II PPPSEducacao
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Material Teórico
Objetivos da Unidade:
Introdução
Nunca é demais relembrarmos que educação e saúde, por serem formas de organização
humanas, são culturais, histórica e socialmente construídas. Isso signi ca que não é possível
compreender as ideias e dinâmicas que envolvem esses direitos sociais sem contextualizá-los
historicamente. Nesta unidade veremos o percurso das políticas públicas em educação e saúde
no Brasil desde que foram assumidas pelo Estado brasileiro como compromisso público.
Ao pensar sobre educação e saúde, pode-se tomar esses conceitos como direitos
fundamentais de qualquer cidadão. Mas desde quando existe a concepção atual de que
educação e saúde são direitos sociais fundamentais para a garantia de dignidade, liberdade e
igualdade? A construção dos direitos civis e sociais é uma construção histórica e, portanto,
muda ao longo do tempo, acompanhando as transformações sociais.
Sente-se com preparo para percorrermos juntos a história do Brasil, observando as relações
entre público e privado, Estado e cidadãos? Vamos conhecer as formas de educação e atenção
à saúde que se desenvolveram na terra brasilis, da colônia aos dias de hoje.
Podemos dizer que, durante os primeiros dois séculos da colonização, os jesuítas foram os
responsáveis pelas atividades educacionais desenvolvidas no Brasil. A Companhia de Jesus
orientava e padronizava as práticas pedagógicas dos jesuítas através do Ratio Studiorum,
documento escrito por Inácio de Loiola, e não se limitava a ensino das letras e catequese,
organizando os cursos de Letras e Filoso a, chamados de secundários, e o curso de Teologia e
Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes.
Com a ascensão política do Marquês de Pombal em Portugal, os jesuítas foram expulsos do
território brasileiro, já que as ações pedagógicas praticadas pelos religiosos estavam em
desacordo com os interesses da Coroa portuguesa, preocupada em colocar a educação a
serviço do Estado, consolidando as relações coloniais sob controle português sem
interferências do clero. No entanto, a expulsão dos jesuítas reduziu a praticamente zero as
iniciativas educacionais existentes no Brasil.
É com a independência política do Brasil em relação a Portugal, em 1822, que o Estado passa a
atuar de forma a abarcar os interesses da esfera pública brasileira. Juridicamente, só podemos
falar em um Estado brasileiro a partir da Independência, portanto, as ações estatais que
tratam a educação como uma instituição social só ocorrem após esse marco histórico. A
primeira Constituição brasileira, de 1824, delimita no seu artigo 179 que “a instrução primária
é gratuita para todos os cidadãos” (BRASIL, 1824). Em 1827, determina-se legalmente a
criação de escolas de primeiras letras “em todas vilas e lugares do Império”. Ainda no período
do Império, o Ato Adicional do Imperador, em 1834, transferiu aos estados a responsabilidade
de oferecer ensino primário e secundário, descentralizando a organização do ensino.
Figura 2 – Quinta Imperial da Boa Vista, no Rio de Janeiro
Fonte: brasilianafotogra ca.bn.gov
Apesar de um primeiro lampejo do Estado em oferecer ensino à sociedade civil, a rede escolar
atendia a pouco mais de 2.400 estudantes, não abarcando nem 1% da população de crianças da
época, fortalecendo ações da iniciativa privada com cursos secundários e superiores para as
elites e uma educação primária e pro ssional precária para as classes subalternas.
Saiba Mais
Reformas educacionais Benjamin Constant (decreto 981/1890) e
Rivadávia Corrêa (decreto 8.659/1911)A Reforma Benjamin Constant
foi a primeira modi cação na educação após a Proclamação da
República. Com inspiração positivista, a reforma estabelecia diretrizes
educacionais que abarcariam todos os níveis de ensino, impactando
principalmente o secundário, já que alterou as regras para certi cação
nesse nível. A ação forçava as províncias a adequarem-se ao modelo
curricular do Ginásio Nacional como padrão do ensino secundário.
Também ampliou o aspecto enciclopédico do currículo, alterando a
estrutura do ensino clássico herdado dos jesuítas. As di culdades das
províncias em adequarem-se ao modelo sem os devidos investimentos
tornaram a lei ine caz e elitista.
Foi a partir do governo provisório de Getúlio Vargas, em 1930, que a educação como
instituição social ganhou relevância política, marcando o que podemos classi car como o
início das políticas públicas educacionais no Brasil. Nesse ano foi criado o Ministério da
Educação e Saúde Pública (MESP) como uma das primeiras ações do governo provisório. Em
1931, o decreto 19.850 instituiu o Conselho Nacional de Educação, para atuar no MESP nos
assuntos relativos ao ensino.
Com ações do Poder Público para implementar um parque industrial sólido no país e ampliar a
oferta de mão de obra quali cada para a indústria, o governo implementou programas de
educação técnica e pro ssionalizante que marcaram a construção de um sistema de ensino no
Brasil. O Estado Novo, por meio da Constituição de 1937, desobrigou-se da educação pública,
tornando-se apenas um subsidiário do sistema. Nesse contexto, as populações mais pobres
tiveram acesso prioritariamente ao ensino pro ssionalizante, enquanto a educação básica e
superior, sem investimentos e regulação estatal direta, concentrava-se na iniciativa privada,
fortalecendo a lógica elitista da educação no Brasil.
O documento preconizava, pela primeira vez no Brasil, a educação como um direito social
universal, apoiado nas concepções da Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada
pela Organização das Nações Unidas (ONU) após o m da Segunda Guerra Mundial. Aspectos
como liberdade do ensino, nanciamento e gestão estatal por meio do Ministério da Educação
e Cultura, e criação do Conselho Federal de Educação com estrutura democrática e
representativa dos estados da federação são as principais mudanças impulsionadas pela nova
legislação. Apesar de manter a dualidade entre educação pública e privada, a LDBEN de 1961
indicava a preocupação com a ampliação e a organização dos sistemas de ensino públicos no
Brasil.
Durante a ditadura militar ocorreram mudanças radicais no Estado brasileiro. Sem direitos
democráticos e com a limitação das liberdades individuais, as mudanças na estrutura legal da
educação, bem como as ampliações do sistema de ensino básico e superior, enfrentaram as
contradições de uma modernização conservadora, autoritária, privatizante e com poucos
investimentos do Estado na área. Em 1964, o Brasil assinou os acordos conhecidos como
MEC-USAID, pavimentando os caminhos para uma educação tecnicista com in uência e
colaboração da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na
sigla em inglês) para elaboração de políticas públicas.
Em 1968, por meio da lei 5.540, o governo militar promoveu sua primeira grande
reestruturação na educação, realizando uma reforma universitária que instituiu o vestibular
classi catório, implementou modelo de gestão empresarial das universidades e criou campi
universitários afastados das áreas urbanas, isolando espacialmente a universidade da vida
pública das cidades. Além disso, a nova legislação abria espaço para a expansão da oferta de
ensino superior privado, fortalecendo o setor empresarial da educação.
No âmbito da educação básica, a reformulação operada pelos militares ocorreu em 1971 e foi
implementada pela lei 5.692. Esta foi elaborada, aprovada e sancionada durante um dos
períodos mais restritivos da ditadura, quando vigorou o Ato Institucional 5, que cassou
deputados e senadores, além de demitir professores nas universidades, entre outras medidas
antidemocráticas. Ela alterou o 1º e 2º graus, uni cando primário e ginasial no 1º grau, em
oito anos, e estabelecendo que o 2º grau, antigo colegial, deveria ser pro ssionalizante em
três ou quatro anos. Apesar do aumento da carga horária e do número de disciplinas, a nova
lei signi cou a tecnicização do ensino público e o fortalecimento da rede de educação privada,
que manteve currículos com conteúdos acadêmicos e preparação para o ingresso nas
universidades.
O período colonial foi marcado por inúmeras enfermidades que acometiam a população, desde
doenças tropicais – como febre amarela e malária, que eram desconhecidas da ciência médica
europeia – até moléstias como peste bubônica, cólera e varíola, trazidas para a América pelos
colonos. Além disso, a exploração dos povos africanos escravizados, submetidos a condições
de trabalho e vida indignas, também produzia moléstias que acometiam principalmente as
camadas subalternas da sociedade.
Com a chegada da família real portuguesa em 1808, surgiram algumas iniciativas na saúde
pública com o objetivo de manter a saúde da mão de obra que interessava aos negócios da
nobreza. A criação da Faculdade de Medicina e da Escola Médico-Cirúrgica em Salvador e a
regulamentação do ensino de práticas médicas e da atuação dos pro ssionais de saúde
resultaram em gradativo controle das práticas populares, substituição de religiosos nas
direções de hospitais e constituição de hospitais públicos voltados ao atendimento de doenças
mentais, tuberculose e hanseníase, consideradas nocivas à coletividade.
Segundo Tatiana Baptista (2007), no período colonial o interesse pela saúde esteve
relacionado ao interesse do Estado e das elites em garantir a produção das riquezas e,
portanto, o controle da mão de obra e das mercadorias, compreendendo ações coletivas para o
controle das doenças e o saneamento das cidades, principalmente nas zonas portuárias
responsáveis pelo armazenamento e comercialização de produtos de exportação, permeando
as principais ações de saúde pública. “A preocupação maior era a saúde da cidade e do
produto; a assistência ao trabalhador era uma consequência dessa política” (BAPTISTA, 2007,
p. 32).
A criação da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), em 1897, e dos institutos de pesquisa,
como o Instituto Soroterápico Federal, em 1900, são as principais medidas da Primeira
República. Durante a presidência de Rodrigues Alves ocorreram as mais importantes
mudanças no sentido de implementação de políticas sanitaristas e de combate a doenças
epidêmicas. As reformas urbanas no Rio de Janeiro (em conjunto com o prefeito Pereira
Passos), a reforma na saúde em 1903 e o código sanitário de 1904, ambos implementados sob
o comando de Oswaldo Cruz, instituíram a desinfecção de domicílios, a demolição de imóveis
considerados nocivos, o controle de doenças (como febre amarela, varíola e peste bubônica) e
a campanha de vacinação obrigatória, tudo controlado pelo Estado. As ações de Oswaldo Cruz
geraram controvérsias entre políticos, população e opinião pública, culminando na Revolta da
Vacina.
Figura 5 – Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos, Rio
de Janeiro
Fonte: Wikimedia Commons
Entre 1910 e 1920, Oswaldo Cruz e outros sanitaristas, como Emílio Ribas, Carlos Chagas,
Clementino Fraga e Belisário Pena, dedicaram-se a conhecer a realidade da saúde nas áreas
rurais para o controle de endemias de ancilostomíase, malária e mal de Chagas. A maior parte
da população brasileira vivia no campo e as expedições pelo território nacional davam uma
dimensão da necessidade de políticas estatais de saúde especí cas para essas regiões. Em
1920 foi criada a Diretoria Nacional de Saúde Pública (DNSP), consolidando a atuação do
movimento sanitarista para colocar a saúde como uma questão política e social, contribuindo
para a formação de uma burocracia em saúde pública e a expansão da presença do Estado no
atendimento a questões sanitárias.
Em 1923, em meio aos con itos de diversas ordens políticas entre trabalhadores assalariados,
patrões e governos locais, foi aprovada a lei proposta em 1917 por Eloy Chaves, que
regulamentaria o que cou conhecido como as Caixas de Aposentadoria e Pensão (Caps).
Empresas, em acordo com seus funcionários, organizavam fundos para cumprir o papel de
seguridade social – oferecendo atendimento médico, remédios, aposentadorias e pensões aos
segurados. Ao Estado cabia apenas a regulamentação dessas organizações, que seriam
nanciadas e administradas pela associação entre patrões e empregados.
Foi somente após a revolução de 1930, durante o governo provisório de Getúlio Vargas, que o
Estado assumiu diretamente seu papel de agente público na organização, nanciamento e
administração de um sistema de atenção à saúde mais amplo. O projeto econômico de
industrialização do país e a consolidação de uma política trabalhista oriunda do Estado
impulsionam ações de ampliação dos direitos sociais básicos, e a saúde se tornou um campo
de intervenção ativa do Estado. A criação do MESP e do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio (MTIC) marcou a fase ativa do Estado em relação à proteção à saúde dos
trabalhadores.
Durante a década de 1970, o atendimento do INPS foi ampliado a categorias pro ssionais de
trabalhadores rurais, empregadas domésticas e autônomos, grupos sociais numerosos que
elevaram drasticamente a demanda por serviços e os gastos públicos em saúde. Essa situação
levou o Estado a regulamentar a contratação de serviços privados para o atendimento ao
público, atuação combinada entre Estado e Mercado que direcionava recursos públicos para
agentes privados.
A virada dos anos 1970 para os anos 1980, período de replanejamento estatal e abertura
política, foi um momento de retomada das discussões sanitaristas, apoiadas nas principais
instituições de pesquisa em saúde pública do país. Os debates realizados por pesquisadores e a
divulgação cientí ca sobre as condições de saúde da população pressionavam o Estado a
realizar mudanças na forma da assistência à saúde. Colocou-se em debate a necessidade de
entendimento da saúde como um direito social de todo cidadão, e não apenas dos
contribuintes, assim como a necessidade de uma atenção à saúde integral, a consolidação de
um sistema único com administração e ações descentralizadas entre os membros da
federação, mas que fossem organizadas e nanciadas pelo Estado brasileiro.
Durante a década de 1980, ações do Ministério da Saúde e de outros órgãos estatais, junto ao
movimento sanitarista, identi caram inúmeros vícios do sistema de saúde brasileiro e
propuseram um movimento reformista amplo que pudesse oferecer serviços adequados à
realidade local e integrar os prestadores de serviços, dinamizando e racionalizando os
recursos, assim como coibindo desvios e imprevisibilidade de custos do sistema. Em 1982 foi
criado o Programa de Ações Integradas de Saúde (Pais), visando integrar as diferentes ações
de saúde das diversas esferas de governo. O Pais previa a descentralização da administração
dos recursos entre outras mudanças que visavam racionalizar o sistema de saúde pública
gerido pelo Estado.
A abertura democrática e a elaboração de uma nova Constituição para o contexto político que
se iniciava foram fundamentais para desenvolver uma concepção de saúde como direito
universal e dever do Estado, o que levaria à consolidação de um sistema público de saúde,
integrado e descentralizado, característica do Sistema Único de Saúde (SUS), que corresponde
à situação contemporânea da saúde pública brasileira.
A Constituição atual já vigora no Brasil há mais de trinta anos, o que indica uma importante
conquista para o sistema político brasileiro. Essa legislação tem seções especí cas para tratar
da oferta de direitos sociais, entre eles a educação e a saúde. Dela derivam outras leis
especí cas que embasam a estruturação, o nanciamento, o controle e a regulação de
sistemas de saúde e educação, ou seja, políticas públicas que buscam implementar ações que
transformem a ideia dos direitos em realidade material para a população.
A saúde atualmente é regida pela Constituição Federal, na seção II – Saúde, e pelas leis
8.080/1990 e 8.142/1990. A Constituição Federal criou o SUS e deu o escopo de princípios para
a formulação de suas leis orgânicas, formas de nanciamento e gestão. Além disso, o
Ministério da Saúde e suas subsecretarias emitem normatizações operacionais que
conformam as ações públicas na saúde, estruturando o sistema público e regulando o sistema
privado. A estrutura republicana do Estado condiciona a mudança da estrutura e das formas de
gestão do SUS, por meio de emendas e alterações nessas leis, o que cria controles jurídicos
para a ação dos governos, evitando desvios e abusos oriundos de projetos temporários ou
incertos.
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Site
Revista de História da Educação (RHE)
Revista acadêmica digital da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da
Educação (ASPHE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A revista está hospedada no portal de revistas da UFRGS e tem como missão a publicação
permanente de artigos voltados à História da Educação e à História da Educação no Brasil.
Além de ser uma excelente fonte de pesquisa sobre Educação, é também um canal para
publicação de artigos acadêmicos, recebendo periodicamente textos de pesquisadores que
abordam temas ligados à História da Educação.
Revista História da Educação
A revista História da Educação é uma publicação da Associação Sul-Rio-
Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe, mantida desde
1997. Tem como nalidade disseminar conhecimentos relacionados à área de
História e Historiogra a da Educação. Recebe apoio nanceiro do CNPq/Capes
e apoio institucional de diferentes Universidades do Rio Grande do Sul.
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Filmes
Sonhos Tropicais
Direção de André Sturm, cção, 2001.
O lme narra a trajetória de uma jovem polonesa que chega ao Brasil no início do século XX
em busca de oportunidades e acaba forçada a se prostituir. A história dos protagonistas se
cruza com os acontecimentos políticos do Brasil no início do século XX. Campanhas
sanitaristas de Oswaldo Cruz, epidemias de peste bubônica e varíola e Revolta da Vacina são o
pano de fundo dos acontecimentos. Uma excelente contextualização das condições político-
sociais no Brasil da Primeira República.
Referências
BAPTISTA, T. W. F. História das políticas de saúde no Brasil: a trajetória do direito à saúde. In:
MATTA, G. C.; PONTES, A. L. M. (org.). Políticas de saúde: organização e operacionalização do
Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007. p. 29-60.