2 - Existem "Vertentes" No Feminismo - QG Feminista - Medium
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QG Feminista
Mar 5, 2018 · 33 min read
O fenômeno da opressão das mulheres na sociedade é uma coisa que há muito pouco
tempo começou a ser estudada de fato. Mulheres durante muito tempo estiveram
excluídas dos bancos da universidade, na verdade há relativamente pouco tempo que
conseguiram conquistar o direito de alfabetizar-se e estudar. Foram homens que
ocuparam e ocupam a maioria das cadeiras de pesquisadores. E realmente eles não
estão nem um pouco interessados em estudar e registrar a história do massacre que
eles mesmos executam contra a outra metade da população.
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25/05/2020 Existem “vertentes” no feminismo? - QG Feminista - Medium
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Com relação às divisões nos planos ideológico e político, têm surgido tentativas de
categorizar e etiquetar as várias tendências no novo movimento feminista. Assim, algumas
tendências são chamadas de “feminismo radical”; outras, de “feminismo socialista” ou
“feminismo Marxista”; outras, de “feminismo liberal”; às vezes, dependendo da filiação
política de quem fala, uma tendência pode ser denunciada como “feminismo burguês”. Do
meu ponto de vista, esse etiquetamento não contribuiu para um melhor entendimento do
que o feminismo realmente é, por que ele luta, quais são seus princípios básicos, quais são
suas análises da sociedade e suas estratégias. Além disso, esse etiquetamento somente é
relevante para pessoas que olham para o movimento principalmente de fora e tentam
enquadrá-lo em categorias que elas já conhecem. (…) O maior resultado dessa abordagem
de etiquetamento, entretanto, não é somente sua pobreza explicatória mas também o fato
de que ela tenta encaixar a “questão da mulher” em estruturas de pensamento políticas e
teóricas já existentes. Isso significa que essas estruturas, dessa forma, não são criticadas
do ponto de vista da libertação das mulheres, mas são consideradas mais ou menos
adequadas e apenas carentes do “componente de mulheres”. Se esse “componente” for
acrescentado, espera-se, essas teorias se tornariam completas. (tradução livre)
De forma semelhante, Carole Pateman (1988, tradução livre) também pontua que
“(…) a classificação de feministas em radicais, liberais e socialistas sugere que o
feminismo é sempre secundário, um suplemento a outras doutrinas”.
Buscar a explicação das diferenças sociais entre homens e mulheres não é o que define
a teoria e a política feministas. Na verdade, algumas das teorias mais misóginas de,
inclusive, “grandes” filósofos da história são exatamente tentativas de explicar por que
homens e mulheres ocupam lugares tão diferentes.
Explicar e interpretar o mundo a partir do ponto de vista de uma mulher — ou seja, ler
teorias levando em consideração sua vivência material enquanto mulher, para, a partir
disso, julgar o quanto a teoria se aplica ou não — também não é feminismo, porque um
homem conseguiria fazer esse raciocínio, esse exercício metafísico(ainda que não
conseguisse contribuir com ele). Principalmente a partir do desenvolvimento da teoria
marxista e das teorias da linguagem, foi ficando cada vez mais óbvio que a
subjetividade do autor de um texto sempre está ali, direcionando seu olhar, seu
raciocínio, seu pensamento, mesmo quando se rigorosamente segue métodos
científicos. Não se precisa ser feminista, portanto, para entender que o ponto de vista
de uma mulher e de um homem serão diferentes. Se a mera questão do “ponto de
vista” definisse feminismo, teríamos de incluir como “teoria feminista” inclusive teorias
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Uma teoria que não localize histórica e teoricamente como e por que as mulheres,
enquanto grupo social, têm estado em situação de dominação por parte dos homens,
enquanto grupo social, não é uma teoria feminista. Da mesma forma, uma teoria que
aponte esse fato, mas não o coloca como um problema, naturalizando essa situação de
desigualdade, também não é teoria feminista.
Teorias que colocam a opressão sexual como fator secundário da opressão feminina,
elencando outros fatores como primários, também não são teorias propriamente
feministas, porque não compartilham daquela premissa básica. São teorias que podem
dialogar em diversos pontos com a teoria feminista, mas que dela necessariamente
divergirão quanto à proposta de “soluções”. Maria Mies (1998) comenta como,
portanto, não basta, simplesmente, acrescentar a “questão feminina” às teorias:
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a raiz do problema e para sua solução, ao mesmo tempo em que traça os limites do que
é e do que não é de fato feminismo.
É possível encontrar diversas formas de expressar essa mesma ideia. Diferentes teóricas
definem “feminismo” de diferentes formas, mas o que encontramos de fundamental,
de comum a todas é justamente a centralização do fator sexual enquanto definidor da
experiência feminina no mundo. Isso não significa que a teoria feminista não dialogue
com ou ignore outros fatores de opressão estrutural, como raça e classe; significa,
apenas, que o feminismo parte do pressuposto de que, mesmo dentro dos grupos mais
vulneráveis, as mulheres constituem a classe mais vulnerável, uma vez que em todos os
grupos sociais estão presentes ambos os sexos.
Alison Jaggar (1983), por exemplo, diz que é fundamental à luta feminista “revelar a
realidade intrincada e sistemática da dominação masculina”, além de que “no final das
contas, uma representação adequada do mundo a partir do ponto de vista das
mulheres requer a destruição material da dominação masculina”. Denise Thompson
(2001) trata de feminismo nos mesmos termos. Segundo a autora, o “ponto de vista
feminista” deve ser reconhecido, em primeiro lugar, como a “oposição política e moral
à supremacia masculina”; porque, caso contrário, ele perde seu foco unificador central,
e “mulher” se torna uma categoria de ocupantes de “lugares sociais”, presas em
antagonismos excludentes ao ponto de alguns desses “lugares sociais” serem mais
privilegiados que outros (p. 154.) Segundo a autora, “sem a identificação explícita a
supremacia masculina como o problema, não há ponto de vista feminista”.
Feminismo é uma crítica completa da dominação masculina onde quer que ela se encontre
e como quer que ela se manifeste. É um trabalho que visa a acabar com as imposições
masculinas em suas mais variadas formas, e a criar uma comunidade de mulheres se
relacionando com mulheres e criando nosso próprio status humano, desoneradas de
significados e valores os quais ou incluem as mulheres na raça humana nos termos
masculinos ou não incluem de forma alguma. Tudo isso só pode ser feito a partir de um
ponto de vista que reconhece a existência da ordem social da supremacia masculina, que
permite apenas aos homens o status “humano”, um ponto de vista que envolve uma luta
para reinterpretar e reorganizar o mundo de forma que mulheres possam ser reconhecidas
como seres humanos também. (tradução livre)
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bell hooks (1984) coloca em outros termos. A autora não fala em “supremacia” ou
“dominação” masculina; ela fala em “opressão sexista”:
hooks também defende ser necessária uma definição concreta de feminismo, uma vez
que o esvaziamento de sentido da palavra — como se cada mulher pudesse ter seu
“próprio” feminismo de acordo com o que lhe convém — possibilitou sua cooptação
por outras teorias e movimentos que não necessariamente têm comprometimento com
a destruição da “opressão sexista”, como os próprios movimentos liberais.
Gerda Lerner (1986) insere um apêndice no seu livro em que ela define diversos
termos e expressões. A autora também critica o uso indiscriminado da palavra
“feminismo” e também clama por uma definição mais disciplinada; mas aponta que o
“feminismo”, em geral, pode ser entendido como (1) um movimento por direitos das
mulheres e (2) um movimento pela emancipação das mulheres, enfatizando que a
segunda definição entra em conflito com a primeira em diversos pontos, além de a
preceder. Qualquer que seja o sentido dado ao “feminismo”, no entanto, é central a
ideia de oposição à supremacia masculina e a luta por sua eventual abolição.
É claro que a premissa de que a luta definitiva das mulheres é contra a supremacia
masculina não ignora as outras opressões e explorações que permeiam a vida das
mulheres. Na verdade, foi só a partir do reconhecimento desse fator comum que nos
une a todas — a subordinação ao patriarcado e a necessidade de emancipação — que
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Feminismo Liberal
(ou liberalismo aplicado à questão feminina)
O liberalismo enquanto teoria política, social e econômica surge por volta dos séculos
XV e XVI, mas se fortalece de verdade a partir do século XVII, com a ascensão do
iluminismo. A ideia de seus teóricos era fazer uma oposição ideológica às doutrinas
monárquicas, de Estado absolutista — o que pressupõe críticas à ausência de direitos, à
arbitrariedade inerente a um Estado absolutista, à falta de mobilidade social, ao
autoritarismo econômico, político e social, e por aí vai.
Alguns liberais chegaram até a falar da condição feminina, como John Stuart Mill, no
século XIX, que defendeu o direito da mulher ao divórcio e ao voto. Mas não era a
regra. O liberalismo nasceu de um solo burguês e patriarcal, e suas principais
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E ainda você vai ter muita confusão com o termo “feminismo liberal” por causa da
confusão com o termo “liberal” enquanto sinônimo de liberdade, de algo libertador —
o oposto de conservador, melhor dizendo. É comum, então, que se pense que
“feminismo liberal” é aquele feminismo que, simplesmente, deseja “liberdades” para as
mulheres. Tudo errado.
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Finalizamos com uma citação de bell hooks (1984), que sintetiza o debate:
O impacto positivo das reformas liberais nas vidas das mulheres não deve levar à
presunção de que elas erradicam sistemas de dominação. Em lugar algum [nas demandas
do feminismo liberal] há ênfase em erradicar a política de dominação; entretanto, [essa
política] precisaria ser abolida se o objetivo fosse o cumprimento de qualquer uma de
[suas demandas]. A ausência de qualquer ênfase na dominação é consistente com a crença
feminista liberal de que as mulheres podem alcançar equidade com homens de suas classes
sem desafiar e mudar a base cultural da opressão coletiva. É essa crença que anula a
possibilidade de que o radicalismo potencial do feminismo liberal será, em qualquer
momento, efetivado. (tradução livre)
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Uma mulher pode ter direitos iguais e ser verdadeiramente livre apenas em um mundo
onde o trabalho é socializado, harmônico e justo. As feministas não estão dispostas a
entender isso e são incapazes de fazê-lo. Elas sentem que quando a igualdade é
formalmente aceita pela letra da lei será capaz de conseguir um lugar confortável para
elas no velho mundo de opressão, escravidão, servidão, lágrimas e dificuldades. E isso é
verdade até certo ponto. Para a maioria das mulheres do proletariado, direitos iguais aos
dos homens significa apenas uma parte igual da desigualdade, mas para as “poucas
escolhidas”, para as mulheres burguesas, de fato, abre uma porta para novos direitos e
privilégios que até agora só foram apreciados por homens de classe burguesa. Mas a cada
nova concessão que a mulher burguesa consegue terá outra arma para explorar a mulher
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proletária e continuar a aumentar a divisão entre as mulheres dos dois campos sociais
opostos. Os seus interesses se veriam mais claramente em conflito, as suas aspirações mais
evidentemente em contradição.
Décadas antes, August Bebel (1878) já havia descrito como as demandas das mulheres
burguesas não alcançavam as mulheres proletárias — defendendo, portanto, que o
socialismo era o único caminho realmente libertador para a mulher proletária:
(…) todas as mulheres — independentemente de sua posição na sociedade, como sexo que
tem sido oprimido, dominado e injustiçado por homens ao longo do desenvolvimento de
nossa cultura — têm o interesse em comum de se livrar dessa situação [de exploração] e de
lutar para mudá-la, na medida em que possa ser mudada por meio de mudanças nas leis e
nas instituições dentro da estrutura social da ordem política e social existente. Mas a
maioria das mulheres também está mais profundamente interessada em algo mais: em
transformar a ordem social e política existente de baixo para cima, para abolir ambos a
escravidão salariam, que afeta o proletariado feminino mais intensamente, e a escravidão
sexual, que é intimamente conectada com nossas condições de propriedade e de emprego.
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alemão, a expressão utilizada é Frauenfrage, palavra composta pela junção das palavras
frauen — mulheres — e frage — questão, problema).
O grande cisma entre teoria feminista e teoria marxista se dá pelo fato de que a teoria
marxista considera que a opressão das mulheres coincidiu com a divisão da sociedade
em classes e a ascensão do Estado (proposição básica de Engels), enquanto que a teoria
feminista entende que a opressão das mulheres — o patriarcado — é anterior à
exploração capitalista — a divisão em classes. Sandra Bloodworth (2018) faz um bom
resumo do pensamento marxista sobre isso:
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(…) explicar a utilidade das mulheres ao capitalismo é uma coisa. Argumentar que essa
utilidade explica a gênese da opressão das mulheres é outra. É precisamente nesse ponto
que a análise do capitalismo deixa de explicar muito sobre as mulheres e a opressão das
mulheres.
Também Mary Inman, militante do partido comunista nos Estados Unidos (!), já em
1940, em seu livro In Woman’s Defense, escrevia sobre o que ela acreditava serem falhas
na análise marxista. A autora pontuou, por exemplo, que, apesar de suas diferenças de
classe, mulheres são exploradas enquanto grupo, e que atitudes supremacistas
masculinas permeiam todos os níveis da sociedade — inclusive a classe trabalhadora
— , apesar de emanarem da classe dominante.
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particular do feminismo que é socialista. É um que foca em como o poder tem sido negado
às mulheres por conta de sua posição de classe. (tradução livre)
Ao tentar definir o que é o feminismo socialista, por sua vez, Barbara Ehrenreich
(1976) explica que não se trata de uma mera justaposição de teoria feminista e de
teoria marxista. Trata-se, na verdade, de “um tipo socialista feminista de feminismo e
um tipo socialista feminista de socialismo” —
O feminismo socialista trabalha, então, para unir a teoria feminista (radical) à teoria
marxista, considerando que uma pode ajudar a desenvolver a outra. Zillah Eisenstein,
na antologia Capitalist Patriarchy and the case for Socialist Feminism (1979), diz
explicitamente que o “a síntese do feminismo radical e da análise Marxista é um
primeiro passo necessário na formulação de uma teoria política feminista socialista” e
que, em seu método, ela usa “a análise de classes Marxista como tese, a análise
patriarcal feminista radical como antítese, e de ambas evolui a síntese do feminismo
socialista” (tradução livre):
A análise Marxista busca uma explicação histórica das relações de poder existentes em
termos de relações econômicas de classe, e o feminismo radical lida com a realidade
biológica do poder. O feminismo socialista, por outro lado, analisa poder em termos de
suas origens de classe raízes patriarcais. Em tal análise, capitalismo e patriarcado não são
nem sistemas autônomos nem idênticos: eles são, em sua forma presente, mutualmente
dependentes. (tradução livre)
É interessante como a autora indica todo o desenvolvimento teórico que foi necessário
para que ele surgisse. Ela cita Firestone (Dialética do Sexo, 1970); Juliet Mitchell
(Woman’s Estate, 1971; Psychoanalysis and Feminism, 1974); Sheila Rowbotham
(Women, Resistance, and Revolution, 1972; Woman’s Consciousness, Man’s World,
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Outra questão teórica desenvolvida por Mary Inman em 1940 e que, vinte anos depois,
estaria no centro das discussões das feministas socialistas é a questão do trabalho
doméstico, suas funções econômicas sob o capitalismo e sua relação com a opressão
das mulheres. Mary, é claro, não foi a primeira a estudar o assunto; já em 1898
Charlotte Perkins Gilman explicava que as mulheres participam do processo de
produção de riqueza:
Apesar de não serem produtoras de riqueza, as mulheres atuam nos processos finais de
preparação e distribuição. Seu trabalho no ambiente doméstico tem valor econômico
genuíno. Porque certa porcentagem de pessoas servirem outras pessoas, para que essas
pessoas servidas possam produzir mais, é uma contribuição que não pode ser ignorada. O
trabalho de mulheres no lar, certamente, possibilita que homens produzam mais riqueza
do que do contrário poderiam; e dessa forma mulheres são fatores econômicos na
sociedade. (…) O trabalho que a esposa performa no lar é dado como parte de seu dever
funcional, não como trabalho remunerado. A esposa do homem pobre, que trabalho duro
em uma pequena casa, fazendo todo o trabalho para a família, ou a esposa do homem
rico, que sábia e graciosamente administra uma grande casa e suas funções, cada uma
delas tem direito a remuneração justa por seus serviços. (…) A questão é que, qualquer
que seja o valor econômico da indústria doméstica de mulheres, elas não o recebem. As
mulheres que fazem a maior parte do trabalho ganham a menor quantia, e as mulheres
que têm a maior quantia de dinheiro fazem a menor parte do trabalho. O labor de ambas
não é dado nem considerado como fator na troca econômica. É considerado
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Parece ser uma lei social que o valor do trabalho é provado e talvez criado pela sua recusa.
Este foi certamente o caso do trabalho doméstico que permaneceu invisível e desvalorizado
até que surgiu um movimento de mulheres que se recusava a aceitar o trabalho de
reprodução como seu destino natural. Foi a revolta das mulheres contra este trabalho nos
anos 60 e 70 que revelou a centralidade do trabalho doméstico não-remunerado na
economia capitalista, reconfigurando nossa imagem de sociedade como um imenso
circuito de plantações domésticas e linhas de montagem onde a produção de trabalhadores
é articulada numa base diária e geracional.
O movimento italiano de “salários contra o trabalho doméstico”, nos anos 60, talvez
seja o principal exemplo de prática feminista socialista que temos. Suas militantes
(especialmente Mariarosa Dalla Costa, Silvia Federici e Selma James) se colocam como
feministas socialistas, e a análise a respeito da naturalização do trabalho doméstico
enquanto função feminina desafia a compreensão marxista tradicional de trabalho e
produção:
O trabalho doméstico tinha que ser transformado em um atributo natural, em vez de ser
reconhecido como um contrato social, porque, desde o início do esquema do capital para
as mulheres, esse trabalho estava destinado a ser dispensado. O capital teve que nos
convencer de que é uma atividade natural, inevitável e até mesmo gratificante nos fazer
aceitar nosso trabalho não remunerado.
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Por sua vez, a condição não remunerada do trabalho doméstico tem sido a arma mais
poderosa para reforçar a suposição comum de que o trabalho doméstico não é trabalho,
evitando assim que as mulheres lutem contra ele, exceto na disputa privatizada quarto-
cozinha que toda a sociedade concorda em ridicularizar, reduzindo ainda mais o
protagonista de uma luta. Somos vistas como vadias irritantes, não trabalhadoras em
luta. (Federici, 1974, tradução de Feminismo Com Classe)
Mas a crítica das mulheres aos movimentos e instituições de esquerda socialista não se
resume à teoria. A prática — sexista — , principalmente dos partidos, gerou em muitas
mulheres um incômodo irreversível. Como escreve Cynthia Cockburn (2013), em sua
resenha do relançamento do livro Além dos Fragmentos:
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Feminismo negro
Enquanto o feminismo moderno/ilustrado se desenvolveu a partir de Simone de Beauvoir
e sua afirmação “Não se nasce mulher; torna-se”, os discursos de gênero no feminismo
negro partem de uma negação, de uma exclusão, de uma interrogação, que retoma bell
hooks de Sojourner Truth em um dos primeiros textos do pensamento feminista negro: “E
eu não sou uma mulher?”. (Jabardo, 2012. tradução livre.)
Antes do apoio masculino branco ao sufrágio dos homens negros, mulheres brancas
ativistas acreditaram que ajudaria em sua causa aliar-se a ativistas políticos negros, mas
quando pareceu que homens negros conseguiriam o direito ao voto enquanto elas
permaneceriam privadas de direitos, a solidariedade política com as pessoas negras foi
esquecida e elas clamaram aos homens brancos para que a solidariedade racial ofuscasse
seus planos de apoiar o sufrágio masculino negro. (bell hooks, 1981. tradução livre)
O surgimento do feminismo feito por mulheres negras traz à tona diversas questões
que antes eram pressupostas (e, portanto, ignoradas), naturalmente, por teóricas e
ativistas brancas. As negras expuseram o quanto a experiência negra (mais tarde, a
experiência de mulheres racializadas como um todo) sempre havia sido excluída da
construção da categoria “mulher”; o quanto o sujeito “mulher” era descrito na teoria
sempre a partir das vidas e das experiências de mulheres brancas. Porque se o
feminismo buscava demonstrar que a realidade da opressão das mulheres é universal,
ficou evidente que era necessário levar em consideração que existem mulheres
diferentes que acumulam em suas vidas experiências diferentes, e isso não as torna
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menos “mulheres”. Angela Davis (1971) comenta, por exemplo, sobre como o mito da
“fragilidade feminina” nunca foi verdadeiro para as mulheres negras:
A dialética da opressão [das mulheres negras] se tornará muito mais complexa. É verdade
que ela era uma vítima do mito de que só a mulher, com sua capacidade diminuída para
trabalho mental e labor físico, deve fazer o degradante trabalho doméstico. No entanto, os
supostos benefícios da ideologia da feminilidade não se estendiam a ela. Ela não era
abrigada nem protegida; ela não era mantida à parte da luta desesperada por existência
que se desenrolava fora de “casa”. Ela também estava lá nos campos, ao lado do homem,
labutando sob o chicote do nascer ao pôr do sol. (tradução livre)
Além disso, a sexualização das mulheres negras é anterior e muito mais intensa do que
a sofrida pelas mulheres brancas. Como as mulheres negras, historicamente
escravizadas, tinham não só seu trabalho como também sua sexualidade explorados,
foi necessário que a branquitude construísse uma iconografia de sexualidade
desenfreada da mulher negra, como explica bell hooks (1995):
Já Angela Davis (1971) traz uma análise nova: para a autora, o estupro da mulher
negra não é somente contra aquela mulher individualmente; é uma forma de
desumanizar aquela mulher e de punir a resistência da comunidade como um todo.
Segundo Raquel de Andrade Barreto (2005), “O estupro nessa leitura seria visto como
um método de controle pelo terror”:
(…) o estupro da mulher negra não era exclusivamente um ataque a ela. Indiretamente,
seu alvo era também a comunidade escravizada como um todo. Ao iniciar a guerra sexual
contra a mulher, o mestre não só atestaria sua soberania sobre uma figura criticamente
importante da comunidade escrava, ele também estaria dando um golpe nos homens
negros. O instinto destes de proteger suas parceiras e camaradas (instinto agora desnudo
de suas implicações supremacistas masculinas) seria frustrado e violado ao extremo.
(tradução livre)
As teóricas do feminismo negro, por fim, não buscam a “inserção” no feminismo, como
se fossem “variantes coloridas dos ‘verdadeiros’ problemas”. Pelo contrário: “o
feminismo deve transformar-se se quer dirigir-se a nós” (Jabardo, 2012). Pensadoras
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Você pode ler mais sobre o feminismo negro no texto “O que é o feminismo negro?”
maravilhoso de Yasmin Morais.
Também indicamos:
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Anarcofeminismo
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Feminismo Radical
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O feminismo radical é mais um que sofre com uma grave confusão semântica sendo
inclusive discriminado e perseguido sem que haja um entendimento real do que se
trata a vertente. Senão, vejamos:
O “radical” do feminismo radical tem a ver com a primeira acepção do termo “relativo
ou pertencente à raiz ou à origem; original’, não tendo absolutamente nada a ver com a
segunda definição que versa sobre ser “extremado”.
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RADFAQ
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Eu sou uma mulher e um ser humano: uma crítica feminista e marxista à teoria
interseccionalidade, por Eve Mitchell
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Referências
Atkinson, Ti-Grace. (1969) Radical Feminism.
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