obstáculos da
participação, que sintetizamos na seção anterior em institucionais, materiais, ideológico-culturais
e políticos. Buscando superar as referidas dificuldades de participação, os segmentos da
comunidade universitária apresentaram um conjunto de respostas que analisaremos tendo como
ponto de partida a tabela 31.
Os participantes da pesquisa, ao fazerem proposições para melhorar a participação no
processo de gestão da UFT, elaboraram um total de 311 propostas, sendo 67 escritas pelos
professores, 170 pelos estudantes e 74 pelos técnico-administrativos em educação. Para fins
didáticos, facilitadores da análise, o conjunto das respostas foi organizado em seis blocos:
1) Princípios democráticos (23%); 2) Político-administrativo e pedagógico (22%); 3)
Comunicacional (18%); 4) Político-organizacional e corporativo (17%); 5) Ideológico-cultural
(15%) e 6) Material (5%).
absoluta transparência por parte de quem exerce alguma gestão e tomada de atitude por parte
do conjunto dos indivíduos, em todo o universo acadêmico [17]; instauração da autonomia, ser
mais democrático, parar de nos vender o peixe, mas só entregar as espinhas para comer [32];
maior descentralização político-orçamentária, autonomia dos campi maiores em relação à
burocracia e às verbas [133]; descentralização das decisões, ouvir os professores, garantir a
autonomia dos colegiados [109]; ampliação das oportunidades de participação, aceitar as
opiniões divergentes sem que isso se torne problemas pessoais ou gere processo administrativo
[108]. (Q. 14, PROFs. 17, 32, 133, 1019 e 108).
de estatuto) com o tempo que „era pra ontem‟” (Q. 14, PROF. 54) e o processo acaba sendo
tumultuado e não ocorrendo uma efetiva participação do segmento docente. Nessa direção,
outros professores insistem que, para incentivar a participação faz-se necessário, inclusive,
“desenvolver campanhas para um envolvimento da comunidade universitária” (Q. 14, PROF.
101), além de precisar “haver mais planejamento e organização de todas as atividades, de modo a
permitir uma participação efetiva da comunidade universitária” (Q. 14, PROF. 6).
Embora em menor percentual, também os docentes elaboraram propostas reivindicatórias
concernentes aos aspectos comunicacional (5%), política organizacional do segmento (15%),
ideológico-cultural (13%) e material (3%). Essa distribuição de propostas sugere que os
condicionantes da participação docente são preponderantemente institucionais e vinculam-se ao
nível da concepção e da operacionalização do processo de gestão. Isso revela que os
condicionantes comunicacionais, políticos, ideológicos e materiais têm efeitos menores sobre o
processo de participação do segmento, mas, embora em proporção menor, as propostas dos
docentes para a superação desses condicionantes são elucidativas. A esse respeito, no que se
refere ao condicionante cultural, um participante da pesquisa se manifesta dizendo que “é
necessária, antes de tudo, uma mudança de mentalidade no sentido de compreender que a
universidade é pública e não uma extensão do quintal de casa” (Q. 14, PROF. 6). Pensamento
semelhante tem o professor nº 146, quando diz que “na nossa universidade existe um grande
desejo de acertar, mas as correlações de forças estão desiguais e as representações ainda se dão
no campo pessoal e não profissional”. Um terceiro docente entende que, para superar esse tipo de
condicionante da participação, é preciso: “primeiro [...]: dar andamento às propostas decididas
nos respectivos órgãos colegiados; segundo [...]: incentivar a busca de ideias novas no material
humano da própria universidade baseada em mérito técnico, e não em „coleguismo‟ ou para
ajudar grupos e segmentos institucionais” (Q. 14, PROF. 64).
Referindo-se à barreira de natureza material, destaca-se uma das propostas, que
reivindica uma carga horária razoável em sala de aula para que o professor possa realizar as
demais atividades de pesquisa, extensão e participação na vida política, social e cultural da
instituição. Isto é, um aspecto que inibe a maior participação é o “excesso de carga horária em
sala de aula; a preocupação maior da gestão da UFT parece estar concentrada em impor o maior
número possível de horas em sala de aula para diminuir os custos com a folha de pagamento e
aumentar o número de cursos e de alunos” (Q. 14, PROF. 45).
No tocante ao condicionante político, até mesmo entre os professores há o
reconhecimento de que o poder está muito desigualmente distribuído no âmbito da UFT e, nesse
sentido, foi proposta para o processo de gestão a “opção real por uma lógica parlamentarista na
288
instituição em detrimento da lógica atual, presidencialista e centralizadora (Q. 14, PROF. 91); na
esteira desse pensamento, “rever critério de 70, 15, 15 para paritário” (Q. 14, PROF. 91); tendo
em vista que “os três segmentos poderiam dirigir qualquer instância da UFT, desde que
escolhidos por eleições diretas” (Q. 14, PROF. 91). Essa concepção descentralizadora de gestão
se justifica, na visão dos docentes, em função de o Consuni e o Consepe serem um “grande
„LEVIATÃ‟ da instituição, onde se comungam ideias pouco convencionais e os interesses são
particularistas: por exemplo, há um representante docente no Consepe e dois no Consuni; nesses
espaços a voz da maioria deveria estar mais representada” (Q. 14, PROF. 27). A transcrição a
seguir resume as propostas elaboradas pelos docentes, que entendem ser necessária uma mudança
na concepção e na prática de gestão no âmbito da UFT para que ocorra a participação efetiva nas
tomadas de decisão.
Esclarecer ao estudante por que a sua participação é importante. Os acadêmicos não estão
a par do que é Consuni e Consepe entre outros. Então é necessário informar quais as
funções e onde o aluno pode de fato atuar [25];
É necessário que haja mais divulgação do que está sendo realizado pela Universidade
Federal do Tocantins, no que diz respeito a todos os órgãos da instituição, pois há muito
desconhecimento por parte dos alunos sobre os programas existentes etc. [70];
Fazer palestras, explicar a função de cada conselho, não omitir informações importantes
que venham beneficiar os acadêmicos [157]; e
289
instituição” (Q. 12, EST. 458), acrescida da busca por “abertura para que estudantes tomem
conhecimento dos planos que estão em discussão e que possam manifestar suas opiniões com
50% de participação” (Q. 12, EST. 328) nas propostas e deliberações.
Essa esperança não ofusca o senso de realidade de alguns estudantes para os quais,
embora a luta por maior percentual de participantes nos conselhos e de poder de decisão deva ser
constante, não se pode confiar que “o movimento estudantil [seja] totalmente representante da
vontade acadêmica” (Q. 12, EST. 232); pois o “participante vai, participa mais não repassa para
os demais estudantes o que foi decidido; assim, sugiro que ao participar comunicar aos
estudantes o que foi decidido nas reuniões” (Q. 12, EST. 23). Em virtude da descrença na
representação estudantil, a sugestão seria “abrir o espaço para discussão por parte de todos que
querem participar” (Q. 12, EST. 232), superando, na compreensão estudantil, a simples ideia de
democracia representativa.
Por falar em democracia representativa, foi na dimensão política, referindo-se à política
organizacional do segmento, que o segmento técnico-administrativo mais propostas fez para
melhorar a participação no processo de gestão, chegando a 33%, seguido, em segundo lugar, do
aspecto ideológico-cultural com 20% (TABELA 31). Para esse segmento parece claro que a
ampliação de sua participação passa, necessariamente, pelo aumento percentual dos técnicos nos
conselhos da universidade, bem como no processo de escolha dos dirigentes da instituição.
Tendo em vista que “atualmente somente os conselhos deliberam e muitas vezes sem levar em
conta a opinião dos técnico-administrativos, discentes e docentes” (Q. 14, TA. 61), os técnicos
anotaram várias propostas sobre a composição dos conselhos e o peso dos segmentos no
processo de tomada de decisão, a exemplo da eleição para reitores. A transcrição seguinte
explicita o foco das propostas do segmento no sentido de propiciar, no processo de gestão da
UFT, “a instauração de um processo de tomada de decisão de maneira paritária, permitindo que
os segmentos que formam a comunidade universitária expressem suas opiniões, desejos e
aspirações, em um contexto igualitário e democrático” (Q. 14, TA. 46). Para tanto se propõe
no processo de gestão da UFT. Por esse motivo, é preciso ter “mais sensibilidade política por
parte dos docentes e dirigentes da instituição, que são preconceituosos com relação à
participação dos técnicos no processo de gestão” (Q. 14, TA. 111); e “começar a pensar grande,
em uma universidade que está crescendo e é pública, que não dá mais para levar a universidade
como se fosse uma escola e sempre priorizando os interesses de alguns” (Q. 14, TA. 127).
Acrescente-se a isso a necessidade de “agregar toda comunidade universitária no debate e na
formação de ideias buscando um novo caminho para a instituição, deixando de lado a
politicagem no processo de gestão” (Q. 14, TA. 147). Em outras palavras, os técnico-
administrativos em educação reivindicam, entre outras coisas, a
Em virtude das poucas propostas elaboradas, conforme a tabela 31, parece que os
aspectos materiais (3%) e comunicacionais (12%) não constituem maiores entraves à
participação dos técnico-administrativos em educação. Embora em menor percentual, também
eles elaboraram propostas reivindicatórias concernentes aos aspectos institucionais: no que tange
aos princípios democráticos (16%) e ao aspecto político-administrativo (16%).
Sobre os aspectos institucionais os respondentes técnico-administrativos em educação
esperam da UFT uma “política voltada ao capital humano [...] e mais solidária” (Q. 14, TA. 43).
Trata-se de uma política na qual “se amplie a discussão em torno dos aspectos fundamentais da
organização do trabalho político-administrativo da universidade para além da visão restrita da
qualidade mercadológica (atendimento às metas do planejamento estratégico)” (Q. 14. TA. 66);
em outras palavras, uma perspectiva de universidade comprometida com a descentralização das
decisões, que abranja o “planejar e executar das ações dentro da universidade, baseado nos
princípios democráticos e na valorização do ser humano” (Q. 14, TA. 102). Trata-se de uma
proposta de gestão político-pedagógica emancipadora que busque, fundamentalmente, superar
Finalmente, do exposto nesse item, depreendemos que as propostas dos três segmentos
estudados revelaram, de um lado, um conjunto de entraves à participação no processo de gestão
da UFT, por outro, também explicitam várias possibilidades que podem ampliar a participação.
Ressaltamos, entretanto, que os condicionantes da participação são múltiplos e não estão
circunscritos ao âmbito puramente institucional, mas tem com ele um vínculo profundo,
explicitado na forma de organização e de gestão. Nessa forma de gestão, a dimensão política
constitui-se em elemento chave que pode mobilizar os sujeitos envolvidos no processo
educativo, seja para a manutenção de uma lógica de participação limitante, seja para a superação
da alienação em favor de um maior controle, por parte da maioria dos integrantes da comunidade
universitária, sobre o processo de tomada de decisão.
Inferimos dos dados analisados que a regulação emancipadora do processo educativo, no
âmbito da universidade, pela comunidade universitária dependerá, em grande medida, da
superação da grande desigualdade representativa nos processos de tomada de decisão, mas,
também, do aprofundamento de uma gestão emancipadora, calcada nos princípios democráticos:
descentralização, transparência, autonomia, diálogo e pluralismo de ideias. Acrescente-se ao
exposto, a necessidade do estabelecimento de um democrático sistema de comunicação e de
vontade política no sentido de superar uma cultura organizacional preconceituosa, fundada em
valores individualistas e particularistas, que contribui para o enfraquecimento da esfera pública
fundamentada na dimensão política e coletiva voltada para a defesa do bem comum.
Em geral, em conformidade com a visão dos sujeitos da pesquisa, depreendemos que a
questão da participação na universidade não é simples nem fácil, pois envolve, dentre outros, os
seguintes aspectos: a singularidade do Estado do Tocantins, incluindo sua cultura política
clientelista e patrimonialista; o campo acadêmico como espaço de concorrência pela autoridade
científica; e, na UFT, sobremaneira, a disputa pelo poder político. Nesse sentido, a exemplo do
que ocorre na sociedade, na instituição universitária também existe disputa por espaços de
participação em busca do poder que garanta aos indivíduos e grupos realizarem seus projetos e
atividades e renda para a manutenção da vida. Nesse sentido, a participação revela uma luta por
espaços e por projetos específicos, mas também por caprichos individuais. Quando os interesses
da individualidade ou de grupos específicos sobrepõem-se aos interesses coletivos, o processo
participativo numa lógica democrática fica comprometido.
A participação no processo de gestão das IFES é complexa e envolve questões externas e
internas. Externamente, os obstáculos a serem superados abrangem dimensões diversas e, nesse
sentido, faz-se necessário reverter a lógica de universidade neoprofissional, heterônoma,
competitiva e operacional de natureza produtivo-mercadológica induzida pelo Estado, via Capes
294
e CNPq, e pelo setor produtivo. Internamente - sem a pretensão de saídas miraculosas - a luta
precisa envolver, dentre outros aspectos, o enfrentamento teórico-prático da lógica de gestão
regulatório-regulamentatória de natureza estratégico-empresarial em processo nas IFES. Por essa
via de entendimento, o tensionamento de tal processo institucional pode ocorrer por meio da
afirmação de uma perspectiva de gestão democrático-participativa que contemple a ação política
dotada de sentido que, imbricadamente, abrange as dimensões técnicas, socioeconômicas,
culturais e políticas na qual a participação é entendida como a capacidade política da
comunidade universitária de influenciar na história da UFT.
Tomando como referência a discussão presente nos capítulos segundo e terceiro, o estudo
aponta, nesse sentido, para a possibilidade de enfrentamento da realidade limitadora da
participação na UFT tendo em vista que a instituição constitui parte da superestrutura - âmbito da
ação de retorno ativa - portanto, espaço que possibilita a participação política efetiva da
comunidade universitária, que também age e reage sobre o sistema econômico-administrativo.
A perspectiva gramsciana de vínculo orgânico contempla, nesse sentido, a possibilidade
de participação como luta política no âmbito superestrutural, no sentido de que determinado
estrato ou grupo social desvenda, no campo da ideologia, algum tipo de domínio ao qual está
submetido e encontra meios de reação a tal estado de dominação ou limitação, articulando
tensionadamente coerção e consentimento. Nessa lógica, abre-se a possibilidade de construção
de uma hegemonia diferente, e, consequentemente, de democratização das relações sociais.
Traduzindo tal raciocínio para o âmbito da universidade, para além da perspectiva coercitiva,
econômica e administrativa, de lógica regulatório-regulamentatória de natureza estratégico-
empresarial, a UFT situa-se no campo ideológico tensionado por elementos de coerção e
consentimento que podem, também, implicar a ampliação da democracia e da participação.
Construir uma gestão com uma nova lógica na universidade – neste caso, na UFT –
demanda o enfrentamento do processo econômico-mercantil e gerencial constituído, que cada
vez mais tem dividido, alienado e reificado o fazer universitário. Nessa perspectiva, um possível
caminho de enfrentamento requer a constituição de bases mais emancipadoras que possibilitem a
efetiva participação relativa à produção e ao controle social no âmbito universitário, a exemplo
do que os segmentos de professores, estudantes e TAE, frente à limitação da participação,
esboçam como propostas para ampliar a democratização da gestão na UFT.
295
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo, discutimos questão da participação nas IFES, tomando como base
empírica específica o processo de gestão e participação na UFT, tal como previsto nos
documentos institucionais e segundo a percepção da comunidade universitária - docentes,
discentes e TAE. Com base nestes, buscamos responder que tipo de gestão se implementa na
UFT e como ocorre a participação nesse processo, sem desconsiderar a participação na sociedade
e nas IFES brasileiras em geral. Objetivando responder a essa questão, estabelecemos como
objetivo geral compreender, sem perder de vista as demais IFES, a participação no processo de
gestão da UFT. No estudo, entendendo a educação em sentido amplo e historicamente
contextualizada, procuramos apreender o processo de participação na universidade a partir da
discussão acerca da concepção de esfera pública, de democracia, de gestão e de participação,
tendo sempre presente na análise a noção de Estado ampliado e de ideologia.
Tendo feito a análise de fontes bibliográficas, documentais e de dados da pesquisa de
campo que balizam este estudo, explicitamos diversos elementos teórico-práticos que confirmam
as hipóteses inicialmente levantadas como tese, de que: decorrido o período de redemocratização
da sociedade brasileira, tem existido certo arrefecimento no processo de participação nas
tomadas de decisão das instituições sociais como as IFES, em especial da UFT; a partir de 1990,
evidencia-se, nas IFES, a crescente implantação de uma lógica de gestão gerencial condicionada
por múltiplas determinações que limitam a participação e a ampliação da esfera pública; a UFT é
transpassada por alienações e contradições semelhantes às existentes na sociedade, tais como
divisão, desigualdade, fragmentação, competição, que dificultam a efetiva participação; e,
embora exista certa desarticulação dos segmentos docente, discente e TAE, estes continuam
potencialmente centrais, pois tendem a influenciar as tomadas de decisão na UFT.
A temática acerca da participação é atual e tem significados distintos no âmbito da
sociedade capitalista em geral e, em particular, das organizações empresariais e instituições
sociais, de acordo com os processos implementados: fabril, político-social, administrativo, entre
outros. Tomando o caso da universidade pública brasileira, em especial as IFES, a participação,
em geral, faz parte das preocupações da comunidade universitária, mas tem sentidos diferentes
conforme os interesses envolvidos: gestores, entidades representativas, cientistas e estudiosos da
área.
Em geral, vários estudos têm-se ocupado da problemática da gestão e da participação na
universidade. Alguns deles têm retratado a temática da participação como, devido à natureza do
trabalho na universidade, uma dimensão técnica de engajamento limitada à função que cada
296
Referindo-se ao marco legal da educação, podemos dizer que a atual legislação – Lei
9.394/1995, Lei nº 9.192/1995 e Decreto Lei 1.916/96 – não parece favorecer uma participação
efetiva na universidade, tendo em vista a acentuada desigualdade no processo decisório entre os
professores (70%) e os demais segmentos da comunidade universitária (30%) na escolha dos
dirigentes e composição dos espaços formais de participação. Não se trata de desconsiderar a
especificidade da universidade nem do papel do professor no processo educativo, mas de
ampliar, em alguma medida, a participação de discentes e TAE, nos moldes, por exemplo, do
que objetiva o PL nº 7.200/2006, de reforma universitária, em tramitação no congresso nacional
(BRASIL, 2006a), mas abandonado pelo governo federal. No referido PL ficou aberta a
possibilidade de se ampliar a participação de estudantes e TAE, quando ele, embora preceitue
que haja “participação majoritária de docentes” (artigo 25), não determina um percentual
fechado de participação para os segmentos da comunidade universitária. Entendemos que a
grande desigualdade aventada pode trazer implicações limitadoras tanto à participação na gestão
da universidade quanto às demais possibilidades de tomada de decisão por parte dos estudantes e
TAE referentes ao planejamento, execução e avaliação das atividades diversas na instituição
universitária.
O contexto social mais amplo em que se situa a problemática da participação nas IFES,
incluindo a UFT, orienta-se por um processo sócio-histórico no qual se evidenciam os valores
liberais/neoliberais como liberdade, igualdade de oportunidade, propriedade, democracia
representativa e individualismo. Faz parte de tal lógica a defesa da despolitização dos mercados e
da liberdade absoluta da circulação dos indivíduos e dos capitais privados; a valorização do
individualismo em detrimento do coletivismo; e a promessa de igualdade de oportunidades
independente da igualdade de condições e da classe social a que se pertença.
Ressaltamos que a dinâmica neoliberal tem sido operacionalizada por meio da
escamoteação da dimensão política em aspectos de natureza técnica. Particularmente na área da
educação, essa dinâmica se efetiva por meio da transformação das questões de ordem
político-sociais em questões de natureza técnico-instrumentais. Ocorre, assim, a exaltação dos
aspectos de ordem técnica em detrimento dos aspectos de ordem política, que traz consequências
para a participação no seu sentido efetivo, pois participar, nessa lógica, em instituições
educativas, por exemplo, como na gestão das IFES, tem a ver muito mais com iniciativas
individuais diárias focadas na denominada flexibilidade, multifuncionalidade e
compartilhamento requeridos no mundo da produção capitalista e envolve, em grande medida, as
dimensões técnico-pedagógicas, científicas, técnico-administrativas e econômicas. O discurso da
299
participação tem o sentido do agir individual na definição dos objetivos e métodos educacionais
operacionais transmitindo a sensação de democracia, escolha e participação.
Administradas sob a lógica do mercado, as universidades, especialmente as IFES,
passaram também a sofrer pressão para submeter-se ao controle da lógica gerencial
operacionalizada por controles burocráticos dos resultados, em uma perspectiva de administração
competitiva. Nessa perspectiva, na década de 1990, o governo brasileiro optou por uma
administração pública gerencial de natureza estratégico-empresarial visando a melhorar o
desempenho governamental e os serviços prestados.
A perspectiva de gestão gerencial de natureza estratégico-empresarial adotada tem grande
proximidade com aquela praticada no setor privado e o planejamento estratégico foi a forma
proposta para se conseguir a eficiência sistêmica. Lembramos, conforme os documentos
institucionais estudados, que, nessa perspectiva de gestão, a participação, no que se refere às
finalidades institucionais, dá-se praticamente no nível do compartilhamento da informação, no
sentido de conscientizar os servidores em geral da missão institucional e dos resultados globais
desejados, de forma a identificar qual é o espaço de sua contribuição individual, para que esses
resultados sejam alcançados. Cabe à alta administração da instituição, nesse tipo de
planejamento, a definição das questões estratégicas, como missão, visão de futuro e objetivos
institucionais globais, que precisam ser compartilhados com os demais servidores que se
responsabilizam pelos procedimentos operacionais traduzidos na construção dos resultados
desejados. Não é difícil perceber aqui o processo de separação entre os que pensam a instituição,
ligados à alta administração, e os situados no nível da execução do que já fora planejado, ou seja,
a maioria dos trabalhadores da instituição.
No contexto da reforma da educação, e no seu bojo, na gestão da educação superior,
evidencia-se a gestão gerencial de natureza estratégico-empresarial na qual é reduzido o leque
dos envolvidos no processo educativo com as tomadas de decisão, e ampliado o dos que são
convocados a participar da execução do que foi decidido externamente, no âmbito da burocracia
estatal. Esse tipo de participação coaduna-se com o que vem ocorrendo no âmbito de muitas das
instituições de educação superior, como as IFES, por exemplo, no quesito planejamento
estratégico.
No âmbito da reforma do Estado e da educação, outra preocupação, da década de 1990 e
recorrente na primeira década do século XXI, tem sido o controle das IFES por meio do contrato
de gestão. O contrato de gestão nos moldes inicialmente propostos nos anos de 1990 não chegou
a se concretizar, mas as IFES têm sido pressionadas, desde então, a se adequarem à lógica
mercadológica das organizações sociais, a exemplo da recente alternativa de gestão dos
300
Hospitais Universitários via organizações da sociedade civil de interesse público, com base nas
parcerias público-privadas e no contrato de gestão no âmbito do REUNI. Tal lógica tem trazido,
progressivamente, consequências para a educação superior pública, em especial para a
autonomia e o processo de gestão democrática, sustentada na efetiva participação da comunidade
universitária.
Por essa via de entendimento, a concepção de universidade evidenciada desde meados da
década de 1990, sem desconsiderar os atenuantes e agravantes, tem seus desdobramentos na
primeira década do século XXI com a ampliação, no âmbito do Estado, da esfera privada
mercantil em detrimento da pública, tendo como expressão a explicitação das relações mercantis
no âmbito da universidade a partir, por exemplo, da prestação de serviços ao mercado por meio
de fundo público ou não, objetivando à captação de recursos. Nesse cenário, efetiva-se a lógica
da universidade estatal pública, que se mercantiliza com base na institucionalização dos serviços
não-exclusivos do Estado e termina por produzir um trabalhador dotado de nova sociabilidade
produtiva. Tal produtivismo tende a acirrar o individualismo e a competitividade no interior da
universidade pública, exemplificado pelo que ocorre nas IFES, em especial na UFT, e evidencia
uma perspectiva de prática educativa cada vez mais pragmática e utilitarista em contraste com
uma perspectiva mais emancipatória, autônoma e democrática na qual os interesses coletivos, o
bem comum e a participação efetiva sejam priorizados no processo de gestão universitária.
O processo de intensificação e precarização do trabalho nas IFES tem acirrado o
individualismo e a competição por recursos extraorçamentários, por exemplo, para
complementação salarial. Essa forma de agir no âmbito das IFES, principalmente de professores,
tem enfraquecido o engajamento político-sindical e arrefecido a participação na vida
institucional em geral, possibilitando certa centralização em órgãos administrativos do processo
de tomada de decisão. A participação na lógica dessa nova sociabilidade produtiva fortalece mais
os vínculos extrainstitucionais do que a participação institucional.
Na medida em que se intensifica a lógica econômico-mercantilista na universidade, a
efetiva participação na reflexão, no debate e na maturação da compreensão da realidade
institucional, encontra fortes dificuldades. Nessa perspectiva, a esfera pública, o bem comum e o
interesse coletivo em geral, defendido, dentre outros, por Rousseau, Gramsci e Coutinho, são
fortemente invadidos pela esfera privada mercantil e pelos interesses particulares, dentro de uma
nova sociabilidade competitiva de orientação liberal/neoliberal fundada em uma perspectiva de
democracia liberal representativa de viés minimalista. Entretanto, dessa mesma realidade na qual
se intensificam as contradições do sistema capitalista afloram sinais de resistência, acadêmica,
sindical, trabalhista, entre outras, que, embora pareçam frágeis, precisam ser considerados como
301
Lei nº 9.192/1995 e do Decreto Lei 1.916/1996. Em conformidade com a norma, nos Estatutos e
Regimentos das IFES, feita a consulta à comunidade universitária, elabora-se, nos órgãos
colegiados, uma lista tríplice indicando nomes aos cargos mencionados para a nomeação pelas
autoridades competentes. Os segmentos docentes, discentes e TAE participam desigualmente da
consulta na proporção percentual de 70% e 30% respectivamente, além do que a validação dos
resultados das consultas à comunidade universitária é, normalmente, feita nos órgãos colegiados.
No que se refere à composição dos conselhos superiores Consuni e Consepe, há uma alta
concentração de poder dos dirigentes institucionais em relação aos demais grupos de
participantes e no tocante à escolha dos dirigentes universitários, o poder de decisão dos
professores em relação aos segmentos discentes e TAE é muito maior. Essa realidade revela que
mesmo a perspectiva de participação na lógica da democracia representativa na UFT ainda não
se consolidou. A composição dos conselhos e a escolha de dirigentes na UFT evidenciam que há
espaço para a ampliação numérica de participação dos representantes dos segmentos docentes,
discentes e TAE no processo de gestão da instituição, mas, para além dos conselhos e escolhas
de dirigentes, a participação pode ser ampliada para os diversos espaços e atividades no âmbito
da universidade. Essa perspectiva de democracia efetivamente participativa - na acepção
gramsciana - vislumbra um processo educativo que busque a construção de relações menos
desiguais entre dirigentes e dirigidos. No caso do processo de gestão da UFT, a ampliação da
democratização, além de outros aspectos, relaciona-se à diminuição da desigualdade, tanto na
composição dos espaços formais de participação quanto na escolha dos dirigentes.
Ressaltamos que, na abordagem de democracia efetivamente participativa, é preciso
esgotar os próprios limites da democracia representativa viabilizando a gestão co-participativa
como estratégia que vislumbre frentes de lutas e trilhas possíveis rumo à ampliação da
autonomia na gestão universitária. Adotar a co-gestão implica, dentre outras coisas, a ampliação
dos espaços de participação e a equalização, dentro das regras do jogo democrático
representativo, das oportunidades para os segmentos da comunidade universitária atuarem como
sujeitos e corporações autônomos. Ressaltamos, com base no pensamento gramsciano, que o
exercício da participação se constitui como ponto de partida para esses mesmos sujeitos para,
além da corporação, imbuírem-se da construção de um projeto coletivo de universidade,
fundamentado na noção de bem comum e no interesse público.
Conforme já mencionado, enquanto explicitação discursiva expressa em documentos
institucionais, o processo de gestão da UFT aparenta ocorrer numa perspectiva democrática.
Mas ao se analisarem ações já concretizadas, como o planejamento institucional, estas, em
princípio, apontam para uma gestão na perspectiva gerencialista, nem tanto democrática no seu
304
explicitaram que a contradição nesse processo de participação está relacionada aos obstáculos à
participação na sociedade em seu sentido amplo, que têm, na lógica da universidade
neoprofissional, heterônoma, competitiva e operacional, obstaculizado a participação no
processo de gestão institucional. Tal lógica – conforme discussão realizada nos capítulos 1 e 2 –
está diretamente relacionada ao processo de ampliação da esfera privada mercantil e da
democracia liberal/neoliberal representativa de viés minimalista no âmbito das IFES, em
particular da UFT, que se coaduna com uma perspectiva de gestão estratégico-empresarial na
qual ocorre uma participação tutelada e limitante.
Em geral, na visão dos professores, os princípios da gestão democrática estão, em parte,
presentes no processo de gestão da UFT, pois no desenvolvimento das ações internas à
universidade tem havido respeito ao pluralismo de ideias, participação nas tomadas de decisão,
transparência e autonomia. Embora, de certa forma concordando com os professores, os
estudantes e TAE entendem que não existe ainda satisfatória igualdade de oportunidade e de
condições no desenvolvimento das ações da UFT e que falta mais empenho dos gestores no
sentido de prestar contas à comunidade universitária.
Os dados da pesquisa revelaram que a gestão da UFT é caracterizadamente múltipla e que
existe, em seu processo, certa tendência, nos Conselho Superiores, Diretores e Colegiados de
Curso, de discutir e deliberar mais sobre os pontos de pauta voltados para os aspectos
econômico-administrativos - que envolvem recursos financeiros e materiais, estruturas, normas
burocráticas e mecanismos de coordenação e comunicação (66%) e (60%) - e
pedagógico-científicos - referindo-se ao conjunto de princípios, cenários e técnicas educacionais
(25%) e (33%) - do que político, englobando as estratégias de ação organizadas dos participantes
do sistema educacional e cultural, envolvendo os valores e as características filosóficas,
antropológicas, biopsíquicas e sociais (9%) e (7%).
Decorrente de tal tendência no processo de deliberação, a participação na UFT ocorre,
tendencialmente, no nível da execução de ações, secundarizando os níveis da definição das
políticas e diretrizes institucionais, do planejamento e da avaliação. Essa tendência de
participação relaciona-se a um conjunto de fatores e, no caso da UFT, tem a ver, dentre outros,
com: o fato de a universidade estar em fase de consolidação; as determinações concorrenciais e
mercadológicas provenientes das mudanças que vêm ocorrendo no âmbito do Estado, com seus
efeitos sobre a precarização e intensificação do trabalho na universidade; e, decorrente dessas
determinações, a perspectiva estratégico-empresarial de gestão adotada, o que contribui para
nortear a perspectiva de participação institucional.
306
Sobre a participação dos segmentos da comunidade universitária - por meio dos seus
representantes nas reuniões do Consuni, Consepe e Conselhos Diretores pesquisados - foi
constatado que o segmento discente foi o menos frequente (36%) enquanto a presença de
professores (88%) e TAE (92%) foi significativa. Tendo como fonte de pesquisa as atas de 21
cursos de graduação da UFT no ano de 2007, no âmbito dos colegiados desses cursos, foi
constatado que os TAE participaram como conselheiros em somente dois dos 21 cursos
pesquisados, ou seja, nos demais 19 colegiados de cursos os técnicos não foram incluídos como
conselheiros. Nos dois colegiados em que os TAE tiveram a oportunidade de participar como
conselheiros o total de comparecimento às reuniões perfez 33% de presenças. Do conjunto dos
professores previstos a participarem como conselheiros das reuniões dos colegiados de cursos,
69% estiveram presentes. Nessas mesmas reuniões a participação dos estudantes como
conselheiros foi numericamente baixa (31%) em relação ao quantitativo de estudantes que
poderiam participar. Do conjunto das reuniões que os estudantes poderiam participar como
conselheiros, estes deixaram de comparecer a 52%, o que reforça a afirmação de baixa
participação do segmento estudantil nos colegiados de cursos.
O estudo, nesse sentido, demonstra a existência de um paradoxo da participação da
comunidade universitária no processo de gestão da UFT, pois de um lado, verifica-se uma
demanda por participação dos processos de tomada de decisão nos diversos espaços
participativos e, por outro lado, observa-se uma baixa participação nesses mesmos espaços, em
atividades e ações importantes que vem ocorrendo na universidade, principalmente, no que se
refere ao nível da proposição e elaboração de diretrizes e planos. Ou seja, há a reivindicação por
maior participação, mas nem mesmo os espaços de deliberação existentes estão sendo
preenchidos, particularmente, por estudantes e TAE. Os dados da pesquisa revelaram que os
segmentos da comunidade universitária querem participar; entretanto, as condições almejadas
para tal participação foram levantadas pelo presente estudo somente enquanto perspectiva, isto é,
são apontados apenas alguns indicativos a esse respeito.
A participação, principalmente, de estudantes e TAE encontra dificuldades para se
realizar de forma efetiva no processo de gestão da UFT. Na percepção da comunidade
universitária, a não realização de uma participação efetiva tem múltiplas explicações, que
abrangem, dentre outros aspectos: a natureza multicampi da UFT; a estruturação organizacional
da UFT em forma de conselhos e colegiados que não viabiliza a participação da comunidade
universitária; a pertinência da participação no processo de gestão para os professores, estudantes
e TAE; e a inconsistência do processo de representação no âmbito da universidade.
309
Parece não haver dúvida por parte da comunidade universitária, entretanto, de que a
superação dos entraves que limitam a participação, como é revelado pelos dados da pesquisa,
somente ocorrerá com a emergência de um projeto democrático-participativo de gestão
universitária que privilegie uma maior igualdade de oportunidades e de condições de
participação no âmbito da comunidade universitária. Ressalta-se que este projeto somente será
possível por meio da superação dialética da realidade dada. Ou seja, é do embate político
teórico-prático, que articule “guerra de movimento” e “guerra de posição” tendo em vista a
proposta de universidade em movimento, que será possível, ou não, construir-se um novo projeto
comprometido em sustentar outra forma de organização e gestão universitária, que tenha como
propósito a participação efetiva, englobando os níveis da tomada de decisão, execução e
avaliação dos processos educativos.
Nessa perspectiva, para superar a gestão em vigência na UFT, os participantes da
pesquisa elencaram um conjunto de propostas, que abrangem os princípios democráticos; os
aspectos político-administrativos e pedagógicos; os aspectos comunicacionais; os aspectos
político-organizacionais e corporativos; os aspectos ideológico-culturais e os aspectos materiais
e econômicos. Entendemos que estes aspectos constituem campo fértil de discussão e indicam
possibilidades prognósticas importantes no que se refere à participação no processo de gestão da
UFT.
Frente ao exposto, pensamos que o estudo, no geral, cumpriu o papel de explicitar a
crescente ampliação da esfera privada mercantil que tem influenciado o papel do Estado, da
educação e da universidade como, por exemplo, no que se refere à relação de poder, à gestão e à
participação no processo de tomada de decisões. Especificamente, a pesquisa possibilitou
diagnosticar, a partir dos documentos institucionais e da percepção da comunidade universitária,
o processo de gestão e participação na UFT revelando um forte processo de concentração de
poder nos dirigentes institucionais e na figura de professores, bem como uma participação não
efetiva no desenvolvimento das ações e atividades institucionais.
Tendo sido explicitadas as revelações do presente estudo, não podemos deixar de indicar
as dificuldades e limites de estudos desta natureza, bem como apontar alguns aspectos que
precisam ser aprofundados em estudos posteriores, com a finalidade de ampliar o leque de
significados a respeito da temática da participação no processo de gestão das IFES e, em
especial, da UFT.
Dentre as dificuldades e limites do estudo podemos destacar a impossibilidade de
aprofundamento acerca da concepção de universidade e gestão em desenvolvimento na UFT, por
meio de uma investigação detalhada das práticas de gestão diversas, que envolvem os conselhos
311
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324
ANEXOS E APÊNDICES
ANEXO I
____________________________
(Prof. Dr. Alan Barbiero)
Reitor da UFT
____________________________
(Fulano de tal)
Diretor do Campus Universitário
329
ANEXO II
Foi me assegurado que será mantido o meu anonimato e sigilo quanto ao uso das informações,
que estas serão utilizadas exclusivamente para as finalidades da pesquisa, e que, caso queira,
posso retirar meu consentimento, em qualquer momento, sem que isto acarrete nenhum tipo de
penalidade enquanto participante.
Ainda foi me informado que o resultado da pesquisa poderá ser apresentado em eventos de
natureza acadêmico-científica ou publicado, sem expor a identidade dos participantes, e que,
caso tenha interesse, poderei ter acesso aos resultados da pesquisa e contatar o pesquisador por
meio do telefone (63) 3214-5079.
____________________________________________
Assinatura do Respondente do Questionário
330
ANEXO IIIa
______________________________________________
(Fulano de tal)
Presidente do CONSEPE da UFT
331
ANEXO IIIb
______________________________________________
(Fulano de tal)
Presidente do CONSUNI da UFT
332
ANEXO IIIc
______________________________________________
(Fulano de tal)
Presidente do Conselho Diretor
333
ANEXO IIId
______________________________________________
(Fulano de tal)
Presidente do Colegiado de Curso do Campus
334
APÊNDICE I
Prezado(a) Professor(a),
1) Esta questão apresenta alguns princípios referentes ao processo de gestão institucional. Circule SIM
nas afirmações que se aplicam integralmente à gestão da UFT, em geral; NÃO nas afirmações que
não se aplicam; EM PARTE nas afirmações que se aplicam parcialmente; e NÃO SABE nas
afirmações que desconhece.
Respeito ao pluralismo de idéias na participação do processo de gestão EM NÃO
SIM NÃO
PARTE SABE
Participação dos professores, estudantes e servidores técnico-administrativos da EM NÃO
SIM NÃO
tomada de decisões PARTE SABE
Existência de igualdade de oportunidades e de condições para que os membros da EM NÃO
SIM NÃO
comunidade universitária participem do processo de gestão PARTE SABE
Discussão das prioridades da instituição nos diversos campi envolvendo os EM NÃO
SIM NÃO
segmentos docentes, discentes e técnico-administrativos PARTE SABE
Empenho em prestar contas dos recursos financeiros aplicados na universidade à EM NÃO
SIM NÃO
comunidade universitária PARTE SABE
Cumprimento das decisões tomadas nos órgãos colegiados EM NÃO
SIM NÃO
PARTE SABE
Liberdade para elaborar os programas, projetos e atividades de ensino, pesquisa e EM NÃO
SIM NÃO
extensão a serem desenvolvidos PARTE SABE
Liberdade para executar os programas, projetos e atividades de ensino, pesquisa e EM NÃO
SIM NÃO
extensão PARTE SABE
Liberdade para avaliar os programas, projetos e atividades de ensino, pesquisa e EM NÃO
SIM NÃO
extensão desenvolvidos PARTE SABE
2) Em conformidade com o processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pela direção
superior (Reitoria e Pró-reitorias) aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que melhor
representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DA REITORIA
1 2 3 4 5
Atender às demandas/ compromissos político e socioeconômico do Estado, da região e do país
com vista à melhoria das condições de vida da população
Atender as reivindicações coletivas dos participantes da comunidade universitária (professores,
estudantes, técnico-administrativos)
Ajustar as ações aos interesses do mercado, valorizando os critérios de eficiência que busca a
captação de recursos financeiros e a produção quantitativa de artigos, palestras, eventos, etc.
Alcançar os índices que demonstrem a eficácia pedagógica institucional (aprovação, reprovação)
como consequência do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem: planejamento,
métodos e técnicas de ensino e processo de avaliação
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pela reitoria na
gestão da UFT?__________________________________________________________________________________
3) Conforme o processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pelos dirigentes (Direção)
do campus universitário em que você atua aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que
melhor representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DO CAMPUS UNIVERSITÁRIO
1 2 3 4 5
Implementar programas e projetos de extensão etc. com vista a melhorar a qualidade de vida da
comunidade externa ao Campus Universitário
Implementar as decisões tomadas a fim de alcançar as metas estabelecidas com vistas a alcançar os
índices estatísticos que evidenciam a eficácia pedagógica (aprovação, reprovação) do campus
Aperfeiçoar o processo administrativo e utilizar tecnologias da informação em busca de resultados
quantitativos pelos professores, alunos e técnico-administrativos: artigos, palestras, eventos, etc.
Promover a participação dos membros do campus na formulação dos objetivos e metas a serem
alcançados com o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão.
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pela direção do
campus na gestão da UFT?________________________________________________________________________
336
4) No processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pelo colegiado e coordenador do
Curso em que você trabalha aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que melhor
representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DO COLEGIADO E COORDENADOR DO CURSO
1 2 3 4 5
Organizar a programação orçamentária e financeira das atividades em desenvolvimento no curso
Promover a execução dos programas e projetos e atividades de ensino do curso
Qualificar os docentes e dar adequado atendimento às necessidades de alunos e professores
Atender às exigências políticas, sociais e econômicas regionais e locais do curso
Promover a participação de alunos e professores do curso na formulação dos objetivos e metas a
serem alcançados com o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pelo colegiado e
coordenador do curso na gestão da UFT?_____________________________________________________________
5) Assinale com (x) a coluna que, no seu entendimento, melhor representa o grau de semelhança
entre as informações constantes nas alternativas abaixo e o processo de gestão da UFT.
QUAL A SEMELHANÇA COM A
GESTÃO DA UFT?
AFIRMAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE GESTÃO
Muito Pouco
Idêntico Diferente
Semelhante Semelhante
Condução do processo educativo visando alcançar as grandes
finalidades da instituição quanto à formação humana
Busca atingir as metas do planejamento estratégico, executando e
verificando as ações a ser desenvolvidas e registradas diariamente
Incentivo às pessoas – nos diversos níveis hierárquicos da
comunidade universitária – participarem das atividades referentes ao
processo de ensino-aprendizagem em busca de qualidade
Existência de espaços colegiados, no qual participam professores,
estudantes e técnico-administrativos com o objetivo de promover o
consenso universitário em torno de interesses tidos como comuns
Existência de competição entre os indivíduos e grupos com interesses
específicos por vantagens no exercício do poder e na alocação dos
escassos recursos para a execução de seus projetos
Desenvolvimento de atividades de forma autônoma, espontânea,
ocasionais, sem um propósito claramente definido, bem como o livre
estabelecimento de intercâmbios internos e externos à universidade
Outro (especificar) _______________________________________
________________________________________________________.
6) Dentre as alternativas referentes à participação relacionadas abaixo, assinale aquelas que, para
você, mais se aproximam da participação praticada na UFT. (as alternativas que tem pouca ou
nenhuma proximidade com a participação praticada na UFT devem ficar sem assinalar):
a) ( ) O segmento docente, por meio dos seus representantes, tem pouca influência nas decisões tomadas nos órgãos
colegiados (CONSEPE E CONSUNI).
b) ( ) Os membros do segmento docente, em grande medida, formam grupos baseados nos critérios de vizinhança e
amizade, sem organização estável ou propósitos claros e definidos que sejam capazes de intervir no processo de
decisão nos colegiados.
c) ( ) Agentes externos ao segmento docente têm manipulado os professores e suas lideranças a fim de atingirem
interesses estranhos ao segmento por meio da realização de projetos, atividades e ações diversas, os quais
fortalecem determinado grupo no interior da universidade.
d) ( ) O segmento docente tem participado da execução de programas, projetos, atividades etc. pré-definidos e pré-
estruturados pela direção superior da instituição.
e) ( ) Os membros do segmento docente influenciam os processos da vida institucional universitária, que se dá na
elaboração de planos, projetos, programas; e na formulação e/ou avaliação de políticas.
f) ( ) Outra. Qual?____________________________________________________________________________.
337
9) Esta questão apresenta a descrição de uma série de ações que são desenvolvidas em uma universidade.
Circule SIM nas ações que se aplicam a sua participação no processo de gestão da UFT; e NÃO nas
ações que não se aplicam.
10) Na sua compreensão, qual a importância REAL que têm tido os espaços abaixo para
participação docente no processo de gestão da UFT?
IMPORTÂNCIA PARA A PARTICIPAÇÃO
ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO Muita Pouca Nenhuma Não
importância importância importância Sabe
Conselho Superior Universitário (CONSUNI)
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE)
Conselho Diretor de Campus (CDC)
Colegiado de Curso (CC)
Eventos científicos, culturais e esportivos
Rede Mundial de Computadores – internet
Acontecimentos espontâneos que ocorrem na universidade como
manifestações, grupos de ajudas, discussões nos corredores, etc.
Relacione outros espaços de participação, além dos mencionados acima, que você entende ser importante para
ampliar a SUA participação na UFT:______________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________________.
11) Em relação aos mecanismos de participação no processo de gestão da UFT, assinale, abaixo, a
coluna mais adequada quanto ao conhecimento e intensidade de SUA atuação:
12) De acordo com a SUA participação enquanto professor, assinale a coluna mais adequada nas
seguintes ações que ocorreram no processo de gestão da UFT:
13) Assinale a coluna que corresponda a SUA concordância quanto aos aspectos abaixo, relativos à
participação, em geral, do segmento dos professores no processo de gestão da UFT.
CONCORDÂNCIA
ASPECTOS OBSERVADOS Concordo Concordo Não
Discordo
plenamente parcialmente sei
Existe informação satisfatória que permita a participação dos professores
nas atividades realizadas na UFT
A distribuição percentual dos representantes dos segmentos discente,
docente e técnico-administrativo no âmbito do CONSUNI e CONSEPE
é equilibrada.
O segmento docente está bem representado nos Conselhos da UFT:
Conselho Diretor, CONSEPE e CONSUNI
O orçamento da UFT é discutido satisfatoriamente na comunidade
universitária com a participação do segmento dos professores antes de
ser aprovado no CONSUNI
Programas e projetos da UFT como a educação a distância, criação de
novos cursos, parcerias diversas, expansão universitária, propostas
pedagógicas são discutidos satisfatoriamente antes de serem aprovadas
no âmbito do CONSUNI e CONSEPE.
Utilize esse espaço para comentar se os gestores da UFT têm praticado algum tipo de ação que pode dificultar o
exercício da gestão democrática:_________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________.
14) Tendo em vista os diversos fatores que podem influenciar a participação na universidade,
assinale nas alternativas abaixo a coluna que melhor represente o grau de dificuldade da
participação, docente no processo de gestão da UFT:
Prezado(a) Estudante,
1) Em conformidade com o processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pela direção
superior (Reitoria e Pró-reitorias) aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que melhor
representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DA REITORIA
1 2 3 4 5
Atender às demandas/ compromissos político e socioeconômico do Estado, da região e do país
com vista à melhoria das condições de vida da população
Atender as reivindicações coletivas dos participantes da comunidade universitária (professores,
estudantes, técnico-administrativos)
Ajustar as ações aos interesses do mercado, valorizando os critérios de eficiência que busca a
captação de recursos financeiros e a produção quantitativa de artigos, palestras, eventos, etc.
Alcançar os índices que demonstrem a eficácia pedagógica institucional (aprovação, reprovação)
como consequência do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem: planejamento,
métodos e técnicas de ensino e processo de avaliação
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pela reitoria na
gestão da UFT?_________________________________________________________________________________
2) Conforme o processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pelos dirigentes (Direção)
do campus universitário em que você estuda aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna
que melhor representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DO CAMPUS UNIVERSITÁRIO
1 2 3 4 5
Implementar programas e projetos de extensão etc. com vista a melhorar a qualidade de vida da
comunidade externa ao Campus Universitário
Implementar as decisões tomadas a fim de alcançar as metas estabelecidas com vistas a alcançar os
índices estatísticos que evidenciam a eficácia pedagógica (aprovação, reprovação) do campus
Aperfeiçoar o processo administrativo e utilizar tecnologias da informação em busca de resultados
quantitativos pelos professores, alunos e técnico-administrativos: artigos, palestras, eventos, etc.
Promover a participação dos membros do campus na formulação dos objetivos e metas a serem
alcançados com o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão.
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pela direção do
campus na gestão da UFT?________________________________________________________________________
3) No processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pelo colegiado e coordenador do
Curso em que você estuda aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que melhor
representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DO COLEGIADO E COORDENADOR DO CURSO
1 2 3 4 5
Organizar a programação orçamentária e financeira das atividades em desenvolvimento no curso
Promover a execução dos programas e projetos e atividades de ensino do curso
Qualificar os docentes e técnicos e dar adequado atendimento às necessidades dos estudantes
Atender às exigências políticas, sociais e econômicas regionais e locais do curso
Promover a participação de alunos e professores do curso na formulação dos objetivos e metas a
serem alcançados com o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pelo colegiado e
coordenador do curso na gestão da UFT?_____________________________________________________________
4) Dentre as alternativas referentes à participação relacionadas abaixo, assinale aquelas que, para
você, mais se aproximam da participação praticada na UFT. (as alternativas que tem pouca ou
nenhuma proximidade com a participação praticada na UFT devem ficar sem assinalar):
a) ( ) O segmento estudantil, por meio dos seus representantes, tem pouca influência nas decisões tomadas nos
órgãos colegiados (CONSEPE E CONSUNI).
b) ( ) Os membros do segmento estudantil, em grande medida, formam grupos baseados nos critérios de vizinhança e
342
amizade, sem organização estável ou propósitos claros e definidos que sejam capazes de intervir no processo de
decisão nos colegiados.
c) ( ) Agentes externos ao segmento estudantil têm manipulado os estudantes e suas lideranças a fim de atingirem
interesses estranhos ao segmento por meio da realização de projetos, atividades e ações diversas, os quais
fortalecem determinado grupo no interior da universidade.
d) ( ) O segmento estudantil tem participado da execução de programas, projetos, atividades etc. pré-definidos e pré-
estruturados pela direção superior da instituição.
e) ( ) Os membros do segmento estudantil influenciam os processos da vida institucional universitária, que se dá na
elaboração de planos, projetos, programas; e na formulação e avaliação de políticas.
f) ( ) Outra. Qual?__________________________________________________________________________.
7) Esta questão apresenta a descrição de ações desenvolvidas em uma universidade. Circule SIM nas
ações que se aplicam a sua participação no processo de gestão da UFT; e NÃO nas ações que não se
aplicam.
Elaboração do regimento, do estatuto, do planejamento estratégico da universidade etc. SIM NÃO
Estabelecimento de estratégias macro-institucionais com vistas à elaboração dos planos, programas e SIM NÃO
projetos da UFT
Elaboração de planos, programas e projetos: plano de desenvolvimento institucional, projetos SIM NÃO
pedagógico-institucional e de avaliação institucional etc.
Alocação de recursos e administração de recursos financeiros, conforme as prioridades da UFT SIM NÃO
Execução dos planos, programas, projetos, atividades e ações da UFT SIM NÃO
Avaliação dos resultados dos planos, programas, projetos, atividades e ações diversas no processo SIM NÃO
educativo em geral
343
8) Na sua compreensão, qual a importância REAL que têm tido os espaços abaixo para
participação estudantil no processo de gestão da UFT?
IMPORTÂNCIA PARA A PARTICIPAÇÃO
ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO Muita Pouca Nenhuma Não
importância importância importância Sabe
Conselho Superior Universitário (CONSUNI)
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE)
Conselho Diretor de Campus (CDC)
Colegiado de Curso (CC)
Eventos científicos, culturais e esportivos
Rede Mundial de Computadores – internet
Acontecimentos espontâneos que ocorrem na universidade como
manifestações, grupos de ajudas, discussões nos corredores, etc.
Descreva outros espaços de participação, além dos mencionados acima, que você entende ser importante para
ampliar a SUA participação na UFT:_______________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________.
10) De acordo com a SUA participação enquanto estudante, assinale a coluna mais adequada nas
seguintes ações que ocorreram no processo de gestão da UFT:
ATIVIDADES/ ACONTECIMENTOS DO FREQUÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO
PROCESSO DE GESTÃO DA UFT Participei com Participei Não
frequência eventualmente participei
Elaboração do Planejamento Estratégico da UFT (PEU)
Elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
Elaboração do Plano Pedagógico Institucional (PPI)
Elaboração do Projeto Pedagógico de Curso (PPC)
Acompanhamento da aplicação do orçamento da UFT
Elaboração de projeto e plano de disciplinas referentes ao processo de
ensino-aprendizagem do seu curso
Elaboração de resoluções, normativas e outros documentos referentes ao
segmento estudantil.
Elaboração do plano de assistência estudantil
Elaboração dos planos de pesquisa e extensão do campus em que estuda
Em sua opinião, tem havido impedimentos para o segmento estudantil participar das atividades relacionadas
acima? Descreva os principais obstáculos:
1)
2)
344
11) Assinale a coluna que corresponda a SUA concordância quanto aos aspectos abaixo, relativos à
participação, em geral, do segmento estudantil no processo de gestão da UFT.
CONCORDÂNCIA
ASPECTOS OBSERVADOS Concordo Concordo Não
Discordo
plenamente parcialmente sei
Existe informação satisfatória que permita a participação dos estudantes
nas atividades realizadas na UFT
A distribuição percentual dos representantes dos segmentos discente,
docente e técnico-administrativo no âmbito do CONSUNI e CONSEPE
é equilibrada
O segmento estudantil está bem representado nos Conselhos da UFT:
Conselho Diretor, CONSEPE e CONSUNI
O orçamento da UFT é discutido satisfatoriamente na comunidade
universitária com a participação do segmento estudantil antes de ser
aprovado no CONSUNI
Programas e projetos da UFT como a educação a distância, criação de
novos cursos, parcerias diversas, expansão universitária, política de
assistência estudantil são discutidos satisfatoriamente antes de serem
aprovadas no âmbito do CONSUNI e CONSEPE
Utilize esse espaço para comentar se os gestores da UFT têm praticado algum tipo de ação que pode dificultar o
exercício da gestão democrática:_________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________________.
Prezado(a) Servidor(a),
1) Esta questão apresenta alguns princípios referentes ao processo de gestão institucional. Circule SIM
nas afirmações que se aplicam integralmente à gestão da UFT, em geral; NÃO nas afirmações que
não se aplicam; EM PARTE nas afirmações que se aplicam parcialmente; e NÃO SABE nas
afirmações que desconhece.
Respeito ao pluralismo de idéias na participação do processo de gestão EM NÃO
SIM NÃO
PARTE SABE
Participação dos professores, estudantes e servidores técnico-administrativos EM NÃO
SIM NÃO
da tomada de decisões PARTE SABE
Existência de igualdade de oportunidades e de condições para que os membros EM NÃO
SIM NÃO
da comunidade universitária participem do processo de gestão PARTE SABE
Discussão das prioridades da instituição nos diversos campi envolvendo os EM NÃO
SIM NÃO
segmentos docentes, discentes e técnico-administrativos PARTE SABE
Empenho em prestar contas dos recursos financeiros aplicados na EM NÃO
SIM NÃO
universidade à comunidade universitária PARTE SABE
Cumprimento das decisões tomadas nos órgãos colegiados EM NÃO
SIM NÃO
PARTE SABE
Liberdade para elaborar os programas, projetos e atividades inerentes a sua EM NÃO
SIM NÃO
função no âmbito da universidade PARTE SABE
Liberdade para executar os programas, projetos e atividades inerentes a sua EM NÃO
SIM NÃO
função no âmbito da universidade PARTE SABE
Liberdade para avaliar os programas, projetos e atividades inerentes a sua EM NÃO
SIM NÃO
função no âmbito da universidade PARTE SABE
2) Em conformidade com o processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pela direção
superior (Reitoria e Pró-reitorias) aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que melhor
representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DA REITORIA
1 2 3 4 5
Atender às demandas/ compromissos político e socioeconômico do Estado, da região e do país
com vista à melhoria das condições de vida da população
Atender as reivindicações coletivas dos participantes da comunidade universitária (professores,
estudantes, técnico-administrativos)
Ajustar as ações aos interesses do mercado, valorizando os critérios de eficiência que busca a
captação de recursos financeiros e a produção quantitativa de artigos, palestras, eventos, etc.
Alcançar os índices que demonstrem a eficácia pedagógica institucional (aprovação, reprovação)
como consequência do aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem: planejamento,
métodos e técnicas de ensino e processo de avaliação
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pela reitoria na
gestão da UFT?_________________________________________________________________________________
3) Conforme o processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pelos dirigentes (Direção)
do campus universitário/Pró-reitoria em que você atua aos itens descritos abaixo? Assinale com (x) a
coluna que melhor representa essa importância, sendo 1 (menos importante) e 5 (mais
importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DO CAMPUS UNIVERSITÁRIO
1 2 3 4 5
Implementar programas, projetos e ações com vista a melhorar a qualidade de vida da comunidade
externa ao Campus Universitário
Implementar as decisões tomadas a fim de alcançar as metas estabelecidas com vistas a alcançar os
índices estatísticos que evidenciam a eficácia pedagógica (aprovação, reprovação) do campus
Aperfeiçoar o processo administrativo e utilizar tecnologias da informação em busca de resultados
quantitativos pelos professores, alunos e técnico-administrativos: artigos, palestras, eventos, etc.
Promover a participação dos membros do campus na formulação dos objetivos e metas a serem
alcançados com o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão.
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pela direção do
campus na gestão da UFT?________________________________________________________________________
347
4) No processo de gestão da UFT, qual tem sido a importância dada pelo setor em que você atua aos itens
descritos abaixo? Assinale com (x) a coluna que melhor representa essa importância, sendo 1
(menos importante) e 5 (mais importante).
IMPORTÂNCIA
PRIORIDADES DO SETOR DE TRABALHO
1 2 3 4 5
Organizar a programação orçamentária e financeira das atividades em desenvolvimento no Campus
Universitário e/ou setor em que trabalha
Promover a execução dos programas e projetos no Campus Universitário e/ou setor em que trabalha
Qualificar os servidores técnico-administrativos e apoiar adequadamente os alunos e professores no
desenvolvimento de suas atividades educativas
Atender às exigências políticas, sociais e econômicas regionais e locais demandadas ao Campus
Universitário e/ou setor em que trabalha
Promover a participação dos técnico-administrativos na formulação dos objetivos e metas a serem
alcançados com o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão
Qual outro aspecto, além dos descritos acima, pode expressar melhor o que tem sido priorizado pelo setor em
que você atua na gestão da UFT?____________________________________________________________________
5) Assinale com (x) a coluna que, no seu entendimento, melhor representa o grau de semelhança
entre as informações constantes nas alternativas abaixo e o processo de gestão da UFT.
QUAL A SEMELHANÇA COM A
GESTÃO DA UFT?
INFORMAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE GESTÃO
Muito Pouco
Idêntico Diferente
Semelhante Semelhante
Condução do processo educativo visando alcançar as grandes
finalidades da instituição quanto à formação humana
Busca em atingir as metas do planejamento estratégico, executando e
verificando as ações a serem desenvolvidas e registradas diariamente
Incentivo às pessoas – nos diversos níveis hierárquicos da
comunidade universitária – participarem das atividades referentes ao
processo de ensino-aprendizagem em busca de qualidade
Existência de espaços colegiados, no qual participam professores,
estudantes e técnico-administrativos com o objetivo de promover o
consenso universitário em torno de interesses tidos como comuns
Existência de competição entre os indivíduos e grupos com interesses
específicos por vantagens no exercício do poder e na alocação dos
escassos recursos para a execução de seus projetos
Desenvolvimento de atividades de forma autônoma, espontânea,
ocasionais, sem um propósito claramente definido, bem como o livre
estabelecimento de intercâmbios internos e externos à universidade
Outro (especificar) _______________________________________
6) Dentre as alternativas referentes à participação relacionadas abaixo, assinale aquelas que, para
você, mais se aproximam da participação praticada na UFT. (as alternativas que tem pouca ou
nenhuma proximidade com a participação praticada na UFT devem ficar sem assinalar):
a) ( ) O segmento técnico-administrativo, por meio dos seus representantes, tem pouca influência nas decisões
tomadas nos órgãos colegiados (CONSEPE E CONSUNI).
b) ( ) Os membros do segmento técnico-administrativo, em grande medida, formam grupos baseados nos critérios de
vizinhança e amizade, sem organização estável ou propósitos claros e definidos que sejam capazes de intervir
no processo de decisão nos colegiados.
c) ( ) Agentes externos ao segmento técnico-administrativo têm manipulado os técnicos e suas lideranças a fim de
atingirem interesses estranhos ao segmento por meio da realização de projetos, atividades e ações diversas, os
quais fortalecem determinado grupo no interior da universidade.
d) ( ) O segmento técnico-administrativo tem participado da execução de programas, projetos, atividades etc. pré-
definidos e pré-estruturados pela direção superior da instituição.
e) ( ) Os membros do segmento técnico-administrativo influenciam os processos da vida institucional universitária,
que se dá na elaboração de planos, projetos, programas; e na formulação e/ou avaliação de políticas.
f) ( ) Outra. Qual?_______________________________________________________________________.
348
9) Esta questão apresenta a descrição de uma série de ações que são desenvolvidas em uma universidade.
Circule SIM nas ações que se aplicam a sua participação no processo de gestão da UFT; e NÃO nas
ações que não se aplicam.
10) Na sua compreensão, qual a importância REAL que têm tido os espaços abaixo para
participação do segmento dos técnico-administrativos no processo de gestão da UFT?
IMPORTÂNCIA PARA A PARTICIPAÇÃO
ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO Muita Pouca Nenhuma Não
importância importância importância Sabe
Conselho Superior Universitário (CONSUNI)
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE)
Conselho Diretor de Campus (CDC)
Colegiado de Curso (CC)
Eventos científicos, culturais e esportivos
Rede Mundial de Computadores – internet
Acontecimentos espontâneos que ocorrem na universidade como
manifestações, grupos de ajudas, discussões nos corredores, etc.
Relacione outros espaços de participação, além dos mencionados acima, que você entende ser importante para
ampliar a SUA participação na UFT:_______________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________.
11) Em relação aos mecanismos de participação no processo de gestão da UFT, assinale, abaixo, a
coluna mais adequada quanto ao conhecimento e intensidade de SUA atuação:
CONHECIMENTO/ FREQUÊNCIA DA
PARTICIPAÇÃO
MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO Conhece e Conhece e Conhece,
participa com participo mas não Desconhece
frequência eventualmente participa
Reuniões específicas com chefes, coordenadores, diretores
Assembléias e reuniões próprias dos técnico-administrativos
Grupo de estudo, pesquisa e extensão
Eventos científicos e didático-pedagógicos da UFT, em geral, e do
Campus e curso em que trabalha
Encontros festivos, culturais e/ou esportivos da UFT
Manifestações políticas em favor de interesses da UFT em geral e
do interesse do segmento técnico-administrativo
Conversas e discussões informais nos corredores da UFT
Em sua opinião, tem havido impedimentos para o segmento técnico-administrativo participar da gestão da UFT
por meio dos mecanismos acima? Relacione os principais obstáculos:
1)
2)
12) De acordo com a SUA participação enquanto técnico-administrativo, assinale a coluna mais
adequada nas seguintes ações que ocorreram no processo de gestão da UFT:
ATIVIDADES/ ACONTECIMENTOS DO FREQUÊNCIA DA ARTICIPAÇÃO
PROCESSO DE GESTÃO DA UFT Participei com Participei Não
frequência eventualmente participei
Elaboração do Planejamento Estratégico da UFT (PEU)
Elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
Elaboração do Plano Pedagógico Institucional (PPI)
Elaboração do Projeto Pedagógico de Curso (PPC)
Elaboração do Plano de Desenvolvimento dos Integrantes do Plano de
Carreira dos Técnico-administrativos da UFT (PDIPCCTAE)
Acompanhamento da aplicação do orçamento da UFT
Elaboração de resoluções, normativas e outros documentos específicos do
segmento dos técnico-administrativos.
Elaboração dos planos de pesquisa, extensão e gestão da UFT e/ou do setor
em que trabalha
Em sua opinião, tem havido impedimentos para o segmento técnico-administrativo participar das atividades
relacionadas acima? Descreva os principais obstáculos:
1)
2)
350
13) Assinale a coluna que corresponda a SUA concordância quanto aos aspectos abaixo, relativos à
participação, em geral, do segmento dos técnico-administrativos no processo de gestão da UFT.
CONCORDÂNCIA
ASPECTOS OBSERVADOS Concordo Concordo Não
Discordo
plenamente parcialmente Sei
Existe informação satisfatória que permita a participação dos técnico-
administrativos nas atividades realizadas na UFT
A distribuição percentual dos representantes dos segmentos discente,
docente e técnico-administrativo no âmbito do CONSUNI e CONSEPE é
equilibrada.
O segmento técnico-administrativo está bem representado nos Conselhos
da UFT: Conselho Diretor, CONSEPE e CONSUNI
O orçamento da UFT é discutido satisfatoriamente na comunidade
universitária com a participação do segmento dos técnico-administrativos
antes de ser aprovado no CONSUNI
Programas e projetos da UFT como a educação a distância, criação de
novos cursos, parcerias diversas, expansão universitária, propostas de
formação dos técnico-administrativos são discutidos satisfatoriamente
antes de serem aprovadas no âmbito do CONSUNI e CONSEPE.
Utilize esse espaço para comentar se os gestores da UFT têm praticado algum tipo de ação que pode dificultar o
exercício da gestão democrática:__________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________.
14) Tendo em vista os diversos fatores que podem influenciar a participação na universidade,
assinale nas alternativas abaixo a coluna que melhor represente o grau de dificuldade da
participação dos técnico-administrativos no processo de gestão da UFT: