Artigo - Considerações Sobre (In) Justiça Ambiental e Racismo No Brasil Publicação Videre Publicado

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RACISMO ESTRUTURAL

E AMBIENTAL: UMA
ANÁLISE SOBRE O
DESENVOLVIMENTO DAS
V. 15, N. 32, JAN - ABR. 2023
ISSN: 2177-7837 CIDADES BRASILEIRAS E O
Recebido: 28/10/2022.
DIREITO DAS MINORIAS
Aprovado: 19/12/2022.
STRUCTURAL AND ENVIRONMENTAL
Páginas: 72 - 86. RACISM: AN ANALYSIS OF THE
DOI: 10.30612/videre. DEVELOPMENT OF BRAZILIAN CITIES
v15i32.15663
AND MINORITY RIGHTS
RACISMO ESTRUCTURAL Y AMBIENTAL:
UN ANÁLISIS DEL DESARROLLO DE LAS
CIUDADES BRASILEÑAS Y LOS DERECHOS
DE LAS MINORÍAS

GILBERTO FeRREIRA MARcheTTI FILhO*


EzeqUIAs FREIRE MILAN**

RESUMO
* Partindo de exemplos atuais e históricos, tanto no âmbito geral,
Doutorando em Direito quanto local da região de Dourados-MS, esta pesquisa trata de como o
Político e Econômico processo de “desenvolvimento” brasileiro foi permeado por violações
Universidade Presbiteriana de direitos de minorias, como povos indígenas, quilombolas e
Mackenzie populações ribeirinhas. Nesse sentido, discute-se a respeito de como,
[email protected] no Brasil, se produziu e ainda se produz, formas de urbanização que
OrcidID: 0000-0002-5602-2538 tocam as vias do racismo estrutural e “naturalizado” nas paisagens
intencionalmente construídas das cidades, se desdobrando no
conceito de racismo ambiental. Para isso, em revisão bibliográfica,
**
observando a metódica exploratória descritiva, com constatação local,
Mestre em Antropologia o trabalho demonstra como determinadas populações, geralmente
Sociocultural identificadas de forma antagônica à imagem das populações de classe
Universidade Federal da média de alta, se tornam vulnerabilizadas e precarizadas na conquista
Grande Dourados (UFGD) de direitos fundamentais básicos.
[email protected] PALAVRAS-CHAVE: Racismo estrutural. Racismo Ambiental.
OrcidID: 0000-0002-5602-2538 Urbanização das Cidades. Direito das minorias.

ABSTRACT
Based on current and historical examples, both in general and locally
in the Dourados-MS region, this research deals with how the Brazilian
Racismo Estrutural e Ambiental: Uma Análise Sobre O Desenvolvimento das
Cidades Brasileiras e O Direito das Minorias 73

“development” process was permeated by violations of minority rights, such as indigenous peoples,
quilombolas and riverside populations. In this sense, it discusses how, in Brazil, it was produced and
is still produced, forms of urbanization that touch the ways of structural racism and “naturalized” in
the intentionally built landscapes of cities, unfolding in the concept of environmental racism. For
this, in bibliographical review, observing the exploratory descriptive method, with local verification,
the work demonstrates how certain populations, generally identified in an antagonistic way to the
image of upper middle class populations, become vulnerable and precarious in the conquest of basic
fundamental rights.
KEYWORDS: Structural racism. Environmental racism. Urbanization of cities. Minority rights.

RESUMEN
A partir de ejemplos actuales e históricos, tanto a nivel general como local en la región de Dourados-MS,
esta investigación aborda cómo el proceso de “desarrollo” brasileño estuvo impregnado de violaciones
de los derechos de las minorías, como los pueblos indígenas, los quilombolas y las poblaciones
ribereñas. En este sentido, se discute cómo, en Brasil, se produjeron y se siguen produciendo,
formas de urbanización que tocan las formas del racismo estructural y “naturalizado” en los paisajes
intencionalmente construidos de las ciudades, desdoblándose en el concepto de racismo ambiental.
Para ello, en la revisión bibliográfica, observando el método descriptivo exploratorio, con verificación
local, el trabajo demuestra cómo ciertas poblaciones, generalmente identificadas de forma antagónica
a la imagen de las poblaciones de clase media alta, se vuelven vulnerables y precarias en la conquista
de derechos fundamentales básicos.
PALABRAS CLAVE: Racismo estructural. Racismo ambiental. Urbanización de las ciudades. Derechos
de las minorías.

1 INTRODUÇÃO
O debate sobre minorias e injustiças está sempre presente na cena jurídica
brasileira, seja no campo da pesquisa acadêmica ou nas notícias midiáticas, seja nas
questões políticas que envolve o tema ou nas decisões proferidas diariamente no Ju-
diciário brasileiro.
Entrementes, a questão que envolve o racismo e as minorias vulneráveis em si
não está presente apenas em notas ou práticas ofensivas que se noticiam na mídia e
que causam furor e alvoroços nas redes sociais.
Nesse trabalho, retratar-se-á como o racismo “a la brasileira” se manifesta atra-
vés de vários outros fatores. Aqui se demonstrará como formas de discriminação se
retratam sob injustiças ambientais que atingem maciçamente determinadas mino-
rias. Tais grupos acabam por ser atingidos de forma marginalizada pelas políticas pú-
blicas de desenvolvimento urbano e, conseguintemente, da própria cidade que é por
si só resultado do processo de uma sociedade.
Nessa trilha, o objetivo dessa pesquisa é exatamente desenvolver um raciocínio
acerca do das minorias no Brasil, aliando a elas questões atinentes às injustiças do
racismo ambiental desenvolvido e ainda em desenvolvimento das cidades brasileiras.
Para tanto, a metodologia adotada, em primeiro, será a exploratória descritiva,
pois busca apresentar uma ideia ou esclarecimento conceitual acerca dos institutos
interligados, estabelecendo prioridades para futuras pesquisas e procurar obter in-
formações sobre possibilidades práticas no tema propostos dentro da realização das
pesquisas (SELLTIZ et. al, 1974, p. 60).

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Importante destacar que, para o quanto necessário, pesquisas exploratórias


proporcionam a visão geral acerca de determinado fato, realizado especialmente
quando se trata de tema pouco explorado e torna-se mais difícil sobre ele formular
hipóteses causais precisas e operacionalizáveis (GIL, 1999, p. 43).
Ademais, para agregar aspectos relevantes para esse estudo, utilizou-se de da-
dos obtidos de órgãos oficiais do IBGE e da FUNAI, bem como de pesquisas dantes
realizadas, notadamente no campo da população indígena na região de Dourados.
Logo, diante do tema, problemática e objetivo propostos, observando essa metó-
dica exploratória descritiva, dentro do campo dedutivo, sistêmico e axiológico, utilizou-
-se a revisão bibliográfica e dos dados coletados para a construção teórica do estudo.
Em seu desenvolvimento, serão pontuadas algumas considerações sobre injus-
tiça ambiental e racismo “à brasileira”, bem como aspectos históricos, o “desenvol-
vimento” das cidades e injustiça no processo formativo como meio de aumento das
desigualdades e da amplificação do racismo.
Firmados esses parâmetros, será realizada breve análise sobre os espaços e (i)
reconhecimentos sociais dentro da perpetuação das injustiças sociais e do racismo
ambiental no desenvolvimento das cidades brasileiras.

2 INJUSTIÇA AMBIENTAL E RACISMO “À BRASILEIRA”


A sociedade brasileira e, consequentemente, a formação de suas cidades, so-
freu grande impacto populacional, principalmente após a década de 60, com maior
evidência após a Constituição Federal de 1988.
Deveras, seja por efeito da colonização, seja pela própria forma em que a so-
ciedade brasileira foi construída, o ponto é que toda sua estrutura era fundada numa
visão patriarcal e oligárquica, sempre privilegiando poucos em detrimento de muitos.
Tanto era assim que essa forma de sociedade - individualista, patrimonialista,
impregnado pela ideologia da liberdade e da segurança jurídica - foi reverberada por
muitos anos nas próprias legislações que regiam e permaneceram vigentes até pouco
tempo atrás, notadamente o Código Civil de 1916 e o Código de Processo Civil de 19731,
construídos sob uma visão oitocentista da sociedade, fruto da influência europeia do
Século XIX, a despeito de por aqui já se vivia tempos de Século XX (MARCHETTI FI-
LHO, 2018b).

1 Note-se que o Código de Processo Civil de 1973 representou a construção “de um processo civil in-
dividualista, patrimonialista, dominado pelos valores da liberdade e da segurança, pensado a partir
da ideia de dano e vocacionado tão somente à prestação de uma tutela jurisdicional repressiva” (MI-
TIDIERO, 2010), considerando a realidade social e os direitos próprios da cultura do século XIX, “por
força do neutralismo inerente ao Processualismo e por ter levado em consideração” (MITIDIERO,
2010) como referência substancial o Código Civil elaborado por Bevilaqua, que também partiu dessa
mesma realidade social e cultural na sua elaboração, em 1899 (MARCHETTI FILHO, 2018b).

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Essa forma de ver a sociedade e as cidades acabou também por atingir a pró-
pria maneira de se vislumbrar o ambiente e seu meio. Por tempos minimamente pro-
tegido no seu aspecto natural, ao depois passando a ser defendido e regulado apenas
nesse aspecto natural. Consequência disso é a forma como se visualiza o ambiente
dentro das cidades, que tiveram grande aumento populacional, sem ter a capacidade
de receber as pessoas que estavam chegando do campo e suportar estruturalmente
esse crescimento.
Mas essa realidade mudou com a Constituição Federal de 1988. Com efeito,
após o ano de 1988, surge no Brasil um novo formato de interpretação do ambiente. A
partir de então, como “ambiente” passou a ser envolvidos todos os meios que intera-
gem com os seres humanos, sendo eles naturais ou artificiais.
Nesse momento, o Estado inicial, em nível constitucional, a tutelar o ambiente
artificial, tanto sob a égide de instituir Políticas Nacionais de Desenvolvimento Urba-
no, quanto por meio de garantias constitucionais como moradia, transporte, lazer e
segurança. Os aglomerados humanos (urbanos ou não) passam a ser compreendidos
não somente em função de um projeto econômico, como era até então.
Trilhando nisso, conforme Bataus e Oliveira (2016), o que se entende é que de-
senvolvimento econômico só poderia ocorrer se fosse feito através de preocupações
com todo o sistema social que o ancora.
A partir daí, influenciada por uma série de outras constituições como a alemã
de 1949, a espanhola de 1978 e a portuguesa de 1976, a Carta Magna Brasileira de 1988
desenvolve atenção importante com a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3°,
II). Tudo partindo “da livre iniciativa (art. 170, caput) e da propriedade privada (art.
170, II), mas sem perder de vista a necessidade de fazê-lo com embasamento na pes-
soa digna (art. 1º, III), na valorização do trabalho humano (art. 170, caput) e na função
social da propriedade (art. 170, III)” (BATTAUS, OLIVEIRA; 2016, p. 82).
Com o nascimento do “direito à cidade”, constitucionalmente garantido e ad-
vindo da terceira dimensão dos direitos fundamentais, como forma metaindividual de
compreender a relação entre os espaços e os sujeitos, surgem também os arts. 182 e
183. O Estado, com seu poder soberano, passa a ser responsável em “ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitan-
tes” (BRASIL, 1988).
Por isso, passa a permitir que imóveis de até 250 m², com posse ininterruptas
por cinco anos e sem oposição se transformem em títulos de propriedade por meio da
chamada usucapião constitucional, hoje regulada também pelo Código Civil (usuca-
pião especial urbana do Código Civil) e pelo Estatuto das Cidades (usucapião especial
urbana individual do Estatuto das Cidades).

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Mas não é só. Esse mesmo estatuto traz ainda, no seu art. 10, nova modalidade
de usucapião especial, de forma coletiva, ao permitir a usucapião de uma coletividade
de pessoas quando configurada a posse mansa e pacífica, cinco anos ininterruptos,
por um agrupamento de pessoas, com animus domini de todos os possuidores (ânimo
de dono), de área total cuja divisão pelo número de possuidores seja inferior a duzen-
tos e cinquenta metros quadrados por possuidor, desde que nenhum deles seja pro-
prietário de qualquer outro imóvel urbano ou rural e esteja configurada a formação de
núcleos urbanos informais (MARCHETTI FILHO, 2018a).
Contudo, em países de passado colonial e escravocrata tal qual o Brasil, como
será demonstrado ao longo desse breve estudo, é imprescindível que sejam obser-
vados os papeis das classificações hierárquicas e sociais no processo de formação e
aplicação de tais positivações. Dado que, ainda que mecanismos como o do art. 6° da
Carta Constitucional garantam o acesso a condições mínimas de existência, tais prá-
ticas não atingem efetivamente todos os indivíduos que teoricamente deveriam estar
protegidos por elas.
Para compreender tais fenômenos, parte-se das perspectivas propostas por Al-
meida (2019) na obra Racismo Estrutural. Nesse sentido, abarcar-se-á o racismo como
“uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento e que se
manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em des-
vantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual perten-
çam” (ALMEIDA, 2019, p. 22), sendo, pois, “a atribuição de tratamento diferenciado a
grupos racialmente identificados” (ALMEIDA, 2019, p. 23).
O autor esclarece que o racismo, antes de mais nada, é uma espécie de tecno-
logia de poder que só pode existir quando subsidiada por uma economia e por um
Estado que o organize. Nesse sentido, bebe-se da ideia de que “o racismo é sempre
estrutural, ou seja, ele é um elemento que integra a organização econômica e política
da sociedade” (ALMEIDA, 2019, p. 15). Ao mesmo tempo, aludindo a Michel Foucault
em seu clássico “Em defesa da Sociedade”, Almeida (2019, p. 77) revive a noção de
Racismo de Estado, no qual a soberania se traduz no poder e no monopólio de “fazer
viver e deixar morrer”.
Noutro modo de dizer, “a saúde pública, o saneamento básico, as redes de
transporte e abastecimento, a segurança pública, são exemplos do exercício do poder
estatal sobre a manutenção da vida, sendo que sua ausência seria o deixar morrer”
(ALMEIDA, 2019, p. 77).
Na junção de todos esses pontos, nota-se exemplos práticos de um conceito
surgido no final do sec. XX em solo norte americano: o racismo ambiental.

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Sobre o tema, Pacheco (2016, p. 3) explica:


O conceito de racismo ambiental nasceu, não por acaso, entre os negros dos
Estados Unidos, no final da década de 70, ainda em plena ebulição das con-
quistas dos direitos civis. A partir de protestos contra um depósito de resídu-
os tóxicos no condado de Warren, na Carolina do Norte, entre 1978 e 1982,
descobriu-se que três-quartos desse tipo de aterros, localizados em sua maio-
ria na região Sudestes dos Estados Unidos, registravam uma curiosa coinci-
dência: estavam todos localizados em bairros habitados por negros embora
na região eles somassem apenas 25% da população.

Mencionando as discussões de Robert Bullard em sua obra “Enfrentando o ra-


cismo ambiental no sec. XXI”, Pacheco (2016, p. 3) deixa claro que, partindo novamen-
te da experiência americana de Bullard, a questão atinente a injustiça ambiental não
está restrita aos negros. Envolvem também, e acima de tudo, “trabalhadores latinos,
afro-americanos, afro-caribenhos e asiáticos”.
Nesse sentido, a autora acrescenta que “o racismo é um potente fator de dis-
tribuição seletiva das pessoas no seu ambiente físico; influencia o uso do solo, os pa-
drões de habitação e o desenvolvimento da infraestrutura” (PACHECO, 2016, p. 3).
A partir de tais exemplos, e colocando-os em análise com o racismo estrutural
“à la brasileira”, podemos chegar à conclusão de que tais formas de relação, oriundas
principalmente da colonização econômico-escravagista e sustentadas pelo imaginá-
rio da “raça” inferior, resistiram à industrialização e permaneceram até os dias de
hoje, como forma do que Achille M’bembe (2018) chamaria de Necropolítica.
Com efeito, essas formas de relação, conforme Bueno seriam ações positivas ou
negativas que fazem com que as vidas “que são consideras supérfluas, marginalizadas,
criminalizadas, e não mais interessam vivas, convertam-se em vidas matáveis” (2020,
p. 208).

3 HISTÓRIA, “DESENVOLVIMENTO” E INJUSTIÇA


No ano de 1972, o Clube Roma2 se tornou mundialmente conhecido ao publicar
o trabalho “Limits of Growth” (Os Limites do Crescimento). Seu relatório, realizado
juntamente com o Instituto Tecnológico de Massachussets, produziu simulações com-
putadorizadas que analisaram os possíveis resultados das interações entre o planeta
terra e os sistemas sociais humanos.
A conclusões desse trabalho tiraram das sombras algumas questões poucos
exploradas pelos entusiastas do “progresso” e do “desenvolvimento”. Segundo o rela-
tório, as consequências do crescimento populacional somado à predação e poluição

2 Fundado em 1968, grupo é composto por cidadãos advindos de vários países. Seus membros se reú-
nem para debater temas como política, economia, desenvolvimento sustentável, meio ambiente,
crescimento populacional e desigualdade social. Dentre eles, o ex-Presidente da República Brasilei-
ra Fernando Henrique Cardoso.

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produzida pela industrialização, fariam com que os limites da humanidade fossem


atingidos em 100 anos.
Segundo Oliveira (2012), ainda que controversas para muitos pesquisadores,
os levantamentos do documento se apresentam como uma possibilidade de leitura a
respeito da relação dialética entre o aumento populacional e o desenvolvimento. Os
dois pontos foram experimentados pelo Brasil ao longo de sua história.
No que se refere ao primeiro, ocorreu principalmente após as mais de 9 mil via-
gens que trouxeram forçosamente os habitantes do continente africano para o Brasil
com o destino de escravização3. Já ao segundo, sobretudo no processo de industriali-
zação brasileira, acelerada a partir de 1930.
No Brasil, ainda segundo o autor, industrialização teve como consequência a
migração rural-urbana que, de forma geral, apresentou como foco o epicentro da in-
dústria, na região Sudeste. Ao mesmo tempo também trouxe consigo movimentos mi-
gratórios específicos dentro de cada macrorregião brasileira. Não é à toa que, tempos
depois, no ano de 2010, o Brasil já era um país urbano. 54,75% da população brasileira
residia em 283 dos 5.570 municípios que passavam de 100 mil habitantes.
Sabe-se que no início do século XX, no Brasil, a população que habitava em
áreas citadinas era de 17%. Ao final desse mesmo século, esse contingente populacio-
nal saltou para 81%. Já no último senso, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) no ano de 2010, a população que somou 191 milhões de habitantes
já era 84% urbana4.
Um dos principais motivos para este movimento se dá por conta da transforma-
ção da economia brasileira. O país, que antes funcionava sob a base primária de ex-
portação escravocrata, no Séc. XX passa para um panorama urbano-industrial (SAN-
TOS, 2020, p. 2).
Contudo, as políticas afirmativas em torno da questão do ambiente brasileiro sur-
giram apenas após a metade daquele século e ainda com foco no desenvolvimento do
capital. Tais omissões e ações tiveram suas responsabilidades no nascimento das mas-
sas que nos dias de hoje procuram emprego, moradia digna e reconhecimento social.
Segundo Martins (1986, p. 66), “a grande expansão capitalista dos 21 anos de
ditadura militar lançou grandes empresas, especuladores imobiliários, grileiros, e até
pequenos agricultores sobre as terras indígenas”. Nessa trilha, as políticas públicas
nas questões socioespaciais brasileiras, principalmente entre os séculos XIX e XX,

3 Muitos aprofundamentos a respeito da função do tráfico negreiro e do regime escravocrata para


a economia internacional e para formação brasileira podem ser encontrados em Silvio Almeida e
Júlio Cesar de Oliveira Vellozo.
4 Um novo senso estava previsto para o ano de 2020. Contudo, devido ao cenário de pandemia propa-
gado pelo vírus SARS-COV=2, a coleta dos dados foi adiada para 2022.

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foram não apenas formas de racismo que expunham populações à necessidade de


sobrevivência, como tiveram grandes influências na desigualdade social vigente no
Brasil do século XXI. O efeito dessa política, em forma de omissão, anterior à primeira
metade Séc. XX, foi o agravamento dos espaços precários de habitação que já existiam
desde uma abolição que pouco se importou com a inserção social dos recém libertos.
Locais esse que, anos depois, o IBGE passou a chamar de subnormais5.
Novamente segundo Santos (2020), essas distribuições desiguais de espaços, e
consequentemente de vidas, geraram ações direcionadas por parte do Estado brasi-
leiro apenas após a década de 1960. Criaram-se então o Serviço Federal de Habitação
e Urbanismo (SERFHAU), o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Plano Nacional de
Saneamento (PLANASA).
Contudo, impulsionados também pelo sonho da reorganização dos espaços em
prol de atender as necessidades industriais movidas pelas luzes do progresso, o mo-
mento que concerniu ao período militar brasileiro teve grande responsabilidade para
a mobilização de investimentos que sustentassem a industrialização do país sem se
importar com povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais Brasileiros.
Dentre tantos projetos de “desenvolvimento”, os principais foram as áreas da comu-
nicação, da energia e das malhas viárias, que agora deveriam estar adaptadas para o
transporte e escoamento da produção.
Conforme Martins (1986), foi assim com os Tupirapé em Mato Grosso, com os
Suruí de Rondônia, com os Krahó de Goiás, com os Kaiowa de Mato Grosso do Sul,
etc6. Estes, dentre muitos outros exemplos, tiveram suas terras invadidas e seus habi-
tantes removidos sob o poder da violência, da ludibriagem ou da necessidade, todas
oriundas do racismo econômico-jurídico-político brasileiro.
Seguindo seus raciocínios,
É particularmente essencial compreender que a forma assumida pela pro-
priedade territorial amarra as relações sociais, organiza relações de classe,
sustenta relações econômicas e relações políticas, edifica uma determinada
estrutura de poder, alimenta relações de dominação, define limites para a
participação democrática das diferentes classes sociais, particularmente as
classes trabalhadoras (MARTINS, 1986, p.67).

Nesse interim de processos históricos que, como dito, também foram afeta-
dos pela tentativa de inculcação de um espírito moderno urbano-industrial a par-

5 O termo é utilizado pelo IBGE para se referir às localidades que estão fora do plano oficial de mo-
radia. Como por exemplos os morros, favelas ou outros conglomerados informais de habitação no
qual serviços essenciais não são entregues, como coleta de esgoto e/ou pavimentação. Contudo,
deixa-se claro que não se trata apenas destes locais. Há também outras localidades que não se encai-
xam nessas classificações, mas que sofrem as mesmas injustiças e racismos ambientais, como será
demonstrado.
6 Os exemplos chegam a milhares. Não existe etnia indígena que não tenha sido afetada pelo proces-
so econômico predatório de desenvolvimento iniciado após 1500.

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tir do Séc. XX, transformaram-se ainda mais os racismos em forma de injustiças


ambientais no Brasil.

4 SOBRE ESPAÇOS E (I)RECONHECIMENTOS SOCIAIS: A PERPETUAÇÃO


DAS INJUSTIÇAS SOCIAIS E DO RACISMO AMBIENTAL NO
DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES BRASILEIRAS
Como exposto, a desigualdade e a segregação social estão conectadas à raciali-
zação das relações sociais brasileiras. Relacionam-se também a estas origens o fato de
que os habitantes de favelas já se fazem 11,7 milhões de habitantes no Brasil, sendo
parte de 6% da população (DAVIS, 2006)
Ao mesmo tempo, ainda que não se enquadrem no que se está habituado a
compreender como “favela”, também faria bastante sentido para incluir no que expo-
mos, por exemplo, as 8 reservas indígenas instituídas pelo Sistema de Proteção ao Ín-
dio (SPI) entre 1917 e 1928 no Sul do antigo estado de Mato Grosso, atual Mato Grosso
do Sul (CHAMORRO, 2017). Suas fronteiras, foram instituídas em épocas nas quais se
importava menos ainda com espaço sob a ótica de produtor de vida humana. Nesse
sentido, sem entrar no mérito de discutir as atrocidades que o órgão antecessor da
FUNAI produziu dentro de seus campos de concentração militarizados7, as desigual-
dades desses processos de exclusão urbana continuam até hoje.
Com efeito, os indígenas que residem nesses loteamentos, além de sofrerem
com o aumento populacional que não acompanhou o territorial, ainda padecem com
a falta de alimentação, de moradia digna, de transporte, de lazer e de segurança. Di-
reitos esses que, sempre importante lembrar, são fundamentais e inerentes à condi-
ção humana de todos, sem distinção.
Esses movimentos de racismo de Estado e injustiças sociais podem ser vistos
em vários contextos. Nos trabalhos de campo de Milan (2018), observa-se como habi-
tantes dos condomínios populares instituídos naquela que é a segunda maior cidade
do estado de Mato Grosso do Sul – Dourados –, e que teve um populacional de 600% no
decorrer da década de 19508, foram tratados similarmente aos povos indígenas men-
cionados.
Os habitantes de tais locais, além estarem separados da mancha urbana, fre-
quentemente experienciam a falta de transporte público. Para poder dar conta da re-
lação com o ambiente urbano em seu entorno, bem como minimizar a precariedade

7 Fatos atrozes e historicamente importantes podem ser encontrados no documento conhecido como
Relatório Figueiredo.
8 O desenvolvimento urbano da cidade de Dourados se iniciou após a década de 1946, acompanhando
a nova onda de industrialização do país. Sua explosão populacional, após 1950, está diretamente
ligada à mudança política e econômica brasileira. Como dito, agora urbano-industrial.

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do local no qual foram colocados, os habitantes de um destes pequenos aglomerados


urbanos periféricos instituídos pelo poder público acabaram produzindo uma fissura
em uma das grades que fazem parte da fronteira dos fundos do condomínio9. Já que,
se usassem o caminho feito pelo Estado, além de aumentar a em 3 vezes e meia a dis-
tância a ser percorrida na maioria das vezes a pé, ainda se colocavam em risco de vida,
dada a necessidade de entrar em contato com uma avenida de periculosidade. Isso,
para acessar meios básicos de subsistência, como escolas, farmácias, estabelecimen-
tos comerciais, hospitais, etc.
Neste sentido, tomando como exemplo todos os fatos já mencionados, o que se
nota são as consequências de abolição escravocrata tardia10 que, somada ao lance já
mencionado de que não houveram políticas que assegurassem a integração dos recém
libertos em um país que começara a iniciar a industrialização, inaugurou-se “um perí-
odo chamado de pós-emancipação, que teve data precisa para começar, mas não para
terminar” (SCHWARCZ, 2019, p. 27).
Nesse ambiente do Séc. XX, afetado também pelo desenvolvimento do racis-
mo científico de cunho darwinista social11 e pelas teorias liberais que pensavam ser
possível a liberdade e o livre arbítrio onde nem o mínimo de dignidade era provido,
o resultado foi a continuidade da severa desigualdade social que sempre sustentou os
brasileiros em formas racializadas de sociabilidade.
Tais raízes ficaram “encravadas nas práticas, costumes e crenças sociais, pro-
duzindo novas formas de racismo e de estratificação” (SCHWARCZ, 2019, p. 32). No
Brasil “a emergência do racismo é, portanto, uma espécie de troféu da modernidade”
(SCHWARCZ, 2019, p. 31). Suas práticas continuaram com boa parte da população bra-
sileira, o que é visualizado no dia-a-dia da sociedade e em suas práticas cotidianas.
Partindo novamente dos conceitos de Pacheco (2016), nos quais formas racia-
lizadas de relações sociais devem ser entendidas como questões que transcendem a
cor, tem-se que tais configurações também transpassam populações economicamente
vulnerabilizadas e socialmente marginalizadas. Conforme a autora, e citando apenas

9 Para poder acessar a escola mais próxima, seria necessário percorrer um caminho de 7 quilôme-
tros e meio, caso os moradores optassem por utilizar o caminho feito pelo poder público. A ruptura
mencionada anteriormente diminuía a distância para 2 quilômetros. A maioria dos moradores não
tem meios de locomoção motor.
10 A abolição total da escravidão no Brasil se deu em 23 de maio de 1888. O país foi o último do ociden-
te a fazê-lo A título exemplificativo, na América, o Haiti aboliu a escravidão em 1793. O Chile o fez
em 1823, a Bolívia em 1826, o México em 1829, Uruguai e Paraguai em 1842, Colômbia e Equador
em 1851, Argentina em 1853, Venezuela em 1854, Peru em 1855 e Estados Unidos em 1865 (PORTAL
GELEDÉS, 2015).
11 Neste processo, é necessário também que se compreenda o papel do Darwinismo Social e de cunho
“científico” que se espraiou elo Brasil até o início do Sec. XX. Não pretendemos escavar este ponto.
Para maiores aprofundamentos, ver Lilia Schwarcz em O Espetáculo das Raças: Cientistas, Institui-
ções e Questão Racial no Brasil, 1870-1930.

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um exemplo, no momento em que a cidade de Nova Orleans nos Estados Unidos foi
atingida pelo furacão Katrina em 2005, a “raça” e a classe social de alguns cidadãos
foram fatores totalmente determinantes na capacidade de sobreviver fugindo, procu-
rando abrigo ou encontrando asilo em outras cidades.
Desse modo, se levarmos em consideração que a capacidade de sobrevivência
às adversidades, sejam elas de qual natureza forem, acabam por atingir de forma mais
contundente grupos mais vulneráveis da sociedade, ter-se-ia em mente uma outra for-
ma de racismo estrutural e institucional que desvela na “intrincada relação entre clas-
ses sociais e preconceito, entre poder econômico e racismo” (PACHECO, 2016, p. 1).
Há nuances e sutilezas sobre como o racismo, a desigualdade e a exclusão se
travestem no Brasil; por meio da privação de direitos básicos, do desrespeito, da desi-
gualdade social e da produção de sujeitos que vivem na linha da indigência, onde a ina-
cessibilidade os coloca dentro da categoria da “não cidadania” (PACHECO, 2016, p. 2):
É fundamental assumir que racismo e preconceito não se restringem a ne-
gros, afrodescendentes, pardos ou mulatos. Está presente na forma com que
tratamos nos povos indígenas. Está presente na maneira como ‘descartamos’
populações tradicionais – ribeirinhos, quebradeiras de coco, raizeiros, ma-
risqueiros, extrativistas, caiçaras e, em alguns casos, até mesmo pequenos
agricultores familiares. Está presente no tratamento damos, no Sul/Sudeste
principalmente, aos brancos pobres cearenses, paraibanos, maranhenses.
Aos ‘cabeças-chata’. Em geral, no dizer preconceituoso de muitos, que deixam
suas terras em busca de trabalho e encontram ainda mais miséria, tratados
como mão-de-obra facilmente substituível que, se cair da construção, corre
ainda o risco de ‘morrer na contramão atrapalhando o tráfego” (PACHECO,
2016, p. 4).

Citando apenas alguns exemplos, o fato é que os movimentos que se revelam


na dificuldade de certos grupos específicos em conseguir moradia, se locomover no
ambiente por conta da precariedade da inserção geográfica ou do transporte públi-
co e até a falta de saneamento básico, acabam não só fazendo com que populações
sobrevivam sem as garantias constitucionalmente definidas como mínimas e de res-
ponsabilidade do Estado, como ainda torna dificultosa a reprodução de seus padrões
culturais, também garantidos pela carta magna, como no caso dos povos indígenas e
dos quilombolas. Matando não apenas o corpo físico, mas também socialmente, com
a extinção de suas práticas culturais.
Tendo em mente as raízes históricas existentes nos processos que fundaram as
desigualdades sociais no Brasil, bem como sua base racista de funcionamento, parece
ser evidente que:
tal grupo de indivíduos, reconhecidos por habitar os lugares mais precários
da cidade – localidades marginalizadas em que vivem as pessoas mais pobres
e, que não veem concretizados seus direitos ao meio ambiente ecologicamen-
te equilibrado e saúde do meio ambiente –, geralmente possui uma identida-
de social, racial e cultural antagônica a da classe média e alta” (ALMEIDA;
SALIB, 2017, p. 623).

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Cidades Brasileiras e O Direito das Minorias 83

Por isso se pode afirmar que “o crescimento populacional desordenado deságua


em uma série de problemas socioambientais”, sendo que “a maioria deles se relaciona
às condições de vida precária e subumana em que vive uma parcela da população das
grandes cidades” (ALMEIDA; SALIB, 2017, p. 623).
Sobre o tema, Almeida e Salib (2017, p. 623) ainda acrescentam:
As desigualdades sociais possuem raízes históricas, portanto a segregação
social está intimamente ligada à maneira como foram formados os centros
urbanos. Na medida em que as comunidades que não possuem voz política
são retiradas dos seus locais de origem, ocorre o surgimento ou crescimento
da marginalização.

A esta altura, se se fizer menção à filosofia de Butler (2016, p. 15) para trabalhar
com tais exemplos, talvez seja possível compreender o que significa “aprender uma
vida, ou um conjunto de vidas, como precária”.
Com efeito, por estarem em condições limiares entre a vida e a morte do (i)re-
conhecimento político, suas perdas não são passíveis de luto, já que nem mesmo são
contadas como vidas que devam ser reproduzidas ou protegidas. Nesse sentido, levan-
do-se em conta “essa distribuição diferencial da condição de precariedade” (BUTLER,
2016, p. 45), seria possível “analisar alguns atributos culturais do poder militar duran-
te estes tempos, como se tentassem maximizar a precariedade para os outros enquan-
to a minimiza para o poder em questão” (BUTLER, 2016, p. 45).
Enfim, para se compreender o racismo ambiental e as injustiças dos processos
entremeados nas desigualdades brasileiras, principalmente no que se refere ao aces-
so à igualdade de direitos fundamentais básicos, é necessário não apenas olhar para
dentro da história. É preciso também compreender que dificilmente se poderá traçar
linhas claras que separem os problemas que são de origem social daqueles que são de
origem ambiental.
Tais questões acabam por se agravar ainda mais com atinente ao racismo am-
biental, porquanto as próprias ações dos poderes políticos, notadamente do executi-
vo, no processo de urbanização, estão voltadas para as classes dominantes, omitindo-
-se, involuntária ou voluntariamente, em ações efetivas que possam diminuir essas
desigualdades, perpetuando o racismo ambiental com a produção de efeitos segrega-
dores.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os movimentos de racismo no Brasil retratam algo que atravessa sua origem
histórica e física. A perpetuação do racismo na sociedade brasileira se manifesta de
várias formas, como na reorganização ambiental dentro do processo de urbanização
que o Brasil vivenciou notadamente após meados do Séc. XX, posteriormente à aboli-
ção da escravatura. Nota-se que a sociedade brasileira, tem a capacidade de produzir

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injustiças sociais e ambientais que se traduzem nas condições de precariedade vividas


pelos grupos marginalizados.
De fato, é evidente que o Brasil é um país de culturas múltiplas. Sendo também
evidente que se tem minorias, que foram – e ainda são – marginalizadas no próprio
processo de urbanização e “desenvolvimento” das cidades, já que impedem ou dificul-
tam acesso a direitos fundamentais básicos como moradia digna, saúde, educação,
transporte e lazer, vivificando as consequências de um processo abolicionista que ain-
da se desdobra.
Tais fatos geraram e continuam gerando injustiças sociais em relação a diver-
sos grupos no Brasil. Mais notadamente em relação aos povos indígenas, quilombolas
e à população que se fixaram às margens dos grandes centros urbanos, nos chamados
“locais subnormais”, o que é conhecido popularmente como “favelas”. Noutros casos,
até mesmo em conjuntos habitacionais em sociais.
Nesse sentido, na compreensão do racismo ambiental e das injustiças dos pro-
cessos entremeados nas desigualdades brasileiras, notadamente no tocante ao acesso
igualitário de direitos fundamentais, torna-se necessário entender o processo de des-
dobramento da história brasileira.
Conjuga-se, então, em tais linhas de raciocínio, sem o intuito de esgotar o es-
tudo do tema, a necessidade de que sejam produzidas políticas, públicas e/ou priva-
das, que tenham a consciência do processo histórico que estão envolvidas. Para tanto,
toma-se como possiblidade aquilo que Peruzzo, chama de “consulta prévia” (2017, p.
2711) para a elaboração de programas sociais para minorias.
Nesse sentido, aquilo que o autor aplica a povos indígenas como uma possível
ferramenta para levar em consideração as necessidades dos grupos étnicos ao qual se
aplica, propõe-se também como necessidade, e como fins de horinzontalidade, nas
ações para outros grupos marginalizados. Sustenta-se que a Justiça tem a necessidade
de compreender as especificidade e pluralidades históricas da formação dos espaços
e sujeitos brasileiros, devendo levar em consideração diversos fatores ao implantá-las.

REFERÊNCIAS

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co na efetivação do direito humano ao saneamento básico na cidade de Porto Velho.
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