ONDE ME ENCONTRO - (LIVRO ÚNICO) - Luísa Borges

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LUÍSA BORGES © 2024

Todos os direitos reservados.


Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia
autorização, por escrito, da autora.
Este livro contém linguagem imprópria, sexo explícito e uso de drogas lícitas.
Está é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida
real terá sido mera coincidência.

PUBLICADO POR LUÍSA BORGES


EDIÇÃO, REVISÃO E DIAGRAMAÇÃO POR ALINA BASS
DESIGN GRÁFICO DA CAPA DO E-BOOK POR GIALUI DESIGN
Playlist
Nota inicial
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Extra 01
Extra 02
Nota final
Sobre a autora
Love On The Brain - Rihanna
93 Million Miles - Jason Mraz
Cherry Wine -Hozier
Dark Times - The Weeknd, Edward Sheeran
Someboby That I Used To Know - Gotye, Kimbra
Part Of Me - Katy Perry
She Used To Be Mine - Sara Bairelles
Way Down We Go - KALEO
You Get To Me - Foy Vance
Youth – Daughter
Para todas as mulheres que já precisaram ser mais fortes do que o seu amor.
“Querido, você me pegou tipo, oh
Você ama quando eu desmorono
Para você me erguer
E me atirar contra a parede
Querido, você pegou tipo, ah, woo, ah
Não pare de me amar
Não desista de me amar
Apenas comece me amando
Ah, e, meu bem, eu estou lutando contra o fogo
Só para chegar perto de você
Nós podemos queimar alguma coisa, meu bem?
E eu corro por milhas só para conseguir um gosto
Deve ser amor no cérebro
Isso tem me feito sentir assim
Ele me bate, me deixa roxa, mas me fode tão bem”
(Love On The Brain - Rihanna)
Olá, leitores, bem-vindos à história de encontro da personagem Heaven!
Começo esse livro dizendo que você entenderá essa história do início ao fim. Também
começarei essa nota dizendo que o meu papel não é o de romantizar o relacionamento abusivo ou
o personagem Brandon. Porém, em um relacionamento como este, a vítima começa se
apaixonando e se envolvendo.
Aqui, ocorrerá o mesmo.
Este livro é extremamente pessoal e eu espero que você o receba de coração aberto. Durante
dezessete anos de minha vida, vi meus pais viverem um relacionamento abusivo e em muitas das
situações que Heaven vive, eu vi a minha mãe passar.
Então, por favor, seja paciente com a história de libertação dela.
Estar em um relacionamento abusivo não é uma escolha da vítima. Espero que você tenha a
sensibilidade de entender o processo da personagem e não julgá-la, assim como não devemos
fazer com qualquer pessoa.
Este livro foi postado no Wattpad no ano de 2019 em uma antiga versão, com o título
“Colisão”.
Este é um manuscrito para maiores de 18 anos por conter cenas explícitas de sexo,
consumo de álcool, violência doméstica e verbal (gráficas) e manipulação psicológica (gráficas).
Conta com temas pesados, os quais passaram por leitura sensível: consumo de álcool,
violência doméstica e verbal (gráficas) e manipulação psicológica (gráficas).
No mais, espero que você esteja pronto para este livro.
Com amor, Lu.
— Construímos uma relação com ciúmes e altos e baixos. Você aceitou o telefone de uma
mulher que deu em cima de você e agora está me cobrando algo. Com qual direito?
Ele começa a gargalhar, o que me faz tirar as mãos do rosto para encará-lo.
— A culpa é minha, então? — diz, apontando para o peito. — E todas as vezes que você
praticamente se jogou em cima de outro homem? Todas as vezes que você sumiu sem me dizer
onde foi? E que tal eu falar sobre a sua compaixão por velhos tarados?
Ele não pode estar falando a verdade.
Não mesmo.
Um silêncio terrível se faz entre nós dois.
Sinto que os tremores do meu corpo pioram quando vejo o moreno se aproximar de mim.
Começo a caminhar na direção da porta do quarto quando ele fecha a minha passagem com o
corpo forte.
Levanto os olhos para ele.
— Você vai fugir sem nós terminarmos essa conversa? — pergunta, trincando os dentes.
— Acabou — falo, tremendo a voz.
Então ele faz algo que me desestabiliza: segura o meu queixo com uma das mãos e me aperta
com força, me levantando um pouco. Fico na ponta dos pés quando ele continua me levantando e
a minha garganta fecha com dificuldade de respirar.
Estou em pânico.
— Nós não terminamos, Heaven. Nós não podemos terminar, sabe por quê? Porque você é
minha.
O meu próprio namorado está me machucando.
Não só fisicamente desta vez, porque psicologicamente eu já estou destruída.
O barulho vindo do andar de baixo faz com que ele vacile a força, o que me dá uma brecha
para passar pelo seu lado, cruzar a porta e correr até a escada. Sem pensar muito, começo a
descer os degraus. Quando estou na metade da escada, ouço os passos pesados dele fazerem a
escada estremecer.
Concentro-me nos meus pés, que tentam manter um ritmo acelerado.
Meu braço é puxado e ele me vira para si quando já estou quase na porta de entrada da casa.
Ele está com uma expressão doentia e aperta o meu braço com força, causando-me um gemido
de dor.
— Me solta! — peço, baixinho.
Os barulhos continuam vindo da cozinha.
— Você não vai embora — ele diz.
— Eu quero ir — rebato, a voz quase em um sussurro.
Então ele sorri.
— Você vai para onde, Heaven? Eu sei onde você mora! Eu sei todos os lugares que você se
esconde! Para qualquer lugar que você correr, eu vou te encontrar, porra.
Com toda a força, ele me chacoalha em um alerta. O meu corpo todo cambaleia e o aperto
vacila. No instante seguinte, eu caio. Bato com a lateral do corpo contra o chão, meu rosto
batendo mais forte que o quadril.
Sinto a têmpora esquerda doer como o inferno e algo quente escorre pela bochecha.
Aperto os olhos com força e assim que os abro, vejo tudo embaçado.
Mantenho as pinceladas uma atrás da outra com movimentos rápidos e sem precisão. Hoje
preciso extravasar de alguma maneira e a tinta sempre parece uma boa maneira, tanto para
colocar minhas ideias no lugar quanto para bagunçá-las.
Então eu continuo.
A tela, antes branca, agora grita com tons de vermelho e preto. Os desenhos abstratos e
fortes esboçam a minha emoção. Raiva, tristeza, dor e amargura. Respiro alto, parando na frente
da grande tela com as mãos trêmulas e cheia de respingos de tinta, depois jogo o pincel marrom
de porte médio e macio no chão. “Time” do Pink Floyd ressoa pelo lugar, deixando tudo com um
tom mais macabro do que parece, mas ainda consigo ouvir a chuva cair forte contra a grama.
As luzes ao meu redor estão apagadas e apenas algumas velas estão sobre a mesa, ao lado
das tintas. O ambiente é grande o suficiente para um ateliê improvisado: as paredes de cimento e
o chão do mesmo material são iluminados apenas por duas lâmpadas no teto.
Ao longo do tempo que estou em Washington, tenho melhorado o lugar. As mesas de
madeira de segunda mão guardam os meus itens mais preciosos: tintas e pincéis. É uma coleção
mediana, mas que me orgulho muito.
Desisto da pintura com um suspiro e caminho até o fundo do porão, segurando a garrafa de
água ao me escorar na parede e escorregar em seguida. A minha bunda bate no chão e eu bebo
um gole da água, encarando o estrago que fiz.
Provavelmente terei algum trabalho para limpar tudo isso, principalmente quando olho para
baixo, vendo a minha roupa suja e... caramba, esqueci completamente de usar o avental.
— Heaven? Heaven? — a voz de Margareth se mistura com as notas da música.
A porta no topo da escada é aberta, revelando um feixe de luz. Os pés cobertos por botas de
inverno surgem no topo e ela desce em passos lentos, me procurando no meio do breu. Ela logo
desiste, já que a mão encontra o interruptor e a luz clareia tudo.
— Céus, garota, você está aqui há horas escutando essa música alta! —praticamente grita ao
caminhar até a vitrola ao levantar a agulha do disco.
— Esse é o meu jeito de lidar com a notícia de hoje.
Evito o olhar dela, encarando o relógio antigo na parede do porão. Nove horas. Realmente,
faz um bom tempo que estou aqui dentro. Margareth está parada, de pé, ao lado da vitrola no
canto do lugar. Ela joga os cabelos castanhos para trás e encara os pés por breves instantes.
— Como você está se sentindo?
— Não sei — revelo, suspirando enquanto levanto e caminho até a mesa. Pego um pedaço
de estopa e coloco álcool para retirar a tinta dos dedos. — Eu a odiei por grande parte da minha
adolescência. E agora... pensar que ela morreu é, de certa forma, frustrante — resmungo,
entredentes.
De repente, Mag ri. Viro o rosto para trás, encarando a mulher de quarenta anos. É estranho
pensar que ela era a melhor amiga da minha falecida mãe e, mesmo depois de quase vinte anos,
está aqui, ao meu lado.
— A sua avó era uma cretina, Heaven.
— É, nós sabemos disso. — Solto uma risada menos tensa.
— Vamos comer uma pizza? — Margareth me pergunta.
— É claro.
Depois de dezoito anos morando com a minha avó materna, Gianna Williams, finalmente
consegui meu passe livre para longe da vida dela. Até parece uma espécie de livramento, mas
não encaro a situação desta forma.
Não posso ignorar que a minha avó cuidou de mim durante os oito anos que se sucederam à
morte de minha mãe, porém, o excesso de moralidade e regras rígidas que culminaram em
castigos severos moldaram um lado rebelde que não me orgulho muito.
Antes de vir morar com a Mag, as memórias felizes que tive com a minha mãe eram
nubladas pelo discurso distorcido da minha avó, que tratava a filha mais nova como o desgosto
da família por ter engravidado solteira. Por isto, as palavras dela quando fui embora com
Margareth ainda ecoam em meus pensamentos:
“Você é igual a sua mãe, uma vergonha para essa família”.
Será mesmo?
Me orgulho do caminho que venho tomando nos últimos dois anos, longe dela e da cidade de
Fort Collins, no Colorado. Desde que consegui comprar um telefone com o meu primeiro salário,
mantive um contato mais próximo com Mag. Assim que ela me ofereceu um espaço em sua casa,
não pensei duas vezes.
Mamãe e Mag se conheceram ainda jovens e foram melhores amigas durante toda a vida, até
que a mamãe veio a falecer em um acidente de carro. Mag se mudou para Washington após
terminar o curso de aeromoça, que hoje é sua paixão.
O meu trevo de quatro folhas é ter ela por perto.
Enquanto eu tenho vinte anos, ela está prestes a fazer quarenta. Nossa convivência tem sido
ótima e para a minha ilustre sorte, ela me presenteou com o porão da casa dela. No início, era um
lugar abandonado e cheio de itens inúteis. Após uma breve reforma, virou o meu pequeno
estúdio de pintura.
Pinto de maneira amadora desde os oito anos e, após alguns cursos na cidade, consegui
vender algumas telas pela internet e fazer um dinheiro. Por isso estou prestes a começar um novo
curso de pintura no setor de artes da Académie de Rossignol.
— Já sabe se quer ir ao velório?
Nego com a cabeça.
— Não quero encarar os meus tios, eles praticamente me abandonaram com a minha avó e
ainda estão fingindo que não existo. Prefiro ficar aqui.
— Tudo bem. Você sabe, eu poderia conseguir um voo para você, se quiser.
— Obrigada, Mag, mas prefiro ficar.
Ela apenas sorri para mim.
— Vou pedir a nossa pizza.
Meg sobe pelas escadas e me deixa sozinha de novo, agora com a luz acesa. Levanto a
cabeça e encaro o teto branco. Essa maldita dor no fundo do meu coração me deixa à beira das
lágrimas.
Às vezes, a sensação de impotência me assola como se eu não soubesse o meu lugar no
mundo e não sei muito bem o que fazer.

— Parabéns, Rosie! — Abraço a minha amiga assim que ela entra pela sala de aula.
Conheci Rosie assim que nós duas entramos na mesma turma de Artes Plásticas do curso de
verão, um ano atrás. Nos primeiros dias, nós não éramos muito próximas, mas isso mudou assim
que foi preciso fazer um trabalho sobre História da Arte e ambas ficamos sem uma dupla.
— Não me diga nada agora! — ela protesta, afastando o corpo do meu. — Eu só aceito
parabéns no The Originals hoje, às sete horas!
— Uh... — Aperto os lábios.
— Qual é, Heaven! — Ela coloca as mãos na cintura. — Você quase nunca sai para nada. N-
A-D-A. — Abre a mão e começa apontar com o indicador, como se estivesse contando. —
Nenhuma festa de fraternidade, quase nunca vai ao The Originals…
Ela está certa. Não é muito o meu negócio sair por aí e encher a cara. Eu só não quero falar
em voz alta o motivo. A minha mãe estava alcoolizada, no volante do carro, quando bateu. Isso
criou uma revolta em mim e todas as vezes que preciso ir a alguma festa, acabo inventando uma
desculpa sobre isso.
Rosie enruga o nariz na minha direção, deixando as sardinhas evidentes. Ela é uma ruiva
baixinha e esquentada que divide apartamento com o nosso melhor amigo e primo dela: Edward.
Os dois moravam nos arredores de Washington até que resolveram se mudar para a cidade e
estudar.
Rosie, assim como eu, estuda artes e o sonho de Edward é trabalhar com música.
— Ok! — Jogo as mãos para o alto. — Eu sei que eu quase não saio, mas...
— Não comece falando que você precisa manter as notas por causa da bolsa de estudos —
protesta, jogando a mochila por cima da mesa e deslizando para a cadeira. — Eu estou cansada
desse papinho, nós estamos começamos um novo curso agora. Serão longos três meses e eu
espero obter um pouco de você fora do campus.
Mordo o interior da bochecha e observo a minha amiga abrir a bolsa e retirar o caderno e as
canetas. Sento-me ao lado dela e coloco a mão no antebraço dela, chamando sua atenção.
— Eu prometo que vou.
Ela me olha com os olhos semicerrados.
— Isso se o seu sugar daddy não te prender na cama, hein...
Meu rosto todo se aquece por vergonha. Maldito dia que fui contar a ela sobre o meu
relacionamento supersecreto.
— Rosie! — protesto, batendo no seu ombro. — Você está usando o apelido idiota que o
Edward deu para ele.
Ela ri baixinho, já que o professor Romanov entra na sala com as telas enroladas embaixo do
braço. O auditório é antigo, com cheiro de madeira e mofo, o que me deixa levemente enjoada.
No nosso último curso as aulas começavam aqui, onde a parte teórica era ministrada, depois
íamos para os laboratórios, para as aulas práticas.
— Eu daria uma pequena fortuna para poder ver o sexo de vocês dois — Rosie confessa,
agora mordendo o lábio. — Ele é quente como o inferno.
Rolo os olhos, encarando-a pelo canto dos olhos.
— Pretendo passar no apartamento dele hoje — revelo, fazendo-a rir baixinho.
O professor Romanov começa a falar sobre as técnicas com carvão que vamos aprender,
mostrando uma tela de uma artista contemporânea chamada Emma Saturn e outra da famosa
Kennedy Carson. As luzes da parte de trás do lugar são apagadas e Rosie se aproxima para
cochichar:
— Se você se atrasar por estar amarrada na cama dele, eu te perdoo.
Solto uma risadinha.
— Vou me lembrar disso.
Após duas horas e meia sobre técnicas de pintura com carvão, há uma pausa para o intervalo
e a volta será com uma aula prática. Rosie e eu seguimos para a lanchonete.
— Eu acho que vou comer aquele sanduíche. — Aponto. — Não é muito apetitoso, mas
acho que matará a minha fome.
— Ou te matar — a voz de Edward surge por trás de nós. — Comi um na semana passada e
passei mal.
— Uhh... — Rosie protesta. — Acabou com a minha fome, obrigada Edward!
Ele engancha o braço no pescoço dela e deposita um beijo estalado na bochecha. É
engraçado como os dois são diferentes, mesmo sendo parentes. Rosie tem o cabelo em um corte
Chanel muito bem alinhado. Ela é do tipo que se veste bem, mas apenas com roupas de brechó
vintage. Às vezes acho que se daria muito bem com moda também, apesar de ser uma grande
artista. Já Edward, por outro lado, tem um visual mais despojado, com jeans e camisetas simples.
Ele tem os cabelos loiros, quase de um tom cobre e é bem mais alto que ela.
— Parabéns, Rosemary Pretov, minha prima favorita. Rainha das esculturas. — Ele ri contra
a pele da bochecha dela.
Rosie faz uma carinha de nojo e logo ri, abraçando o primo.
— O que acham de um almoço de aniversário naquele bistrô francês do centro? — Rosie diz,
com um sorriso de orelha à orelha. — Eu poderia morrer comendo aqueles doces.
Mordo o lábio e coço a nuca.
— Eu não posso, pessoal. — Aperto os lábios. — Mas se quiserem ir, tudo bem. Vou para o
estágio logo após o almoço, vai ficar um pouco corrido se eu for. — Confiro o relógio de pulso,
que acusa o horário: dez e meia.
— A Heaven confirmou que vai no The Originals hoje — Rosie assopra para Ed. — Estou
apostando que ela vai dar um bolo em nós dois por conta do sugar daddy dela.
Edward estreita os olhos verdes para mim.
— Eles estão se vendo nas segundas também? Perdemos mais um dia, Rosie! — diz entre
uma risada. — Aposto que o cara deve ser uma máquina de sexo para te prender o final de
semana inteiro dentro de um apartamento, Heaven. — Ele me encara enquanto arruma a pasta
estilo carteiro no ombro.
— Foi só no sábado…
— Você precisa ver a marca que ele deixou no quadril dela! — Rosie aponta para o meu
quadril. Sinto as bochechas queimarem. — Eu vi na hora que ela tirou o suéter.
— Parem, vocês dois! — resmungo enquanto andamos pela fila. — A minha vida sexual é
tão incrível assim para ser a nossa pauta diária? — Me viro para o atendente da cantina,
resolvendo pedir apenas um café preto.
Ele me entrega o café depois que efetuo o pagamento. Rosie, Edward e eu caminhamos até
um dos bancos de madeira do campus, embaixo de uma árvore. O dia está bonito, apesar da
chuva de ontem. O clima cinzento do final de semana tinha ido embora, dando espaço para um
céu azul e sol forte, o que ajudou a secar as poças de água espalhadas pela cidade e o gramado do
campus.
— Já escolheu a disciplina optativa desse curso? — Rosie me pergunta, chamando a atenção
para si.
Apesar da grade fechada, com foco total no desenvolvimento de técnicas novas com pintura,
algumas disciplinas optativas fazem partes do quadro. É algo bacana de se fazer.
No último semestre, escolhi pintura com tinta à óleo e aquarela. Agora estou pretendendo
cursar algo ligado aos negócios, já que o meu sonho é gerir uma galeria de arte, assim como a
famosa Éden Van Jensen.
— Não. Contudo, tenho pensado em empreendedorismo — falo.
— Acho que combina muito com você — Rosie devolve, jogando a cabeça para o lado e
encarando algum ponto fixo no campus. — Tenho pensado em Atuação.
— Vamos parar de falar na faculdade, sim? — Edward protesta. — Me diga, Heaven, por
que você não leva o bonitão para a festa da Rosie hoje? Hum? Está com medo de que ele não
resista a esse corpinho incrível?
Olho depressa para Rosie.
Ela é a única pessoa que sabe com quem tenho me relacionado nos últimos meses. Assim,
ela sabe que nós não podemos aparecer em público juntos.
Edward está morrendo de curiosidade para saber quem é. Na verdade, ele está eufórico desde
que recebi uma ligação num dia que estava jantando com os dois, no apartamento que dividem, e
ele ouviu o tom de voz rouco e grave no telefone. Segundo ele, o cara só podia ser um incrível
gostosão.
Agora, ele está me enchendo o saco.
— Não é nada sério, Ed — rebato, bebendo um gole do café. — Nós só transamos às vezes.
— Uh, e você passa o final de semana no apartamento dele — pontua. — Além disso, eu
lembro do quanto você comentou sobre os dotes culinários do senhor mais velho.
Edward abre a pasta, pegando os óculos escuros estilo aviador.
— Só espero que ele não seja um velho barrigudo e cheio de verrugas — resmunga, um
pouco chateado por não lhe dizer quem é.
— Ed! — eu protesto, rindo. — Ele é um gato e gostoso, ok? Tem até uma barriga firme
com resquícios de um tanquinho. — Suspiro. — E também tem uma tatuagem incrível no peito.
— Tatuagem? — Rosie pergunta, rindo.
É quase cômico, porque ela sabe exatamente com quem estou me envolvendo e nunca
imaginaria que ele teria algo escondido embaixo das camisas de botão escuras que habitualmente
usa.
— Uh, sim. — Mordo o lábio. — Um leão. Algo sobre a família... Contudo, incrivelmente
sexy.
Confiro o relógio mais uma vez.
— Hora de voltar — falo, me levantando do banco. — Até mais tarde, Ed!
Ele fica observando enquanto eu e Rosie nos levantamos.
— Ainda acho que você vai furar, mas tudo bem — provoca, e eu mostro o dedo médio para
ele.
Não precisei pagar o meu novo curso depois de conseguir uma bolsa universitária por
rendimento, que consiste em um estágio remunerado durante três dias na semana para ajudar o
professor de História da Arte a organizar alguns documentos e itens na sua sala. E, claro, eu
também auxiliava em alguns outros afazeres.
Três horas, duas vezes na semana, uma bolsa integral e oitocentos dólares. Isso me ajuda a
comprar telas, tintas e me manter além da venda dos quadros.
A sala do professor Young é grande com prateleiras enormes que vão da parede ao chão,
todas preenchidas por livros. Grandes janelas atrás da mesa dele dão a visão do campus da
faculdade, o homem até tem alguns quadros nas paredes, mas o seu forte são os livros.
Atualmente, eu estou ajudando o professor Young a catalogar algumas placas de mármore
que foram encontradas no interior do Novo México e que podem pertencer a alguma tribo
indígena. Sentada no chão da imensa sala, coloco a penúltima placa dentro da caixa de madeira
quando as portas pesadas se abrem e o professor Young entra com a professora Boham.
Ele é formado em História, mas trabalha possui doutorado em Arte. De onde estou, o vejo
com seu terno na cor preta, camisa de botões cinza escura e os cabelos pretos contrastando com a
pele tão clara quanto a neve. Ele já tem quase quarenta e dois anos, mas parece mais jovem que
isso.
Já a professora Boham é uma das professoras mais incríveis do campus. Espero ter alguma
aula com ela neste ano, porque a mulher é um gênio da História das Américas. É uma mulher
linda, de quarenta anos, cabelos ruivos até metade das costas e olhos azuis. Sempre dentro de
roupas impecáveis e saltos finos, ela esbanja sensualidade por onde anda. Seria uma mulher
maravilhosa se não fosse a carranca e a soberba com os alunos.
— Heaven! — Young fala. — Por que não está sentada no sofá fazendo isso? — ele
pergunta enquanto caminha até a mesa.
— Não se preocupe comigo, professor — falo, tentando manter o olhar fixo na caixa de
madeira à minha frente.
Começo a escrever na etiqueta da caixa enquanto escuto a conversa dos dois.
— Então, professora Boham, assim que você notificar a chegada do quadro, pode enviá-lo
até a minha sala que eu mesmo me responsabilizo por guardá-lo para a exposição do próximo
mês.
— Certo, professor — ela fala com a voz de veludo, calma e sutil. Muito diferente do que
escuto pelos corredores. — Creio que receberemos o quadro em cerca de quinze dias. Ter um
Picasso para a exposição deste semestre será o auge do nosso ano letivo!
Ouço o professor sorrir.
— Sim. Fico muito feliz que a Universidade de Milão tenha acordado com isso.
— Você pode me passar o seu telefone para eu te avisar?
Rolo os olhos, agora concentrando-me na última placa. A professora Boham não desiste de
investir no professor Young. Sempre que ouço as conversas deles, há um comentário de duplo
sentido. Ele, por sua vez, tenta sempre se esquivar da melhor maneira possível.
— Claro. A senhora pode ligar direto para esse número aqui — diz.
Levanto o rosto e vejo que ele entrega um cartão para ela.
— Aqui tem o número do telefone da minha sala.
Ela pega o cartão e gira nos calcanhares, caminhando na direção da porta. Observo a ruiva
passar por mim. Os saltos deslizam pelos tapetes da sala sem nenhuma dificuldade e assim que
ela cruza a porta, eu não seguro a risadinha baixa que sai dos meus lábios. Viro o rosto para o
professor, que está encostado na frente da mesa com os braços cruzados e um sorriso voltado
para mim.
— Ela não cansa, não é mesmo? — ele diz, me encarando.
Nego com a cabeça e volto a me concentrar no trabalho, colocando a última placa dentro da
caixa de madeira. Assim que fecho a caixa, escuto o barulho da porta sendo fechada e trancada.
Olho para o professor por cima do ombro.
Observo quando ele caminha na minha direção, deixando o paletó deslizar por entre os
braços. O tecido cai em cima do sofá bordô e ele continua vindo na minha direção. Eu suspiro,
levantando do chão enquanto o professor Young se aproxima cada vez mais, com um sorriso
malicioso nos lábios e os olhos intensos.
— John… — sussurro quando ele para na minha frente e coloca as mãos na minha cintura,
me puxando contra ele. — Não podemos fazer isso no campus — tento protestar assim que os
lábios encostam nos meus.
— Sábado você estava insaciável — ele sussurra, roçando os lábios pelo meu rosto, até
encontrar a minha mandíbula e morder a minha pele ali. — Passei o resto do final de semana
pensando em você.
Solto uma risada, mas a minha risada é substituída por um gemido baixo quando ele me puxa
para mais perto, afundando a boca na curva do meu pescoço e me deixando fraca no meio dos
seus braços.
Eu não deveria ter um caso com um professor.
Sei que não é a coisa mais ética do mundo, mas não tenho muito para me defender. Fui eu
que dei o primeiro passo com flertes bobos, num dia que trabalhamos até perto das onze horas
guardando algumas obras. Ele, como um bom cavalheiro, me levou em casa e me desculpei pela
bobagem. Me surpreendi quando ele me puxou pela nuca e me beijou.
Desde aquele dia, temos um combinado sobre nos encontrarmos apenas fora do campus, nos
finais de semana e, preferencialmente, durante a madrugada, para não levantarmos suspeitas.
— John... — tento protestar mais uma vez.
— Vamos para a minha casa — ele fala enquanto distribui beijos pelo meu pescoço.
John leciona no curso básico que fiz meses atrás, todas as segundas-feiras são assim, o que
me acaba me deixando sozinha o dia inteiro trabalhando na sua sala.
Particularmente, eu achava que conseguiria trabalhar muito melhor nas segundas do que nos
outros dois dias de estágio da semana, quando falho miseravelmente em me concentrar enquanto
John trabalha na sua mesa com a camisa dobrada até os cotovelos e olhos concentrados no
computador. Ele fica extremamente quente enquanto trabalha, ou enquanto dá aula.
— São apenas seis horas... — digo, com os olhos fixos no relógio do meu pulso. — Alguém
pode nos ver.
Ele solta o meu pescoço e me encara.
— Vai no seu carro e eu vou no meu. — Sorri. — Prometo preparar aquela massa com pesto
que você adora.
— Uh... — passo as unhas contra o tecido da camisa, prendendo o lábio inferior entre os
dentes. — Você está me prometendo muitas coisas, John Young... Eu gosto das suas promessas.
— Arqueio uma sobrancelha.
Ele sorri, safado.
— Eu prometo que vou te pegar por trás como você tanto gosta.
Ok, ele ganha o meu sim apenas com essas palavras.

John havia ido na frente para preparar o nosso jantar, enquanto eu fui direto para a casa da
tia Mag pegar algumas roupas para a festa da Rosie. Eu e John já temos uma familiaridade e
convívio bem extenso, por isso mantenho algumas roupas, toalhas, cremes e até mesmo escova
de dentes na casa dele.
Contudo, as roupas que tenho lá se baseavam em conjuntos de lingeries e algumas camisas
dele que adoro. Nada muito apropriado para a festa de Rosie no The Originals – a qual eu não
estou afim de ir.
— Vai dormir na casa do bonitão hoje, de novo?
Eu levanto os olhos e rio para a tia Mag, que está encostada no batente da porta do meu
quarto com uma xícara de chá nas mãos.
— Não sei — falo, tirando um cabide do armário. — Eu vou jantar com ele e depois ir para
um aniversário...
— Ainda naquele lance de que vocês não saem juntos?
Encaro ela mais uma vez, que agora assopra o líquido quente de dentro do porcelanato.
— É, exatamente. — Aperto os lábios. — Ele não pode ser visto comigo e também tem a
questão da ex-esposa dele...
— Uf. Homens separados são um problema a ser enfrentado — ela pontua. — Já te falei do
Peter, o piloto que eu fiquei na semana passada?
Se a minha vida sexual é agitada com John, a da Mag era uma loucura incrível. Como
aeromoça há alguns anos e cada semana em escalas infinitas, ela tem alguns muitos contatos.
— Aquele que você saiu no início do ano? — pergunto, agora colocando na frente do corpo
dois cabides com vestidos diferentes e alternando entre eles. — Preto ou vermelho?
— Definitivamente, o vermelho. Estou cansada de ver você de preto — ela resmunga. —
Sim, o do início do ano. Ele voltou para a ex-esposa. — Ela rola nos olhos. — Eu até já estava
cogitando terminar com o Maurice por conta dele.
— Você ainda está saindo com o francês? — Gargalho, dobrando o tecido vermelho.
— Claro! Ele é o meu fixo em Paris.
Termino de colocar o vestido na mochila e vou até o closet para procurar por sapatos. Fico
analisando as opções para combinar com um vestido rodado vermelho e acabo pegando uma bota
de cano curto preta com salto quadrado. Voltando para o quarto, coloco-a dentro da mochila
também.
— Por que ele voltou para a ex? — pergunto, agora indo até a penteadeira para pegar um par
de argolas prateadas.
— Ela sempre fez um drama sobre a separação. Ele caiu direitinho, achando que era o
culpado pela depressão dela — resmunga. — Isso porque ele a ajudou a procurar ajuda na terapia
e tudo mais... No fim, ela jogou essa bomba para ele e ele ficou mal.
— Sinto muito. — Fecho a mochila.
— Eu não — Mag rebate, agora me acompanhando até a sala. — Isso foi um sinal divino
para eu me livrar dele.
Céus, que mulher bem resolvida. Paro ao lado da porta da entrada da casa, agora pegando a
minha chave e beijando o rosto dela.
— Não me espere para dormir e tenha uma boa viagem amanhã.
— Obrigada, Heaven. Semana que vem estarei de volta.
Cruzo a porta e sinto o vento bater contra o meu rosto. Meus olhos vão até o termômetro do
outro lado da rua e vejo que marca dez graus. Claramente seria um dia ótimo para ficar em casa,
transar com o John até cair no sono e depois dormir abraçada nele... só que eu não posso
decepcionar Rosie.
Talvez algumas tequilas me animem para enfrentar o The Originals.
Enquanto estou deitada de bruços na cama de John, enrolada nos lençóis, observo a silhueta
dele sentada na ponta da cama com um cigarro entre os dedos. Ele está vestido apenas com a
boxer preta e os olhos estão fixos na janela, que está aberta. O meu telefone começa a vibrar em
cima da mesa de cabeceira e estico meu corpo para pegar o aparelho. Vejo que é uma de Rosie:
Rosie: Pare de transar e venha para cá! Já são nove e quarenta.

Rolo os olhos e largo o telefone enquanto escorrego até a ponta do colchão. Sento-me ao
lado de John e beijo o ombro dele.
— Preciso ir.
Ele me olha pelo canto dos olhos e sorri.
— Você pode voltar depois, se quiser. Ficarei aqui escrevendo o meu novo livro. Tenho um
prazo apertado para a publicação.
Sorrio, arranhando os dentes contra a pele macia.
— Se eu não estiver muito cansada, eu posso mesmo pensar em vir pra cá...
Desço da cama e deixo o lençol cair no chão. Caminho até a minha mochila e puxo o vestido
vermelho de dentro dela. Quando começo a colocar o sutiã e o vestido, vejo John me analisar
enquanto sopra a fumaça do cigarro para cima.
— Você sabe que não precisa vir aqui apenas para transar, Heaven — ele diz.
— Eu sei — respondo, agora colocando as botas. — Eu só não quero misturar as coisas,
John. Pensar em vir para cá só para dormir parece um pouco... estranho.
Nós dois ficamos em silêncio enquanto eu termino de me arrumar.
Na verdade, eu e John nunca conversamos sobre nós, porque nunca existiu nada além do
proibido. Ele havia assinado o divórcio fazia pouco mais de seis meses e eu não queria ter um
relacionamento neste momento. Então sempre achei que as coisas ficaram nas entrelinhas.
— Aliás, vou ficar fora por uns dias... — revela, com a voz ligeiramente tensa. — Alma
voltou para a casa dos seus pais aqui na América e eu quero passar um final de semana com a
Luna.
Fecho a bota e respiro fundo.
— Você acha que consegue fazer isso?
— Sim. Já faz um ano desde a separação. — Ele traga o cigarro de novo, agora sorrindo —
Você está linda, sweetheart.
John se levanta e caminha até onde estou, me deixando observar o corpo delineado. Ele
pratica alguma arte marcial que não sei bem o nome e isso faz seu corpo ser algo bom de se
apreciar. Meu professor para na minha frente e coloca uma mão na minha cintura, avaliando meu
corpo de cima a baixo.
— Se eu fosse um garoto da sua idade e estivesse nesse bar, estaria louco para tirar esse
vestido de você.
Rolo os olhos, segurando em seu pescoço.
— Você não precisa ser um garoto da minha idade para querer tirar o meu vestido. — Sorrio,
depositando um beijo rápido nos lábios dele. — Preciso ir.
— Tudo bem — ele diz, se afastando. — Não faça nada do que eu não faria.
John tenta parecer despretensioso, mas eu sei que ele tem receio de que eu o troque por um
garoto mais novo. É engraçado porque nós dois nem temos nada oficializado. Contudo, noto
quando John me observa sempre que algum dos alunos da minha idade entra na sala e me dá
atenção por tempo demais.
Não gosto muito deste controle dele, mas algo me diz que é mais profundo do que consigo
imaginar. John é uma pessoa extremamente sozinha, principalmente depois que a ex-esposa se
mudou para o México com a filha pequena.
— Nadinha. — Pisco para ele, colocando a bolsa no ombro. — Boa noite.

Um grande galpão com luzes penduradas no teto, pôsteres de filmes antigos e mesas de
sinuca compõe o bar mais famoso do centro da cidade: The Originals. O bar vive cheio de
universitários por conta dos preços convidativos e também pela música alta que sempre está
tocando. Além disso, é um local onde quase todas as três Universidades principais da cidade se
encontram.
Passo os olhos pela multidão e logo encontro Edward acenando para mim.
Sorrio para ele e tento caminhar até onde estão, numa espécie de camarote onde existe uma
pequena escadinha para subir até um nível mais alto do que o chão. Com um pouco de
dificuldade, eu consigo chegar até ele está. Edward estende a mão para mim e subo no lugar
cheio de balões preto e branco amarrados em uma mesa.
— Olha quem veio! — ele diz, agora analisando a minha roupa. — Você está a própria diaba
nesse vestido vermelho.
Solto uma risada, avaliando o estado embriagado que ele se encontra.
— Ed, acho que você bebeu demais. E são apenas... dez horas. — Olho o relógio de pulso e
o abraço.
Edward passa os braços pelos meus ombros e me puxa contra o corpo.
— Eu acho que eu quero um bolo de chocolate com menta — sussurra contra o meu cabelo.
— Eu nunca quis tanto isso.
Gargalho, agora pegando o copo da mão dele e sentindo o cheiro forte de vodca. No meio
das pessoas do camarote, consigo ver Rosie com um sorriso largo. Os cabelos presos em uma
trança, vestido cor pêssego aberto nas costas e saltos. Ela está incrivelmente linda.
— Rosie! — grito por cima da música alta.
Ela vira o rosto e um sorriso largo se faz presente quando me vê. Enquanto caminha em
passos largos até mim, pega uma das cervejas de cima da mesa e, assim que para na minha
frente, me estende a bebida.
— Achei que o Sr. Grey não iate liberar hoje — brinca.
Bebo um gole da cerveja.
— Novo apelido? — pergunto.
— Sim — Edward responde, agora bebendo um pouco de água. Não sei de onde ele tirou a
garrafa. — Depois do tempo que você demorou para chegar, eu consegui criar esse apelido para
o seu gostosão.
Solto uma risada, bebendo mais um gole da cerveja e pronto. Não vou me embriagar, afinal,
sou bem fraca para a bebida. A música das caixas de som falha um pouco e podemos escutar um
coral de “ahhhh”. Um bater de portas contra a parede me chama atenção e viro o rosto para a
entrada do lugar.
Três figuras masculinas estão na porta, entrando devagar pela porta.
— Meus amores, as portas do Olimpo foram abertas — Edward diz, soluçando em seguida.
Ele se aproxima das barras de ferro do camarote e paro ao lado dele, com Rosie do outro.
Estou um pouco curiosa com os caras que estão entrando no lugar, mas preocupada com o estado
do meu amigo. Ele tem os olhos na cena e me pego assisto os três homens entrarem, caminhando
em câmera lenta.
— Meu útero chega a se contrair com essa visão — Rosie chega ao meu lado e fala isso. —
Eu tenho certeza de que oitenta por cento da população feminina está com as calcinhas
molhadas.
— Uh, a população masculina também... — Edward bebe mais um gole da sua água após
falar.
Enrugo o nariz, alternando o olhar entre os meus amigos.
— Quem são os três mosqueteiros? — pergunto.
— Você não sabe quem são os três? — Rosie pergunta.
Nego com a cabeça enquanto Edward se afasta da grade e surge atrás de mim. Ele me segura
pelos ombros, me fazendo ficar de frente para onde as três figuras estão: próximos à porta e
conversando com algumas garotas. Tento analisar o rosto deles, mas nenhum me parece familiar.
— Eles são alunos da Kennedy University, então se você não frequenta lugares que todos os
universitários da cidade vão, realmente você não os conheceria. Bom, vamos por partes... —
Edward diz. — O primeiro deles, o negro alto e forte, é o Dylan. Ele é aluno do último ano de
Educação Física e a família dele tem uma academia de artes marciais no centro. Ele é faixa preta
em alguma coisa, mas o que melhor ele faz é exibir aquele corpo gostoso em treinos diários na
tal academia. Além disso? É o maior arranca calcinhas de todo lugar que entra.
Ai, caramba, Edward está mesmo narrando um clichê para mim? Quero rolar os olhos, mas
ele parece muito sério falando sem parar. Então observo o homem que ele está se referindo.
O homem é de porte médio, deve ter entre 1,80 cm e 1,85 cm. Os ombros são largos e fortes.
Veste uma Polo verde água, jeans claros e tênis brancos. Para completar, um sorriso galanteador
é jogado para todas as garotas à volta e ele já está os dois braços ocupados, cada um com uma
garota diferente. Que nojo.
— O do topete e tatuagens é o Sebastian. Aluno de música e dono da voz mais gostosa que
você vai ouvir na vida. Ele parece que passou a vida toda fumando porque a voz dele é tão
grave… — Suspira Edward, e eu acho que ele tem um favorito.
— Eu daria tudo para lamber cada tatuagem dele — Rosie solta, encarando o garoto.
Sebastian parece alto, magro e usa uma camisa do Slayer, jeans escuros e All Star
vermelhos. Praticamente um Rock Star dos anos oitenta a julgar o cabelo mais curto nas laterais
e jogado para trás na parte de cima. Ele é um pouco mais sério e parece ser o menos interativo
dos três.
Só que meus olhos, a todo instante, param no terceiro homem.
— Já vi que você preferiu o Brandon... uh — Ed praticamente sussurra no meu ouvido. —
Você é uma safada, Heaven.
Olho para ele de canto de olho.
— Brandon é o cara mais cobiçado da K.U. Ele é o melhor aluno de direito de toda
Universidade e capitão do time de hóquei. Porém, não são as notas que fazem as garotas
brigarem por ele. O cara é filho dos dois advogados mais famosos da cidade: Elizabeth e
Geoffrey James. Eles são donos do maior escritório de advocacia de Nova Iorque e o cara é
praticamente herdeiro de um império e uma fortuna. Além das notas, ele é bom em três coisas:
arrematar corações, usá-los e quebrá-los.
— Há sempre uma garota diferente na cama dele — Rosie completa, agora com os olhos em
mim.
Encaro ela e faço uma careta.
— Que nojento. Ele só pode ter alguma doença — respondo apenas isso, passando os olhos
novamente pela multidão.
Quando meus olhos passam pela entrada do salão, vejo que o tal Brandon está me encarando.
Ele é do tipo cheio de si, não preciso de muito para saber disso. Roupas caras, sorriso galante e
parece cheirar a dinheiro. O rosto bem esculpido com maçãs proeminentes, lábios carnudos e
olhos castanho intensos fazem um conjunto com os cabelos marrons jogados para trás.
A garota ao seu lado fala alguma coisa e ele parece não prestar atenção, já que está com os
olhos fixos nos meus. Edward e Rosie olham para a pessoa que me encara e falam algo, mas eu
não consigo responder. É como se ele me hipnotizasse e me fizesse ficar presa a ele.
Brandon levanta uma das sobrancelhas, sorri e pisca para mim.
Rolo os olhos e viro de costas para onde ele está.
— Quanto tempo mais eu preciso ficar aqui? — pergunto.
Não sei bem, mas, em algum momento, as coisas perderam o controle.
Rosie e Edward não paravam de gargalhar das histórias que um dos amigos dele contava e
continuaram bebendo, eventualmente. Eu já havia anunciado que iria embora há meia hora, mas
nenhum deles me deixou ir.
Ainda estamos sentados nos sofás do camarote quando resolvo conferir a hora: uma da
manhã. Mando uma mensagem para John perguntando se ele ainda está acordado, ao mesmo
tempo que resolvo que preciso de uma água, urgente.
— Vou até o bar — anuncio, levantando do sofá.
Me movo entre as pessoas, agora com um pouco mais de facilidade do que antes. Desço as
escadas sem dificuldade e caminho na direção do balcão comprido. Levanto o cartão da comanda
sobre o balcão e uma garota se aproxima.
— Uma água, por favor! — peço, lhe entregando o cartão.
— Duas cervejas, por favor! — uma voz grossa ressoa por cima de mim.
Um braço é esticado ao meu lado. Dou um passo para a frente, aproximando meu corpo do
balcão e tirando o meu corpo de perto de quem quer que seja.
Acompanho o rosto da garota, que coloca os olhos em quem está atrás de mim e ela se dirige
até a outra extremidade do balcão, onde começa a separar os itens. Assim que o cara sai de trás
de mim e para ao meu lado, o meu campo de visão é preenchido por músculos, olhos castanhos e
um sorriso cafajeste.
— Brandon James! — ele fala, esticando a mão para mim.
Agora, de perto, consigo observá-lo melhor. Ele é realmente bonito. Muito bonito. Talvez
como modelos ou algo assim... e consegue ser extremamente sagaz mesmo quando estreita os
olhos ao ver que não apertei a mão dele.
Ficamos em um silêncio constrangedor até que ele recolhe a mão e apoia o cotovelo no
balcão, jogando a cabeça um pouco para o lado.
— Qual é o seu nome, meu anjo?
Uma risada nasalada sai de mim.
— Não é da sua conta — rebato, tentando ver se a mulher vai demorar muito com a minha
água.
— Uau. Você é do tipo arisca.
Volto a encará-lo.
— Na boa, poupe o meu tempo e a sua saliva e vá investi-los em outra garota.
Ele joga as mãos para o alto e ri baixinho, como se estivesse incrédulo.
— Nossa, meu anjo. Você realmente é do tipo brava — ele diz, agora puxando o telefone do
bolso e me entregando, desbloqueado. — Você pode me dar seu número e nós conversamos
quando estiver menos esquentada?!
Jogo a cabeça para o lado e cruzo os braços, agora rindo alto. Molho os lábios com a língua e
me aproximo dele, pegando o telefone da sua mão. O cara realmente é incrível visto de perto.
Maxilar com traços fortes, olhos intensos e cílios grandes. Os cabelos sedosos, o perfume
amadeirado e os músculos torneados.
Nossas bebidas são depositadas na mesa quando eu estou com o corpo próximo ao dele.
Inclino o rosto na direção dele até que minha boca esteja ao lado do ouvido.
— Vai. Se. Ferrar. — falo pausadamente enquanto enfio o telefone de volta no peito
musculoso.
Me afasto, segurando a minha água e passo por ele ao caminhar em passos firmes até o
camarote. Deu pra mim. Chega. Vou embora agora. No caminho, consigo ver Dylan e Sebastian
encostados em uma mesa, rindo para mim. Claramente ninguém recusa o tal Brandon, mas eu
estou pouco me ferrando para a situação.
Chego no camarote e vejo que Rosie e Edward estão quase dormindo um por cima do outro.
Seguro a minha bolsa e pego o telefone, vendo que John respondeu.
John: Te esperando, sweetheart.
— Edward? Rosie? — chamo-os, agora bebendo um pouco de água e deixando a garrafinha
em qualquer mesa. Logo ajudo ambos a levantar. — Vamos, levarei vocês até um táxi.
Os dois se apoiam em meus ombros e desço as escadas do camarote, tentando levá-los até a
rua. Chegando na frente do bar, explico o endereço do apartamento deles para o taxista e, em
seguida, assisto o táxi sumir pela rua.
Meus olhos se prendem na porta, onde vejo Brandon sair com uma garota embaixo do braço.
Assim que nossos olhares se chocam, ele me lança aquele olhar galanteador de antes. Aperto os
lábios e rolo os olhos. Por sorte, o meu táxi chega logo em seguida.
Dormir na casa de John sempre é interessante. Ele sabe me acordar de diferentes maneiras, o
que me deixa atrasada para a primeira aula da manhã.
Quando abro a porta, com cuidado, o professor de empreendedorismo me olha de canto e
continua sua fala. Caminho na direção entre as mesas, evitando os olhares dos meus colegas.
Mesmo no fundo da classe, tenho dificuldade de encontrar um lugar vago.
Meus olhos passam pelos alunos e encontro uma cadeira vazia para me sentar. Só não
esperava encontrar Sebastian, o amigo de Brandon, ao lado do lugar vazio. O garoto tem os olhos
fixos no que o professor está falando quando chego ao lado.
— Posso? — pergunto, apontando.
Ele não me olha, apenas assente com a cabeça. Dou de ombros e me sento na cadeira, agora
colocando a bolsa em cima da mesa.
Sebastian não desvia o olhar em nenhum instante do que o professor fala. Hoje ele está
vestido com uma jaqueta jeans pesada por cima dos braços, o que me impede de ver suas
tatuagens. A única tatuagem que consigo notar, são as dos seus dedos da mão direita. “HELL”
está escrito em letras pretas enquanto alguns outros traços são espalhados por entre a pele e anéis
prateados em todos os dedos.
Caramba, como eu nunca vi esse menino por aqui antes?
Quer dizer, sei que na Kennedy University não existem cursos relacionados a arte, mas ele
tinha que estar aqui? Na minha turma?
Bufo, um pouco frustrada. Quando Edward disse que o rapaz fazia música, eu bem que
deveria ter imaginado que era aqui no nosso campus.
— O trabalho final da disciplina será composto por uma apresentação de um projeto
empreendedor no ramo em que vocês pretendem trabalhar. Poderá ser feito em dupla e deve
contemplar tudo o que está no slide.
Bato o dedo indicador na mesa, tomando coragem de virar e falar com alguém. Observo que
todas as pessoas da sala parecem integradas e nenhum rosto me é familiar. Bom, estou mesmo
ferrada.
Quando tomo coragem e viro, Sebastian já tem os olhos em mim.
— Sebastian... não é? — falo, limpando a garganta.
— Sim.
— Gostaria… hum... de fazer o trabalho comigo?
O garoto me analisa de cima a baixo. Sinto as bochechas ficarem quentes com o olhar
intenso dele, mas não me intimido. Mordo o interior da bochecha quando ele arqueia as
sobrancelhas e diz:
— Na minha casa, hoje.
— Uh, como assim?
Ele ri num tom grave e me mostra um sorriso sutil.
— Não leve para esse lado.
— Não podemos, sei lá... fazer o trabalho na biblioteca? — noto como a minha voz está
estranha.
Esse cara me desconcertou apenas com uma frase.
Ele solta uma risadinha e pega uma caneta, aproximando o corpo do meu. Os olhos estão
fixos nos meus quando o peito dele bate contra o meu braço e Sebastian estica a mão até o meu
caderno. Vejo que ele anota o endereço na folha que está em aberto. Engulo em seco, nervosa
com a aproximação.
Sebastian se afasta devagar enquanto escuto os alunos se levantarem das cadeiras. Chacoalho
a cabeça e começo a guardar o material dentro da bolsa.
— No que vamos empreender? — indago quando eu me levanto.
— Vou me formar em música, então, pensei em algum estúdio de gravações, o que me diz?
— Acho bom.
Dou um passo para trás, colocando uma mecha de cabelo para trás da orelha e sorrio fraco.
Me misturo no meio do montante de alunos que estão saindo da sala e nem sequer olho para trás.
Caminho pelos corredores até conseguir chegar à escada principal do bloco, que está preenchida
de alunos sedentos pelos seus almoços.
Claramente, Rosie não teve condições de acompanhar as aulas de hoje e tenho certeza de que
vai ficar uma fera por eu ter concordado em fazer o trabalho com um estranho e não com ela.
Assim que meus pés tocam a porta de saída do bloco, meu corpo praticamente trava ao ver
Brandon encostado em um carro preto do outro lado da rua. Ele tem os braços cruzados na frente
do corpo e um cigarro está entre seus dedos.
Meu corpo todo arrepia e fico observando mais dele, ainda de longe. Coturnos pretos, jeans
escuro e camisa cinza chumbo. Ele parece ter uma tatuagem no braço esquerdo. Caramba, isso só
pode ser perseguição.
— Te vejo às duas?
Uma mão pesada cai sobre meu ombro. Tomo um susto e viro o rosto, encontrando
Sebastian me encarando, sério, com uma sobrancelha arqueada.
— Uh, sim. — Aperto os lábios em um sorriso.
— Ótimo.
Ele solta a minha pele e começa a caminhar para fora do bloco. Acompanho Sebastian com o
olhar, até ele estar próximo ao carro de Brandon. Quando volto a encarar Brandon, ele está com
os olhos em mim e sorri log em seguida, galanteador.
Respiro fundo e sigo para o caminho contrário.
Os dias que Mag viaja são os meus favoritos. Gosto de ter a casa só para mim e o silêncio
me agrada. Às vezes, acho que a sensação de solidão é algo confortável perto do que vivi com a
minha avó. Ela gostava de reuniões para estudos bíblicos e muitos programas de televisão, então
o silêncio era algo raro.
Apesar disso, eu também tinha um pouco de medo quando o silêncio se prolongava por
tempo demais.
Silêncio sempre significou ficar sozinha com os meus pensamentos e isso continua me
levando para alguns lugares obscuros e tristes na minha mente. A sensação de desencontro me
persegue assim como quando eu preciso iniciar um novo quadro.
O que fazer?
Por onde começar?
Eu nunca sei ao certo, apenas deixo o vento ou as expressões primitivas me levarem. Pensar
antes de agir não é muito o meu forte e preciso melhorar isso. Talvez, exatamente por esta razão,
aceitei ir até a casa de um estranho em plena tarde de terça-feira.
Às duas horas da tarde eu estou na frente do apartamento de Sebastian.
Avalio mais uma vez o prédio antes de entrar, certamente não é muito frequentado por
universitários, já que exala luxo. Inclusive, preciso passar por um porteiro no hall. Quando chego
no elevador e aperto o botão para subir, uma mulher elegante aparece ao meu lado. O cabelo
loiro dela cai até metade das costas e está vestida um conjunto social preto que contrasta com os
lábios marcados por batom vermelho.
Entramos juntas no elevador e ela solta uma risadinha nasalada assim que eu aperto o
décimo segundo andar, que é o último. Tento ignorar, mas mesmo assim olho de relance quando
ela aperta no décimo. A aliança de casamento grita pela grossura do ouro e a quantidade de anéis
dourados me faz quase ficar cega.
Ficamos em silêncio enquanto o monitor dos andares sobe, sobe e sobe. No décimo andar, as
portas abrem. Contudo, antes de sair, ela me olha por cima do ombro e sorri enquanto fala:
— Diga para o Brandon que a senhora Schmitd mandou um longo beijo.
E sai do elevador, rindo. Fico ali tentando entender do que ela está falando, até que as portas
voltam a se fechar e eu me dou conta: será que Sebastian divide apartamento com Brandon?
Ah, droga, é só o que me faltava.
Ele disse “minha casa”, como eu poderia adivinhar?
Porra, eu deveria ter perguntado…
Cruzo os braços na frente do corpo, tentando equilibrar a bolsa no meu ombro. Quando o
elevador abre no décimo segundo andar, saio e encontro um pequeno corredor com apenas uma
porta. Acho estranho no primeiro momento, mas mesmo assim bato na porta.
O barulho da porta sendo destravada faz o meu coração bater forte. Dou um passo hesitante
para trás e assim que Sebastian toma o meu campo de visão, eu respiro aliviada. Ele ainda está
vestido com as mesmas roupas da aula.
— Oi! — falo, apertando os lábios em um sorriso.
Ele levanta a mão, revelando um cigarro entre os dedos. Sebastian leva o tabaco até os lábios
ao mesmo tempo que me dá espaço para entrar. Dou o primeiro passo para dentro do lugar e
meus olhos enchem-se ao identificar que estamos na cobertura do prédio.
Uma sala ampla compõe o primeiro cômodo do apartamento, que tem grandes vidraças de
vidro no fundo, revelando uma visão incrível de Washington. Cerca de cinco sofás claros, uma
televisão de muitas polegadas, lareira, mesa de sinuca e até mesmo lustres pretos enfeitam a sala
monocromática em cores preto, branco e cinza do lugar. A casa parece ter sido decorada por um
arquiteto modernista, a julgar pelos móveis e a decoração.
— Pode ficar à vontade — Sebastian diz, parando ao meu lado. — Vou tomar um banho e
podemos começar. Tudo bem?
— Uh... sim — respondo, apertando os lábios.
Ele, sem muitas delongas, caminha na direção de um corredor ao canto direito do grande
cômodo. Me dirijo a um dos sofás, jogando minha bolsa no estofado e sentando. O lugar está
praticamente em silêncio. Praticamente porquê, de longe, eu consigo ouvir gemidos misturados
com alguma música. Que combinação estranha.
Assim que puxo o telefone do bolso e começo a dedilhar uma mensagem para Edward e
Rosie quando uma voz corta o silêncio do lugar.
— Dylan, pelo amor de Deus, são duas horas da tarde! — a voz diz.
Levanto os olhos e consigo ver Brandon James saindo do corredor com uma toalha branca
enrolada no quadril. O dorso nu me mostra uma quantidade de músculos que eu não fazia ideia
que existiam ali. Num dos braços, um tribal que começa no ombro e vai até metade do membro.
As coxas grossas são uma visão à parte que me fazem perder bons segundos ao analisar os
músculos rígidos ali.
Em instantes, os olhos dele encontram os meus.
Ele sorri para mim.
— Olá, meu anjo — ele diz pausadamente, encostando-se na parede.
— Eu não sou seu anjo — rebato, agora encarando o meu telefone.
Uma risada presunçosa ecoa pelo ambiente, o que me faz encará-lo mais uma vez.
— Não gosta do apelido, anjo?
Apoio o corpo no sofá e tento fingir indiferença perante a imagem do corpo praticamente nu
na minha frente.
— Eu não sou nada sua. E estou longe de ser um anjo. Por fim... você não tem intimidade
nenhuma comigo para me chamar de anjo.
Ele molha os lábios com a língua, o que me faz sentir um calor nas bochechas. Engulo em
seco quando Brandon se desencosta da parede e seu corpo imponente fica ereto. Enquanto
caminha na minha direção, ele fala:
— Você parece um anjo. E melhor que isso, seu nome significa paraíso. É de lá que os anjos
vêm, não é mesmo? — Ele para na minha frente, abaixando o corpo para perto de mim. Me sinto
praticamente encurralada no meio dos braços musculosos, já que cada um deles se apoia de um
lado do meu corpo. — Eu tenho certeza de que eu posso te levar de volta para o paraíso, anjo.
Solto uma risadinha nasalada, encarando cada detalhe do seu rosto.
— Você soa de uma forma tão... estúpida — me atenho a dizer. — Sempre anda por aí
seminu?
— Não. Às vezes, eu ando pelado. Completamente nu.
O nariz dele está muito próximo ao meu. Consigo sentir o calor que emana do corpo e acabo
por tocar o seu peito com o indicador e empurro ele para trás.
— Vai se ferrar e me deixa em paz, tô aqui pelo Sebastian.
— O que tá acontecendo aqui?
Brandon se afasta no mesmo instante que Sebastian surge com os cabelos molhados e um
conjunto de moletom preto. Por sorte, sou salva pelo garoto cheio de tatuagens, que me leva até
uma espécie de sala de estudos.
Ficamos lá trabalhando até mais tarde. Para a minha surpresa, Sebastian é um músico
incrível, e o ambiente é organizado com uma mesa grande, prateleira com alguns livros e uma
mesinha de canto com itens de papelaria. Enquanto eu mantenho o meu notebook em cima do
colo, sentada em um sofá, Sebastian faz algumas anotações num caderno.
Noto que Sebastian é uma pessoa extremamente fechada. Quando o relógio acusa quatro e
meia, ele roda a cadeira para mim e me encara.
— Quer um café?
Levanto os olhos para ele.
— Sim.
Ele abre um sorrisinho fraco e joga a cabeça para o lado, sutilmente. Certamente, Sebastian
tem uma dificuldade grande em manter diálogos grandes. Não que isso me incomode, na
verdade, eu até achei engraçado. Volto a atenção para o computador, onde continuo trabalhando
no logo do nosso projeto.
Duas batidas na porta me fazem subir o olhar.
— Uh, apenas sem os tênis? Pensei que te encontraria nua depois de tanto tempo trancada
aqui com Sebastian.
Nossa, como eu odeio esse cara. Rolo os olhos, encarando a figura encostada no batente da
porta.
— Nós estudamos juntos. Estamos fazendo um trabalho. Diferente do que você pensa,
homens e mulheres podem ficar no mesmo ambiente sem transar.
Ele joga os braços para o alto e ri.
— Não falei nada disso, meu anjo. Você é que está insinuando que eu penso assim.
— Para com isso.
— O que?
— “Meu anjo” — repito, tentando engrossar a voz para ele.
Ele estreita os olhos e me fita, analisando o meu corpo esticado no sofá.
— Dá para você dar o fora? Ou melhor, fingir que eu não existo? Na moral, tem um monte
de meninas a fim de você.
Ele arqueia uma sobrancelha e me fita, com um sorriso sacana.
— Claro, meu anjo. — E se desencosta do batente da porta com um sorriso malicioso
brincando nos lábios carnudos e pisca, saindo pelo corredor.
Resmungo alto, tentando concentrar os meus pensamentos no trabalho. O meu único
obstáculo parece ser um par de olhos castanhos e um sorriso maldoso. Depois que Sebastian
volta, nós acabamos ainda mais envolvidos no projeto. Quando me dou conta, já são sete horas
da noite.
A porta é aberta sem nenhuma cerimônia, revelando Dylan.
— Não sabia que estava acompanhado, Sebastian — ele fala, com os olhos fixos nos meus.
O moreno sorri.
— Claro que sabia — Sebastian rebate. — O que quer?
— Pedimos pizza, cara — ele fala, dando de ombros. — Daqui a pouco vamos para o The
Originals. Querem ir?
Viro o rosto para Sebastian, que dá de ombros enquanto me encara. Ele não precisa falar
muita coisa para eu entender que o gesto é um convite. Silencioso e sem muitas palavras.
— Não, obrigada.
— Espera… Você não estava lá ontem? — Dylan pergunta.
— Sim, mas não é o meu ambiente. — Olho para Sebastian. — É melhor eu ir.
— Come algo antes de ir — comenta, me fazendo sorrir. — Prometo que o Brandon não vai
pular em cima de você.
Levanto do sofá quando Sebastian já está em pé. Assim que chegamos na sala, vejo que três
caixas de pizza estão por cima da mesa de centro. Brandon está ali, encarando a televisão.
— Uh, eu não acredito que o Boston Celtics está perdendo por um placar tão grande — diz,
se referindo ao time de basquete que joga contra o Chicago Bulls.
Posso ouvir uma lufada vinda de Brandon, irritado. Seguro minha bolsa com mais firmeza
no ombro e estou relutante sobre sentar com eles para um momento. Quer dizer, Sebastian é meu
colega e acho que nos demos bem, mas…
Não sou o tipo de garota sociável.
Não com estranhos.
Tenho poucos amigos e acho que aceitei o convite de Sebastian porque, de algum modo,
gostei do jeito dele. A expectativa com que ele olhou para mim me faz pensar que talvez eu
possa aceitar.
— Posso te deixar na sua casa depois. — Ele sorri de lado, e eu acho que sorrio também
porque é a primeira vez que vejo os dentes dele.
— Uh, tudo bem…
— Vamos jogar uma partida de sinuca também — Dylan soa empolgado, parecendo muito
menos bobo do que antes.
Olho para o ambiente, observando Brandon ver a televisão. Assim ele parece menos idiota
do que realmente é. Todos nós nos aproximamos dos sofás e eles abrem as caixas de pizza. Então
estamos comendo e olhando para a televisão.
Caramba, acho que Edward terá um ataque do coração quando descobrir onde estou.
— Então, Heaven, quem é você? — Dylan pergunta de boca cheia, sem desviar o olhar da
tela da televisão.
— Estou fazendo um curso de curta duração na mesma instituição que o Sebastian. Trabalho
com arte.
— É daqui de Washington? — a voz de Brandon me faz estremecer.
Ele não deveria causar efeito algum sobre mim. Porém, algo me faz olhar para ele quando a
pergunta ressoa. Diferente de antes, ele não está me olhando e, sim, lutando contra um pedaço de
queijo da sua fatia, o que me faz rir.
— Uh, não… morava no Colorado até dois anos atrás. Estou morando com uma… amiga,
agora.
— E como ela é? — Dylan pergunta, arqueando as sobrancelhas sugestivamente. — Pode
apresentar pra mim?
— Porra, você não estava com o pau enterrado em alguém essa tarde? — brada Brandon,
irritado.
— Não sei qual é o problema de vocês dois — resmungo, alternando o olhar entre Dylan e
Brandon, que agora me olham. — Parecem adolescentes cheios de hormônios que precisam
enfiar-se na saia de qualquer uma frente. Além de nojento, parece infantil e imaturo. De algum
modo, isso pode até mesmo externar uma falsa segurança da própria masculinidade de vocês.
Silêncio.
O que recebo é um silêncio e olhos arregalados.
De repente, Sebastian explode em uma gargalhada ao meu lado. Ele ri tanto que dá até uma
roncadinha e precisa limpar os olhos com as mãos para retirar as lágrimas que se acumulam ali.
Meu rosto arde em vergonha.
Por que diabos fui falar isso?
Encaro a pizza entre meus dedos, pronta para me levantar e ir embora quando Dylan começa
a rir também.
— Você tem culhões, garota — ele murmura, batendo no ombro de Brandon. — Me chamou
atenção por dispensar o garotão aqui, mas agora? Acho que estou encantado depois do tapa na
cara que recebi.
— Está feliz por eu ter te chamado de infantil e imaturo? — Estreito os olhos. — Isso é
bizarro.
Ele levanta, dando de ombros em seguida.
— Somos uns mimados do caralho com o ego inflado e ricos. Você acha mesmo que
escutamos muitas verdades por aí? Acho que somos mais o tipo que tem essas atitudes tidas
como normais e, por isso, não pensamos muito sobre. — Aponta para a mesa de bilhar no canto
da sala. — Vamos lá, Bash.
Mordo um pedaço de pizza e encaro os dois garotos caminharem até o lugar. Não sei porque
me mantenho ali, pegando mais um pedaço da massa com queijo e molho. No instante que pego
o pedaço da pizza, Brandon está me olhando de uma forma menos impetuosa. Parece realmente
me analisar, por isso, não digo nada.
Na verdade, ainda estou morta de vergonha pelo que eu fiz.
Encaro o telefone quando ele vibra em minha mão livre. É uma mensagem de John e eu
acabo sorrindo para a tela com a foto que ele me envia. Está escrevendo e tem uma taça de vinho
ao lado do computador.
Quando termino de comer, me levanto, pronta para ir embora. Me surpreendo quando
Brandon também se põe de pé. Ele para na minha frente, perto demais. Levanto levemente o
rosto para conseguir enxergá-lo. O sorriso sutil em seus lábios me deixa confusa.
— Então existe um namorado para eu tirar de jogada? — a voz de Brandon surge.
Nego com a cabeça ao ignorá-lo e caminho até Sebastian.
— Ei, estou indo…
— Ah, não, você nem jogou ainda — Ele sorri de novo
— Vamos lá, anjo! — Brandon para do outro lado da mesa, pegando o taco da mão de Dylan
— Quero que no final da noite você perca de quatro... — E sorri. — À zero.
Eu até mandaria ele calar a maldita boca, mas tento ignorá-lo. Nós nos conhecíamos há
menos de vinte e quatro horas e, de algum modo, esse cara me deixa entre a irritação e
curiosidade. Sebastian solta uma risada, me encarando com os olhos estreitos.
— Coloca esse bosta do Brandon no lugar dele, Heaven.
— Qual é cara — resmunga ele, do outro lado da mesa.
Seguro o meu taco com força,
— Vamos lá, bonitão. — Me viro para ele, tomada pelas risadas de Dylan e Sebastian. —
Você vai adorar quando eu quebrar esse seu ego inflado.
Ele solta uma risadinha, tombando a cabeça para o lado e me analisando.
— Vamos apostar o que?
— Dinheiro? — Arqueio as sobrancelhas.
— Não — ele responde — Eu quero você. Por uma noite.
Olho para os lados, vendo os outros dois na sala nos observando, curioso.
— Não sou uma prostituta, Brandon.
— Uh, você entendeu errado, meu anjo — pontua. Tomo um susto quando ele contorna a
mesa e para na minha frente. Brandon levanta a mão com cuidado, tocando o meu rosto ao
segurar meu queixo com o indicador e o polegar. — Quando nós dois fodermos, você vai
implorar por isso, pode apostar. O que eu quero é uma chance de fazer você pedir por isso.
Ele puxa levemente o meu queixo, deixando meus lábios entreabertos. Brandon aproxima-se
o suficiente para os nossos lábios estarem a milímetros um do outro.
— Quero que saia comigo.
Eu solto o ar pelo nariz em uma risada baixa.
— Você não parece o cara que sai com garotas para foder elas.
Ele solta minha pele devagar e morde o próprio lábio inferior de um jeito que me faz pensar
que estou ficando maluca. Maluca porque estou, novamente, com calor perto desse ser humano
desprezível.
— Eu também não sou o cara que investe em uma garota por mais de um dia. E olhe onde
estamos... — Abre os braços, dando um passo para trás. — Vinte e quatro horas nesse jogo.
— Jogo?
Ele se agacha para pegar as bolas e arrumá-las em cima da mesa. Brandon faz tudo com
muita calma. Ele coloca a bola branca do outro lado da mesa e estoura o montante de bolas
coloridas com uma tacada certeira. Duas bolas entram. Um e cinco. O olhar dele sobe para o meu
quando contorna a mesa, ficando perigosamente perto de mim mais uma vez. Brandon para atrás
de mim e baixa o rosto até ficar próximo do meu ouvido e sussurrar:
— Você está fugindo de mim quando está em uma luta sobre querer e ceder.
— Ai, caramba, o seu ego é tão grande que me deixa enjoada.
Ele ri contra o meu cabelo, bagunçando alguns fios. Brandon se afasta e faz sua jogada,
não acertando nenhuma bola. Analiso as minhas opções e caminho o mais próximo que consigo
da bola branca, ajeitando o meu taco para jogar e acertar a bola número seis. Levanto o olhar
para ele, ainda inclinada sobre a mesa.
— Aprenda a ouvir não, Brandon. — Volto a atacar, agora acertando duas de uma vez. — Se
eu ganhar, você me deixa em paz.
Na última jogada, eu estou com os nervos à flor da pele. Existe apenas a bola número oito
em cima da mesa, e nenhum dos dois quer deixar fácil para o outro. Tacadas pequenas e sem
muita movimentação são acompanhadas de olhares irônicos. Eu não posso perder para Brandon.
Não consigo me ver dividindo um mesmo espaço que ele. Não em um encontro. Não
mesmo.
Analiso as minhas opções. Estudo o máximo que consigo e lufo o ar, me dando quase por
vencida ao ver que Brandon conseguirá fazer a bola. Um toque no meu pulso me desperta. Por
cima do ombro, vejo Brandon sorrir e subir o toque pelo meu braço, arrepiando todo meu corpo.
Ele para com a mão no meu ombro. Ele pisca para mim e caminha até a mesa, ajeitando o taco.
Brandon fecha um dos olhos para mirar. O taco vai e vem pela mão. Ele bate sutilmente.
Droga.
Só que ele erra.
Erra e eu ganho.
— Ótimo jogo, Heaven — Sebastian diz. — Vou pegar a chave do carro para te deixar em
casa.
Sorrio e respiro aliviada. Meu olhar procura por Brandon, que está encostado na mesa, me
analisando. E então ele pisca para mim. Igual fez antes de fazer a jogada final.
Filho da puta.
Caminho em passos largos até Brandon assim que Sebastian sai da sala. Não sei onde Dylan
está, ele saiu na metade do jogo. Quando me aproximo, parando à frente dele, os olhos me
avaliam com um sorriso nos lábios.
— Brandon, você perdeu de propósito! — eu protesto. — Por que fez isso?
O olhar dele desce pelo meu corpo. Sinto as bochechas corarem pela forma com que me
olha.
— Já disse, meu anjo. Eu quero que você queira tanto quanto eu. Não vai ser com uma
aposta que vou fazer você sair comigo. — E pisca.
Eu solto um riso nasalado e ele parece se divertir com a minha indignação, porque ri.
— Você é insuportável — falo, dando um passo para trás.
Ele morde o lábio e pisca para mim mais uma vez.
Idiota.
Quarta-feira é o dia mais temido da minha semana. Começa com a aula que eu menos
gosto do meu novo curso em arte avançada, com um professor mais novo, com ideias frescas,
mas com a didática terrível. E o pior: é uma aula sobre esculturas.
A parte prática é incrível, mas a introdutória...
Já estou quase dormindo em cima dos meus cadernos quando sinto cotovelo de Rosie.
Levanto os olhos para ela, que me encara com um ar de reprovação. Para a minha sorte, o
professor anuncia o intervalo no instante que o meu estômago protesta em fome.
Eu e Rosie caminhamos na direção da lanchonete e nos acomodamos em uma mesa. Jogo a
mochila em cima da mesa e cruzo os braços em cima do tecido, encostando a cabeça e fechando
os olhos. A minha amiga anuncia que vai atrás de algo para comer e agradeço.
— Você está péssima, Heaven — a voz de Edward me desperta. — Toma isso.
Abro apenas um dos olhos e vejo um copo de café fumegante. Tudo o que eu preciso. Pego o
copo com ambas as mãos e dou um gole da bebida quente, queimando um pouco da língua.
Não é à toa, fiquei mais horas do que deveria trabalhando na noite de ontem. No geral, eu
gosto do período noturno para me inspirar. Isso parecia uma boa ideia nas férias, mas agora, com
aulas diárias no período da manhã e os três dias semanais de estágio, está sendo difícil.
Quando vou agradecer ao Ed, os meus olhos acabam prestando atenção na mesa atrás de
Edward. Dylan, Sebastian e Brandon estão sentados com algumas garotas. Brandon tem uma
garota sentada em sua perna, enquanto ela o abraça pelo pescoço e tenta chamar atenção dele.
Ele sorri para ela enquanto a segura pela cintura, fazendo carinho ali com os polegares.
Mas que diabos, isso é perseguição agora?
Faz menos de uma semana que eu estive no apartamento de Sebastian e, por sorte, não
encontrei mais nenhum deles. Quer dizer, eu gosto do Sebastian, mas a nossa próxima aula será
amanhã. E não pretendia ver Brandon mais vezes, e não custou muito. Os lugares que eu
frequento ainda são os mesmos e continuei naquela rotina de nunca ver os rapazes que havia
descoberto há poucos dias.
Como se fosse magnetismo, o olhar dele encontra o meu em breves instantes.
Faço uma careta e ele, por outro lado, parece se divertir, porque sorri. Edward vira para trás
e vê para onde estou olhando.
— Vai deixar aquela lá pegar o seu potencial crush?
— Maldito dia que fui contar para vocês da insistência desse lunático — digo, agora olhando
para o meu amigo. — Definitivamente, não! Estou bem na minha posição com o que tenho.
Rosie surge com uma bandeja recheada de muffins de mirtilo.
— Café da manhã! — ela diz, soltando a bandeja na nossa frente.
Estico a mão para apanhar um bolinho. Tiro, cuidadosamente, o papel de envolta do bolinho.
Abocanho um pedaço e gemo baixinho.
— Céus, Rosie. Isso aqui é uma delícia.
Uma risada grave soa próxima de mim, me fazendo tensionar o corpo e até mesmo parar de
mastigar. Os olhos de Rosie e Edward se concentram em algo atrás de mim e, pelo calor que o
corpo emana, só pode ser uma pessoa. Não pode ser, caramba. O cara é mesmo insuportável.
Viro para o trás e encontro Brandon alisando os lábios com o polegar e a sobrancelha levantada.
— Eu não sei o que é mais delicioso, você gemendo ou suja de geleia de mirtilo.
Sorrio fraco, levantando o dedo do meio para ele.
— Sempre delicada, Heaven — ele diz, agora colocando uma mão na mesa, ao meu lado.
Ele inclina o corpo na minha direção, ficando próximo ao meu ouvido para dizer. — Estarei
esperando por uma revanche na minha casa, meu anjo. Pode ser por cima da mesa de bilhar, se
você quiser.
Ai, caramba..., o meu rosto fica quente com a suposição do pervertido dos infernos. Viro
meu rosto para ele, que está perigosamente perto. Meu movimento seguinte é o mais idiota de
todos, porque lambo os lábios com os olhos fixos nos dele. Vendo as pupilas se dilatarem e algo
como desejo brilha nos orbes.
— Vai se ferrar, cara. Me deixa em paz.
Ainda não sei porque ele insiste tanto. Quero dizer, sou uma garota baixinha, com a pele tão
branca que minhas sardas estão por toda parte, não tenho nenhum grande atrativo com o corpo
magro demais e corte de cabelo reto, deixando o cabelo liso e castanho um pouco desengonçado.
Nunca liguei muito para aparências e, por algum motivo, mesmo que eu não o conheça, sei que o
tal Brandon parece o tipo de cara que sai com modelos ou algo assim.
Só pode ser ego. Ele não aprendeu a ouvir um não.
Os olhos dele se voltam aos meus e Brandon levanta a mão que não está apoiada na mesa
para mim, limpando o canto da minha boca com o polegar. O pequeno contato faz meu corpo
estremecer e qualquer negativa que eu queira proferir para ele se esvai. Enquanto a pele toca a
minha, ele me encara com aquele olhar castanho intenso que me faz ver todas as promessas que
me faz. Ainda me olhando, ele leva o dedo aos lábios e chupa o resquício de geleia de mirtilo
que tem ali.
— Bom dia para você, anjo.
Brandon se afasta devagar, com os olhos ainda nos meus. Ele olha rapidamente para Edward
e Rosie, cumprimentando-os com um movimento da cabeça e caminha em passos firmes para
fora da cantina. Vejo, na parte de trás da sua jaqueta, o logo do time do Washington Kings, o
time universitário de hóquei da Kennedy University.
Edward comenta algo sobre tensão sexual e Rosie ri. No entanto, só consigo me concentrar
em como o meu corpo está respondendo a tudo isso. Não esperava sentir um calor tão grande
com essa situação. Talvez a interação bizarra esteja começando a me incomodar.
No entanto, o meu corpo não para de aquecer e formigar. Quero chorar quando uma pressão
familiar se faz presente no meu baixo ventre e preciso fechar os olhos para me concentrar e
aplacar algo que me faz ter náuseas.
Desejo.
Desejo por Brandon James e a áurea insuportável e arrogante dele. No que estou pensando,
caramba? Ele é um moleque imaturo. Eu tenho John e um relacionamento que não me dá dores
de cabeça, e esse menino tem cheiro de problema.
Quando a aula da manhã termina, o meu corpo ainda está zunindo de uma forma estranha.
Por isso, assim que passo pelas portas da sala de John, sem ao menos bater, sinto cara parte de
mim tomada por uma eletricidade e impulsividade que não sentia há tempos. Porra, a última vez
que agi como uma pirralha foi quando fui embora da casa da minha avó e ela estava gritando
comigo. Fingi que ela não estava ali e parti sem olhar para trás.
Sem ao menos me despedir.
Os cabelos bagunçados por conta da velocidade que andei condenam a pressa que estou
sentindo. John levanta os olhos, de trás do computador, e me observa trancar a porta. Quando me
viro, ele se levanta da cadeira.
— Heaven? — indaga, confuso. — O que aconteceu? Ainda está cedo para o seu horário.
Jogo a mochila no chão, puxando a minha blusa pela barra e jogando longe. John arregala os
olhos e abre levemente os lábios. Em apenas dois passos estou na frente dele, colocando as duas
mãos nas laterais do rosto bonito.
— Saudades.
Meus lábios e os dele se chocam. John parece surpreso com a minha invasão e agora tem as
mãos na minha cintura, tentando coordenar um beijo sedento. Uma das mãos segura o meu
cabelo em um punho e ele afasta brevemente os nossos lábios.
— Saudades é um novo código para transar? — ironiza, voltando a me beijar com
voracidade.
Caramba, eu não esperava que John fosse ser tão receptivo sobre isso. Afinal, ele tem muito
mais a perder do que eu nesta situação. Então me recordo sobre todas as vezes que ele tentou
algo comigo dentro desta sala e eu insisti para que saíssemos daqui. Será que ele tem algum tipo
de fantasia sobre me ter nesse ambiente?
Enquanto ele dita o ritmo do beijo, tento desabotoar a camisa de botões preta. John brinca
com a língua na minha boca, me fazendo sorrir entre o nosso beijo.
Isso, John, continue assim e mantenha meus pensamentos em você.
Assim que abro o último botão, ele me solta para que eu tire a camisa dele. Enquanto isso,
toco no botão da calça social e a abro, deixando que ela escorregue pelas pernas dele. Aproveito
que John está em pé e o empurro pelos ombros para o sofá, ele cai sentado.
Toco a caneta que segurava meu cabelo em um coque, soltando os fios e balançando a
cabeça levemente. John mantém os olhos compenetrados em cada movimento meu. Abro o zíper
lateral da minha saia e deixo que ela caia aos meus pés. Saio por cima do tecido e me sento no
colo de John.
Ele me segura pela cintura e deixa o nariz percorrer a extensão de pele do meu pescoço nu.
A respiração contra a minha pele me faz arrepiar o corpo inteiro e eu reprimo o gemido quando
ele abre o meu sutiã. Os lábios espalham beijos pelo meu maxilar e descem até a minha
mandíbula, me fazendo esquecer completamente o mundo exterior à essa sala.
Enquanto nossas respirações se tornam altas à medida que ele deixa nossos corpos serem
levados pelo momento e pelo prazer, é um trabalho complicado não fazer algum som suspeito.
Quando estamos suados, cansados e eu pareço infinitamente mais aliviada, levanto meu
olhar para ele, que se encosta no estofado do sofá e sorri para mim.
— Você é a minha melhor aluna, Heaven.

Sair da sala de John depois do dia inteiro fingindo que nada aconteceu no sofá da sala dele é
uma falsa moral que me deixa nervosa, além de ser contra as regras rígidas do campus, onde
professores e alunos não podem se envolver, fiquei meio chateada por praticamente pular em
John após o momento com Brandon.
Foi errado e talvez seja isso que esteja me deixando tão inquieta assim.
São cinco horas da tarde quando saio do bloco e caminho pelo estacionamento, desesperada
para chegar ao ponto de ônibus e ir para a minha casa. Passo a mão nos cabelos mais uma vez,
verificando se tudo está em ordem. Minha cabeça parece aérea demais e um turbilhão de
sensações que me faz caminhar com mais pressa entre as pessoas para me sentar no banco do
ponto de ônibus. Assim que o faço, um carro para na frente do lugar.
Olho para os lados, nervosa. Porém, não consigo imaginar uma perseguição desse garoto
aqui. É uma das principais avenidas da região, onde inclusive há uma ligação direta com o
campus da Universidade que ele estuda.
— Precisa de uma carona?
Ele coloca o braço na janela do carro e posso ouvir o cochicho das garotas ao meu redor.
Finjo que não é comigo e ignoro a Mercedes preta do rapaz.
— Meu anjo, não é educado ignorar quem está lhe oferecendo ajuda.
O ônibus para um pouco à frente do carro dele e me atrapalho com a mochila, retirando às
pressas o meu cartão. Resolvo ignorá-lo. A partir de agora, tentarei um tratamento de silêncio.
Talvez assim ele veja que é melhor desistir.
Quando volto para a casa de Mag, não me surpreendo por ainda encontrá-la vazia. Ontem,
quando trabalhei até altas horas, me aproveitei do fato que estava sozinha, já que viagens dela
duram de três a quatro dias na semana e o conforto do silêncio se torna sufocante no último dia
de viagem dela.
Porém, eu ainda estou passando pelos momentos de paz e euforia com o fato de estar
sozinha. Aproveito e adianto alguns trabalhos do curso, entre pesquisas sobre o que os
professores falaram nas duas semanas de aula.
Já é perto das três horas da tarde quando levanto da escrivaninha do quarto e vou até a
cozinha ligar a cafeteira. O sono está começando a tomar conta de mim e preciso me manter
acordada se quiser trabalhar um pouco. Espreguiço os braços e ficando na ponta dos pés. Giro o
pescoço a fim de relaxar, mas meu corpo todo se põe em alerta quando a campainha toca.
Caminho em passos sutis até a porta, tocando na chave e abrindo a porta.
— Você só pode estar brincando comigo... — Rolo os olhos.
Brandon está com o cotovelo apoiado no batente da porta. O sorriso sagaz brinca nos seus
lábios enquanto os olhos traçaram o meu corpo. Os cabelos estão levemente úmidos e
desgrenhados. Cruzo os braços, tentando evitar que ele note que estou sem sutiã por baixo da
camiseta larga dos Stones.
— O que você quer, Brandon?
— Uhu... é assim que você recebe as visitas? Então é aqui que você se esconde, baby?
Estou preparada para dizer algum desaforo quando ele levanta o meu caderno. Junto as
sobrancelhas enquanto levo a mão para pegá-lo.
— Como conseguiu isso? — Aponto para o caderno.
— Seu caderno caiu no chão quando você praticamente fugiu de mim — ele justifica.
Abro a mão, esperando que ele me entregue o caderno.
— Como sabe onde eu moro?
— Bash te deixou aqui na semana passada, não foi um grande negócio.
Ele sorri para mim, mas logo os olhos percorrem o interior da sala da tia Mag. Brandon, sem
ao menos perguntar, adentra ao lugar. Que cara petulante! Mordo o lábio inferior, tentando não
gritar com ele.
Fecho a porta sem trancá-la.
— Você invade propriedades privadas? — debocho. — Como futuro advogado você deve
saber que posso te processar.
Ele caminha pela sala, observando os porta-retratos em cima do rack da televisão. Ele está
vestindo apenas um jeans surrado, coturnos e camisa preta. Mordo o lábio quando desço o olhar
até a bunda redonda e o meu rosto se aquece ao lembrar do que fiz com John motivada por um
sentimento estranho sobre ele.
Não posso desejar esse cara.
É absurdo. Ou talvez, bem lá no fundo, seja um ato de rebeldia sobre as bobagens que fui
criada ouvindo. Meu corpo todo arrepia. Eu já pensei sobre isso quando comecei a ter um caso
com John. Minha avó era extremamente contra mulheres se envolverem com homens mais
velhos e com algo casual.
Depois, a vovó Williams até mesmo tentou me arrumar um noivo na paróquia da nossa
igreja local. Um garoto com roupas engomadinhas e cabelo lambido de uma forma estúpida.
Será que eu estou atraída por Brandon apenas por rebeldia?
Bom, isso é um bom começo. É confortável pensar, na verdade, que existe um motivo por
trás disso e que não estou enlouquecendo. Afinal de contas, esse cara é um mulherengo dos
infernos, insistente e… Argh. Me faltam adjetivos.
Tento reprimir o calor que toma minhas bochechas ao checá-lo mais do que devo e caminho
até a pequena cozinha.
— Quer um pouco de café? — pergunto, com a voz ligeiramente sarcástica. — Viu? Sei ser
uma boa anfitriã.
Estico os braços para pegar as canecas no móvel em cima da pia. Fico na ponta dos pés e as
pontas dos meus dedos tocam o porcelanato. Meu corpo todo trava quando sinto Brandon atrás
de mim, colando o corpo no meu. Engulo em seco, voltando a ficar com o pé inteiro no chão.
Abaixo a mão e me seguro no mármore da pia enquanto Brandon pega duas xícaras,
colocando-as em cima da pia sem desgrudar o corpo do meu. O meu corpo todo aquece e sinto a
boca secar. Sinto o meu coração bater rápido quando ele abaixa o rosto e chega próximo ao meu
pescoço. Brandon é muito mais alto que eu, com toda certeza mais de dez centímetros. Agora ele
está me encoxando no meio da cozinha, a respiração bate contra o meu pescoço e estou
novamente pensando coisas que não devo.
Maldito.
As mãos dele tocam o meu pulso o toque sobe lentamente até segurar em meus ombros. A
pele queima contra a minha e eu mordo o lábio com força, reprimindo um suspiro. Brandon
pressiona mais o corpo no meu, deixando-nos colados.
— Posso te pedir uma coisa? — a voz rouca sussurra perto do meu ouvido.
Eu assinto com a cabeça, lutando para não fechar os olhos, tensa demais com nossos corpos
roçando tão próximos. Uma risadinha baixinha escapa de sua boca.
— Meu. Café. — pontua lentamente cada palavra, com a voz baixa e rouca. — É. Sem.
Açúcar.
Ele se afasta e eu solto um grunhido frustrado. Aperto os olhos de raiva e reclamo baixinho
enquanto seguro a jarra da cafeteira, que está em cima da pia, e encho as duas xícaras. Minhas
mãos trêmulas seguram a primeira e viro o corpo para Brandon, que está sentado em cima da ilha
da minha cozinha.
Ele estica o braço e segura a xícara na minha mão e, em seguida, me afasto e encosto o
quadril no balcão, a uma distância segura, pegando a segunda xícara para beber do meu café.
Assopro a bebida e tomo o primeiro gole observando o rapaz à minha frente.
— Você gosta de café, não é mesmo? — ele diz.
— É um mal necessário — comento, por fim.
Ele toma um gole da bebida.
— Conheço uma cafeteria ótima no Brooklyn.
Arqueio as sobrancelhas e solto uma risadinha.
— Não vai funcionar, James.
Ele cruza a perna, agora tomando mais um pouco do café.
— Por que não aceita sair comigo, Heaven? — ele pergunta, cautelosamente.
Cruzo os braços, encarando-o em descrença.
— Eu sei o que você quer. E, sinceramente, eu estou muito bem no relacionamento que me
encontro...
— Uh, então existe um relacionamento?
— É... existe uma pessoa.
Ele estreita os olhos para mim como se soubesse que há algo de errado nesse envolvimento.
— E é um relacionamento?
Eu mordo o lábio.
— É algo com exclusividade.
— Você gosta dele?
A pergunta me surpreende, o que me faz levantar o olhar para encará-lo. Se Brandon quer
apenas transar comigo, por que ele está fazendo essas perguntas?
— O que você quer, Brandon?
Ele rola os olhos, soltando a xícara em cima da ilha ao apoiar-se nas duas mãos, com o corpo
levemente inclinado para trás.
— Você me pergunta demais a mesma coisa. Já disse: quero sair com você. Estou estudando
até quando vou precisar investir até você dizer que sim.
Suspiro, encarando a xícara entre as minhas mãos.
— Qual o seu problema com uma negativa? Já disse que não me interesso. Estou me
assustando com você surgindo nos lugares em que eu estou. Porra, isso é bizarro para caralho.
Ele se aproxima de mim. Brandon toca o meu queixo com o dedo indicador e levanta meu
rosto, me fazendo encará-lo. Os olhos castanhos me analisam minuciosamente.
— Eu sei que essa pessoa não te merece pelo simples fato de não te assumir, Heaven — ele
diz, sério. — Meu anjo, eu não vou desistir disso. Você pode ter certeza.
— Você está muito convencido — eu rebato. — E continua parecendo um maluco.
Um sorriso forma-se no canto dos seus lábios.
— Esse é o meu charme. — E pisca, agora soltando o meu rosto. — O café estava ótimo.
Estarei aguardando o seu “sim” para o nosso encontro.
Acompanho a movimentação com os olhos. Ele caminha para fora da cozinha, cruza a sala e
para na frente da porta da saída. Quando toca a maçaneta da porta, digo:
— Você não tem amigas mulheres, não é?
Ele sorri, encarando a porta enquanto nega com a cabeça. Ótimo, além de tudo é um pouco
sexista dos infernos. Minha voz treme quando me pego dizendo:
— Não teria como esse encontro ser só como, hum, amigos?
Os olhos dele encontram os meus.
O que diabos eu estou fazendo?
— Claro que podemos sair como amigos, Heaven. — E pisca para mim como se eu tivesse
contado uma grande piada.
Na verdade, eu desconfio que, ao sair com Brandon James, eu não acabarei longe da cama.
Então é melhor me manter longe da tentação. Fazer coisas erradas é algo que eu estou tentando
não fazer com tanta frequência. E espero que não me acostume muito com a ideia de começar.
Eu e Edward estamos deitados no tapete da minha sala, cada um com seu balde de pipoca,
enquanto assistimos pela décima vez a primeira temporada de “Rick and Morty”. Rosie chegará a
qualquer instante, já que ela foi até o outro lado da cidade atrás de uma argila importada para as
suas esculturas.
Eu ainda não sei direito o que sentir em relação a Brandon James.
Ele me desperta uma inquietude e uma curiosidade absurda. Tirando a parte de que eu
precisar concordar com Edward: sim, há uma tensão sexual entre nós dois. O moreno consegue
me deixar sem reação quando se aproxima.
— Ed? — murmuro, ainda encarando a televisão.
— Hum...? — ele responde sem tirar os olhos da tela.
— O que você acha que rola entre Brandon e eu?
Ele vira o rosto para mim. Continuo olhando para a televisão.
— Você realmente está me perguntando isso ou só quer uma confirmação para algo óbvio?
— Não sei, Edward. — Dou de ombros, enchendo a boca de pipoca e não me importando em
falar com a boca cheia. — Eu acho que o cara é um estúpido que não sabe levar um fora. Sou a
garota que o dispensou e ele, por questão de honra à masculinidade frágil, precisa me comer.
— Uh, quem me dera ser comido pelo Brandon James... — Ele suspira.
Viro o rosto para Edward e jogo uma pipoca na direção do rosto dele.
— Me desculpe se ele é um tremendo gostoso e penso em voz alta, às vezes — responde,
voltando a encarar a televisão. — Mas respondendo à sua pergunta... eu também acho que deve
ser isso. O cara não vale nada, Heaven. As garotas sempre estão se jogando nele de uma forma
bizarra.
Mordo o lábio antes de falar.
— Ele me convidou para sair... e... — Edward arregala os olhos e me encara de forma
estupefata. Levanto o indicador em riste, impedindo que ele me interrompa. — Eu disse que
poderíamos sair como amigos.
O rosto claro fica vermelho. Então ele dispara em uma gargalhada alta. Presto atenção em
Edward se contorcendo enquanto ri sem parar. A risada dele me comove e eu até arrisco alguns
sorrisos, mas o meu amigo chora de rir. Para a minha felicidade, Rosie abre a porta da casa,
ficando parada na frente da porta observando o garoto gargalhar. A ruiva fica séria, até que os
olhos dela encontram os meus.
— O que deu nele?
— Eu disse que sugeri sair com o Brandon como amiga, e ele está nesse estado.
Rosie aperta os lábios, tentando segurar uma risada. Ela também gargalha alto enquanto
fecha a porta. Fico observando meus dois amigos encherem o lugar com suas risadas
espalhafatosas.
— Gente, qual o motivo da risada? Eu sei que ele não tem amigas mulheres, mas…
Edward senta no tapete, limpando os olhos com a ponta dos dedos.
— Garota, nem você acredita nisso — Edward murmura. — Você está querendo ter algum
controle sobre um desejo primitivo ao mascarar isso com esse lance de “amigos”. — Faz aspas
com os dedos.
Rolo os olhos, cruzando os braços.
— Vocês acham que é isso?
— Sim! — Rosie joga a bolsa no sofá e tira as sapatilhas. — Deixa de ser idiota, Heaven.
Transa logo com ele e acaba com esse jogo idiota. O cara anda por aí te farejando como se fosse
um animal. — Ela senta no chão, pegando um pouco da minha pipoca.
Observo os dois, incrédula.
— Não seria, hum, estranho? Mais uma na lista dele?
Edward cutuca o meu braço.
— Faça o contrário, Heaven. Faça ele se sentir mais um na sua lista. — Pisca para mim. —
Não deixe que os comentários machistas de Brandon e os amigos dele interfiram na foda
fantástica que ele vai te proporcionar.
Mordo o lábio, agora encarando as minhas mãos.
— E também tem o meu....
— O Christian Grey? — Edward pergunta. — Qual é Heaven. Você realmente acha que
vocês dois vão para a frente?
Arqueio as sobrancelhas, agora encarando Edward.
— Como assim?
— Qual é, Heaven... — ele diz, apertando os lábios. — Se ele quisesse já teria assumido
tudo isso faz tempo.
Rosie coloca a mão no meu ombro.
Eu a encaro com os lábios apertados.
— Mas... ele não pode, e... eu também não sei se quero algo com ele. Está confortável. Não
quero um relacionamento e ele também não.
— Pois é. Trate isso como um caso.
— Somos exclusivos — digo, agora encarando ele.
— E vocês acordaram isso? Ou foi algo que você mesma criou na sua cabecinha?
Coço a nuca, agora tentando encontrar nas minhas vagas memórias algum momento em que
eu e John acordamos sobre não ficarmos com mais ninguém. Eu sabia que ele não ficava com
mais ninguém. Isso porque eu praticamente estava com ele nos finais de semana e entrava na sua
sala, na faculdade, sempre que queria. Só que existem muitas brechas nesse acordo.
Aperto os olhos e jogo meu corpo contra as almofadas espalhadas pelo chão. Encaro o teto
de gesso e crio coragem para dizer para mim mesma que eu desejo Brandon James.

Se existe algo que o centro universitário de Washington faz muito bem são os jogos
universitários entre as quatro instituições do bairro. Acho que esse é o único evento que eu
realmente gosto de participar, que envolve acadêmicos e bebidas alcoólicas. Todos os anos eu
assisto aos jogos de basquete e também a algumas provas de dança.
Enquanto estou em uma missão impossível de comprar pipoca para assistir ao jogo de
basquete, me repreendo mentalmente por cogitar ir a um jogo de hóquei apenas para ver Brandon
no gelo. Não consigo nem conceber a mera ideia de estar curiosa sobre isso.
Hóquei parece combinar com ele. Jogos de impacto com um pouco de violência. Não sei
porque, mas Brandon tem algo primitivo no olhar e isso me deixa intrigada a vê-lo em cena.
Já estou há mais de quarenta minutos na fila e ainda faltam algumas pessoas para eu
conseguir comprar algo para comer. E para o meu desespero, Brandon James está passando pelos
portões de entrada do estádio da Universidade de Compton. Desvio da imagem dele e fixo o meu
olhar no telão que mostra o jogo. As barraquinhas de comida ficam fora do ginásio de esportes,
uma do lado das outras.
— Droga, que inferno esse time! — resmungo assim que o time da Universidade Kennedy
faz uma cesta de três pontos.
O garoto da minha frente ri com a minha reação, me olhando por cima do ombro. Eu sinto as
bochechas queimarem, observando-o rapidamente. Volto a observar o telão e não poupo sorrisos
quando o time adversário faz uma cesta de três pontos.
— Isso! — Eu aperto o punho em sinal de comemoração, torcendo contra a instituição de
ensino de Brandon.
O garoto da minha frente se vira na minha direção. Ele tem um sorriso no canto dos lábios
quando me observa. Os olhos verdes contrastam com os cabelos loiros levemente grandes, o que
me faz desnortear um pouco a visão do jogo.
— Académie de Rossignol?
Arqueio uma sobrancelha. Estou torcendo para outra Universidade como…
— Deduziu sozinho?
Ele joga o cabelo para trás e sorri.
— Sua camiseta.
Olho para o que ele acabou de se referir. É uma camiseta com uma frase que diz “Água, tinta
e pincéis”.
— Uh... Você é bom com avaliações. — Solto uma risada, avaliando o rapaz.
Ele veste uma camiseta branca, jaqueta do time de futebol americano da KU, tênis e calças
jeans claras. Os cabelos ruivos são um pouquinho grandes. Ele parece um pouco tímido.
— Sirius Northwar. — Estende a mão. — Estou cursando disciplinas gerais na Kennedy. E
você?
— Heaven Williams. Arte criativa. — Estendo a mão para ele e aperto.
Ele vira o meu pulso e seus olhos descem até ali, me mostrando resquícios de tinta.
— Pinta telas — diz, agora com os olhos fixos na minha pele.
Eu sorrio, tirando a mão devagar da dele, que volta a me olhar, agora colocando as mãos nos
bolsos da jaqueta jeans.
— Reconheci a tinta oleosa.
— Você pinta? — pergunto, curiosa.
— Minha mãe. — Dá de ombros. — Longa história.
Aperto os lábios em um sorriso tímido enquanto coloco uma mecha de cabelo para trás da
orelha. Ele continua me observando com um sorriso tímido nos lábios.
— Que tal você me contar mais sobre as suas telas? Prometo que sou uma boa companhia.
— Hoje eu estou com uns amigos... — falo, apontando para dentro do ginásio e
completamente sem graça. — Quem sabe podemos tomar um café qualquer dia...?
Mordo o lábio inferior, sentindo minhas bochechas aquecerem. Ele sorri e me entrega o
telefone desbloqueado. Eu coloco meu número ali. Sirius faz o mesmo com o meu quando
entrego a ele.
— Você vai fazer alguma coisa depois do jogo?
Abro a boca para responder, mas uma mão pesada é colocada na minha cintura, me fazendo
olhar para cima no mesmo instante,
— Que demora, anjo — Brandon diz. — Tudo bem por aqui?
Seguro firme na mão de Brandon, a afastando de mim.
— Já disse para não me chamar assim — resmungo, agora notando Sirius nos observar. — E
eu nem estava com você, idiota.
Ele arqueia as sobrancelhas para mim como se eu estivesse falando um absurdo. Volto a
olhar para Sirius e ele alterna o olhar entre nós dois. Por incrível que pareça, ele não parece se
intimidar por Brandon. Contudo, é uma situação bem embaraçosa.
Sirius pisca para mim e fala:
— Depois nós conversamos, artista.
Ele vira para o atendente da barraca e pega a pipoca. Sirius sorri antes de sair de perto. Pego
o dinheiro amassado do bolso de trás do meu jeans e coloco em cima do balcão, esperando a
minha pipoca. Eu nem sequer consigo olhar para Brandon, que está parado ao meu lado.
— Quem era o idiota?
Estreito os olhos para Brandon assim que pego meus pedidos.
— Você é o único idiota aqui, Brandon!
Seguro firme a pipoca e marcho em passos largos para dentro do ginásio. Quem Brandon
James acha que é para se intrometer na minha vida? Para a minha infelicidade, ele continua me
seguindo. Paro de caminhar, ele também.
— Não estrague o meu dia, apenas… sai daqui, tá?
Não espero ele reagir. Giro no próprio eixo e caminho apressada. Quando entro para a
arquibancada, estou, no mínimo, furiosa. Caminho até onde Edward e Rosie estão sentados e me
enterro contra o banco de madeira. Os dois se entreolham e antes mesmo de perguntarem algo,
Edward diz:
— Nem precisa dizer nada. O motivo desse meu humor se chama tesão.
— O que? — Encaro o meu amigo, que aponta para algo. Viro o rosto e vejo Brandon James
caminhar na nossa direção. — Oh, não, pelo amor de Deus! Isso é perseguição!
Encho a boca de pipoca quando Brandon senta ao meu lado. Ele, descaradamente, enfia a
mão no meu balde de pipoca e leva os milhos estourados até a boca. Continuo com os olhos fixos
no jogo, mesmo não prestando mais atenção em merda nenhuma. Estou furiosa.
O intervalo do jogo é anunciado e eu continuo com os olhos fixos na quadra.
Rosie e Edward tentam me colocar dentro de uma conversa, mas eu simplesmente não
consigo.
— Me desculpa. — Viro o rosto para Brandon, que está me olhando. — Acho que já entendi
que não vai rolar.
— Vai desistir assim, fácil, depois de parecer um maluco atrás de mim?
Um sorriso pequeno cobre os lábios dele.
— Desculpe por isso também. Nunca precisei ir atrás de alguém e acho que pareci um
pouco…
— Louco?
— Compenetrado.
Desvio do olhar dele. Não sei como me sinto sobre ele estar, claramente, desistindo. Eu não
posso ter gostado dessa maluquice, certo? Afinal, é o melhor. Brandon desistirá e voltarei à
minha vida normal, sem pensar nele por cada passo que dou no bairro universitário.
Um suspiro escapa dos meus lábios quando ele se remexe ao meu lado, como se fosse se
levantar. Mordo o lábio quando ele para, olhando para a quadra. Brandon vira o rosto para mim
com um sorriso ladinho nos lábios.
— Câmera do beijo, anjo.
Olho para o telão e vejo a minha imagem e a de Brandon lá.
Uma quantidade grande de pessoas começa a gritar e bater palmas. Eu olho para Brandon,
querendo dizer algo. Ele é mais rápido, no entanto. Em instantes a mão dele está na minha nuca,
me puxando para ele.
— Não… — digo, mesmo que não me mova.
— É só para entrar na brincadeira, anjo.
— Brandon…
Ele fica ali, parado a centímetros de mim. Sem se mover.
— Amigos se beijam quando a câmera do beijo foca neles — Brandon argumenta.
— É claro que não. E você não estava indo embora? Da minha vida?
— Já está desistindo assim de mim?
Me calo, sentindo o cheiro dele misturado com o calor corporal e engulo em seco. Ele
arqueia uma sobrancelha para mim, aguardando. Minhas mãos tremem em antecipação por tocá-
lo, mas… porra, não! Não posso.
Beijar esse cara na frente de todo mundo é assinar o meu atestado de insanidade.
Tudo está bem na minha vida, por que deveria bagunçá-la apenas por uma atração por
Brandon James? Assim que me coloco de pé, a confusão estampa as írises castanhas. Meu peito
sobe e desce descompassado enquanto as pessoas à nossa volta voltam a bater palmas e gritam
para o próximo casal na câmera do beijo.
Há uma pontada de decepção nos olhos dele. Os ombros musculosos caem levemente para a
frente e um sorriso sem graça toma os lábios dele enquanto dá de ombros.
Então, eu fujo.
Caminho rápido para fora do lugar. Lágrimas grossas começam a surgir nos meus olhos
quando chego no estacionamento. Eu não posso vacilar por conta de um idiota.
Meus olhos correm pelo estacionamento e caminho rápido até o ponto de ônibus.

Quando chego na casa de John, com o rosto perturbado pela confusão e aflição, ele não
pergunta do que se trata. Apenas me deixa entrar. Me enfio no banheiro e tomo um banho
quente, tentando organizar meus pensamentos sobre Brandon James. Por que ele tem esse poder
sobre mim? Por que me sinto atraída por ele?
— Você já está debaixo desse chuveiro há uma meia hora — a voz de John ecoa pelo
banheiro.
Passo a mão pelo vidro do box e sorrio ao vê-lo encostado no batente da porta com os braços
cruzados.
— Me faça companhia — peço.
— O jantar está pronto, sweetheart. Depois eu te levo para a cama.
Mordo o lábio e desligo o chuveiro, agora procurando por minha toalha estendida sobre o
box. John desaparece do banheiro e pego um roupão para colocar. Enquanto seco os cabelos, saio
do quarto dele com os pés descalços.
Assim que entro na cozinha, vejo ele colocando os raviólis nos pratos. John volta para o
fogão e agora pega uma panela com molho branco e adiciona o creme branco por cima das
massinhas recheadas, finalizando com sálvia picada.
Solto a toalha no encosto da cadeira e caminho até perto dele, depositando um beijo casto no
canto dos lábios. Ele, por sua vez, parece tenso e com expressões inquietas. Estranho em um
primeiro momento e tento reprimir a vontade de perguntar o que está acontecendo.
— Heaven, os pés. Já disse, não deve andar tanto tempo descalço — ele fala, ríspido.
Sentamos para jantar em silêncio e isso começa a me incomodar. As expressões dele estão
tensas: desde os lábios apertados demais, a falta de olhares na minha direção e os ombros tensos.
— John, o que houve? — pergunto, levando um pedaço de ravióli para a boca.
Ele termina de mastigar e limpa a boca com o guardanapo de pano. Em seguida, bebe um
gole do vinho com os olhos fixos em um ponto qualquer da parede à sua frente. Então respira
fundo e une as mãos em cima da mesa.
— Como foi o jogo hoje?
Ele pisca algumas vezes para mim, como se pudesse ler minhas reações de nervosismo.
Engulo o ravióli e pego a taça de vinho, bebendo todo o conteúdo em um único gole. Aperto o
vidro entre os dedos, ainda tentando manter a troca de olhares. John, por sua vez, aperta tanto os
dedos um nos outros, que me deixa inquieta.
— John.. eu...
— Tudo bem, Heaven — ele fala, soltando uma risadinha. — Nós nunca conversamos sobre
isso. Sobre nós.
— John, eu posso explicar, não aconteceu nada entre…
Ele levanta o olhar para mim.
— As redes sociais da Universidade Kennedy estão bem animadas com as fotos da câmera
do beijo e parece que vocês estavam lá, juntos.
Abro a boca, procurando uma resposta. Parece um absurdo a forma como ele está me falando
isso.
— John... me desculpe... — eu digo, suspirando e soltando a taça na mesa. — Eu... só...
droga. Brandon está atrás de mim faz algum tempo e hoje sentou ao meu lado no jogo.
Quando vi, a câmera estava em nossa direção e ele se aproximou. Nada mais do que isso! Que
droga... — falo, jogando o guardanapo de pano em cima da mesa e arrastando a cadeira para sair
dali.
Me coloco de pé e, sem hesitar, entro no quarto dele, procurando pelas minhas roupas. Meu
lábio treme mais uma vez. Não é tristeza, é raiva. Raiva de Brandon por ter me escolhido para
fazer parte da sua lista, porque agora estou me ferrando por isso. Ele está me ferrando.
— Sweetheart... — a voz de John surge no quarto quando consigo achar minha camiseta no
chão. — Heaven... — ele chama mais uma vez.
Levanto os olhos marejados para ele, que está na porta. Ficamos em silêncio por alguns
instantes, apenas trocando um olhar tenso. Eu não entendo o que está se passando nos olhos de
John. Em alguns momentos, ele é um mistério até mesmo para mim.
Quebro o contato visual e abaixo o olhar para as roupas que tenho nas mãos.
— John, me desculpe. Eu vou embora. Eu vou...
Escuto os passos dele na minha direção. Ele para na minha frente e segura o meu rosto com
ambas as mãos, me fazendo olhar para ele.
— Heaven…
Ele me solta aos poucos. Os olhos estão tão intensos e escuros que não consigo decifrar o
que me pedem. Eu só sei que existe algo que nunca vi ali. A ponta dos dedos tocam o meu rosto,
começando um carinho na bochecha. Ele sempre faz isso quando quer me falar algo sério. Mordo
o lábio, dando um passo para trás.
— Eu queria te dar o que qualquer homem deveria... — ele diz. — Um namoro, uma vida...,
mas eu... eu não posso, Heaven. Não mais.
Engulo em seco. Ele baixa o olhar, agora encarando as mãos.
— John... O que você fez?
Ele aperta os olhos com força e solta o ar.
— Alma está voltando...
— Eu sei — afirmo. — Você me contou há alguns dias e...
— E ela está voltando... — Ele levanta os olhos para mim. — Para a minha vida.
— Ah... — eu falo entre uma lufada de ar.
Passo a mão pelos cabelos, agora rindo baixinho da situação. Rindo de mim mesma. Abro o
nó da faixa do roupão e o jogo no chão. Começo a vestir a minha roupa entre risadas nervosas.
Sou mesmo uma ferrada.
— Você já tinha aceitado ela de volta e não tinha me contado — resmungo, enfiando a
camiseta pela cabeça. — Você é mesmo um idiota! Uma mulher que leva sua filha para outro
continente para dar um tempo... argh! — esbravejo, fechando o jeans. — Vocês, homens, são
todos uns idiotas! Independentemente da idade! — falo alto, agora pegando minha bolsa em
cima da cama.
Dou um passo na direção dele, deixando nossos corpos perto o suficiente. Ele evita me olhar,
o que me deixa mais brava ainda. Sustento um olhar pesado, encostando o corpo no dele
propositalmente. John respira fundo, os olhos encontrando os meus.
— Você é um imbecil — falo, em um sussurro.
— Heaven... eu sinto muito...
— Eu também.
Engulo meu orgulho e me afasto, caminhando na direção da porta. Sem mais uma palavra,
com o coração partido e minha cabeça ferrada, vou embora sem olhar para trás.
É óbvio que eu ficaria um pouco mal.
O pior disso tudo é que estou sentindo mais raiva do que tristeza. John era a minha válvula
de escape para qualquer dia ruim. Alma, a ex-esposa dela, era uma filha da mãe dos infernos. A
mulher sempre pressionava John com a filha deles, Luna, de apenas sete anos. Ela usava a garota
para manipular ele. Isso é o que me deixa mais indignada. É claro que John também nutria algum
sentimento por mim e agora tudo está acabado porque ele voltou para a ex.
As únicas luzes ligadas em casa são as do porão. Estou dentro do lugar faz mais ou menos
duas horas. Cheguei do apartamento de John e, em uma atitude impulsiva, passei em uma loja de
conveniência e comprei uma garrafa de vinho. Já fiz dois pequenos esboços de quadros
diferentes, transbordando neles os meus sentimentos.
Vermelho carmesim e púrpura brilham pelas minhas telas em traços grossos e abstratos.
Eu preciso extravasar John Young para fora de mim.
Aperto os olhos quando lembro que ele me pediu para deixá-lo me ver pintar qualquer dia.
Uma risadinha nervosa sai dos meus lábios quando o primeiro traço de preto preenche a tela.
Solto o pincel dentro do pote de água. Observo a tela à minha frente e sorrio com o
resultado. Termino o resto do vinho, mesmo que já esteja alta o suficiente e fecho o porão. Após
um banho para tirar os respingos de tinta do corpo, acabo colocando uma camisa velha e vou
para a sala da casa da tia Mag.
Nego com a cabeça algumas vezes, observando o meu reflexo na televisão de plasma à
minha frente. Sinto o corpo todo amolecer contra o estofado do sofá. A noite está silenciosa,
sendo preenchida apenas pelo som da minha respiração.
Isso está me deixando inquieta.
Sinto tanta raiva.
Raiva de Alma. Raiva de John. E, principalmente, de Brandon. Se eu o tivesse beijado, nada
teria mudado entre mim e John. Ele preparou aquele jantar estúpido para se despedir? O que
pretendia? Me foder e depois me dispensar?
Maldito John Young.
Então apoio a cabeça no encosto do sofá e fecho os olhos por alguns segundos, sentindo o
meu coração bater depressa. Lembro de Brandon. A aproximação insana nas últimas duas
semanas e a desistência repentina.
Ele desistiu mesmo? E se eu o beijar? Apenas uma vez? Chacoalho a cabeça enevoada pelo
vinho e solto uma risada. Quero me concentrar nos motivos pelos quais não quero Brandon
James, mas o primeiro deles acaba de me deixar.
Esfrego as mãos nas coxas, nervosa.
Tenho certeza de que estou enlouquecendo. É só um lapso de consciência. Só que... e se eu
comprovar que é só uma loucura? Apenas uma vez? Não terei mais que pensar em Brandon se
saciar isso.
Movida por algo primitivo, caminho até o quarto para colocar um jeans qualquer e pegar
uma jaqueta. Desço as escadas do segundo andar ainda incrédula do que eu vou fazer a seguir.
É óbvio, vou me odiar no dia seguinte.
Pego a chave do carro da minha tia e saio de casa. O vento frio bate contra o meu rosto e não
me intimida a caminhar até o carro. Dirigir embriagada não é algo que eu faço, mas o álcool
move montanhas. Evito ligar o som. Tamborilo os dedos no volante durante o percurso.
Faço o caminho de meia hora em dez minutos. Corto alguns sinais vermelhos e acelero mais
do que deveria. A cada quilômetro, vejo mais claro e o álcool parece evaporar.
Encaro o prédio antes de entrar, ainda descrente. Em alguns instantes estou parada na frente
da porta, sem saber ao certo se devo fazer o que pretendo. A demora para a porta ser aberta me
incomoda, me fazendo secar as mãos suadas no meu jeans. Eu sequer sei se ele está em casa.
Viro-me de contra a porta, pronta para sumir dali e então a porta começa a ser destrancada.
Cada célula do meu corpo parece expulsar o restante de álcool que ingeri, me mantendo sóbria
no mesmo instante.
— Quando o porteiro falou o seu nome, eu não acreditei — a voz ressoa pelo pequeno
corredor.
Giro nos calcanhares e observo Brandon encostado no batente da porta. Nos lábios carnudos
há um cigarro e ele segura um copo com uísque numa das mãos. Desço o olhar pelo corpo dele
apenas para constatar que realmente está vestindo apenas uma boxer preta. O peitoral bem
definido está exposto e levemente arrepiado pelo frio da madrugada.
Engulo em seco.
— Você está… — Limpo a garganta. — Ocupado?
Ele traga o cigarro e solta a fumaça, levantando levemente a cabeça sem ao menos tirar o
cigarro dos lábios. Os olhos de Brandon percorrem todo o meu corpo e, só depois de analisar
minuciosamente, ele tira o cigarro dos lábios com dois dedos.
Parece levar uma eternidade.
— Não — fala pausadamente. — Dylan e Sebastian estão na festa do time de basquete e eu
estou sozinho. Ganhamos. — Ele arqueia as sobrancelhas.
Novamente, o descontrole é substituído por raiva. Eu não quero mais ser vulnerável para ele.
E não vou. Meus olhos e os dele mantêm uma batalha silenciosa.
— Por que não está lá?
— Nah, não estava a fim de festa hoje. Não vai entrar?
Enrijeço o corpo e caminho na direção dele. Nos dois primeiros passos, ele está com sua
pose arrogante. Quando estou a pouco mais de quarenta centímetros, vejo Brandon soltar a
maçaneta da porta.
Em um ato impulsivo, não querendo mais nenhuma distância e desesperada para tirar isso de
mim, coloco as mãos contra o pescoço dele e o puxo para mim. Meus lábios encontram os dele,
que parecem surpresos. Tanto que não retribui o beijo, pelo contrário, Brandon segura no meu
quadril e me afasta. Os olhos dele parecem assustados de uma forma que nunca vi.
— Heaven, você bebeu — é uma afirmação.
— Sim.
Faço menção de ir ao encontro dos lábios mais uma vez e ele recua, colocando o copo com
uísque em cima de uma mesa ao lado da porta, e o cigarro ao lado. Brandon encosta a porta do
apartamento atrás de mim em silêncio e com o olhar ainda no meu.
— Eu não vou fazer isso com você bêbada.
Solto uma risada baixa, agora encurralando-o na parede ao encostar o meu corpo no dele.
— Infelizmente, eu não bebi o suficiente para esquecer do que vamos fazer — falo, agora
deixando a jaqueta cair pelos meus braços. — Vamos, Brandon. Não é isso que você queria?
Estou aqui. Uma vez, é o que você tem. Depois disso, vamos acabar com essa merda.
Eu nunca tinha notado o quanto os olhos de Brandon mudam de cor. Castanho chocolate
para preto. E agora eu vejo o preto, quase como o escuro e a noite. Ele parece um precipício que
me levaria para o fundo do inferno.
As mãos de Brandon encontram o meu quadril e ele me aperta forte, me puxando para perto
dele. Seus lábios encostam nos meus e, no mesmo instante, queimo por dentro. Sem delongas, a
língua dele invade a minha boca. O beijo não é sutil, parece desesperado. De repente, o uísque
com cigarro não parece uma combinação estranha.
Em um movimento rápido, Brandon segura uma mão na minha cintura e outra na parte
posterior de uma das coxas, me puxando para o colo dele com apenas um impulso. Minhas
pernas se cruzaram nas costas, ao redor da cintura dele, enquanto minhas mãos tateiam sua pele
quente e exposta.
Eu o adoro no instante em que ele me toma, ditando o ritmo do beijo furioso, como se me
punisse com sua boca. A forma como a boca me demonstra o que ele quer me deixa ainda mais
ansiosa.
Eu nunca fui beijada assim.
As mãos dele sobem a minha blusa e logo ela está no chão. Brandon desce os lábios para
meus seios ao mesmo tempo que se livra do meu sutiã. Perco o ar quando ele abocanha o meu
mamilo e suga.
— Caramba... — resmungo, jogando a cabeça para trás, sentindo a parede atrás de mim.
As mãos abrem o meu jeans tão rápido que eu me assusto quando ele me solta e me faz
escorregar para o chão apenas para tirar o jeans de mim. Nossos olhares se encontram pela
primeira vez desde que começamos a nos beijar.
Brandon não espera muito para segurar-me pela cintura com uma das mãos e a outra unir
meu cabelo em um punho e ele começar a ditar o ritmo de um beijo mais uma vez. Deixo com
que ele faça o que quiser.
Minha cabeça está zonza e não consigo pensar em mais nada além do fato de que Brandon
está me despindo e que vai fazer o que eu pedi. Caramba. Não posso acreditar que realmente vou
fazer isso.
Um gemido baixo escapa dos meus lábios quando ele morde meu lábio com força, puxando-
me para si. A forma como o corpo dele está moldado ao meu, me fazendo senti-lo, duro.
Estou apenas usando calcinha, o que facilita o acesso ao meu corpo quando ele me apalpa ao
descer a boca pelo meu pescoço. A mão descendo da minha cintura e seguindo na direção do
meu quadril.
— Quando eu enfiar meus dedos em você, me diz como vou te encontrar, anjo? — pergunta,
mordendo a pele do meu maxilar. — Eu aposto que você está encharcada.
Prove para si mesma que é apenas desejo, Heaven.
Ignoro a forma como meu coração bate depressa quando a mão dele entra na minha calcinha.
Um suspiro escapa da minha boca quando Brandon afunda dois dedos em mim e posso sentir
uma excitação.
Ele grunhe em seguida e me beija mais uma vez. Com a mão livre, segura no meu pescoço
por trás, me pressionando ainda mais contra si. Gemo contra a boca carnuda quando ele aumenta
a velocidade dos dedos.
— Brandon… — murmuro e ele afasta a boca de mim, também ofegante. — Isso não pode
acontecer de novo.
Ele sorri de uma forma divertida, quase como se eu tivesse lhe contado uma piada. Então ele
me pune, girando os dedos no meu interior e me fazendo gemer alto demais, minha voz ecoa
pelo apartamento.
Minhas unhas se afundam na pele dos ombros dele, o marcando. De algum modo, sei que
Brandon gosta, porque sua boca me chupa no pescoço no segundo seguinte e ele geme na minha
pele.
O tesão faz com que eu aperte os dedos dele com a minha boceta. Acho que Brandon nota
que estou começando a chegar perto. Então solta o meu corpo apenas para tocar nas laterais da
minha calcinha e afastá-la do meu corpo. Estremeço assim que ele me pressiona ainda mais
contra a parede.
Minha capacidade de reagir a qualquer coisa evapora no instante que ele fica nu na minha
frente. Não sei se estou parecendo chocada ou maravilhada, mas… caramba. Um sorrisinho sujo
brota nos lábios dele quando estica a mão até a carteira, que está em uma pequena gaveta no
móvel ao lado da porta e retira de lá um preservativo. Minha respiração chega a estar fraca.
Assim que o veste, Brandon me beija e logo diz:
— Segure-se nos meus ombros e abra suas pernas para mim — ele afasta minimamente os
nossos lábios para exigir com a voz em um tom grave cheio de luxúria.
Faço o que ele pede, sentindo a adrenalina tomar contra o meu corpo. Então, Brandon me
segura pelas pernas e me coloca em sua cintura. No instante em que ele entra em mim, tudo se
resume ao prazer.
Sinto o tesão se multiplicar quando ele desliza para dentro do meu corpo em um único
impulso, me deixando com a visão embaçada. Em puro desespero, Brandon aumenta a
velocidade das estocadas. Seguro meu lábio inferior entre os dentes, reprimindo o gemido.
Caralho, não deveria ser tão bom.
Aperto os olhos, tentando me concentrar ao máximo na sensação de ter Brandon dentro do
meu corpo.
— Por Deus... — eu sussurro quando ele bate na minha bunda com a mão grande.
Os olhos permanecem focados em mim, me observando com prazer transparecendo em suas
expressões.
— Não chame por Deus aqui, meu anjo — sopra meu apelido como se fosse algo errado. —
Aqui nem ele vai te salvar — fala, sombriamente, antes de estocar, pressionando as minhas
costas contra a parede.
Jogo a cabeça para trás, gemendo a cada investida de Brandon. Meus gemidos baixos se
misturam com os sons de Brandon James chupando meu pescoço enquanto me fode. Rápido e
forte.
— Céus, essa sua boceta é o paraíso. — Ele me morde.
— Brandon... — gemo o nome alto, apertando com força os ombros musculosos.
Uma das mãos dele desliza para o meio das minhas pernas. Brandon toca o meu clitóris com
o polegar e eu gemo mais alto, ainda mais quente. Ele sorri contra a pele do meu pescoço, como
se estivesse ganhando. Porra, pouco me importo. Estou cedendo porque, caramba...
Brandon James pode, sim, me levar aonde prometeu.
A forma como me derreto parece ser o que precisa, porque o corpo dele me pressiona mais
ainda contra a parede, agora espalmando uma das mãos nela, ao lado do meu rosto. Ele bate o
quadril com força no meu, segurando-me com apenas uma mão.
Forte, duro e rápido. O corpo, tomado por suor, brilha. Deslizo as unhas dos ombros dele
para o seu peitoral, deixando-o marcado com linhas vermelhas. Eu mal consigo manter os olhos
abertos e conter meus gemidos. Ele se move para dentro e para fora em uma velocidade absurda.
— Brandon… — alerto, sentindo os movimentos do polegar dele irem mais rápido.
O rosto dele surge no meu campo de visão. O olhar escuro ainda está ali, tomado de desejo.
Ele aproxima a boca da minha, roçando nossos lábios.
— Me diga para parar.
— Não, por favor…. — resmungo, não entendendo.
— Está vendo, anjo? Você me quer — Ele respira fundo, rindo baixo contra a minha pele
—... a sua boceta apertada me quer… está sentindo como está me apertando, Heaven? —
pergunta, sem esperar por resposta e pressiona mais forte meu clitóris. — Seu corpo estava
desesperado por isso, sua mentirosinha do caralho. Você é toda minha.
Esse homem… consegue me deixar irritada até quando me dá prazer.
— Desculpe por ser tão irresistível que mexi com a sua sanidade, James — minha voz sai
ofegante e ele me olha com os olhos brilhantes com algo que não vi antes.
Ele está irritado? Não, não é isso. Brandon parece fascinado.
— Tão fodidamente desesperado para me comer — continuo, instigando seus movimentos
mais rápidos.
Ele empurra em mim. De novo e de novo, até que eu esteja tremendo. Eu fecho os olhos e
deixo meu corpo reagir. Em uma explosão de prazer, eu clamo pelo nome dele. Sinto que
Brandon não consegue segurar mais e vem comigo em uma onda de prazer tão grande que nós
dois arfamos alto.
A testa dele encosta na minha e nossas respirações se misturam. Mantenho meus olhos
fechados enquanto sinto ele me colocar em pé no chão. Me seguro em seus ombros para não cair,
já que minhas pernas estão fracas e sem nenhuma condição de me dar estrutura.
Quando recupero os meus sentidos, abro os olhos devagar, vendo que Brandon ainda tem os
olhos fechados. Ele se afasta lentamente, agora abrindo os olhos e molhando os lábios com a
língua. Ficamos nos encarando em silêncio alguns instantes, ainda com a respiração alta.
Faço menção de me abaixar para pegar a minha roupa quando Brandon se põe na minha
frente e me segura pelos ombros.
— Você acha que já acabou? —pergunta, mas não espera pela resposta. — Eu tenho uma
noite inteira para adorar esse corpo, Heaven. E não vou perder um minuto sequer.
Desperto com o corpo aninhado em outro.
Por alguns instantes, ainda de olhos fechados, penso que estou no apartamento de John e nos
braços dele. Só que os braços de John não são tão fortes. E ele não tem tantos músculos. E o
melhor: John não tem uma ereção tão grande encostando na minha barriga.
Abro os olhos e me deparo com Brandon James dormindo abraçado em mim. Minha reação,
em um primeiro instante, é pensar: que merda é essa? No segundo momento, repasso as cenas da
noite passada e o exato momento que Brandon disse que iria até a cozinha preparar um sanduíche
para repor as energias e eu acabei cochilando enquanto olhava para a janela da suíte no segundo
andar da cobertura. E agora eu acordei com ele.
Fala sério, Heaven, transar com Brandon tudo bem, mas agora... dormir com ele?
Meu corpo todo se aquece quando lembro das cenas do sexo. Ele, definitivamente, estragou
o meu sexo com qualquer outro cara.
Os braços musculoso me seguram contra o corpo nu com vontade. Brandon é bonito até
dormindo. Droga, ele não podia ser um pouquinho feio? Facilitaria as coisas. Talvez, roncar,
babar ou qualquer coisa assim.
E porque diabos ele me deixou dormir aqui?
Sem querer me questionar muito mais, retiro, com cuidado, o braço envolto em mim e me
levanto da cama. Só que olhando pelo o chão, me lembro que minha roupa ficou pela sala.
Droga, e se Sebastian e Dylan estiverem em casa?
O relógio digital da mesa de cabeceira acusa seis horas da manhã. Maldito relógio biológico
aos sábados, me acordando desnecessariamente mais cedo do que eu preciso. Lufo o ar e resolvo
abrir o armário de Brandon, que é cinza e com portas altas. Deslizando a primeira porta para o
lado, dou azar de achar o cabideiro cheio de camisas sociais. Um grunhido na cama me faz ficar
em alerta. Viro o rosto para Brandon, que está com os olhos fechados e abraçando o travesseiro
embaixo do corpo.
Mordo o lábio e subindo um pouco o olhar, vejo as marcas das minhas unhas e até mesmo
alguns roxos em sua pele. Ele parece ter saído de um campo de batalha.
Pego uma camisa cinza chumbo e passo pelo pescoço, sem ao menos abrir os botões. Ela
bate no meio das minhas coxas e deve servir para eu conseguir chegar no primeiro andar e vestir
meu jeans. Abro uma das gavetas do roupeiro e pego uma boxer de Brandon, colocando-a
rapidamente pelas pernas enquanto caminho na direção da porta.
Toco a maçaneta com delicadeza, cuidando de Brandon com os olhos. Eu não sou o tipo de
mulher que foge depois do sexo, mas também não a que fica.
Cruzo a porta e chego até um pequeno corredor, já que o quarto de Brandon é o único do
segundo andar — e é o maior cômodo da casa. Desço os degraus na ponta dos pés, mas muito
mais rápido de como estava andando dentro do quarto. Meus olhos correm pela sala e encontro
minha roupa dobrada em cima de um dos sofás. Olho para os lados e não vejo ninguém. Talvez
Brandon tenha as dobrado ontem.
Chegando perto da pilha de roupas, pego o jeans e passo pelas pernas com dificuldade pela
pressa. Me atrapalho um pouco ao enfiar os calçados nos pés e resolvo ficar com a camisa de
Brandon, levando dobrada comigo a que eu usava ontem.
Caminho na direção da porta.
— De todas as garotas dessa cidade, a que eu nunca imaginaria sair do quarto de Brandon
era você.
A voz de Sebastian surge e eu fecho os olhos, como se pudesse me esconder. Giro nos
calcanhares e aperto os lábios em um sorriso contido, observando o moreno no meio da sala. Ele
usa uma calça de moletom preta. Apenas isso. Céus, o que os homens dessa casa têm com
roupas? O corpo dele é magro, mas mesmo assim com músculos à mostra.
— Me desculpe por te desapontar — falo, agora tentando focar nos olhos escuros.
Ele abre um sorrisinho singelo, colocando uma mão no bolso do moletom enquanto a outra
segura uma caneca de café.
— Ah, não... — uma voz surge pelo corredor dos quartos.
Dylan aparece ali com cara de ressaca. Sinto o meu rosto todo queimar quando rapaz de pele
negra surge apenas de boxers brancas, caminhando até Sebastian e coçando os olhos. Ele joga
um montante de dinheiro enrolados e presos em um elástico para cima e Sebastian pega no ar.
Aperto um pouco mais a camisa que seguro contra o corpo quando Dylan, ainda caminhando, me
lança um olhar predatório.
— Gostei dos gemidos, Heaven.
Pronto. Agora eu quero morrer.
Ele pisca para mim e entra na cozinha.
— Eu vou indo — falo, abrindo a porta o mais rápido que consigo.
Meus olhos encontram a minha chave pendurada no aparador ao lado da porta e dou graças
aos céus por não precisar procurar por onde eu a deixei cair ontem enquanto Brandon me fodia...
nesse exato lugar.
Fecho a porta e ainda consigo ouvir as risadas de Sebastian. Definitivamente, eu quero me
enfiar em um buraco e nunca mais sair. Minha opção mais próxima disso é ir para o apartamento
de Rosie e Edward.

Edward abre a porta ainda vestido com um roupão tigrado, cabelos desengrenados e rosto
amassado. Claramente, ele não esperava me encontrar, às oito horas da manhã de um sábado, na
porta do apartamento dele e de Rosie. Levanto o pacote pardo que está na minha mão.
— Trouxe panquecas com geleia de mirtilo da cafeteria francesa favorita de Rosie —
anuncio. — Capuccino para você, ice latte para a Rosie e um café preto para mim. — Mostro o
suporte com os copos do Starbucks.
Edward parece estar dormindo ainda, já que não se move e nem pisca direito. Ele abre um
pouco mais a porta e cruzo o batente, agora entrando no apartamento colorido e cheio de vida
dos dois primos. Caminho até a cozinha, começando a organizar a mesa do café da manhã.
O meu amigo aparece na porta da cozinha, mas ainda parecendo um zumbi.
— Pulou da cama, Heaven? — ele pergunta, tirando o copo de cappuccino de dentro do
suporte de papelão.
— Uh, quase — falo, os olhos fixos nos pratos que distribuo em cima da mesa.
Ouço o barulho de uma porta sendo aberta no mesmo instante que Edward grita:
— VOCÊ TEM UM CHUPÃO ENORME NO PESCOÇO! — E surge ao meu lado,
baixando a gola da camisa para olhar. — UM NÃO, VÁRIOS!
Edward tenta, a todo custo, ver por dentro da minha blusa, o que eu tento evitar ao máximo
— já que eu estou sem sutiã graças a Brandon James.
— Céus, que gritaria... — Rosie surge dentro de sua camisola com uma estampa engraçada
de batatas fritas, que mais parece um camisão até o joelho.
Ela tem o cabelo curto em um coque no topo da cabeça e, aparentemente, já lavou o rosto.
— Rosie! Dessa vez o senhor Grey pegou pesado com a ninfeta.
Rolo os olhos, tirando o vidro de geleia de mirtilos e a caixa de panquecas da sacola parda.
Rosie solta uma risada enquanto senta em uma das cadeiras. Coloco o copo de ice latte na frente
dela e logo sinto os lábios sendo pressionados contra o meu rosto, sussurrando um “bom dia”.
Edward, por outro lado, está em pé eufórico com as suas histórias imaginárias sobre a minha vida
sexual.
Sento em uma das cadeiras da mesa, pegando o meu copo e café. Seguro o copo com as duas
mãos e encaro a embalagem branca com o logo de uma sereia verde.
— Eu preciso contar algo para vocês. — Aperto os lábios e fecho os olhos. — Prometem não
surtar?
— ESPERAAA! — Ed praticamente grita, fazendo com que eu e Rosie o encaremos.
Ele aponta para a camisa que uso.
— Isso é Armani!
Eu e Rosie soltamos uma careta e um grunhido no mesmo instante. Edward, por outro lado,
parece estar ofendido por nós duas não sabermos o que é isso significa.
— Essa camisa provavelmente custa o nosso aluguel de dois meses.
Meus olhos logo abaixam-se para a camisa que estou usando. Amassada e com uma pequena
mancha de café na manga direita.
— Como um professor universitário consegue comprar um desses? — Rosie indaga.
Eu encaro minha amiga por alguns instantes, até que Edward senta na cadeira com os olhos
arregalados. Oh, sim. Acho que ele uniu os pontos e precisou sentar. Viro meu rosto para ele, que
está com os olhos brilhando e a boca entreaberta.
— Sim, Edward. Eu transei com o Brandon.
— EU NÃO ACREDITO! — ele fala, batendo na mesa. — Ai. Meu. Deus.
— Heaven, ele te deixou toda marcada. Você parece um pedaço de papel cheio de carimbos
— Rosie ironiza, avaliando o meu pescoço. — Conte como tudo aconteceu.
Então os próximos vinte minutos são preenchidos pela minha fala tensa sobre o papel que
Brandon fez na fila da pipoca, o nosso beijo, o meu término com John, a minha ira e o meu ato
impulsivo de bater na casa de Brandon.
— Ele não me levou nem para o quarto. Me fodeu contra a parede e depois me jogou no sofá
e fez de novo. A cama dele é enorme. Aquele homem gigante fica pequeno no meio de tantos
lençóis brancos e...
A cozinha, por alguns instantes, torna-se uma algazarra com risadas e comentários. Penso no
meu plano, até então, de entregar a camisa. Talvez Brandon tenha dó de mim e não queira que eu
pague por uma nova, ou talvez eu consiga tirar a mancha com alguns produtos para manchas.
Minha cabeça trabalha rapidamente agora que Rosie e Edward discutem seus pontos de vista
sobre a obsessão de James comigo.
A campainha toca.
Nós três trocamos olhares.
— Quem estaria aqui hoje? — Rosie indaga.
— Algum contato seu? — Edward rebate. — Porque as minhas meninas e os meus garotos
não sabem onde eu me escondo.
— Não — ela fala.
— Rosie? Edward? — a voz de Brandon surge. Eu congelo. — É o Brandon.
Eu aponto para a porta e depois passo o dedo no meu pescoço como se ele estivesse sendo
cortado. Movimento a boca: “eu vou morrer”. Edward parece se divertir e Rosie levanta da
cadeira. Seguro em seu pulso no mesmo instante.
— Não fale que eu estou aqui. Por favor! — sussurro.
— Qual o problema, Heaven? — Ela solta uma risadinha.
— Eu não quero olhar para a cara dele hoje — falo, tentando parecer convincente. — Por
favor!
Ela rola os olhos, enquanto eu me escondo atrás da ilha da cozinha. Escuto a porta ser
destrancada.
— Oi — Rosie diz.
— Bom dia, Rosie. É isso, né? Rosie?
— Isso — Rosie está claramente envergonhada. — O que deseja?
— Muitas coisas, mas, primeiro, conversar com a sua amiga. Heaven.
Edward começa a tossir.
— Ela... hum...
— Ela não está em casa, o que me faz crer que ela está por aqui.
Droga. Droga. Droga. Rosie não é muito boa com mentiras, o que me faz crer que ela vai
me entregar.
— Como você descobriu onde moramos? Olha, quer saber? Ela está dormindo — Edward
intervém. — Chegou meio cansada, sabe? Na verdade, eu diria exausta. Sexualmente exausta.
Tapo o rosto com as duas mãos.
— Uh, bom... — Brandon fala, com a voz rouca. — Eu vim deixar algo que ela esqueceu
comigo.
Os dois soltam uma risada, me deixando curiosa.
— Quando ela acordar, fale para ela que não se deixa um homem sozinho na cama sem café
da manhã. Ele pode acordar com fome — fala, irônico, e ganhando risadas de Ed e Rosie. —
Bom dia para vocês e obrigada.
— Obrigada também, Brandon. — Edward quase suspira.
A porta é fechada e um par de calcinha e sutiã preto é jogado na minha direção. Levanto do
chão, agora querendo matar os dois.
— Só para constar... — Rosie fala, passando o indicador na geleia de mirtilos e depois
chupando o dedo com um olhar malicioso. — Ele está tão acabado fisicamente quanto você.
— Arranhões, chupões e mordidas espalhados por toda extensão daquela pele escultural. —
Edward completa. — Parece que vocês voltaram de uma guerra.
Quando John entra na sala, na segunda-feira, sou obrigada a manter a minha cabeça baixa.
Ele não diz nada, mas, pela visão periférica, sei que está me observando. Já passa das cinco horas
e ele esteve em aula a maior parte do tempo que estive aqui.
E eu gosto do meu estágio, não tem a ver com John, talvez um pouco. Não posso ignorar o
fato de que ele é uma pessoa extremamente inteligente e estar aqui, sendo aluna-estagiária, me
ensinou muito mais do que podia imaginar. Ter contato com arte de uma maneira tão próxima
me trouxe um grande conhecimento.
É engraçado, porque a raiva que senti dele agora se transformou em pena. John é uma pessoa
admirável e voltar para a ex que o fez sofrer tanto e o afastou da filha é triste. Porém, não posso
julgá-lo. E nem expressar minhas opiniões. Isso acabou.
— Já terminei de organizar os trabalhos para o seminário de arqueologia que você me pediu
— digo enquanto caminho até a frente da mesa e lhe entrego uma pilha de relatórios. — Aqui
estão os currículos para as bolsas de mestrado sob sua orientação.
— Heaven…
Não paro de falar, evitando olhar para o rosto dele.
— Também tem uma reunião na quarta com seu orientando, o Lautner. Ele parece um pouco
confuso sobre…
— Heaven! — a voz soa mais firme, me calando.
Finalmente encaro o rosto de John. Ele parece o mesmo. Nenhum traço demonstra felicidade
ou arrependimento. Quando suspira, passando a mão nos cabelos e os ombros caindo para o lado,
sei que ele vai falar sobre sábado.
Estou tão cansada de pensar sobre esse dia.
Por que não consigo tirar Brandon da cabeça? O sexo foi incrível. Para ser sincera, o melhor
da minha vida. Mas é só isso. Sexo casual, chega. Não posso pensar em ficar mais uma vez com
esse rapaz.
Apesar que… uma vez a mais seria interessante. Se apenas em uma noite ele foi capaz de
fazer com que a minha mente se desligar dos problemas com John ou qualquer outra porcaria...
eu até mesmo ignorei quão idiota ele é.
Chacoalho levemente a cabeça, ainda encarando John, que está pronto para falar algo.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Não, por hoje está tudo bem, mas precisamos…
— Até quarta-feira, então.
Me viro, apressada, pegando minha mochila sobre os sofás e saio praticamente correndo da
sala do professor Young. Apresso os passos até estar sentada no ônibus, pronta para ir para casa.
Durante todo o caminho, fico procurando a Mercedes de Brandon entre os carros.

Demora dois dias para Brandon voltar a aparecer. Eu achei que tinha resolvido essa merda
com ele, até mesmo parei de pensar nele e no sexo incrível que fizemos a cada hora.
É quarta-feira e estou no porão da casa de Mag depois de uma dose de margaritas e pizza
com ela quando uma mensagem chega:
“Oi, é o Brandon. Peguei seu número com o seu amigo aqui no The Original’s”
Olho para o telefone sobre a mesa enquanto as minhas mãos estão cheias de tinta. Franzo o
cenho, irritada com Ed por ter feito isso, mas também curiosa. Não respondo ele, no entanto.
Continuo pintando até perto da meia noite e Brandon não volta a enviar mensagens. Não sei
se estou feliz ou triste pela desistência, porque algo se agitou dentro de mim no instante em que
vi o nome dele na tela.
Preciso manter o meu trabalho ainda mais firme. As vendas das telas pela internet não estão
indo muito bem e, talvez, em breve, vou precisar de alguma outra fonte de renda extra. Também
pretendo visitar a pequena galeria de arte que compra algum dos meus trabalhos, talvez eu
consiga algum dinheiro.
Saio do box e encaro o reflexo borrado no espelho. Passo a mão no vidro embaçado e
observo meu corpo, que agora não tem mais nenhuma marca de Brandon. Demorou pelo menos
dois dias para que a impressão dos seus dedos e os chupões saíssem da minha pele.
Depois que estou deitada e pronta para descansar, com a mente menos nublada do que antes,
meu telefone toca. Tateio a mesa de cabeceira, sonolenta e no escuro. Um resmungo baixo
escapa dos meus lábios quando vejo o nome na tela, assim que deslizo o botão verde para
atender, apoio a cabeça no travesseiro e suspiro:
— O que quer, Brandon?
— Transar com você de novo — responde, sucinto.
Fico em silêncio, ele também. Solto uma risada nervosa com a sua confissão, porquê…
caramba. Cinco palavras simples têm a capacidade de deixar meu corpo quente.
— Você está bêbado?
— Acho que você me deixou viciado na sua boceta. Não paro de pensar no que fizemos
sábado.
Engulo em seco, chocada pela forma que ele está falando.
— Como foi seu dia? — ele pergunta, me fazendo rir.
— Nossa conversa não deveria ter começado dessa maneira? — Afasto o telefone da orelha
por alguns instantes. — Brandon, já passa da meia noite. Não deveria estar dormindo?
— Você perguntou o que eu queria. Sou um cara direto, resolvi poupar a enrolação — ele
faz uma pausa, suspirando. — Eu estaria dormindo se conseguisse. Seu cheiro está na minha
cama e fico duro só de pensar no que fiz com você aqui.
Ai, caramba.
Esse cara… merda.
Isso deveria ser proibido. Ele falar desta forma. Chacoalho a cabeça, tentando dissipar a
nuvem de tesão que me envolve e engulo em seco. Meu corpo traiçoeiro está aqui, me deixando
alerta. Sinto os meus mamilos roçarem no pijama e preciso cruzar as pernas.
— Não vai rolar — sou categórica. — Falei que era apenas uma vez e é assim que será.
Ele grunhe do outro lado. Tão próximo da minha orelha que eu posso lembrar esse mesmo
grunhido quando ele gozou dentro de mim contra aquela parede. Caramba, o cara nem esperou a
gente entrar dentro da casa para me comer.
Ninguém nunca tinha me fodido com tanta… fome.
— Heaven. Por favor…
— Por favor? — não consigo evitar soltar uma risada, nervosa. — Você está mesmo
dizendo, por favor? Use sua mão para resolver isso. Deve ter um monte de garotas por aí
querendo entrar na sua lista, Brandon.
— Porra, anjo. Já tentei conversar com a minha mão, mas não está resolvendo.
Mordo o interior da bochecha e solto uma lufada de ar.
— A minha resposta continua sendo não. Boa noite, Brandon.

— Não posso acreditar nisso — Rosie resmunga.


É sexta-feira e estou sentada no famoso bistrô francês que Rosie adora enquanto comemos
doces maravilhosos e falo sobre John.
— Pois é, e eu ainda preciso olhar para ele toda semana... — Suspiro, cruzando os braços
sobre a mesa. — É uma droga porque agora Brandon James também está no meu pé.
Ela se engasga com o chocolate quente.
— Como é?
— Sim, ele está me mandando mensagens quase diárias sobre o quanto precisamos nos ver.
Até inventou de me enviar um recado pelo Sebastian durante a aula.
— Recado? Como?
— A porcaria de um postite.
Rosie enruga o nariz. A garçonete chega com mais uma rodada de doces. O croissant que
repousa em minha frente está quentinho e o cheiro de açúcar me faz esquecer o estômago cheio
de duas fatias de torta.
— Ele está convicto que vai te vencer no cansaço, eu acho — Rosie comenta, mordendo o
doce de caramelo salgado. — Caramba, isso aqui é uma maravilha.
— Me deixa provar.
Nós trocamos os pratos depois que dou uma mordida generosa no meu doce e me preparo
para o caramelo salgado dela. Assim que terminamos de mastigar, jogo o corpo contra a cadeira
e suspiro.
— Não sei se ele precisaria de muito para me vencer. Estou quase cedendo porquê… Rosie,
uau... John sempre foi incrível, mas o que Brandon fez? — Minhas bochechas aquecem só com a
memória. — Acho que nunca fiquei com alguém que me fizesse sentir tão…
Meu olhar se perde sobre a mesa por alguns instantes. Quero falar importante, mas não
consigo. Não consigo porque essa palavra é tão complicada. Nunca me senti importante na vida
de alguém tanto quanto fui para minha mãe, que fazia tudo por mim.
Depois, a minha avó e os meus tios me trataram como um problema. E apesar de Mag ser
maravilhosa, ela quase não tem tempo para estar aqui. Eles sequer me enviaram mensagens após
a morte da vovó.
Apesar de ser impossível Brandon ter feito com que eu me sentisse assim em uma noite, é
assim que eu venho me sentindo. Acho que a insistência dele sobre nós pode ser uma forma de
conexão que não tive nem mesmo com John.
John era fechado sobre seus sentimentos e vontades, se libertando apenas quando estávamos
em seu apartamento. Porém, sempre existia uma espécie de linha tênue entre nós. E essa maneira
quase desesperada que Brandon está vindo atrás de mim mexe com uma parte em falta dentro do
meu coração.
— Tão… — Rosie instiga.
Encaro a minha amiga.
— Não sei, só… acho que não teve uma pessoa que realmente precisou de mim tanto quanto
ele está precisando. Sei que é algo ridículo de dizer, já que ele está apenas querendo sexo, sabe?
— Sei, a gente busca ser parte essencial da vida das pessoas e quando alguém chega e nos
coloca em uma espécie de altar, é estranho. — Ela lambe os dedos e depois os limpa em um
guardanapo, dando atenção ao telefone em seguida. — Edward está no The Original’s, tá afim de
ir lá tomar algo mais forte?
Torço o nariz.
— Acho melhor não. Brandon pode estar por lá.
— Ah, pelo amor de Deus, Heaven — estala. — Você tá aí falando de como o cara está
fazendo você se sentir bem e prefere ficar fugindo?
Estreito meus olhos para ela.
— Combinei com ele que seria apenas uma noite.
— E está louca para repetir, só está deixando seu orgulho falar mais alto.
Fico parada, encarando Rosie, que está me olhando com seus enormes olhos verdes em uma
determinação bizarra. Eu não posso… quer saber? Na pior das hipóteses ele vai estar lá e vai me
encher e vou dispensá-lo.
É isso.
Não vou deixar me levar por ele e eu mereço uma taça de vinho depois de ter aguentado
mais um dia ao lado de John e evitando a conversa que precisamos ter sobre o nosso fim.
Então, me levanto e vou com Rosie para o bar.
Quando chegamos no lugar, não tem tanta gente quanto a última vez. Me sinto subitamente
estranha por estar aqui. Fiquei sem frequentar esses ambientes por tanto tempo e, em menos de
um mês, é a segunda vez que estou aqui.
Quando avistamos Edward, em uma mesa com outras pessoas, nos aproximamos e nos
acomodamos ao lado dele. Rosie logo engata uma conversa com as garotas após fazermos nossos
pedidos e eu tento relaxar. É uma tarefa difícil porque, a todo instante, estou olhando para os
lados, atrás de Brandon.
— Relaxa, ele não tá aqui — Rosie murmura e finalmente começo a prestar atenção na
mesa.
Meia hora se passa e estamos conversando sobre uma nova série na plataforma Netflix
quando Willow, uma das colegas de Edward para de falar, olhando diretamente para um ponto.
Tento não dar bola, mas ela está com os lábios entreabertos e um sorrisinho mínimo.
— O que deu em você? — cutuca Jeremy.
— Nossa, é que… Brandon James sempre é uma visão e tanto. E ele parece determinado
demais caminhando na direção da nossa mesa.
Fecho meus olhos, tentando não encarar a realidade. Então escuto a conversa cessar e uma
cadeira ser arrastada ao meu lado. Assim que o calor do corpo de Brandon se acomoda ao meu
lado, abro os olhos e encontro ele ali, com o braço no encosto da minha cadeira e um sorriso
bonito nos lábios.
— Quando me disseram que você estava aqui, eu mal acreditei.
— Oi, Brandon — murmuro, soltando uma respiração trêmula.
Ele está aqui, o cabelo jogado para o lado e uma mecha sobre a testa. Os fios parecem
úmidos, como se tivesse saído do banho agora e o cheiro de perfume é forte. Além de estar
usando uma camiseta preta e jeans simples.
— Você parece adorável, anjo — ele diz, ignorando todos da mesa.
Que mal educado.
— E você parece um pouco… molhado — resmungo, olhando para o seu cabelo.
— Estava no treino do time — revela, sorridente. — E aí, quer sair para jantar comigo?
— Não.
— Então podemos ir ao cinema ou alguma merda do tipo.
— Brandon…
— Tudo bem, vou pedir uma água aqui mesmo. Não tô podendo beber porque vamos
começar a treinar mais pesado para os jogos do próximo mês. — Ele levanta. — Quer alguma
coisa?
— Não, estou bem.
Então, ele caminha entre as pessoas, seguindo na direção do caixa. Meus ombros caem
levemente e assim que viro para a mesa, todos estão me olhando. Willow é a primeira a falar:
— Você é maluca? Ele está praticamente se jogando em cima de você.
Ai, caramba, que droga. Não imaginei como as pessoas reagiriam a isso. Me levanto,
decidida a ir atrás de Brandon. Se ele ficar demonstrando para as outras pessoas que temos
alguma coisa, eu posso me incomodar.
— Já volto.
Caminho na direção do bar, onde ele está encostado no balcão fazendo seu pedido. No
caminho, o meu telefone vibra no bolso e me surpreendo quando vejo o nome de John na tela.
John: Precisamos conversar sobre como terminamos.
Ainda com o telefone em mãos, me acomodo ao lado de Brandon e digito uma resposta para
a mensagem de John.
Heaven: Ainda não quero falar sobre isso.
Bloqueio a tela e viro para Brandon, me surpreendendo ao vê-lo me observando.
— Como descobriu que eu estava aqui?
— Dylan me enviou uma mensagem.
— E agora você tem cães de guarda que ficam me monitorando por aí?
Ele arqueia as sobrancelhas e solta uma risada, negando com a cabeça.
— É bizarro como você distorce a minha perseverança.
Engulo em seco, cruzando os braços sobre a madeira do balcão.
— O idiota vai correr atrás de você igual a um cachorro — diz, do nada.
— Do que… do que está falando?
— Esse tal de John é o cara que você estava junto? Porque, sinceramente, assim que você
apareceu no meu apartamento e praticamente me mandou te comer, eu sabia que vocês tinham
acabado.
Olho ao redor, com receio que alguém tenha ouvido.
— Igual você está fazendo? — não consigo conter, com ironia na voz.
Ele não se abala.
— Já te disse, sou perseverante e quero você de novo. E esse babaca vai correr atrás de você
porque eu também sei como é estar nessa posição. Sabe por que a gente faz isso? Porque você é
certa nos seus princípios, forte e madura, o que é atraente para caralho. Tirando essa coisa
irritante de ser extremamente gostosa e não saber o poder que tem.
— Como é? — Arqueio as sobrancelhas.
— Você realmente não tá entendendo. — Ele se vira de frente para mim. — A gente mal se
conhece e o pouco que sei me deixa totalmente obcecado pela mulher que você é. Depois que a
gente dormiu junto, eu tenho certeza como você é gostosa para caralho.
Desvio do olhar dele, envergonhada pela forma como ele fala.
— Eu não sei se você tá falando isso só porque quer que eu vá para a cama com você ou
porque é verdade.
— Heaven, olhe pra mim! — Viro o rosto para ele, que me encara com um pequeno sorriso
nos lábios e se aproxima, segurando a minha cintura com apenas uma mão. — Não preciso
mentir sobre isso porque é um fato. Talvez você não veja, mas é assim que as pessoas te
enxergam.
Eu não deveria estar nessa posição com ele. Deixando-o aproximar o rosto do meu e me
tocar. Lembro exatamente quando ele me colocou de quatro na cama e me apertou tão forte na
cintura que as marcas dos seus dedos ficaram ali. E também me lembro da forma como eu gozei
enquanto estava vendo estrelas.
Os dedos dele começam a fazer carinho na minha cintura e quando levanto o olhar para ele,
Brandon aproxima o corpo do meu, agora falando perto do meu ouvido:
— Você é essa coisinha irritante e pequena que me deixa alucinado, garota. Estou aqui, de
joelhos por você. Me dê mais uma chance. Sábado eu estava indo com muita sede ao pote.
Prometo que vou te foder com mais calma... — A mão me aperta um pouco mais forte agora. —
Vou bem devagar.
Solto uma risada baixa.
— Quem disse que vai acontecer de novo?
Sinto as bochechas ficarem quentes quando ele encosta os lábios na minha têmpora e diz:
— O seu corpo me diz isso, meu anjo. — E deposita um beijo molhado no meu pescoço,
roçando os dentes na minha carne de propósito. — E eu não parei de pensar em diversas
maneiras de te acordar gemendo. Então, por favor, amanhã não saia da minha cama como uma
fugitiva.
Eu reprimo um gemido.
— O que você quer comigo? Concordamos que seria apenas uma vez.
Ele me puxa para mais perto e eu encaro os olhos castanhos. Brandon parece mais confiante
do que qualquer coisa quando levanta e segura na minha mão.
Não posso deixar de sentir meu corpo zunir em desejo. Sério, que mal poderia ter em me
sentir tão bem quanto ele me faz? Encaro as pessoas ao meu redor. Ele não está com vergonha de
me segurar na frente de todos como John não podia. Porém, ele faz isso com todas, não é
mesmo?
Não sei como ele consegue me fazer sentir especial, sendo que sou apenas mais uma na lista
dele. Então lembro de Edward me dizendo para fazê-lo se sentir mais um em minha lista.
É, eu posso aproveitar isso, não é?
Mais uma noite quente de sexo com Brandon e pronto!
Deus, talvez eu esteja enlouquecendo.
— Se isso acontecer… — murmuro, sentindo o rosto quente. — Será apenas mais uma vez.
— Fale isso quantas vezes for necessário para você acreditar, anjo. — Ele desliza a mão pela
minha, segurando firme. — Não sei se só uma noite vai me satisfazer.
Enrugou o nariz.
— Você anda por aí fazendo isso com as outras meninas também?
Os lábios se comprimem em uma linha reta.
— Sou um cara prático. Uma noite é o suficiente para mim. Acho que tomei um chá da sua
boceta e estou viciado — ele me deixa sem palavras, segura a água e caminha até a mesa onde
todos os meus amigos estão. — Estamos indo embora. — Brandon diz.
— Brandon está te levando embora? — Rosie murmura, rindo para mim.
Apenas dou de ombros, descrente do que está para acontecer nos próximos instantes.

Brandon me guia para fora do lugar com a mão apertada na minha. Alguns olhares curiosos
são lançados sobre nós e tento não me importar muito, até que na saída uma mulher tenta parar
Brandon para conversar, como se eu não estivesse ali. Para minha surpresa, ele desconversa e
continua caminhando comigo na direção do carro.
— Você, nesse vestido, está me deixando maluco —fala, me puxando até a porta do
passageiro. — Não consigo esperar até chegar em casa.
Brandon para de andar e me pressiona contra a lataria do carro.
— Essas pernas, Heaven... — Suspira, enfiando a cabeça na curva do meu pescoço. —
Qualquer cara dentro dessa boate deve estar tão duro quanto eu, pensando no que fazer com esse
seu corpo... — Roça o corpo no meu e consigo sentir como ele está.
Tento manter meu controle, mordendo o lábio para reprimir um gemido quando a boca
encosta no meu pescoço. Então Brandon se afasta, me olha de uma forma fascinada e afunda os
lábios nos meus. Da mesma maneira possessiva e desesperada da noite da semana passada. A
língua dele invade a minha boca em instantes e eu tento me segurar nos ombros largos para não
perder o equilíbrio.
Enquanto a boca duela com a minha, me sinto mais presa contra a lataria do carro, sentindo
seus músculos e sua reação contra a minha pele. Os dentes dele puxam o meu lábio inferior
enquanto as mãos soltam a minha cintura devagar.
Abro os olhos para encontrar Brandon me fitando enquanto solta meus lábios.
— Entre. No. Carro. — as palavras saem pausadas no instante em que ele se afasta do meu
corpo.
Sinto a falta do calor dele assim sai de perto de mim. Com as pernas bambas e as mãos
trêmulas, abro a porta do passageiro e deslizo até o banco. Brandon entra no carro e eu tento
colocar o cinto de segurança, mas ele me impede. As mãos fortes me puxam para si e a nossas
bocas se encontram em um pedido desesperado por mais.
Brandon inclina o corpo por cima do meu e arfo contra os lábios entreabertos. Passo as mãos
pelo pescoço dele, buscando uma estabilidade que não existe. Minhas unhas arranham a pele de
leve quando ele chupa a minha língua.
Logo solta os meus lábios e desce a boca até o meu pescoço, onde beija e chupa toda
extensão de pele exposta. Não consigo conter os gemidos assim que as mãos dele correm pela
pele da minha coxa, subindo levemente o meu vestido. Os polegares roçam na minha pele,
fazendo um carinho perigoso. Para a minha surpresa, Brandon se afasta. Eu protesto segurando
sua camisa e puxando-o para mim.
— Não... — resmungo.
— Vamos para casa, meu anjo — praticamente sussurra. — Não vou te foder neste carro
apertado. Quero você na minha cama.
Ele se acomoda na frente do volante e liga o carro.
Mordo o lábio e aperto as coxas, tentando diminuir a inquietação no meio delas. Droga, por
que ele precisa ser tão… gostoso. Na real, ele deveria vir com uma placa de aviso sobre isso.
Depois de duas quadras em extremo silêncio e respirações altas, olho de relance a imagem
dele. Brandon está com uma mão no volante e a outra tentando arrumar a ereção no meio das
pernas. E os olhos estão fixos na estrada como se precisasse se concentrar ao máximo.
Então, uma ideia me passa pela cabeça.
Minhas mãos vão até a braguilha calça de Brandon, desabotoando-a e puxando o zíper para
baixo. Brandon me olha, curioso, mas não interfere quando eu começo a puxar o tecido para
baixo. Ele solta uma risada nervosa, levantando o corpo para me auxiliar no processo. Minha
respiração fica ofegante quando seu pau sai livre da boxer.
Me ajoelho sobre o meu banco e apoio uma mão no banco do motorista e outra no encosto,
levando meu rosto até onde quero. Brandon está duro e coloco cada centímetro que consigo na
minha boca. Seguro na base, fazendo movimentos de vai e vem ao mesmo tempo em que sugo.
— Porra, Heaven… — a velocidade do carro diminui.
A mão dele encontra os fios de cabelo da minha nuca e os gemidos ficam mais altos a cada
instante. Isso envia uma onda de calor pelo meu corpo e preciso roçar mais ainda uma perna na
outra.
Brandon solta os meus cabelos e sua mão desliza da minha nuca pelas costas, até encontrar
minha bunda. Ele deposita um tapa forte ali, me fazendo gemer baixinho. A execução dos meus
movimentos fica comprometida quando Brandon levanta o tecido do meu vestido até em cima da
bunda e puxar minha calcinha para o lado. Meu corpo treme quando seus dedos tocam a região
úmida da minha boceta.
O carro diminui de velocidade abruptamente.
Eu aperto o pau dele mais forte com a mão quando ele me invade com dois dedos. O nome
sai dos meus lábios baixinho assim que ele bombeia contra minha boceta. Intensifico os
movimentos e volto a chupá-lo com força. Meu quadril se move desesperado por mais atrito com
ele.
Não sei qual é a distância do apartamento de Brandon, mas em instantes ele para o carro.
Depois tira os dedos de mim e puxa meu cabelo para tirá-lo da minha boca. Sinto minha boceta
escorrer quando aperto as coxas para ficar sobre os joelhos e olhar em seus olhos. Brandon está
ofegante, puxando o jeans e a boxer para cima, enquanto fala:
— Vamos subir para o meu apartamento. Agora.
Engulo em seco, abaixando o vestido e abrindo a porta do carro. Saio do veículo com as
pernas fracas de um quase orgasmo pelos dedos dele e assim que Brandon contorna o carro, ele
segura na minha cintura e caminhamos na direção do elevador. Resvalo algumas vezes no salto,
tentando me manter em pé. Ele aperta diversas vezes no botão do elevador e solto uma risada
nervosa.
Ele solta uma risadinha, me encarando de uma forma divertida.
Por sorte, o elevador abre. Brandon aperta na minha mão quando me empurra para dentro do
elevador. Cambaleio para trás enquanto ele aperta no botão do último andar e caminha na minha
direção. Encosto na parede do elevador e ele avança para a minha boca. Seus lábios encontram
os meus e iniciamos um beijo tão desesperado quanto no carro.
Ele me pressiona com tanta força contra a parede que posso sentir cada centímetro do corpo
forte. É incrível como as nossas bocas já se encaixam tão bem. Ele me toma nos braços com
tanta voracidade e, ao mesmo tempo, cuidado que eu me assusto.
Suas mãos acariciam a minha cintura por cima do vestido quando a porta abre e ele me
carrega para fora do elevador, sem nunca separar os nossos lábios. A porta do apartamento do
apartamento é aberta e ele me empurra para dentro do lugar, fechando a porta com o pé. Brandon
continua me empurrando e me levando, até que meus pés batem no primeiro degrau da escada.
Abro os olhos e solto nossos lábios por um instante.
Tiro os sapatos e começo a subir as escadas na direção do quarto dele e tento me apressar,
mas as mãos de Brandon me pegam pela cintura no meio do caminho. Ele me puxa contra seu
corpo e distribui beijos molhados pelo meu pescoço exposto, ao mesmo tempo que trabalha no
zíper do tecido.
Quando consigo tocar na maçaneta do quarto, dou um passo maior para dentro do cômodo.
Me viro para Brandon, que está fechando a porta do quarto e tirando os sapatos ao mesmo
tempo. Nossos olhos se encontram no instante que deixo o vestido cair pelas minhas pernas.
Ele sorri, caminhando na minha direção e quando para em minha frente, segura em meu
queixo, fazendo o meu rosto se inclinar em sua direção.
— Esperei quase uma semana por isso. Quero que chame meu nome enquanto eu estiver te
dando prazer, ouviu? — ele pergunta e eu confirmo, inebriada. — Peça, meu anjo. Peça para que
eu me ajoelhe e te chupe. Depois, para que a cena maravilhosa do meu pau sendo engolido pela
sua boceta se repita durante a noite inteira.
— Por… por favor.
Então, ele sorri. Eu só quero ser adorada por Brandon James. Mais de uma noite. Mais do
que uma vez. Então é exatamente isso que ele faz.
— Meu anjo... — a voz de Brandon me desperta ao mesmo tempo que ele toca a minha
cintura nua.
Resmungo, aninhando-me mais aos lençóis da cama. Escuto uma risadinha quando ele beija
o meio das minhas costas e morde levemente a pele.
— Eu preparei um banho, quero saber se você quer entrar na banheira...
Banheira? Abro os olhos, depois de um pequeno cochilo, e encaro Brandon por cima do
ombro. Que maldito universitário tem uma banheira no banheiro de casa? Olho para ele por
cima do ombro.
— Uh, sim — respondo, tímida.
Ele se afasta e me estende a mão, agora me auxiliando a ficar de pé. Brandon me guia até o
banheiro. O cômodo tem as paredes brancas e é extremamente iluminado, o que me causa uma
estranheza momentânea. Meus olhos correm os detalhes do banheiro e logo encontro a banheira
que Brandon disse.
Caminho até a banheira e ponho o primeiro pé dentro da água, sentindo a temperatura
morna. Sorrio e coloco o outro pé, agora me acomodando dentro dela. Brandon entra em seguida,
ficando atrás de mim.
Ele me segura nos ombros e me faz deitar contra o peito dele. Fecho os olhos por alguns
instantes, aproveitando o momento. Ele passa os dedos pelos meus braços e sorrio com a atitude.
— Você vai dormir aqui, não vai? — pergunta.
Eu apenas assinto. Brandon beija o topo da minha cabeça e respira contra os meus cabelos.
— Brandon... — eu chamo. — O que estamos fazendo?
Ele não responde. As mãos sobem até a minha nuca e ele segura o meu cabelo, aninhando
todos os fios em um ninho. Depois os lábios roçam a pele exposta do meu pescoço e eu gemo
baixinho com o contato.
— Antes... nós...
— Nós fizemos como eu prometi. Lento — ele sussurra. — E é isso que você merece além
de fodas por orgasmos e prazer. Eu prometi e cumpri.
Engulo em seco, tentando processar as palavras. Foi diferente e tão intenso quanto às outras
vezes em que fodemos como desesperados. Mas ter Brandon James daquele jeito foi sensacional.
O problema é que eu não sei até onde ele quer ir.
Tudo entre nós é... intenso. Em menos de uma semana eu já estou me vendo louca por ele.
Não entendo o que está acontecendo.
— Você pode me levar para a minha casa? — pergunto assim que saio do banho, na manhã
seguinte, enrolada em uma toalha.
Já passa das nove horas da manhã de sábado. Na verdade, eu não teria condições de fazer
nada com pressa nessa manhã, então me dei ao luxo de ficar por mais tempo na cama com
Brandon. E agora estou exausta.
Brandon também não pareceu se importar muito com isso. Ele está deitado na cama apenas
de boxers e com o corpo ainda levemente úmido do banho que tomamos juntos. Os olhos dele
estão fixos em algum noticiário sobre esportes e ele vira o rosto para mim.
— Sim — ele fala, sentando na cama. — Mas porque você não fica hoje? Quero dizer,
durante a tarde... Podemos repetir o que fizemos ontem.
Mordo o lábio, vendo-o levantar da cama e caminhar na minha direção.
— Preciso trabalhar…
Ele coloca as duas mãos na minha cintura e eu levanto a cabeça para encará-lo melhor.
Brandon sorri enquanto puxa a toalha do corpo, que se arrepia assim que a mão dele encontra a
minha pele nua.
— O que eu preciso fazer para você ficar? — ele fala com a voz rouca.
Ele se inclina na direção do meu pescoço. Sem ao menos pensar, eu já estou tombando a
cabeça para o lado e dando espaço para que ele beije o meu pescoço. Ao mesmo tempo que os
lábios estão na minha pele, uma das mãos de Brandon sobe até o meu seio e ele o aperta devagar.
Meu ar começa a falhar e gemo baixinho.
Ainda assim, o meu telefone começa a tocar, quebrando totalmente o clima.
Brandon, por sua vez, não para. Solto uma risada baixinha quando me afasto dele e caminho
até a cama. Me debruço sobre o colchão para pegar o telefone, que está na mesa de cabeceira.
Pego o telefone e vejo o número de John. Engulo em seco.
Deslizo o botão verde pela tela e atendo.
— Oi, professor Young — falo, formalmente.
— Heaven. — ele diz e, em seguida, limpa a garganta. — É... hum... Eu gostaria de saber se
você pode vir até a Universidade nesta tarde.
— Alguma urgência?
Sinto a cama afundar ao meu lado. Brandon beija as minhas costas ao mesmo tempo que
passa a mão pela lateral do meu corpo. Sinto o corpo arrepiar e mordo o lábio, tentando reprimir
um suspiro, falhando miseravelmente quando Brandon morde a minha pele.
— Ai! — eu falo entre uma risada, desferindo um tapa no ombro de Brandon, que ri
também.
— Heaven? — John indaga, do outro lado da linha. Ouço sua respiração pesada. — O
Picasso chegou. Venha.
— Ah... sim. Chego em uma hora — falo, desligando a chamada.
Brandon me encara com o olhar sacana enquanto passa a mão pelo meu quadril.
— Essa visão me lembra que eu nunca te peguei por trás — ele fala, agora apertando a
minha pele.
Meu corpo todo se aquece ao tentar imaginar esse momento. Eu realmente quero isso, mas
escapo dos braços dele rapidamente, antes que Brandon me atrase para o compromisso que
tenho.
Depois, Brandon me leva até em casa e me espera enquanto troco o vestido por uma roupa
casual. Saio de casa vestindo jeans claro, camiseta e tênis. Arrumo a mochila no braço e entro no
carro de novo. Ele me observa enquanto eu amarro o cabelo.
— O que foi? — pergunto.
Ele não responde, apenas solta uma risadinha. Brandon liga o carro e parte na direção do
bairro universitário. A mão pousa dele sobre a minha perna e eu observo enquanto ele cantarola a
música da rádio e aperta minha perna.
— Seu estágio também acontece aos sábados? — pergunta. — E você não tinha que
trabalhar? Fiquei confuso.
— Um quadro importante chegou de Milão — comento, com o olhar fixo na estrada. —
Vamos ter uma exposição no fim do mês e o professor Young ficou responsável pelo quadro
mais importante do evento. Um quadro de Pablo Picasso. E uh… eu trabalho de forma autônoma.
Sou artista plástica.
Ele me olha pelo canto dos olhos.
— Então você gosta de quadros?
— Uh, sim! — Solto uma risada.
Ele nega com a cabeça e também ri.
— Nunca vi muita graça.
Na verdade, eu ainda não me sinto segura em conversar com ele sobre várias coisas. Uma
delas são as minhas pinturas. É o meu lado silencioso e mórbido.
O caminho até o campus é silencioso. Quando ele para o carro do outro lado da rua e desliga,
eu coloco a mão na maçaneta para abrir a porta e saio do carro soltando uma “muito obrigada”,
correndo para dentro do campus com o coração batendo a mil.
Eu ficarei frente a frente com um quadro de Pablo Picasso.
É algo incrível. Imensamente incrível. Em poucos instantes, estou dentro da sala do
professor Young, ainda esbaforida pela corrida. Sorrio, passando a mão nos cabelos e colocando
a mochila em cima do sofá. Olho ao meu redor e não vejo o professor.
Mas eu o vejo.
O quadro está no canto da sala, dentro de um suporte de vidro grosso encostado em uma das
prateleiras de livros. Caminho até a frente do quadro e me sento no chão. Homem com Guitarra
de 1903 está ali. Todo o esplendor do Cubismo nos traços do quadro me chama a atenção. As
cores escuras com alaranjado me deixam desnorteadas. Toco, com a ponta dos dedos, o vidro de
proteção. É como se eu pudesse atravessar a proteção e me conectar com cada centímetro de tela.
A pintura mórbida me deixa envolvida na melancolia. Os detalhes ósseos do homem
segurando seu violão e o olhar triste me deixam à par da sua dor. É uma angústia estampada no
óleo sobre madeira.
— Eu sempre amei a forma como você admira as obras — a voz de John surge, baixa, pelo
lugar.
Sem tirar os olhos da pintura, sorrio.
— Isso é... lindo — sussurro, ainda com os dedos traçando os detalhes da obra.
Viro o rosto quando ele surge no meu campo de visão, há uma xícara numa das mãos.
— Sabia que você ia querer ser a primeira a ver a obra.
Levanto do chão, sorridente.
— E a professora Boham?
— Estava dentro da caixa de madeira quando ela me entregou — ele fala, assoprando o chá e
bebendo um gole.
Encaro os orbes escuros e, por alguns instantes, me perco nelas. Desvio e coloco as mãos nos
bolsos de trás do jeans. John repousa a xícara de chá em cima da mesa e se aproxima de mim.
— Sweetheart... — ele me chama, rouco.
Levanto os olhos para ele.
— Estamos bem? — pergunta, agora com o olhar percorrendo cada centímetro do meu rosto.
Mordo o lábio.
— Não estamos, mas vamos ficar. Pelo bem do nosso profissionalismo! — Suspiro, me
aproximando e segurando a mão dele. — Só espero que não esteja fazendo a coisa errada. Não
estou falando por mim, mas por respeito a sua história.
Os lábios dele se apertam em um sorriso estranho.
— Posso te pedir um abraço?
— Claro.
Eu o abraço e John envolve as mãos ao redor da minha cintura, me puxando suavemente
para si. Ele enterra o rosto no meu pescoço, inalando o aroma e fecho meus olhos, aproveitando-
me um pouco disso.
Duas batidas na porta fazem nós dois soltamos o corpo um do outro instantaneamente.
Viramos para o lado e Brandon surge na sala com o olhar curioso pela proximidade minha e de
John.
— Brandon? — pergunto, baixinho.
— Você esqueceu isso no carro, anjo. — Ele levanta um cardigã.
Droga, devo ter deixado cair da mochila.
— Uh, que avoada.
Caminho na direção dele e pego o tecido. Brandon sorri. A outra mão encontra uma mecha
do meu cabelo e ele a coloca para trás da minha orelha com os olhos fixos nos meus. Eu não sei
o porquê ele está fazendo isso. Não na frente de John.
Quase não me movo quando ele aproxima o corpo do meu. Eu gosto quando ele chega perto
e deposita um beijo demorado no canto dos meus lábios, sussurrando contra a minha pele.
— Bom estágio, meu anjo. Espero que aproveite bem as suas pinturas. — E pisca para mim,
se afastando e saindo porta afora.
Aperto o casaco entre os dedos, observando Brandon sair e fechar a porta. Engulo em seco
antes de virar para John e encontrar ele bebendo do seu chá com os olhos fixos em mim. Ele
abaixa a xícara, colocando no pires que segura com a outra mão.
John solta uma lufada de ar e comprime os lábios.
— Que inferno essa visão, Heaven.
— Hum? — pergunto, atônita.
Ele sorri com o canto dos lábios.
— Deixa para lá. Vamos cuidar dos detalhes da exposição.

Estou, há duas horas, tentando encontrar o tom perfeito de verde. Já tinha tentado misturar
cinco tinturas diferentes e tela que estou usando de rascunho já tem mais verde do que uma
floresta, já que os desenhos abstratos são o meu forte.
Só que eu sou boa com paisagismo também. Porém, não pinto algo do tipo há muito tempo.
Na quarta-feira, eu estava tentando dar vida, pela sétima vez, a uma paisagem que eu revivia nos
meus sonhos.
O sonho se trata de um grande campo verde e um lago de águas cristalinas envolvidos em
um céu laranja. No fundo, os pássaros sempre cantam e voam. No sonho que se repete, eu
caminho sobre a grama, chegando a um píer de madeira para ir até o lago, me ajoelhando na
frente do lugar e vendo meu reflexo sobre a água clara. Uma brisa sutilmente gélida refresca os
meus pensamentos e quando fecho os olhos, eu sempre acordo.
Esses sonhos vem até mim toda a semana.
Os meus quadros geralmente esboçam a minha áurea, geralmente eu gosto de expressar
sentimentos com cores e quando penso em mim… algo de tom frio é o que eu sempre acabo
escolhendo. Por isso é tão complicado pensar no paisagismo, não são as cores cinzas que o
quadro me pede. Tons de verde, azul e amarelo são os que preciso escolher.
De todas as partes do corpo, os olhos sempre me chamaram mais atenção.
Independentemente da pessoa. Gosto de falar com as pessoas olhando em seus olhos. “Janelas da
alma”, alguns dizem. Para mim, é o maior espelho de tudo. Sentimentos, passado e até mesmo
suas intenções.
Brandon James tem o par de olhos mais intensos que eu já conheci. Só que quando paro para
analisar, eu vi poucas coisas estampadas ali. De certa forma, ele é um mistério. Brandon é isso
para mim. Tanto que quando eu o vi abraçado a uma garota no estacionamento, mais cedo, tentei
não me importar. Eu não posso me importar. Claro que Brandon não me viu, porque eu me
misturo bem em grandes multidões. Já ele? Ele se destaca. Sua aura sempre faz com que um
holofote imaginário o ilumine no meio dos outros.
Eu quero pintar os olhos dele.
É algo que tenho em mente desde a nossa primeira noite. Mas eu quero uma versão
transparente, a que eu quase vi na última noite em que estivemos juntos e ele me deitou sobre sua
cama e me amou. Sim, de algum modo, Brandon fez exatamente isso.
Eu quero o garoto que me olhou genuinamente antes de me ter contra uma parede e o mesmo
que amou meu corpo com os olhos fixos nos meus. E não tenho lembranças suficientes desse
Brandon.
No entanto, o meu desafio, agora, é o que está em minha frente.
Preciso de três coisas para me inspirar e pintar: os materiais de pintura, música alta e meus
pés descalços. Só que hoje me falta a base de tudo: inspiração.
— Perdida nos seus pensamentos? — a voz de Mag surge.
Ela está sentada na escada, me observando enquanto estou parada na frente de uma tela
branca apoiada no cavalete. Giro o pincel nos dedos, virando o corpo para ela, que tem uma taça
de vinho nas mãos e um sorriso no rosto. Os olhos castanho-claros me observam com atenção.
Lufo o ar, soltando o pincel na mesinha e caminhando até a escada. Sento em um degrau
abaixo e ela me estende o vinho. Bebo um longo gole antes de devolver a taça para ela.
— Terminei com o John — falo. — Adivinha? — Arqueio as sobrancelhas para ela.
— Ex-esposa?
— Ela usou a filha para voltar.
— Uh... — Ela nega com a cabeça. — Pesado.
— Muito. Sabe, eu poderia ter lutado. Ele gosta de mim, eu sei. — Suspiro — Mas não
quero problemas, Mag. — Mordo o lábio. — Na verdade, eu me meti em um outro problema.
Ela não diz nada, apenas me observa.
— Existe um cara.
— Sempre existe um cara — fala, agora rindo. — Acho que precisamos de mais vinho.
— Por favor.
Levantamos. Desligo o interruptor, som e fecho a porta do porão. Caminhamos para a
cozinha e, quando chego, Mag está abrindo a garrafa do vinho espanhol que trouxe da viagem
dessa semana. Enche duas taças e sentamos nos sofás da sala. Eu coloco os pés por cima do
estofado e a tia Meg faz o mesmo. Encaro minha tia, que está com um olhar curioso sobre mim.
— Não surte, ok? — falo, suspirando. — Existem três rapazes supercobiçados na Kennedy.
Um deles se chama Brandon. Ele é um arrogante, tão cheio de si que me tirou do sério desde que
nós nos vimos. Durante os jogos universitários, ele quase me beijou. Naquela noite, o John meio
que surtou com o fato do quase beijo e despejou em mim que Alma, a ex-esposa, está de volta
para a vida dele. Fiquei com tanta raiva, Mag… Naquela noite, bebi um pouco e parei no
apartamento de Brandon e… nós… ficamos juntos.
Ela joga a cabeça para trás e ri.
— As coisas estiveram bem agitadas aqui, pelo visto.
— Ele praticamente me enviou mensagens sobre repetir durante a semana. E sexta passada
me encontrou em um bar, me levou para o apartamento dele e agora… sumiu! — Bebo um gole
do vinho, sentindo um leve mal-estar por despejar tudo isso para ela. — Ele me deixa confusa,
sabe? Fala algumas coisas estranhas e, em um ato impulsivo, até me convidou para sair. Não
confio nele, mas não consigo me sentir estranha sobre isso. Eu mesma disse que era apenas uma
repetição do que aconteceu, mas hoje… hoje quando o vi com outra garota, algo aconteceu no
meu coração. Nem mesmo quando John me disse sobre Alma senti desta maneira. — Coloco as
mãos no rosto, negando com a cabeça.
— É, o cara te pegou pelo sexo — Mag completa, rindo. — Sabe, você parece muito com a
sua mãe…
— Pega pelo sexo? — Solto uma risada nasalada, mesmo com uma leve tensão na voz por
esse assunto.
Mag e mamãe foram amigas durante toda a adolescência. Ela esteve ao lado da minha mãe
quando o meu pai a abandonou e foi embora. Então vê-la me comparando a ela faz meu coração
bater mais forte.
— Você se prende dentro do seu universo e quando se deixa libertar e algo sai dos eixos,
você se fecha novamente. Sua mãe era exatamente assim... — Ela faz um carinho no meu braço,
sorrindo. — Não deixe que isso te afete desta maneira, tudo bem? Se for para ser, será. Não
pense muito sobre isso agora. Sabe como curamos isso?
— Hum? — pergunto, encarando-a com os olhos levemente marejados.
— Vamos sair para jantar — afirma, e meus ombros murcham. — Chega de ficarmos nessa
zona de conforto com pizza. Vai lá se vestir. Vou te levar para experimentar comida vietnamita.
Nego com a cabeça, mas Mag parece não se importar, me instigando a começar a me
arrumar com pressa e um sorriso no rosto. De certo modo, ela se tornou a minha família e eu não
poderia estar mais grata sobre isso.

— Eu não entendi nada dessa aula — Rosie fala, rolando os olhos enquanto estamos deitadas
no gramado do campus, sob uma árvore. — Suas anotações vão ser a minha salvação.
— Espero que sejam o suficiente. Preciso testar algumas técnicas novas de pintura. As tintas
têm me deixado louca.
— Dificuldades?
— Sim! — Rolo os olhos, encontrando Rosie atenta. — Estou trabalhando com cores
quentes de novo. Sinceramente, eu as odeio. — Mordo o lábio. — Por que as frias sempre me
chamam mais atenção?
Rosie ri, agora fechando os olhos e aproveitando o sol sobre seu corpo.
— Você é fria, Heaven.
— Nossa, obrigada pela parte que toca os meus sentimentos. — Solto uma risada.
Ela ri, agora apoiando-se nos cotovelos para me observar melhor.
— Você é boa nisso, Heaven. Observar a cor da alma. Não esqueça que foi você que me
ensinou isso. Você tinha até uma paleta de cores para cada pessoa que identificava a sua cor, não
é?
— É, talvez eu esteja com problemas no paraíso. — Aponto para mim mesma. — Uma
nuvem nublada está rondando os meus pensamentos.
— Uma nuvem chamada Brandon James. — Rosie ri, se apoiando nos cotovelos para
observar as pessoas ao nosso redor. — Ele andou rondando a nossa sala hoje cedo. Eu pude ver
quando saí para comprar um café.
— Aposto que estava atrás de alguma garota. — Dou de ombros, tentando não me importar.
— Talvez você mesma deva perguntar — ela fala, apontando para o início do gramado.
Brandon James está caminhando na nossa direção e eu tento não o encarar. O que me facilita
muito são os óculos de sol. Ele está incrível hoje, usando uma mochila no ombro e uma jaqueta
esportiva.
— Olá, garotas — diz, parando à nossa frente e jogando o cabelo para trás.
— Oi! — respondemos em uníssono.
Ele senta-se na minha frente sem ser convidado.
— Vou ser direto aqui, Heaven — fala, agora me encarando. — Eu quero te levar para
jantar!
Rosie começa a tossir instantaneamente. Ela levanta e toma uma distância considerável,
como se precisasse de espaço para processar a frase. Na verdade, eu também preciso. Brandon
está me deixa tão desnorteada que eu nem consigo evitar o bater descompassado do meu coração.
— É sério isso? — pergunto, cruzando os braços.
Ele arqueia as sobrancelhas.
— Sim. Depois podemos ir para a minha casa.
Eu rolo os olhos, molhando os lábios com a língua.
— Não, Brandon — falo, certeira. — Você desapareceu por uma semana e, de repente, volta
pedindo para sair comigo? O que você tem?
Ele pisca algumas vezes, parecendo sem graça.
— Não quis parecer um maluco atrás de você.
— Você já pareceu — estalo, irritada. — Quer saber? Me esquece, é melhor. — Levanto,
passando a mão pelo jeans para retirar a grama úmida. — Procure a garota que você estava
abraçado ontem, com certeza ela aceitará.
Os dedos dele encontram meu pulso.
— Como é? — Estreita os olhos. — Que garota?
— Vi você com uma menina no estacionamento ontem. Olha… — O encaro, nervosa. —
Não temos nenhum tipo de relacionamento e não estou aqui para fazer desse comentário uma
cobrança, mas…
— Está falando da irmã do Sebastian? — ele pergunta, arqueando as sobrancelhas. — Os
dois estudam aqui no campus e ontem era o dia que a gente sai em grupo para almoçar. Por isso
estou por aqui às vezes. — Os lábios dele se arqueiam em um sorriso. — Me diz uma coisa, você
gostou de ficar comigo?
Meu rosto se aquece em vergonha. Caramba, que estúpida. E ainda deixei claro que a visão
dele com outra mexeu comigo, eu sou mesmo uma idiota.
— Quer saber, não precisa me responder. — Ele se aproxima, sorrindo. — Só preciso que
você saiba que não parei de pensar em você essa semana. Isso tá me assustando pra caramba e eu
acho que a melhor maneira de resolver isso é te levar para um encontro.
— Encontro? — quase cuspo as palavras.
— É, em um encontro. Prometo que será agradável. Faz muito tempo que não faço isso,
então posso parecer um pouco nervoso no início. — Ele solta uma risada, me fazendo sorrir. —
Esteja pronta às seis, tudo bem?
— Você nem perguntou se eu podia hoje…
— Está vendo? Estou fazendo tudo errado — murmura, soltando-me. — Então... podemos
sair hoje, às sete?
Tento esconder o sorriso e acabo concordando com um movimento sutil da cabeça.

A campainha soa pela casa. Mag sai disparada do meu quarto e fico ali, aflita com o que
vestir. Quase todo o meu guarda-roupa está em cima da cama. O que eu deveria vestir para sair
com Brandon? Ele sequer falou ou fez menção do lugar que me levaria. Escuto a voz educada de
tia Mag:
— Vou chamá-la.
Eu me sento na cama. Estou usando um vestido azul marinho com corte rodado e mangas
compridas. Meias finas pretas, brincos pequenos e pouca maquiagem. Balanço os pés encarando
as botas pretas e os saltos finos. Mag aparece, segurando-se no batente da porta, uma mão em
cada lado da porta.
— Definitivamente, os saltos. — Ela aponta. — E, por favor, espero que esteja com uma
lingerie quente como o inferno embaixo disso. O cara é um tesão.
Gargalho alto e pego os saltos, colocando-os nos pés. Mag desaparece pelo corredor e tenho
certeza de que ela está na sala observando Brandon. Demoro um pouco mais, já que resolvo
passar um batom para não parecer muito pálida. Quando saio do quarto, consigo ouvir as risadas
vindo da sala.
Do topo da escada, consigo ver Brandon de costas e com as mãos nos bolsos. Ele está
vestido com uma camisa social, jeans e sapatos. Mag está parada na frente dele com uma taça de
vinho e um sorriso nos lábios. Ela para de rir aos poucos enquanto eu começo a descer as
escadas.
Brandon se vira, devagar. Nossos olhos se encontram enquanto desço as escadas, com a mão
no corrimão. Os olhos dele se desgrudam dos meus apenas por um instante, quando ele corre o
olhar pelo meu corpo e o seu sorriso se alarga ainda mais. Nos últimos três degraus, ele estende a
mão para mim. Seguro nela, me dando estabilidade para descer até ficar de frente para ele.
— Uau!— diz, soltando um riso nasalado. — Você está incrível.
Dou de ombros. Pela primeira vez, eu não tenho uma resposta na ponta da língua. Ele sorri
mais ainda, agora entrelaçando nossos dedos. Brandon olha para a Mag com um sorriso largo.
— Prometo trazê-la antes da meia noite.
— Oh, querido, não se preocupe — ela diz, segurando o braço dele. — Heaven é grandinha
o suficiente para saber o que faz. Sabe, só façam sexo seguro.
Começo a tossir instantaneamente. Brandon ri baixinho, me guiando para fora da sala.
Quando saímos de casa, ele me dá mais uma olhada.
— Por que você precisava estar tão gostosa?
— Uh... — Cruzamos o jardim de entrada da casa até chegar no carro. — Onde vamos? —
pergunto quando ele abre a porta do carro para mim.
Brandon fecha a porta e contorna o carro. Ele entra pela porta do motorista e liga o veículo.
Antes de arrancar, ele me lança um olhar sereno.
— No meu restaurante favorito.
Ele estica a mão para ligar o som, baixinho. A música que toca é “Every Breath You Take”
do The Police. Tamborilo os dedos em cima dos dedos e sibilo as frases pelos lábios. Quando o
carro para no sinal vermelho, me atenho a observar as gotas de uma fina chuva caírem pelo
vidro. Escuto uma risadinha vinda de Brandon e viro o rosto para ele, que sorri para mim.
— O que? — pergunto enquanto ele molha os lábios com a língua.
— Oh, você não enxerga? Você pertence a mim, como o meu pobre coração sofre com cada
passo que você dá.
Jogo a cabeça para trás em uma risada.
— Você quer me conquistar recitando uma música do The Police? Uma música de um
stalker? Um perseguidor que está na cola da garota a todo custo?
Ele faz uma careta engraçada e continua dirigindo.
Assim que o carro para na frente do restaurante, avalio minha roupa pra ver se está à altura
do lugar. Eu imaginava que o lugar soaria a dinheiro, mas não tanto. Brandon abre a porta para
mim e seguro a mão dele, descendo do carro em seguida. Ele entrelaça os dedos nos meus
enquanto entrega a chave para o manobrista.
A camisa alinhada ao corpo deixa os músculos evidentes no tecido e, definitivamente, azul é
uma cor que combina com ele.
Assim que entramos no lugar, noto como o ambiente é lindo e elegante. Mesas com velas
estão espalhadas pelo lugar, que é cheio de vidraças — o que dá uma visão e tanto para o jardim
de inverno aos fundos do restaurante. Velas e espumante estão por todas as mesas. Alguns
garçons passam com bandejas de prata e eu posso ver algumas pessoas nos olhando quando
entramos pelo hall. Será que todos conhecem os pais de Brandon? Pelo que lembro, eles são
conhecidos na cidade.
Deixo que Brandon me guie até os fundos do salão, onde há uma mesa reservada. Quando
chegamos perto da mesa, ele puxa a cadeira para mim e eu me sento. Ele empurra a cadeira e
contorna a mesa, sentando-se à minha frente. Novamente, o meu olhar está perdido no ambiente
e fico extremamente feliz por ele escolher um lugar onde eu consiga avaliar as flores do jardim.
— Gostou?
Busco os olhos dele, que estão atentos a mim.
Sorrio para ele.
— Sim, Brandon. É lindo.
Ele corre a mão por cima da mesa, colocando-a por cima da minha, fazendo um carinho com
os dedos.
— O que estamos fazendo? — pergunto mais uma vez para ele, observando nossas mãos. —
Você não parece o cara que leva uma garota para sair se estiver só afim de sexo. — Arqueio uma
sobrancelha, agora encarando-o.
— Estamos apenas saindo, Heaven. — Ele pisca para mim, sacana.
Ele encara algo atrás de mim e seu sorriso fica menor. Não entendo muito bem, mas no
instante em que duas figuras se materializam ao meu lado, eu gelo. Levanto o olhar para o casal.
Os olhos de Brandon estão estampados no olhar do homem alto e imponente. Sua presença é
tão intimidadora quanto a de Brandon. A mulher, por sua vez, parece uma modelo. Vejo que tem
mais de quarenta anos, mas é extremamente elegante.
— Mãe. Pai. — Ele engole em seco.
— Querido — a mulher diz, se aproximando e colocando as mãos no rosto de Brandon, lhe
plantando um beijo estralado na bochecha. Ele sorri brevemente com a demonstração de carinho
da mulher. — Você está lindo no dia de hoje.
Sorrio com a cena ao mesmo tempo que aperto entre os dedos a barra do vestido.
— Quem é essa bela moça, Brandon? — a voz grossa do homem ao meu lado se faz
presente.
Me levanto da cadeira, tentando manter a postura em cima dos saltos. Estendo a mão para o
homem, sem demonstrar meu nervosismo.
— Heaven Williams — falo, apertando a mão do homem. — Sou amiga do Brandon.
— Uh — a mulher fala, agora me abraçando. — Faz um bom tempo que Brandon não nos
apresenta uma amiga.
Sorrio, nervosa, retribuindo o abraço. Quando ela me solta, vejo que Brandon está ao meu
lado, colocando uma mão na minha cintura.
— Bom, vamos deixar vocês dois jantarem, sim? — o senhor James fala. — Eu e sua mãe
precisamos terminar de acertar os pontos do jantar anual dos associados do escritório. — E pisca
para nós dois.
— Heaven, você está convidada para ir a nossa casa no sábado. Peça para que Brandon lhe
busque, sim? — a senhora James fala, sorrindo para mim. — Boa noite.
Os dois seguram um na mão do outro e somem pelo salão.
— Desculpe por isso — Brandon sussurra, agora depositando um beijo no meu ombro.
Viro o rosto para ele e sorrio.
— Amigos, então… — lembro, quando ele aperta um pouco a minha cintura.
— Veremos.
E ele pisca para mim e logo estamos fazendo nossos pedidos.
Jantar com Brandon é, no mínimo, interessante. Ele me conta sobre um intercâmbio que fez
para a China, para entender algo sobre negócios no ano passado. Contei para ele sobre as
mudanças que tive ao longo dos anos, sobre Mag e meu trabalho. O restaurante é magnífico. Não
só pelo ambiente, mas pela culinária.
Quando terminamos a sobremesa e a segunda garrafa de vinho, o restaurante já está
praticamente vazio, até mesmo vi o senhor e a senhora James saírem do lugar lançando sorrisos
vitoriosos para nós dois.
Brandon levanta da mesa e eu faço o mesmo. Ele estende a mão para mim e, desta vez, eu
faço questão de segurar firme em sua mão. Então ele caminha comigo, me guiando entre as
mesas.
— A saída é por ali, eu acho — falo, apontando para o outro lado do salão.
Ele sorri para mim por cima do ombro e pisca. Acompanho Brandon, que anda comigo na
direção dos fundos do restaurante. Ele abre uma porta e me leva para uma saída externa. Meu
sorriso se alarga quando eu vejo que ele me trouxe até o jardim de inverno do lugar.
Meus olhos se enchem com os detalhes. Os tons de verde que procuro para a minha pintura
podem estar por aqui. O tom das pétalas das flores amarelas podem ser o meu amarelo perfeito.
E o azul da camisa de Brandon me parece convidativo para uma pintura.
Me aproximo de um girassol e toco em suas flores, sentindo a textura. Sinto o aroma da flor
e sorrio com o cheiro. Por conta da chuva de algumas horas atrás, o cheiro de terra molhada se
faz presente.
Brandon segura na minha mão, me chamando atenção.
Viro o corpo para ele.
— Acho que o nosso encontro como amigos acaba aqui.
Ele fala baixinho, aproximando-se mais ainda. Coloca as mãos na minha cintura e eu o deixo
se aproximar.
— Bom, eu acho que você tem que me deixar em casa para isso acontecer... — pontuo,
agora brincando com os botões da camisa dele.
Ele arqueia as sobrancelhas.
— Então vamos mudar as regras. Que tal uma pausa no encontro de amigos?
Sorrio, negando com a cabeça enquanto me sinto uma idiota por sorrir tanto ao lado dele.
— E por que?
Brandon aproxima o rosto do meu e eu esqueço completamente do resto.
— Teríamos que desperdiçar uma oportunidade incrível... — ele sussurra, roçando os lábios
nos meus. — Você conhece a lenda dos viscos?
— Sim... — respondo, tentando resistir aos lábios carnudos dele nos meus.
— Olhe para cima — ele fala.
Eu levanto o olhar e rio baixinho quando me dou conta que estamos embaixo de uma
quantidade significativa de viscos. Sinto os braços de Brandon passarem ao redor da minha
cintura e ele aproximar os nossos corpos. Abaixo o olhar e ele ainda está perto. Muito perto.
— A tradição diz que você deve beijar alguém quando os dois estiverem embaixo de um
visco — ele fala, baixinho, e virando o rosto como se fosse me beijar.
Subo as mãos para o pescoço dele imediatamente.
— Então vamos manter a tradição.
Os lábios dele tocam os meus daquele jeito cauteloso e cheio de carinho que só senti uma
vez.
As mãos quentes me apertam contra o corpo musculoso e eu agradeço pelo contato. A língua
dele acaricia a minha e Brandon termina o beijo puxando os meus lábios inferiores entre os
dentes, eu suspiro com a falta de contato.
Abro os olhos e encontro um Brandon sorridente para mim.
— Vamos, anjo — ele diz, beijando a minha bochecha. — Preciso te deixar em casa como
um bom cavalheiro.
Quando eu propus um encontro com Brandon, jamais imaginei que ele terminaria a noite me
deixando em casa e sem tentar transar comigo. Por alguns minutos, eu tive a ideia idiota de
convidar ele para entrar. Então, agora havia mensagens de bom dia no meu telefone que eu não
sabia como responder.
O que diabos eu estava fazendo?
Ainda com a cabeça bagunçada pela noite passada, saio da aula e vou direto para a sala de
John para tentar adiantar algumas planilhas sobre a exposição do fim do mês. Caminho pelos
corredores com os materiais que imprimi e algumas canetas, tentando fazer anotações
importantes no canto do nome de cada fornecedor. Meu telefone vibra no bolso e paro onde
estou, pegando o telefone na mão.
Brandon: Quando vamos nos ver de novo?
Brandon: Hoje tem uma festa no meu apartamento, às oito.
Rolo os olhos e deixo para responder depois. Chego na sala de John e abro a porta, tentando
equilibrar a quantidade de papéis que eu carrego. Vou até o sofá e solto minha mochila e a pilha
de papéis. Amarro o cabelo enquanto respiro ofegante.
— Quem é você?
Dou um salto quando ouço uma voz dentro da sala.
Meu coração dispara ao virar e encontrar uma garotinha sentada na cadeira de John, do outro
lado da mesa. A observo melhor e eu tenho certeza que já a vi em algum lugar.
— É... meu nome é Heaven. Sou aluna do professor Young. E você, é?
— Luna. Luna Young.
Oh, sim, a cópia de Alma. A quantidade de fotos dessa criança na sala de John é
ridiculamente grande. Sorrio para ela.
— Onde está o seu pai?
— Ele saiu com a minha mãe para comprar alguma coisa para comer. — Ela dá de ombros.
— Você quer brincar?
— Do que você está brincando?
— De Lego.
— Eu adoro Lego.
Mantenho o sorriso largo quando a menina de cabelos escuros como a noite me leva até o
canto da sala, falando comigo, animada, sobre as peças do Lego de princesas. Ela é uma mistura
da delicadeza com a rebeldia. Estranhamente, eu começo a torcer para que Alma tenha mudado
seu lado individualista e realmente consiga fazer John feliz. Afinal, é impossível resistir à
pequena Luna.
Depois de cerca de dez minutos, a porta é aberta por John e a ex-esposa dele. Alma é uma
mulher alta para os padrões comuns, tem cabelos volumosos em tom castanho com mechas
douradas e pele oliva.
— Heaven! — John fala, engolindo em seco em seguida.
Alma troca um olhar curioso entre nós, mas então sorri na minha direção e da garotinha.
— Vejo que você arrumou uma amiga.
— Estamos brincando com os Legos, mamãe — diz a garotinha, olhando para a mãe que se
aproxima de nós com um pacote pardo na mão.
— Certo, mocinha. Agora é hora de comer! — ela para na nossa frente e sorri para mim. —
Obrigada por isso. Eu sou a Alma! — Estica a mão. — Você deve ser a aluna do John.
— Uh, sim — resmungo, sem jeito, ao me levantar e apertar a mão dela. — Sou a bolsista. É
um prazer — respondo, ficando em pé e me aproximando de John, com os olhos fixos na cena da
mulher colocando a garotinha na cadeira que John usa.
Quando paro ao lado dele, sinto a minha garganta doer. Não é tristeza, mas o sentimento de
perda ainda está aqui. É um menos triste do que eu esperaria, porém, parece que estar envolvida
com Brandon me deixa menos emotiva sobre isso.
— Tudo aconteceu rápido demais — murmura John, encarando a cena a nossa frente.
Estamos próximos a porta, distante o suficiente para que elas não nos escutem. — Podemos
conversar sobre isso? Em particular?
— Não acho conveniente aparecer na sua casa…
— Quero conversar com você longe daqui. Me encontre na Touchstone Gallery, às sete.
Tudo bem?
Viro o rosto para ele, que me analisa com cautela e um pesar no olhar. Concordo com um
movimento suave da cabeça e volto a encarar a cena na minha frente.
Quando saio do último horário de estágio, me surpreendo ao ver Brandon no
estacionamento. Ele está encostado na lataria do carro, com os braços cruzados e um sorriso
suave nos lábios.
— O que faz aqui? — pergunto, me aproximando.
Assim que estou de frente para ele, seus braços envolvem minha cintura.
— Não mereço um beijo de boas-vindas? — pergunta, já descendo os lábios sobre os meus.
Correspondo o beijo entre um sorriso. Ele é tão arrogante que se torna irritante. Quando se
afasta, avalio melhor o rosto dele.
— Estava no treino do time de hóquei — explica, apontando para dentro do carro, onde o
equipamento está sobre o banco de trás. — Resolvi passar aqui e perguntar se você quer sair para
comer um hambúrguer.
Estreito os olhos.
— Você não deveria ter cuidado com o que come? Os jogos estão para começar.
Ele dá de ombros, ainda com as mãos em mim.
— Posso lidar com isso.
— Sabe, é que eu tenho um compromisso no centro — resmungo, apertando os lábios em
um sorriso quando ele rola os olhos.
— Que compromisso é esse que é mais importante do que eu? Qual é, gata. Tô aqui
implorando por você.
— Nem vem, Brandon. — Solto uma lufada de ar. — Você nem perguntou se eu poderia ir.
Está aqui querendo me arrastar para outro encontro.
— E você não gosta? — As sobrancelhas dele se movem para cima e para baixo, me fazendo
rir.
— Tão insistente… — murmuro, negando com a cabeça.
— Tudo bem, te dou uma carona então, entra aí. — Me solta enquanto abre a porta do
caroneiro. — Vamos conversando sobre sábado até lá.
— Sábado? — Arqueio as sobrancelhas enquanto me acomodo no carro.
Brandon fecha a porta, contorna o carro e se acomoda no banco. No instante que acho que
ele falará algo, seus olhos se concentram em algo no estacionamento e ele fica sério.
— O que foi?
— Não gosto da forma como esse seu professor está olhando pra gente.
Sigo o olhar dele, encontrando John observando a nós dois na saída do bloco.
— Não tem nada demais, ele é meu professor, está preocupado porque nunca apareço com
rapazes por aí.
Ele me olha de soslaio, ligando o carro.
— Não sei… Só não gosto da forma como ele está olhando.
Tento não argumentar mais com ele. Fico em silêncio enquanto Brandon liga o carro e me
pergunta sobre o lugar que irei. Na real, explico para ele, sem dizer o nome da galeria de arte que
John me apresentou anos atrás quando consegui vender meu primeiro quadro ao senhor Tomás
Jimenez.
O lugar se tornou meu refúgio e a minha terapia.
Além do espaço para as exposições, conta com duas salas aos fundos que pertenciam à filha
de Tom. Ele costuma alugar o ambiente para artistas poderem ter um pouco de inspiração, ou até
mesmo pintarem em paz. É quase um coworking para pintores.
— Sobre sábado… — murmuro, incomodada com o silêncio repentino de Brandon após a
cena com John.
Meu coração ainda bate depressa. Será que ele desconfiou de algo? Afinal, o contato de John
tinha seu primeiro nome e ele viu a nossa troca de mensagens. Se Brandon ligar os pontos, posso
estar ferrada.
— Pensei em te pegar na sexta-feira e você dormir lá em casa — diz, depois de algum tempo
em silêncio.
— Acho melhor você me pegar no sábado. Vou querer me arrumar com calma…
— E por que não pode fazer isso no meu quarto? — indaga, inconformado.
— As minhas coisas, elas…
— Leve um pouco delas lá para o apartamento.
Arregalo os olhos, buscando pelo olhar dele.
— Brandon, nós não estamos namorando. Não posso simplesmente encher seu quarto com as
minhas coisas.
Brandon encosta o carro no endereço que passei e parece curioso ao redor, procurando por
qualquer ambiente que seja sem dar atenção para a minha questão. Meu corpo está suado em
nervosismo.
— Brandon!
— Meu anjo… — Finalmente vira o rosto para mim, arqueando as sobrancelhas em seguida.
— Sábado você estará em um almoço na casa dos James. Não espere que eu lhe apresente como
uma maldita amiga e te deixe solta no meio dos leões.
Meus ombros murcham.
— Você sequer perguntou se eu quero um relacionamento.
Ele se aproxima, ainda sorridente. Brandon para próximo ao meu rosto enquanto escova uma
mecha de cabelo para trás da minha orelha.
— Eu pretendo fazer essa pergunta sexta-feira à noite enquanto estiver dentro de você.
Ai, caramba. Pisco algumas vezes, desnorteada pela forma como ele diz isso. Brandon
apenas ri, beijando meus lábios.
— A gente mal se conhece… — resmungo, com o coração batendo depressa.
Não parece certo namorar alguém que mal conheço.
— Então temos até sábado para isso. Que tal um encontro mais tarde? Pense sobre isso —
ele fala, agora beijando o canto dos meus lábios. — Me liga depois?
— Sim.
— Boa noite, anjo.
Me afasto até o meio da calçada para observá-lo colocar os óculos escuros. O sorriso largo
me mostra quão feliz ele está e isso faz o meu coração bater um pouco mais forte. O carro de
Brandon mistura-se no meio do trânsito e eu sigo na direção oposta, com as mãos dentro dos
bolsos do casaco pesado e sentindo alguns flocos de neve caírem pela minha cabeça.
Meu caminho é direto para a Touchstone Gallery.
A construção de tijolos alaranjados e repleta de grandes janelas de vidro me mostra o interior
do pequeno lugar. Entro pelas portas duplas pesadas e assim que tiro o casaco e coloco no
cabideiro, o senhor Tom sai de trás do balcão e vem até mim.
— Minha artista preferida! — ele fala, enrolando os bracinhos pequenos na minha cintura.
Tom é um senhor pequeno, de cabelos brancos e que é apaixonado por suéteres antigos e
quentinhos. Hoje ele está enrolado em um cachecol vermelho e usa uma touca também do
mesmo tom, o que combina com as bochechas fofinhas e rosadas. Abraço o senhor de um metro
de cinquenta e cinco e aperto contra o meu corpo.
— Senhor Tomás! — falo entre um sorriso. — Como tem passado?
— Bem, e você? Não te vejo desde a sua última venda.
— Uh, nem me fale. As coisas estão um pouco corridas com o estágio e a volta às aulas… O
senhor passa muito bem, hein?
Ele coloca as mãos na barriga saliente e pisca para mim.
— Muito bem. — Nós gargalhamos. — Me trouxe algo novo? Tenho que lhe adiantar,
ultimamente um comprador potencial tem vindo visitar seus quadros. Ele já comprou três e
espera por mais deles.
— Hum. Posso lhe entregar algo na sexta? — digo, agora com os olhos vagando pelos
pequenos corredores de quadros. — Hoje eu vim encontrar uma pessoa.
Ele me olha por cima dos óculos grossos.
— Ele está no último corredor.
Sorrio fraco para o senhor, que ajeita o suéter e volta para trás da sua mesa. Giro nos
calcanhares e caminho para o corredor indicado por Tomás. John está lá, dentro da sua roupa
social preta alinhada ao corpo.
No entanto, me perco um pouco pela maneira como ele está. Sempre gostei da forma como
John analisa as pinturas. O olhar dele parece misturar-se com a tela e o mundo inteiro entra para
dentro dos traços ali expostos. Caminho sutilmente até estar ao lado dele e ficamos olhando para
a tela. Ele continua com as mãos nos bolsos da calça e os olhos fixos em um dos meus quadros.
— Lembro até hoje quando você me mostrou esse — a voz dele sai calma e serena. — Te
perguntei como você iniciou a pintura, achando que você tinha visto essa pessoa em algum lugar.
— Então o rosto dele se vira para o meu, mas mantenho os olhos fixos no quadro. — E então
você me surpreendeu falando que você não pinta pessoas. Você pinta sentimentos e sensações.
Por sorte, Tomás deixa alguns dos meus quadros expostos até que consiga vendê-los. É uma
ótima forma de movimentar os negócios, e espero que em breve consiga uma nova venda. Hoje,
tenho três quadros sobre curadoria nesta galeria.
Sorrio fraco para John.
— Tenho uma dificuldade com realismo — pontuo, virando gentilmente o rosto para ele. —
Sentimentos são mais fáceis de serem externados pelas minhas mãos.
Ele também sorri para mim.
— Preciso te dizer algo. Alguém nos descobriu, sweetheart — fala, apertando os lábios.
Meu coração parece ter congelado no peito.
Por alguns segundos, apenas encaro o perfil dele, sentindo meu corpo começara tremer.
Minhas mãos vertem suor e minha visão fica levemente turva. Encaro a pintura a minha frente,
desviando do perfil de John.
— Isso pode ferrar a nós dois — é a minha resposta.
Agora faz sentido John ter me proposto para conversar aqui. Será que alguém me viu na casa
dele? Ou talvez naquele dia que praticamente o agarrei no escritório?
Caramba, isso é uma grande confusão.
— Tenho recebido algumas ameaças faz um tempo.
— John, isso… — resmungo, virando de frente para ele, que ainda está observando o
quadro. — Por que não me contou?
Um pequeno sorriso se alarga nos lábios dele.
— E arriscar perder o que nós tínhamos por medo? Nunca. — Ele suspira, agora me
encarando. — O garoto não tem provas. São apenas palavras de um universitário em crise por
não conseguir atingir a média da disciplina básica do curso.
Mordo o lábio e solto o ar dos pulmões, agora observando os detalhes em cinza gelo e azul
marinho do quadro à minha frente. Vazio. É isso que ele representava.
— O que faremos? — pergunto em um tom tão baixo quanto minha respiração.
— Nada, sweetheart. Não há nada para ser feito — noto um tom melancólico em sua voz. —
Escolhas foram feitas. Nós dois escolhemos viver isso e as consequências estão aparecendo. Mas
não se preocupe, ninguém pode nos atingir apenas com palavras.
— Eu espero — respondo, engolindo a porção de sentimentos que se aloja em minha
garganta.
Não posso acreditar que John colocou a posição dele em risco por causa do que tínhamos.
Agora tudo parece mais confuso ainda dentro do meu coração.

Ainda um pouco desnorteada por conta da conversa com John, assim que saí da galeria, vou
até a casa de Rosie e Edward.
— Finalmente, comida! — ela diz, saltitando do sofá na direção da porta quando nossos
pedidos chegam.
— Ei… — Edward me cutuca. — O que houve? Está tão silenciosa.
— Nada, é só que… — Chacoalho a cabeça, observando Rosie pegar o jantar e depositar
sobre a mesa de centro. — Fiquei sabendo sobre uma coisa hoje que me pegou de surpresa.
— E Brandon gostoso James? — indaga ele, arqueando as sobrancelhas sugestivamente.
Então a conversa que tivemos antes de sair do seu carro passa pela minha cabeça. Levanto
do sofá, desnorteada, enquanto busco meu telefone na bolsa. De soslaio, vejo Edward e Rosie me
encarando.
— Merda, merda…
Papéis, chaves, batom…
Não vejo a porcaria do telefone!
Começo a revirar mais uma vez e no ápice da irritação, viro a bolsa sobre o sofá e finalmente
encontro o aparelho telefônico. Não suspiro de alívio, porque no instante que vejo o pequeno
telefone celular no meio dos recibos, ele acende a tela, me mostrando uma nova notificação.
— O que tá acontecendo? — Rosie murmura.
Nego com a cabeça, me atrapalhando para desbloquear. Como suspeitava, algumas
mensagens de Brandon estão ali. Já passa das oito e meia.
Brandon: Oi, anjo, onde quer ir hoje?
Brandon: Vai me dar um bolo?
Brandon: Heeey :(
Heaven: Desculpa, me distraí com algumas coisas. Estou na casa da Rosie e Edward. Quer
vir aqui?
Brandon: Claro. Você já jantou?
Olho para a pizza em cima da mesa. Desvio o olhar para Edward, que já tem outro pedaço de
pizza na mão. Prendo o lábio inferior entre os dentes antes de dedilhar a mensagem.
Heaven: Estamos com uma pizza.
Brandon: Chego em dez minutos.
— Hum... Pessoal...? — falo, levantando o olhar do celular. — Vocês se importam se o
Brandon vir aqui?
Rosie e Edward me olham, confusos.
— Eu achei que vocês estavam só se pegando, mas isso parece algo além — Ed fala.
— É. Eu sei. — Aperto os lábios. — Só que, hum, bem... nós vamos tentar.
— Tentar? — Rosie indaga, confusa.
— Não sei, tá legal? — Suspiro. — Ele está falando em tentar algo sério, mas mesmo que
pareça imprudente, existe algo sobre ele que… me deixa bem. Sei que quero tentar. Não sei o
porquê, mas essa rebeldia de Brandon me faz bem.
Às vezes, acho que esse comportamento dele me faz lembrar de mim mesma quando me
rebelei contra a minha avó. É quase como se fossemos um time. E, mesmo assim, estou receosa
sobre tudo isso. Brandon parece intenso demais.
Edward solta uma risadinha.
— Acho que a nossa amiga fisgou o herdeiro do império James.
— Edward, você fez um curso para ser tão inconveniente ou é um dom? — pergunto, agora
cruzando os braços para encará-lo.
Ele dá de ombros, levantando do sofá.
— Esse é o meu charme, tá legal? — ele fala.
Nós três rimos alto e continuamos a assistir a reprise de “How I Met Your Mother” que passa
na televisão. Levanto do sofá sobre os olhares curiosos quando a campainha toca, então abro a
porta já sabendo quem está me esperando.
Brandon está vestindo com uma jaqueta de couro, os cabelos estão levemente molhados e
com flocos de neve perdidos entre os fios. Ele joga a cabeça para o lado quando abre um sorriso
largo para mim.
— Oi, meu anjo — fala, dando um passo na minha direção e circundando minha cintura, ao
mesmo tempo que sela os nossos lábios.
Quando me separo dele, Brandon sorri e cumprimenta os meus amigos. Ainda estou
envergonhada quando nos acomodamos em um dos sofás. Ele não pergunta nada, apenas se senta
ali e assiste a série favorita dos meus amigos, até mesmo ri dos momentos engraçados.
Já passa da meia noite e eu tenho certeza de que cochilei quase na metade do episódio que
está na tela. Brandon e Rosie estão em uma conversa animada sobre algo que Barney fez e,
sinceramente, eu gosto da forma como ele interage com meus amigos. Estou deitada com as
costas apoiadas no peito de Brandon, que tem as mãos envoltas no meu corpo
Quando Rosie boceja, me remexo contra o corpo de Brandon.
— Vou indo para o quarto — anuncia, se levantando e olhando para nós com um sorriso. —
Você tem a chave, Heaven. Só tranca a porta ou dorme por aí. Só não sujem meu sofá com
safadezas — diz, me fazendo ficar com as bochechas quentes.
Minha amiga caminha na direção dos corredores do apartamento e eu ainda estou
despertando quando Brandon beija a curva do meu pescoço e suspira contra a minha pele.
— Você parece um anjo dormindo — ele fala.
Sorrio com a frase e ele me olha de cima.
— Acho bom ir embora, você pode me levar? — comento.
— É claro.
— Desculpe por isso — murmuro, finalmente virando para ficar de frente para o rosto dele.
— Esqueci completamente do que havíamos combinado. Fiquei aérea com uma notícia
envolvendo… o trabalho. É, o trabalho.
Não sei se posso conversar com Brandon sobre isso, ainda. Por mais que eu me sinta mal em
esconder isso, não acho seguro lhe dizer que estava tendo um caso com um professor. Isso pode
realmente complicar as coisas para John se Brandon não manter a boca fechada.
— Sem problemas, anjo. Vamos lá, vou te deixar em casa — ele diz, beijando minha
bochecha e me ajudando a levantar. — E sobre a sexta-feira, você pensou em algo?
Os olhos dele me observam com esperança do sim. E por incrível que pareça, eu me sinto
confiante em dar esse passo com ele.
— Tudo bem, posso dormir na sua casa. Talvez a gente precise mesmo ter uma conversa
sobre o que estamos construindo…
O almoço na casa dos James é o tipo de problema que eu, definitivamente, não gostaria de
estar enfiada, já que, mais uma vez, não sei o que vestir.
A julgar pela cobertura que Brandon mora e o restaurante no qual nos levou, a casa dele
deve ser algo enorme. Além disso, os pais dele estavam tão bem vestidos no restaurante na
semana passada.
Opto por um jeans claro, botas de cano curto e um sobretudo na cor cinza. Para alegrar um
pouco o visual mórbido, resolvo passar um batom vermelho. Completo com uma trança com fios
soltos no meu cabelo, o que me deixa com um ar mais jovial. É um pouco estranho me ver com
algo assim no cabelo, mas talvez os pais de Brandon prefiram uma garota com um ar mais doce.
Brandon se atrasa uns vinte minutos por ter dormido demais. Não gosto de atrasos, mas o
fato de o almoço ser sobre a família dele não me faz querer discutir sobre pontualidade.
Assim que estamos no elevador e eu quieta demais, ele diz:
— Está tudo bem?
— Não gosto de atrasos, é só isso.
Nós seguimos para fora do elevador quando ele para no subsolo, onde fica a garagem.
Quando estamos próximos ao carro, Brandon circunda a minha cintura, me puxando para si ao
deixar um beijo no canto dos meus lábios.
— Você está linda — sussurra com um sorrisinho que faz o meu mau humor evaporar.
Sorrio também.
— Você também.
— Ah, é! Estou lindo? — pergunta enquanto se aproxima. — Me diga o quanto estou bonito,
meu anjo.
— Nossa, como você é arrogante.
— Um arrogante que tem uma namorada que odeia atrasos, uh?! — Ri contra minha boca,
beijando meus lábios e me fazendo sorrir ainda mais.
Brandon está vestido com uma camisa de botão bordô, que contrasta muito bem com o
castanho do cabelo. Hoje a barba está levemente rala, o que dá um ar mais velho para ele. É uma
versão diferente da que vi até hoje e me agrada.
Ontem Brandon e eu conversamos um pouco mais sobre nós. Entendi um pouco da história
dele com o hóquei e a determinação em ser um advogado de sucesso junto aos seus pais.
Contei a ele um pouco sobre a minha família, a história da minha mãe e de como estou com
Mag. Novamente, não falei demais sobre as pinturas, apenas explicando o quanto era importante
para mim me expressar através da arte. Brandon realmente não pareceu muito empolgado quando
tentei me aprofundar.
Ele abre a porta do carro para mim e, em instantes, estamos partindo para a área mais nobre
de Washington. Meu estômago parece dar uma festa quando os portões da mansão dos James se
abrem, há um jardim na entrada com um chafariz e algumas flores espalhadas pelo lugar.
Vermelho.
Muito vermelho no meio dos arbustos verdes e com resquícios de neve. Vejo rosas, tulipas e
gérberas. Todas em vermelho.
Brandon está com as mãos muito apertadas no volante e noto que quase não conversamos na
vinda até aqui. Não sou muito boa em ler pessoas e suas expressões corporais, mas pelo pouco
que sei, vejo que Brandon não se sente muito confortável. Eu nem sequer sei porque ele mora em
um apartamento com dois amigos ao invés da mansão a qual estamos nos aproximando.
Há alguma coisa aqui. Então assim que ele para o carro, eu coloco uma das mãos sobre a
dele, no volante. Ele vira o rosto para mim, com o maxilar travado e os olhos tensos.
— Vamos lá! — eu falo em um tom baixo. — Vai dar tudo certo.
Então Brandon sorri para mim de maneira calma, daquele jeito que eu gosto. Depois ele
aproxima o rosto do meu e encosta os nossos lábios.
— Obrigada por estar aqui — ele fala.
Como eu posso me encantar tão fácil por ele?
Olhando para o lugar em que Brandon mora, sei que não é algo esperado. Ele usa roupas
caras, dirige um carro que nunca tinha visto e parece transbordar dinheiro por todas as suas
escolhas. Mesmo com suas palavras falando sobre minha personalidade, não sei como será a
recepção dos seus pais.
E agora existe essa tensão com Brandon.
Será que ele e os pais não se dão bem?
Chacoalho a cabeça.
Não parece ser isso.
Eles conversaram no restaurante…
Ainda estou envolvida nos meus pensamentos ao sair do carro. Assim que Brandon para ao
meu lado, seguro firme na mão dele, notando como ele fica ainda mais nervoso ao se aproximar
da porta da casa.
No instante que cruzamos as duas portas da entrada do lugar, a mãe de Brandon
praticamente se joga nos braços dele e o beija no rosto tantas vezes que eu sinto vontade de rir.
No entanto, a voz dela me faz travar:
— Feliz aniversário!
Brandon está de aniversário?
A minha cabeça trabalha depressa, tentando assimilar a notícia. Mas que diabos… Por que
Brandon não me contou? Tento não parecer surpresa quando a senhora James me cumprimenta
tão empolgada quanto estava nos braços de Brandon.
Brandon só solta a minha mão quando o senhor James chega.
— Fico muito feliz que você tenha vindo com Brandon, Heaven — a senhora James fala.
Observo o corpo alinhado em um vestido de inverno com mangas compridas em tons nude.
As unhas grandes estão pintadas de vermelho, assim como os lábios. Há tantas joias nos dedos e
orelhas que eu fico tonta ao pensar no valor final deste conjunto.
— Oh, sim. Eu não poderia perder o aniversário dele, não é mesmo? — falo, um pouco
nervosa.
Ela engancha no meu braço e me guia até os fundos do lugar, falando incessantemente. Eu
consigo observar um pouco da grande sala que nós cruzamos. Há tantos móveis, lustres, vasos e
detalhes que eu me perco.
— Depois do que houve com a Julie, Brandon precisou ficar distante de tudo e estou tão
feliz por ele estar comemorando o aniversário depois de tanto tempo. Ele nunca mais voltou a ser
o mesmo garoto. — Ela suspira, agora me guiando até uma porta no fundo da casa. — Nunca
tinha visto ele sorrir como faz quando está com você, Heaven. — E sorri para mim.
O quê?
Julie?
Que infernos…
Meus lábios tremem em um sorriso nervoso e ainda estou tentando absorver toda
informação possível.
Quem diabos é Julie?
— Já está envenenando a Heaven contra mim, mãe? — Brandon surge ao meu lado, com um
copo de uísque nas mãos.
O pai dele vem atrás, com um copo nas mãos também e um charuto nos lábios. Eu
cumprimento o homem com um aceno e ele sorri para mim. Brandon segura na minha cintura
quando continuamos caminhando até um jardim nos fundos da casa.
Para a minha surpresa, há uma quantidade significativa de pessoas sentadas ao redor de
mesas dispostas ao redor de uma grande piscina. Olhares curiosos são lançados sobre nós e
começo a me amaldiçoar por estar usando uma roupa tão simples.
Um rapaz levanta de uma das mesas e caminha em passos largos até Brandon, que solta a
minha cintura para cumprimentar o homem, que aparenta ter uns trinta anos.
— Chris! — Brandon diz, abraçando-o.
— Bran! Quanto tempo.
Os dois sorriem um para o outro e conversam baixinho. Claramente me sinto deslocada no
meio desse momento. Minha cabeça ainda está tentando entender a tensão de Brandon e a mãe
dele joga essa bomba sobre meu colo. Quem é Julie?
Aperto as mãos umas nas outras e tento me encontrar em algo que não seja os olhares das
pessoas. Brandon segura na minha mão e me acorda do pequeno devaneio. Levanto os olhos para
ele e então ele me aproxima dele e do tal Chris.
— Essa é Heaven Williams, minha namorada — ele me apresenta.
Namorada. Isso parece tão estranho. Nunca tive um namorado.
— Uh. Não achei que fosse te ver namorando tão cedo depois, bom… Você sabe — o
homem comenta e assim que arregalo um pouco os olhos, curiosa, ele me analisa de uma forma
que me deixa inquieta. — Pelo menos escolheu bem.
Solto uma risada nervosa, olhando para Brandon como um pedido de socorro pelo idiota em
minha frente.
— Só não a solte muito por aí, cara. Esses olhos de gazela assustada deixam os leões
famintos.
Noto que Brandon tensiona os músculos dos braços e respira um pouco mais forte, como se
estivesse se controlando. Então os olhos dele encontram os meus e ele sorri.
— Não precisa se preocupar, Chris. Sei cuidar do que é meu.
Meus lábios se contorcem em um sorriso e mesmo que ele se mantenha ao meu lado
durante toda a festa, não consigo me sentir bem e relaxada.

O professor Romanov fala sobre o nosso trabalho final do curso de uma forma tão inspirada
que me deixa nauseada às oito horas da manhã.
Céus, como alguém fala com tanta calma?
Cruzo os braços e começo a observar os pontos que ele anota no quadro. Eu tenho apenas
três meses para elaborar uma coleção com diferentes formas de pintura e não consigo sair das
mesmas técnicas ou tentar algo novo. Quando tento, nada parece absolutamente bom.
Na real, eu jogo todos os meus sentimentos em uma tela e pronto. Nunca pensei precisar
pensar em uma coleção sobre algo. Como uma torneira, eu preciso abrir e extravasar. Sempre um
sentimento novo. Cada tela um conto. Nunca uma história.
— Já sabe o que vai produzir? — Rosie pergunta, baixinho.
— Não faço a mínima ideia — rebato, agora batendo os dedos na mesa. — Eu quero pintar.
Mas fazer uma coleção? Não consigo nem pensar em uma lista de compras no supermercado,
quem dirá uma coleção com doze quadros.
Ela ri baixinho.
— Eu vou esculpir. Argila, madeira, gelo e até mesmo em pedra branca — fala, orgulhosa.
Sorrio para a minha amiga, que tem os olhos brilhantes ao encarar o professor. Como eu
queria ter as coisas claras na minha mente como Rosie. Externei tanto os meus sentimentos nos
últimos tempos que me esqueci completamente da coleção final do curso.
Talvez uma coleção sobre sentimentos?
Definitivamente, não. Os meus professores amam a melancolia dos meus quadros, mas
jamais aceitariam uma coleção apenas sobre isso. É sempre triste e frio. John já tinha me dito que
eu teria que sair dos eixos dos quadros apresentados ao longo do semestre, que teria que
apresentar algo diferente. Algo novo.
Só que eu sou a mesma. Talvez um pouco mais bagunçada pela chegada de Brandon James e
o fim repentino com John, mas meu interior é o mesmo.
Quando a aula termina, coloco a mochila no ombro e espero Rosie levantar para
caminharmos para fora da sala de aula.
— Almoço?
— Uh, parece bom — falo para Rosie.
Cruzando a porta, eu logo o vejo. Brandon está encostado na parede do outro lado do
corredor com um sorriso nos lábios. Eu tento não suspirar, mas falho miseravelmente.
— Acho que você vai ser o almoço — Rosie assopra no meu ouvido, me fazendo rir. — Vou
convidar o Edward para comer algo. Vai lá! — Ela pisca para mim e parte junto com a multidão.
Vejo que alguns olhares são lançados para nós dois assim que me aproximo e Brandon
segura na minha cintura com ambas as mãos. Ele me beija rápido, apenas o suficiente para me
cumprimentar.
— Queria saber se você estava viva depois da sessão de terror de sábado — ele fala.
Eu rio baixinho.
— Viva e pronta para a próxima — falo, o maior tom confiante que consigo esboçar.
A festa em si foi péssima. Os pais de Brandon eram excelentes, mas as pessoas…
definitivamente, aquele não era o meu lugar. Brandon me aperta mais contra o corpo e sussurra
no meu ouvido:
— Vamos para o meu apartamento?
Aperto as mãos em volta do braço dele e suspiro baixinho.
— Estágio.
— Ah... — ele fala, manhoso. — Posso te pegar aqui depois do estágio? — Se afasta um
pouco.
— Acho que sim.
— Então que tal um almoço antes do seu estágio? Hum?
— Pizza? — pergunto, animada.
— Eu tinha pensado em comida italiana. Pizza se encaixa perfeitamente.
— Ótimo.
Acho que a definição de restaurante para almoçar de Brandon é muito diferente da minha.
Ele me leva a uma das cantinas italianas mais famosas de do centro de Washington para um
almoço em plena segunda-feira. Eu me amaldiçoo por me importar com a roupa que estou
vestindo, apesar de Brandon ficar falando como eu estou linda dentro desse jeans que, segundo
ele, deixa a minha bunda grande.
Quando estamos sentados, já à espera dos nossos pedidos, Brandon segura na minha mão por
cima da mesa e sorri.
— Acho que os meus pais gostaram de você.
— Espero que sim. — Sorrio fraco.
Ele aperta mais a minha mão com um olhar animado.
— Espero que você não tenha se sentido incomodada com os meus familiares e amigos da
família. Eles são insuportáveis e inconvenientes… acho que o mais inconveniente de todos foi
Chris. — Ele rola os olhos. — Ele não tirou os olhos de você à festa inteira.
— Depois da forma como ele falou comigo, olhar para mim é o menor dos problemas. Ele
me chamou de gazela.
Brandon torce os lábios.
— Christopher sempre foi um idiota.
— E pelo visto, é seu amigo — acuso, e ele não diz nada. Querendo mudar o clima estranho
que fica, digo: — E porque não me contou que era seu aniversário?
— Não gosto de aniversários — fala, tamborilando os dedos na mesa e olhando fixamente
para os dedos. — Coisas do passado.
Ok, ele parece não querer falar sobre isso.
— Tudo bem. Não precisamos falar de aniversários então — falo, agora fazendo um carinho
em sua mão. — Semana que vem tem uma exposição muito importante na galeria central da
Academia — eu falo, e ele levanta o olhar para mim. — Algumas obras importantes, de artistas
renomados...
— Às vezes eu esqueço que você faz essa coisa com artes — ele diz, com um sorriso
pequeno nos lábios.
Solto uma risada estranha.
É sério? Ele esqueceu isso?
— Enfim… — Limpo a garganta. — Queria que você me acompanhasse.
— Tudo bem. Podemos fazer isso.
Uma exposição a caminho é algo grandioso. Eu e John trabalhamos incessantemente nos
dias que se passaram e, na tarde desta quarta-feira, ficamos envolvidos durante três horas além
do horário previsto para encerramento do estágio. Os últimos detalhes exigiram mais empenho
para ficarem perfeitos e ficamos extremamente felizes com a organização de tudo.
Como nosso trabalho estava acumulado, John precisou que Luna ficasse na sua sala com a
gente por algumas horas. Achei engraçado como a pequena e eu nos demos bem e comemos,
juntas, cupcakes de mirtilo. Era engraçado pensar e ver como eu e a filha de John nos demos
bem. A forma como ele olhava para nós duas me fazia pensar se Brandon realmente estava
vendo coisas ou se ele me olhava de uma maneira diferente. Porém, eu via algo como tristeza
naquele olhar. Brandon realmente não estava errado sobre John me olhar de uma maneira
diferente, porém, me incomodava a forma como ele encarava a situação. Assim como a do
almoço com a família no outro dia.
Chacoalho a cabeça, nervosa sobre as lembranças do final de semana e da última conversa
que tive com Brandon quando saímos para almoçar. Por sorte, meu humor está ótimo, já que
John havia me prometido colocar uma das minhas telas na exposição. Para a minha grande
surpresa, ele escolheu a tela que fiz depois que conheci Brandon: a névoa. Na verdade, ela não é
sobre Brandon. É sobre mim. É sobre o que eu estava sentindo desde que ele entrou na minha
vida.
Minhas últimas seis telas estão enroladas entre minhas mãos e meu coração parece calmo,
apesar dos pensamentos conflitantes sobre Brandon. Espero que a tela seja vendida e isso me
deixe ainda mais contente, porque, caramba, eu preciso de dinheiro para o próximo mês.
Hoje, sinto que meu corpo está mais leve do que nos dias anteriores, isso se dá ao fato de
estar levando as telas para longe de mim. Quando eu digo que elas são minha terapia, eu falo a
verdade. Externo e coloco para fora. E sempre que os sentimentos são passados do meu corpo
para a tela, eu os quero longe de mim. E sinto que se fico perto delas muito tempo, o sentimento
pode voltar. E não externo coisas boas nas telas. Então eu as quero em outros ambientes que não
seja comigo.
Assim que entro na galera, com dificuldade, tento equilibrar as telas ao caminhar. Um
maldito desavisado caminha e quase esbarra em mim.
— Tom! — falo quando cruzo a porta com a sineta barulhenta.
O senhorzinho que mais parece uma versão do Olivaras do Harry Potter sai de trás do balcão
com um sorriso empolgado. Ele observa as seis telas que eu coloco em cima da sua mesa.
— Consegui vir antes — falo, agora respirando pesadamente pelo esforço. — Aqui estão.
Seis delas. John escolheu uma e trouxe todo o meu estoque.
— Garota, você parece uma máquina quando está inspirada — ele fala, abrindo a primeira
tela com cuidado e sorrindo ao ver o resultado. — Eu gosto das suas cores, Heaven — Tom
começa a divagar enquanto continua abrindo as outras telas em cima da mesa. — Olhe isso... —
Ele aponta para a última tela que pintei na noite que descobri sobre a morte da vovó. — Eu
queria saber o que se passa em sua mente enquanto você pinta. — Ri baixinho.
— Não queira, Tom — alerto, agora caminhando até uma pequena mesa ao lado da porta
principal. Pego um copo térmico e aperto na garrafa, me servindo de café. — É uma bagunça. E
das grandes. — Assopro o líquido quente e bebo um gole sutil.
— Você é um inverno intenso, Heaven — ele fala, segurando uma tela com ambas as mãos.
— Sempre com o céu nublado e escuro.
Eu me sento em uma das poltronas e fico observando o senhor analisar as minhas obras com
tanta devoção que acho engraçado.
— Acho que sim, Tom. Acho que estou esperando quando vou me tornar primavera e florir.
— Suspiro, olhando para a rua e lembrando que o inverno, infelizmente, está no fim. — Acho
que o meu outono foi tão rápido que só senti quando as folhas caíram e o inverno chegou.
— Querida, logo as suas flores vão nascer e o verão chegará…
Sinto meus lábios formarem um sorriso espontâneo.
— Estou esperando o inverno acabar faz anos, Tom. — Mordo o lábio, evitando que ele
trema. — Acho que esse meu inverno está se tornando mais intenso, gelado e frio.
Pelo vidro, observo os flocos de neve tomarem conta da base da janela de vidros da entrada
da loja. Os flocos se acumulam ali e a chuva branca começa a ficar mais intensa. Não sei quanto
tempo eu fico ali, perdida com o olhar na imensidão branca, até que a voz de Tom me desperta.
— Vamos acertar o valor final das últimas vendas? Consegui vender aquele último quadro
nesta semana para um comprador em potencial. Ele perguntou mais sobre o seu trabalho.
— Claro. Eu tenho um namorado caro e preciso de dinheiro para manter o padrão dele de
restaurantes.
— Como é? Garota, vamos lá, me conte sobre isso! — Ele ri enquanto se acomoda na
cadeira.
Sorrio para Tom e me divirto com seus comentários durante a próxima hora.
Depois de acertar as minhas últimas vendas, chego no metrô com dificuldade, já que a
nevasca está forte. Pego o meu telefone na mochila e me amaldiçoo ao ver que já são dez da
noite e existe uma quantidade gigante de chamadas com o nome de Brandon.
Disco o número dele com pressa.
— Finalmente. — Ele bufa do outro lado da linha. — Heaven, eu estava preocupado!
— Eu sei. Desculpe — falo, respirando alto. — Eu saí do estágio e esqueci de avisar.
Ele respira alto e eu não respondo, com os olhos atentos na janela do metrô. Por que estou
me sentindo tão estranha pela forma como ele está reagindo? Caramba, eu apenas esqueci.
— Onde você estava? — pergunta.
— Hum... em uma galeria de arte — respondo, mordendo os lábios. — Eu me perco no meio
das obras. Desculpe.
Ele demora a responder e sinto o meu peito comprimir ao pensar que o deixei preocupado.
— Ok. Estava te esperando, mas enfim. Estou indo para casa — fala, visivelmente chateado.
— Você ainda quer fazer algo hoje? — pergunto, receosa.
— Sim — responde. — Com essa neve, eu acho que as ruas vão ficar uma merda — ele diz.
— Você quer ir lá para casa?
— Já estou a caminho — respondo ao mesmo tempo me repreendendo, havia combinado
com Rosie e Ed de comer uma pizza.
Digito uma mensagem pedindo desculpas para os dois e corro até o apartamento de Brandon.
Quando ele abre a porta do apartamento para mim, consigo ver uma sombra de desapontamento
nos seus olhos. Eu sorrio fraco, ficando na ponta dos pés para lhe dar um beijo.
Ele fecha a porta atrás de mim e segura na minha mão, me guiando para as escadas do
mezanino. Só que os barulhos do quarto de Dylan acabam me chamando atenção e eu franzo o
cenho
— É sempre assim? — pergunto.
Brandon me olha por cima do ombro.
— Todos os dias depois do treino, ou depois de alguma festa.
Mordo o lábio e reprimo o comentário que quase me escapa pela boca. Eu não gosto desse
comportamento rondando a vida de Brandon. Na verdade, qual namorada se sente bem com uma
garota diferente desfilando por dentro da casa do seu namorado todos os dias? E o pior disso é
que, alguns dias atrás, Brandon também era assim.
Ele abre a porta do quarto e eu entro com ele no cômodo.
— Brandon, me perdoe por não ter respondido. Eu entro em um universo à parte com as...
Não consigo terminar a frase. Brandon arrasta a boca pelo meu pescoço e me segura firme na
cintura. A língua quente desliza pela pele exposta e ele começa a tirar o meu casaco pesado.
Eu acho que precisamos conversar sobre o mau humor dele e o excesso de mensagens para
saber onde estou a todo instante, mas não consigo pensar quando nossas línguas entram em
contato e sinto o sabor do cigarro misturado com algo alcoólico. Uísque, talvez.
Brandon caminha comigo na direção da cama e afunda a cabeça na curva do meu pescoço ao
distribuir beijos molhados na minha pele enquanto que aperta o meu corpo entre as mãos.
— Nunca mais me deixe sem saber onde está, sim? — pergunta e eu não consigo pensar com
ele me mantendo desta forma. — Fiquei quase louco com isso.
Deixo minha cabeça tombar para trás e sinto uma pressão no ventre aumentar. Brandon
morde o meu ombro, reprimindo um gemido. Os dedos dele sobem do meu quadril para a minha
nuca, fazendo meu corpo todo se arrepiar com o toque. Ele beija o meu rosto e sorri contra a
minha pele enquanto faz com que eu ignore qualquer conversa e me concentre apenas no que ele
faz com o meu corpo.

Ser a namorada de Brandon James é algo sufocante às vezes. Neste instante, por exemplo, eu
estou ouvindo o professor John e o professor Romanov elogiarem os meus quadros enquanto
observo, de longe, Brandon conversar com uma mulher que insiste em tocar no braço dele. Eles
estão parados na frente de uma das pinturas da exposição. Eu seguro a taça de vinho com mais
força do que deveria e talvez isso me garantirá um machucado feio se eu não parar. Caramba,
não sou esse tipo de pessoa.
O que está acontecendo comigo?
Chacoalho a cabeça e encaro meus professores.
— ... espero que nos surpreenda no final do curso, senhorita Williams. Estamos apostando
muito no seu talento — o professor Romanov diz.
— Espero que vocês gostem do que estou preparando — minto, descaradamente.
— Tenho certeza que será incrível, Heaven — John pontua com um sorriso tímido nos
lábios.
Ele leva a taça aos lábios e vejo o brilho da aliança refletir novamente. Já estive acostumada
com o John-casado e agora o John-casado de novo estava me causando uma certa estranheza. A
mão pesada de Brandon surge na minha cintura e eu olho para o lado, encontrando um sorriso
estampado para mim.
— Senhor James! — o professor Romanov fala. — Não sabia que estavam juntos.
Brandon sorri e me aperta mais contra o corpo dele com um olhar ferino para John. Não
deixo de notar e isso me deixa inquieta, ignorando o fato que Brandon conhece um dos meus
professores.
Meu namorado me prende um pouco mais para si, beijando minha têmpora e tento sorrir,
mas me sentindo estranha pela forma como ele está fazendo isso na frente de todos.
— É recente, professor Romanov — diz, agora virando o rosto para mim. — Para minha
sorte, eu fui insistente, porque a senhorita Williams agiu quase como um touro a ser domado. —
Ele ri da própria comparação.
Rolo os olhos, segurando na mão dele para sairmos.
— Com licença, professores.
O guio por entre os quadros até um lugar um pouco mais reservado. Coloco a minha taça
vazia em cima de uma das mesas e Brandon esvazia a dele antes de deixá-la ali também. Eu paro
na frente dele, cruzando os braços.
— O que foi aquilo?
— Hum? — pergunta, colocando a mão na minha cintura. — O que, meu anjo?
— Essa demarcação de território quando eu estou perto do John — falo, cerrando os dentes.
— Eu não fico em volta de você quando as mulheres praticamente se jogam em cima do seu
corpo e você fica sorrindo.
A declaração faz com que eu me odeie um pouco mais. Eu nunca fui insegura. Brandon
levanta as sobrancelhas e pisca algumas vezes antes de rir baixinho e tocar a pele exposta do meu
pescoço, já que o meu cabelo está preso em um coque perfeito com alguns fios soltos. O meu
vestido preto de alças finas e uma abertura generosa nas costas foi um presente de Brandon, que
insistiu que eu estivesse elegante na exposição.
Ele aproxima o rosto do meu e roça os lábios pelos meus, as mãos descendo pelas minhas
costas nuas e estremeço com o toque.
— Eu não entendo muito sobre arte, meu anjo — fala com a voz rouca. — Eu só sei que
você é a obra mais linda dessa noite — ele arranha a voz, me causando um arrepio de excitação.
Seguro nos braços dele com força.
— Brandon... — falo, tentando manter a voz estável. — Precisamos voltar para o centro da
exposição.
Ele ri contra a minha pele e se afasta, segurando na minha mão. Brandon toma a frente.
Quando cruzamos o primeiro corredor, ele abre uma porta lateral do salão e adentramos um
corredor escuro. Olho para trás, a fim de ver se alguém está nos seguindo. Nada.
— Brandon! — protesto, aflita. — Brandon, eu preciso voltar.
— Shhh. — Ele vira para trás apenas para sorrir e falar: — Vamos nos divertir.
A mão dele pende para uma maçaneta, onde empurra a porta com força. Brandon me leva
consigo assim que entra na sala. Tento encará-lo, mas a escuridão da sala é extrema. Ele bate os
lábios nos meus quando tranca a porta. E me afasto dele.
— O que estamos fazendo?
— Não é óbvio? — ele fala, risonho. — Eu não estava mais aguentando aquela exposição
chata.
Não são todas as pessoas que estão preparadas para a arte e eu, claramente, não tive tempo
para ser prestativa e explicar a ele a importância de cada quadro exposto ali, mas Brandon ao
menos se interessou. Me lembro então da cena da garota conversando tempo demais com ele
raiva cresce em meu peito.
De algum modo, sei que estou ignorando algumas coisas as quais Brandon tem me deixado
inquieta. Não tive grandes exemplos de relacionamentos, mas acho que conversas são
importantes. Porém, existe essa pergunta que tenho me feito às vezes: eu devo aceitar esse
comportamento dele? Entre o ciúme e o excesso de preocupação onde estou?
Não sei, mas talvez isso faça parte do amor.
Eu estou sentada no topo do prédio do bloco em que estudo. Eu gosto de sentar com os pés
para fora do prédio e olhar o movimento dos estudantes. Hoje, em particular, eu estou aqui
curtindo o horário de almoço em plena sexta-feira
Tento delinear uma coloração verde para a tela em realismo que estou trabalhando, mas
minha cabeça parece uma grande confusão. Talvez a neve que cai sobre Washington, mesmo que
sutil, esteja nublado a cor nos meus pensamentos. Pego a câmera polaroid que eu tanto gosto e
faço uma foto do campus. A foto cai da máquina e eu observo. Nada inspirador.
De uma forma estranha, meu corpo está ficando ansioso. Há duas semana que estou sentindo
uma piora. Duas semanas a menos para trabalhar em cima do meu trabalho de final de curso e os
quadros continuam tão obscuros quanto antes.
Tirando isso, os problemas estão longe de acabar. Brandon está incrivelmente irritado nos
últimos cinco dias, graças ao jantar da empresa dos pais dele, que acontecerá em poucos dias. Eu
disse que poderíamos não ir, mas ele insistiu.
O resultado disso tem me deixado mais irritada a cada momento. Para a minha sorte, os
sinais da primavera começaram a surgir com o fim de fevereiro. Secretamente, essa é a minha
estação favorita e volta e meia eu venho me perguntando como os James conseguem manter
flores vermelhas no inverno. Talvez seja uma linhagem de flores mutantes, ou algo assim. Não
duvido nada da família de Brandon, principalmente a julgar o dinheiro que eles têm.
Outro fator importante para a minha ansiedade está dentro da minha pasta. Uma carta de
demissão do meu estágio com o senhor Young. O que para mim parece ridículo, mas que fez total
sentido quando a esposa dele descobriu sobre o nosso caso. A bomba estourou quando ela
encontrou algo no apartamento e Alma o colocou contra a parede.
O clima está terrível e quando eu fui desabafar com Brandon sobre estar ansiosa sobre isso,
ele me deu apoio para pedir demissão. Eu sei que ele odeia o fato de eu estar estagiando com
John por conta de ciúmes e mesmo que sem saber do caso que tivemos, Brandon está cada vez
mais incomodado. Ele sempre me leva até a porta da sala e me busca no horário estabelecido.
Mas nunca fala sobre esses ciúmes, mesmo eu sabendo da existência deste. E então tudo isso
aconteceu.
Eu gosto de John.
Eu gosto de ser aluna dele.
Eu gosto do apoio que ele me dá.
Mas as nossas vidas pessoais estão envolvidas demais e talvez um ponto final melhore os
nossos relacionamentos amorosos. Saio do parapeito do prédio, segurando as pastas e coloco a
câmera na mochila enquanto caminho para a escada de incêndio do prédio. Abro a porta pesada e
desço pelas escadas em passos rápidos. Eu preciso encarar isso como um curativo. Tirar rápido
para sentir menos dor.
Abro a porta da sala de John e ele está com os olhos fixos no computador.
— Heaven — ele fala, sem tirar os olhos da tela. — Eu terminei os agradecimentos do livro.
Queria a sua opinião.
Eu sorrio fraco, caminhando na direção da mesa com a carta entre os dedos trêmulos e
suados. Contorno a mesa e paro ao lado dele, apoiando as mãos em cima da madeira. Meus olhos
escorrem as palavras.
— Heaven, o que é isso?
Levanto os olhos. Vejo John com os olhos fixos no papel que eu carrego na mão e que agora
está em cima da mesa. Solto o papel e tomo postura, dando um passo para trás.
— John. Eu acho que essa é a melhor coisa que podemos fazer — falo, sem olhar para os
olhos dele.
— Não, Heaven — ele diz, levantando-se da cadeira. — Eu sei que as coisas com a Alma
estão complicadas, mas elas vão melhorar...
Levanto os olhos para ele.
— Ela tem ciúmes, John — falo, mordendo o lábio. — Eu não acho que podemos seguir
com isso pelo bem da sua família. Sinto muito.
Ele respira pesado, deixando as mãos caírem ao lado do corpo. Sinto meu peito apertar
quando ele dá um passo para a frente e sorri fraco para mim.
— Você sempre teve a cabeça mais no lugar do que eu, sweetheart.
Sorrio para ele também, agora indo ao seu encontro e abraçando-o. Ele afaga os dedos nos
meus cabelos e suspira contra eles.
— Mesmo que tenha sido breve, você foi a melhor coisa que me aconteceu em algum tempo
— ele diz, agora com a voz embargada, enquanto segura o meu rosto, ainda próximo de mim e
me olhando de uma forma quase apaixonada.
Só que dizer adeus é complicado, independente da relação. E hoje nós estamos nos
despedindo.
— Que merda é essa?
Eu e John nos soltamos na hora que a voz de Brandon invade a sala. Engulo em seco ao vê-
lo parado na porta, com a mão na maçaneta e apertando tanto que as mãos ficam brancas. Eu dou
um passo para trás, alternando o olhar entre John e Brandon.
Olho para ele, que está jogando a mochila no chão e caminha pesadamente até onde nós
estamos. O que diabos Brandon faz aqui?
— Brandon — eu protesto, tentando me colocar na sua frente.
— Nunca mais toque nela, seu velhote — grita.
Brandon já tinha visto eu e John nos abraçarmos, mas isso é diferente. Coloco as mãos no
peito dele e tento pará-lo. Ele não parece sentir minha força, já que avança para cima de John e o
segura pela gola da camisa antes de desferir um soco no seu rosto.
Eu grito no instante que John é arremessado para o chão.
— Brandon, para! Pelo amor de Deus! — eu peço, sentindo meus olhos arderem com
lágrimas. Eu me agacho, tentando tirar Brandon de cima de John.
Ele bate em John.
Uma. Duas. Três vezes.
Meu corpo treme em desespero e não sei o que fazer. Tento me aproximar, mas o cotovelo
de Brandon quase me atinge. Continuo gritando, desesperada, para ele parar enquanto meus
olhos vertem lágrimas.
Não acredito que Brandon está fazendo isso.
Não posso…
A sala é invadida por alguns garotos, entre eles Dylan. Eles seguram Brandon e alguns
ajudam John. Caminho de costas na direção da saída, assistindo aquela cena. Brandon parece um
animal e John está sangrando. Meu corpo todo treme e eu sinto que vou sufocar.
— John, me desculpe, eu… — tento falar.
John alterna o olhar entre o meu rosto e o de Brandon, parecendo decepcionado. Algo
acontece no meu coração quando o vejo me olhando desta forma. Vergonha toma meu coração e
John apenas murmura:
— É melhor você ir.
Mesmo que Brandon esteja gritando e Dylan também, seguro minha mochila que está em
cima do sofá e continuo na direção da porta até que, ao olhar para trás, encaro Brandon. Acho
que ele, então, consegue ver o desespero nos meus olhos. Eu nego com a cabeça quando leio em
seus lábios “meu anjo”.
Giro nos calcanhares e corro para fora da sala, descendo pelas escadas com dificuldade por
conta do tremor do meu corpo. Chego no hall de entrada do prédio e olho para os lados. Escuto a
voz de Brandon e sequer olho para trás. Corro até um táxi e me enfio dentro do carro.
— Por favor, me tira daqui! — eu falo para o motorista.
O motorista busca os meus olhos pelo retrovisor e eu deixo as lágrimas correrem pelos
olhos, apertando a mochila com força. Quando o carro toma velocidade, eu viro o rosto para trás,
vendo Brandon tentar correr ao encontro do carro enquanto grita o meu nome.
Só preciso fugir para esquecer. E talvez esse seja o problema porque nos últimos tempos,
quem me fez esquecer de tudo foi ele.
Minha cabeça se mantém apoiada no vidro do carro e abraço meu corpo. Desligo o telefone
depois que as chamadas de Brandon se tornarem uma tortura. Não posso ir para casa porque ele
provavelmente estará lá me esperando e Mag está viajando novamente. Não posso ir para a casa
de Rosie e Edward porque já faz alguns dias que nós não saímos juntos, o que me causa dúvida
sobre a rotina deles.
Eu não tenho para onde correr.
— Garota? — o motorista diz, me chamando atenção. — Eu preciso saber se você precisa ir
até uma delegacia ou algo assim.
Nego com a cabeça, limpando as lágrimas dos olhos. O carro para no sinal e ele vira para
trás, me estendendo um copinho lacrado de água.
— Toma. Isso pode ajudar.
Eu assinto com a cabeça e murmuro um “obrigada” quase sem som. Brandon não é daquele
jeito. Ele nunca foi violento. Eu estava abraçada em John. Apenas isso. Abro a água e bebo um
gole generoso. O motorista ainda roda sem rumo. Então eu penso no único lugar que me faz
sentir em casa além de Brandon, Mag, Rosie e Ed.
— Por favor, me leve até a Touchstone Gallery.
O táxi logo encontra o rumo e a sombra de um sorriso se faz nos meus lábios quando
adentramos o centro. O carro para na frente da galeria e eu pago o motorista, agradecendo sua
paciência comigo. Desço do carro e fungo mais uma vez, agora tentando esboçar um sorriso ao
cruzar a porta.
Os olhos atentos de Tom me encontram. Sem perguntar nada, ele sai de trás do balcão e
corre ao meu encontro. Ele me abraça e eu deixo escapar uma única lágrima dos olhos.
— Do que você precisa? — ele pergunta, um pouco confuso.
Eu sorrio fraco, sentindo o lábio tremer.
— Você pode me fornecer a sala dos fundos? — pergunto, e ele parece confuso. — Só
preciso tirar isso de mim — digo, os lábios trêmulos.
Tom sorri de uma forma estranha, segurando na minha mão e me guiando até os fundos da
galeria, onde algumas salas para aulas estão dispostas. Nós adentramos a um corredor claro com
as portas das salas. Engulo em seco quando ele abre uma das portas para mim e espera que eu
entre.
— Vou pedir para a Emery preparar os biscoitos e trazer para você.
Olho para ele por cima do ombro e sorrio fraco.
— Obrigada Tom.
— Se precisar de qualquer coisa, me avise. Tem um pouco de tinta a óleo nos armários e
telas brancas nas paredes — explica.
Jogo a mochila no chão e acendo a luz. Uma sala espaçosa com paredes cinza gelo. Existem
telas de todos os tamanhos encostadas nas paredes e um pequeno armário me mostra uma
coleção incrível de tintas. Os pincéis estão milimetricamente alinhados no suporte da parede e
um único cavalete está no centro da sala.
Tiro as minhas botas e o cachecol em seguida.
Eu ainda sinto a presença de Tom na porta, como se quisesse ter uma segurança. Uma
segurança do que está acontecendo. E, na verdade, nem eu sei direito. Estou assustada e
envergonhada.
— Você me perguntou o que se passa na minha mente quanto pinto — digo, me
aproximando da tela que está no cavalete no meio da sala e tocando ela com a ponta dos dedos.
— Eu me penso e me inspiro no que sinto. Geralmente não são coisas boas, e hoje… estou
sentindo algo novo.
Nunca pintei com temor e vergonha.
Então Tom encosta a porta.
Caminho até o armário de tintas e escolho aquelas que sinto meu corpo emanar: roxo, verde
oliva e marrom. Escolho os pincéis e coloco tudo em uma pequena mesa ao lado do cavalete.
Desligo as primeiras lâmpadas do ambiente, deixando o cômodo à meia luz.
Tom aparece com uma garrafa de café, caneca e biscoitos cheirosos.
Pego o pequeno Ipad na bolsa e escolho uma música. “Voyeur” do Baths tem um tom
melancólico que bate no meu peito. À cada toque do baixo, espalho a tinta pela tela antes em
branco. Passar o sentimento para a tela me faz ficar quase neutra. Eu preciso me abster do medo
de Brandon. Aquele não era ele. Não pode ser. O que tinha acontecido para ele se tornar isso?
Ou isso sempre foi ele e eu não vi?
Não penso muito quando começo a pintar, só deixo fluir enquanto limpo a minha mente. Mal
noto ao colocar novas cores em cima da mesinha. Os movimentos rápidos do pincel se
intensificam quando a música toma uma entoação mais pesada. Vermelho está ali, mais uma vez.
O preto também volta.
O repeat começa e, pela primeira vez, almejo alguma mudança sobre minhas telas, mas
então… então lembro dos olhos de Brandon e daquela troca de cores intensas. Os meus dedos se
sujam pela agressividade das pinceladas.
Não me importo.
Na tela, um mar escuro com céu vermelho.
Os traços se tornam fortes.
Brandon socando John.
Rápidos.
A fúria de Brandon.
Cada vez mais rápidos.
A decepção no rosto de John.
Droga.
Jogo o pincel no chão e arranco a tela do cavalete, arremessando-a contra a parede. Com a
respiração pesada, eu encaro o quadro quebrado com sua tinta vermelha escorrendo para o chão
da sala. Solto uma risada nervosa da minha atual situação e apoio minhas costas na parede. Me
sinto afogando em um mar revolto por Brandon James.
E, de algum modo, sei que não consigo odiá-lo. Afinal, eu estive escondendo dele sobre John
e eu esse tempo todo. Brandon estava inseguro e eu não me abri o suficiente. É isso.
Depois de uma crise de raiva e quebrar o meu primeiro quadro, limpo a bagunça e volto a
encarar outra tela branca. Desta vez, eu escolho outra música. Algo mais calmo e inspirador. Não
quero quebrar mais uma tela de Tom.
Com uma xícara de café na mão e os pés em contato com o chão frio, deixo com que o
pincel se mova de forma sutil na tela. Cinza gelo com vermelho. Flores vermelho-sangue.
Sangue pingando das flores. Eu tento tornar tudo isso poético de uma forma bizarra, já que estou
conseguindo aprofundar um pouco de realismo aqui. Porém, por que não consigo a maldita
paisagem?
“Meant to Stay Hid” do SYML soa baixinho o suficiente para que consigo ouvir Tom ou
Emery se aproximar pelo corredor e abrir a porta devagar. Não paro de pintar.
Bebo o resto do café da xícara e a coloco sobre a mesa ao meu lado. Avalio mais uma vez a
tela e meus dedos encontraram o tecido da tela em uma tentativa estúpida de fazer um sombreado
na pequena flor que eu tento tornar mais real. Marrom combinou bem. Afasto um pouco do
corpo da tela e avalio os detalhes do meu novo quadro.
— Gostou? — pergunto.
— Eu acho que esse é o meu favorito.
Essa voz não é de Tom e nem de Emery.
Eu não conheço a voz.
Viro o rosto para a porta da sala. Não consigo ver quem está ali, envolto à escuridão.
— Hum. Oi?
Reajo de maneira estranha, já que não costumo ser observada criando. O homem acende a
luz. Eu pisco algumas vezes, tentando me acostumar com a claridade.
— O meu nome é Alexander Reeves. — Tento focar no rosto dele. — Eu tenho comprado
seus quadros. É um prazer te conhecer.
Assim que meus olhos encontram o rosto do homem, um sorriso idiota se faz no meu rosto.
— Alex?
Ele me olha confuso, esquadrinhando o meu rosto. Em instantes, ele também sorri. Não
posso acreditar que o loiro está na minha frente porquê… caramba, faz pelo menos dez anos que
eu não o vejo.
Alex e eu fomos amigos no Colorado. Brincávamos juntos até altas horas da noite e talvez
ele tenha sido o meu primeiro amor. Temos a mesma idade, mas, mesmo assim, ele sempre me
viu como uma irmã mais nova.
— Heaven?
— Caramba! — falo, saindo do banco de madeira que eu estou sentada e indo de encontro ao
abraço de Alex.
Por um instante eu penso que isso é errado. É errado depois que Brandon ficou tão
enlouquecido ao me ver abraçando John. Tento desistir do abraço, mas Alex é mais rápido em
circundar a minha cintura com seus braços e me abraçar forte.
— Céus, Heaven. Quanto tempo! — fala, risonho e soltando meu corpo.
Dou um passo hesitante para trás, colocando uma mecha para trás do cabelo e sorrindo sem
jeito.
— Você é a artista misteriosa que está praticamente dando vida a casa do meu irmão. Que
ironia! — Ele ri. — Eu não te vejo há uns... nove anos?
— Acho que dez. — Solto uma risada baixinha. — O que faz em Washington? Desistiu do
Colorado?
Ele coloca as mãos nos bolsos do casaco e dá de ombros, rindo.
— Estou aqui na casa do meu irmão, ele está precisando de uma companhia. Ainda moro por
lá.
— Uh. Interessante — falo, tentando me lembrar do que ele falava quando crescer.
— E você? Além de uma artista incrível, o que tem feito?
— Estou fazendo um curso de arte e tenho vendido algumas pinturas. — Aperto os lábios em
um sorriso fraco.
Nós ficamos em um silêncio constrangedor por alguns instantes enquanto encaramos um ao
outro.
— Eu soube da sua avó.
— Ah, sim… — Comprimo os lábios, nervosa.
— Bom, eu quero o quadro — ele fala, apontando para a tela recém pintada. — Nos últimos
tempos a única reação de felicidade que vejo no rosto de Anker é quando chego com quadros
para a casa mórbida.
Solto uma risada estranha com a constatação.
— Não sabia que você tinha um irmão.
— É do primeiro casamento do meu pai — explica.
— Claro. Então o quadro é um presente.
Ele ri, sem graça.
— Você pode fazer uma pequena dedicatória ou seria pedir demais?
— Você sempre foi um folgado… — resmungo e ele ri.
Faço menção de ir até a tela, mas então eu lembro que preciso deixá-la secar para assinar.
— Preciso esperar algumas horas para ela secar, aí poderei assinar. — Olho rapidamente
para ele.
— Ótimo. Podemos tomar um café enquanto isso.
Penso novamente em Brandon. O que ele poderia fazer caso me visse com Alex em uma
lanchonete depois do que aconteceu hoje? Já passa das cinco horas e com certeza ele deve estar
me enchendo de mensagens sobre o meu paradeiro, como sempre faz neste horário.
Só que a minha coragem grita mais alto do que meu medo.
— Acho incrível — digo, pegando meu cachecol. — Aqui na quadra tem uma cafeteria
ótima. Eles servem uma torta de maçã incrível.
— Não me diga que é aquela na rua de trás…
Eu sorrio.
— Essa mesma.
— Anker é apaixonado por tortas e sempre levo uma para ele. Vamos lá!
Então o acompanho após me despedir de Tom e prometer que estarei de volta amanhã para
lidar com a bagunça. Enquanto caminhamos, parece que sou transportada a uma parte tão
inocente da minha infância que é como estar voltando para casa. Alex continua o mesmo risonho
e sonhador. Nós chegamos no café que ambos comentamos e nos enchemos de torta de maçã e
cafés quentinhos.
Conversar sobre o nosso passado me acalma o peito.
Por diversas vezes, eu vi Alex esquadrinhar meu rosto com seus olhos claros e eu sorri como
resposta. Sinceramente, não sei corresponder aos olhares curiosos dele. Após estarmos
devidamente alimentados e com o rosto doendo de tanto rir, Alex pega o telefone que vibra
incessantemente em cima da mesa.
— Droga, eu estou atrasado — ele fala, apertando os lábios e me encarando. — Você se
importa de levar o quadro para mim na casa do meu irmão?
Sinto as bochechas aquecerem com o comentário. Abaixo o olhar e coloco uma mecha de
cabelo para trás da orelha, tentando parecer o mais natural possível.
— É, hum, você não consegue buscar na Galeria?
Ele solta uma risadinha, me fazendo olhar para ele por cima dos cílios.
— Você ainda fica do mesmo jeito quando está sem graça, Heaven — ele fala. — Quero que
você vá até lá para poder autografar os outros quadros.
— Nossa... Eu me senti uma artista famosa agora.
Ele chama um garçom e pede uma caneta. Alex anota o endereço em um guardanapo, bem
como seu telefone.
— Estarei em casa na segunda-feira às seis horas — ele fala, agora levantando o olhar para
mim e me estendendo o papel dobrado. — O que acha de marcarmos um jantar? A lasanha da
senhora Gilbert não é tão caseira quanto a da minha mãe, mas confesso que é muito boa.
Nossa, pensar na lasanha da senhora Reeves me faz ficar eufórica. Balbucio algumas
palavras, sem conseguir dizer nada, me sentindo nervosa. Agora que estou oficialmente sem
estágio, não tenho como preencher meu tempo à tarde e à noite além do trabalho. Além disso,
esse costuma ser o horário que Brandon geralmente me convida para fazer algo.
Eu devo ir até lá?
Me pego concordando e nós dois nos levantamos. Caminhamos até o caixa e pagamos a
conta, devidamente dividida em cinquenta por cento de cada. Assim que paramos na entrada do
café, Alex faz sinal para um táxi.
— Até a próxima semana, Heaven.
— Até! — falo, observando-o entrar no táxi e sair dali.
Alex, sempre sorridente, me lança um aceno com a mão de dentro do carro. É bom me sentir
em casa com alguém tão especial. Coloco as mãos nos bolsos do casaco pesado e caminho na
direção do metrô. Só quando estou dentro do vagão, tateio os bolsos e resolvo ligar o celular. No
instante que o metrô para e eu pulo para fora do vagão, contorno as pessoas e consigo sair da
plataforma. Enquanto caminho na direção da minha casa e de Mag, o telefone dá sinal de vida e
vejo a quantidade de mensagens e chamadas dando entrada.
A maior parte das janelas que sobem no meu telefone são de Brandon. Só que também vejo
mensagens de Sebastian, Dylan, Rosie e Edward.
Ed: Amiga, onde você está? (14:05)
Ed: Brandon está aqui em casa. Eu nunca o vi assim. O cara está quebrado. O que houve?
(15:00)
Rosie: Heaven, onde quer que você esteja, apareça! Eu preciso saber o que houve. (15:10)
Rosie: Brandon não consegue me explicar. Ele só consegue falar que fez uma besteira e que
te ama. Ele falou isso! (15:30)
Dylan: Heaven. Tudo bem? Quero saber como você está depois do que houve. (15:50)
Sebastian: O que houve? Dylan me ligou apavorado com o estado em que o Brandon está.
(16:00)
Bloqueio a tela do telefone e continuo o meu caminho, evitando pensar no que aconteceu. Se
torna impossível ignorar tudo quando vejo Brandon parado na frente da minha casa, com o olhar
perdido na direção da casa. Engulo em seco, com medo de me aproximar.
Ele está com uma camiseta curta, sem ao menos proteger o corpo das temperaturas baixas.
Vejo que ele treme, mas não parece ser de frio. Seus cabelos estão amarrotados e a camiseta
também. Em poucos instantes, como se o meu olhar chamasse o dele, ele vira o rosto.
Hesitante, dou um passo para trás. Ele não se move, parecendo receoso sobre a
aproximação. Brandon treme o lábio e vejo uma lágrima correr pela sua bochecha. Ele captura a
mesma com as costas da mão e seus ombros perdem a postura.
Meu coração bate descompassado com a cena. Qual namorado nunca ficou desesperado com
ciúmes do outro? Será que o que Brandon fez não foi apenas um descontrole momentâneo?
Afinal, ele está em um estado emocional terrível há dias. Eu posso reconsiderar a atitude dele?
Quando dou o primeiro passo, os olhos dele não seguram mais as lágrimas. No segundo
passo, ele cai de joelhos no chão e eu corro ao encontro dele. Me ajoelho à frente enquanto ele
tem as mãos enterradas no rosto. Brandon nega com a cabeça diversas vezes enquanto eu abraço
seu corpo gelado.
— Eu sinto tanto... tanto, anjo — ele fala entre um soluço. — Por favor, não me deixe —
sussurra, agora soltando o rosto e se apoiando no meu corpo.
— Eu não vou te deixar, Brandon — respondo, aninhando o corpo dele ao meu.
E mesmo que eu tenha acabado de dizer isso, algo dentro de mim se agita de uma forma
ruim. Como se essa escolha não fosse a melhor a ser feita. Nós entramos em casa e faço
de tudo para aquecê-lo. Depois que vejo que Brandon está bem, preparo um chá e me acomodo
ao lado dele no sofá.
Ele se mantém enrolado em um cobertor com uma xícara de chá nas mãos. O nariz está
machucado da briga com John, mas agora também parece estar queimado da neve. Ele quase não
me olhou nos olhos enquanto eu o aqueci.
— Brandon... — eu começo, chamando o nome dele baixinho. — O que te fez fazer aquilo?
— pergunto, pontualmente.
Ele suspira, largando a xícara de chá e apertando mais o cobertor em volta do corpo ao se
encostar no sofá. Seu olhar continua vago, agora fixo na parede à minha frente.
— Heaven... — ele fala, apertando os olhos. — Eu não sou um cara violento.
Solto uma lufada de ar e ele protesta, abrindo os olhos para me encarar.
— Por mais que o meu pai tenha me ensinado a conseguir as coisas com força e insistência,
eu jamais fui agressivo — ele fala, agora sustentando um olhar pesado. — A primeira vez que
isso aconteceu foi quando eu namorei. Há um bom tempo. O nome dela era Julie. — Brandon
ajeita a postura no sofá, ainda me encarando. — Nós dois ficamos juntos durante todo o ensino
médio. Ela fodeu com a minha autoestima e com a minha segurança em relacionamentos. Julie
era uma mulher extremamente ciumenta e isso afetou a minha forma de encarar toda essa merda
de relacionamentos. O nosso namoro, ele…
Brandon respira alto, apertando uma mão na outra
— O nosso namoro mudou em uma festa de aniversário, quando nós estávamos em uma
discussão após a minha festa de aniversário e eu bati o carro. Foi horrível porque achei que
minha carreira no hóquei estava perdida e Julie precisou ficar dois dias na UTI. Isso já faz quatro
anos. Depois disso, evitei relacionamentos. Sei que isso não é motivo para o que aconteceu hoje.
A culpa é minha, mas eu tenho uma dificuldade nisso tudo Heaven. — Os olhos dele encontram
os meus. — A única vez que eu gostei de alguém... tudo se tornou doente. Foi ruim.
Mordo o lábio, assentindo.
— Por mais que você tenha essa dificuldade, Brandon... Não é com violência que se resolve
as coisas.
— Eu sei, anjo. Eu sei — fala, negando com a cabeça e ajoelhando-se na minha frente.
Brandon segura minhas mãos e as une, levando-as aos seus lábios e depositando beijos pela
extensão de pele. — Eu juro melhorar. Eu juro.
Mesmo com o coração estilhaçado, concordo com um movimento da cabeça, levando os
lábios até a testa de Brandon e beijando-o. Não sei se isso será o suficiente para deixar as coisas
melhores, mas prefiro acreditar que sim.
Seguro a mão dele e o levo para o meu quarto. Solto de sua mão e vou até a cama, tirando o
edredom de cima do acolchoado. Sento na cama e bato no colchão ao meu lado, encorajando
Brandon. Sem demora, ele se senta na cama, esticando o corpo no colchão. Coloco o edredom
por cima de nós dois e o encaro brevemente antes de aninhar meu corpo no seu. Brandon aperta
contra o seu corpo e suspira contra o meu cabelo. Sinto seu peito subir e descer rápido.
A boca dele chega próximo ao meu ouvido.
— Eu não sei o que eu fiz para merecer você.
Minhas mãos encontram o peito musculoso e tento fazê-lo relaxar com carinho. Aos poucos,
ele se acalma e eu também.
No Sábado, eu, Rosie e Edward resolvemos sair juntos em comemoração aos velhos tempos.
Eu estava passando tanto tempo com Brandon que quase não encontrava mais meus amigos fora
do campus. Hoje, eles ficaram responsáveis por me ajudar a encontrar um vestido para a festa
dos pais de Brandon no meio da próxima semana, em um shopping.
— Ficou bom — Rosie diz quando saio do provador.
— Ficou horrível. Vá trocar isso imediatamente! — Ed balbucia, tomando um gole de
espumante que está em sua mão.
Rolo os olhos e volto para o provador pela sexta vez. Eu odeio experimentar roupas. Além
do mais, as roupas dessa loja são terrivelmente caras. Brandon disse que era a loja de confiança
da família e que eu poderia escolher o modelo que desejasse que fosse um presente dele, então
pego o vestido verde musgo de alças finas e fenda na perna do cabide enquanto falo com os meus
amigos, que estão do lado de fora em uma espécie de área privativa da loja.
— Então eu acredito que ele está se esforçando, sabe — comento, passando o tecido pela
cabeça. — Hoje ele não ficou nervoso nenhuma vez. Até está mais calmo com a situação do
jantar.
— Quero só ver quanto tempo isso vai durar — Ed fala e ouço um “cala boca” vindo de
Rosie. — Qual é? Eu tenho experiência o suficiente com relacionamentos com caras de
comportamentos tóxicos.
No mesmo instante, eu coloco a cabeça para fora do provador.
— O Brandon não é tóxico, Edward — rebato, um pouco irritada.
Volto para dentro do provador e termino de puxar o zíper do vestido. Abro as cortinas e os
dois arregalam os olhos.
— Perfeito! — Edward fala.
— Lindo! — Rosie completa.
Eu dou um passo na direção deles, sentando no assento do sofá à frente dos dois.
— Edward, por que você falou isso sobre o Brandon? — pergunto.
Ele solta o ar, encarando Rosie brevemente.
— Olha, Heaven... O cara é desconfiado com todos os homens que chegam perto de você. Só
falta fazer xixi para demarcar território. Ele quer monitorar sempre onde você está e com quem
você está. Além disso, você tem quase dedicação exclusiva para ele em seu tempo livre. — Ele
suspira, mordiscando o lábio. — Eu acho que tudo isso está se encaminhado para um
relacionamento abusivo. Não sei se já é ou não, mas repense esses pontos.
Solto o ar dos pulmões e encaro os dois.
Meu coração se aperta porque já estou ignorando a situação com John. Estou evitando o
bloco da sala e evito pensar nisso. Até mesmo excluí o número dele. Ele também nunca mais
entrou em contato.
— Eu prometo pensar e identificar isso. Obrigada.

Sei que não deveria mentir para Brandon. Mas quem me garante que ele entenderá o fato de
eu ir até a casa de um antigo amigo para levar e assinar um quadro? Eu ao menos tive coragem
de falar com ele sobre John. De repente, as palavras de Edward estão se repetindo na minha
mente em um looping eterno.
E por que eu estou com medo de contar algo a ele? John e eu somos o passado um do outro,
e agora nem estamos nos falando. Brandon terá que aceitar, não é mesmo?
Ou será que ele vai me reprovar por ter escondido isso? Porra, tenho um pouco de receio da
reação dele. Chacoalho a cabeça, confusa sobre o que fazer. Estou mantendo muitos segredos
dele por receio. Não posso fazer isso.
É ridículo pensar que eu me sinto bem e culpada por ver um antigo amigo. Verifico mais
uma vez a mensagem de Brandon:
Brandon: Estou no treino com os rapazes. Podemos nos encontrar às oito e meia na sua
casa? (17:50)
Tem tudo para dar certo. Eu só preciso sair na hora certa da casa do irmão de Alex.
Heaven: É claro, estou indo encontrar um antigo amigo e vou direto para lá depois. (18:00)
Brandon: Que amigo? O Edward? (18:01)
Heaven: Um amigo de infância. (18:02)
Brandon: Hum, tá bom. (18:03)
Encaro a porta grande da entrada da casa. Há uma escada para subir até a porta principal.
Chamar isso aqui de casa é um eufemismo do caramba. O lugar parece mais uma mansão gótica
que me causa arrepios. Então observo, mais uma vez, a grande vastidão do terreno, o que faz eu
me perguntar quanto dinheiro esse tal irmão de Alex tem, porque o lugar parece mais um jardim
assombrado que esconde uma mansão bizarra.
A distância entre os portões e a casa tem mais de dez minutos a pé. Ainda estou boquiaberta
por conta do tamanho do lugar. Nunca estive em um lugar tão grande e tão… estranho.
Se eu fosse comparar esse lugar com alguma coisa, seriam duas principais comparações: a
casa da Fera, no clássico desenho “A Bela e a Fera”. E se partisse para uma perspectiva mais
realista, o castelo do Conte Drácula.
Só espero que o irmão de Alex não seja tão assustador quanto os donos das mansões que
acabei de fazer a comparação. Detalhes e mais detalhes no mármore e no gesso cinzas compõem
a entrada. É uma combinação do clássico e romântico. Jamais imaginaria que Alex estaria em um
lugar assim.
Além disso, tudo está coberto de neve, contrastando com o céu cinzento do dia. São os
últimos dias de frio na América e eu agradeço mentalmente por ter visto este lugar assim. Parece
que a primavera não combina muito com todo esse assombro. Apesar disso, entre o cinza pesado
das nuvens, pequenos feixes de luz do final da tarde eventualmente escapam, deixando o
ambiente mais claro e amarelo do que antes.
É uma mistura estranha.
Começo a subir os primeiros degraus da escada quando as portas duplas se abrem, revelando
Alex dentro de um conjunto de moletom da Adidas e o seu clássico sorriso largo nos lábios. Ele
abre os braços quando já estou perto.
— Mi casa, es su casa! — brinca.
— Seu espanhol melhorou muito — falo, um pouco tímida ao abraçá-lo.
Ele me solta rapidamente e eu agradeço mentalmente por isso. Não acho interessante ter
resquícios do perfume dele em minha roupa e isso me causar uma confusão. Eu e Brandon
estamos bem desde sexta-feira e preciso manter seu bom humor até o jantar do escritório da
família dele.
— Obrigada, Heaven — Alex diz, sorridente. — Eu nem acredito que isso é verdade. — Ele
solta o ar enquanto fecha as portas. — Sabe, você... uma pintora famosa.
— Calma aí! — digo, jogando as mãos para o ar. — Eu sou uma aspirante à artista com
alguns quadros expostos. Apenas isso.
Ele ri, tímido. Estico a tela enrolada para ele, que aproveita para desenrolar e avaliar o
trabalho. Aproveito para dar uma olhada no hall de entrada da grande mansão. Como eu
suspeitei, é uma das clássicas. Uma grande escada de mármore ao fundo com um corrimão de
ferro preto, envergado em detalhes de folhas e inúmeras janelas grandes com tamanhos
exorbitantes estavam pela entrada principal, fazendo com que aqueles pequenos feixes de luz
iluminem o ambiente.
Também existe um grande lustre no teto.
— Não vejo nenhum quadro — pontuo.
Ele sorri, parando ao meu lado.
— Estamos escolhendo os melhores lugares. Contratei uma decoradora para melhorar o
ambiente porquê Anker… — Ele desvia o olhar da tela e encara o ambiente — Só deixou tudo
isso aqui morrer.
— Ah, hum… — resmungo sem saber como reagir, afinal, esse irmão dele parece estar
passando por alguma coisa. — Fico muito honrada por ter tantos quadros aqui.
Encaro seus olhos claros e sorrio para ele.
— Senhor Reeves? — uma voz feminina surge.
Olhamos, juntos, para uma das portas do hall e uma mulher de aproximadamente cinquenta
anos surge, vestida com trajes sociais.
— Marie, já disse que pode me chamar de Alex.
— Sim, senhor! — ela sorri. — O Travis chegou com as folhagens que a decoradora pediu.
— Uh, ele achou? — ele fala, animado.
— Sim. Está lhe aguardando na estufa de rosas.
Meus olhos se enchem com a informação. Quão grande é a propriedade? Uma estufa de
flores? Isso é, no mínimo, um sonho. Ele vira o rosto para mim, extasiado.
— Você se importa em aguardar alguns minutos? Eu estou atrás dessas flores faz um tempo
e com o início da primavera…
— Fica tranquilo, posso esperar por aqui.
Mesmo falando isso, meu coração galopa depressa. Não posso me atrasar muito. Alex sorri,
entregando a tela para a mulher que está parada ao seu lado.
— Se quiser assinar os quadros, é a última porta à direita no segundo andar. Deixei uma
caneta de tecido por lá. Fique à vontade, Heaven. — Ele dá um passo na direção de onde Marie
veio, mas então para e olha para trás. — Só não caminhe muito para o final do corredor, o Anker
não gosta muito de visitas.
— Ah, certo…
Não sou uma intrometida. Porém, noto o olhar estranho que Alex e Marie trocam. Por que
ele parece receoso demais quando fala desse irmão que nunca ouvi falar?
Observo os dois sumirem por um corredor aos fundos e solto o ar preso nos pulmões. Abraço
meu próprio corpo e sondo o ambiente. Meus olhos curiosos correm mais uma vez pela sala.
Seguro minha bolsa firmemente no braço e começo a observar os detalhes do ambiente, que
realmente parece estéril.
Porém, não é como se fosse novo. Apenas parece sem história. Ou talvez... sem vida. De
repente, um som ressoa pela casa, eu me assusto em um primeiro momento e logo estou tentando
identificar a melodia e procurar de onde o som veio. Ele parece mais alto a cada passo.
Uma sonoridade contínua toma conta do ambiente. Olho para cima e vejo a escada fazer uma
leve curva para lá, a luz alaranjada do pôr-do-sol está refletindo direto para o segundo andar da
casa. Parece que as nuvens cinzas estão indo embora.
Mordisco o lábio, avaliando mais uma vez as opções ao meu redor.
Quando dou por mim, estou caminhando na direção das escadas. Toco o corrimão da escada
e, pela proximidade com o vão que a escada proporciona, consigo ouvir o piano de forma mais
clara.
Meu sorriso se alarga a cada passo que eu dou em direção ao segundo andar porque
reconheço o som. É “November Rain” do Guns N’ Roses. Minha mãe costumava cantar essa
música e isso enche meu peito. Sem me importar com a orientação de Alex, meus pés se movem
na direção da música. Apesar de saber qual música essa pessoa está tocando, é apenas a melodia.
A luz do sol parece se tornar forte e aquece o meu corpo quando chego no segundo andar, já
que janelas estão acumuladas no início do corredor. Porém, enquanto observo até o final, vejo
que cada vez mais para dentro do corredor, existe a falta de sol pelas portas fechadas. Tento
lembrar de qual sala Alex falou, mas meus pensamentos se esvaem quando eu vejo a luz do sol
sair da última porta à esquerda.
O som do piano parece vir de lá e ecoa ainda mais alto pelo corredor.
Meu coração bate rápido no peito. Sinto como se os pés flutuassem pelo corredor. Passo a
ponta dos dedos pelas paredes brancas, seguindo o som. Uma casa quase sem móveis, sem cores
e sem vida deveria ser aterrorizante. Só que nada parece me importar, a não ser ir de encontro à
música. O meu corpo todo trava quando a voz ressoa pelo ambiente.
Um timbre forte, rouco e grave se sobrepõe à letra.
De repente, eu tenho uma versão favorita dessa música. Estou parada no meio do corredor,
envolvida pela escuridão, sem coragem de atrapalhar o dono da voz de continuar. Encosto as
costas na parede e encaro a luz saindo da porta do quarto. O laranja rosado está quase se
transformando em um laranja cítrico, a julgar pela a cor que bate no chão e na parede.
Céus, isso seria uma pintura em tanto.
O laranja, o piano e alguém tocando a música.
Minha curiosidade corre mais alto pelas minhas veias junto ao meu coração, que bate
desesperado no meu peito. Sem processar direito, caminho até a última porta do corredor.
O quarto é enorme. E diferente da maior parte do lugar, parece claro demais, com as janelas
tão grandes quanto do andar inferior e as cortinas pesadas bem abertas. O branco reflete o lugar
com quatro janelas de vidro que vão do teto até o chão.
E não seria estéril se não fosse pelo piano e pelo homem. Existe um homem sentado na
frente do piano de cauda, sentado no banco estofado e tocando. De costas para mim, vejo que ele
tem cabelos de fios longos, pouco acima dos ombros e os dedos se movem com agilidade
possuem tom castanho claro. A cabeça balança suavemente para os lados e sua voz ecoa pelo
lugar, fazendo capa parte do meu corpo se arrepiar.
A luz laranja do final da tarde deixa tudo um pouco surreal.
Não sei como reagir…
Minha cabeça parece ter realmente se tornado esse quarto branco onde apenas a letra da
música e esse homem são importantes. Não consigo desviar meus olhos e nem ao menos me
mover enquanto as notas ressoam com a voz grave dele.
Posso dizer que se trata de uma miragem ou que ele é um ser celestial. É um pouco estranho,
mas a luz do sol está invadindo o lugar com tanta força pelas janelas, formando uma espécie de
aura ao seu redor. O sol bate contra o corpo alinhado em uma camisa flanela e jeans.
Pareço estar dentro de um sonho.
Ele se sobressai naquela imensidão branca da sala e eu me pergunto de onde ele saiu. Da
minha boca, um suspiro escapa. Então os dedos param de dedilhar as teclas do piano. Engulo em
seco.
Um silêncio estranho se forma e eu me odeio por isso.
Ele me ouviu? Então o rosto dele se vira lentamente para o meu e eu sinto um calor correr
pela minha espinha. De perfil, ele me encara com os cabelos caindo sobre a metade do rosto.
Seu olhar parece se fundir ao meu, porque eu não consigo desviar. Os olhos são de um tom
confuso, como se tivesse o verde oliva e o azul. Uma lufada de ar me escapa e sinto uma
alavanca diferente no peito. Meu corpo inteiro se arrepia quando ele inclina a cabeça para o lado
e me observa mais atentamente, quase em câmera lenta.
Ele me estuda e eu meio que quero estudá-lo também. Quero tanto guardar os detalhes dele
para poder transpassar isso para uma tela. Então, é como se eu tivesse novamente sentindo meu
corpo ser chacoalhado porquê… eu não pinto momentos, apenas os meus sentimentos.
O homem não tem a minha idade. Parece ser mais velho, tipo uns trinta e poucos. Tem
ombros extremamente largos e existe algo no olhar… Ele parece um animal ferido.
É impossível observar tão pouco e concluir algo sobre a cena na minha frente. É apenas
muito para ser observado de longe e rápido. Precisaria de anos para conseguir decifrar tudo o que
eu vejo. E tudo o que não vejo.
Quando me dou conta, já não estou mais com a mão no batente da porta. Eu já dei o primeiro
passo. Ele continua me observando. E então ele pisca algumas vezes e quebra o nosso contato.
Eu molho os lábios secos e chacoalho a cabeça, confusa quando ele simplesmente empurra o
banco para trás e levanta, caminhando na direção das janelas e fechando as cortinas. Não posso
deixar de notar como ele manca enquanto caminha.
— O que está fazendo aqui? — ruge, quase gritando. — Quem é você, porra?
Ele continua lá, empurrando a escuridão para dentro do quarto e bloqueando a luz.
— Eu, hum… — falo, sentindo uma vergonha gigantesca ao dar um passo para trás. — Me
desculpe, senhor Reeves. — Aperto os lábios. — E-Eu estava esperando o Alex e ouvi a música.
Segui a melodia. Me perdoe por interromper.
E então a risada baixa surge pela sala. Meus olhos, mais uma vez são magneticamente
puxados para a silhueta dele, que agora está escondida entre a escuridão. Dou um passo hesitante
para trás, já entendi que não sou bem vinda.
Logo, uma enxurrada de realidade faz com que eu me odeie por alguns instantes. Alex disse
para que eu não interrompesse seu irmão e estou aqui, fazendo exatamente o contrário.
— M-me desculpe — peço mais uma vez. — Estou indo embora.
Não consigo mais ver o rosto dele, mas o tom gelado e sombrio da sua voz me faz recuar
mais um pouco.
— E o que ainda está fazendo aqui, caralho?
Meu corpo todo é tomado por um arrepio quando a voz, mais uma vez, invade os meus
ouvidos. Tento dizer algo, mas nada sai e, mesmo na escuridão, sei que ele está olhando na
minha direção.
É claro que eu me senti atraída por John ou Brandon quando os olhei pela primeira vez.
Porém, esse cara é diferente. É como se ele estivesse me puxando pra si de uma forma que
ninguém conseguiu, porque não se trata de algo físico. Me sinto quase hipnotizada.
— Mais uma vez, me desculpe.
Giro no eixo e então corro até o hall da casa. A música não ecoa novamente enquanto meus
pés se movem, apressados.
— Prontinho — falo, assinando o último quadro ainda com as mãos trêmulas — Sei que
prometi que ficaria para o jantar, mas realmente não vai dar — digo a Alex, que tem um olhar
desapontado para mim.
Os ombros dele caem sutilmente e não tenho como me sentir melhor sobre isso. Sei que
estou fugindo.
— É uma pena, Heaven. — Aperta os lábios enquanto caminhamos na direção do corredor.
Foi preciso voltarmos para cá para depois que ele retornou da estufa para que eu assinasse os
quadros. Não tenho certeza se ele pode ver o nervosismo em meu corpo, mas prefiro ignorar isso.
Assim que chegamos no corredor, mais uma vez eu o observo, agora por cima do meu
ombro. Meu coração não consegue se acalmar. Ele bate em um ritmo diferente e eu me pergunto
de onde a mistura de cores surgiu. Meus olhos não conseguem desviar da direção do quarto do
piano. Infelizmente, o homem dos olhos verdes não está em lugar algum. Por instantes, eu
começo a acreditar que o que vi foi alguma alucinação ou que eu estava sonhando acordada.
De um modo irracional, estou tentando achar a cor. Tento vasculhar minha mente entre os
tons de verde que eu já trabalhei. Verde escuro, turquesa… não. Nenhum deles. É algo mais
pessoal. Tento me lembrar de onde eu já vi aquela cor.
O meu sonho. O sonho do lago com e a paisagem paradisíaca. As flores.
— Verde-oliva — falo em um sussurro para mim mesma e desviando o olhar para as escadas
à nossa frente.
— Oi? — Alex me pergunta.
Levanto os olhos para ele, negando com a cabeça.
— Desculpa. Eu estava procurando um tom de verde e eu achei. — Mordisco o lábio, agora
sentindo as bochechas aquecerem. — Do que estávamos falando?
— Apensar sobre seu compromisso de última hora — lamenta e finalmente começamos a
descer as escadas. — Tenho uma proposta para você.
— Estou ouvindo... — falo quando já estamos no hall.
— Gostaria que você pintasse uma das paredes da casa com a sua arte. É a parede de um dos
quartos.
Eu sorrio, surpresa com o convite.
— Eu nunca pintei em cimento, mas posso tentar. Posso falar com a decoradora e…
— Ótimo. Quando você pode começar?
Arregalo os olhos, surpresa.
— Eu… não sei, preciso estudar a ideia e pode não ficar bom...
— Vou te pagar bem desta vez. Quinhentos dólares a hora, fica bom?
Quase engasgo.
— É muito dinheiro, Alex.
— O meu irmão pode pagar e, acredite em mim, ele precisa de um pouco de vida nessa casa.
Além dos quadros, a decoradora sugeriu algumas pinturas e ele detestou todas. Já as suas, tenho
certeza que vai gostar.
Minha cabeça está dizendo que não. Não pode ser que aquele homem que me intrigou tanto,
Anker, admire tanto o meu trabalho e seja um tremendo mal humorado estranho. Só que… porra,
quinhentos reais a hora? Eu poderia me manter por um bom tempo com cinco horas de trabalho.
— Vou pensar melhor, mas… agora que meu estágio chegou ao fim, tenho alguns dias
livres. Semana que vem fica bom?
Ele sorri, abrindo a porta.
— Bom, eu estou fazendo alguns trabalhos em Los Angeles. Então talvez eu precise te
deixar com a Marie. O Anker estará em casa, mas ele não frequenta o quarto em que você
estará… — há um pesar na voz do meu amigo, então ele tenta sorrir quando diz: — Tudo bem?
Não, minha mente grita.
Fico sem reação e olho diretamente na direção do topo da escada, como se ele fosse surgir de
forma mágica. Sinto o telefone vibrar no bolso. Puxo o aparelho e vejo uma mensagem de
Brandon:
Brandon: Prefere pizza marguerita ou de queijo? Já estou a caminho de casa :)
— Preciso ir — é a única frase que eu consigo dizer antes de encará-lo. — Me desculpa, mas
realmente é algo urgente… — Mordo o lábio. — Bom, então vou pensar sobre as tintas e tudo
mais e podemos nos reunir para discutir o que prefere na parede, sim?
— Tudo bem. — Ele beija o meu rosto e eu sorrio. — Boa noite, Heaven.
— Boa noite, Alex! — murmuro enquanto saio apressada da casa, com o coração batendo
depressa no peito.
— Heaven? Você está me ouvindo?
— Hum?
Viro o rosto para Brandon, que está me falando sobre o primeiro jogo da temporada de
hóquei universitário. Já estou usando meu pijama e deitada no ombro dele, que tem cheiro do
sabonete que usou no banho. Só que os meus pensamentos estão na cena incrível de Anker
tocando piano com a luz laranja entrando pela janela ao fundo do piano.
— Eu estou falando sobre o jogo e você está em outro universo, anjo.
— Desculpe — falo, soltando o ar dos pulmões. — Eu estava atrás de uma cor e eu acho que
encontrei. É para um quadro.
Volto a encostar a cabeça no peito dele enquanto Brandon enfia os dedos no meio dos meus
fios castanhos e massageia o meu couro cabeludo.
— Você nunca me mostrou algo seu — ele comenta.
Na real, Brandon nunca demonstrou interesse. Eu não tinha me aberto para ele nesse aspecto,
principalmente depois da exposição no mês passado. Ele não vê nada além da tela final, o que
me frustra um pouco. No fim, eu achei melhor poupar o meu tempo em explicações recorrentes
do porquê de cada pincelada.
— Minha exposição do final do curso está chegando — falo, agora desenhando círculos
imaginários na pele dele com o indicador. — Posso te mostrar quando eu acabar de produzir.
Ele beija a minha testa e sorri.
— Eu vou amar.
Eu sorrio para ele, beijando o seu queixo e depois mordendo. Ele ri e me segura pela cintura,
aproximando o corpo do meu. Definitivamente, o “ir aos poucos” está acontecendo agora.
Brandon está sendo cauteloso de uma forma absurda em respeito a todos os nossos passos. No
geral, o relacionamento com Brandon é maravilhoso. Eu ainda me incomodo com pequenas
atitudes dele, mas todo relacionamento passa por isso. O importante é que ele está disposto a
mudar e, para mim, isso é o suficiente.
— Porra, como eu te amo — é o que ele diz entre um beijo.
Finjo não ouvir e continuo beijando-o, porque, caramba, eu não me sinto pronta para dizer
isso. Brandon também não parece ter noção do que falou, já que nós dois estamos nos beijando
novamente. E exatamente isso faz meu coração apertar de uma forma estranha no peito.
No meio da noite, enquanto Brandon dorme, escapo da cama direito para o porão da casa.
Durante horas, fico tentando misturar as tintas atrás do verde oliva dos olhos de Anker.
Infelizmente, não o encontro.
Aliso mais uma vez o vestido na lateral do meu corpo. Eu estou no quarto de Brandon, quase
pronta para o jantar da empresa dos seus pais. Ele surge, saindo do banheiro, impaciente com
uma gravata.
— Que droga isso aqui! — esbraveja, tirando o tecido da volta do colarinho e me fazendo
sorrir.
Ele me pega sorrindo e sorri também enquanto encara os meus olhos. Contudo, os dele logo
descem pelo meu corpo. Giro no eixo e paro de frente para ele, que esquadrinha cada centímetro
meu, se aproximando. Noto as pupilas se dilatarem aos poucos e o sorriso dele cresce a cada vez
que chega mais perto.
— Você é a mulher mais linda desse mundo inteiro — afirma, o que faz meu coração bater
um pouco mais forte.
Quando Brandon para na minha frente, eu puxo a gravata da sua mão e estico em volta do
seu pescoço, começando a fazer um nó apropriado.
— E você fica extremamente atraente dentro desse terno — sussurro, finalizando o nó.
Ele toca os meus quadris, beija a minha bochecha e logo estamos indo na direção do evento.
Tento manter meu foco completamente no evento, mas minha cabeça está aérea nos últimos dias.
Ouvi “November Rain” mais vezes do que deveria e gastei alguns potes de tinta atrás do tom
dos olhos de Anker. Fui até mesmo em lojas especializadas atrás da cor, mas parece que, a cada
dia que passa, vou me esquecendo dos detalhes.
Eu preciso vê-lo de novo.
Apenas uma vez, repito a mim mesma.
Por isso, e pelo dinheiro, aceitei o trabalho proposto por Alex. Daqui a cinco dias começarei
o meu trabalho lá. E, claro, contei a Brandon. Chega de segredos entre nós. Ele não reagiu muito
bem, mas me mantive firme. E, infelizmente, isso me acovardou a falar sobre John.
Quando chegamos no lugar, desço do carro de Brandon com o auxílio de sua mão, a fim de
me conferir estabilidade dentro dos saltos prateados e extremamente finos. Ele segura firme na
minha mão, me guiando para dentro do grande restaurante que havíamos vindo há algumas
semanas.
— Espero não ter que quebrar a cara de nenhum idiota por causa desse seu vestido
Ele encara a porta do restaurante e eu aperto mais em sua mão, tentando lhe passar
segurança.
— Você não precisa ter ciúmes. Eu estou com você, não estou? — Ele sorri fraco para mim.
Brandon entrelaça os nossos dedos e segue para dentro do evento comigo ao seu lado.
Cumprimentamos uma série de pessoas e ele faz questão de me apresentar a todos.
Não sei como me sinto sobre isso. Olhares julgadores me fazem suar e os homens me
olhando como mercadoria também. Esse não é o meu lugar, penso. Então vejo Brandon sorrir
todas as vezes que me apresenta e me obrigo a ficar mais tempo aqui.
A visão da senhora James caminhando na nossa direção me faz ficar mais tensa ainda, já que
o meu vestido simples e liso parece ridiculamente inferior ao dela — que tem um bordado
elegante e um corte inusitado.
— Será que eu posso ganhar um abraço do casal mais falado da noite? — ela diz, abraçando
Brandon e depois eu. — Querida, oh, meu Deus, o que é isso? — Puxa a minha mão direita.
É um pequeno anel que Brandon me deu para acompanhar a roupa.
Sem ao menos conseguir argumentar, um burburinho começa dentro do grande salão. Sinto
meu rosto ficar quente e não consigo argumentar ou construir nenhuma frase digna de
explicação. Brandon segura na minha cintura e fala em um tom baixo:
— Não é isso o que você está pensando, mãe.
— Ah, que pena querido — ela fala, soltando a minha mão com delicadeza. — Achei que
vocês iam dar o próximo passo depois que você me pediu o apartamento de Downtown na terça-
feira.
Engulo em seco, sentindo o meu coração bombear sangue mais rápido do que habitualmente.
O que diabos é isso? Olho para Brandon, esperando uma explicação, mas, por sorte, alguém
chama a mãe dele e logo estamos sozinhos. Brandon entrelaça os dedos nos meus e caminha
comigo até o jardim de inverno dos fundos do restaurante.
A brisa sutil da noite me conforta, me fazendo sentir mais calma e com mais acesso ao
oxigênio.
— Desculpe por aquilo — a voz de Brandon surge.
Viro o corpo para encará-lo.
— Não é o que você está pensando, anjo — ele fala, coçando a nuca. — Eu sei que você não
gosta do comportamento do Dylan. E o Sebastian também não é o cara mais confiável do mundo
quando o quesito é sexo. Então eu tenho pensado em me mudar. Os caras e eu dividimos o
aluguel do apartamento e eles me tiraram da merda quando eu e Julie terminamos. Agora, não
estou mais sozinho.
Pisco algumas vezes, tentando processar as palavras de Brandon.
— Você tem certeza? Você parece gostar do apartamento — pontuo.
— Eu gosto da gente. E se isso for o melhor para nós ficarmos bem, eu não me importo.
Eu sorrio, deixando um beijo no canto dos seus lábios enquanto ele sorri. Voltamos para a
festa, agora com a incrível missão de desmentir um noivado que nunca aconteceu.

No dia seguinte, “November Rain” está tocando em um volume considerável no porão. O


repeat está acionado, me fazendo ouvir a música pela quinta vez seguida. Hoje minhas mãos
estão leves e trabalhando de uma maneira diferente.
Digo diferente, pois eu estou tentando, ao máximo, reproduzir algo. Normalmente eu me
deixava levar e não penso tanto sobre os traços. Só que aqueles olhos precisam de toda a minha
atenção. O contorno dos orbes, os pequenos riscos castanhos claros nas írises, o movimento da
sobrancelha alinhado às linhas de expressão tão profundos que me confundem no meio das
poucas imagens que eu tenho na minha memória.
E então existe o verde perfeito.
Encontrei depois de uma busca na internet e a foto de Anker nos noticiários. Ex-fuzileiro
naval resgatado na guerra do Afeganistão. É isso o que os textos dizem, junto com a foto a qual
não pude deixar de ver. Era essa a dor nos olhos dele?
Pego a paleta com as tintas porcionadas em poucas quantidades. Molho o pincel no verde
perfeito. Tiro o excesso da tinta e o levo até a tela. O verde é absorvido pelo tecido branco grosso
e eu começo a trabalhar na forma como ele se espalha. Pinceladas sutis, sem pressa e de acordo
com a música.
Meu pé bate contra a madeira do chão enquanto balbucio a letra.
Inclino o rosto para o lado, a fim de avaliar a obra enquanto me afasto. Uma tela branca.
Traços em preto. Apenas os orbes verdes. Definitivamente não era algo para um projeto de final
de curso.
— Eu preciso esquecer isso — falo, colocando o pincel no copo com água.
Eu queria externar. Tirar de mim. Só que todas as vezes eu penso no conjunto de orbes de
Anker, pareço me atolar mais e mais nesses pensamentos. E agora há essa parte da história dele
me deixando confusa.
Confesso que li pouca coisa porque parecia que eu estava me intrometendo na sua vida.
Então, essa sensação inquietante pareceu ainda mais confusa e eu precisei pintar.
Sento no banco de madeira, agora com os olhos fixos na tela. Fico desapontada por não
conseguir desenhar e pintar com verdade o quão intenso era o olhar dele. Na verdade, eu acho
que jamais conseguirei tal feito. Definitivamente, eu precisarei de mais tempo para conseguir
transparecer isso.
Desisto de encará-lo e coloco o quadro no canto do ateliê.
Agora eu trabalharei com o laranja-cítrico. Um pôr do sol, piano e um anjo estavam
borbulhando na minha mente pedindo para serem pintados.
Por um mísero segundo, olho para as minhas novas tintas pairando pela mesa de madeira ao
lado do cavalete. Verde, laranja, amarelo, marrom claro e até mesmo bege. Quem diria que essas
cores, um dia, fariam parte da minha paleta.
Faltar aulas não era algo que eu costumava fazer.
Só que hoje eu estou fazendo isso porque preciso encontrar uma quantidade significativa de
tintas para a parede da casa do irmão de Alex. Enquanto eu estou no correr das tintas acrílicas,
meu telefone vibra no bolso. Pego o aparelho e vejo uma mensagem de Alex.
Alex: Bom dia. Em anexo a imagem do desenho. Anker vai te passar as instruções! Beijo.
O Anker vai falar comigo? Ai, caramba. Lá fora, a chuva até mesmo parece ganhar mais
intensidade e bater com força nos vidros das janelas da loja. Um arrepio sobe por minha espinha.
Não era para estar chovendo tanto nesse início de primavera.
Mordisco o lábio e baixo o arquivo. Meus olhos logo se arregalam ao ver a imagem. Um par
de olhos na cor âmbar. Eu nunca tinha visto isso. Meus dedos tamborilam o aparelho telefônico e
eu tento criar, na minha cabeça, o desenho. Eu preciso de dourado e amarelo mostarda para
pintar esses olhos. E muito preto.
Enquanto escolho as tintas, tento ignorar o fato de que eu e Anker precisaremos conversar
um com o outro. Parece estranho, mas me sinto em um misto de euforia e angústia.
Enquanto tento engolir um sanduíche de queijo, sinto meu estômago entrar em festa ao ver
uma mensagem de Brandon falando sobre um temporal programado para o final do dia.
Brandon: Você precisa mesmo fazer essa pintura?
Engulo o pão com dificuldade. Brandon passou o dia me fazendo essa pergunta,
principalmente quando toco no assunto sobre o trabalho. Parece que ele não entende a
importância disso para mim.
Heaven: Me comprometi com o trabalho, Brandon. E também preciso de dinheiro agora que
não tenho mais o estágio.
Brandon: Você sabe que eu tenho dinheiro para nós dois, não é?
É impossível não me sentir chateada com a mensagem dele.
Heaven: Eu amo pintar. É a minha carreira.
Espero por uma resposta até descer na frente da casa de Anker Reeves. Nada vem. Bufo e
saio do táxi de forma apressada e tentando equilibrar todo o material. A mulher chamada Marie
está na porta com um sorriso nos lábios. Ela me recebe e eu sorrio fraco, tentando não
transparecer a meu nervosismo.
— Boa tarde! — falo, chacoalhando a cabeça para afastar as gotas de água.
— Boa tarde, senhorita Williams — ela diz, fechando a porta atrás de mim. — Posso pegar
uma toalha para você?
— Seria ótimo! — Solto uma risada e ela sorri.
— Claro, vamos seguir para o segundo andar e te entrego no quarto do trabalho.
— Ok.
A mulher então me guia na direção das escadas e me pego observando o ambiente, atenta
demais. Talvez, atrás de Anker. Hoje o lugar parece muito mais sombrio por conta da chuva que
cai lá fora.
— Onde está o senhor Reeves? — pergunto, curiosa, fazendo a mulher me olhar por cima do
ombro com as sobrancelhas levantadas — Uh, é que o Alex disse que ele conversaria comigo
sobre a pintura…
A mulher comprime os lábios e continua caminhando, soltando uma respiração pesada no
processo.
— Às vezes, o Alexander esquece de como o irmão está. Ele tem depositado uma esperança
quase desumana no processo dele.
— E o que aconteceu? — me pego perguntando.
Ela continua subindo os degraus, negando com a cabeça suavemente.
— Existem coisas as quais não falamos sobre os patrões, senhorita Williams
Me calo e continuo seguindo-a. Quando chegamos no corredor, agradeço mentalmente pelo
quarto ser um dos primeiros e não aqueles do fundo. No entanto, não deixo de notar que as portas
ao fim do corredor estão fechadas. E que hoje parecem muito mais distantes por conta da
escuridão que as envolve.
Para a minha surpresa, o quarto é tão parecido quanto o quarto do piano: janelas ao fundo do
cômodo, muitas janelas e paredes claras. Os vidros me dão uma visão e tanto da outra parte da
casa, que parece comportar uma torre e um jardim que quase não enxergo por conta da cortina
fina de água que cai do céu.
No entanto, não há nada no quarto, apenas alguns jornais espalhados pelo chão. Eu tiro a
bolsa do ombro e coloco no chão.
— Você precisa de mais algo? — me pergunta.
— Água, apenas isso — murmuro, retirando as botas para manter os pés no chão.
— Já vou providenciar. — Ela gira nos calcanhares e desaparece pela porta.
Fico me perguntando onde Anker está.
Começo a separar o meu material. Disponho as tintas pelo chão por ordem de tons, os
materiais por ordem de uso e até aqueles que eu não uso habitualmente. Também tiro um pedaço
de carvão do fundo da bolsa. Algo nele me chamou atenção essa manhã.
Quando Marie volta, espero ela sair e fecho a porta, passando a chave. Algo sobre imaginar
Anker interrompendo o meu processo criativo me faz arrepiar o corpo. Afinal, eu fiz
praticamente o mesmo com ele: interrompi um momento íntimo.
Pego o meu Ipad na bolsa e seleciono uma playlist. Além disso, espalho pelo chão três
impressões da foto que Alex me mandou. Uma original, outra com um traço de desenho e uma
terceira em preto e branco. Preciso visualizar o desenho de diferentes maneiras para tentar passar
para o cimento.
É um pouco estranho porque isso não ficará igual.
Meus pés tocam o chão gélido e eu arrepio o corpo. Em seguida, tiro a jaqueta jeans a fim de
ganhar mais mobilidade para o desenho e caminho até a frente dos meus materiais e sento no
chão.
A música começa. Meus olhos estão na tela em branco e fico analisando a proporção e
tentando me conectar de alguma forma com este processo. A parede tem uns seis metros de
largura e uns três de altura.
“Stairway to Heaven” do Led Zeppelin começa a ressoar com os acordes da guitarra,
seguido do som da flauta. Olho para os desenhos. Não sei o que esses olhos significam. Eles me
passam dor, desespero e até mesmo uma angústia. De algum modo, sei que, para pintar, preciso
sentir isso.
Fecho os olhos e escuto as primeiras frases da música ressoarem pelo cômodo. Minhas mãos
tateiam o chão e eu encontro o carvão. Eu sei que é pela textura. Brinco com ele entre os dedos,
recitando as primeiras frases baixinho.
Meus olhos se abrem apenas quando a música ganha o tom agitado dos dois minutos finais,
parecendo energizar os meus pensamentos e mãos.
Consigo visualizar o desenho na minha frente, ganhando forma. Levanto o corpo e caminho
com precisão até a parede. Minha mão passeia pela textura da tinta recém colocada ali. Uma
semana, talvez. O cheiro ainda é fresco.
A mão direita encosta na parede e sorrio sozinha, perdida nos meus próprios sentidos. O solo
de guitarra é interrompido pelas estrofes e nesse instante minhas mãos começam a se mover com
o carvão.
Os traços são rápidos, dolorosos e fortes.
Começam a dar vida à imensidão branca. O preto começa a preencher a parede branca. Não
é necessário olhar para a foto para lembrar do par de olhos dourados, eles fluem pelos meus
dedos.
Mesmo quando a música termina, eu continuo riscando na parede. Sem parar. Meu peito
sobe e desce sem parar. Os dedos da mão esquerda sombreiam as sobrancelhas do desenho de
quase um metro e meio na parede.
Solto uma risadinha baixa quando termino as írises. Elas são perfeitas. Elas ficarão perfeitas
no dourado. Trabalho incessantemente naquela expressão, repetindo a música mais seis vezes, e
então estou exausta.
Caio com os joelhos no chão, suor pingando do meu rosto e a testa apoiada na parede. Fecho
os olhos, respirando e inspirando profundamente, até conseguir estabilizar o som do meu
coração.
Abro os olhos, ainda ofegante e olho para a parede antes branca agora rabiscada em preto.
Abro um sorriso fraco para o desenho, levantando e me afastando para ver melhor o que fiz.
Caminho de costas até bater na parede do outro lado do cômodo e o observo de longe agora.
Lá fora, o brilho rosa e púrpura dos raios fazem com que pequenos flashes entrem no quarto
junto aos estrondos altos que arrepiam minha pele. A música acaba pela última vez e resolvo que
é a hora de tentar começar a pintar. Não se se conseguirei muito progresso com a umidade
aparente por conta da chuva.
De repente, meu coração começa a ficar agitado. Olho para o chão, tentando entender. Será
que não é um bom momento para pintar agora? Ainda estou muito agitada com a música alta e o
temporal lá fora? É como se algo queimasse em mim.
Então o meu olhar percorre o ambiente até parar na janela. Lá fora, a chuva se tornou
menos fina e mais grossa, me dando uma visão em todo da outra parte da casa. Através da janela,
vejo a silhueta borrada pelo temporal. Exatamente como um maldito fantasma.
As cortinas estão abertas e dão visão para um quarto semelhante ao que estou. Não consigo
processar muito da roupa escura e nem do rosto, mas, sim, para onde ele está olhando.
Os olhos parecem cravados no desenho da parede.
Então é como se eu me sentisse nua. Anker viu. Ele viu toda a criação do desenho. Meu
corpo estremece e parece que algo se aloja na minha garganta ao mesmo tempo que meu coração
bate tão depressa.
Aliso a região acima do meu coração. Mal consigo respirar de tão nervosa que estou. Parece
uma ironia do caralho estar irritada pela intromissão. Além do mais, Anker não saiu da minha
cabeça, tanto que eu o transformei em minha obra também. E ele nem imagina isso.
Morrendo de vergonha, abaixo a cabeça e seguro a paleta de cores e espalho as tintas sobre a
superfície ao começar a trabalhar na parede. Mantenho dois pincéis nos bolsos do jeans e começo
com o dourado.
Mesmo com os dedos trêmulos, mantenho os traços finos marrons nas írises. Preto para os
traços mais fortes.
Isso se prolonga por quase duas horas.
Afasto novamente o meu corpo da pintura e troco a playlist do meu Ipad para começar a
recolher o material. Tiro o avental branco do corpo e canto baixinho a letra de “Dream On” do
Aerosmith. Limpo os potes de tinta com cuidado antes de colocá-los dentro da maleta de tintas.
Os pincéis ficam alinhados perfeitamente dentro dos seus lugares. Enrolo o carvão no papel e
amasso os jornais do chão, agora cheios de respingos de tinta.
Avalio o estrago das mãos, cobertas de carvão e tinta.
Desligo a música e deixo todos os materiais alinhados no canto do quarto. Pego a flanela do
bolso e caminho até a porta e a abro, colocando a cabeça para fora do quarto. Não existe
ninguém por aqui e não ouço nenhum barulho, me encorajando a sair.
Procuro por um banheiro e logo o encontro. Fecho a porta e deixo a água tomar conta da
minha mão, levando embora os resquícios dos materiais. Uma imensidão escura cai pela pia e eu
fico observando a água escura ser levada embora e a água límpida tomar conta.
Puxo a toalha e seco as mãos, avaliando os detalhes dos dedos para não sobrar nenhum
resquício de tinta. Saio do banheiro e o corredor está mais uma vez tomado pelo som do piano e
congelo no lugar.
Mordo o lábio e reprimo minha vontade de ir até o quarto. Faço menção de colocar um pé na
direção do final do corredor. Não, Heaven. Volto.
Meus braços se arrepiam ao reconhecer a música. “Imagine” do John Lennon ressoa pelo
lugar. Meu corpo treme, porque estou pensando na letra da música e o pouco que sei sobre Anker
Reeves.
Ele é um ex-soldado da guerra do Afeganistão.
E essa música…
Ela fala sobre imaginar um mundo sem guerra e com paz. Coloco um pé de novo na direção
do quarto, tentando lugar contra a ardência em minha garganta. É um pedido de socorro da parte
dele? Ou eu estou pedida demais dentro da minha mente?
Desta vez não há letra, apenas o som. Em passos sutis, eu chego perto da porta. Chega a ser
engraçado, porque acho que jamais conseguiria ficar apenas ouvindo Anker tocar.
Lá fora, um raio estoura e a luz do corredor se apaga. Quando meus pés param no batente da
porta, vejo apenas a escuridão sutil no quarto enquanto a cabeça dele se mantém baixa ao tocar
as teclas com força. Fico ali, com os braços cruzados e encostada no batente.
Anker usa um jeans, camiseta e botas pretas. Novamente, está de costas para mim e eu vejo
pouco do seu rosto. Seus dedos trabalham no dedilhar de maneira a vida.
Eu posso jurar que, pelo balançar da sua cabeça, está com os olhos fechados.
Olhando assim, eu tenho certeza que a pintura que fiz dele tocando piano ficou tão real
quanto é, porém... ainda existe algo sobre como ele se envolve nas sombras para tocar essa
música.
— Você vai ficar só olhando ou também vai tocar? — a voz dele me acorda do transe.
Sinto as bochechas ficarem quentes e retiro o sorriso dos meus lábios no mesmo instante.
Apesar do convite, a voz parece… irritada. Anker tira os dedos das teclas e vira o corpo para
mim, devagar.
Não consigo ver muito.
— Eu não toco — minto.
— Você parece conhecer as notas.
— Uhu. É...? — pergunto, rindo baixinho.
— Sim. Você mexe a ponta dos dedos quando a música está ressoando.
Eu franzo o cenho ao mesmo tempo que as sobrancelhas se unem.
— Você tem olhos nas costas? — Ele ri. — Porque até onde eu sei, você só...
— Enquanto pinta — fala, tomando a cabeça para o lado. — Os dedos da sua mão esquerda
tamborilam no quadril quando você está pintando.
Eu engulo em seco ao mesmo tempo que solto uma risada sem graça. Molho os lábios com a
língua e abaixo o olhar.
— Quero que você pinte essa parede — ele muda o assunto, apontando para a parede de
mais de oito metros ao lado do piano.
— Posso entrar? Ou você vai me mandar embora? — pergunto em um tom de ironia, já
dando um passo para dentro.
Ele não responde, então me sinto encorajada. Com o corpo levemente trêmulo, caminho até a
parede em questão. Não sei o que estou fazendo... aqui conversando com esse cara como se ele
não me afetasse. Sobre como se ele não tivesse me visto pintar.
Nunca deixei ninguém ver isso.
Observo a parede ao tocá-la, meus dedos percorrendo a extensão.
— O que quer que seja desenhado?
— Eu ainda não sei o que ficaria bom — revela e eu quase travo quando escuto ele se
levantar. — Você que é a artista aqui.
— Quer uma opinião?
— Talvez — murmura, parando atrás de mim.
Fecho os olhos por breves segundos. Sinto o calor do corpo atrás do meu, mas demoro
algum tempo para me mover.
— Então…
Giro no eixo, virando-me de frente para ele. Ele está perto, mas não demais. Noto que Anker
é alto. Extremamente alto, os ombros parecem mais largos e os braços mais fortes e fortes.
Mesmo próximo, consigo ver tão pouco do rosto dele…
— Sou melhor com pinturas abstratas… — murmuro, sem saber muito o que falar. — Não
sei se ficaria bom na parede.
— Seus quadros estão espalhados pela minha casa, acho que qualquer coisa que você fizer
vai ficar bom.
Engulo em seco quando lá fora, um relâmpago faz um som agudo soar.
— Acho que preciso ir, a luz…
— Os portões não abrem sem energia — revela, e eu estremeço quando um raio brilha no
céu.
Então a luz entra pelas janelas da sala e eu vejo algo que nunca tinha notado. As cicatrizes.
A lateral esquerda do seu rosto tem uma quantidade de pele queimada, em uma deformidade pela
bochecha e indo até uma parte do pescoço. Como se a pele tivesse queimado.
De repente, me sinto desesperada para perguntar sobre isso.
— Vai olhar para elas por muito tempo?
Pisco algumas vezes. A luz momentânea lá fora já se desfez, estamos mais uma vez no
escuro.
— Como é?
— As cicatrizes. Eu sei que são horríveis.
— Sinto muito — murmuro, inquieta. — Sei que você esteve…
— Na guerra — completa ele com um tom mal humorado tomando o ambiente. Ele dá um
passo para trás, indo na direção do piano enquanto manca. — Você pode voltar amanhã e vamos
falar da pintura.
— Está me mandando embora? Acabou de dizer que os portões não abrem — rebato, me
sentindo ainda inquieta. — Sabe, uma tela em branco pode nos trazer muitas coisas em mente —
tento mudar de assunto.
Demora alguns instantes, até que ele diz:
— Uma partitura também.
— Você toca bem. Parece tocar com a alma. Isso é muito bonito — confesso.
Eu estou surpresa por ter dito isso. Por que eu estou falando isso? Anker não precisa dizer
nada para eu saber que ninguém nunca lhe disse aquilo.
— Pelo menos não preciso ter pernas funcionais para tocar.
Engulo em seco, mas logo solto uma risada nervosa.
— Olha, eu não sei o que você passou na guerra, ou porque você está se movendo com
dificuldade ou de que maneira tem a pele do seu rosto queimada, mas tenho certeza de que ficar
relembrando disso a cada momento não é a melhor coisa.
Ele ri, sem graça.
— Agora você vai entrar aqui e dizer como eu preciso me comportar?
— Não estou falando isso, senhor Reeves — rebato, irritada. — Estou apenas deixando claro
que você sequer se sentiu bem sobre o elogio, só preferiu se autodepreciar com as sequelas do
que passou.
— Você ao menos conseguiu olhar para mim, porra. Como acha que consigo não pensar
como pareço um monstro?
As luzes, então, se acendem na sala, me dando uma visão do rosto dele por completo. Aperto
as mãos em punho ao lado do meu corpo e o encaro. A cicatriz no rosto deve ter pelo menos uns
dez centímetros de altura e pouco mais de cinco de largura. Não é tão grande assim.
E mesmo com o corpo levemente curvado para o lado em que manca, Anker Reeves é um
dos homens mais bonitos que eu já vi.
— Vamos fazer um trato — proponho. — Venho sem nada em mente e você escolhe a
música.
Ele olha para os lados, parecendo inseguro.
— Eu não vou ficar aqui e…
— Então não vou pintar — rebato, arqueando as sobrancelhas quando ele me encara,
incrédulo.
— Pago o dobro.
— Que se foda o seu dinheiro. A sua música me inspira — sou sincera.
Estranhamente sincera. Não consigo evitar surpresa pelo que acabei de falar em voz alta.
Que embaraçoso. Porém, existe algo sobre a forma como ele está se mantendo no ataque e
defesa que me deixa inquieta.
Talvez seja porque eu não consigo me aproximar desta maneira.
Lá fora a chuva continua enquanto um embate silencioso se projeta entre nós. Assim, de
perto, consigo ver os olhos dele por mais algum tempo. O que fizeram com a cabeça dele para
ele achar que é um monstro?
— E se eu tiver um péssimo gosto musical?
Aperto os lábios em um meio sorriso, um pouco feliz pela confirmação escondida na
pergunta. Caminho na direção da porta, sem responder. O olhar dele me acompanha. Antes de
cruzar o batente, viro o rosto para trás apenas para dizer:
— Amanhã eu estarei aqui às duas horas para lhe falar do que eu preciso para pintar e para
terminar o serviço do outro quarto.
Quando estou quase saindo, ele diz:
— Espera!
Viro o rosto para ele.
— Por que está fazendo isso? É por pena? Não sou um aleijado que precisa de piedade.
Dou de ombros.
— Nunca achei que precisasse.
Meu coração está batendo na garganta quando saio da casa de Anker Reeves.
Mas. Que. Diabos?
O que foi que eu fiz? Nunca fui tão impetuosa assim com ninguém e praticamente ditei
ordens para o cara que está me pagando uma bolada de dinheiro para pintar as paredes de sua
casa.
Meu rosto está quente por conta da vergonha. Ainda estou dentro do metrô quando recebo
uma mensagem de Brandon me convidando para jantar em uma hamburgueria. Para a minha
imensa sorte, Brandon estava dedicado a uma semana intensa de provas na faculdade e mal notou
meu nervosismo.
Meu pensamento até a hamburgueria são tomados pela vontade absurda de contar para
Brandon sobre o que experienciei hoje, as sensações inquietantes e novas. Talvez as mais
intensas em... muito tempo.
Só que então começo a pensar na sequência de perguntas que ele tem me feito.
Quem é Alex?
De onde você o conhece?
Vocês já ficaram?
O quanto você gosta dele?
Você fica sozinha com ele enquanto trabalha?
Chacoalho a cabeça e mantenho-me embaixo do guarda-chuvas enquanto cruzo o
estacionamento. Pelo vidro da frente, consigo ver a garçonete do lugar se debruçar em cima da
mesa conversar com Brandon enquanto masca um chiclete e brinca com uma mecha de cabelo
entre os dedos. Ela está usando um decote grande o suficiente para se ver quase metade dos
seios, porém, não é isso que me faz parar com os pés no chão.
É exatamente quando Brandon pega o pequeno papel dobrado da mão da loira e sorri de uma
forma galante, guardando o item no bolso do jeans.
Sinto o meu rosto aquecer de raiva e, sem pensar muito, corro até a porta do lugar. Abro a
porta com força. Brandon dá um pulo da cadeira quando me vê e a garota se coloca em pé. Todo
aquele sentimento de euforia é substituído por esse emaranhado de raiva em meu peito. Lanço
um olhar, no mínimo, ameaçador a ele.
— Anjo… — Ele sorri, mas vejo um tremor em sua voz.
Engulo em seco e observo a garota se afastar.
— Pelo visto, você já tem companhia para o jantar.
— Não faz isso, amor…
Estou tremendo. Tremendo tanto.
— Me deixe ver o papel que ela te entregou.
Brandon rola os olhos.
— Por Deus, Heaven, não faça isso. Você não é uma louca ciumenta.
— Então me deixe ver o papel. — Estico a mão, com a palma para cima. — Se você não tem
nada a esconder, eu vou entender e te pedirei desculpas. Agora não me peça para ficar calma
quando vejo uma mulher enfiando os peitos na cara do meu namorado e ele não faz nada para
afastá-la.
Sei que as pessoas estão olhando, mas não me importo. Estou tão brava e triste que…
caramba, a ida até a casa de Anker parece há uma eternidade distante.
Brandon aperta os lábios em um traço fino e se aproxima de mim ao abaixar o rosto:
— Você está fazendo uma cena, Heaven.
— Então me mostre a porra do papel — resmungo, firme.
Finalmente Brandon cede. Ele me entrega o papel e assim que eu o abro, com as mãos
molhadas de suor e os olhos embaçados de lágrimas, meu coração parece afundar no peito.
— Seu filho da puta! — Jogo o papel no chão e viro no eixo, indo na direção da porta.
Era o número de telefone dela.
Como… Como eu pude acreditar nele tão cegamente? Brandon era praticamente um
mulherengo antes de nós nos envolvermos. Ele teria mudado tão bruscamente? Por que ele me
fez acreditar que sim?
Não sei como me sinto.
Traída, talvez?
Não consigo processar nada além das lágrimas e da chuva que molha o meu corpo.
— Amor. Amor! — a voz dele ecoa.
Viro o rosto para ele, querendo pular em seu pescoço.
— Amor, não faz assim — pede, manhoso.
— Vai. Se. Ferrar. — respondo, acenando para um táxi.
Estou com o corpo trêmulo quando o carro para e Brandon se aproxima.
— Heaven. Baby, vamos conversar.
Eu entro no carro, virando o rosto rapidamente para ele apenas pra dizer:
— Volte para lá e continue olhando para os peitos da garçonete gostosa, Brandon.
Droga, quando eu me tornei essa pessoa?
Me amaldiçoo assim que tomo essa atitude estúpida. Eu deveria conversar com ele.
Pacificamente. Como eu sempre fiz. Qual é o problema em analisar uma pessoa bonita? Eu
também não estava fazendo isso com Anker? Meu Deus, eu estou me tornando a pessoa mais
controversa do universo.
Abro a porta do carro, mas a mão de Brandon cobre a minha, me segurando com um pouco
de força. Olho para ele, que também está molhado.
— Vai ser assim agora? Vai agir como uma criança birrenta só porque me entregaram um
número de telefone?
— A maneira como você se comporta sobre isso diz muito sobre você — ironizo, tremendo
— Agora me solta!
Ele me aperta mais.
— Heaven.
— Me deixa ir.
— Tá precisando de alguma ajuda, moça? — o motorista pergunta.
Brandon olha para o homem e me solta. Entro no carro e bato a porta, dizendo o endereço
depressa. Minha mão dói pela forma como Brandon me segurou, mas não me concentro nisso.
Porque o meu coração parece em pedaços.
— Droga... — me xingo, segurando o rosto com ambas as mãos.
Meu telefone vibra e eu o pego, aproveitando que o sinal está vermelho.
Brandon: Amor, estou indo pra casa. Podemos conversar?
Heaven: Preciso esfriar a cabeça.
Brandon: Anjo...
Heaven: Amanhã falo com você.
Brandon: Estarei em casa, esperando até você decidir vir.
Assim que abro a porta da frente de casa, sorrio, completamente molhada e com os olhos
cheios de lágrimas. Mag está sentada no sofá, vendo televisão, e se levanta logo que me nota.
— Céus, Heaven, o que aconteceu? — ela pergunta.
Me jogo em seus braços, enterrando o rosto no pescoço dela e soluçando.
— Criança, o que…
Nego com a cabeça, querendo um pouco de conforto sem precisar explicar nada a ninguém.

No dia seguinte, quando chego na casa de Anker, Marie me olha com animação quando vê
minha maleta de tintas. Ela me dá espaço para passar e eu adentro ao hall. Minha barriga ronca
assim que eu sinto o cheiro de comida vir pela casa. Amaldiçoo minha briga com Brandon,
porque eu até mesmo perdi a fome nas últimas horas.
Ele está tentando me ligar desde ontem e tenho recusado suas ligações.
Não sei bem como lidar com essa situação. Afinal de contas, é algo recente e simplesmente
não consegui processar a situação. Foi uma traição? Pode ser considerado uma? Não sou
especialista em relacionamentos e isso parece vergonhoso demais para perguntar para Rosie ou
Mag.
Ontem, depois de chorar um bocado, dormi no colo de Mag enquanto ela pegou sorvetes e
assistimos a algum seriado. Foi bom para distrair minha cabeça, mas hoje, assim que acordei, a
sensação dos dedos de Brandon na minha mão me queimavam.
Então assisti as aulas quase que de maneira automática e depois fiz um caminho muito maior
que o habitual para ir embora e não cruzar com Brandon.
Eu ainda não sei como ele vai reagir, porque ontem pareceu que o que ele fez não foi nada. E
mesmo que eu esteja extremamente magoada, não sei se tenho forças para explicar isso para
Brandon.
Ele não se preocupou com como me sinto sobre os quadros ou sobre o meu trabalho. Por que
estaria preocupado com a forma que me sinto em relação ao seu interesse em outra mulher?
— A senhorita deseja almoçar? — Marie pergunta.
— Acho que um sanduíche está bom. Não quero incomodar.
— Claro que não. Vou pedir para colocarem mais um prato na mesa. Vamos servir em
alguns minutos. O senhor Reeves está nos fundos da propriedade, caso esteja procurando-o.
— Hum. Obrigada.
Coloco a maleta e a minha mochila no chão, agora mordendo o lábio ao me perguntar se eu
deveria procurá-lo. Ontem ele pareceu recluso. E como eu tinha percebido na outra vez, como se
fosse um animal ferido. É mesmo inteligente ir atrás dele no jardim?
— E eu posso… tipo, ir atrás do senhor Reeves? — pergunto, nervosa.
Ontem Marie disse que o irmão tem muitas esperanças nele. Então não parece um pouco
controverso que ela me diga onde ele está e permita que eu vá atrás dele?
A mulher me olha com um sorriso suave nos lábios.
— Ontem pude ouvir vocês dois conversando. Sabe, faz algum tempo que eu não vejo o
senhor Reeves sorrindo. Ele sorriu durante o jantar e a única coisa diferente em seu dia foi sua
visita. Então acho que está tudo bem você ir até lá.
Meu rosto queima em vergonha.
— Uh…
— Mas se ele perguntar, eu não disse nada... — Ela ri, desaparecendo pela porta à minha
direita. Pelo som de panelas batendo, sei que é a cozinha.
Continuo em uma espécie de corredor e, no final, vejo uma porta aberta. Nego com a cabeça
quando eu caminho para a porta, que está aberta, revelando um jardim incrivelmente lindo aos
fundos da propriedade. Apesar da neve, que ainda está descongelando, o lugar é incrível.
Eu tento avaliar onde posso encontrá-lo e meus olhos acabam se perdendo no lugar. Grama
baixa, árvores altas e algumas flores espalhadas pela extensão. Tenho vontade de tirar os tênis e
as meias, procurando sentir minha pele em contato com o gramado. Porém, não parece uma ideia
muito inteligente, visto o acúmulo fofinho e branco ainda pelo ambiente.
Sigo caminhando em linha reta, na direção do fim do gramado. Os barulhos dos pássaros
cantarolando e das folhas batendo umas nas outras são a única coisa que eu escuto. Meus olhos
buscam incessantemente por onde Anker está.
Em poucos passos, sorrateiros, eu encontro o que procuro.
Existe uma pequena movimentação dentro da construção à minha esquerda. Por conta dos
vidros, consigo ver o vulto que se move dentro do lugar. Nunca vi uma estufa de flores de perto,
mas com absoluta certeza isso é uma. Paredes e teto de vidro estão levemente foscos pela neve.
Quando estou quase perto o suficiente para espiar pela porta do lugar, meu telefone começa
a vibrar no bolso. Resmungo baixinho e, assim que vejo o nome na tela, meu coração quase para.
Brandon está me ligando de novo.
Fico encarando o telefone por tempo demais, decidindo se atendo ou não. Se eu não atender,
ele provavelmente não parará de ligar durante toda a tarde e isso parece me deixar ainda mais
irritada. É melhor cortar o mal pela raiz.
— Brandon! — minha voz soa curta quando atendo, quase um sussurro nervoso.
Não quero anunciar minha posição para Anker, porque estou curiosa demais para vê-lo
mexer nas flores. Porém, parece que o meu namorado está testando minha paciência.
— Anjo, estou na frente da sua casa tentando te encontrar.
Ranjo os dentes.
— Não disse que eu que te procuraria? — resmungo, irritada.
— Ah, Heaven… Eu não aguentei.
— Eu pedi por espaço e você está sendo um insistente do caralho.
— Não posso mais esperar. Estou ficando maluco longe de você.
Se antes essas palavras causariam um agito no meu coração, agora fazem ele se comprimir.
Isso porque é a memória da garçonete gostosa sobre ele que me vem à mente. E o maldito papel
com o número de telefone.
— Então por que aceitou o telefone dela?
Há uma pequena hesitação da parte dele, que bufa do outro lado.
— Por educação.
Solto uma risada alta e sem graça.
— Ah, me poupe, Brandon — brado, já sentindo o meu corpo tremer em fúria.
— Você acha que eu faria algo com ela? Porra, Heaven, eu até mesmo te apresentei aos
meus pais. Nós estamos juntos.
— Exatamente por isso você não deveria ter aceitado. Ou talvez ter conversado da forma que
fez. Porque se ela te entregou o número de telefone, é porque você deu alguma abertura.
— Não é bem assim, anjo… — há uma pequena irritação na voz dele. — Eu já te disse como
me sinto sobre os seus ciúmes.
— Agora você está me acusando? — minha voz treme e preciso fechar os olhos por breves
instantes. Aperto a ponta do nariz, pressionando-o com força. — Não inverta a situação. Quando
me sentir pronta para conversar, te aviso.
— Onde você está? — existe um julgamento na voz dele e aquela irritação ainda está lá. —
Estou na frente da sua casa já faz algum tempo. Você já deveria ter voltado da aula.
— É sério que essa é a sua maldita preocupação? — Solto uma lufada de ar, sentindo os
ombros caírem em derrota. — Estou no trabalho. Não sei que horas volto.
Ele respira de uma forma irritada do outro lado. Não posso manter essa discussão por
telefone, então digo:
— Está vendo como isso parece controverso? Você está controlando onde estou e bateu em
um antigo professor meu por ciúmes. Quer saber? Te ligo mais tarde! — E desligo.
Antes mesmo que eu coloque o telefone no bolso do casaco, ele treme com uma mensagem
dele:
Brandon: Desligar na minha cara é sua melhor forma de encerrar isso?

Eu o ignoro, empurrando o telefone para o bolso. Em seguida, esfrego o rosto e solto uma
porção de ar pelos lábios, encarando o céu azul cheio de nuvens.
— Problemas no paraíso?
Dou um pulo quando a voz surge. Meus olhos buscam pelo dono dela e, assim que não
encontro nada, meus olhos absorvem um pequeno vulto no interior da estufa. Meus pés se
movem nessa direção.
— Namoros são complicados — revelo enquanto entro no lugar.
— Ah, eu tenho certeza que sim.
Mesas e prateleiras de madeira com flores e folhagens estão espalhadas pelo ambiente.
Porém, não vejo Anker. Me concentro em uma prateleira ao meu lado, observando as flores em
tons de rosa.
— Não deveria ser, não é? — indago, tocando suavemente as pétalas. — Namoros deveriam
ser pacíficos e tranquilos.
— Você não parece ter visto muitos relacionamentos de perto, porque sempre que duas
pessoas estão se relacionando existem conflitos, porém… — Escuto os passos dele pelo lugar, e
mesmo que meus olhos estejam fixados nas pétalas entre meus dedos, sinto quando ele para atrás
de mim. — Bater em um professor por ciúmes parece algo estúpido.
— Brandon tem problemas com ciúmes, ele…
— E explicar-se sobre o comportamento ridículo do companheiro com certeza é um
problema. Dos grandes.
Raiva floresce no meu peito e paro de tocar a flor. Me mantenho no lugar, com esse cara
atrás de mim. O que ele sabe sobre Brandon e eu?
— Você não parece o tipo de pessoa que sabe sobre relacionamentos, já que vive isolado
dentro de uma casa assombrada — revido, sentindo um mal-estar se alojar no meu peito no
instante em que as palavras escaparem da minha boca.
Arregalo meus olhos e depois os fecho. O que esse cara faz com o meu comportamento
racional que me deixa sempre tão nervosa e estúpida? Nego com a cabeça, tentando encontrar
palavras para me desculpar sobre isso. Estou tão envergonhada que não consigo me mover para
encarar os olhos dele.
Se Brandon aflora em mim uma parte rebelde e adolescente, Anker parece ter acesso a uma
parte mais profunda ainda. Aquela que existia antes da minha mãe morrer, onde deixava meus
sentimentos falarem além desse aprisionamento cheio de receio sobre o meu coração.
— Me desculpe, eu…
— Você tem razão — o tom dele não parece demonstrar raiva quando continua a falar: —
Eu não tenho um relacionamento há algum tempo. Na verdade, tive apenas um sério o suficiente
para ser chamado de relacionamento. E visto que fui deixado, mesmo depois de assumir uma
criança que não era minha, acho que não tenho grandes conselhos para compartilhar.
Meu corpo se move instintivamente. Porra, quero me socar no rosto e também abraçar esse
homem. Assim que meus olhos pousam nos dele, próximo demais, estou levemente com os
lábios abertos em surpresa pela sua confissão.
Na luz do dia, as cicatrizes do rosto de Anker não parecem tão assombrosas.
Quer dizer, elas estão ali, tomando uma parte grande da sua pele, porém, não sei como parar
de encarar os seus olhos. Se ele tem receio de encararem a parte queimada da sua pele, Anker
não parece ter ideia dos olhos que possui.
— Então você tem uma filha?
Os olhos perscrutam meu rosto.
— É isso que você realmente quer saber?
— Não. Estou apenas sendo educada antes de perguntar por que você foi abandonado nessa
casa enorme — revelo, comprimindo os lábios por alguns instantes.
Anker me encara por longos instantes, até que dá um passo para trás e começa a retirar as
luvas de jardinagem. Ele caminha até uma mesinha com alguns equipamentos e quando acho que
não vai continuar, a voz dele soa pelo lugar:
— Daniela e eu nos conhecemos no ensino médio. Ela se mudou para Washington com sua
família e me apaixonei no instante que ela entrou na sala de aula. — Ele solta uma risada
nervosa. — Só que garotas novas eram muito disputadas entre os rapazes, então eu me tornei
apenas um figurante porque não era um cara muito popular.
— Você já era bom em ficar sozinho nas sombras, se escondendo?
— Não. — Me olha sobre o ombro. — Comecei a fazer isso só depois que uma bomba
estourou do meu lado e fiquei parecendo um monstro.
— Ah, por favor! — Rolo meus olhos, cruzando os braços. — Você não parece um monstro.
Tá mais para um cara de meia idade rabugento. Agora, continue a história, por favor.
Há a sobra de um sorriso em seus lábios quando ele vira o rosto para a frente. Então descarta
as luvas sobre a mesa e um avental jeans que usa. Em seguida, começa a lavar as mãos na
pequena pia ao lado.
— Daniela logo levou um pé na bunda de um dos rapazes do time de futebol americano e,
naquele instante, nós nos tornamos amigos. Quer dizer, ela era uma vizinha da minha família e
eu estava sempre a observando.
— Como um stalker?
Ele ri baixo, fazendo o meu corpo arrepiar com o tom grave da risada.
— Não, só como um adolescente apaixonado — revela e então se vira de frente para mim.
— Nós fomos ao baile de formatura juntos e ela sabia que eu me alistaria para os Fuzileiros
Navais. Quando nós nos beijamos, ela começou a chorar.
— Nossa, que romântico.
— Ela estava grávida e não sabia o que fazer porque o pai da criança pediu por um aborto.
Então, propus um casamento para que ela tivesse todos os benefícios que eu teria e assim nós
protegeríamos o bebê.
— Muito nobre da sua parte — murmuro, sorrindo.
Ele escova os cabelos médios para trás, encarando o chão por alguns instantes.
— Durou cerca de dez anos. Todos os anos, quando eu voltava das missões para as minhas
férias, nós nos aproximamos mais. — Ele solta o ar lentamente dos pulmões. — Então, há cinco
anos, uma bomba estouro ao meu lado, transformando-me nessa porcaria inválida.
— Ei… — reprovo, mas ele não me ouve, parecendo perdido nos pensamentos e com o
olhar vago em um ponto no chão.
— Quando eu acordei, em um hospital na Alemanha, quase três semanas depois, Daniela
estava lá, com um olhar apavorado para o meu rosto. Eu soube naquele mesmo instante que eu
tinha a perdido, mesmo…. mesmo depois de tudo.
— Eu sinto muito. — Ele finalmente sai do transe e me olha, arqueando as sobrancelhas. —
Sei que você deve ter ouvido muito essas palavras, mas sinto muito por ter passado por mais essa
dor depois do que aconteceu com você. Só que… se ela realmente te amasse, ela não teria feito
isso.
— Me transformei nisso! — Ele aponta para o rosto e depois para a perna. — É claro que ela
não queria continuar casada com essa aberração.
— Nossa, você realmente é muito bom na coisa da autodepreciação — resmungo, fazendo as
sobrancelhas dele se arquear. — Ela deveria estar orgulhosa por você estar lutando pelo nosso
país. Honrada em estar do lado de um cara que colocou as necessidades dela em primeiro lugar
quando ela mais precisou. Aparências não são a coisa mais importante da nossa vida. Realmente
espero que você tenha um contato bom com sua filha.
— Ela tem quinze anos, está em uma fase complicada… — revela, abrindo um sorriso
suave.
— Então, vocês moravam aqui? — Aponto para a casa e ele concorda. — E agora, onde elas
estão?
— Daniela voltou a morar com a mãe e levou a nossa filha para Nova Jérsei. A minha filha
vem me visitar uma vez ao mês.
— E você mantém a casa nesse estado há cinco anos? Coitada da garota. É quase um filme
de terror.
Os olhos se estreitam na minha direção. Depois, ele começa a caminhar na direção da porta.
O sigo. Noto que não parece mancar tanto quanto ontem. Ele está esquecendo de mancar?
Intrigante.
— Contratei uma decoradora e ela tem opinado sobre toda a parte da casa — revela. —
Pensei em comprar um lugar novo, mas essa casa é especial para Rubi.
— Rubi? — pergunto enquanto caminho ao lado dele, seguindo na direção da casa. —
Colocou o nome da sua filha em um tom de vermelho?
— Sim. Gosto muito das músicas daquela banda, Outbreak. E eles tem a música…
— Todos os tons de vermelho! — estalo, fazendo-o ficar surpreso pelo meu súbito ataque de
felicidade. — Oh, desculpe, é que bom… Eles realmente são muito bons e essa música, mesmo
tendo quase cinco anos, ainda é a minha favorita. Apesar do Hunter Grayson já ter seus quase
trinta anos, ele é um colírio para os olhos.
— Estamos mesmo falando sobre qualidade musical ou sobre a beleza do vocalista da
banda? Olha… eu nem sei o porquê vomitei tudo isso em você — diz, caminhando ao meu lado.
— Queria que eu ficasse com pena de você, eu acho. — Anker me olha, mas continuo
encarando o caminho. — Tem feito muito disso, não é? Se escondendo em casa com medo de
que as pessoas vejam suas cicatrizes. Dá pra ver, pela forma como você reagiu naquele primeiro
encontro e com suas frases de “oh, sou um monstro, aberração, e blábláblá”.
Então, ele ri, fazendo aquela coisa estranha com o meu coração.
— Você não sabe como é ter um rosto e um corpo desta maneira.
— Ah, não sei mesmo — rebato, sentindo as canelas geladas pela neve fofinha que
precisamos atravessar. — Só nós mesmos sabemos o peso das dores que carregamos. Sabe, eu
fui abandonada pelo meu pai antes mesmo de nascer e perdi minha mãe aos dez anos. Fui criada
pela minha avó materna, que era uma desgraçada que me punia pela raiva que tinha das
insanidades da minha mãe. Agora estou morando com uma amiga da minha falecida mãe e me
sinto tão perdida quanto ficaria se estivesse no meio de um campo de guerra no Afeganistão.
Ele para de caminhar, e eu também.
O encaro em seguida.
— Está fazendo piada com a guerra?
— Só para descontrair. — Dou de ombros, mesmo insegura com possível a reação dele.
Porém, novamente, Anker sorri de lado.
— Acho que já sei o motivo pelo qual soltei tudo aquilo para você. E não tem a ver com
piedade — revela, fazendo minhas sobrancelhas se arquearem em curiosidade. — Fazia algum
tempo que alguém não me enfrentava.
— Enfrentar?
— Você me colocou contra a parede ontem e hoje. Acho que senti falta disso. As únicas
pessoas que converso, além dos meus funcionários, são Alex e a minha filha. E eles parecem
sempre estar pisando em ovos.
— Então você é mesmo um ermitão recluso? Não tem contato social com outras pessoas? —
indago.
Novamente, ele está sorrindo.
— Alex me deu um ultimato há alguns meses. Ele tem se irritado com essa minha fase
depreciativa e queria me levar a um terapeuta para falar sobre isso.
— Realmente acho uma boa. Você tem bastante frustração no seu coração e na sua mente.
Anker apenas ignora a minha frase e continua falando:
— Então, eu passei um tempo caminhando pelo centro da cidade tarde da noite com
moletons e gorros para esconder o rosto. Até que encontrei uma galeria no centro — fala, me
encarando de uma forma diferente. — E alguns quadros me chamaram a atenção.
Engulo em seco, nervosa pelo rumo da sua fala.
— E mesmo que eu não tenha tido mais coragem em sair por aí, mesmo que a noite, Alex
tem me trazido os quatros.
— E torta de maçã — murmuro, fazendo-o me olhar com curiosidade. — Alex e eu falamos
sobre isso, não é nada demais.
Anker apenas dá de ombros e, mesmo que meu coração esteja galopando com tanta força no
peito, não consigo me mover quando ele está começando a ir na direção da porta dos fundos da
casa.
Alex disse que o irmão estava sorrindo ao ver meus quadros e agora… agora esse cara está
se abrindo comigo de uma forma tão pura.
— Anker… — Ele para de caminhar e me olha. — Talvez seja bom considerar um terapeuta.
Você jogou suas frustrações para fora e nos conhecemos há menos de vinte e quatro horas. Quem
sabe isso seja uma necessidade intrínseca sua. Sabe? Colocar pra fora para se sentir melhor.
Ele se cala, mas antes que nós continuemos a seguir, viro meu rosto para observar o lugar.
Um pequeno lago, um píer, arvoredo, pássaros voando. Meus olhos avaliam cada detalhe do
momento.
Resolvo ir até lá. Estou quase no trapiche de madeira quando escuto passos atrás de mim.
Um calafrio estranho corre no meu corpo. Olho para os meus pés.
Droga, eu já estive aqui.
Meu corpo inteiro vira para na direção Anker, parado atrás de mim. Ao mesmo tempo, os
meus olhos se enchem de lágrimas. Sinto os meus braços arrepiados quando começo a perceber
melhor os detalhes do lugar.
O meu sonho.
É aqui.
Tento captar todas as cores e os tons. Eu tento ler a energia do lugar. Meu lábio treme.
Abraço os meus próprios braços e sinto as pernas fraquejarem um pouco. É intenso. É diferente
tudo o que eu já senti em toda a minha vida.
Tudo parece se intensificar quando dois braços circundam o meu corpo. O meu corpo volta a
se arrepiar. Meu olhar sobe até o dele. Anker me olha, confuso e preocupado. E eu estou tão
confusa quanto.
— Você quase desabou, Heaven — ele diz, ainda com o corpo perto do meu.
Ele é quente. Mas não queima. É confortável. Um calor confortável. Meus olhos voltam para
a paisagem.
— Eu já estive aqui — sussurro. — Eu venho aqui quase todas as semanas. — Chacoalho a
cabeça e respiro com dificuldade. — Todas as semanas. Meu Deus. O cheiro é igual — falo,
atônita.
Ele não comenta nada. Apenas continua ali. Me amparando.
Nós evitamos falar sobre o momento no lago enquanto almoçamos.
Anker me contou um pouco dele... Falou que a mãe era musicista e o ensinou a tocar piano.
Já o cuidado com as flores foi algo que aprendeu com a antiga esposa. Falei um pouco da minha
vida, ele escutou atentamente sobre Mag, a morte da minha mãe, o meu curso e sobre os meus
quadros.
Agora, estou sentada no chão, em frente à grande parede branca. Ele está na frente do piano.
Sem muito falar, ele começa a tocar uma música e eu me pego imaginando o que pintar.
Eu reconheço as primeiras notas da música. Olho por cima do ombro e vejo Anker com os
olhos alternando entre fechados e abertos para cantar. “Let It Be” dos Beatles é recitado com
calmaria. Viro o corpo apenas para olhar de outro ângulo como ele toca. Seus dedos mudam as
notas rápido.
E por incrível que pareça, eu vejo verde. Vejo a aura brilhando dele para mim. Seus olhos
nem precisam estar nos meus para que eu a veja.
Me viro para a parede branca mais uma vez.
— O que você acha da paisagem do lago?
Ele não responde. Termina a música e eu me levanto, agora pegando um lápis.
— E acho inspirador.
Viro o rosto para ele, um sorriso tímido nos lábios.
— Eu preciso de algumas coisas para pintar...
— Deixe-me adivinhar — ele pontua. — Música.
— Sim.
— E tem algo peculiar.
Eu viro o rosto para ele.
— Os pés.
Eu olho para os meus pés no chão e ele continua.
— Você precisa estar em contato com algo. Diretamente. Os pés servem para isso.
— Eu nunca falei isso para ninguém. — Levanto os olhos para ele. — Sempre estou com
eles no chão para pintar. Você parece um grande observador.
Ele sorri, passando a mão todas as notas do piano e me fazendo rir.
— Vamos pintar e tocar, então.
Giro o lápis entre os dedos e começo a riscar a parede à minha frente com Anker tocando
piano.

— Posso pedir um tempo? — ele pergunta, depois de tocar quase dez músicas e eu começar
a misturar algumas tinturas em cima da minha paleta.
— Sim. — Encaro as cores se misturando em cima do meu suporte.
— Vou trazer biscoitos — anuncia.
— Você está mesmo sendo um cavalheiro? — pergunto, ele para sob o batente, me
encarando. — Não sei, talvez eu ainda tenha medo da volta daquela sua versão carrancuda e
rabugenta.
Ele me olha de uma maneira estranha. Esse clima receoso se instalou depois daquele abraço.
Ele não me perguntou sobre as lágrimas ou o que significava o que eu tinha falado. Porém,
realmente algo mudou.
— Não se preocupe. Você não está encarando há tempo demais as minhas cicatrizes ou me
achando um…
— Todas as vezes que as palavras monstro, aberração ou qualquer comentário ruim sobre
você mesmo sair da sua boca, você vai ficar me devendo um dólar — ameaço.
Ele sorri e cruza a porta, caminhando pelo corredor.
Olho para o desenho à minha frente e resolvo começar com a relva verde. Escolho quatro
tons diferentes para começar a pintar. Depois, resolvo fazer uma pintura menor, como se fosse
uma janela sendo aberta para a visão do lago. Ela tem cerca de um metro e meio de altura e
largura, o que me tomará uns dois ou três dias de pintura. No final, eu não estou totalmente
segura sobre o realismo.
O meu telefone vibra no bolso e eu largo os materiais. Puxo ele e vejo uma mensagem de
John. Eu gelo.

John: Podemos nos falar?


Heaven: Sim.
John: Na galeria. Em uma hora.
Olho para o horário. São quase quarenta minutos até lá. Começo a fechar os potes de tinta,
apressada. Minhas mãos suam de maneira frenética e eu resvalo um pote de tinta em cima do
jornal que está no chão.
— Droga... — resmungo, tentando levantar o pote melecado de laranja.
Fecho tudo o que consigo e corro até o banheiro, abrindo a água da pia e deixando a água
correr pelos meus dedos. Lavo as mãos de forma apressada. Abro a porta do banheiro e encontro
Anker com a boca cheia de biscoitos e um prato cheio deles nas mãos.
— Eu trouxe alguns para nós comermos.
— Me desculpe, Anker — falo, secando as mãos no jeans e caminhando na direção da
escada. — Volto amanhã, tudo bem?
Começo a descer os degraus apressada e com o olhar fixo na porta.
Pouco mais de quarenta minutos depois, estou adentrando a galeria de Tom, eufórica e um
tanto quanto desnorteada. Desta vez eu não cumprimento Tom. Eu corro para o fundo da galeria
porque sei que John me espera. Meu coração bate rápido demais e eu tenho a impressão do ar me
faltar. Ele está no mesmo lugar de sempre, mas sem olhar para qualquer quadro.
As mãos estão nos bolsos e a cabeça baixa, encarando o chão.
— John — o chamo.
Ele parece acordar de um transe e me encara, piscando algumas vezes. Coloco a mão na
parede para buscar estabilidade. Quero pedir desculpas pelo comportamento de Brandon, mas
John parece inexpressivo. Vejo um vazio grande em seus olhos.
— O que aconteceu?
Então ele joga a cabeça para o lado e ri como se eu tivesse contado algo engraçado.
— O que houve, Heaven? — Então se aproxima. — O seu namorado aconteceu.
— Me desculpe pelo comportamento do Brandon ele… — falo, dando um passo para trás,
mas então me calo.
Lembro das palavras de Anker. Não devo me desculpar por Brandon. No mesmo instante,
John para onde está e passa a mão nos cabelos, lufando o ar.
— Você sabe o que aconteceu depois daquela atitude estúpida dele? Ele te contou? — solta
as palavras alto demais. — Todos nós tivemos que dar explicações ao reitor. E, para a minha
surpresa, um dos presentes insinuou que eu e você tivemos um caso. Um processo administrativo
está sendo aberto contra mim, Heaven. Tive uma reunião hoje para ser informado.
Abro a boca, buscando palavras para responder. E eu não consigo. Sinto o meu peito todo ser
comprimido e o ar me faltar mais uma vez. Eu não acredito que isto aconteceu.
— John... — é só o que eu digo.
— Não, Heaven — ele fala, levantando a mão e caminhando para trás. — Eu estou aqui
apenas para te pedir para negar isso até morrer.
Eu assinto, sentindo as lágrimas descerem pelo meu rosto.
— Nunca imaginei que você fosse o tipo de garota que pedisse perdão pelas merdas dos
outros. Você sabe que merece algo muito melhor do que isso.
John me olha com tanto desespero que eu não consigo ver nem um resquício de outro
sentimento nele. Ele nega com a cabeça e sai dali, me deixando sozinha com o meu desespero.
Ouço o barulho da porta da frente e só quando isso acontece, e eu tenho certeza de que John
se foi, eu desabo.
Caio de joelhos no chão e escondo o rosto entre as mãos, permitindo meu corpo todo ser
tomado pelo desespero. Não posso acreditar que John corre risco de perder o emprego por causa
de uma estupidez do Brandon.
Escuto passos na minha direção e trato de limpar os olhos, ainda de joelhos no chão. Tom
não pode me ver assim de novo. Fungo e viro-me na direção da porta. Meus olhos levantam e
meu corpo parece ser tomado pelo choque, porque ele está ali.
As mãos caídas do lado do corpo e um olhar assustado em minha direção. Provavelmente ele
me seguiu. O corredor de quadros está com a luz baixa, como Tom sempre deixa. A temperatura
dentro do lugar é amena, mas eu sinto meu corpo todo frio.
Por instantes, eu acho que ele irá correr. Está claro, com a luz do dia entrando pelas janelas e
porta, e assim qualquer um pode ver seu rosto. Anker tem todos os motivos para ir embora desta
confusão. Só que, mais uma vez, ele me busca na escuridão.
Ele me estende a mão.
Reluto com o pensamento de me segurar a ele de novo, mais uma vez neste dia cheio de
altos e baixos. Estendo a mão para ele e, pela primeira vez, sinto sua pele em total em contato
com a minha.
Sinto o conforto no mesmo instante.
Anker então faz algo que me deixa confusa: ele entrelaça os dedos nos meus e me leva para
fora da galeria sem me perguntar nada. Eu não sei o quanto ele ouviu. O quanto ele viu. Só o
acompanho, notando como ele parece mais ereto e quase não manca como ontem. Realmente, ele
parece ter mais coisas em sua mente, porque a perna não parece um problema real.
Ele tem um carro parado na frente da galeria. Anker abre a porta para mim e eu entro, sem
hesitar. Abraço o meu corpo e ele volta para dentro da galeria. Vejo-o trocar algumas palavras
com Tom. Meus olhos recuam até a estrada.
Eu sinto tanta tristeza. Tanta amargura. O comprometimento da carreira de John por conta da
atitude imatura de Brandon. Onde tudo isso vai dar?
Anker abre a porta de trás e coloca algo no banco, depois entra na porta do motorista. Ele
ajeita o banco e o cinto de segurança, ligando o carro em seguida. Eu abraço os meus braços e
tento impedir as lágrimas de descerem mais.
Noto que o caminho para a casa de Alex está sendo feito e eu agradeço mentalmente por
isso. Não posso ir para casa e correr o risco de Brandon aparecer por lá. Não posso falar com ele
desta forma. Preciso organizar os meus pensamentos antes disso.
Anker para o carro na entrada da casa e desce. Ele contorna o veículo e abre a porta para
mim. Coloco as pernas para fora do carro e ele me encara, parando com as mãos nos meus
braços.
Ele continua sem falar nada. Sua mão vem de encontro ao meu rosto e ele afasta as últimas
lágrimas que correm pelo meu rosto.
— Você saiu com um terror nos olhos, praticamente corri até te seguir. Estou tentando
entender o porquê você chora tanto, garota — ele murmura sem nenhum julgamento na voz.
— Acho que a minha vida está um pouco bagunçada. Sinto muito.
— Ah, sim, agora é você que está se lamentando pelos problemas? — ele soa indignado,
mesmo que esteja sorrindo. — Vamos entrar e resolver essa bagunça.
Mesmo com o clima pesado, me sinto um pouco mais leve pela sacada dele. Realmente, ver
Anker na galeria mexeu comigo. Afinal, ele deixou claro que não sai muito por aí e foi atrás de
mim. Nós caminhamos para dentro da casa. Paramos no hall. Meu olhar vai de encontro a ele,
que encara a escada.
Meu telefone começa a vibrar no bolso. Já passa das cinco horas e sei que Brandon
provavelmente está impaciente. Pego o telefone e encaro a tela, nervosa com o que fazer.
— Acho que vou ligar para uma amiga para passar a noite lá.
— Por que?
— Não posso ir para casa. Estarei sozinha e o meu namorado ele… — limpo a garganta,
guardando o telefone e encarando Anker. — Ele está um pouco impaciente por uma resposta que
não consigo dá-lo agora.
Os lábios dele se apertam.
— A última porta do corredor, à direita, é o meu quarto. Você pode entrar, tomar um banho
e usar o que quiser no guarda-roupas…
— O que…
— Você pode ficar. Vou pedir para Marie preparar um quarto para você. A casa é bem
grande, prometo que não serei um bicho papão que vai aparecer no seu quarto para te assustar.
Um sorriso suave desliza pelos meus lábios.
— Você me deve um dólar.
Não sei se é certo dormir aqui.
Eu provavelmente deveria alugar o quarto de um hotel ou algo do tipo, porque se Brandon
sonhar que estou dormindo na casa de um empregador, ele pode não gostar. Então me pergunto
se realmente eu me importo com o que Brandon pensa agora.
Sigo para a escada, subindo calmamente os degraus. Quando chego no topo, eu vejo que ele
me observa. Então sigo para o quarto indicado. Abro a porta e encontro um cômodo de porte
médio, com cama, closet, um banheiro e uma mesa de cabeceira.
Meu movimento seguinte é tirar os calçados e as meias antes mesmo de entrar no banheiro.
Sinto o chão gélido contra a palma dos pés e um alívio momentâneo se espalha pelo meu corpo.
Continuo até o quarto e cruzo a porta, encostando-a atrás de mim. Observo poucos produtos no
banheiro e um cheiro forte de loção para barbear.
Pego uma toalha no armário embaixo da pia e ligo o chuveiro. Tiro as roupas com cuidado e
as coloco em cima do móvel da pia do banheiro. Entro no box e deixo a água lavar o meu corpo
ao mesmo tempo que as lágrimas corram pelo meu rosto.
Alguns soluços escapam dos meus lábios quando lembro de Brandon. Mas quer saber?
Foda-se. Eu preciso, mais do que nunca, pensar sobre tudo isso. Sozinha. Brandon testou o meu
limite de formas diferentes e tento me concentrar nos alertas de Edward e Anker. Pensar em
Edward e Rosie me faz sentir o coração pequeno porque não posso deixar de notar que nos
afastamos um pouco.
Não sei se posso continuar com isso depois de ontem e do que John me revelou. Porém, não
é só isso. Os pequenos traços de controle que ele tem exercido sobre mim e além da marca. Olho
para minha mão, vendo a marca avermelhada ainda dos seus dedos quando ele me segurou.
Não foi por mal, não é?
Foi só um pouco de pressão. Não posso pensar que Brandon me machucaria fisicamente.
Desligo a água do chuveiro e seco o corpo. Coloco o meu jeans e a camisa, saindo do
banheiro com os cabelos úmidos e os pés no chão. Saio do quarto e meus olhos percorrem o
corredor vazio.
Anker não disse onde estaria.
Então eu caminho até o quarto do piano. Para a minha surpresa, está vazio. A noite já está
começando a se formar, onde a coloração do céu é azul-marinho. Eu avalio a pouca iluminação
da noite entrar pelas vidraças grandes das janelas ao fundo do cômodo. Caminho pelo lugar,
observando os rabiscos de uma futura pintura na parede. Sorrio pelos detalhes tão realistas que
consegui reproduzir.
Paro na frente do piano, passando a ponta dos dedos pelas notas. Anker não estava errado, eu
sei tocar. Sei tocar porque minha avó me obrigou a fazer parte da banda da igreja por algum
tempo e, apesar da obrigação inicial, eu realmente gostei de fazer parte.
Nunca tive problemas com a igreja ou com Deus. No geral, eu tinha problemas com a forma
distorcida que minha avó via a religião e seus princípios rigorosos demais. Sinto meu corpo
pender para o banco de madeira. Tomo postura e dedilho algumas notas. Sem que eu pense muito
nas possibilidades, começo a tocar uma música.
Meus olhos fixos na noite estão tentando encontrar resquícios de qualquer sentimento em
mim. Eu vejo um vazio de novo. Eu me sinto pronta para cair em um precipício. Então eu lembro
de Anker me segurando. Olhos momentaneamente para as notas, alternando devagar.
Mesmo sobre o som alto das notas ecoando no quarto, sinto quando ele entra no quarto. Não
me importo. Na verdade, eu não sei como eu consigo criar e externar tanto com a presença de
Anker.
O vejo pela minha direita, caminhando até uma poltrona no fundo do quarto, próxima a
janela. Meus olhos estão fixos nas teclas. Não quero olhar nos olhos de Anker e deixá-lo a
bagunça que sou.
Só quando me sinto pronta, meus olhos procuram pelos dele. Mesmo no escuro, eu os
encontro. Eles continuam serenos. Anker ouvia atentamente.
No fim, eu sinto o ar falhar. Lágrimas grossas estão pelas minhas bochechas úmidas e meus
punhos cerrados. Quando eu me tornei isso? Essa pessoa que chora pelos cantos por causa de um
amor que machuca os nossos sentimentos?
Apoio os cotovelos na base do piano e afundo meu rosto nas mãos. Anker não interfere.
Deixa que eu acalme o meu corpo. Sinto sua mão no meio das minhas costas. Levanto os olhos
para ele. Ele sorri fraco, agora segurando um pincel. Então joga a cabeça para o lado e eu vejo a
tela em branco em um cavalete, próximo à janela.
Ele tinha comprado a tela com Tom e eu não vi.
Sorrio, pegando o pincel das suas mãos.
— Tá querendo um quadro de graça? — brinco, o fazendo sorrir.
— Dá pra ver que você fica em paz e coloca as coisas pra fora quando pinta.
— Grande observador — pontuo, mesmo envergonhada por ele entender o meu processo.
Com a mão livre, pego seu braço. — Muito obrigada por não perguntar nada. Eu ainda estou
tentando entender o que fazer sobre tudo isso.
— Ah, qual é... — ele murmura, sorrindo de forma suave. — Se eu fosse um metido igual a
você, estaria te enchendo de perguntas.
— Metida? — Arqueio as sobrancelhas. — Perguntei sobre a sua filha e confessei que queria
perguntar mais, você que saiu vomitando tudo sobre mim.
Então, ele diz algo que faz meu coração parar por alguns instantes:
— Seus olhos, Heaven. Eles falam mais do que as suas palavras.
Engulo em seco, desviando os olhos dele. Céus, como ele… Como ele também vê isso?
Porque, de algum modo, eu também acho o mesmo sobre ele. Quando ele se move até o
interruptor e acende a luz do lugar, me levanto.
— Você não mancou hoje.
Ele olha para a perna, estreitando os olhos.
— Impossível. Essa perna é a minha perna fodida. Estava perto demais da bomba, precisei
de algumas cirurgias e…
— Tem feito fisioterapia? — pergunto, ele me encara. — Parece que está boa, ou quase boa.
Seus problemas estão na sua mente, pelo visto.
Ele se cala. Com medo de ter ultrapassado algum limite, caminho até o cavalete, que está
virado para a janela. Não gosto. Viro-o para o piano. Anker está sentado, mexendo em algumas
teclas. Esfrego os olhos com as costas das mãos e limpo a garganta, chamando atenção dele.
— V-Você se importa se eu pintar você?
Um pequeno sorriso se forma no canto dos lábios dele.
Quando faz menção de abrir a boca, eu digo:
— Se você for fazer um comentário idiota sobre si mesmo…
— Ah, não, eu só ia dizer que não me sentia bonito faz um tempo. Se você quer me pintar,
eu até consigo me sentir atraente.
— Não se ache tanto — resmungo, fazendo os olhos dele brilharem de uma forma diferente.
É quase como se desejo estivesse escondido por trás do verde. Limpo a garganta, ignorando
isso e me concentro na tela em branco.
— Toque para mim, Anker — peço, baixinho, e levanto o pincel para ele.
— Uh, isso realmente é um pouco mais do que a relação de chefe e funcionário exige...
— Ai, caramba… — Meu rosto fica coberto de vergonha. — Me desculpe, estou falando da
música, não… Eu… ah, esquece. Você entendeu!
Ele apenas solta uma risadinha e abaixa a cabeça, se concentrando nas teclas. Quando acho
que vai começar, Anker levanta o rosto na minha direção.
— Uma música e uma pergunta.
— Tá querendo me conhecer, é? — pergunto, pegando o lápis na maleta que estava no chão.
— Tudo bem, não tenho nada a esconder.
— Vamos lá, então! — ele responde e começa a tocar.
Eu estou pintando alguém e sendo assistida por isso.
Não consigo acreditar que isso realmente está acontecendo. Ao invés dos meus pensamentos
sobre Brandon e John, o meu subconsciente grita “paz”.
Sigo os movimentos do pincel com sutileza na tela. Tons da noite misturados com azul,
verde e um amarelo me dão uma visão dele tocando piano. Eu tenho um quadro dele de costas e
agora um de Anker tocando de frente para mim.
Seus olhos e os meus se encontraram inúmeras vezes durante o processo.
Eu não sei reagir. Desde o primeiro instante, eu nunca soube. Eu só sei que é intenso.
Agora, por outro lado, eu sinto uma calma maior ao ser observada por ele.
Em determinado momento, ele parou de tocar. Seus braços cruzaram-se na base do piano e
ele voltou a me observar. Agora por todo instante. Minha concentração varia do rosto dele para o
quadro.
— Mais uma pergunta… — ele diz, me fazendo sorrir.
— Você realmente quer entrar em uma guerra sobre qual é o melhor fast food? — pergunto,
arqueando as sobrancelhas. — Eu acho que eu tenho uma pergunta antes de qualquer coisa!
Anker já tinha feito cinco perguntas em troca de cinco músicas. Todas elas superficiais
demais e, de algum modo, eu sei que ele está criando um espaço confortável para que possa
perguntar algo a mais.
Eu ainda não sei como me sinto sobre o que aconteceu. De algum modo, sei que estou
chateada e com um sentimento de traição causando amargor na minha boca, porém… nada disso,
nem mesmo os olhos tristes de John, é o que mais está alojado nos meus pensamentos. Por que
Anker correu atrás de mim? Como ele conseguiu me encontrar? E o mais importante: por que ele
me trouxe para cá?
Quando penso na maneira silenciosa que conversamos quando ele me trouxe da galeria de
Tom, parecendo saber exatamente do que eu precisava. Nunca foi assim com ninguém.
— Pode dizer.
— Por que está sendo tão legal comigo mesmo depois de ser um idiota na primeira vez que
nós nos vimos?
Ele arqueia as sobrancelhas quando pergunto.
— Eu já te disse. Você me desafia.
— Então você se sente pronto para conversar comigo e me deixa ver suas cicatrizes, mas as
outras pessoas não?
Anker se remexe no banco.
— Você não me olha como se eu fosse um monstro.
— Está com medo da reação das pessoas? — agora sou eu que arqueio as sobrancelhas —
Olha, eu poderia ser otimista demais e dizer que as pessoas não vão olhar seu rosto. Só que nós
sabemos que as pessoas não são assim. No entanto, todos nós temos julgamentos sobre os outros.
O que vamos fazer sobre isso é o mais importante. Então, você realmente acha que se isolar
nessa mansão é a melhor coisa? Que vai anular sua vida apenas pelo que os outros acham? Hoje
você deu um grande passo. Foi até a galeria do Tom. Talvez, começar com idas lá seja uma boa
forma de voltar à ativa.
— Certo, então… — Ele limpa a garganta, parecendo nervoso ao encarar as teclas do piano
ao desviar do assunto. — Não posso deixar de perguntar sobre… sobre o que aconteceu na
galeria.
Ele não me olha, parecendo inquieto, o que é um pouco engraçado porque ele pareceu o mau
humor em pessoa na primeira vez que o vi.
— Acho que a resposta é um pouco mais longa do que você espera, baseado nas suas
perguntas como “você prefere Burguer King ou Mc Donald’s? — zombo, fazendo um sorriso de
lado preencher seus lábios e seu olhar voltar para mim. — Tudo começou no semestre passado,
quando fiz um curso de arte e me envolvi com um professor.
Os lábios dele se partem.
— Um professor? Tipo, um cara mais velho?
— Ah, sim. O John tem mais de quarenta anos.
— E você… — Ele estreita os olhos. — É uma menina de vinte anos.
— Nunca tive muitas experiências com relacionamentos, mas homens mais velhos sempre
me interessaram mais — relato, e ele parece ainda mais inquieto. — E não me venha com uma
explicação psicológica que é pelo fato de que não tive uma figura masculina na vida. Isso é sobre
homens experientes, bem resolvidos e com alguns fios grisalhos, o que é muito atraente.
Anker desvia o olhar do meu, encarando seus dedos. Caramba, eu falei algo errado?
Chacoalho a cabeça e presto atenção na pintura em minha frente.
— Tudo estava bem, até que conheci o Brandon. — Faço uma pequena pausa do movimento
da mão, o pincel fica parado no ar com minha mão erguida, próximo a paleta de cores e fico
encarando-o por alguns instantes.
De repente, não sei como continuar essa história. Eu devo falar que Brandon foi insistente ao
ponto de me vencer no cansaço? Que mesmo que eu me sentisse atraída, sempre houve algum
alerta na minha mente?
— Nós nos aproximamos, ao mesmo tempo que a ex-esposa de John voltou para a vida dele.
Nós rompemos e comecei a me envolver com o Brandon — resolvo resumir. — Brandon e eu
acabamos entrando em um relacionamento rápido demais, mas isso não foi problema até ele ver
John e eu abraçados e interpretar coisas…
— Erradas? — Anker pergunta, me fazendo encará-lo.
— Sim. Já não estávamos mais juntos e, mesmo que eu tenha omitido o nosso caso, ele não
precisava ter agredido um professor por me abraçar.
Há uma dualidade no olhar de Anker quando o encaro. Não sei o porquê, mas minhas mãos
tremem levemente e um nó se aloja na minha garganta.
— Ele bateu no John e um processo administrativo está sendo instaurado porque alguém
presumiu que nós tínhamos algo. Foi isso que ele me disse hoje. Por isso eu estava daquela
maneira.
— E eles estão errados?
— O que você está querendo dizer com isso? Que o Brandon fez certo?
Anker aperta os lábios e nega com a cabeça.
— É claro que não. Ele não deveria ter agido como um idiota e, pela forma irritada que você
está agindo, essa situação mudou muito da nossa conversa da manhã para agora, o que é muito
bom — ele explica. — Só que nenhum relacionamento é construído com base em omissões,
Heaven. Não estou defendendo o idiota do seu namorado e muito menos ficando do lado dele,
mas você já se perguntou o porquê está escondendo isso da pessoa que supostamente ama?
Amor?
Eu amo o Brandon?
A pergunta zune nos meus ouvidos, me fazendo ficar desnorteada e largar os materiais de
pintura no chão, sobre os jornais. Limpo as mãos úmidas nos jeans, evitando o olhar de Anker. E
por que estou tão angustiada?
— O Brandon é um pouco ciumento. Fiquei com medo da reação dele.
— Então ele socou seu professor e a carreira dele está prestes a ficar manchada… — Ele ri,
sem graça. — Com certeza o cara é um idiota.
Levanto o rosto, um pouco irritada.
— Você não o conhece.
Anker fica em pé, com as mãos cerradas em punhos ao lado do corpo e linhas duras
estampam seu rosto.
— E pelo pouco que conheço, sei que ele não é o tipo de cara para você.
Quero perguntar sobre o que ele sabe. Sobre qual tipo de cara seria ideal para mim, mas não
consigo. Há um nó na minha garganta porque, de repente, me dou conta que mais uma vez estou
defendendo Brandon e seu comportamento problemático.
Isso definitivamente não é algo bom.
— Olha, é melhor eu me deitar. Realmente foi um dia muito longo — digo, encarando a
pintura ainda longe de estar pronta. — Termino isso outra hora.
Começo a caminhar na direção da porta, nervosa. Anker não se move, apenas quando estou
quase na porta. Em passos longos e rápidos, ele para ao meu lado, tocando suavemente meu
braço quando me segura.
— Olha, me desculpa se eu fui inconveniente.
Levanto o olhar, nervosa pela proximidade. Ele esteve tão perto assim apenas duas vezes.
Uma para me encurralar, nesta mesma sala sob a escuridão, e quando me abraçou na galeria.
Ainda consigo observar o desnível confuso da pele, fazendo parte do seu rosto anguloso e de
olhar tão profundo. Qual será a idade dele? Tinta e cinco?
— Tudo bem... — resmungo, desviando do seu olhar penetrante.
Então, os dedos dele soltam a minha pele, mas ele desliza a ponta até meu pulso. Meu corpo
todo fica arrepiado. Minhas pernas se tornam fracas e pisco algumas vezes, tentando entender o
que ele está fazendo.
Anker segura minha mão com as suas duas, deslizando os seus dedos pelos meus, ainda
próximo demais do meu corpo.
— O que aconteceu aqui? — ele pergunta em um tom baixo, quase sussurrado.
Olho para onde os olhos dele estão concentrados. As marcas dos dedos de Brandon estão ali,
carimbando minha pele clara em tons vermelho profundo.
— Eu… eu…
— Lembra o que eu te disse sobre construir relações sem omissões? — ele pergunta,
levantando o rosto para me olhar. — Não quero que o que quer que estejamos fazendo aqui seja
criado com meias verdades, Heaven.
Parece um aviso. Ou, talvez, um pedido.
Engulo em seco, sentindo meu rosto corar em vergonha quando encaro seu queixo, evitando
o olhar curioso e atencioso demais.
— Ontem vi Brandon ganhar um bilhete com o número telefone de uma garçonete e perdi
um pouco do controle. Discutimos, ele segurou na minha mão para que eu não fosse embora,
mesmo que eu estivesse pedindo para ir.
— Ele te segurou até te machucar? — a voz de Anker parece ameaçadora.
Penso em abrir a boca para julgar o comportamento de Brandon. Para dizer que ele apenas
perdeu o controle porque estávamos discutindo. No entanto, não posso. Não posso quando ele
sequer se arrependeu do que fez e ainda disse que eu era uma louca ciumenta.
Faço um movimento suave com a cabeça, concordando.
O maxilar de Anker se aperta, ele engole em seco, me soltando. Ele dá um passo para trás,
escovando os cabelos e encarando o chão. Sua respiração parece mais alta quando diz:
— Segunda porta à esquerda. Seu quarto.
— Anker… — tento me aproximar, inquieta por vê-lo tão nervoso.
— Não — ele diz, e eu paro. — Eu só… — Finalmente me olha, ainda irritado. — Acho que
preciso ficar sozinho, senão eu vou perder a cabeça. — Os olhos se se fixam na minha mão
machucada, jogada ao lado do corpo.
De maneira instintiva, seguro a mão, escondendo os machucados. Concordo com um
movimento da cabeça e começo a sair do quarto.
— Boa noite. E obrigada por me deixar ficar.
Ele não responde.
Assim que abro os olhos, eu escuto os gritos.
Pisco algumas vezes em meio ao breu do quarto que não conheço bem. As cortinas estão
abertas e se movendo suavemente com a brisa que entra pelo lugar. No entanto, novamente, um
grito rouco rompe o silêncio da noite e eu preciso me sentar para tentar entender que merda está
acontecendo.
É Anker.
Sem pensar muito estou empurrando os cobertores e meus pés tocando o chão frio. Assim
que meus dedos encostam na maçaneta da porta, algo me prende. Eu devo ir até ele? Isso parece
pessoal demais.
Algo se agita no meu coração quando ele grita mais uma vez.
Abro a porta e corro até o quarto na frente da sala do piano. Sei que é aquele lugar porque
Alex me disse que os dois quartos do final do corredor eram para ser evitados. Além disso, é de
lá que os gritos ecoam.
Minha mão se afunda na maçaneta e empurro a porta do quarto, encontrando um cômodo
muito maior do que eu estava. Uma cama de casal grande está no meio do lugar. Não consigo
registrar mais nada do ambiente, apenas o homem sobre a cama.
Anker está se debatendo, com a cabeça jogada para trás e gritos de horror saem da sua
garganta. Não posso deixar de notar que sua mão direita está de encontro a coxa, como se ele
ainda sentisse a pele queimar.
— Socorro! — ele ruge, ainda se movendo de um lado para o outro sobre o colchão.
Estou petrificada sob a soleira da porta, tremendo em desespero por vê-lo desta forma. É isso
que me faz correr até a cama enquanto os meus olhos produzem lágrimas pesadas.
Não sei o que Anker viu na guerra. Não consigo imaginar o que ele sentiu ao servir. E muito
menos a dor que foi sentir seu corpo queimar e seu coração se partir nos meses seguintes. E pela
forma como ele grita, sei que muitos fantasmas ainda estão em sua mente.
Paro ao lado da cama.
— Anker? — Toco o ombro dele e o chacoalho levemente. — Anker, acorde, por favor.
Ele sacode a cabeça para os lados, me dando um vislumbre da sua pele bronzeada úmida de
suor. Os cabelos médios, que vão até o final do pescoço, estão colados em sua pele.
— Socorro... — ele continua choramingando.
Seguro com mais firmeza em seu ombro.
— Anker — aumento o tom de voz — Acorde!
Ele não o faz. Então seguro em seus dois ombros, ficando com o corpo por cima do dele e o
movimento com mais firmeza.
— Anker! — chamo.
Os olhos dele se abrem em um rompante e, pela primeira vez, vejo algo que me assusta em
seu olhar: o terror. Mal noto quando as mãos dele me seguram na cintura e ele me aperta. Em
seguida, Anker me vira na cama e sobe em cima do meu corpo, com uma expressão furiosa e me
imobiliza.
— Anker, sou eu… — Respiro com dificuldade — Heaven… — choramingo o meu nome,
sentindo seu corpo alto e forte sobre o meu, mas não de uma maneira boa.
Anker parece ainda estar envolvido com as memórias do seu sonho, porque está em modo de
combate. E o terror de antes, que estampava as írises, é substituído por esse modo feroz que me
deixa assustada.
Os lábios dele estão pressionados com firmeza a ponto de ficarem brancos. As narinas estão
dilatadas e a respiração bate forte no meu rosto como se ele fosse uma fera.
— Anker… — murmuro enquanto ele segura firme na minha cintura e me pressiona contra a
cama.
Ele pisca algumas vezes, desviando o olhar do meu por breves instantes, então volta a
encarar os meus olhos.
— Heaven — o meu nome sai de uma forma grave dos lábios dele e seus dedos afrouxam o
aperto. — Meu Deus, o que… — Me solta, saindo de cima de mim e se sentando na ponta da
cama.
Estou congelada no meio da grande cama de casal, envolvida pelo cheiro e o calor dele.
Observo Anker, com as pernas para fora da cama, esfregar o rosto de maneira nervosa.
— Você estava gritando — explico, limpando as lágrimas nos meus olhos ao encarar as
costas largas. — Eu acho que…
Ele solta o ar dos pulmões em uma rajada de som alto, fazendo com que minhas palavras
morram nos lábios. Vejo que ele respira fundo e sua mão se move para a lateral da perna direita.
— Tenho sonhado com a guerra desde que tudo aconteceu.
Engulo em seco, me sentindo mais confortável para me sentar. Deslizo pela cama até que
esteja sentada ao lado dele. Resolvo não encará-lo, preferindo fixar meu olhar na janela sem
cortinas. Lá fora, consigo ver o jardim dos fundos da propriedade.
— Acontece sempre?
— Não. Diminuiu ao longo dos anos.
— Já falou sobre isso com alguém?
Pela visão periférica, consigo ver o rosto dele se virando para o meu.
— Tenho considerado isso depois do que Alex e você falaram.
— Acho que seria bom… — confesso, sentindo o meu coração mais leve com isso.
Realmente não foi uma experiência muito boa vê-lo sofrer desta forma. Viro o rosto para
Anker, que está me observando atentamente.
— Você quer falar sobre o pesadelo?
Ele desvia o olhar, encarando a janela a nossa frente.
— É sempre a mesma coisa.
De alguma forma estranha, sinto o meu coração bater mais depressa. Anker está confiando
em mim para falar sobre algo tão doloroso. Ele faz uma pausa e vejo que sua respiração aumenta
no mesmo instante, como se ele estivesse revivendo as memórias. A fim de encorajá-lo, coloco a
mão sobre seu joelho, sentindo o calor do seu corpo na minha palma.
Então, Anker me olha de uma forma vulnerável e triste. Ele sobre a minha mão com a dele,
que parece tão pequena perto dos dedos longos e aperta. De repente, ele fala tudo o que está
guardado em sua mente.
Anker me fala sobre sua posição nos Fuzileiros Navais e como precisou ir para o
Afeganistão naquele ano para suprir uma necessidade de outra equipe. Ele fala sobre não quis
estar lá e como foi solitário os primeiros dias porque ele e todo seu pelotão estavam apavorados.
Me fala sobre a base em que estava alojado e de como rezava por ajuda para sair vivo de cada
dia.
— Naquele dia, eu acho… — Ele respira, com o tom de voz trêmulo enquanto encara o
chão. — Acho que sabia que algo daria errado. Eles invadiram a nossa base e um tiroteio
começou.
Anker interrompe a fala e eu tento conter o arrepio que sobe pela minha pele ao ver o olhar
dele ficar opaco, quase sem vida.
— Foi tudo muito rápido. Estávamos atrás de um carro e o explosivo rolou no chão. Mark, o
meu companheiro de trabalho por mais de nove anos, gritou. Ninguém espera que no meio do
tiroteio alguém grite “bomba”. Então nós começamos a correr e ele foi baleado na perna. Eu
estava exausto, machucado e no meu limite, mas não podia abandoná-lo.
Fecho os olhos, virando minha mão com a palma para cima e entrelaçando meus dedos nos
dele. Aperto sua mão na minha e volto a observar seu perfil.
— Quando tentei passar o braço dele pelos meus ombros, Mark gritou que não haveria
tempo. Eu sabia disso. Mas o que eu podia fazer enquanto olhava o meu melhor amigo condenar
sua vida com uma explosão? — Ele engole em seco. — Ele estava pedindo para que eu o
deixasse lá e eu não podia, porque… Porra... — Funga, negando com a cabeça. — Não, eu só…
— Fecha os olhos, apertando-os com força. — Sabia que não haveria muito tempo. Essas merdas
estouram rápido.
As palavras dele saem mais depressa, junto com a respiração que fica novamente mais alta e
frenética.
— Eu tinha uma escolha. Podia me salvar ou morrer com honra ao lado dele. Fui covarde e
corri. Até que a bomba explodiu pela minha direita e os fragmentos de algo que não sei o que é
me atingiram. Não lembro de mais nada porque apaguei depois disso, acordando dias depois na
Alemanha.
— Céus… — não consigo deixar de soprar o meu desespero pelos lábios.
Estou me segurando em Anker com tanta força que acho que posso machucá-lo. Ele continua
ali, com o olhar em um ponto qualquer, mas pela forma que ele também se agarra em mim, tenho
certeza de que tem noção de que estou por ele aqui.
Quando o rosto dele se move até encontrar o meu olhar, sorrio de maneira estranha.
— Você não é covarde, Anker. Realizou o último desejo do seu amigo e se manteve a salvo.
Ele pisca algumas vezes, como se nunca tivesse visto desta perspectiva. Deslizo o meu
polegar sobre sua pele, afrouxando um pouco o aperto, mas não o soltando.
— Obrigada por compartilhar a sua história comigo — sussurro.
Anker apenas assente.
— Sabe o que minha mãe fazia quando eu acordava de pesadelos no meio da noite? —
pergunto, ele apenas me observa, curioso. — Leite morno com mel. Você tem isso na sua
cozinha?
— Não faço a mínima ideia — ele diz entre uma risada curta e os ombros relaxando um
pouco. — Isso parece um pouco infantil, não? Leite com mel…
— Você não gosta? Quando estou passando por dias ruins, costumo fazer para melhorar.
Uma vez li que isso é chamado de comida-conforto porque, de algum modo, acalenta seu
estômago e coração. Lembro de uma época boa da minha vida e acho que podemos melhorar um
pouco o clima pesado que estamos agora.
Ele pondera, demorando-se na resposta. Quando seus lábios se apertam e um sorriso suave
molda sua boca, quase respiro aliviada por ele ter aceitado a minha proposta.
— Vamos lá! — Me levanto e então esbarro na mesa de cabeceira.
Viro meu rosto rápido e estico a mão para salvar um porta-retrato que quase cai. Observo a
foto. Anker já tem suas cicatrizes na foto, que parece ser bem recente. Ele está abraçado em uma
garota de cabelos castanho claro e sorriso fácil nos lábios.
— Rubi. Essa foto foi tirada no último ano, durante a formatura dela no ensino fundamental.
Olho para cima do ombro, ele está parado ao meu lado, ainda segurando minha outra mão.
— Anker, você estava lá por ela. Deve ter sido muito importante.
— Eu não saía de casa fazia muito tempo — revela, encarando a foto na minha mão. — Foi
terrível. Todos ficaram encarando o meu rosto, mesmo que eu estivesse escondido nos fundos.
Abracei Rubi e disse que estava muito orgulhoso e depois fugi de lá.
— Sua ex-esposa estava lá? — me pego perguntando.
Ele desvia o olhar da foto, me encarando. Nossos ombros quase se encostam assim, lado a
lado. Ainda com o olhar fixo no meu, ele diz:
— Sim. Ela tentou falar comigo. Algo como culpa estava em cada parte do seu rosto.
— Acha que ela quer você de volta? — minha voz sai baixinha.
Não sei o motivo pelo qual a possibilidade de Anker voltar para sua ex-esposa me deixa tão
inquieta. Ele é livre para fazer o que quiser, certo? E apesar de Daniela tê-lo machucado
profundamente e não ser merecedora dele, os dois possuem uma história.
Mas…
Por que meu coração dói tanto?
— Não me importa o que a Daniela quer. Minha única ligação com ela é a Rubi. — Volta a
encarar a foto, retirando da minha mão e colocando sobre a mesa de cabeceira. — Você já se
perguntou como a gente sabe se ama uma pessoa?
Pisco algumas vezes, nervosa.
— Não…
— Eu tenho me perguntado isso. Porque, no fim, o amor só pode ser experienciado com toda
a sua totalidade se ambas as pessoas amam. Acho que eu sempre amei por nós dois.
Aceno com a cabeça em um movimento positivo.
— Posso te fazer uma última pergunta antes de irmos até a cozinha à caça de leite e mel?
Sorrio para Anker, que começa a caminhar comigo para fora do quarto, soltando minha mão
lentamente, como se não quisesse fazer isso. Noto que hoje ele realmente quase não manca.
— Já está perguntando.
Ele solta uma risada nasalada.
Observo então seu corpo. Ele usa um conjunto de pijama leve em tom azul, o que contrasta
muito bem com sua pele bronzeada e olhos verdes.
— Você acredita em almas gêmeas?
Estreito os olhos.
— Isso é um pouco romântico demais para um homem de meia idade, não acha? — zombo,
mesmo achando fofo a pergunta.
— Tenho apenas trinta e seis. E sempre fui do tipo romântico, senhorita Williams. — Ele
estreita os olhos para mim, me fazendo corar pela forma ladina que me olha.
Estamos saindo do quarto e adentrando ao corredor. Ainda uso as mesmas roupas de ontem,
o que me ajuda com o frio da madrugada.
— Venho me perguntando sobre isso… almas gêmeas — ele diz quando paramos no topo da
escada e trocamos um olhar.
A luz do luar de lua cheia atravessa as enormes janelas desta parte da casa, tocando o rosto
dele.
— Por que você está se perguntando sobre isso? — indago, curiosa.
Anker não me responde, apenas me olha.
Então um sorriso sutil toca seus lábios e ele começa a descer as escadas. Continuo ali,
observando-o, totalmente confusa sobre o que ele acabou de falar.
Quando o sol nasce, eu saio da cama do quarto de hóspedes depressa. Desço as escadas da
casa e vejo que poucos funcionários estão de pé. Mesmo com as memórias de ontem acalentando
o meu coração, sei que preciso fazer algo sobre Brandon. Agora. E o sentimento é urgente no
meu coração.
Não posso manter isso da forma que está.
E algo na minha conversa com Anker, vendo seu interesse na mudança, me inspirou.
Ontem ficamos até perto das cinco horas da manhã conversando e bebendo leite morno com
mel. Foi diferente do que já tínhamos feito até então. Falamos sobre comida, cultura e alguns
filmes duvidosos que éramos apaixonados.
Confessei que meu filme favorito é “Piratas do Caribe” e Anker disse que o filme conforto
dele é “Marley e eu”, o que é muito engraçado porque ele não tem nenhum cachorro. Eu
perguntei então por que ele não adota um animalzinho, já que em breve seu irmão irá embora. O
brilho no olhar dele me fez acreditar que em breve ele também dará mais esse passo.
Peço para que um dos funcionários chame um táxi e, enquanto isso, eu deixo um bilhete por
baixo da porta de Anker agradecendo pelo dia de ontem e falando que estou indo para casa e
pretendo voltar em breve para terminar os trabalhos.
Antes mesmo das oito horas da manhã eu estou adentrando ao apartamento de Brandon com
a chave que ele me deu. Subo as escadas do mezanino com pressa e abro a porta do quarto tão
pesadamente quando a dor que eu sinto no peito.
Ele está deitado na cama, dormindo. Então eu vacilo. Eu vacilo ao ver ele ali, dormindo feito
um anjo. Tento colocar a raiva que eu senti e a tristeza do meu peito à frente de todos os
momentos bons com ele.
Brandon abre os olhos e meu coração parece entalar na garganta. Eu sinto minha veia pulsar
mais rápido a cada vez que ele pisca.
— Meu anjo... — sua voz ecoa pelo quarto enquanto ele estica preguiçosamente o corpo
pelo amontoado de lençóis e sorri.
— Brandon... — eu chamo, baixinho e dando um passo hesitante para trás.
Ele se senta na cama, bagunçando os fios castanhos e me olhando de cima a baixo.
— Vamos tomar um café da manhã juntos? Aquelas panquecas com geleia de mirtilo que
você adora?
— Não. E-Eu...
Ele franze o cenho e encara o meu corpo de cima a baixo, como se procurasse algo errado.
— Amor, tem algo errado?
Eu quero rir da pergunta dele. Minhas mãos começam a tremer assim que ele levanta.
— Você sabe que o John está sofrendo um processo administrativo?
Ele para onde está. Brandon pisca algumas vezes e seus olhos esquadrinham o meu rosto.
Ele não parece saber, mas John disse que ele sabia. Ou ele realmente não faz ideia ou era um
perfeito mentiroso.
— Não — ele nega, sem muitas palavras.
Eu mordo o lábio e passo a mão nos cabelos a fim de reprimir a angústia que assola o meu
peito. Sinto a nuca suada. Meus olhos já não estão mais nos de Brandon, eles estão
acompanhando meus passos no chão enquanto caminho para dissipar o nervosismo
Preciso de coragem.
— Brandon, isso está acontecendo por causa da sua atitude estúpida — eu falo, tensa com a
reação dele.
Ouço a respiração forte dele e seus passos começarem a vir na minha direção.
— Meu anjo, eu já te pedi desculpas — ele fala calmamente.
Levanto o olhar para ele, parando de caminhar. Ele está tão perto.
— E mesmo assim continua agindo como um ciumento, mesmo quando já falamos sobre
isso. E, ao mesmo tempo, você aceitou o contato de uma garçonete e colocou a situação contra
mim, como se eu fosse uma ciumenta maluca e não viu o peso das suas atitudes. Além disso,
rompeu o limite que te pedi. Isso… Isso não é certo. Olha, eu preciso de um tempo.
Ele não parece entender, já que sua mão toca os fios do meu cabelo e os olhos estão atentos
ao meu rosto. Dou um passo para trás, cruzando a porta do quarto devido à proximidade.
— Um tempo, Brandon. E-Eu preciso disso...
Ele então entende o que eu peço. Seus olhos analisam o meu rosto, sua mão ainda está no ar.
Os seus lábios abrem brevemente. Incrédulo, ele tomba a cabeça para trás e ri. Ele começa a rir
do que eu falei. Um mal-estar começa a tomar conta de mim quando ele volta os seus olhos nos
meus.
— Você está pedindo um tempo por causa de algo que aconteceu com outro cara?
— Brandon! — protesto, tentando fazê-lo parar de falar. — Você ouviu o que eu falei? Tudo
o que eu falei?
Brandon dá um passo na minha direção e eu dou um passo para trás, sentindo o parapeito do
mezanino bater no meio das costas.
— Preciso de um tempo para colocar a cabeça no lugar.
Ele abaixa o rosto, deixando-o próximo ao meu. Seu nariz quase encosta no meu.
— E você vai fazer isso longe de mim?
Assinto, apertando os lábios. Uma corrente de medo passa por mim.
— Preciso fazer isso longe de você. E, desta vez, você não vai aparecer de surpresa porque
estou exigindo isso, está me ouvindo?
Os olhos estão grandes e escuros. Raiva, vejo isso. Brandon caminha de volta para dentro do
quarto, me deixando sozinha no corredor. Ele bate a porta com força e eu escuto algo se partir na
parede. Um grito alto ecoa dentro do lugar.
Limpo uma lágrima solitária que corre pelo meu rosto. Engulo o choro e desço pelas
escadas, recebendo olhares curiosos de Sebastian e Dylan, que estão com os rostos amassados de
sono.
— Não deixem que ele cometa uma besteira.

Quando eu chego em casa, lembro que estou sozinha. Mag está em mais uma semana de
trabalho longe e a casa está perigosamente vazia, me deixando com aquele silêncio que eu não
gostaria de estar. Por isso, preciso preencher o tempo com algo que não seja meus pensamentos
conflitantes sobre tudo o que aconteceu.
De algum modo, sei que preciso externar isso.
Abro a porta do porão e ligo as luzes. Respiro aliviada quando o cheiro de tinta invade as
minhas narinas. Coloco uma nova tela sobre o cavalete e caminho para o armário de tintas. Sem
processar muito, coloco algumas cores ao lado do cavalete.
Os pincéis brincam nos meus dedos quando molho o primeiro deles na tinta, ignorando um
traço de lápis ou carvão antes. Por mais que meu corpo todo exale um sentimento angustiante, eu
tenho uma válvula de escape. Meus pensamentos me levam até um lago imenso e o olhar verde
de Anker no meio do lugar que desejei tanto pintar.
Hoje o verde não está nos seus olhos, ele está à volta. Como se fosse a sua aura misturada à
natureza. Diversos tons de verde estão estampados na memória. Eu gosto de todos eles. Mas o
oliva parece me confortar mais. É nele que eu mais molho o pincel enquanto deslizo na tela.
Essa é a cor que mais enche minha a tela.
Meus olhos vão até o relógio da parede.
Cinco horas da tarde.
Eu não vi o tempo passar. Imersa nesse universo inteiramente novo, eu encaro a minha
segunda tela do dia, ainda em estágios iniciais da pintura. Resolvi rascunhar um cenário em tom
amarelo areia com um coração ao meio. Acho que, de alguma maneira, quis transpassar a
memória de Anker pra cá. A areia do Afeganistão e o vermelho no coração, que parece uma
bomba.
Tiro a tela do cavalete e levo para o canto do portão, junto às outras.
Eu já tinha cinco telas sobre Anker. O que eu estava fazendo ao pintar um homem que eu
mal conhecia tantas vezes? Em tantas versões? Meu telefone vibra no bolso, me despertando.
Rosie: Sebastian me mandou uma mensagem e me falou sobre o que houve. Odeio saber
pelos outros como você está, mas fiquei muito preocupada. Que tal vir aqui e você conta para
nós o que está acontecendo?
Heaven: Sim. Irei até aí daqui a pouco. E como vocês tem contato?
Rosie: Perfeito. Ah, ele ficou com o meu número no dia que Brandon socou John.

Volto para perto do cavalete e abaixo o olhar até onde a minha paleta está. Ironicamente, a
poça de tinta preta está se misturando ao verde pelo canto.
Sebastian entra na sala, na nossa aula semanal, quando eu já estou sentada na nossa habitual
cadeira nos fundos. Ele cruza a sala de cabeça baixa e coloca os cadernos em cima da mesa ao
meu lado. Seus olhos, como sempre, se fixam no quadro. O professor sequer está na sala, mas ele
sempre fica com os olhos ali.
— Brandon está uma merda — solta de repente.
Solto uma risada nervosa.
— Pois é, eu também.
Depois que voltei da casa de Edward e Rosie, eu me tranquei no porão mais uma vez. Dessa
vez, o quadro em questão foi um corredor branco com um loiro com a mão estendida para mim
no meio dele. Parecia um anjo.
Sebastian suspira, apertando os dedos em cima da mesa.
— Brandon bebe igual a um desgraçado quando está na merda.
Levanto o olhar para ele.
— Eu não sabia desse lado dele.
— Poucos sabem — sussurra. — O avô dele é um ex-alcoólatra e o cara tem um fraco por
uísque. Brandon começou a beber cedo demais para um adolescente normal.
Engulo em seco, agora voltando a olhar para o quadro.
— Eu preciso de um tempo, Sebastian… não posso colocar as necessidades dele acima das
minhas.
— Eu sei, Heaven. — Agora ele vira o rosto para mim. — Só, por favor, na cabeça dele é
por outra coisa.
— Disso eu tenho certeza — resmungo, irritada, mesmo que meu coração se aperte ao saber
que Brandon está sofrendo.
Com essa frase, Sebastian encerra a nossa conversa.
A quarta e a quinta-feira são regadas às horas de dedicação aos estudos e provas
intermediárias do curso. Eu me enterro o mais fundo que consigo nos estudos, na biblioteca do
campus. Passo o menor tempo possível em casa e tento ao máximo permanecer no apartamento
de Rosie e Edward. Eu claramente estou fugindo.
Por conta das chuvas do início de primavera ficarem mais intensas, precisei cancelar minhas
sessões de pintura na casa de Anker. Para entrar em contato com ele, precisei ligar para o número
residencial e, com isso, conversamos brevemente apenas uma vez.
Minha próxima sessão de pintura está programada para segunda-feira.
De um modo muito estranho, eu sinto falta de Anker e do nosso tempo juntos. O que é
extremamente estranho porque eu mal o conheço.
E com o passar dos dias, cada vez mais eu me vejo longe de tomar uma decisão sobre
Brandon. Apesar de gostar muito dele, eu vejo que alguns comportamentos são complicados.
Porém, ainda me questiono se conseguirei ficar sem ele. Afinal, Brandon já é parte da minha
rotina.
Na sexta-feira, estou saindo do meu bloco, com os cadernos nas mãos e Rosie falando
comigo sobre uma promoção que o The Originals está propondo. Algo com bebida eu dobro,
pelo que compreendi.
— Rosie, eu entendo que você quer colocar o meu astral pra cima..., mas eu namoro —
pontuo. — Eu estou dando apenas um tempo com o Brandon e não quero fazer nada que
desrespeite ele.
— Uh, e sair para beber com os seus amigos é desrespeito?
— Em uma festa?
— Em um bar! — ela fala, parando de andar para me encarar. — O lugar tem música alta e
só. E se vocês confiam um no outro, por que não aproveitarem separados também? Hum? Manda
uma mensagem para ele avisando sobre isso. Ele não precisa opinar sobre todos os lugares que
você frequenta.
— Mas lá é um lugar que as pessoas vão para conhecer outras.
Ela rola os olhos.
— As pessoas se conhecem em todos os lugares, Heaven. Um ambiente onde há diversão
não é um açougue pronto para qualquer pessoa pular em cima. Se a pessoa quer flertar, vai flertar
até mesmo em uma hamburgueria.
Um mal-estar se aloja no meu estômago e preciso desviar o olhar do dela. Rosie resmunga
um xingamento e toca o meu braço.
— Me desculpe, está bem? Não quis te lembrar da situação com o Brandon.
— Tudo bem.
Mordo o lábio e volto a encarar a minha amiga, com os olhos de águia mirados para mim.
— É... nós não estabelecemos direito os pontos sobre esse tempo. — Coço a nuca. — Talvez
seja o momento de nós dois conversarmos melhor e...
Então eu paro de falar. Eu sinto seus olhos sobre mim. Eu não preciso virar para saber que
ele está em algum lugar na frente do campus, me olhando. Rosie perde o olhar em algo atrás de
mim e agora mesmo eu tenho certeza de que Brandon está ali.
Sem pensar muito, eu viro o rosto e o encontro. Ele está com Dylan encostado em seu carro
no estacionamento. E tem uma garota com ele. Sinto a boca secar as minhas mãos se apertam em
punhos.
Os olhos castanhos estão nos meus e eu sinto como se meu mundo inteiro estivesse ali. A
garota fala, fala e fala. Como sempre, ele parece não ouvir quando seus olhos estão em mim.
Então ele desvia os olhos dos meus apenas para lançar um sorriso torto para a menina. Ela
sorri de volta, agora colocando as malditas mãos nos ombros do meu namorado.
Merda, a cena toda é como um soco no meu estômago.
Aperto os dedos contra o caderno que está nos meus braços, sentindo os olhos serem
tomados por mais lágrimas. Respiro rápido. Limpo os olhos com as costas da mão direita.
— Eu acho que o Brandon estabeleceu bem os termos do nosso tempo.
— Vamos embora — resmunga Rosie, me segurando pelos ombros. — Vamos para o meu
apartamento, comer comidas gordurosas e sorvete. Podemos até mesmo assistir aqueles filmes
horríveis do Piratas do Caribe que você gosta.
Sopro uma risada, me aproximando mais dela no meio do abraço.
Na segunda-feira, estou a caminho da casa de Anker meia hora antes do previsto. Algo como
felicidade cresce no meu peito quando passo os portões da propriedade. Não deixo de notar, no
entanto, o número maior de funcionários no lugar.
Bato na porta e, para a minha surpresa, não é Marie que abre a porta. Anker está ali, com os
olhos curiosos nos meus.
— Heaven! — ele fala com um meio sorriso.
Apoio o peso do corpo nos calcanhares e coço o pescoço, inquieta com a sensação de estar
ali depois da última vez, onde conversamos boa parte da noite e ele se abriu comigo.
— Cansou de ficar sozinho igual ao Conde Drácula nessa casa e contratou mais
funcionários?
Ele ri, olhando através de mim, para os funcionários no jardim.
— Na verdade, eles são meus escravos. Tomo o sangue deles todas as noites.
— Cruel, senhor Reeves… — murmuro.
Ele abre mais da grande porta e me dá passagem para entrar. Meus olhos mais uma vez
perdem-se no hall e na escada de entrada, mas, novamente, estou surpresa pela quantidade de
pessoas. Hoje o sol está tomando o céu e tudo parece ainda mais convidativo aqui dentro. Acho
que também pela quantidade de janelas e portas abertas.
— Ok, comece a falar, por favor — peço, olhando-o de soslaio. — Estou preocupada com
todas essas pessoas aqui.
Hoje Anker está usando uma camisa flanela em tons azuis e laranja. Desta maneira, ele
parece muito mais novo.
— A decoradora que Alex contratou chegou para começar as mudanças. As coisas vão ficar
agitadas aqui nos próximos dias — ele responde, parando ao meu lado e me olhando. — Veio
pintar a parede?
Viro o rosto para ele, encontrando seus olhos atentos em mim.
— Isso.
Os lábios dele se apertam.
— Sinto muito, mas o primeiro lugar em que vão mexer é no segundo andar. Acho que não
poderemos continuar com o trabalho hoje.
Meus ombros caem.
— Ah, é uma pena. — Olho para trás brevemente.
— Vem comigo, vamos dar uma volta — diz.
Ele segue para os fundos da casa e eu apresso o passo para alcançá-lo, curiosa. Assim que
estamos na parte de trás, consigo ver quando ele sai das extremidades do cimento e toca na
grama. Uma cena peculiar me chama atenção. Ele parou e está tirando os tênis e as meias.
Nego com a cabeça ao mesmo tempo que um sorriso se forma nos meus lábios.
Anker continua caminhando na direção do lago e eu faço o mesmo, também descalço. Ele
caminha até o píer e eu o sigo. Anker está sentado na ponta do lugar, com os pés dentro da água,
sem se importar em molhar o jeans.
Sento-me ao lado dele e faço o mesmo. Assim que meus pés tocam a água gélida, meu corpo
todo se arrepia. Uma sensação de tranquilidade corta a minha espinha e eu relaxo. Fecho os olhos
e apoio as mãos na madeira, sentindo a brisa suave do lugar.
Os sons que a natureza emana enchem o meu corpo e eu sorrio. É uma nostalgia estranha
estar nesse lugar. Como se eu o conhecesse há anos e agora estivesse pela primeira vez aqui.
Estranhamente reconfortante.
— Se eu não conhecesse seu lado rabugento e mal-humorado, até diria que você está me
fazendo um convite silencioso para passar a tarde com você enquanto sua nova equipe de
trabalhadores deixa a casa mais revigorada.
— Não fique se achando tanto — Anker resmunga, mas me olha com um sorriso nos lábios.
— Só porque pedi para o meu motorista ir atrás de torta de maçã, não é como se eu tivesse
planejado isso.
Torço o nariz, rindo. Caímos em um silêncio confortável. Hoje o som do grande lugar se
mistura com os barulhos dos trabalhadores mudando a mansão assombrada de Anker para algo
diferente.
— Nunca te perguntei sobre a primeira pintura que fiz na parede do quarto… — murmuro.
— São os olhos de um leopardo. Vi pela primeira vez, de perto, durante uma ronda na nossa
base no Afeganistão — ele fala, mas seus olhos estão pelo ambiente ao nosso redor. — Sabe,
preciso confessar que quando você me falou sobre esse lugar... sobre as memórias que tem aqui...
eu me assustei — suspirando.
Abro meus olhos. Anker tem as mãos unidas em cima das pernas e o olhar pelo grande lago.
— Eu me assustei porque, quando eu te vi, algo estranho correu pelo meu corpo. — Ele ri
baixinho. — Você parecia um anjo parada naquela porta.
Engulo em seco com as frases dele. Anker vira o rosto sutilmente para mim.
— E agora, eu sei que você veio para me fazer algum bem. Preciso dizer que hoje tive uma
manhã... diferente.
— Diferente como? — pergunto, curiosa.
— Fui a uma sessão de fisioterapia e outra com um terapeuta.
— Anker… — Meu sorriso se alarga e toco a mão dele, demonstrando minha felicidade.
Anker sorri para mim, um pouco encabulado.
— Rubi ficou feliz com isso também.
— Alex deve estar em êxtase também! — sussurro, ainda sentindo essa coisa estranha do
meu coração bater mais forte perto dele.
— Ele é um pé na bunda, esteve me incomodando pelo telefone durante meia hora. — Ri,
me fazendo rir também.
Meus olhos também voltam para o rio.
— Sabe, eu também abri minha caixa de e-mails no final de semana…
Solto a mão dele e volto a esticar os braços atrás de mim para olhar para o rio de forma mais
confortável. O sol da primeira hora da tarde toca nossa pele, fazendo um calor confortável
aquecer a pele.
— Tem um jornalista do New York Times querendo me encontrar para fazer uma biografia…
Dou um tapinha no ombro dele, chamando sua atenção. Anker está com um sorriso suave
quando me olha, parecendo uma criança travessa. Céus, onde esteve essa sua versão?
Me pergunto como ele precisava de apenas um pequeno empurrão para isso.
Alex deve ter sido sua tábua de apoio e a mudança não prosperou tanto, mas será que
Daniela não poderia ter feito isso por ele? A possibilidade me deixa um pouco irritada e não sei
bem o porquê.
— Você está prestes a se tornar um homem famoso, Anker Reeves!
— Não é para tanto. — Ele dá de ombros como se não fosse nada.
— Céus, você está corando! — zombo quando vejo as bochechas rosadas.
Ele rola os olhos, mas não diz nada. Acho engraçado como ele não parece esconder as
cicatrizes de mim. Está ali, com a mancha em sua pele na minha direção e eu posso ver que ele
almeja uma mudança.
Anker com certeza merece isso.
Ele limpa a garganta, me olhando pelo canto dos olhos antes de dizer:
— E o seu… namorado? Vocês conversaram?
— Sim — revelo, agora desviando do seu olhar. — Pedi um tempo para pensar, mas acho
que fiz mal. Eu o vi com uma garota no estacionamento do lugar em que estudo e isso realmente
me deixou mal. Vou marcar para conversarmos esta semana e colocar um ponto final nisso. Está
insustentável.
— Mas você o ama?
A pergunta me pega desprevenida. Me calo, tentando encontrar uma maneira de me
expressar para ele. Ficamos assim por minutos enquanto o céu vai sendo coberto por nuvens
densas de cor cinza.
Parece até irônico porque quando falamos sobre Brandon, o céu simplesmente fecha.
— Não, eu não o amo — falo em alto e bom som, quase como uma afirmação para mim
mesma. — Acho que eu estava tentando me encontrar no meio dos espaços e Brandon fez parte
disso. Tentei me encontrar com Mag, John, meus amigos e ele. Só que eu ainda me sinto dentro
de uma correnteza, buscando por onde firmar meus pés e saber o que sou.
Fecho meus olhos.
— Depois que a minha mãe morreu, precisei de um conforto que não tive, então, me rebelei.
Agora estou em uma cidade que ainda não conheço direito e querendo desesperadamente
relacionamentos. Quando olho para mim mesma, não consigo respostas. Sabe, é engraçado, mas
o silêncio me atormenta porque é quando eu consigo conversar comigo mesma. Ter acesso a
partes dos meus sentimentos e memórias que não gosto.
Posso ouvir o som do meu coração bater mais rápido ao confessar isso. Durante este tempo
longe de Brandon, tive muito tempo para pensar sobre como eu me encontro nos lugares e como
me sinto… perdida.
— Quando eu acordei naquele hospital… — a voz de Anker me faz abrir os olhos. Observo
o perfil dele, já que seu olhar está fixo no céu. — E pude ver nos olhos de Daniela que tudo
estava diferente entre nós, eu também me senti assim. Perdido dentro de mim mesmo. Na
verdade, acho que estive perdido dentro de mim até você chegar aqui.
Uma onda de arrepios toma o meu corpo e o meu coração bate mais depressa.
— Como eu te disse, não sei o que senti quando te vi na porta daquela casa. Eu sabia que
Alex tinha encontrado a artista dos quadros que eu tanto admirava, mas não sabia que você
estaria ali naquele dia. Então… realmente foi uma surpresa. Só não esperava que você fosse me
colocar contra a parede sobre tantas coisas que eu tinha desistido.
Ele vira o rosto para mim e, através das lágrimas que estão presas nos meus olhos, vejo seu
sorriso largo.
— Você está me fazendo chorar, Anker.
Anker estica a mão para o meu rosto e limpa as lágrimas com o polegar.
— Espero que seja por algo bom, porque se algum dia eu fizer você chorar de tristeza por
mim, não vou me perdoar nunca.
Sorrio de forma serena para ele.
— Sabe, você fala muito sobre cores, mas eu não entendo muito sobre isso. Sou um cara que
gosta de música e sei cultivar flores. — Ele sorri para mim, o olhar brilhando de uma forma
diferente. — Então eu posso dizer que você se parece com uma Calêndula.
— Oh, me diga que é uma flor bonita, porque o nome realmente é complicado — murmuro,
e ele ainda está com a mão no meu rosto.
— Calêndulas são flores de diversos tons, mas confesso que o meu favorito é o laranja. Ela é
uma flor que suporta climas frios e quentes. E sabe o melhor?
— Hum?
— Ela também tem propriedades curativas na medicina.
Desvio do olhar dele, envergonhada por tudo o que disse. Quando volto a encará-lo, tenho
quase certeza de que Anker está um pouquinho mais próximo. No entanto, o momento é
interrompido quando uma gota de água cai sobre seu rosto e ele pisca algumas vezes, soltando
minha pele e tocando a parte úmida do rosto.
— Não eram para as chuvas do início da primavera terem chegado ao fim? — pergunto,
levemente frustrada.
Olho para o céu. Não são grandes nuvens cinzas que estão sobre nós, me dizendo que
qualquer chuvisco será breve. No entanto, assim que me demoro, uma gota cai bem em cima do
meu olho. Pisco algumas vezes, resmungando enquanto esfrego.
— Sabe, a minha filha gosta muito de uma cantora e me faz ouvir as músicas dela todas as
vezes que vem aqui. Eu me lembro da frase de uma música quando penso em você.
— E qual frase seria? — não sei o porquê estou tão curiosa sobre isso.
— Você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes.
Quero fazer uma gracinha sobre Anker estar citando Taylor Swift, porque é a cantora
favorita de Rosie e ela também me faz ouvir sempre. Porém, não consigo. Não consigo porque
estou encarando o rosto malditamente expressivo, que me diz tantas coisas que não estou
habituada.
Não estou habituada a receber tantos elogios, ou uma posição tão especial na vida de
alguém. E talvez, lá no fundo, eu realmente esteja me sentindo mais do que especial. Porque
finalmente, eu pareço importante para a existência de alguém. Não para a vida, mas para a
existência.
— Anker… — tento falar algo, mas não consigo.
Ao nosso redor, o som da chuva se intensifica, mas nenhum de nós se mexe. Escuto o som
das gotas sobre o píer de madeira que estamos sentados, sobre a água do lago e até mesmo da
grama.
— Sabe o que falam sobre banhos de chuva? — ele pergunta.
— Eles lavam a alma — completo.
Então, Anker se levanta. Água escorre pelo píer e eu me levanto rápido antes que molhe o
jeans da minha bunda. Ainda não estou muito molhada, mas sei que se não sairmos daqui em
breve, será uma bagunça.
— Estou precisando disso.
— Ah, eu também! — Solto uma risada nervosa, olhando para trás, onde alguns funcionários
estão correndo para dentro da casa. — Eu acho que nós deveríamos…
Não termino a frase.
Um braço de Anker está em minhas costas e o outro sobre meus joelhos, me levantando no
ar. Então ele dá um passo para trás enquanto eu tento me firmar em seus ombros e procurar pelos
seus olhos, que estão travessos, olhando para o lago.
— Anker, não! Você não… — grito, ele apenas sorri mais ainda. — Estou com o telefone no
bolso!
— Vi você largar sua mochila no hall da casa. Não seja uma mentirosa, Heaven. — Me olha
com um alerta e eu me calo.
— Eu não sei nadar. — Aperto minhas mãos nos ombros dele, sentindo os músculos
escondidos ali embaixo. Anker andou malhando? — Isso é verdade, olhe nos meus olhos. EU
NÃO ESTOU MENTINDO!
— O lago é baixo, se segure em mim e não solte — avisa, então começa a correr.
Quando Anker pula, fecho meus olhos, me segurando ainda mais nele. O choque da água
gelada me faz tremer ao mergulhar e, assim que estamos submersos, as mãos estão na minha
cintura, me puxando para a superfície.
Cuspo a água e, logo que abro os olhos, Anker está ali, perto de mim, rindo como uma
criança idiota. Ele me segura perto o suficiente para que eu segure em seus ombros enquanto o
encaro, um pouco indignada e brava.
— Você… você não deveria…
— Vai me dar uma bronca? — indaga, arqueando as sobrancelhas.
Água escorre pelos cabelos médios e castanhos, acumulando-se nos seus lábios convidativos
e tão bonitos. Pisco algumas vezes, afastando o meu corpo um pouco. Nunca reparei tanto em
Anker como agora… Isso faz o meu rosto corar em vergonha.
Anker olha para os lados, rindo enquanto a chuva aquece a água do lago. Meu olhar desliza
pelo seu rosto e, pela primeira vez, concentro-me nas cicatrizes. A pele enrugada pelo dano
causado.
— Posso… posso tocá-las? — pergunto, me referindo as cicatrizes.
Anker fica rígido. Então engole em seco e... assente.
Acomodo os meus braços no pescoço dele e me aproximo, deixando meus dedos deslizarem
pela sua pele. Começo pelo nariz, indo até o início da bochecha. Anker fecha os olhos, relaxando
ao meu toque e de algum modo que não consigo entender, estou me aproximando mais.
Quando toco sobre a primeira parte da cicatriz, ele estremece.
— Você… você não tem nojo? —pergunta com a voz tão baixa que faz o meu coração se
apertar no peito.
Me aproximo ainda mais, com a mão ainda em sua pele, e meus lábios tocam a pele
marcada. Anker arfa sob mim. E assim que volto me afastar, fazendo um carinho sobre a parte do
seu rosto que está marcada, vejo os olhos dele em mim.
Ele está me olhando daquela forma com brilho no olhar que eu ainda não entendi, mas então
abro um sorriso.
— Cale a boca, Reeves — solto, o fazendo sorrir mais amplamente pela minha boca suja.
Quando estico os pés, sinto o chão de areia fofa e aproveito-me disso para dar um passo para
trás, escapar do seu aperto e jogar um pouco de água no seu rosto. — E está me devendo mais
um dólar!
Ele limpa o rosto da água que acabei de jogar nele. Quando me olha, apenas dou de ombros,
agora abrindo um sorriso idiota nos lábios. Então ele avança sobre mim, tentando me caçar
dentro da água enquanto fujo dele, ainda gargalhando.
— Me deixe te levar em casa — Anker diz enquanto estou terminando meu pedaço de torta
de maçã.
Sorrio, limpando os lábios enquanto observo ele se levantar e ir atrás da chave do carro. Um
pequeno lampejo de excitação brota no meu coração ao vê-lo tão decidido a sair de casa. Anker
também não se importou quando alguns funcionários passaram por nós e observaram suas
marcas.
Não quero acreditar em uma mudança tão rápida, mas estou observando que ele está lutando
com isso e já é um ótimo passo.
Bebo o resto do café na minha xícara e me levanto, aguardando por Anker na sala de jantar.
Enquanto meu olhar repousa sobre a camisa que estou usando, um calor toma conta das minhas
bochechas.
Depois que saímos do lago, precisei de algo quente para vestir. Anker me entregou um
conjunto de moletom dele, grande demais, mas que serviu para me deixar quente enquanto
minhas roupas secavam.
Por algum motivo bobo, não vesti a camiseta que estava. Tento me convencer de que é por
causa do revestimento interno e caloroso, mas meu coração está batendo forte quando sinto os
resquícios do perfume amadeirado de Anker.
Engulo em seco e chacoalho a cabeça, nervosa.
Não posso estar desenvolvendo sentimentos por ele. É estúpido pesar nisso enquanto eu
ainda estou uma bagunça por Brandon. O pensamento me motiva a colocar um ponto final no
que quer que tenha com o meu namorado, de forma clara e limpa.
Quando Anker volta, sorri e me leva até a garagem da casa. Nós entramos em uma
camionete de cor prata e eu guio o caminho. Agora, apenas uma pequena garoa está caindo sobre
Washington.
— Então, você acha que pode voltar na quarta? — Anker pergunta quando chegamos ao meu
bairro.
— Sim, é claro. Espero que não haja muitas chuvas e que seus funcionários já tenham
conseguido fazer um bom avanço sobre as obras.
— Eu também espero! — Ele solta uma risada curta e depois limpa a garganta. —
Provavelmente não vou conseguir acompanhar todo o processo. Início de primavera sempre é
bom para as flores, então estarei ocupado na estufa.
— Você gosta mesmo disso. — Solto uma risada e ele olha para mim rapidamente, com as
sobrancelhas arqueadas. — As flores.
— Peguei gosto por isso — revela. — É terapêutico. E você, além das pinturas, o que gosta
de fazer?
Abro a boca para respondê-lo, mas então me calo.
Além de passeios com Rose e Edward, minha rotina é monótona e quase sem graça. Penso se
tenho algum hobbie, mas isso não acontece. Encaro minhas mãos sobre as coxas.
— Gosto de ir em galerias de arte. O meu sonho é gerir uma.
— Ah, mas aposto que você acaba analisando demais e não relaxando quando está lá — fala,
me assustando pela maneira como me descreve tão assertivamente. — Você é uma artista, então
deve aproveitar a arte até certo ponto e depois isso se torna uma análise.
— Você faz isso em algum momento, também?
— Filmes de guerra — ele diz com a voz menos empolgada. — Sempre estou analisando as
batalhas e me lembrando.
— Complicado — digo, sem saber direito o que falar.
— Fique tranquila. Hoje em dia prefiro filmes de ficção científica. E quando a Rubi está
aqui, ela me faz assistir programas de culinária. — Ele bufa uma risada e peço que ele vire à
direita, na rua da casa de Mag. — Eu ao menos sei preparar congelados.
Estou rindo quando Anker manobra o carro e o coloca na rua. Então viro o meu rosto para a
frente e congelo. Minhas mãos se apertam no assento do banco enquanto meus olhos se
arregalam.
O carro de Brandon está na frente da minha casa.
— Pode me deixar ali. — Aponto para a casa, tentando mascarar o tremor na minha voz com
uma tosse.
— Acho que alguém se resfriou — murmura Anker, concentrado no trânsito. — Posso te
trazer remédios e sopa mais tarde. Minha cozinheira faz uma sopa que levanta até os mortos dos
caixões.
— Isso era para ser apaziguador? — indago, rindo.
Anker para o carro e já estou com a mão na maçaneta, sorrindo de forma desajeitada para
ele.
— Obrigada pela carona. Até quarta-feira.
Ele ainda está com o carro ligado e me olha extremamente confuso quando pulo para fora do
carro e caminho na direção do gramado, com o olhar fixo na porta. Não sei porque estou tão
tensa enquanto fujo de Anker.
Um vulto preto se move atrás da árvore do jardim. Meu corpo inteiro gela. Olho para os
lados em não vejo uma alma viva sequer pela rua além do carro de Brandon do outro lado da rua
e a camionete de Anker ainda no meio fio. Para o meu desespero, a sombra sai de trás da árvore.
— Brandon? — pergunto quando ele atinge minha visão.
Ele está com a roupa úmida no corpo. Não sei por quanto tempo esteve ali, mas parece ter
sido o suficiente para deixar seu corpo completamente tomado pela água que cai do céu.
Aperto minha mochila contra o peito, nervosa demais.
— Podemos conversar? — ele pergunta, mas então seu olhar se move para trás. — Quem é
aquele?
Olho para trás, vendo Anker nos observar.
— É o dono da casa que estou pintando.
— E por que você está usando uma camisa masculina? — a pergunta soa cortante e quando
volto a olhar em sua direção, ele está muito próximo.
Sinto o cheiro do álcool e vejo as pupilas levemente dilatadas.
— Não acho que isso é da sua conta depois do que eu vi no estacionamento — murmuro,
entredentes. — E não vou conversar com você bêbado.
— Há algum problema aqui?
O meu rosto e de Brandon se viram para a voz.
Anker está ali, sob a chuva, enquanto olha de uma forma preocupada entre nós. Então sinto
os dedos de Brandon no meu pulso e um leve puxão forçando-me na direção dele. Colido em seu
peito e ele passa o braço de forma desajeitada pelos meus ombros.
— Não mesmo, cara. Estou apenas conversando com a minha namorada.
Os olhos de Anker estão no meu rosto, ignorando Brandon.
— Está tudo bem? — ele pergunta quase em um sopro, apenas para mim.
Não consigo me mover em choque e nervosa entre os braços de Brandon. Forço um sorriso
para Anker, o que não parece surtir muito efeito.
— Não escutou o que eu disse, porra?
— Brandon… — murmuro, tentando me afastar — Por favor, não seja indelicado.
— Indelicado? — Se afasta, encarando os meus olhos. — Você invadiu o meu apartamento
enquanto eu estava dormindo para me dar um pé na bunda e eu estou sendo indelicado agora? —
a voz soa um pouco mais alta e ele olha novamente para Anker enquanto sussurra para mim: —
O que está acontecendo aqui? Hum? Está dando pra esse cara, Heaven?
Arregalo os olhos, chocada pela forma como a voz dele soa raivosa.
— É melhor entrarmos e conversamos sozinhos — afirmo, cerrando as mãos em punhos.
Troco um olhar firme com Anker, que está me olhando com cautela. — Obrigada, Anker, quarta-
feira estarei na sua casa no horário combinado.
Viro e marcho na direção da porta, tremendo e puro ódio e raiva. Abro a porta e não me
preocupo em esperar por Brandon. Ele passa pela porta enquanto estou andando em círculos,
sentindo meu coração bater depressa e minhas mãos formigarem nervosas.
— Você ficou louco, Brandon? — quase grito, com a voz tremendo. — Me acusa de ciúmes
doentio e de repente você…
— O que acha que vou pensar ao ver minha mulher com a roupa de um outro cara? — Ele ri,
ainda parado próximo a porta de entrada — Ou vai me dizer que é mentira? Um monstro igual
ele está comendo a boceta da minha namorada? É isso mesmo?
— Cale a boca, Brandon! — estouro, gritando e lutando com lágrimas nos meus olhos.
Passo a mão pelo rosto.
— Vou me trocar e aí vamos continuar essa conversa!
Caminho até o banheiro e retiro a camisa de Anker, já que isso parece perturbar Brandon.
Também aproveito para lavar o rosto e retirar qualquer resquício de nervosismo. Preciso escolher
bem as palavras.
Quando volto para a sala, no entanto, ele não está ali.
Então escuto um som abafado vindo do porão. Meu coração está em disparada. Ele entrou no
ateliê. Meus passos apressados até a porta do ateliê são o suficiente para ecoar pela casa, se
misturando ao som alto da minha respiração.
Desço até a metade da escada para ver Brandon avaliando cada parte do ambiente.
— Brandon, por favor, calma! — peço quase em um sussurro.
Ele solta um riso nasalado, pegando o quadro que está na frente da mesa do centro do lugar
nas mãos. Ele levanta o quadro para mim e finalmente me encara nos olhos. Os olhos estão
muito vermelhos.
— Eu sabia que aquele monstro lá em cima não estava te olhando de qualquer maneira. E
agora eu estou vendo que existe algo. — Ele joga a tela no chão, fazendo com que a madeira se
parta.
Meu corpo treme, vendo a última pintura que fiz de Anker.
— Brandon, são pinturas! — rebato, ainda com uma distância segura. Eu estou com muito
medo. — Eu sou uma artista... me inspiro em pessoas para essas telas.
Ele empurra a mesa, fazendo com que uns pincéis caiam no chão junto com tintas notas. E
então eu o vejo caminhar até as telas apoiadas na parede. Boa parte delas de Anker e a coleção
que pretendia usar no final do curso.
Meu lábio treme quando Brandon grita.
Ele grita de novo.
Não consigo distinguir o que ele está falando, porque, de repente, Brandon começa a destruir
o lugar em um ataque de raiva. E eu estou congelada, no meio do lugar enquanto assisto o
primeiro lugar que me senti segura depois de sair do Colorado se partir.
Brandon o parte, o quebra.
E eu não consigo mais ver ou ouvir. Minhas pernas amolecem enquanto escuto o som do
meu coração se partir, pedaço por pedaço. Coloco as mãos nos ouvidos e vejo Brandon lançar
uma das telas contra a parede.
Ele está completamente fora de si e descontrolado. Sinto meus olhos se encherem de
lágrimas e elas logo escapam pelo meu rosto. Meus lábios trêmulos não conseguem segurar os
soluços repetidos.
O ar parece falhar e eu preciso puxá-lo pela boca quando vejo ele lançar o meu cavalete no
meio de uma das telas. Então fecho os olhos e caminho para trás, até sentir a parede bater nas
costas.
Os sons abafados da destruição de Brandon estão ecoando pela minha cabeça. Ele está me
destruindo ao fazer isso. Estou tão chocada que meu corpo parece congelado sobre tudo isso.
Eu quero pará-lo.
Eu quero correr.
Eu só não consigo.
Escorrego até me sentar no chão gélido do porão.
Murmuro para mim mesma coisas desconexas.
— Vai ficar tudo bem. Eu sei. Vai acabar logo. Depois você vai arrumar tudo, Heaven — eu
estava me consolando.
De repente, outra memória me leva para mais ao fundo. Quando os policiais chegaram na
casa que morávamos com vovó e contaram sobre o acidente que matou a minha mãe. Quando me
encolhi no chão em posição fetal com as mãos no ouvido e me consolei sozinha.
Enterro o rosto no meio das mãos e aperto os olhos com força enquanto escuto cada parte do
lugar ser quebrado, devastado.
Não sei quanto tempo leva, mas, eventualmente, os sons da destruição param. E não sinto
coragem de encarar a realidade. Talvez se eu ficar alguns minutos a mais assim, tudo voltará ao
normal, certo? Se eu acordar desse pesadelo tudo não passará de uma memória ruim.
Eu sinto quando Brandon chega perto.
Escorrego os pés para me empurro mais contra a parede. Nego com a cabeça quando escuto
ele pedir que eu o olhe. Não posso, Brandon, você me destruiu, é o que quero dizer. Mas agora
apenas pequenos gemidos desesperados escapam dos meus lábios.
A voz dele é calma, mas não me transmite confiança. Então ele toca no meu antebraço e eu
travo no mesmo minuto. Tenho medo de me mover e ele fazer algo contra mim.
Abro os olhos devagar, sentindo o corpo todo tremer. Brandon está com os olhos calmos e
respira profundamente, me olhando. Sua mão vem na minha direção e eu recuo com medo. Ele
toca o meu rosto e faz um carinho com as costas da mão na minha bochecha.
— Vamos para casa, anjo.
Nego com a cabeça.
Ele sorri.
Ele só pode estar fora de si. Brandon aproxima o corpo do meu e me abraça. Eu sinto nojo e
uma vontade enorme de vomitar quando seu corpo se choca contra o meu. E então eu levanto o
olhar e vejo. Eu vejo a destruição.
Meus quadros no chão destruídos. Os pincéis quebrados. Tintas abertas empoçadas pelo
chão e respingos pela parede. Meu armário de tintas jogado no chão. A mesa virada.
Não consigo reagir quando Brandon me segura pelos braços e me leva do porão. Eu só
mantenho meus olhos fixos na destruição.
Só me dou conta de onde estou depois que Brandon já deu partida no carro. Eu estou sem
nada. Carteira, telefone ou até mesmo sapatos para sair de casa. Ele dirige com calma e em uma
velocidade tranquila. Minhas mãos estão grudadas no banco do carro, querendo sair correndo a
cada semáforo que ele para. As portas estão trancadas.
Para a minha sorte, Brandon dirige para o apartamento que divide com Sebastian e Dylan.
Estou com medo de ficarmos sozinhos. Ele estaciona o carro e eu desço, movida apenas pela
vontade de lavar o meu rosto e falar tudo o que eu desejo colocar para fora. Será o fim.
Brandon só pode estar maluco, já que está me tratando com tanta naturalidade que chega a
assustar. Estou abraçando os meus braços quando entramos no elevador.
— Eu acho que podemos descansar um pouco — ele começa. — Você acha que podemos
pedir pizza para o jantar?
Engoli em seco, com os olhos no chão.
A porta do elevador abre e nós dois saímos. Caminhamos até a porta do apartamento e ele a
abre. Sebastian está sentado em um dos sofás assistindo televisão. Abaixo a cabeça e caminho
direto para a escada que dá acesso ao quarto de Brandon, até mesmo ouço ele e Sebastian
conversarem algo, depois ele me segue.
Entro no quarto e enxugo as lágrimas dos olhos. Ele não me olha quando entra no quarto,
apenas fecha a porta e tira a camiseta preta.
— Brandon — eu o chamo com a voz fraca. — Nós… nós precisamos conversar.
— Anjo. Eu preciso tomar um banho e tirar todo o álcool que está em mim para ficar
totalmente sóbrio. Tudo bem se eu tomar um banho antes?
Meus olhos estão no chão. Não consigo olhar em seus olhos. Apenas assinto com a cabeça e
limpo mais uma vez os meus olhos, afastando as lágrimas. Ouço o barulho da porta do banheiro
do quarto ser fechada e deito o meu corpo na cama, deixando o soluço sair por meus lábios e o
desespero ser externado através de lágrimas e grunhidos de dor.
Não sei onde me perdi no meio desse caminho.
Eu permaneço de olhos fechados quando sinto Brandon se mover na cama.
— Você ainda está dormindo, meu anjo? — a voz dele diz baixinho.
Não quero abrir os olhos e encarar Brandon. Eu não sei como fazer isso. Então resolvo abrir
os olhos. Uma lufada de ar é liberada pelos meus pulmões e eu tomo coragem para virar para ele.
Ele está com a cabeça apoiada na mão enquanto a outra mão vai de encontro a minha pele.
Seu sorriso suave é lançado para mim, junto a um olhar sereno.
Olhar para Brandon, assim tão carinhoso e amoroso comigo, me causa uma aflição grande.
Ele não parece o mesmo monstro que quebrou o meu lugar preferido no mundo. Resolvo me
sentar na cama e busco encher os pulmões de ar. Meus olhos estão fixos no colchão quando ele
se senta na cama e beija o meu ombro.
— O que está acontecendo? — sussurra. — Eu te perdoo pelo que houve hoje…
Perdoar?
Ele está se ouvindo?
Engulo em seco.
Aperto o tecido da camisa que estou vestindo. Meus lábios começam a tremer no instante em
que eu tento formular a frase na minha cabeça. Preciso dizer. Tenho que me livrar disso. Dessa
angústia e das amarras que Brandon tem em mim.
— Eu não consigo mais.
Minha visão embaça um pouco e posso sentir as primeiras lágrimas correrem pela minha
bochecha. Fecho os olhos, evitando ver qualquer coisa assim que Brandon escorrega pela cama.
Ele para na minha frente e segura o meu rosto com ambas as mãos.
— Amor, fale comigo! — ele diz.
Sinto as mãos geladas na minha pele quente, o que me diz que ele está tão nervoso quanto
eu. Com as mãos trêmulas, eu seguro as dele, que estão no meu rosto. Tiro-as de perto de mim e
abro os olhos para encará-lo.
— Nós. Não consigo mais — falo entre soluços.
Ele entende.
Brandon arregala os olhos e sai da cama, caminhando em círculos ao mesmo tempo que
bagunça os fios castanhos. Eu aperto a camisa mais entre os dedos. As minhas bochechas estão
molhadas quando passo as costas da mão nelas.
Brandon para de caminhar e se vira para mim. Seus olhos estão vermelhos e úmidos. Só que
eu só vejo sua raiva. Não há tristeza e nem aflição.
— Isso é por causa daquele cara? Ele é o mesmo das pinturas, hum? — ele fala, tentando
manter a voz normal.
Levanto os olhos para Brandon e ele parece novamente estar ficando fora de si. Levanto-me
da cama, a fim de descer para ter uma conversa decente na presença de Sebastian.
— Me fala, Heaven! — agora ele grita. — Você está sendo a vadia do seu chefe outra vez?
— Ele ri sem graça. — É isso mesmo? Está fodendo com qualquer um pelas minhas costas?
Paro, agora encarando Brandon. Não consigo formular nenhuma frase para responder o
insulto dele. Meu corpo todo parece aquecer. Não é por conta de um sentimento bom. É tristeza e
mágoa. Como ele consegue pensar que eu sou uma vadia só por ter um relacionamento com um
empregador? E por que estou me sentindo culpada se nem é verdade?
— Fala, Heaven! — ele grita, batendo com a mão na porta do guarda-roupas.
Dou um salto para trás, apoiando a mão na parede.
— Não, Brandon. Não é sobre outra pessoa. — Respiro profundamente. — É sobre nós. Nós
não podemos mais.
— Por que, Heaven? Me dê a porra de um motivo! — esbraveja.
Eu coloco as mãos no rosto, evitando vê-lo. Meu corpo todo parece estar à beira de um
colapso. Ao mesmo tempo que sinto a adrenalina, sinto como se estivesse fraca. Fraca para
continuar, fraca para argumentar e fraca para me manter firme.
— Eu não aguento mais, Brandon — digo com a voz abafada. — Você colocou a culpa do
seu comportamento no seu antigo relacionamento, mas está vendo o que está fazendo?
Construímos uma relação com ciúmes, altos e baixos. Você aceitou o telefone de uma mulher
que deu em cima de você e agora está me cobrando algo. Com qual direito?
Ele começa a gargalhar, o que me faz tirar as mãos do rosto para encará-lo.
— A culpa é minha, então? — ele diz, apontando para o seu peito. — E todas as vezes que
você praticamente se jogou em cima de outro homem? Todas as vezes que você sumiu sem me
dizer onde foi? E que tal eu falar sobre a sua compaixão por velhos tarados?
Ele não pode estar falando a verdade.
Não mesmo.
Um silêncio terrível se faz entre nós dois.
Sinto os tremores do meu corpo piorarem quando o vejo se aproximar de mim. Começo a
caminhar na direção da porta do quarto quando ele fecha a minha passagem com seu corpo forte.
Levanto os olhos para ele.
— Você vai fugir sem nós terminarmos essa conversa? — pergunta, trincando os dentes.
— Acabou — falo tremendo a voz.
Então ele faz algo que me desestabiliza. Ele segura o meu queixo com uma das mãos. Me
aperta com força, me levantando um pouco. Fico na ponta dos pés quando ele continua me
levantando. Minha garganta se fecha por conta da dificuldade de respirar.
Estou em pânico.
— Nós não terminamos, Heaven. Nós não podemos terminar, sabe por quê? Porque você é
minha.
O meu próprio namorado está me machucando.
Não só fisicamente, porque psicologicamente eu já estou destruída.
Um barulho no andar de baixo faz com que ele vacile a força, o que me dá uma brecha para
passar pelo seu lado, cruzar a porta e correr até a escada. Sem pensar muito, começo a descer os
degraus. Quando estou na metade da escada, ouço os passos pesados dele fazerem a escada
estremecer.
Concentro-me nos meus pés, que tentam manter um ritmo acelerado.
Meu braço é puxado e ele me vira para si quando já estou quase na porta de entrada da casa.
Ele está com uma expressão doentia e aperta com força o meu braço e eu gemo de dor.
— Me solta — peço, baixinho.
Os barulhos vêm da cozinha.
— Você não vai embora! — ele diz.
— Eu quero ir! — rebato com a voz quase em um sussurro.
Então ele sorri.
— Você vai para onde, Heaven? Eu sei onde você mora! Eu sei todos os lugares que você se
esconde! Para qualquer lugar que você correr, eu vou te encontrar, porra.
Com toda sua força, ele me chacoalha em um alerta. Meu corpo todo cambaleia e seu aperto
vacila. No instante seguinte, eu caio. Bato com a lateral do corpo contra o chão. O rosto bate
mais forte que o quadril.
Sinto a têmpora esquerda doer como o inferno e algo quente escorrer pela bochecha.
Aperto os olhos com força e, assim que os abro, vejo tudo embaçado.
Brandon ainda está parado na minha frente, me olhando de um jeito que eu nunca vi. Pânico.
Pânico é o que eu vejo nos olhos dele. Por instantes, eu vejo seu desespero misturado com o
arrependimento. A imagem de Dylan surge, ele caminha até mim e me segura pelos ombros. A
voz dele está um pouco distante e eu tento focar na minha frente.
Um zunido agudo está nos meus ouvidos.
Brandon faz menção de vir na minha direção. Começo a arrastar o meu corpo para trás,
tentando manter distância dele. As lágrimas parecem secar e eu só consigo soltar pequenos gritos
de negação misturados com o desespero.
Eu estou sangrando.
Quando meus sentidos são recuperados em parte, me coloco em pé, segurando-me ao corpo
de Dylan. Sebastian aparece no fim da sala e me olha, aflito. Ele caminha até mim e Brandon,
que tenta dar mais um passo na minha direção. Dylan espalma as mãos em seu peito e o impede.
Sebastian tenta tocar em mim e eu dou um passo para trás.
Estou em choque.
Em pânico.
Olho mais uma vez para o meu agressor e ouço ele falar “anjo”. É tarde demais. Eu cansei de
perdoar Brandon. Abro a porta do apartamento e corro para o elevador. Por sorte, ele abre em
instantes. Ouço uma briga ser iniciada dentro do apartamento. Eu não quero mais saber de como
Brandon ficará. Eu preciso me colocar em primeiro lugar nisso tudo.
Quando o elevador abre, eu corro pela recepção. Cruzo as portas e faço sinal para um táxi. O
meu olho esquerdo está banhado de sangue que sai da minha pele.
Falo o endereço para o motorista.
Com a mão trêmula, eu pego uma flanela que o motorista me oferece e aperto o machucado.
Preciso ir para um lugar onde Brandon não vai me encontrar.
Minhas mãos encontram a porta fechadas em um ato desesperado. Assim que as portas
abrem, levanto os olhos para ele.
— Heaven? — Os olhos verdes me encaram com surpresa. Logo a expressão se torna
assustadora. — Meu Deus, o que houve?
E então eu desabo.
Minhas pernas não conseguem mais me segurar. Anker me abraça, me impedindo de colidir
com o chão. Ele ampara meu corpo e escorrega até o chão comigo, onde me aninha entre seus
braços. Minha mão vacila com a flanela e ele segura o tecido contra o meu machucado.
Há sangue escorrendo pelo meu rosto, pescoço e manchando a camisa.
Eu preciso me livrar de tudo de Brandon.
— Quem fez isso com você? — a voz dele sai tensa, mas não respondo.
As mãos de Anker começam a acariciar os meus cabelos. Sinto seu corpo quente envolto no
meu. Ele não pergunta nada, apenas me abraça e deixa meu choro cessar. Aos poucos, sinto meu
corpo relaxar mais e mais.
Minha cabeça enterrada em seu peito e seus lábios pressionados nos meus cabelos. Ele fala
algumas palavras soltas e alguns suspiros saem de seus lábios. O que mais me chama atenção é o
seu peito que sobe e desce descompassado. E assim que me afasto para ver seu rosto, as lágrimas
que molham sua pele me deixam ainda mais aflita.
— O que fizeram com você, pequena? — a voz dele ressoa baixa, em um tom tão
melancólico que faz meu coração quebrar mais um pouco.
Fecho os olhos e me mantenho agarrada à camiseta dele. Aperto o tecido como se eu
dependesse disso para viver.
— Pelo amor de Deus, Heaven, me diz o que aconteceu! — suplica e nego com a cabeça,
ainda com as memórias me deixando machucadas.
Noto que Anker fixa seu olhar no meu queixo. Ele desliza o polegar pela região,
visivelmente bravo, mas não diz nada. Então seu olhar suaviza um pouco mais e ele volta a
encarar os meus olhos.
— Então me deixa cuidar de você — Anker pede.

Eu poderia ter ido embora quando ele destruiu parte do meu ateliê.
Quando Brendon escolheu destruir parte de mim.
Apesar disso, avaliando de uma outra perspectiva, vejo que se não tivesse ido até a casa dele,
eu jamais teria visto esse lado de Brandon. Ele me machucou duas vezes. Tomado pela raiva e
pelo seu ciúme desenfreado, ele me agrediu. E, infelizmente, eu precisei disso para colocar um
ponto final. Uma pedra foi posta em todos os nossos momentos felizes.
Ele me tirou do paraíso e me levou até o inferno.
Neste instante, eu estou sentada em um banco dentro de uma delegacia, com um curativo na
têmpora e Anker segura na minha mão. Ele é a única pessoa que sabe do que eu passei, além de
Mag, que precisei falar para explicar a destruição dentro da casa.
Eu não voltei lá.
Quando Anker entrou na casa para pegar minhas costas, fiquei encolhida dentro do carro
com medo de Brandon aparecer. Depois de me amparar na porta da sua casa, Anker cuidou até
que eu me acalmasse e contasse o que tinha acontecido. Eu precisei falar para tirar de mim.
No mesmo instante, ele secou as minhas lágrimas e me levou até o quarto, onde limpou o
meu machucado e fez um curativo. Sem delongas, ele me disse que precisaríamos ir até uma
delegacia para as coisas não saírem do controle com Brandon e ligou para o próprio advogado.
E eu sabia que erguer uma guerra com o casal de advogados mais famosos da cidade seria
difícil. Qualquer coisa deixada para depois poderia ser um argumento em júri, então, mesmo
abalada e ainda em choque, Anker fez tudo o que estava ao seu alcance.
Então decidimos que uma medida protetiva é o que eu mais preciso.
O homem à minha frente faz uma série de perguntas e eu tento responder entre “sim” e
“não”. Minhas mãos estão tão frias que sinto as juntas doerem. O meu peito sobe e desce
tentando acalmar o choro que corre pelo meu rosto e, mesmo com o casaco grande Anker nos
meus ombros, eu ainda sinto-me incrivelmente fria.
Com um vazio na alma.
Eu quebrei em anos de resiliência.
— Agora eu preciso que você me descreva a cena em que tudo aconteceu no dia de hoje,
senhorita Williams — o homem fala.
Desvio o olhar para a mulher com cabelo amarrado no topo da cabeça ao seu lado. Ela
aparentemente é a psicóloga do lugar e isso me conforta um pouco. Então eu digo tudo desde o
início. Como foram as crises de ciúmes dele e minha, como nós gritamos um com o outro e
perdemos o sentido das brigas algumas vezes... Até a cena em que tudo aconteceu.
Minhas palavras tentando explicar o meu relacionamento com Brandon se embolam sempre
que eu lembro dos momentos felizes. Contudo, o limite me vem quando eu me recordo da
discussão de hoje. Explico sobre quando ele me segurou pelo maxilar e noto os olhos atentos
deles sobre o meu rosto.
Eu não me vi no espelho ainda, mas sinto uma dor latente no maxilar. Provavelmente
Brandon me deixou marcada pela força que usou. Em seguida, explico sobre a minha tentativa de
fuga e o chacoalhar.
— Então existem duas testemunhas?
— Sim. Os amigos dele, Dylan e Sebastian.
— Vamos chamá-los para depor.
— Também gostaria de solicitar as imagens das câmeras de segurança do prédio antes que os
advogados do senhor James interfiram no caso — o advogado de Anker diz. — Você têm
alguma outra forma de provar que estava na casa do senhor James?
— O celular dele — falo, um pouco confusa. — Ele rastreia a localização dos principais
lugares que esteve. Pode ajudar.
Então os olhos do policial atrás da mesa voltam para mim.
— Senhorita Williams, você crê que os amigos do seu ex-namorado contribuirão com a
verdade para essa investigação?
Engulo em seco.
— Por mais que a reputação deles não seja boa, eu acredito que eles são íntegros. Não acho
que Brandon também vá mentir. O que me coloca em dúvida são seus pais e a reputação da
família dele — falo com sinceridade.
Eu estou jogando contra o império James. E com toda certeza isso acabará nos maiores
jornais da cidade. Eu preciso me munir de defesas para não invocar os demônios do inferno de
Brandon.
Depois de duas horas dentro de uma delegacia, estamos finalmente saindo do lugar. O vento
suave da primavera toca o meu rosto e eu suspiro, sentindo o pólen das flores começar a surgir
ali. Sorrio fraco, apertando os braços ao redor do corpo.
Anker caminha comigo até o carro. Ele abre a porta e eu entro, sentindo-me mais tranquila
do que antes. Minha cabeça trabalha sem parar há mais de horas. Nem notei que já se passaram
das dez horas da noite, apenas me dou conta quando Anker liga o carro e o relógio do painel
brilha.
— Você não comeu nada durante todo esse tempo — comenta, com os olhos na estrada.
— Não notei. Fiquei sem fome o tempo todo — a menção a comida faz minha barriga rugir.
A última vez que comi foi a torta de maçã com Anker, ainda na casa dele. — Acho que podemos
comer algo.
— O que você quer comer?
— Eu não sei — respondo, encostando a testa no vidro e observando a cidade se tornar
riscos por conta da velocidade. — Qualquer coisa, eu acho.
Anker continua em silêncio enquanto dirige.
Nenhum de nós dois quer falar sobre o que aconteceu. Anker me fez poucas perguntar sobre
o aconteceu, apenas se manteve ocupado certificando-se de que eu estava bem. E eu não estou.
Quando paramos no drive-thru, dou graças aos céus por ele entender que eu não teria
condições para descer de um carro e encarar um monte de pessoas com o rosto nesse estado.
Anker compra algo que eu não observo. Tenho os braços em volta do corpo e os olhos
fechados. Talvez se eu dormir, tudo isso vai desaparecer. Infelizmente, não é assim que funciona.
Então permito-me relaxar e descansar um pouco.

Depois que chegamos na casa de Anker, vou direto para o quarto de hóspedes. Anker diz que
vai levar a pizza até o quarto e eu prefiro, primeiro, tomar um banho e tirar todo o cheiro daquela
confusão de mim. Embaixo da água, tento organizar os meus pensamentos e meus próximos
passos.
Me pergunto o que fazer e, de repente…, não tenho resposta.
Não sei o que fazer primeiro.
Abraço o meu próprio corpo, sentindo aquele vazio silencioso que me assusta porque, no
fim, me sinto exatamente assim, sozinha. Apesar de Anker estar me amparando, no fundo, sei
que não tenho com quem contar ao fim do dia além de Mag.
Praticamente abandonei Rose e Edward durante o meu relacionamento breve com Brandon e
me arrependo amargamente sobre isso. Agora, percebo que quis me apoiar em Brandon e fazer
dele o que nunca tive: alguém para contar inteiramente.
Não tenho família ao meu lado e nem mesmo um parceiro.
Isso é frustrante ao final do dia, porque, de repente, existe apenas aquele silêncio
desesperador. E, no fim, isso não deve ser sobre outras pessoas, o que é mais difícil ainda.
É fácil mascarar nossas frustrações em relacionamentos.
Porém, quando me pergunto quem eu sou e onde me encontro, não há respostas.
Eu preciso me conhecer agora para que não me perca de novo.
Brandon me confundiu em relação a mim mesma e o sentimento mais desesperador é o de
não conhecer meus objetivos e sentimentos em relação a tudo. Parece que, aos poucos, estou
sufocando na minha própria confusão.
Saio do banheiro vestindo uma camisa de Anker e deito-me na cama. Meu telefone vibra
sobre a mesa de cabeceira e sinto um arrepio tomar conta do meu corpo. Quando o pego, checo
as mensagens de Sebastian de Mag, Rosie e Ed. Todos eles me fazendo perguntas que eu não
quero responder.
Eu não quero dizer que o meu ex-namorado me agrediu.
Uma mensagem de voz faz o meu coração falhar por míseros segundos. Resolvo que não
vou ouvir Brandon e bloqueio o número dele. Sinto as lágrimas que caem dos meus olhos e deixo
o telefone de lado.
Meus pensamentos desnorteiam-se quando noto Anker na porta do quarto, me observando
sentada na cama. Ele tem uma caixa de pizza nas mãos e algumas latas de Dr. Pepper na outra.
Limpo rapidamente os vestígios das lágrimas que estão no meu rosto e suspiro pesadamente
quando ele se aproxima.
Anker se senta na ponta da cama e abre a caixa de pizza entre nós dois.
— Como você se sente?
— Não sei.
Ele pega um pedaço da pizza e luta com o queijo na hora de morder. Eu rio baixinho,
também pegando um pedaço da pizza para comer. Comemos em silêncio. O vazio da casa me
conforta, já que minha cabeça pesa demais para lidar com qualquer outra coisa.
Suspiro quando largo a lata de refrigerante vazia sob a cama e observo Anker retirar os
vestígios do nosso jantar dali. Deito-me na cama e ele me observa, sentado ao meu lado. Os pés
em posição de yoga e as mãos em cima das coxas.
— Eu vou pedir um afastamento do curso — falo, fitando o teto. — Tenho apenas a entrega
da coleção final e algumas orientações, acho que vou fazer isso depois que o processo ocorrer.
— Tem medo dele vir atrás de você?
Há uma pontada de raiva na voz dele. Anker é sempre bom em administrar sua fúria, mas sei
que ele está incrivelmente bravo. Não sei como seria se ficasse irritado, porque acho que me
lembraria a fúria de Brandon.
— Não. É algo mais interno. Acho que eu preciso… — Suspiro, tentando encontrar as
palavras certas. — Preciso de um tempo de Washington.
— O que?
Um silêncio estranho se forma entre nós.
Eu sei o que minhas palavras podem sugerir.
Um afastamento entre nós dois também pode acontecer.
— Você vai fugir... de mim?
Solto o ar do peito quando ele continua me encarando, com os ombros caídos e uma
expressão de derrotada.
— Você vai para onde?
Eu solto o ar do peito.
— Não sei, Anker — falo, tentando parecer calma. — Falei com a Mag e ela me sugeriu
Paris. Ela tem um namorado lá que é dono de uma pousada e pode me oferecer um quarto por um
tempo….
— Quanto tempo?
Abaixo o olhar. Anker não esconde a aflição e eu sinto meu peito doer ao ver seus olhos
confusos e cheios de sentimentos. Sinto quando ele se move na cama e segura meu rosto,
levantando-o para que eu o encare.
— Não sei ao certo... — Suspiro, tentando esboçar um sorriso. — Eu preciso me encontrar
no meio de tanta neblina. Preciso de um tempo comigo mesma.
Ele, então, me surpreende ao deitar-se ao meu lado. Anker acomoda o corpo na cama e abre
os braços para mim, me fazendo um convite silencioso para estar em seus braços. Assim eu faço
quando encosto a cabeça em seu ombro e abraço seu tronco. Ele beija o topo da minha cabeça e
suspira contra os meus cabelos.
— Nunca me esquecerei disso — ele murmura mais para si mesmo do que para mim.
— O que?
— Você segura comigo.
Um nó se forma na minha garganta.
— Anker… — sussurro. — Não foi sua culpa e muito menos minha, então…
— Eu sei, eu sei — murmura, me apertando mais contra si. — Mas não paro de pensar no
instante que liguei o carro e fui embora, mesmo com o coração apertado e cheio de angústia.
Não sei se é certo estar tão próxima de Anker, mas ele parece desesperado no meio dessa
memória. Tento acalmá-lo, encostando meu rosto no seu peito e respirando suavemente seu
aroma.
— Sabe… O seu nome faz jus a sua personalidade — comento, ele finalmente parece relaxar
um pouco das memórias. — Âncora, não é? É ela que segura o navio na terra. Eu me sinto assim
agora, mesmo que eu tenha decidido comigo mesma que não vou depender dos outros para me
sentir bem, existe algo sobre você que me faz sentir segura. Como se finalmente estivesse com os
pés firmes no chão, em meio a uma correnteza forte.
— Eu também me sinto assim em com você, Heaven — revela, fazendo meu coração bobo
errar uma batida. — Existe algo sobre você que eu não consigo explicar.
Nós ficamos em silêncio e, aos poucos, meu coração e meu cérebro se acalmam. Até que eu
esteja dormindo, Anker não me solta por nenhum instante.
Acordo de um sonho terrível em um pulo.
A primeira coisa que registro assim que me sento na cama, tremendo, é o suor no meu
corpo e a respiração alta. À medida que meu olhar se ajusta à penumbra, o som do meu coração
retumbando nos meus ouvidos me deixa zonza.
Coloco a mão sobre o peito, massageando-o enquanto digo a mim mesma que estou
segura. Brandon não vai me achar na casa de Anker.
No sonho, Brandon corria atrás de mim em uma casa muito grande e eu tentava me
esconder a todo custo. Quando ele conseguiu colocar as mãos em mim, despertei
Enquanto meu coração volta a bater no ritmo normal e minha respiração se torna suave,
noto que estou sozinha na cama. Me lembro de ter dormido praticamente sobre Anker ontem.
A noite ainda está lá fora, a vejo através das janelas grandes.
Antes que eu me pergunte por onde está Anker, o som das notas do piano ressoa baixinho
pelo quarto. Encaro a porta, que está apenas encostada e antes de descer da cama, verifico a
última mensagem de Mag. Ela conseguiu comprar minha passagem para amanhã e não posso
estar mais ansiosa para respirar longe de Washington.
Me pergunto se realmente estou fugindo ou buscando me encontrar.
Então, releio o que Mag escreveu quando a questionei sobre isso:
“Se você sente que é o certo, pouco importa o resto. Pela segunda vez em sua vida, escute o
seu coração, Heaven. Uma vez você decidiu deixar o Colorado para trás com aquilo que te
machucava. Se é a melhor maneira de encontrar como lidar com isso, não hesite em buscar por
novos ares”
De algum modo, o meu coração se aperta. Mag está sendo tão importante para mim que eu
penso como mamãe deve estar feliz com isso, de onde quer que esteja.
Meus pés tocam o chão e, pela segunda vez, estou acordando em uma madrugada na casa de
Anker. Fico aliviada por não ser por conta dos sonhos dele e dos gritos. Não falamos mais sobre
os pesadelos, mas espero que a terapia realmente esteja ajudando Anker a superar o que viveu.
Saio do quarto e arrasto os pés até a sala do piano que, pela primeira vez, tem sua porta
levemente encostada. Um pequeno vão entre o batente me deixa ver o interior do lugar.
Anker está na frente do piano com a cabeça baixa enquanto seus dedos tocam. As notas são
baixas, mas perturbadoras. Uma confusão de acordes se mistura, deixando a melodia mais
agitada e alta.
A cabeça dele se move para os lados, mas ele ainda parece tenso demais. A canção está
subindo em uma ascendência perigosa. É quase fúnebre, se não fosse pela forma como ela cria a
tensão.
Parece que Anker está esmiuçando suas emoções naquela música.
De repente, algo muda. Notas baixas tomaram o ambiente e a melodia se torna mais
longas, ressoando uma leveza absoluta. Elas parecem ser a calmaria após a tempestade.
Ainda estou imobilizada na porta, nem ao menos lembro de quanto a empurrei. Agora,
com uma visão completa de Anker, posso ver seus ombros relaxando à medida que toca, com as
mãos dançando sobre as teclas.
Uma luz baixa vindo a iluminação indireta, agora nova por conta das obras, tem um tom
amarelo suave, trazendo ainda mais leveza para o momento. Lágrimas que eu segurei desde o
momento que acordei transbordam por meus olhos.
No meio da escuridão e da madrugada, o som ecoa pela casa de Anker, agora não
parecendo tão assombrosa quando cheguei aqui pela primeira vez.
Mais uma vez a música ascende, então desaba em duas notas. É interrompida em um final
confuso, como se não tivesse sido terminada. Ele parou por mim?
Anker vira o rosto para mim, me olhando por cima do ombro.
— Foi você que compôs? — pergunto, tentando entender.
Ele volta a olhar para a frente, parecendo engolir em seco. Caminho na direção dele, confusa
pela reação. Contorno seu corpo, parando ao lado do piano. Anker está encarando as mãos sobre
as teclas.
— Não está pronta — revela, negando com a cabeça e evitando me olhar. — Não deveria ter
tocado com tanta força, você deveria estar descansando…
— Anker, olhe para mim — peço, sentindo a reação estranha.
No instante que ele fecha os olhos e inspira profundamente, estou a um passo de ir até ele.
Por algum motivo estúpido, penso que algo mudou entre nós e isso me apavora.
Quando Anker abre os olhos verdes, naquela confusão com o azul, sei que absolutamente
algo mudou entre nós.
Nunca vi rosto de Anker tão carregado de emoções.
— O que está acontecendo? — minha voz sai trêmula.
Lentamente, ele se põe em pé. Anker parece mais firme do que nunca quando caminha em
minha direção, parando na minha frente e me olha sério, com os lábios apertados em uma linha
fina.
— Você não me respondeu quando te perguntei sobre fugir de mim.
Um sorriso nervoso brota nos meus lábios.
— Nunca vou fugir de você. — Toco o rosto dele com a mão, segurando-o. — Eu prometo
que, quando voltar, estarei aqui. Mas nesse tempo longe, acho que preciso ficar realmente
sozinha.
— E se… — Os olhos dele descem pelo meu rosto — E se eu…
Ele se cala, parecendo sem coragem de continuar. A mão encosta na minha, segurando-me
contra seu rosto. O encaro, sem entender o que está se passando em seus olhos.
— A música é sobre como eu me sinto sobre você, Heaven — ele diz, me fazendo perder o
ar. — Antes, tudo estava nublado e cheio de confusão. E então veio a calma e uma parte de mim
que eu havia esquecido.
— A música ainda não está finalizada — murmuro, ainda confusa.
Ele sorri suavemente, aproximando o corpo do meu e acho que me inclino um pouco mais
para ele.
— Ainda existe uma parte para compor.
— E sobre o que essa nova parte vai falar? — pergunto em um fio de voz.
Anker se inclina para mim, me deixando com as bochechas quentes pela forma terna que me
olha. Sua mão livre encontra meu pulso, onde ele desliza os dedos suavemente, fazendo um
carinho.
Enquanto ele entrelaça os dedos nos meus, meu coração está batendo depressa.
— Seu coração está machucado, Heaven. Não seria justo termos essa conversa agora.
Acho que paro de respirar.
Anker… ele está insinuando que…
Meu rosto cora.
— Anker…
— Provavelmente, eu deveria esperar você voltar para Washington para supor algo assim,
mas não consigo pensar em ficar longe de você e não abrir pelo menos uma parte desse meu
coração morto. Preciso que você saiba que eu te esperarei, Heaven. Não importa quanto tempo
demore, eu estarei aqui.
Meus lábios tremem em resposta enquanto os meus olhos se enchem de lágrimas.
— Ah, Anker… — Passo os braços pelo pescoço dele e o abraço, sentindo meu corpo quente
com o seu calor.
Ele circunda a minha cintura, me apertando contra si.
— Não vou demorar, eu prometo — digo em um sopro.
Anker beija a curva do meu pescoço, fazendo meu corpo arrepiar. Ele diz próximo da minha
orelha:
— Leve o tempo que precisar, mas, por favor, volte.
— Eu prometo.
Logo que nos afastamos, ele me olha com um brilho suave em seu olhar.
— Venho tentando me convencer que almas gêmeas não existem, mas como eu posso
acreditar nisso enquanto você está aqui? — diz, escovando os meus cabelos para trás dos ombros
e sorrindo. — Acho melhor voltar a dormir, amanhã você tem um voo importante e odiaria que
se atrasasse.
Fico na ponta dos pés e aproximo meu rosto do dele. Assim que meus lábios tocam a
bochecha com cicatrizes, Anker estremece sob meu toque. Deslizo novamente minha mão sobre
a dele, segurando com força.
— Pode deitar comigo? — pergunto, e ele sorri, quase aliviado. — Prometo que não vou te
chutar ou me remexer muito.
O nariz dele se torce.
— Sua mentirosa. Além de se remexer com as pernas para todos os lados, você roubou todo
o edredom.
Pisco para ele, puxando-o na direção do quarto de hóspedes. E mesmo que essa seja a última
noite junto a Anker por algum tempo, não posso deixar de dormir com um sorriso largo nos
lábios e o coração muito mais calmo do que antes.
8 meses depois
Vir para Paris nunca foi um objetivo.
No entanto, eu não posso dizer que isso não me mudou.
Antes mesmo de aprender sobre os pequenos detalhes sobre mim, aprendi a gostar do mau
humor dos franceses. Assim, me forcei a aprender francês. E olhe só: descobri que adoro
aprender coisas novas. A língua francesa se tornou mais fácil com o tempo, e consegui a adorar
cada parte da França.
O quartinho da pousada de Maurice, o namorado parisiense de Mag, é distante do centro
movimentada. Fica quase em Créteil, nos arredores de Paris. Apesar disso, eu adoro a forma
como o pequeno bairro funciona. Os moradores antigos, as casas pequeninas e as ruelas.
Maurice é muito diferente do que esperava, pelo que conheço de Mag. Ele é reservado,
tímido até. Com quase cinquenta anos, é bem conservado e muito simpático. Adorei ele e sua
irmã no instante que os conheci.
Emily é uma garota de vinte e nove anos e ajuda Maurice com a administração do lugar. É
uma garota doce, muito diferente da minha melhor amiga Rosie, porém, se tornou minha grande
companheira de viagens, turismo e garrafas de vinho francês.
Minha rotina se mistura com aulas avançadas de francês e de pintura em um pequeno estúdio
na fronteira com Créteil, no período da manhã. No período vespertino, dedico minhas horas de
trabalho com pintura. Consegui uma pequena galeria para expor o meu trabalho e descobri que
Paris é cheia de pessoas que realmente gostam de arte. O que facilitou meus recursos no lugar e
minha rotina está quase semelhante a Washington.
Quase.
Porque agora eu me sinto muito mais confortável comigo mesma.
Durante este tempo, também fiz novos amigos, além de me acertar com os antigos. Assim
que cheguei em Paris, liguei para Rosie e Edward e em uma chamada de vídeo, contei tudo o que
aconteceu e porque precisei ir embora rápido. Houve lágrimas, mas também compreensão e
amor. Nunca estivemos tão próximos e trocando mensagens diárias, sinto como se eles fossem
parte da minha rotina aqui na França.
E mesmo que eu esteja no caminho certo, não consegui sair com ninguém neste período. Não
é como se não tivesse tido a oportunidade. Jeremy, um dos meus colegas e amigos da classe de
realismo na instituição de artes, está tentando conseguir o meu “sim” há alguns meses. Só que...
nunca pareceu certo.
Então, depois de oito meses, meu coração ainda bate de forma descompassada quando penso
em Anker.
Ele me deu espaço nos cinco primeiros meses, enviando apenas uma mensagem por mês
para saber as atualizações dos meus dias por aqui. Hoje em dia, as mensagens são um pouco
mais corriqueiras, mas, mesmo assim, existe uma distância segura que ele está respeitando.
Quando cheguei na França, havia um envelope com seu nome no meio das minhas roupas.
Assim que o abri, um cheque com um montante absurdo de dinheiro e uma carta dele estava lá:
“Querida Heaven,
Sei que deveria te falar sobre isso pessoalmente, mas algo me diz que você jamais aceitaria
o proposto nesta carta.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que estou com o meu coração dividido.
Existe uma parte minha que está feliz pela sua partida. Você está embarcando na jornada
mais desafiadora dessa vida: a de conhecer a si mesmo, as partes rasas e as obscuras. Espero
que você volte para Washington quando se sentir pronta e completa.
Por outro lado, essa parte egoísta de mim está despedaçada. Na verdade, querida, eu acho
que me sinto solitário. Como nunca estive. Dizem que depois que encontramos algo que nos
completa, ao perdermos, um vazio grande nos preenche. E, bom, depois de experimentar o que é
estar ao seu lado, sei que esses vão ser os piores meses para mim.
Apesar disso, sei que depois de sentir esse momento de solidão, meu coração se encherá de
ansiedade. É assim que me sinto com a certeza de que você voltará.
Ah, agora vamos falar sobre o valor do cheque.
Sei que foi com Alex que você tratou o serviço nas minhas paredes e nunca falamos sobre
um pagamento. Então aqui está, querida: estou fazendo um pagamento total e adiantado sobre a
parede da sala do piano.
Antes que você fique chateada pela quantidade, quero dizer que tenho plena consciência de
que este valor está acima da média. Considere este valor um presente.
A Europa é linda. Mesmo que as minhas últimas memórias sobre o lugar sejam ruins, quero
que você conheça o mundo, querida.
E para finalizar, preciso reafirmar: estarei te esperando.
Assim, finalizo essa carta dizendo que lhe darei espaço. Sei que você precisa estar
sozinha e nosso contato só piorará as coisas porque, ao ouvir sua voz, sei que posso abandonar
essa ideia de distância e entrar no primeiro avião para a França.
Espero que tudo seja tão bonito quanto você merece.
Meu coração está com você.
Com amor, Anker”
Venho me perguntando se essa distância permanente é apenas o modo dele respeitar
realmente meu espaço ou se ele está se afastando porque perdeu o interesse. Ou sei lá, viu que eu
sou realmente complicada. Tento não me sabotar porque sinto que estou a um passo de voltar
para Washington.
Sei que minhas inseguranças vêm falando mais alto a cada semana que passa e, agora que
estou perto de voltar, estou mais ansiosa do que tudo.
Isso não tem a ver apenas com o meu processo, mas também com a resolução do caso com
Brandon. Uma audiência foi marcada e precisarei estar presente no próximo mês.
Tenho pensado na melhor forma de voltar, fazer uma surpresa para Anker me parece a
melhor forma. Porém, aquela insegurança boba aflora no meu peito sempre que penso em como
estamos.
Não sei como não vi os sinais.
Eu sorrio sozinha quando penso nele e amo cada um dos nossos momentos e conversas
inspiradoras. Meu corpo chega a arrepiar quando penso na nossa última conversa, antes de tudo
acontecer com Brandon.
Anker me perguntou se eu acreditava em almas gêmeas.
Venho me perguntando muito sobre isso, na verdade. Quando pesquisei o significado literal,
descobri que está ligada a uma conexão entre pessoas onde há, sobretudo, afinidade. Isso pode
ser relacionado com a similaridade, o amor, romance, a intimidade, sexualidade, espiritualidade,
compatibilidade e confiança.
O engraçado é que, quando vejo tudo isso, são poucas as lacunas que Anker não preenche.
Essa coisa única que ele fez e ainda faz com o meu coração não parece ser dessa vida.
E, bom, estou aqui, com quase vinte e cinco anos, finalmente acreditando em algo além de
Deus. Minha avó deve estar orgulhosa de algum modo, porque agora estou atenta aos pequenos
detalhes do meu destino. De um modo extremamente bizarro, encontrei isso dentro de mim
também. E foi Anker quem me deu um empurrãozinho.
Na verdade, o que foi que Anker não fez por mim nesse período?
Quando ele falou que eu fui importante por confrontá-lo na sua dor, será que ele já teve
dimensão do que fez por mim?
Sorrio com o pensamento, filosofando demais enquanto o ônibus anda pelas ruas de Paris na
direção do ponto de ônibus. Quando chega, desço do ônibus equilibrando minha última tela
enrolada sob o braço. Hoje foi o último dia do curso de pintura e, a partir de amanhã, minha
rotina estará aberta a mudanças.
Minhas aulas de francês acabaram e a de pintura também.
Sei que esse é o momento para comprar as passagens.
É. É mesmo o momento.
Repito para mim mesma, caminhando de forma confiante entre as ruas e cumprimentando os
moradores que já conheço com um sorriso suave. No entanto, o que me segura para fazer a
compra delas? Às vezes, acho que é um pouco de medo sobre tudo o que aconteceu com relação
a Brandon. Mesmo decidida a não deixar esse medo idiota projetar o meu destino, não consigo
controlar certas reações do meu corpo quando me lembro de tudo o que aconteceu.
Chacoalho a cabeça, dissipando essa onda de sentimentos conflitantes que me toma quando
penso em Brandon. Preciso escolher uma data essa semana ainda!
Afinal, já estamos em dezembro e pretendo entregar a Anker o seu presente de Natal em
mãos.
Quando atravesso as portas da recepção da pousada Champs de Lavande, meus olhos se
arregalam ao ver a mulher parada no lugar enquanto mexe no telefone.
— Mag?
Ela levanta os olhos castanhos na minha direção, abandonando a tela do aparelho ao sorrir
para mim, abrindo os braços.
— Surpresa!
— Ai, meu Deus.
Corro até ela e a abraço com força.
Mag está aqui a cada vinte dias e posso dizer que ela está na França muito mais do que na
América. Com toda essa confusão sobre Brandon, também estamos mais próximas. Agora nós
duas e Emily formamos um trio quase imbatível que deixa Maurice de cabelos em pé.
Segundo ele, seus cabelos estão mais brancos a cada aventura que criamos. A última foi uma
viagem de mais de dez horas até Milão. Fomos no carro de Maurice, parando na Suíça durante o
caminho. É claro que ele odiou cada minuto enquanto cantamos todas as músicas pop dos anos
dois mil e o fizemos bater fotos nossas em diferentes pontos turísticos.
— Sua escala não estava programada para a próxima semana? — Me afasto dela, rindo. —
A Emily deve estar no escritório.
— Ah, querida, consegui trocar algumas viagens. E bom, — Ela balança a mão no ar, como
se não fosse nada —, a Emily já sabe. Foi buscar uma garrafa de champanhe para bebermos.
Maurice está em Reims para uma reunião e teremos a noite das garotas. — Sorri enquanto me
avalia. — E também acho que precisamos de um pouco de álcool para conversar sobre algo.
— O que? — pergunto, alarmada.
Logo Emily chega, saltitante com seu sorriso largo e cabelos avermelhados. A tensão se
dissipa e logo estamos caminhando até a área de café da manhã da pousada para nos
acomodarmos em cadeiras fofinhas protegidas com lã de ovelha para nos deixar mais quente do
frio parisiense.
Emily abre a garrafa e enche taças. Logo Mag começa a contar sobre o voo, com algumas
situações engraçadas com crianças e pessoas desmaiando. Então nós rimos e me sinto mais leve.
— J’ai une faim de loup! — Emily resmunga, dizendo que está morrendo de fome.
Emily diz e logo anuncia que preparará alguns aperitivos e que trará mais uma garrafa de
champagne. Assim que ela sai, me viro para Mag e pergunto:
— E então? — indago, curiosa. — Sobre o que precisamos falar? Algum problema com o
novo apartamento?
— Ah, não, aquele vazamento foi consertado pelo senhorio.
Após os acontecimentos que sucederem a destruição do ateliê, Mag resolveu que era a hora
de se mudar. Então, alguns dias após a minha instalação em Paris, ela organizou a mudança para
um apartamento no bairro de Upper Northwest em um apartamento geminado, com tijolinhos
vermelhos e um ar retrô.
— É sobre o Anker Reeves que precisamos falar.
Meus olhos se arregalam.
— O que houve?
— Nós nos encontramos no estacionamento do KMart — fala, referindo-se à loja de
departamento que habitualmente comprávamos nossos mantimentos mensais. — Ele me
reconheceu e me chamou.
— Como ele te reconheceu? — pergunto, confusa.
— Você não lembra que nos esbarramos na delegacia uma vez?
— Ah… — é o que digo.
Tia Mag havia sido chamada para depor no caso de Brandon e, no mesmo dia, Anker
também. Ela disse que foi uma interação breve e que ele havia perguntado como eu estava, sem
muitas delongas.
— Então… — Ela limpa a garganta. — Parece que o cara vai lançar um livro e…
— Espera! — Meus lábios se contraem em um sorriso. — Ele… Oh, mon Dieu! O Anker fez
mesmo isso!
Meu coração bate forte em felicidade. Não posso acreditar que ele realmente aceitou isso.
Isso é tão… tão bom. Anker merece compartilhar sua história com o mundo. Ele é um
sobrevivente, afinal de contas.
— Isso ainda não é tudo. — Mag coloca a mão sobre a minha. — Parece que ele fará uma
noite de pré-lançamento em uma livraria do centro de Washington. O evento oficial será em
Nova Iorque. Ele nos convidou para prestigiá-lo.
Arregalo os meus olhos, o coração descompassado.
— É sério isso?
— Sim. Sei que ele está respeitando esse espaço que vocês acordaram, mas realmente havia
esperança em seu olhar. — Ela comprime os lábios finos. — Então, estou aguardando você para
respondê-lo.
— Responder quem? — Emily volta, alegre.
Ela dispõe uma tábua com damasco e morangos frescos, queijo brie, geleia de amora e pão
tipo baguete. Ao lado, uma garrafa gelada de champagne. Então Mag faz um grande resumo
sobre seu encontro com Anker e o convite.
Emily como uma grande romântica, fã de Romeu e Julieta, está com os olhos brilhando ao
final da fala. Se ela fosse um desenho animado, teriam corações saindo da sua cabeça.
— Faça uma surpresa a ele, Heaven — Emily diz, piscando um monte de vezes. — Seria
incrível, sabe?
— E se… — começo a falar, torcendo os lábios. — Não sei, eu só… — Remexo os cabelos.
— Estou tão nervosa para vê-lo novamente.
— É normal, visto tudo o que aconteceu — Mag comenta. — Só que agora você tem a
oportunidade perfeita em mãos para fazer esse reencontro ser incrível.
— Vocês têm certeza sobre isso? — pergunto a elas, ainda hesitante.
— É claro que sim, querida. Faça isso ser incrível para ele e pegue o seu homem, o certo
agora! — brinca Emily, me fazendo sorrir pela primeira vez quando há uma mera menção a tudo
que aconteceu com Brandon.
Então me pergunto se realmente isso parece ser algo bom.
E não há um mísero porquê para me impedir de voltar a Washington e finalmente entregar o
meu coração a Anker Reeves.
O meu coração bate forte no instante em que chego a Washington.
Acho que posso morrer de nervosismo enquanto Mag e eu nos arrumamos. Pouco registrei
do processo, tentando lidar com meus sentimentos borbulhantes no peito.
Eu estou pronta para um novo relacionamento?
Já recomecei, mas… venho me perguntando sobre o amor. Tenho medo de não conseguir
entregar meu coração a Anker como ele merece. Sim, ele merece tudo de um amor,
principalmente porque não deixaria que ele aceitasse menos do que isso.
Mesmo em meio ao meu conflito interno, eu estou olhando para a grande Washington
através do vidro do carro do táxi. Os prédios modernos correm rápido pela minha visão e me
pego sorrindo sozinha. Por mais que o meu isolamento tenha sido importante, eu amo essa
cidade. Ela é parte de mim, afinal.
Washington nunca foi um erro. Brandon, sim.
Sinto um solavanco no peito quando o táxi chega ao centro.
Olho mais uma vez para o vestido que escolhi para a ocasião de hoje. Um vestido verde-
oliva, saltos da mesma cor, lábios vermelhos e um cabelo muito mais curto do que meses atrás.
Os fios bagunçados e meio ondulados conferem um tom moderno e sexy que me faz sentir mais
confiante.
Quando olho para Mag, ao meu lado, seguro em sua mão sobre o banco e sorrio. Ela também
está linda em uma roupa elegante em tom vermelho escuro. Mag aperta meus dedos e sorri.
— Vamos lá, garota.
Sorridente, acompanho ela. O lugar é uma livraria antiga do centro da cidade que é bem-
conceituada pela área da literatura por ter sido o local do lançamento de alguns livros famosos.
Fico feliz em saber que Anker escolheu começar o lançamento por Washington. Com certeza se
o livro ficar conhecido, ele precisará fazer outras sessões de autógrafos.
Consigo ver através do vidro a quantidade de pessoas dentro do lugar, dentro de suas roupas
bem alinhadas e de grife. Todos cheios de sorrisos e conversas baixas ao mesmo tempo que os
olhos se atém a um local em específico.
Ele está lá.
O clima frio de dezembro já chegou à cidade, o que me faz crer que em breve teremos neve
pelas ruas. Coloco o primeiro pé para fora do carro, após pagar o motorista, e aperto um pouco a
pequena bolsa na mão. Enquanto aperto um pouco as mangas vazadas do vestido e me encorajo a
dar o primeiro passo na direção do estabelecimento.
Um vento sutil bate contra o meu rosto antes de eu empurrar a porta de vidro, atraindo a
atenção de algumas pessoas ali. Mag me acompanha, vindo atrás. Logo a conversa se dissipa e
sou apenas uma no meio da multidão.
Chegamos atrasadas para o evento e, mesmo assim, o local está cheio. Infelizmente, o nosso
voo atrasou por quase duas horas e agora já passa das oito horas da noite.
Meu coração bobo parece que vai saltar pela boca quando eu o vejo.
Anker está sentado atrás de uma mesa longa no meio do salão. Pilhas de livros estão ao seu
redor enquanto ele os assina. Ele está tão bonito. Dentro de um terno azul escuro, seus olhos
parecem mais claros e mais intensos. Os cabelos estão amarrados em um pequeno rabo, mas
nada da aparência se compara a leveza do seu corpo.
Anker está com o olhar suave, sorriso tranquilo e ombros relaxados.
Finalmente, ele está aqui de corpo e alma.
Vejo quando ele cumprimenta algumas das pessoas com mais fervor. Eu me concentro em
um homem de roupa militar em específico. Será que era seu companheiro?
— Que tal comprar um livro e aparecer lá para ele assinar? — Mag sussurra.
— É uma boa ideia.
Faço o que ela diz. Por sorte, o caixa é distante o suficiente para que eu faça a compra e
Anker não me veja. No entanto, assim que faço o pagamento, uma comoção acontece no lugar.
Então me viro para acompanhar o lugar em que todos estão olhando.
Anker está em pé, abraçado a uma garota nova, de cabelos castanhos. No instante em que ela
se afasta minimamente, noto que é a Rubi, filha dele. Meus lábios quase se arqueiam em um
sorriso sobre aquilo. No entanto, assim que vejo uma mulher se aproximar, acho que meu
coração falha.
Uma mulher parecida com Rubi está ali, observando os dois abraçados com os olhos
brilhantes e sorriso largo. E ela é tão parecida com Rubi que só me faz ter certeza de uma coisa:
aquela é a ex-esposa de Anker.
Daniele é bonita. Nossa, ela realmente é muito bonita. Isso faz algo se agitar em meu peito
de forma ruim. Aperto a capa do livro entre meus dedos com força enquanto vejo o desenrolar da
cena à minha frase.
Quase salto quanto sinto uma mão pesada em meu ombro.
— Heaven?
Olho para Alex, que agora está parado ao meu lado com um sorriso amplo e olhos claros
felizes.
— Oh, caramba, Alex! — Sorrio para ele, fazendo o melhor para dissipar essa sensação
angustiante de meu corpo. — Quanto tempo!
— Pois é! — diz, me abraçando com força. — Você está de volta?
Assim que ele se afasta, meu olhar viaja até onde Anker está. Agora a morena está
conversando com ele. Não há indício de intimidade entre eles, parece que Anker está tratando-a
como o cara de uniforme militar de antes. No entanto, aquela sensação ainda está alojada em
mim.
— Sim, estou — comento a Alex, que está me olhando curioso.
Olho para os lados, Mag ainda está próxima, mas agora parece distraída com algo do seu
exemplar de Memórias do Afeganistão.
— Anker me contou sobre vocês dois — ele murmura, baixinho.
— Ah…
Sinto o meu rosto corar e desvio do seu olhar sereno.
— Está tudo bem. — Ele sorri para mim, alisando meu braço. — E sobre aquilo — Aponta
com o queixo para a cena que presenciamos —, não se preocupe. Daniele acabou de chegar em
Washington.
— Ah, eu não, bom…
— Vi como você pareceu despedaçada, Heaven. Não deixe o passado manchar o presente.
Esse momento é importante demais para Anker para te ver insegura sobre os sentimentos dele.
— Ele falou dos sentimentos dele para você? — Não deixo de sorrir.
— Como um adolescentes idiota apaixonado — revela, fazendo minhas bochechas se
aquecerem ainda mais. — Por sorte, a escrita do livro com o jornalista do New York Times
preencheu o tempo dele. O cara realmente pensa muito em você.
— Isso é… adorável — Dou uma espiadinha na mesa.
Uma pequena fila está se formando para a assinatura. Olho para o pequeno relógio de pulso
que tenho e noto que já são oito e quinze. Faltam quarenta e cinco minutos para a sessão acabar.
— Acho melhor eu conseguir minha dedicatória. — Chacoalho o livro no ar.
Alex apenas sorri enquanto me dirijo até a fila, com as mãos suadas e meu coração batendo
tão forte que dói. Como uma maldita masoquista, procuro por Daniele com o olhar. Ela está um
pouco afastada, observando Anker.
Algo primitivo dentro de mim tem vontade de dizer umas boas verdades para ela, mas,
pelo que posso ver, ela está sofrendo longe desse cara incrível. Bom, que o destino cobre sua
maldade por abandoná-lo.
Quando chega minha vez, Anker está trocando de caneta.
— Olá, para quem dedico o livro? — ele pergunta durante a troca.
Estico o exemplar na direção dele.
— Pensei em “para a melhor artista plástica de todos os tempos”, mas achei um pouquinho
prepotente da minha parte — comento, fazendo a cabeça dele girar na minha direção. — Então
pode colocar só Heaven mesmo.
Criei inúmeros cenários na minha cabeça para esse reencontro.
Surpresa, felicidade, lágrimas e sorrisos.
No entanto, nada me prepara a sensação e emoção que corre pelo meu corpo. Enquanto os
olhos claros de Anker se arregalam na minha direção, o meu sorriso se abre de forma larga,
observando os lábios dele se partirem em descrença.
— Você… — Ele se levanta, contornando a mesa lentamente como se estivesse em um
sonho e não quisesse acordar — Você está aqui.
— Sim... — murmuro, embasbacada.
E, caramba, se algum dia eu me senti adorada, parece apenas uma memória distante. Porque
Anker está me olhando como se eu fosse seu mundo inteiro. E é exatamente pela forma como
meu coração bobo reage que tenho certeza que o amo.
Ele estica os braços na minha direção, tocando meus ombros protegidos pelo sobretudo
quente e nega algumas vezes com a cabeça, avaliando cada parte do meu rosto e corpo, ainda
com a boca aberta. Então, lentamente, os lábios dele formam um sorriso enorme.
— Oi, querida — diz, finalmente fixando o olhar no meu.
— Oi... — falo, hipnotizada pelo olhar dele.
Anker finalmente me puxa para si, me abraçando com tanta força que acho que vou quebrar.
Meus braços encontram o pescoço dele. E mesmo que desta forma pareça íntimo demais, não
ligo.
Porra, eu não ligo para nada quando isso parece tão certo.
Ele inspira o meu cabelo, beijando minha têmpora de forma demorada e sorrindo contra a
minha pele.
— Acho que o meu coração nunca bateu tão forte — ele sopra, baixinho.
— É porque ele está em casa — murmuro, também em um sopro, e me afasto minimamente
para encará-lo. — O meu também está onde pertence.
Os olhos dele estão nos meus quando sorrimos um para o outro. Anker, ainda com um braço
ao meu redor, puxa um exemplar e me estica. Vejo quando ele me abre uma página. A
dedicatória. Então leio as palavras:
“Para aquela com o coração valente que fez das suas cicatrizes as marcas da sua maior
conquista”
Meus olhos se enchem de lágrimas e a visão fica embaçada. Sorrio, mesmo sentimental
demais enquanto observo-o através da visão turva.
— Acho que estou errando em algo. Não faz dez minutos que estamos juntos e já estou
fazendo você chorar mais uma vez. — Ele nega com a cabeça, levemente preocupado. —
Tristeza?
— Não, jamais! — Sorrio, afastando as lágrimas dos olhos. — Você só me faz sorrir de
felicidade, seu bobo.
Olho para os lados, observando os olhares curiosos sobre nós. Então limpo a garganta e me
afasto em um passo curso.
— É melhor não te monopolizar. Podemos nos ver amanhã, o que acha?
— Amanhã? — ele pergunta, parecendo descrente. — Que nada. Vou terminar em alguns
minutos — fala, olhando para o relógio no pulso —, e depois você é minha.
— Você deve ter algo programado. Uma comemoração, talvez.
Anker arqueia as sobrancelhas para mim.
— Aposto que Julian, o repórter que trabalhei, não vai se importar se eu cancelar o nosso
jantar de comemoração.
— Deus, Anker, não… E sua filha?
— A mãe dela está por aí e pode lidar com ela durante uma noite. No momento, a minha
prioridade se tornou outra — simplesmente diz, segurando a minha nuca ao me puxar para perto.
Ele beija a minha testa e se afasta só um pouquinho, deixando claro para qualquer pessoa no
ambiente quão próximos somos.
— Depois daqui, eu só preciso de uma coisa: você.
Pequenos flocos de neve caem sobre Washington.
A fumaça densa que escapa da minha boca é a prova dos oito graus que fazem na cidade. Me
abraço mais forte ao sobretudo, levemente arrependida pela escolha que fiz. Não coloquei ao
menos meias térmicas com o vestido e sapato.
Quando Anker sai da livraria, vinte minutos depois do encerramento, cumprimenta um
homem de cabeça raspada e casacos pesados que me olha de esguelha, parecendo curioso. Um
sorriso suave estampa o rosto do homem quando Anker caminha na minha direção.
Estou tão nervosa que não sei direito o que faço com as minhas mãos, que formigam em
antecipação.
— E então… a noite foi, uau, um sucesso — digo, nervosa, quando ele para em minha
frente.
— Vai ficar melhor, acredite em mim — fala, naturalmente, e estica o braço para mim. —
Tá a fim de caminhar até encontrarmos um lugar para ficar?
Dou de ombros.
— Qualquer programa parece bom com você. — Enrosco o meu braço no dele e começamos
a caminhar, aproveitando enquanto a neve é sutil e não está nem mesmo se acumulando em
grandes quantidades.
— E então… — Ele sorri de lado para mim, parecendo envergonhado. — Me conte sobre a
França.
— Estive na Suíça, Alemanha, Itália e Bélgica. Por último, na Inglaterra.
Os olhos dele se arregalam.
— É sério?
— Sim. Parece que uma fada do dente fez um desvio e colocou um montante estranho de
dinheiro na minha bolsa. Tenho medo de precisar arrancar todos os dentes quando ela se der
conta do erro. — Dou de ombros, ele gargalha.
É tão bom ouvir o som da sua voz.
— Você está caminhando comigo e parece tão bem… — Aponto para a perna dele. — Nem
está mancando.
— Ah, isso... — ele parece encabulado. — Faz algum tempo. Logo depois dos dois
primeiros meses de fisioterapia entendi que não tinha nenhuma limitação e melhorei bastante
nesse aspecto.
— Fico feliz.
Enquanto caminhamos, Anker escuta enquanto narro as minhas aventuras por Paris. Falo
sobre a minha rotina, os cursos, os amigos e as viagens. Ele gargalha quando falo em francês e
ele tenta adivinhar as palavras. Estamos caminhando há quase quarenta minutos quando ele para,
me fazendo cessas os passos.
— Suas bochechas e nariz estão vermelhos. Acho bom encontrarmos algum lugar para nos
aquecer.
Olho para os lados. Algumas lojas estão abertas ainda, estendendo o horário por conta do
Natal. Já é quase dezembro, afinal de contas. Apesar disso, não vejo nenhum restaurante ou fast
food.
— Já sei! — Anker diz entre uma risada. — Vamos ter um encontro muito romântico.
— Ah... — resmungo quando ele começa a me puxar. — Conseguiu planejar um encontro
em segundos?
— Acredite em mim, é o melhor que consegui pensar antes de virarmos picolés.
Anker e eu atravessamos a rua, quase começo a rir quando noto para onde estamos indo. É
um posto de gasolina com a loja de conveniência da companhia Wawa. Anker empurra a porta
vai-e-vem e faz uma reverência idiota:
— Primeiro as damas.
Entro no lugar com uma risada presa nos lábios.
Olho ao redor, avaliando as ilhas de mantimentos, as geladeiras e, ao fundo, a área com os
lanches e máquinas de refrigerante.
— Nunca tive um encontro em uma loja de conveniência — revelo quando ele para ao meu
lado.
— Espero que seja inesquecível. E então qual vai ser o cardápio da noite? — pergunta ele.
— O que acha dos cachorros-quentes frios que eles servem e do refrigerante da máquina?
Também podemos comprar algumas gomas ácidas.
Anker nega com a cabeça, rindo, enquanto caminhamos até os fundos da loja.
— Seu paladar é mesmo complicado.
— Tão extenso quando de uma criança de doze anos — revelo e, quando paramos na frente
do balcão dos pedidos, digo: — O meu é sem picles. Só salsicha e mostarda mesmo.
Anker olha para mim e então ri.
Enquanto ele pede nossa comida, vou até a máquina de refrigerantes e encho os copos com o
de cola. Quando Anker me encontra, com os dois lanches nas mãos, procuramos um lugar para
comer.
Não é muito comum terem mesas nesses lugares. No entanto, felizmente três mesinhas
pequenas estão dispostas no canto esquerdo da loja. Nos acomodamos nos assentos e começamos
a comer.
— Então, como estão as coisas por aqui? Tirando as evoluções na terapia, fisioterapia e
também com o livro — pergunto antes de morder o meu lanche.
— A casa finalmente está pronta, Alex voltou para o Colorado e finalmente parece que Rubi
saiu daquela fase estranha.
— Isso é bom. A vi no evento hoje.
— Você a conheceu? — ele pergunta, parecendo surpreso.
Abro um sorriso de lábios fechados.
— Não, eu apenas a vi. Ela pareceu muito emocionada.
— Acho que além de você e Alex, ela foi uma grande apoiadora. — Ele limpa os lábios. —
Meus pais não aderiram muito bem a ideia, com medo de que eu abrisse uma ferida. Acho que só
estarão realmente em paz depois de alguns meses deste lançamento.
— Oh, nunca falamos dos seus pais… eles ainda moram aqui? — pergunto, curiosa.
Ele nega com a cabeça.
— Estão morando na Califórnia.
— Interessante. Vocês têm uma relação próxima?
— Sim, eles estão tentando me arrastar para lá no Natal deste ano.
— Eu ao menos pensei o que vou fazer — revelo, chamando a atenção dele. — Mag vai
estar em uma escala para poder ter folga no ano novo. Aposto que Rosie e Edward ficarão com
suas famílias.
— Fique comigo, então. Vamos para a California.
Meu rosto aquece.
— Anker…
— Prometo que vou me superar. — Aponta para a nossa mesa. — Isso aqui é quase um
aperitivo do que posso ser.
— Oh… — Me abano, encabulada. — Mas nós, hum… Como você me apresentaria para os
seus pais? Somos apenas amig…
Não termino de falar, Anker me corta.
— Ah, dá um tempo, Heaven. Podemos não estar nos beijando ou namorando, ainda, mas
com certeza tem algo rolando aqui — afirma, me deixando encabulada e com um sorriso idiota
na boca.
Ainda não sei direito como flertar com ele sem me sentir inquieta e envergonhada.
Geralmente tenho a língua solta, mas assim que Anker faz um pequeno movimento sobre nós,
me torno uma adolescente boba.
O calor que cobre minhas bochechas parece se alastrar pelo meu corpo, junto com os
aquecedores ligados, me deixando quente. Retiro o sobretudo, revelando o vestido que estou
usando e escuto uma respiração tensa de Anker.
Ele olha para o meu vestido parecendo ter raiva.
— Você não gostou? — Aponto para o vestido.
Ele morde o canto do lábio e nega.
— Esse vestido é quase um problema.
— Ah, é? Pelo frio?
— Não. Ele torna muito difícil o lance de ser um cara decente e não pensar coisas
inapropriadas.
Pisco algumas vezes, sentindo-me ainda mais quente. A forma como ele me olha… como se
fosse me devorar, faz com que essa onda de arrepios corra direto para os meus seios. Sinto meus
mamilos enrijecerem e resolvo colocar o casaco novamente, impedindo que Anker veja minha
excitação.
Não sei se devemos dar um passo tão grande hoje.
Com Brandon, atropelei as etapas e tudo ficou uma bagunça.
Não quero cair de cabeça de forma insana novamente.
Apesar disso, não consigo deixar de dar uma pequena checada nele. Seus ombros largos,
olhar intenso e, pela primeira vez, um sorriso sujo está em seus lábios. Céus, ele realmente é
quente.
— Você está corada — Anker diz, me fazendo sorrir sutilmente. — Está pensando no que?
Pisco algumas vezes, encabulada.
— Nada…
— Está pensando em sacanagem? — ele abaixa o tom de voz, soando brincalhão. —
Estamos quites então. Assim não me sinto um pervertido.
— É melhor comer o seu cachorro-quente, Anker. — Dou uma mordidinha no meu e ele ri
por trás do seu pão quando levanto o lanche.
Nós comemos mais um pouco e logo estamos prontos para ir embora. Por sorte, o
apartamento que Mag alugou não é longe, então Anker me acompanha no caminho para casa.
Desta vez, no entanto, ele abraça meus ombros e caminhamos lado a lado.
Olhando de longe, somos um casal.
E a possibilidade enche o meu coração.
Quando paramos na frente da recepção, viro de frente para ele.
— Obrigada por me convidar para o seu Natal. Foi muito gentil da sua parte, e importante
para mim.
— Você é importante para mim, Heaven. Quero que você esteja ao meu lado em todas as
datas especiais, sempre que puder e desejar — murmura, colocando uma mecha do meu cabelo
para trás da minha orelha ao sorrir suavemente.
Querer e desejar. É isso. Anker, abertamente, me dá um poder de escolha que nunca tive.
Não quero comparar Anker e Brandon, porque é quase impossível, mas não consigo deixar de
notar esses pequenos detalhes em nossas interações.
Nós estamos tão próximos que meu coração está batendo forte no peito.
— Preciso… preciso te perguntar algo — ele diz, parecendo receoso. — Em que ponto
estamos? Eu… não quero apressar as coisas, mas preciso saber.
Coloco as mãos nos seus ombros e ele me segura na cintura.
— Não sei em que ponto estamos, mas vou te pedir para levarmos isso em passos suaves,
sim? Meu coração está reparado, mas quero ser cautelosa desta vez.
— Tudo bem. Posso ser o cara mais paciente do mundo — Anker diz, inflando o peito.
Me aproximo dele, tocando levemente sua bochecha com os lábios. As sobrancelhas dele
estão unidas, parecendo um pouco pensativo. Então, ele solta uma risada, fazendo a névoa branca
sair de sua boca.
— Isso não é o que realmente quero — ele diz, encarando-me tão perto que sua respiração
toca minha pele, aquecendo. — Me pergunte o que eu quero.
Engulo em seco.
— O que você quer? — pergunto quase em um fio de voz.
— A sua boca na minha. Venho me perguntando qual é o seu gosto… — sussurra,
deslizando os nós dos dedos no meu rosto e o nariz pela lateral do meu pescoço. — E mesmo que
você tenha me pedido para ir com calma… — Nega com a cabeça, parecendo aflito enquanto
apoia a testa na minha. — Por favor, me diga que eu posso te beijar porque parece muito certo
terminar o nosso encontro te beijando.
Com um pequeno aceno, concordo.
Anker cobre o meu rosto com as mãos grandes e me puxa em direção à boca. Meu coração
está tão acelerado quando ele pressiona os lábios nos meus. Nossas bocas se encontram em uma
necessidade brutal mascarada com calmaria enquanto as respirações parecem ansiosas demais.
Assim que nossas línguas se tocam, o fio de controle se rompe.
Anker toma o controle, segurando minha nuca e puxando minha cabeça para trás, para,
assim, me ter em seu ângulo perfeito. Ele é mais alto que eu e precisa se curvar para conseguir
me levar, então assim que encontramos um ritmo perfeito, ofego contra a boca quente.
Ele pressiona o corpo no meu, segurando na minha cintura e na nuca, enquanto faz o meu
coração explodir em felicidade. Se passam alguns minutos e, assim que precisamos de ar, nos
afastamos, ofegantes.
Anker está com os olhos fechados, a testa na minha, e um sorriso nos lábios inchados e
vermelhos.
— Perfeito. Pra. Caralho.
No dia seguinte, estou terminando de organizar as caixas e malas que trouxe de Paris quando
meu telefone toca. Demoro algum tempo para encontrar o aparelho e, quando o faço, sorrio para
o nome na tela.
— Oi... — murmuro entre um sorriso.
— Oi, querida — é Anker, posso ouvir seu sorriso através da voz. — Como você está?
— Bem! Tomei café da manhã com a Rosie e o Edward naquele bistrô francês que a Rosie
ama. Ela pareceu chateada quando eu disse que os croissants de lá não eram tão bons quanto os
de Paris. — Solto uma risada, fazendo-o rir.
— Isso realmente parece um problema sério.
— Ela ficou mais calma quando entreguei os presentes que trouxe de lá — murmuro,
encostando o quadril em uma pilha de caixas na sala. — Eles estão curiosos sobre você… São
meus melhores amigos.
O apartamento é um local amplo com dois quartos, uma sala conjugada com a cozinha e
apenas um banheiro. É muito menor do que a nossa antiga casa, e talvez eu tenha problemas em
instalar meus itens de pintura, porém nada nunca pareceu tão bom.
— Então preciso conhecê-los — Anker diz, fazendo meu coração bater depressa pelo seu
interesse. — Bom, mas preciso alertá-la que o motivo da minha ligação é outro — faz uma
pequena pausa. — Estou com um problema bem sério.
— O que aconteceu?
— Estou sofrendo… — faz outra pausa dramática, combinando com a voz melancólica. —
De abstinência do seu beijo. Acho que posso morrer se não conseguir mais uma dose.
Rolo os meus olhos, soltando uma risada alta.
— Oh, céus, Anker! Você quase me matou do coração!
Ele ri do outro lado da linha.
— O que acha de me fazer uma visita, comer um pouco de torta de maçã e depois pintar
enquanto toco piano?
— Está querendo me cobrar pelo serviço inacabado mascarando tudo com um convite para ir
até aí?
— Poxa, você realmente me pegou — diz em um tom brincalhão.
— Você tem algo com tortas, hein…
— São as minhas favoritas.
Mordo o interior da bochecha, sorridente. Com os meses em Paris, também descobri que
adoro cozinhar. Emily é uma grande confeiteira e me ensinou alguns truques sobre tortas. Então
sorrio ao dizer:
— Já comprou a torta?
— Não, pretendia fazer isso quando te buscar.
— Ah, você quer me buscar?
— É um encontro, não? Preciso te buscar na porta de casa.
Parece que uma revoada de borboletinhas está em minha barriga quando ele fala dessa
forma, todo cavalheiro.
— Então você pode vir, mas… Eu vou fazer as tortas! Aprendi algumas receitas e estou
pronta para que você experimente o meu Tarte Tatin de maçã.
— Porra, querida… Assim você me faz querer pular qualquer etapa e te pedir em
casamento agora mesmo.
— Controle-se! — peço, mesmo me sentindo eufórica.
Nunca pensei sobre casamento.
Acho que a possibilidade de amar alguém para o resto da vida sempre me pareceu sufocante.
Porém, agora, tudo parece extremamente certo. Principalmente em relação a Anker.

Depois de um passeio no Walmart, Anker e eu estamos adentrando à propriedade dele. É um


pouco estranho ainda estar aqui. Observo a mão de Anker sobre a minha perna e um sorriso bobo
está nos meus lábios.
Ele fez muito disso durante nossa ida até o Walmart.
Ficou tocando em mim sempre que podia e, mesmo que algumas pessoas olhassem para as
suas marcas, ele não ligou. É como se meu coração estivesse finalmente em paz ao vê-lo desta
forma.
E, bom, existe algo sobre mim que também está em paz.
Consegui ir ao Walmart sem medo de ver Brandon ou algum dos James. Quer dizer, não era
um lugar que eu esperava ver o senhor e a senha James, já que eles parecem ser do tipo que tem
funcionários para ir até uma loja de departamentos.
— Os jardins parecem muito melhores agora — comento, observando o lugar e, depois, a
mansão. — E sua casa não parece mais um castelo do Conde Drácula — falo, fazendo-o sorrir
enquanto observa o caminho de pedrinhas brancas.
— É porque você não viu as masmorras que pedi para construírem — brinca.
— Ah, está querendo me assustar? Ou você fez uma masmorra de BDSM?
Ele vira o rosto brevemente, contornando o pequeno lago que foi feito na entrada com o
carro até estar parado rente às escadas que levam até as portas pesadas de madeira.
— Você curte? — pergunta, me avaliando curioso. — Sexo assim?
Sinto minhas bochechas quentes e solto uma risadinha sobre o olhar curioso dele. E até
mesmo assustado.
— Não tive grandes experiências com sexo, mas acho que não.
Ele quase respira aliviado.
— Prometo que o sexo não será baunilha, mas essas coisas realmente não são o meu negócio
— diz, chacoalhando a cabeça. — Como estamos falando sobre sexo assim, do nada?
Apenas solto uma risada enquanto saio do carro, contornando-o para ir até o porta-malas.
Anker e eu pegamos as sacolas e seguimos na direção das portas da casa.
— Precisávamos de tudo isso para o doce? — ele pergunta, avaliando as seis sacolas.
Olho de esguelha.
— Você não sabe o que tem na sua cozinha, Anker. Precisei comprar absolutamente tudo.
Desde as formas até o açúcar de confeiteiro.
Ele apenas dá de ombros.
— Marie conhece mais a casa do que eu, por isso ela é minha governanta.
— Isso é tão medieval… governanta — balbucio, fazendo-o rir baixinho.
— É ela que coordena tudo para mim.
Anker para na frente da porta e procura as chaves nos bolsos. Olho para ele e sorrio,
avaliando a flanela vermelha junto da postura relaxada. Realmente, é muito bom vê-lo assim.
Estou sorrindo igual a uma boba quando a porta é aberta.
Não por Anker, mas, sim, por uma adolescente do outro lado da madeira.
— Ei..., Rubi! — Anker diz, olhando para a filha e esboçando um sorriso terrivelmente
nervoso.
Então o meu rosto se vira para a adolescente dentro da casa, segurando as maçanetas das
portas duplas e nos avaliando com as sobrancelhas castanhas arqueadas.
— Você chegou cedo… — ele diz, a voz nervosa ao se aproximar da garota. Ele a beija no
rosto, mas o olhar dela está sobre mim, curiosa — Sua mãe disse que você viria apenas à noite.
— Mudança de planos, parece que a vovó teve um pico de pressão e ela precisa voltar mais
cedo. — Finalmente a adolescente vira o rosto para Anker. — Ela está na sala te esperando para
conversar.
Observo um pouco melhor a garota. Assim, de perto, ela parece ainda mais nova. Os cabelos
longos e lisos estão sobre seu rosto. Uma camiseta larga e de alguma banda coreana fazem
conjunto com calças quentes e botas cor de rosa. É uma mistura estranha, mas que fica fofo perto
dela. Acho que é algum estilo sul coreano ou algo assim.
Anker me lança um olhar preocupado.
— Vou para a cozinha — anuncio enquanto pego as sacolas de suas mãos e me movo,
apressada, na direção do corredor dos fundos.
No caminho, é possível ver a sala de estar. Daniela está lá, em pé, observando a
movimentação. Sua roupa é simples, um vestido florido e os cabelos castanhos estão soltos,
dando um ar jovial. Sua maquiagem também é sutil, mas está lá. Será que ela se arrumou para
Anker?
O olhar que ela me lança parece uma mistura de curiosidade e tensão. No entanto, não
demoro muito meu olhar no dela.
Sei que, se quero fazer parte da vida de Anker, Rubi estará sempre aqui. Porém, nunca
pensei muito sobre Daniela. E porra… eu nem sei se ela ainda ama o Anker. Talvez seja mesmo
apenas o arrependimento que vi brilhar em seus olhos e que Anker comentou sobre a formatura
da filha.
Dissipo esse pensamento e entro na cozinha. Quando avalio a estrutura grande e com
armários modernos em tons claros, não encontro nenhum dos funcionários. É um pouco estranho
ver tudo vazio.
Será que Anker dispensou o pessoal para ficarmos sozinhos?
Não penso muito, coloco as compras sobre uma grande ilha no centro do lugar e começo a
tirar as compras. Me distraio ao organizar tudo silenciosamente. Daqui, não escuto nenhum ruído
vindo da sala. O único som dentro do lugar é dos pássaros lá fora.
Quando tudo está organizado, resolvo observar os fundos da propriedade pelas janelas
amplas da cozinha. O lago está com as extremidades congeladas e há neve sobre o trapiche de
madeira. Um sorriso surge nos meus lábios ao lembrar de Anker correndo comigo ali e nos
jogando na água.
Passos no corredor chamam minha atenção, mas assim que viro o rosto para a porta, não é
Anker que vejo. Rubi está ali.
— Ah, oi… — murmuro, nervosa.
Ela avalia as compras sobre a mesa e murmura um cumprimento baixo que não entendo
direito.
— Eu sou a Heaven! — Me aproximo da ilha da cozinha, que está entre nós duas.
Um sorriso pequeno brota nos lábios cobertos com gloss rosa.
— Eu sei. O papai me falou sobre você.
— Ah, é? — indago, curiosa.
— Perguntei sobre as pinturas lá em cima.
— Entendi... — Pressiono os lábios, vendo a garota olhar curiosamente para os itens sobre a
bancada.
— O que você vai fazer?
— Tarte Tatin de maçã. Uma amiga minha, francesa, me ensinou a receita milenar da sua
família.
Algo brilha nos olhos da garota quando levanta o olhar para mim.
— É sério?
Lembro de Anker falar sobre a paixão por competições e programas culinários dela e sorrio.
— Sim!
— Rubi? — uma terceira voz surge.
Nós duas viramos os rostos para a porta da cozinha. Daniela está parada ali, segurando a
bolsa. Rubi não faz nenhum movimento enquanto encara a mãe, que sorri apertando os lábios.
— Estou indo. Falei com o seu pai e está tudo bem você ficar aqui.
— Tanto faz — resmunga Rubi, virando-se de frente para a bancada de novo.
Não perco o suspiro pesado que escapa de Daniele, nem mesmo a expressão derrotada. A
mulher caminha até a filha, a beija na têmpora e sai. É um clima estranho, não posso deixar de
notar.
— Você me ensina a fazer o Tarte Tatin? — indaga Rubi.
— É claro!
Começamos a organizar os itens para cozinharmos. Quando Anker chega na cozinha, uns
dez minutos depois de Daniela ter ido, ele sorri para a cena e se aproxima, perguntando no que
pode ser útil. Rubi faz uma brincadeira sobre Anker não saber cozinhar e está sorrindo mais do
que jamais vi. Assim que Anker vê a felicidade da filha, ele se atém a ficar nos observando, sem
nunca parar de sorrir.

Nunca imaginei que Rubi fosse uma garota tão incrível.


Conversamos durante o café e ela pareceu confortável com a minha interação e do pai dela.
Em nenhum momento ultrapassamos algum limite, mas não sei se conseguimos esconder o nosso
envolvimento dos olhares atentos dela.
Depois de estarmos cheios de tarte tien, Anker e eu deixamos as louças organizadas, fomos
para a grande sala de estar, composta por três sofás longos e uma televisão de plasma gigante.
Nos acomodamos nas almofadas e Rubi me mostrou um episódio do programa Cake Boss que
detalhava uma receita da torta que fiz.
Assim que Rubi anunciou que ia para o seu quarto, Anker e eu nos movemos para o quarto
do piano. Sorri quando chegamos no lugar e vi tintas novas dispostas sobre uma mesa de
trabalho. Ele realmente pensou em tudo.
Agora, estou misturando as tintas e observo o trabalho inacabado na parede. Enquanto isso,
Anker se acomoda na frente do piano, brincando com as teclas.
— Você sabe de alguma tensão entre a Daniela e a Rubi? — pergunto, chamando a atenção
dele.
— Não, você viu algo?
— A despedida delas pareceu… tensa — murmuro, avaliando sua reação.
Anker une as sobrancelhas, parecendo pensativo.
— Ontem almocei com Rubi e ela perguntou sobre como me sentiria se ela morasse comigo.
Será que ela está tentando fugir da Daniela? Mas… — Ele chacoalha a cabeça, encarando as
teclas do piano. — Não faz sentido. Elas sempre foram muito unidas.
— Algo pode ter acontecido — concluo.
Observo quando Anker levanta o rosto na minha direção.
— Acha que foi algo ruim?
— Não sei. Use esse tempo que ela estará aqui para descobrir algo.
Ele sorri de forma suave.
— Realmente não estava esperando que ela estivesse comigo no Natal, então terei que
refazer alguns planos… acho que vamos ficar por aqui durante essa data. — Anker se levanta do
banquinho do piano, caminhando vagarosamente até estar na minha frente. — O que acha de
caminharmos em passos lentos até essa data, mas aí... você passa com a gente o Natal?
— Parece que você quer mesmo a minha presença no Natal, uh — brinco quando ele coloca
as mãos na minha cintura e se aproxima, fazendo meu corpo arrepiar quando passa o nariz pelo
meu pescoço, inalando meu aroma. — Anker… — Aperto seus braços, olhando para a porta. —
Sua filha…
— Ela está ocupada com algum jogo online — ele resmunga, rindo. — Me fez comprar
aquelas cadeiras para gravar alguns vídeos em um aplicativo da internet enquanto joga.
Me afasto sutilmente.
— A sua filha é uma gamer e você não sabia disso?
As sobrancelhas dele se arqueiam.
— Gamer? O que diabos é isso?
Rolo meus olhos, rindo.
— Você é mesmo um velho! São pessoas que gravam suas experiências com jogos na
internet e fazem dinheiro. Já pensou se sua filha é uma dessas famosas?
Anker estreita os olhos para mim.
— Você acabou de me chamar de velho, Heaven?
Dou de ombros, passando os braços ao redor do pescoço dele, puxando seu corpo para mais
perto do meu.
— Você é doze anos mais velho…
— Isso nunca pareceu um problema — murmura, me analisando e logo ri. — Você está
brincando comigo, não é sua espertinha?
Olho para ele de uma forma sacana e Anker logo está apertando as laterais do meu corpo,
fazendo cócegas até que eu me contorça entre suas mãos e gargalhe alto.
— Bem-vindos ao meu apartamento! — digo, apontando para dentro do lugar enquanto abro
a porta para Rosie e Edward.
Os dois me abraçam apertado e logo estão sondando o ambiente. Rosie está com o cabelo
ruivo cortado bem menor do que me lembro, e Edward parece um pouco mais musculoso. Pelo
que me lembro, ele está mesmo se dedicando aos exercícios físicos.
— Isso é... uau! — Rosie sorri para mim. — Muito bem localizado e a decoração é muito
melhor do que a antiga casa de vocês. Não me leve a mal, Heaven, mas aquilo parecia a casa de
uma avó.
Solto uma risada, já que Mag realmente alugou a casa de uma senhorinha.
— E, bom, o que vamos fazer na nossa tarde? — pergunto, apontando para a mesa. —
Trouxe um pouco de torta que fiz na casa do Anker ontem.
— Você cozinhou? — Rosie está alarmada.
— Descobri que adoro cozinhar!
Os dois trocam um olhar cúmplice e logo Edward está rindo.
— Nos conte tudo!
Então, nos próximos minutos, narro minha experiência com a cozinha durante meu período
na França. Logo estou falando sobre ontem e tudo de Anker e Rubi. Até mesmo sobre a situação
estremecida com Daniele. Também comento sobre a data da audiência do processo de Brandon,
na próxima semana, e falo que também pretendo ir até a galeria de Tom em breve.
Logo a conversa se anima e mostro para os dois o aparelho de videogame que comprei. O
filho do primeiro casamento de Maurice, Adrien, me ensinou alguns movimentos e gostei do
jogo Just Dance, já que precisava me mover de alguma forma e atividades físicas nunca foram o
meu forte.
Logo, Just Dance está a todo volume e ainda são três horas da tarde. Meu quadril não
aguenta mais e eu consigo constatar que sou a sedentária do grupo, já que Rosie e Edward
mandam a ver.
Me jogo no pequeno sofá e olho a dança dos meus amigos. Puxo uma almofada sobre o colo
e começo a divagar sobre como as coisas realmente parecem melhores agora.
Meu celular vibra sobre a mesinha de centro e o pego. Sorrio para a mensagem de Anker,
que diz que está fazendo compras de cozinha com Rubi, mas quer me levar para um encontro de
verdade nesta noite.
Anker: Sei que você está experimentando coisas novas, então pensei em te levar a um
restaurante indiano que abriu na cidade. O que acha?
Heaven: Adorei a ideia, mas a Rubi gosta de comida tão temperada?
Anker: Esse é um encontro romântico, Heaven. Rubi ficará em casa com seus jogos.
Estou sorrindo igual boba quando Edward puxa o telefone da minha mão e olha para a
tela.
— Pelo menos não são mensagens de sexo. Eu ficaria muito traumatizado.
— Me dê o telefone! — peço, rindo.
— Você vai, não é mesmo? — pergunta, mostrando a tela para Rosie. — O cara está te
convidando para um encontro.
— Estamos indo com calma… — revelo, fazendo Edward rolar os olhos.
— Vá “com calma” saindo com ele. — Me entrega o telefone. — E acho que você precisa
sair com a gente também.
Antes que eu responda, o interfone toca.
— Nosso almoço chegou! — anuncia Rosie.
Ela busca os pedidos de comida coreana e logo estamos os três almoçando no apartamento.
Com essa nova rotina, acabo conseguindo preparar mais refeições do que o habitual, mas hoje
Rosie queria me apresentar um porco picante que experimentou enquanto estava fora e
resolvemos pedir essa comida.
— Posso ir hoje à noite. — Dou de ombros, retomando o assunto enquanto mantenho os
hashis nos dedos. — Realmente acho que essa comida é uma delícia.
— Sim! — Rosie murmura.
— Acho que Rubi pode gostar desse restaurante… Ela parece gostar de alguma banda k-pop
— revelo, fazendo uma foto da caixinha para enviar a Anker.
— Ah, que amorzinho. — Edward ri.
— E Abby? Vocês não estavam juntos? — pergunto a ele.
Ele rola os olhos, brincando com a comida.
— A Abby quer namorar. Eu não posso me prender agora que estou esperando o resultado
do teste da academia de música de Los Angeles. Então achamos melhor seguirmos como amigos.
Mordo o lábio.
— Olha que ironia. Você partindo corações... — Rosie fala em tom zombeteiro.
Enrolo o cabelo com a ponta dos dedos.
— Você tem falado, hum, com ele? — minha pergunta sai em um sussurro.
Rosie levanta os olhos para mim e pisca algumas vezes antes de dizer:
— Realmente não falamos mais com o Brandon depois de tudo. Parece que os amigos dele
não moram mais naquele apartamento, no entanto. Sebastian e Edward só se aproximaram uma
vez. — Aponta com o queixo para o meu amigo.
— Não foi nada demais, tanto que não falei que você estava fora para não causar uma cena
— ele fala, com a boca cheia. — Brandon sumiu por algum tempo. Algumas pessoas falaram que
ele abandonou o time no início da temporada…
Não respondo nada, levantando e começando a recolher os pratos e caixas da mesa.
— Faltam algumas semanas para o seu aniversário, Edward. O que acha de um jantar em um
restaurante requintado da cidade?
Os olhos dele parecem brilhar.
— Uh, eu adoraria — fala, mais animado do que o habitual. — O que acha, Rosie?
Champagne e caviar!
Ela finalmente sorri enquanto aponta o indicador para cima.
— Nem vem, eu não tenho grana pra tudo isso.
— Podemos levar o milionário da Heaven. Ele parece o tipo de cara que paga a conta.
Eu sorrio de canto, observando as argumentações falhas de Edward sobre Anker. Por fim,
concordamos em convidar Anker, sem segundas intenções.
— Você realmente levou a sério o negócio do encontro — murmuro assim que Anker
aparece no meu campo de visão.
Abro a porta um pouquinho mais, observando o homem dentro de uma camisa social branca
e paletó preto. Ele está vestido com um jeans, parecendo despojado, mas está elegante demais.
Quando ele me entrega o buquê com flores, não contenho um sorriso amplo. Ele sorri,
entrando no lugar e avaliando-o com curiosidade.
— Fique à vontade, vou procurar um vaso — digo, caminhando até a cozinha conjugada.
Consigo ver Anker avaliando o ambiente, com as mãos nos bolsos da frente do jeans. Me
apresso com as flores, calêndulas alaranjadas — o que me faz sorrir ao lembrar das suas palavras
sobre essas mesmas flores.
— Vem, preciso te mostrar uma coisa antes de irmos! — seguro-o pela mão e o levo até o
meu quarto.
— Você está linda, a propósito! — elogia, me fazendo sorrir.
Estou usando jeans, botas de cano alto e um suéter rosa. Quando o puxo para o quarto,
acendo as luzes, revelando as obras que Mag conseguiu recuperar após a destruição de Brandon.
São quatro quadros de todos os que pintei.
Assim que Anker entra no lugar e pousa os olhos sobre as obras coladas na parede, ele solta
uma respiração trêmula. Ele dá um passo para dentro do lugar, me olha por um instante e se
aproxima das obras.
— O que é isso?
Solto uma respiração trêmula.
— Quando Brandon destruiu o meu ateliê, ele viu as pinturas que eu estava fazendo e perdeu
o controle. Precisávamos entregar uma coleção até o final do curso e eu ainda não sabia o que
fazer. Era normal que eu pintasse meus sentimentos, mas então… então eu te vi.
Ele para na frente da primeira pintura. “O anjo”, é o nome. Anker está de costas, tocando o
piano com a luz do final do dia envolvendo seu corpo.
— Você mexeu com partes minhas que eu não imaginava que precisavam ser tocadas,
Anker. Me fez querer tirar você do meu coração, da minha alma e cérebro. Então eu pintei. Pintei
porque você se tornou uma inspiração e eu não podia manter isso só para mim. As pessoas
precisavam ver isso.
Ele muda, indo até a pintura dos seus olhos, então vira o corpo para mim, com os olhos
cheios de lágrimas não derramadas e o rosto coberto de emoções.
— Eu nunca soube o que isso significava, acho que ainda estou descobrindo — revelo,
sorrindo entre as lágrimas que se acumulam nos meus olhos. — Das poucas coisas que sei, a
mais importante delas é que eu te amo, Anker. Eu te amo de uma forma que nunca imaginei que
conseguiria. Foi esse amor que me mostrou que amar também é ser livre.
Em dois passos, ele está na minha frente, cobrindo minhas bochechas com as mãos e minha
boca com a dele em um beijo desesperado e cheio de sorrisos. Quando se afasta, Anker cola a
testa na minha, misturando nossas respirações como fez no nosso primeiro beijo e diz:
— Eu te amo demais. Vamos lutar todas as batalhas juntos — Anker se afasta minimamente,
limpando as lágrimas dos meus olhos com os polegares. — Porra, querida, você me mata
pedindo para ir aos poucos enquanto a única coisa que penso é em como vou pedi-la em
casamento.
Dou um tapinha no peito dele, fazendo sua risada ecoar pelo quarto.
— O ponto é: posso pelo menos dizer por aí que você é minha namorada? — Anker
pergunta, eu concordo com um movimento da cabeça.
Em seguida, o meu estômago ronca vergonhosamente.
— Vamos te alimentar — ele diz enquanto segura minha mão e vamos para o restaurante
indiano ao qual ele fez a reserva.
Após vinte minutos dentro do carro de Anker, chegamos no lugar. É um ambiente intimista e
segue o movimento Hare Krishna, com quadros de deuses indianos, muita cor e tons dourados
pelo ambiente.
Sentamos em uma mesa de dois lugares um pouco afastada das janelas. Por sorte, o ambiente
não é tão frequentado para consumo de comida no local, acaba atraindo mais uma clientela no
delivery. Então, além da nossa mesa, tem apenas mais duas mesas sendo ocupadas.
— No que tanto pensa? — a voz de Anker me tira dos meus devaneios.
Levanto os olhos e sorrio para ele, que tem as mãos entrelaçadas em cima da mesa e um
sorriso leve no rosto.
— Só estou pensando como a vida está boa.
Ele ri com o comentário e eu também. O garçom se aproxima e anota os nossos pedidos. Em
seguida, ele volta a me olhar e segura na minha mão por cima da mesa.
— Você se importa com toda essa exposição?
— Não — falo, sincera. — Me sinto confortável ao seu lado. Me preocupo um pouco com a
recepção de Rubi, mas acho que teremos sorte. Ela é uma garota especial. — Respiro fundo,
soltando todas as palavras em uma velocidade ridícula.
Ele ri baixinho, divertindo-se com o meu nervosismo.
— Pare de rir — falo, mas também rindo.
Ele tomba o rosto levemente para o lado enquanto sorri, fazendo com que as marquinhas de
expressão ao lado dos olhos fiquem mais evidentes. Meu coração bobo se atém aos pequenos
detalhes do rosto dele quando ele está suave e sorridente para mim.
Anker molha os lábios com a língua e suspira antes de apertar levemente a minha mão.
— Como vamos fazer isso? — ele pergunta, certeiro. — Não quero perder mais nenhum
minuto.
Mordo o interior da bochecha e mantenho os olhos nas nossas mãos.
— Anker... eu não sei. — Suspiro. — Na verdade, você já percebeu que precisamos nos
conhecer um pouquinho mais antes de avançar mais?
Ele solta o corpo no encosto da cadeira e respira fundo.
— Estamos aqui para fazer dar certo, minha pequena — ele fala, fazendo um carinho com os
dedos na minha mão. — Por mim, você se mudava para a minha casa hoje mesmo — diz
baixinho, como se fosse um segredo, o que me faz rir igual boba. — Vamos no seu tempo.
Calmo. E com direito a todas as fases de um, como acordamos, namoro. Os encontros, os finais
de semana com filmes e afins, viagens...
Ele ri baixinho, agora entrelaçando os nossos dedos e levando minha mão até seus lábios,
depositando um beijo lento nas costas da mão e suspirando em seguida.
— Vamos fazer isso até o Natal e então teremos um grande evento juntos no dia vinte e
cinco de dezembro. O que me diz dessa proposta?
Sinto o meu coração bater forte ao ouvir aquelas palavras.
— Gosto de como ela soa.

Depois de estarmos devidamente alimentados, nós caminhamos debaixo da neve fria até o
carro de Anker. Deve estar fazendo uns quatro graus
— Vamos, vou te deixar em casa e se você for uma boa garota, vai me convidar para subir
para matarmos a saudade.
— Uh, isso é um desafio?
Ele para em uma sinaleira, trazendo o rosto para perto do meu.
— Não, querida. É o meu desejo, cabe a você realizá-lo ou não.
Sorrio, aproveitando a aproximação dos nossos rostos e roço os meus lábios aos dele. Em
seguida, puxo seus lábios inferiores com os dentes em provocação e me afasto apenas alguns
centímetros. Ele faz menção de se aproximar e eu coloco o dedo indicador nos seus lábios em
sinal de reprovação.
— Ainda estou pensando se vou realizar seu desejo, Anker Reeves — sibilo o nome dele
com ironia. — Até lá, seja um bom garoto e dirija. — E pisco, estalando a língua nos dentes.
Ele joga a cabeça para trás e ri alto ao mesmo tempo que liga o carro. Logo estico a mão e
aciono o aquecedor, seguido do rádio. Meu sorriso bobo se faz quando a música “Loving You”
do Seafret toca em uma estação de rádio qualquer.
Encosto a cabeça no banco e os cantos dos meus lábios se levantam em um sorriso. A vida é
incrivelmente engraçada até nesses momentos. Sinto a mão dele buscar a minha e baixo o olhar
quando sinto seus dedos entrelaçam-se aos meus, fazendo um carinho com o polegar na palma da
minha mão. Suspiro, encostando a têmpora no vidro gélido e fito o rosto de Anker atento ao
trânsito, sem separar nossas mãos.
A cada mísero contato físico, eu sinto que ele não quer a distância tanto quanto eu.
Escorrego no banco, até que minha cabeça se apoie no ombro de Anker e eu relaxe, sentindo seu
perfume misturado com o vinho que bebemos durante o jantar.
Anker estaciona o carro na frente do prédio e o desliga, virando o rosto para mim,
aguardando que eu fale algo. Levanto o rosto para ele e me aproximo, tocando os nossos narizes.
— Você gostaria de subir? — pergunto, agora tocando a gola da camisa dele com o
indicador, brincando com o tecido.
Ele arqueia uma sobrancelha e ri baixinho, soltando o cinto de segurança e me puxando pelo
queixo para um beijo rápido.
— Achei que precisaria implorar.
Quando abro a porta do apartamento e acendo a luz, permitindo que Anker entre, retiro o
casaco pesado e o coloco em cima de uma cadeira enquanto desfaço-me dos sapatos de salto.
Anker percorre o lugar com os olhos, tirando seu casaco pesado também.
Anker coloca o casaco em cima do sofá e gira o corpo, ficando de frente para mim.
— Você está linda hoje — ele comenta, aproximando-se de mim.
Eu sorrio fraco quanto ele para na minha frente e brinca com uma mecha do meu cabelo
entre os dedos.
— Eu amei o seu cabelo mais curto, sabia?
Aperto os lábios em um sorriso tímido assim que ele desliza a outra mão para a minha
cintura e a aperta suavemente. Ele aproxima a boca da minha, passando a ponta da língua pelo
meu lábio inferior, me causando arrepios. Seguro os braços dele com força e fecho os olhos,
aproveitando a sensação.
— Me diga se eu estiver indo rápido demais, tudo bem? — pede com um tom de voz grave,
que me deixa ainda mais nervosa.
Aceno com a cabeça, concordando.
De forma desesperada, ele toma meus cabelos em uma mão e a outra segura firme na minha
cintura, me puxando para um beijo quente. Sua língua logo entra em contato com a minha e
nossas bocas trabalham avidamente em um beijo forte.
Ele me aperta com força e caminha comigo até meu corpo se chocar com a parede. Então, as
mãos dele estão em cada parte, me apalpando e me deixando louca.
Anker me beija de uma forma desesperada.
Minhas mãos se agarram aos seus ombros largos e eu o puxo para mim, ainda mais,
querendo mais contato. Seu corpo se pressiona mais no meu e consigo sentir sua virilha em mim.
Ele está duro pra caramba.
É isso que me faz quebrar o beijo, respirando com dificuldade. Ele se cala, com os olhos
fechados, respiração pesada e fica em silêncio por muito tempo.
— Está tudo bem? — pergunto, ofegante.
Ele nega com a cabeça, ainda de olhos fechados.
— Não, não está tudo bem.
— O que…
Ele se afasta, abrindo os olhos escuros de desejo. Seus orbes verdes me encaram com fúria e
desejo.
— Não consigo parar de pensar em como deve ser o som que você fará quando minha boca
tomar seus peitos. Como deve ser tirar essa sua roupa e me enterrar em você, Heaven. Agora
mesmo, caramba. Há tantas coisas que eu quero fazer com você…
Sinto o rubor nas minhas bochechas quando ele continua se afastando, me dando espaço para
fazer meu corpo se acalmar do calor. Meu coração está martelando no peito.
— Eu gosto disso — revelo, fazendo uma expressão confusa tomar o rosto dele. — Quando
você me fala o que quer.
Os lábios sobem em um sorriso.
— Gosta quando eu te falo sacanagem?
— Acho que sim.
— Tudo bem, vamos mudar o assunto, certo? — pede, ajustando seu pau nas calças e me
fazendo corar violentamente. — Tem algo que a gente possa fazer? Ver um filme, talvez?
— É claro que podemos. — Solto uma risada, vendo seu nervosismo e ansiedade.
É bom saber que ele está tão ansioso por isso quanto eu.
Quando a audiência com os advogados de Brandon e sua família chega, poucos dias depois,
mal me dou conta de tudo. Acho que estive imersa em tanta felicidade que meu corpo resolveu
não absorver o que aconteceria. Se passaram apenas dez dias que cheguei em Washington e tudo
está em adaptação.
Minha relação com Anker, a rotina com os meus amigos e meu novo dia a dia.
Apesar disso, o dia cinzento foi marcado pela sensação de justiça. Todos estavam lá.
Mag.
Anker.
Alex.
Rosie.
Edward.
E até mesmo John.
Eu não sabia, mas Anker conseguiu o contato do meu antigo professor e o convenceu a
prestar um depoimento sobre o caso de ciúmes de Brandon.
Nossos aplicativos de mensagens foram rastreados e usados como prova.
E então as imagens de segurança do apartamento não puderem negar o estado que saí de lá.
Me obriguei a olhar para o chão o tempo todo, com medo do que pudesse ver nos olhos de
Brandon. Eu sabia que ele estava em algum lugar da sala de julgamento, mas não tive coragem
de encará-lo.
Anker nunca soltou a minha mão, nem mesmo Mag.
Quando o advogado da família James me inquiriu sobre o caso e precisei relatar tudo,
tentei não chorar. Eu não queria quebrar na frente de todos mais uma vez.
Naquele instante, foi quando olhei nos olhos vazios de Brandon e falei tudo que estava
preso no meu coração.
Foi a única vez que me permiti encará-lo.
Eu precisava finalizar aquilo e não conseguia parar de pensar em como seria vomitar tudo
sobre ele. E assim foi.
No momento que o juiz leu a sentença, culpando Brandon, acho que apaguei. Não
registrei muita coisa pelo estado de choque que fiquei. Agora, Anker está comigo no apartamento
de Mag e reconheço o meu quarto no instante que ele me senta na cama.
Atordoada, saio do lugar em passos hesitantes e entro no banheiro.
Abro a água na temperatura quente e meu corpo todo fica encharcado, mesmo com
roupas. Estou processando depressa. Minha cabeça trabalha rápido e eu tento me perguntar se
sinto algum tipo de alívio depois do que aconteceu nesta tarde.
Escorrego pela parede do banheiro até estar sentada no chão do box. Não me importo com a
roupa colando no corpo. Apenas me abraço, tentando entender todo o turbilhão em meu coração.
Apesar da sentença, Brandon levou uma parte de mim que nada no mundo poderá reparar.
Estou lutando a cada dia para me conhecer e não me tornar dependente de um novo
relacionamento, mas ainda tenho medo de construir um novo ateliê. Também tenho medo
quando sinto meu corpo chacoalhar demais, mesmo que dentro do carro, porque me lembra de
quando Brandon fez isso comigo.
Um tremor corre o meu corpo e fecho os olhos.
O som da água abafa tudo ao meu redor e nem registro quando alguém entra no box, apenas
entendo isso quando dois braços fortes me abraçam. Anker se acomoda atrás de mim, me
apertando com força contra seu corpo.
— Sou eu, amor.
Ele está encharcado, me apertando com força contra o seu peito.
— Pensei que tivesse ido embora — murmuro, enfiando o rosto em seu peito e finalmente
parando de chorar.
— Nem por um segundo — sopra, beijando a têmpora, que ainda tem a cicatriz. — E nunca
irei. Meu lugar é aqui.
Então, mais uma vez, enterro meu rosto nele e choro, sem me importar com os soluços que
saem da minha garganta. Anker continua ali, me amparando. Em algum momento, meu corpo
relaxa e acho que cochilo.
Sinto que ele me tira do box e fecha o registro do chuveiro, mas não abro os olhos.
Anker me leva para o meu quarto e fico em pé quando ele procura por alguma roupa. Abro
os olhos só quando ele me senta na cama e penteia meus cabelos, cautelosamente. A única luz
que entra no lugar é a que vem do banheiro, lá fora.
Quando nos deitamos na cama, ainda no escuro, ele me abraça com força contra o seu corpo
e encaro o teto escuro.
— É tão estranho, porque por mais que tudo tenha sido a meu favor, eu ainda estou triste.
Ele levou uma parte de mim e nada poderá substituir.
— Às vezes, no fundo mais obscuro da minha mente — Anker diz, a voz num tom sereno
—, eu desejo matá-lo.
Me afasto minimamente, buscando pelos seus olhos no meio da escuridão. Anker está
olhando para o nada, parecendo perdido em seus pensamentos.
— Tão brutalmente quanto fiz na guerra.
— Anker… — o chamo. Ele me olha, ainda tenso
— Mas aí eu me lembro de que ele não merece mais nada nosso, Heaven. — Ele escova os
meus cabelos para trás dos ombros, com um olhar menos tenso. — Nenhum maldito minuto da
nossa vida. Sejam com pensamentos ruins ou tristes. Ele não merece nada.
Concordo com um pequeno aceno da cabeça e me deito novamente contra o peito dele.
Anker não para de acariciar as minhas costas até que eu esteja dormindo.
— É tão bom te ver — Tom murmura, apertando seu corpo ao meu.
— Estou feliz por estar aqui, Tom — digo, me afastando do homem.
Ele está sorrindo de uma forma engraçada, segurando as lágrimas presas aos olhos enormes e
felizes.
— Eu trouxe café — murmuro, apontando para o suporte entre as minhas mãos.
O homem se acomoda em uma cadeira atrás da mesa de trabalho e eu faço o mesmo no
pequeno sofá da recepção. Observo o interior da galeria, como está mais vazio e até com um
fluxo menor de pessoas para uma época antes do Natal.
Já faz alguns dias do julgamento e finalmente tomei coragem de colocar minha vida no eixo
novamente. O primeiro lugar que desejei estar é na galeria do Tom.
— Ainda tenho todas as cartas que você me mandou de Paris — ele diz alegremente,
fazendo o meu coração bobo aquecer.
Não pude deixar Tom no escuro. Ele foi muito importante durante a minha vida em
Washington, me dando um espaço na sua galeria e sendo um bom ouvinte sempre que precisei.
Então foi justo explicar a ele que precisei sair da cidade.
Além do mais, eu também sei quão confuso foi nosso último encontro, quando Anker me
segurou nos braços e me levou embora. E pelo seu olhar, sei que ele tem algo que deseja falar,
suspeito ser sobre Anker, já que ele me disse que tem frequentado a galeria uma vez na semana.
— Sei que está curioso sobre algo, Tom. Me pergunte logo.
— Na verdade… — ele murmura, pegando o copo de café que ofereço e bebericando. — Eu
tenho me perguntado muito sobre como as coisas ficaram entre você e o John.
Meus olhos se arregalam.
— Como é?
Ele sorri para mim e preciso tomar um bom gole de café enquanto os olhos analíticos do
homem à minha frente me avaliam. Hoje Tom está usando um suéter de tricô que provavelmente
foi sua esposa que fez. Renas estão por toda parte num fundo marrom. Uma boina esconde a
maior parte dos fios brancos e, mesmo que dentro da galeria os aquecedores estejam ligados de
forma suficiente para me deixar apenas com uma camisa térmica, Tom parece um pacote dentro
da sua roupa superquente.
— Ele é um frequentador da galeria, conheço os meus clientes. Além disso, John nos
apresentou e sempre teve um brilho a mais no olhar ao falar de você.
— Eu era aluna dele.
— Isso nunca impediu as coisas de acontecerem no mundo.
Quase rolo os olhos para o homem espertinho e desvio do seu olhar, encarando o copo de
papel entre os meus dedos, brincando com o protetor de papelão ao redor do copo.
Afinal, não sei o que dizer.
Depois do dia que John e eu falamos na galeria, nunca mais conversamos. Quer dizer, depois
daquilo a minha vida se tornou uma montanha russa e eu até mesmo troquei de telefone assim
que cheguei em Paris. Realmente seria um problema caso ele desejasse me encontrar.
— É complicado… — murmuro, o olhar fixo na janela ao meu lado.
Lá fora, Washington está coberta de neve. Já é dez de dezembro e as ruas estão branquinhas,
acumulando neve por toda a parte. O frio da cidade também está mais intenso e meus lábios
arqueiam ao lembrar do lago da casa de Anker, congelado.
Estamos realmente indo aos poucos.
Depois do dia do julgamento, ele está mais próximo do que nunca, tentando preencher meu
tempo com pintura e um pouco mais de turismo na cidade. E mesmo que Rubi esteja passando
um tempo com ele, Anker tem encontrado um espaço para mim.
Ainda não sei como me sentir em relação a Rubi. Ela é uma garota incrível e não
demonstrou nenhuma resistência em relação às minhas visitas recorrentes ao seu pai. Quer dizer,
para uma adolescente de quinze anos, não precisa de muito para entender que estamos juntos.
Apesar de, agora, tudo estar praticamente se encaixando na minha vida, não consigo me
esquecer da tensão entre Rubi e sua mãe. Na noite passada, quando estávamos na mesa de jantar
degustando uma lasanha preparada pela própria Rubi, Anker falou sobre uma mensagem que
Daniela enviou a ele. Pelo visto, Rubi não está respondendo a própria mãe, o que me deixou
ainda mais em alerta.
Pode ser apenas uma cena adolescente, ou teria algo a mais?
E, bom, qual é o meu papel no meio disso tudo? Eu devo intervir ou me afastar?
Da última vez que a situação filhos e ex-esposa esteve em jogo, praticamente fui colocada de
lado e também escolhi não me envolver. No entanto, não posso deixar essa pequena mágoa falar
mais alto.
Anker não é o John.
— Ele continua vindo aqui. E o Anker também.
Volto a encará-lo.
— Sobre o Anker, eu sei…
Ele sorri mais largamente, colocando a mão sobre o meu antebraço em forma de carinho.
— Não sei muito bem o que aconteceu para você sair da minha galeria naquele estado, meu
bem, mas pela forma como Anker segurou você nos braços e te deu suporte, ele parece o cara
certo. Você finalmente parece ter encontrado a sua primavera, Heaven.
Me lembro de quando falamos sobre isso, meses atrás, e sorrio.
— Eu não sabia que você era um romântico incurável, Tom — brinco, fazendo-o dar uma
risadinha engraçada até que as bochechas estejam coradas.
Em seguida, Tom aperta os lábios em um sorriso fechado.
— E... Eu também queria dizer que estamos colocando a galeria à venda.
Meus olhos buscam os dele no mesmo instante.
— Eu e minha esposa estamos cansados dessa loucura da cidade grande. Estamos pensando
em comprar alguma casa no interior ou talvez em uma praia... Sabe como é, ela adora o mar e as
montanhas.
Rio fraco, encarando o senhor à minha frente. Tom trabalha com arte há anos e a esposa faz
algumas tortas para vender. Eles têm uma vida estável, mas eu bem sei como novos ares são
importantes, não é mesmo?
— Fico feliz por ter participado da história desse lugar, Tomás. Obrigada.
Ele se levanta, contorna o balcão e abraça o meu corpo.
— Nossa última exposição vai acontecer em dez dias — anuncia ele, se afastando e sorrindo
para mim. — O que acha de me trazer um novo quadro?
— É claro. Com absoluta certeza isso acontecerá! — afirmo, fazendo-o sorrir mais uma vez.

Mesmo tarde da noite, Anker e eu estamos deitados no quarto dele. Apesar de passar
algumas noites aqui, eu ainda não tinha dormido com ele. É algo novo, mas que estou
apreciando.
Com a cabeça no ombro dele, estamos conversando sobre o dia. Seus dedos deslizam pela
minha espinha e observo o teto do quarto revitalizado pela empresa. Bom, algumas coisas
mudaram desde a última noite que estive aqui.
Agora o ambiente parece mais moderno, cheio de móveis de tons claros, o que combina mais
com a nova fase de Anker. Na parede, um dos meus quadros está exposto.
— Na dedicatória do seu livro, você falou sobre as minhas cicatrizes — digo enquanto a mão
dele se move, até que o polegar acaricia minha têmpora, no lugar em que esteve machucado por
Brandon meses atrás. — Mas e você, o que escolheu fazer com as suas?
De soslaio, vejo-o sorrir.
— Escolhi que elas contam parte da minha história — responde, fazendo o meu coração
bater mais forte.
— E seus pesadelos? — pergunto, curiosa.
— Nunca mais os tive. O pior deles, até algum tempo atrás, era saber que você estava longe.
Rolo meus olhos, batendo no ombro dele de leve.
— Você é mesmo um dramático.
— Alguns diriam romântico. — Ele ri, me apertando contra si e enfiando o rosto no meu
pescoço e beijando a região. — Mas posso ser o que você quiser, querida.
Olho para a porta aberta, inquieta.
— Não me puxe assim, Rubi…
— Está no quarto há uma hora já — ele diz, mas logo se afasta e vai até a porta do quarto,
fechando-a. — Melhor?
Meu coração bate depressa quando ele se deita na cama.
Quer dizer, Rubi não é uma criança, afinal de contas. E mesmo que eu esteja nervosa sobre
dormir com ele sob o teto da sua casa, há algo também no que pode acontecer caso a gente
durma aqui.
Nos dias que estamos passando juntos, cada vez mais fazemos algum avanço. Estou pronta
para me entregar a Anker e, de repente, esse momento parece ideal.
Ele beija a minha boca, puxando o meu corpo para cima e me deixando montada no seu
quadril. Seguro-o pelo pescoço enquanto Anker acomoda as costas na cabeceira da cama,
deixando um ângulo bom para me manter em seu colo e beijá-lo.
Faço isso ao mesmo tempo que as mãos de Anker se mantém nas minhas pernas. Quando ele
sobe o toque, discretamente, até estar na minha cintura, os dedos cavam em minha pele.
Ele arfa contra minha boca quando minha língua brinca com a sua e logo meus dentes estão
presos entre o lábio inferior dele, puxando-o. Anker aperta mais meu quadril, fazendo-o balançar
sobre o seu.
Nós dois gememos em uníssono.
Anker se afasta, me encara, testando minhas reações enquanto suas mãos sobem
vagarosamente até os meus seios. Meus mamilos já estão firmes quando ele os aperta, fechando
os olhos por alguns instantes ao suspirar.
— Porra... — resmunga enquanto o sinto endurecer embaixo de mim.
Pela forma úmida como minha calcinha está, sei que meu corpo deseja Anker. Caramba,
como não desejar esse homem em todos os sentidos? Porque ele está aqui, respeitando meu
espaço e testando meus limites como se eu fosse o bem mais precioso dele.
Mexo meus quadris eu mesma enquanto mordo os lábios, lhe dando um aceno positivo com
a cabeça enquanto falo:
— Quero isso. Com você.
Simples assim, Anker me segura pelas pernas e me joga de costas na cama, abrindo minhas
pernas e me segurando pelos joelhos para se acomodar no meio. Enquanto ele se afasta, sinto
meu corpo estremecer pela visão.
Anker retira a camiseta do pijama e joga-a para longe, avaliando meu corpo por tempo
demais. Faço o mesmo com ele, avaliando a pele bronzeada cheia de músculos e pequenas
marcas oriundas da guerra.
— O que foi? — pergunto, levemente insegura.
Ele nega com a cabeça, esboçando um sorriso sutil.
— Perfeita — murmura, se aproximando e colocando as mãos na barra da minha
camiseta. — Fodidamente perfeita.
Anker retira a peça do meu pijama e ele comprime os lábios, resmungando baixinho assim
que seus olhos pousam nos meus seios nus. Ele abaixa o rosto, deslizando os lábios pelos meus
seios e tomando um mamilo na boca. Ofego, arqueando as costas e segurando a nuca dele, o
puxando para mais perto.
A mão dele segura o meu outro seio e ele o aperta suavemente. Assim que sua boca ganha
pressão, os dedos torcem meu mamilo e eu gemo ainda mais alto. A sucção é acompanhada pelo
movimento da língua em círculos suaves, mas precisos.
Os dentes dele roçaram ali e depois o mordiscam, me fazendo apertar as pernas ao seu
redor. O mantenho preso entre minhas mãos, empurrando meu corpo para ele e puxando sua
cabeça na minha direção.
Ele alterna os seios e, a cada instante, sinto a umidade na minha calcinha aumentar.
Quando estou ofegante o suficiente, ele levanta o corpo na minha direção, roçando a boca na
minha, mas logo deslizando para o meu pescoço e chupando a pele.
— Você responde tão bem a mim — diz suavemente enquanto as mãos se movem na
direção da calça do pijama, empurrando-a.
Levanto o meu corpo, ajudando Anker a se livrar da peça. Ofegante, assisto-o descer pelo
meu corpo e se acomodar os antebraços no meio das minhas pernas. Sua mão direita desliza pela
lateral do meu corpo e, quando chega sobre calcinha, apenas a ponta do indicador traça a costura
do tecido em uma provocação lenta na virilha.
— Anker… — resmungo, implorando.
Não sei o que estou pedindo, ou implorando, mas preciso de mais. Mais de Anker.
Qualquer maldita coisa que ele esteja planejando fazer comigo. Ele apenas sorri para mim,
tocando por dentro da calcinha e empurrando-a para o lado apenas. Em seguida, a cabeça de
Anker se aproxima e a língua encontra a minha boceta.
Estremeço e, em resposta, seguro seus cabelos e o puxo para mim. As mãos grandes
seguram minhas coxas por baixo e ele me puxa ainda mais para seu rosto, afundando-se por
completo no meio das minhas pernas.
A língua dele traça a minha carne úmida em um vai-e-vem exploratório, até que ele toca o
meu clitóris e estremeço. Então a lentidão é substituída por fome. Anker me chupa em um misto
de desespero e intensidade, raspando os dentes e me sugando.
Fecho os olhos e jogo a cabeça nos travesseiros, sentindo minha respiração descompassada e
a respiração mais dificultosa. Meus músculos ardem e meu coração está batendo depressa.
Suor cobre o meu corpo quando sinto os dedos dele também na minha boceta, deslizando
pelo lugar e absorvendo a umidade. Assim que ele toca a minha abertura e empurra dois dedos,
aperto mais seus cabelos entre os dedos.
— Oh, meu Deus... — resmungo, sentindo as pernas tremerem.
Quando fecho os olhos, posso sentir a pressão no meu ventre se desfazer. É como se meu
sangue pegasse fogo nas veias, aliviando a tensão formada e estou em uma espiral de sensações
prazerosas.
Estou me esfregando no seu rosto, sentindo meu corpo se desfazer.
Abro os olhos, sorrindo, e vejo Anker da mesma forma. Os lábios brilhosos enquanto ele
lambe os dedos que estavam em mim. Deslizo o olhar até o meio das suas pernas. A ereção
enorme está ali e, puta merda, não sei como ele vai caber em mim.
Quer dizer, Anker tem quase dois metros de altura. É de se imaginar que ele seja grande. No
entanto, eu tenho um pouco mais de um e sessenta e três.
Lambo os lábios quando ele retira a calça do pijama e a cueca também. Bom. Ele é grande e
grosso. Isso vai ser interessante. Minha boceta parece se contrair em resposta enquanto assisto-o
colocar um preservativo.
Ele se posiciona em cima de mim, segura seu pau e desliza na minha boceta de uma forma
tortuosa, apenas superficialmente de cima para baixo, me fazendo ofegar quando bate no meu
clitóris.
— Sua boceta está tão encharcada, querida.
— Ah, merda... — engasgo quando ele começa a deslizar para dentro de mim.
Centímetro por centímetro. Anker entra em mim e se enterra com força no meio das minhas
pernas, me fazendo ofegar.
— Porra, caralho... — resmunga, afundando a cabeça no meu pescoço. — Isso é tão…
inferno.
Quero rir dele xingando desta forma, mas então me lembro de que Anker disse não ter tido
ninguém depois de Daniela. Isso faz cinco anos, caramba!
Levanto as pernas, o levanto mais fundo quando cruzo as pernas em sua cintura,
pressionando meu corpo contra o dele e começo a me mover. Anker se afasta minimamente e,
mesmo que ele esteja por cima, estou tomando o controle.
Um sorriso sacana toca seus lábios e o verde-oliva dos seus olhos se tornam perigosos
quando ele se aproxima da minha orelha, deslizando a língua pelo meu pescoço em um carinho
provocante.
— Quer saber quantas vezes eu gozei nessa cama pensando em você? — pergunta, e eu solto
um gemido baixo. — Porra, Heaven… Você é tudo o que eu desejo há tanto tempo.
De repente, ele me segura pelos pulsos e os une sobre a cabeça. Com uma mão ele me
mantém ali e a outra fica apoiada no colchão. Então o quadril de Anker se move, e ele arremete
com força dentro de mim. De novo, e de novo. Beijo seu rosto, sobre a cicatriz. A pele irregular
está sobre minha boca e não me importo. Eu amo cada parte de Anker.
Ele me fode mais duro, fazendo meu ventre aquecer.
— Puta merda... — rosna em um gemido, indo fundo com força. — Não vou durar muito se
você continuar me apertando dessa forma, querida.
Caramba, eu ao menos senti que estava apertando-o.
Meu corpo se contrai e jogo a cabeça para trás. Anker se eleva sobre o meu corpo,
deslizando a língua pelo meu pescoço e apertando minha pele com força enquanto se enfia em
mim.
— Você gosta quando eu falo desta forma? Sobre as coisas que você está fazendo comigo?
Meu gemido responde à pergunta e ele sorri contra a minha pele.
— Continue me apertando, Heaven. Aperte o meu pau com a sua boceta e me faça gozar —
ele pede, o sangue corre pelo meu corpo, me fazendo atingir o limite ao sentir seus dedos sobre o
meu clitóris.
Um movimento sutil é o suficiente para me fazer gozar.
— Absolutamente perfeita! — Ele me morde no maxilar, me deixando ainda mais inebriada.
Mais duas estocadas e Anker está grunhindo no meu pescoço enquanto arremete dentro de
mim e goza. Ofegantes, nós nos encaramos por alguns instantes antes de sorrir.
— Podemos fazer isso de novo? — ele pergunta, me fazendo soltar uma risada.
No dia seguinte, estou de pé antes mesmo das sete da manhã. Rastejo silenciosamente até a
cozinha e agradeço aos funcionários de Anker por não estarem por aqui aos sábados.
Quero preparar um café da manhã para ele e Rubi.
Começo a separar os ovos, açúcar, farinha e fermento. Logo estou com a massa pronta e
adiciono baunilha no final. Aqueço a chapa e despejo-a ali. Enquanto o aroma de baunilha e
açúcar invade a cozinha, me apresso em ligar a cafeteira e a separar a geleia de amoras que Rubi
preparou ontem à tarde, bem como xarope de bordô e mel.
Não demora muito para que uma pilha de panquecas esteja disposta sobre um prato. À
medida que os minutos passam, remexo ovos em uma frigideira e bacon em outra.
Uma coisa que aprendi sobre Anker Reeves é que ele é um homem de ovos com bacon pela
manhã, além de café extraforte sem creme. E eca, quem toma café sem creme?
Passos ressoam pelo corredor e me atento a porta. Meu coração bate forte quando Rubi entra
na cozinha usando um pijama roxo com alguns detalhes verde limão. Ela coça os olhos com as
mãos em punhos e seu cabelo está uma bagunça.
Meu coração troveja no peito quando ela sonda primeiro a ilha principal da cozinha, onde os
itens do café da manhã estão; logo depois, ela me olha. Seus olhos castanhos descem pelo meu
corpo e sei que estou usando uma camisa do seu pai e calças de moletom dele também, então
meu coração está batendo tão forte que dói.
Não restam dúvidas agora, não é?
— Bom dia! — murmuro com a espátula na mão. — Resolvi fazer o café da manhã.
Os lábios dela se comprimem.
— Você dormiu aqui?
— Uh, sim… — digo, desligando o fogão e correndo até a geladeira enquanto meu rosto
deve estar da cor de um pimentão pelo calor que cobrem minhas bochechas.
Retiro da geladeira o galão de suco e o coloco também sobre a bancada. Rubi ainda está
parada no mesmo lugar, atenta a minha movimentação dentro do cômodo.
— Fiz panquecas e coloquei sua geleia na mesa. Junto com a massa quentinha deve ficar
ótimo.
Rubi pisca algumas vezes. Não tenho muito tempo para avaliar a reação dela sobre o meu
comentário, porque logo uma forma alta e sonolenta está atrás dela.
Anker está usando um pijama de flanela azul e tem os cabelos médios também em uma
tremenda bagunça. Ele segura Rubi pelos ombros e está bocejando antes de beijar a cabeça dela,
ainda parecendo muito distante de estar desperto.
Um suspiro bobo escapa dos meus lábios ao vê-los assim. Porque, caramba, mesmo que
Rubi não seja filha biológica de Anker, eles realmente são muito parecidos.
— Bom-dia! — Anker diz, empurrando suavemente a filha para dentro da cozinha. —
Caramba, eu estou faminto — murmura, caminhando em dois passos até a ilha da cozinha e
pegando algumas tiras de bacon e enfiando na boca.
Ainda estou esperando a reação de Rubi, já Anker praticamente devora a carne defumada.
Quando a garota caminha até a ilha da cozinha, meu coração parece receber uma injeção de
alívio. Ela para ao lado de Anker.
— Pai… — ela sussurra, e ele a encara. — Por que você não tem uma árvore de Natal em
casa?
Anker me olha, levemente confuso. Ele está segurando o bacon com a mão direita e usa a
esquerda para coçar o pescoço, parecendo encabulado.
— Não pensei sobre isso, querida. Estive tão envolvido com as coisas do lançamento do
livro que sequer pensei em uma decoração de Natal.
— Podemos ir atrás de um pinheiro — digo, recebendo um olhar curioso dos dois. — Ainda
temos tempo. É dia onze.
Os dois trocam um olhar.
— É uma boa, eu gosto da ideia. — Rubi dá de ombros, segurando o galão de suco e
servindo um copo.
— Não posso ir hoje, no entanto — Anker diz, entre um suspiro, me encarando logo depois.
— Acordei com uma ligação do meu agente. Parece que uma livraria em Nova Iorque está
interessada em fazer uma sessão de lançamento em janeiro.
— Posso ir com a Heaven — é Rubi que diz.
Sorrio para ela.
— É claro.
Ela pega um prato da pilha que deixei sobre a ilha e começa a enchê-lo com panquecas,
encarando o movimento. Anker sorri para mim e pisca, parecendo feliz com o desenrolar da
situação. Sirvo um pouco de suco e ele começa a colocar uma quantidade absurda de ovos e
bacon no prato.
Então Rubi se vira na direção da mesa da cozinha e diz:
— É muito cedo para pedir um irmão para vocês?
Engasgo com o suco, Anker solta a espátula contra a frigideira, fazendo um barulho
estridente ecoar pela cozinha.

Não é de se esperar que no dia onze de dezembro ainda restem pinheiros verdinhos e
enormes. E Rubi e eu demoramos mais de três horas para encontrar uma árvore decente, entre
três estabelecimentos que os vendem. E, bom, antes mesmo que eu possa reclamar, ela encontra
seu escolhido na terceira loja.
Um pouco congeladas, seguimos para as lojas de departamento atrás de bolas vermelhas e
douradas.
— Será que o papai vai se incomodar se colocarmos luzes pela casa? — Rubi me pergunta
enquanto avalia uma caixa de pisca-pisca.
— Eu duvido muito que o seu pai vá se importar com qualquer coisa que você desejar fazer
com a casa, Rubi — digo assim que comparo duas estrelas para o topo do pinheiro. — Qual você
prefere? — indago a ela.
— A da esquerda! — diz, colocando quatro caixas de luzinhas dentro do carrinho.
Por sorte, Anker me entregou um cartão para as compras. Duvido muito que minhas
economias cobririam toda essa compra que Rubi está fazendo. Ela parece muito empolgada com
tudo que vê.
Então, enquanto ela avalia as opções de decorações fofas de biscoitos de Natal, bato uma
foto e envio para Anker. Sei que ele deve estar nessa reunião importante, mas não me contenho.
Faço a imagem e encaminho para ele.
Anker não demora para responder:

Anker: Vamos almoçar em casa? Descobri um restaurante tailandês que entrega comida.
Fiquei a fim de experimentar.
Em casa.
Não consigo deixar de perceber como ele já me colocou na sua rotina de uma forma tão…
simples. Acho que essa é a palavra correta. E pela forma como meu coração bate descompassado
e um sorriso suave brota em meus lábios, sei que pareço uma boba apaixonada por esse cara.
— Urgh, droga... — resmunga Rubi, me fazendo encará-la.
Ela também olha para o telefone e parece vermelha em irritação enquanto encara a tela.
Estico um pouquinho meu pescoço para ver o nome na tela. É Daniela.
— É impressão minha ou você está evitando a sua mãe?
Rubi me encara, não parecendo nem um pouco culpada.
— Não quero falar com ela.
Não sei até onde posso perguntar a ela sobre sua relação com Daniela. Será que se fizer
alguma pergunta serei inconveniente?
— Minha mãe mentiu sobre algo muito ruim durante anos. E agora não quero falar com ela
até estar com a cabeça menos quente.
Mordo o interior da bochecha, observando a adolescente enfiar quatro caixas de decoração
de biscoitos de Natal no carrinho. Duvido que tudo isso caiba no pequeno pinheiro verde que
encontramos.
— É por isso que decidiu ficar para o Natal, de repente? — pergunto, cautelosa.
— Não posso nem olhar para a cara dela sem querer gritar — resmunga Rubi, caminhando
pelo corredor.
Empurro o carrinho de compras, acompanhando suas passadas largas.
— E aquele cara ainda está lá. Não quero nem olhar para ele também — ela diz, ainda
irritada.
— Um namorado da sua mãe?
— Não — responde entre uma risada nervosa, parando de caminhar para pegar uma caixa de
Froot Loops e jogar dentro do carrinho. — Pelo visto, a minha mãe escondeu a verdade sobre o
meu pai biológico por muito tempo.
Vejo como a voz dela parece embargada e sua mão treme quando pega o telefone na mão.
Rubi parece estar tentando se controlar depois de jogar uma bomba do tamanho do universo
sobre meu colo.
Ela sabe.
Caralho, a Rubi sabe.
Toco o ombro dela, tentando buscar pelo seu olhar, que está fixo na tela do celular como se
ela estivesse concentrada. Apesar disso, a tela inicial do Iphone está ali. Rubi está apenas
tentando disfarçar.
— Rubi… — murmuro, suavemente.
— Anker é o meu pai. Ele é meu pai e pronto. Não, ele… — Ela treme, fechando os olhos e
apertando com força. — Como eu a odeio. Eu a odeio tanto…
— Ah, querida, não diga isso! — Passo o meu braço ao redor dos seus ombros e a puxo pra
mim, abraçando seu corpo esguio com força.
Então, Rubi desaba no meio do corredor do Walmart enquanto chora no meu ombro. É uma
cena estranha, porque todos estão nos olhando e eu não sei bem como reagir. Quero enviar uma
mensagem para Rosie e Edward e perguntar o que fazer, já que Mag provavelmente resolveria
tudo com sorvete.
Bom, talvez isso seja uma boa.
— Você já tentou falar com seu pai sobre isso? — pergunto, baixinho.
Ela apenas nega com a cabeça.
— Não quero magoar o meu pai. Eu já fui tão magoada, Heaven. — Ela se afasta
minimamente, limpando os olhos com a manga do suéter. — Ele apareceu lá como um amigo
dela durante um jantar. Precisei ser educada com ele enquanto minha mãe já sabia de tudo,
acredita? Eu sei lá como eles mantiveram o contato, mas não consigo acreditar que minha
própria mãe mentiu para mim por tanto tempo.
Meu coração se aperta, porque Anker também sabia. Não consigo imaginar como ele ficará
devastado ao saber que Daniela contou para Rubi sobre a paternidade sem tê-lo consultado.
Então apenas comprimo os lábios em um sorriso nervoso ao encarar o rosto choroso e triste
da garota na minha frente.
— O que acha de comprarmos sorvete e conversar sobre isso em casa?
Ela olha para os lados, vendo as pessoas nos encararem. Suas bochechas ganham um tom
vermelho e ela assente. Na idade dela, se eu fosse pega chorando nos corredores de algum lugar,
ia querer me enfiar em um buraco e nunca mais sair.
— Obrigada por isso — ela diz.
— Tudo bem. Estou aqui para isso.
Seus lábios contraem em um sorriso mínimo.
— É legal saber que o meu pai encontrou uma namorada bacana.
Então seguro a mão dela e nós caminhamos até a sessão de sorvetes, onde Rubi escolhe pelo
menos dois potes diferentes, me perguntando sobre qual é o meu sabor favorito no processo.
Quando estamos no caixa, ela parece um pouco mais calma. Apesar disso, minha cabeça não
consegue parar de pensar na confusão que se sucederá nos próximos dias.
Preciso estar ao lado de Anker para essa tempestade que está se aproximando.
Pagamos as compras e caminhamos para o estacionamento, encontrando o carro de Anker
rapidamente. O nosso pinheiro está sobre o carro, amarrado com corda e fazendo um alarde no
meio do lugar.
Colocamos as compras no porta-malas e observo o lugar. Meu corpo trava ao ver a senhora
James entrando em seu carro. Estou congelada, com os pés no chão, e Rubi está na minha frente
em instantes. Meu coração bate forte no peito enquanto minha cabeça zune.
— Ei, Heaven, está tudo bem?
Não, não está tudo bem, quero dizer.
Mas não consigo. Estou congelada, paralisada enquanto minha cabeça está zonza. A imagem
de Rubi na minha frente não consegue dissipar o meu estado apavorado. Caramba, já faz dias da
audiência. Pensei que tivesse superado essa merda e que Brandon nunca mais me atingiria.
No entanto, por que estou praticamente surtando quando apenas vi de relance a mãe dele?
— Entra no carro — pede Rubi, abrindo a porta e olhando ao redor. — Vou chamar o meu
pai.
Chacoalho levemente a cabeça, nervosa.
— Não, Rubi, eu… eu estou bem.
Ela tira a chave da minha mão, desliga o alarme do carro e abre a porta.
— Bem é o caralho — resmunga a adolescente, finalmente me fazendo encará-la. — Agora
senta aí que eu vou ligar para ele vir nos buscar.
Minha boca está seca quando finalmente faço o que ela pede. Mesmo que meu coração esteja
mais calmo, minha cabeça não consegue parar de trabalhar. Não posso deixar isso me afetar de
maneira tão intensa. Não mais.
Eu amo o Natal.
As decorações e o clima.
É claro que, por algum tempo, me senti sozinha durante as comemorações, mesmo que
minha avó fosse uma pessoa familiar, ela fazia questão de me ignorar durante estes eventos
também.
No entanto, assim que me mudei para Washington, Mag me fez comprar um pinheiro e
montá-lo com ela. Dali em diante, eu aprendi a amar essa data.
E eu ainda não posso crer que quase deixei a memória de Brandon manchar isso.
Assim que Anker chegou, atordoado, eu já estava melhor. Quer dizer, no instante que Rubi
sumiu no Walmart e voltou com colheres para tomarmos sorvete no estacionamento, meu
coração já estava cheio de felicidade pelo seu gesto.
Durante trinta minutos que sucederam a confusão ao ver a senhora James e Anke voltar,
devoramos um pote de sorvete “Ben & Jerry 's” inteiro. Enquanto isso, expliquei a Rubi o que
aconteceu e ela ouviu pacientemente, sem nenhum julgamento.
Nem sei o porquê resolvi me abrir com ela em um estacionamento aleatório, mas precisei
colocar para fora. E algo sobre ela também ter se aberto para mim dentro do lugar fez as palavras
parecerem fáceis nos meus lábios.
Então, Anker chegou e me abraçou antes de qualquer coisa. Ele sequer sabia o que tinha
acontecido e precisei explicar. Anker ficou confuso por alguns instantes, observando o sorriso
nos meus lábios e o doce nas mãos de Rubi, que também estava um pouco menos carrancuda do
que os outros dias.
Então viemos para casa e pedimos comida tailandesa.
Anker tirou o pinheiro do carro e colocamos no canto da sala. Enquanto coloquei as
decorações sobre um dos sofás, Anker acendeu a lareira. Rubi escapou para um banho quente.
Agora, Anker se aproxima, cauteloso.
— Você está melhor, mesmo?
Sorrio para ele, depositando a caixa de pisca-pisca ao lado das outras.
— Sim, foi apenas um choque — digo quando ele para na minha frente.
Anker escova uma mecha de cabelo para trás do meu ombro.
— Acho que você deveria conversar com algum especialista — ele murmura, paciente.
— Prometo que vou pensar nisso — digo com sinceridade.
Ele segura na minha nuca, se aproximando e beijando a minha testa.
— Como foi sua reunião? — pergunto, voltando a desembalar as decorações.
Anker me observa, então começa a reunir o lixo em uma sacola plástica.
— Acho que vamos à Nova Iorque em janeiro.
A felicidade na voz de Anker me faz sorrir. Então, paro, me atentando a sua frase. Ele
disse... nós?
— Nós? — indago, curiosa.
Ele arqueia as sobrancelhas de uma forma sugestiva na minha direção.
— Eles oferecem transporte e hospedagem para o autor e até três familiares. O que me diz?
Hum? Nova Iorque?
Família. Não contenho um sorriso e me aproximo dele, tocando seus lábios com os meus em
um beijo suave.
— Isso parece ótimo.
— Uh, que nojo! — a voz de Rubi interrompe o ar. — Vamos montar essa árvore logo.
Anker e eu trocamos um sorriso. Bolas vermelhas e douradas, biscoitos de Natal, laços e
luzes estão por toda a sala quando começamos. Rubi coordena tudo, ditando onde colocar cada
decoração presa nos galhos do pinheiro.
Ficamos ali, diante da árvore de pouco mais de dois metros, durante uma hora inteira.
Quando terminamos, todos parecem exaustos. Apesar disso, a árvore realmente está linda, cheia
de decorações e luzinhas amarelas.
— Falta a estrela — comento, observando a última decoração do topo da árvore entre os
dedos de Rubi.
Ela sorri para Anker, que logo está atrás dela, a segurando pela cintura e levantando o corpo
da filha na direção da árvore. Rubi ri de uma forma espontânea enquanto coloca a estrela no topo
da árvore com a ajuda do pai. Isso parece um negócio dos dois e não me intrometo, apenas
observo a interação deles.
— O que acha de pendurar luzes ao redor da casa? — Anker pergunta, colocando a filha
com os pés no chão. — Só que vamos precisar esperar até amanhã. Acho que está nevando muito
para isso.
Apesar da pergunta, nem eu e nem Rubi respondemos.
A garota apenas abaixa a cabeça, escondendo o rosto pela cabeleira castanha. De repente, o
som de um soluço surge e Anker segura nos ombros da garota, virando seu corpo para o dele
com pressa. Assim que Anker segura o rosto dela e o levanta, uma tensão surge em cada linha da
sua expressão.
— Rubi? — pergunta ele, tenso. — O que aconteceu, meu amor?
Novamente, ela parece desabar. Anker passa os braços ao redor da filha, que enterra o rosto
no seu peito e o abraça com tanta força que faz meus olhos inundarem de lágrimas não
derramadas.
O olhar que Anker me lança é preocupado, quase receoso.
— É melhor vocês conversarem — digo.
— Podemos… podemos ir à estufa? — pede Rubi, afastando-se minimamente do pai. — Por
favor.
— É claro, sim… — ele diz, piscando várias vezes. — Vamos lá.
Anker segura na mão da filha e a leva até os fundos da casa enquanto fico parada no meio da
sala, observando o lugar em silêncio. Resolvo organizar as caixas e embalagens, mas logo estou
sem nada para fazer.
Caminho até a cozinha, decidida a melhorar o dia dos dois, mesmo que seja quase
impossível conter a confusão que está prestes a explodir. Da janela da cozinha, consigo observar
a estufa. Apesar de só conseguir ver a silhueta dos dois por conta do gelo ao redor dos vidros, me
acalmo por saber que tudo está se encaminhando, de certo modo.
Como não tenho nenhum item de pintura aqui, tento ocupar meu tempo com outra coisa
além da arte. Resolvo fazer algo para o jantar, então adianto outra receita que aprendi com
Emily: massa fresca.
É demorado e vai ocupar boa parte do meu tempo.
Enquanto administro meu coração desenfreado, essa carga sentimental que me deixa louca e
os ingredientes culinários, o tempo passa. Demora quase duas horas para que Anker e eu nos
encontremos novamente.
Depois que as massinhas de ravioli ficarem prontas e recheadas, bem como o molho caseiro
já adiantado, limpo a cozinha e volto para a sala. Enquanto um programa aleatório passa na TV,
digitei algumas mensagens para Rosie e Edward.
O aniversário do meu amigo acontecerá na próxima semana e Anker já havia confirmado
que estaria presente. Então, as mensagens entre nós três geralmente giram em torno do assunto.
Quando estou terminando de enviar a sugestão de um restaurante que Anker mencionou, ele
entra pela sala com um olhar cansado. Cansado seria eufemismo. Anker parece exausto.
Me levanto no mesmo instante, nervosa. Realmente não sei o que fazer ou falar.
— Ei, querido, como você…
Ele apenas nega com a cabeça, caminhando como um touro em minha direção. Anker para
na minha frente, segura no meu rosto. Uma mão em cada bochecha e me puxa para si.
Ele me beija.
Os lábios dele tocam os meus de forma dura enquanto arrasta a boca pela minha, quase de
forma primitiva. Eu deixo que ele me beije desta forma desenfreada, no meio da sua sala,
enquanto parece querer acalmar algo dentro de si.
Minha mão encontra a nuca dele e eu aprofundo ainda mais o beijo. Preciso ficar na pontinha
dos pés pelo seu tamanho, mas não largo o domínio do beijo, guiando sua boca em um ângulo
que me faz ir mais fundo.
Com o coração batendo forte, termino o beijo quando ele suspira na minha boca. Anker
apoia a testa na minha, algo que ele realmente faz muito. Então solta uma rajada de ar das
narinas e se afasta.
— Vou matar a Daniela.
Aperto meus lábios, deslizando as mãos até encontrar as dele.
— Ela não tinha o direito — resmunga, furioso. — Ela… — Dá um passo para trás, saindo
do meu aperto enquanto fecha a mão em um punho e pressiona contra a testa, indignado.
— Você falou com ela?
— Sim! — revela, ainda com a voz tensa. — Rubi me contou tudo na estufa. Ficamos lá por
algum tempo enquanto ela se envolveu em mim como fazia quando mais nova. A minha filha
dormiu nos meus braços e chorando, Heaven. Caralho… nunca pensei que a primeira pessoa a
quebrar o seu coração não seria um garoto, mas, sim, a porra da sua mãe!
Meu coração aperta no peito.
— Depois que levei ela para o quarto, fui para o escritório e liguei para Daniela. Pelo que ela
me disse, Aidan a encontrou em alguma rede social e fez os cálculos sobre a idade dela e
simplesmente apareceu lá uma noite. Rubi ouviu uma discussão dos dois e não precisou de uma
confirmação para saber de tudo.
— Céus... — Cubro a boca com as mãos, tremendo. — Coitada…
— Eu só… não posso acreditar que Daniela confirmou isso sem me perguntar o que eu
achava. — Ele chacoalha a cabeça para os lados, apoiando as mãos no quadril e encarando o
chão. — E sabe qual é a pior? O cara nem quer conhecer a filh… a Rubi! Rubi porque ela é
minha filha — brada, furioso. — Era só uma maldita curiosidade do infeliz…
Não sei o que dizer. Fico em silêncio, observando toda a expressão corporal de Anker gritar
fúria. Então me pergunto se ele ficava assim durante a guerra. Parecendo furioso a ponto de
explodir.
— Acho que essa será a missão mais complicada da sua vida — comento, e ele me olha com
curiosidade. — Lidar com seus sentimentos, manter uma relação saudável com a mãe da sua
filha e também agir com a razão.
— Uma merda — ele resmunga, bufando. — A Rubi quer morar comigo, depois disso.
— Ela já falou para a mãe?
— Sim. Estou disposto a lidar com toda a merda da resistência da Daniela sobre isso. Rubi é
minha filha e tem direito de escolher com quem vai morar.
— Mas ela demonstrou alguma resistência?
— Não. — Engole em seco, encarando o chão. — Na real, ela parece bem triste com a
situação toda.
Dou um passo na direção dele, segurando em seu rosto para que me encare.
— Então volte a conversar com a sua ex-esposa quando estiver com menos raiva. Ela
também foi pega de surpresa, no final das contas.
As sobrancelhas castanhas se arqueiam.
— Está defendendo-a?
— Não, não estou. Estou apenas explicando os fatos. Ela não deveria ter confirmado sem
falar com você, mas acho que ela também estava com medo — murmuro, me aproximando mais
ainda. — Apenas tente pensar com a razão e não com o coração agora. É melhor vocês manterem
uma relação pacífica por causa da Rubi.
Seus olhos vagueiam pelo meu rosto e ele sorri pra mim, quase que minimamente, depois de
alguns segundos
— O que eu faria da minha vida sem você, Heaven Williams? Você sempre me puxa para
fora da merda que estou.
— Sem mim, você continuaria sendo um velho rabugento — digo, batendo o indicador em
seu peito. — Nem seu irmão estava mais aguentando sua merda.
— O Alex lida com a minha merda faz anos — resmunga ele, segurando na minha cintura e
me aproximando mais um pouco. — Agora sei que você lida melhor com isso, de qualquer
modo.
Quando os lábios dele estão raspando nos meus, me sinto vitoriosa. Vitoriosa porque Anker
está sorrindo mesmo no meio de toda essa confusão de sentimentos. Acho que conseguir trazê-lo
do fundo da sua mente obscura é a melhor vitória que eu posso ter hoje.
Afinal, ele também tem essa capacidade sobre mim.
— É tipo um superpoder — murmuro, arrastando minha boca contra dele e envolvendo seu
pescoço com os braços.
— Céus, como você realmente consegue fazer isso? — pergunta enquanto os lábios deixam
os meus, seguindo na direção do meu maxilar. — Cheguei aqui parecendo o inferno na terra e, de
repente, estou completamente a fim de levar você para o meu quarto e repetir um pouco de
ontem.
— Não me oponho a ideia — revelo.
No mesmo instante, os dentes dele se cravam na minha pele.
— Vou te mostrar que não sou velho e aí você vai parar de me chamar dessa forma —
resmunga, segurando em minhas pernas e passando ao redor da cintura ao me carregar.
Respiro cada vez mais forte enquanto ele sobe as escadas e me carrega para o quarto. Com
absoluta certeza, Anker está malhando para conseguir fazer o percurso comigo no colo.
Meu coração acelera quando ele fecha a porta do quarto e me solta sobre a cama.
— Tire a roupa e me deixe ver você — pede em um suspiro.
Faço o que ele pede, deixando cada peça de roupa acumulada entre meus pés e me deito na
cama, sentindo o tecido dos lençóis sobre minhas palmas. Anker tira a camisa de inverno e a joga
no chão, mas não faz mais nenhum movimento. Apenas fica ali, em pé, me olhando como um
maldito predador enquanto estou nua sobre sua cama.
— Fica de quatro para mim.
Pisco algumas vezes, sentindo meu rosto quente.
— Sua filha está em um quarto desses corredores… — o lembro.
— As paredes são grossas — diz, impaciente. — Agora vire essa bunda para mim, querida.
Quero me enterrar em você.
Estremeço e faço o que ele pede. Escuto o farfalhar de roupa, mas não faço um movimento
de vê-lo, gosto da tensão que se cria no meu corpo.
Ele se ajoelha atrás de mim, envolve a minha garganta com a mão. Os dedos longos fazendo
pressão na minha pele e me puxa para trás, na direção do seu corpo. Minha cabeça descansa em
seu ombro e sinto seu pau roçar na minha boceta.
— Ninguém nunca te fodeu assim, não é, Heaven? — ele diz, sem esperar uma resposta. —
Com um desejo tão insano a ponto de quase perder a razão. — A língua desliza pela minha nuca,
enviando arrepios para o centro das minhas pernas. — E com tanto amor que está adorando seu
corpo a cada instante do dia.
Os dedos da mão livre encontram o meu quadril e, lentamente, eles encontram a minha
boceta. Anker moe o pau na minha carne úmida enquanto os dedos brincam com o meu clitóris,
esfregando minha umidade no ponto latejante.
— Anker… — resmungo.
Ofego, cedendo ao seu corpo. Ele abaixa a boca até a minha, tomando meus gemidos e
acelerando os movimentos dos dedos enquanto a ponta do seu pau finalmente desliza pela minha
abertura, me fazendo ofegar enquanto ele ainda continua movendo seus dedos no meu clitóris.
Desesperada por mais contato, exijo sua boca na minha ainda mais. Os dentes dele
machucam minha boca em uma luta enquanto ele entra e sai de mim. Gemo contra os lábios de
Anker e ele me solta, empurrando o meio das minhas costas até que eu esteja de quatro na cama,
sem nunca sair de dentro de mim.
As mãos dele seguram meu quadril e me puxa para trás, batendo sua pélvis na minha.
— Anker... — gemo baixinho, virando o rosto para vê-lo por cima do ombro.
Cada vez mais forte e mais rápido, me deixando ainda mais pronta. Sinto meu ventre se
contrair e fecho os olhos, apertando os lençóis com força. Empurro meu quadril mais para trás e
Anker bate com a mão na minha bunda.
— Não para, estou quase... — digo,
— Eu não vou parar. Vou te foder a noite toda, querida.
Me contorço embaixo dele, movendo os quadris e desesperada por mais enquanto minha
cabeça fica zonza. Ele está ali, duro, implacável me levando ao ápice enquanto segura firme no
meu quadril e eventualmente espalma minha bunda.
Toda vez as correntes elétricas cobrem pelo meu corpo.
Estou tão perto.
Tão longo e duro, Anker está grunhindo enquanto, cada vez mais, ganha intensidade. Ele
segura na minha nuca, me puxa pra cima e minhas costas grudam em seu peito.
Anker segura meus seios, a boca deslizando na pele úmida do meu ombro enquanto ele está
agarrando meus seios, brincando com os mamilos intumescidos. Inclino a cabeça para trás,
buscando por sua boca, mas Anker não me beija.
Ele me encara, ofegante, em meio a névoa de prazer.
— Quero gozar dentro de você — ele sussurra, a centímetros da minha boca.
Respondo com um gemido enquanto fecho meus olhos e meu corpo inteiro treme. Então
Anker segura os cabelos da minha nuca e vira minha cabeça para trás, entrando em mim com
mais força e me segurando sob seu domínio.
A boca dele toma o meu pescoço e sua mão encontra meu clitóris, aumentando ainda mais
meu orgasmo.
O som rouco do gemido de Anker e o pulsar do seu pau dentro de mim me fazem gemer
ainda mais enquanto o meu corpo todo o aperta dentro de mim.
Quando Anker para de se mover, eu o beijo, cansada e satisfeita.
Ele nos acomoda na cama, com a minha cabeça sobre seu ombro e o corpo enroscado ao
meu. Estamos ofegantes e totalmente molhados de suor quando finalmente ele me olha,
sorridente.
— Quem é o velho agora?
Solto uma risadinha, subindo no seu colo e colocando as mãos em seu peito.
— Aguenta mais uma? — pergunto, movendo meu quadril sobre o pau dele.
Posso sentir a umidade escorrer por minha boceta e ele geme, segurando minha cintura e me
incentivando a continuar.
— Você está acabando comigo, querida — diz.
Então, me gira na cama e fica por cima de mim.
Em seguida, Anker está novamente dentro de mim, me levando a mais um orgasmo.
Sinto uma agitação no peito quando o carro chega na galeria de Tom. É a última exposição e
não sei como me sentir sobre isso. É quase um adeus, mas… não posso pensar assim.
São apenas ciclos.
A vida é feita de ciclos e precisamos aprender a fechá-los.
Eu olho mais uma vez para o vestido que escolhi para a exposição de hoje. Um clássico
preto, saltos da mesma cor e lábios vermelhos. Algo no olhar de Anker me diz que acertei cada
parte da escolha, então me sinto extremamente confiante enquanto saímos do carro e
caminhamos na direção das portas.
Tom está tão sorridente e feliz que meu peito bate mais forte ao ver o homem de cabelos
brancos feliz. Ao seu lado, a esposa tem uma taça de vinho na mão e sorri tanto quanto o marido.
Eles conversam animadamente com alguns convidados.
O clima frio de dezembro está por cada parte, me fazendo apertar ainda mais o braço que
Anker está me dando suporte. Um vento sutil bate contra o meu rosto antes de eu empurrar a
porta de vidro, atraindo a atenção de algumas pessoas ali.
— Heaven! — Rosie praticamente grita, correndo ao meu encontro.
Não tenho muito tempo para pensar, já que Ed também vem na minha direção e eles me
abraçam tão forte que sinto minhas costelas reclamarem.
— Ei, assim vocês vão amassar o vestido da pessoa mais importante da noite — eu falo entre
uma risada.
Os dois me soltam e riem.
— Nos apresente o seu namorado — Rosie pede, segurando minhas mãos. — E você está
deslumbrante, garota.
Eu sorrio para os dois e faço as apresentações necessárias. Edward e Rosie são só sorrisos
para Anker, que é cordial e educado. No entanto, consigo notar a sutil tensão em seu corpo e ele
parece um pouco nervoso por ser apresentado para os meus amigos.
Anker está tão bonito dentro de um terno preto, combinando com o meu vestido. No entanto,
estou tão curiosa sobre sua expressão corporal que penso: ele quer uma aprovação?
Sorrio, embasbacada por ver esse homem desse tamanho um pouco nervoso com isso.
Deslizo os dedos sobre sua mão e as uno, transmitindo confiança e amor para ele, que me olha de
uma forma suave em seguida.
Em seguida, caminho com Anker até Tom, que está usando uma roupa social hoje.
— Tom! — cumprimento o homem com um abraço. — Eu não tenho palavras para
agradecer a chance de estar em mais uma exposição. Você sempre acreditou tanto no meu
trabalho, Tomás — falo, segurando a mão dele.
Ele sorri enquanto arruma o paletó azul e balança a cabeça de uma maneira sutil.
— Eu me sinto honrado, Heaven. Suas obras estão mais intensas do que nunca.
— Eu concordo plenamente — uma outra voz se sobressai.
Viro o meu corpo e meu peito parece bater forte novamente quando encontro os olhos de
Alex. Ele tem as mãos dentro dos bolsos da calça social, usa uma camisa azul e os cabelos estão
um tanto quanto bagunçados. Ele sorri timidamente quando se aproxima e beija o meu rosto.
— O Anker me falou da exposição e trouxe meu pessoal — Alex fala, apontando para o
canto da sala, onde uma mulher está com uma garotinha no colo.
— É tão bom te ver — falo, o abraçando.
Alex aperta os lábios.
— Espere, onde está a minha garotinha?
Engulo em seco, observando Anker.
— Em casa, com algum daqueles jogos dela — resmunga, mas parece feliz e calmo ao dizer.
— O que acha de uma visita? Temos até uma árvore de Natal na sala de casa.
Os olhos de Alex se arregalam e ele me olha em seguida, incrédulo.
— Heaven, você está operando milagres na vida do Anker.
Olho de soslaio para o meu namorado e sorrio.
— E ele na minha.
Sinto as mãos de Rosie nos meus ombros, apertando levemente e me viro para a minha
amiga.
Desvencilho-me dos meus amigos e começo a rodar a exposição, cumprimentando diversas
pessoas e explicando alguns quadros importantes da coleção. Com uma taça na mão e uma
conversa empolgada com um antigo professor, tenho certeza de que escolhi a profissão correta:
— Heaven, esse seu quadro, minha cara… — ele diz, com os olhos fixos na obra que escolhi
expor, um dos primeiros quadros que fiz na França. — Sua proposta foi muito além do que
esperava quando entrou no curso. É incrível ver sua evolução.
— Então posso me considerar aprovada? — brinco, levando a taça aos lábios e bebendo um
gole do líquido rubi.
— Terá que voltar para apresentar sua exposição — ele fala, chacoalhando a cabeça. — Até
lá, considere-se uma quase aprovada, mesmo já tento toda a bagagem acho que sua exposição do
curso algum dia será incrível. — E coloca a mão no meu ombro, me encorajando aquilo. — Eu
estou muito orgulhoso, Heaven.
— Eu também, professor Romanov.
Me despeço do professor, que engata uma conversa com outra pessoa e ando entre os
quadros. Paro na frente de um específico. Um lago escuro com montanhas tempestuosas ao
fundo está enevoado por nuvens brancas e cinzas.
— Heaven?
Viro meu rosto para a pessoa que me chama. Me assusto ao ver John com as mãos nos
bolsos de um terno escuro e um sorriso tenso nos lábios. Ele está distante, a mais de dois metros,
parecendo receoso.
— Oi.
Ele suspira antes de me encarar de cima a baixo com um olhar estranho ao se aproximar.
Novamente, viro-me para a frente do quadro e John faz o mesmo, encarando a obra. Não falamos
nada por um bom tempo.
— O que faz aqui?
— Tom me comunicou sobre a última exposição e vi seu nome nos artistas que estariam
aqui?
— Ah, sim…
— Queria me desculpar sobre o modo como agi na última vez que nós nos vimos — ele diz
em um tom baixo.
— Você foi um cretino — não me contenho e vejo seu rosto virar em minha direção, mesmo
que eu esteja encarando o quadro enquanto aperto a taça na mão, com força. — O nosso
relacionamento foi uma escolha de ambos, John. Sabíamos dos riscos. Você jogou todos eles
sobre o meu colo. — Finalmente viro o rosto para ele. — Mesmo com medo do que pudesse
acontecer, a sua atitude foi muito cruel.
Ele abaixa o rosto, encarando os sapatos.
— Acha que pode me perdoar?
— É claro que sim — digo, oferecendo um sorriso a ele quando me olha de novo.
Olho além dele, vendo Anker conversar com o irmão e me lançar um sorriso suave.
Sem tensão. Sem a pressão que seria como quando Brandon via um homem perto de mim. O
amor de Anker é libertador. E é exatamente por isso que sei que não devo guardar rancores de
John. Anker me ensinou deixar ir quando necessário.
Deixar ir a mágoa por John.
E deixar ir qualquer memória de Brandon, porque ele não merece nenhuma parte minha.
O olhar de John segue o meu e ele vê Anker. Quando volta a me encarar, John tem um
sorriso suave nos lábios.
— Você parece muito bem, devo dizer. Bem de uma forma… diferente.
— Acho que desabrochei — digo, pensando na analogia de Tom, recebendo um olhar
curioso de John. — Demorou muito tempo, mas agora eu sei onde me encontro.
Às onze horas, o último grupo de pessoas sai da galeria e Tom vira a placa de “aberto” para
“fechado”, poupando apenas algumas luzes ligadas no lugar. Caminho até a banqueta branca à
frente de um dos primeiros quadros da exposição e me sirvo mais um pouco de vinho. O senhor
caminha até mim e para ao meu lado.
— Vendemos todos os quadros.
Eu sorrio fraco enquanto empurro as sandálias pretas para fora dos pés e estico os dedos.
— Fico feliz — falo em um suspiro ao encarar a taça cheia.
— Não me parece satisfeita...
— Meu coração está pequeno por esse lugar — falo, sincera, observando o ambiente. —
Acho que vou vir aqui diariamente até você vender.
— Na verdade… — ele murmura. — Nós já vendemos.
— Ah…
— É a última noite. Aproveite enquanto puder. — Ele dá um tapinha no meu ombro. — Vou
lá atrás fechar as salas e ligar os alarmes. Fique à vontade.
Bebo um gole do vinho e toco os pés no chão gélido da noite, mesmo me mantendo sentada
na banqueta enquanto meu olhar se perde em cada detalhe do lugar.
A sineta da porta alerta a chegada de alguém e viro o rosto. Anker afasta alguns flocos de
neve dos ombros e sorri para mim enquanto retira o casaco pesado e coloca no cabide. Ele foi
colocar o carro na frente da galeria, já que estava um pouquinho distante.
Meu coração dispara quando eu vejo Anker Reeves parado na soleira da porta. Minhas
pernas não se movem e minhas mãos suam. Sinto como se fosse a primeira vez em que coloco os
meus olhos nele.
— O horário da exposição já está encerrado e os quadros todos foram vendidos — brinco.
A risada dele se faz no ambiente.
— Então precisamos de um jantar para comemorar.
Eu retribuo o sorriso largo dos seus lábios e mordisco o lábio inferior. Solto a taça e fico em
pé, ele caminha até estar na minha frente.
— Pés no chão, mesmo no frio — brinca, circundando a minha cintura com as mãos grandes.
— Esse é o meu negócio.
Ele abaixa o rosto e me beija de forma suave. Quando seus lábios se separam dos meus
minimamente, abro os olhos e suspiro, segurando o rosto dele com ambas as mãos enquanto ele
me aperta sutilmente na cintura. Anker respira fundo, mas não abre os olhos.
— Quero te dar o mundo, Heaven — ele sussurra contra os meus lábios e abre os olhos
verdes para mim.
Os olhos que eu sempre amei e venerei.
Os olhos que são a imensidão do mundo para mim e que fazem eu me perder e me encontrar.
— Meu mundo é onde você estiver, querido.
Ele me aperta mais forte, me abraçando e afundando a cabeça na curvatura do meu pescoço.
Deslizo os braços para em volta do seu pescoço e aperto ele contra o meu corpo.
Instantes depois, ele afasta o corpo do meu.
— Eu queria poder esperar até o Natal para lhe entregar o seu presente mas...
Estreito os olhos.
A risada gostosa toma conta do lugar e ele me rouba um beijo rápido antes de soltar a minha
cintura e caminhar até o casaco pesado pendurado ao lado da porta. Estranho em um primeiro
momento, mas acabo me pegando rindo quando noto sua expressão travessa.
Anker puxa um envelope, me causando um leve deja-vú por conta do envelope que abri em
Paris. Ele gira nos calcanhares e caminha de volta para mim, agora com um sorriso travesso e os
olhos brilhantes.
— Você precisa organizar uma exposição na Touchstone Gallery.
Ele fala, empurrando o envelope para mim. Uno as sobrancelhas, confusa, e rio sem graça,
pegando o envelope e abrindo enquanto falo.
— Deixe de ser bobo, Anker. O Tom vendeu a galeria.
Tiro o papel de dentro do envelope.
— Um dos donos da galeria está contratando uma exposição sobre a sua regência.
Olho brevemente para Anker e abro o papel. É um contrato. Um contrato de compra. Meu
nome e o de Anker.
— Anker... — eu falo, abrindo a boca e rindo. — Você... você...
— Feliz Natal adiantado, minha pequena.
Meus olhos cheios de lágrimas encontram os dele, serenos como a imensidão do céu. Ele
comprou a galeria para nós e eu não imagino como isso poderia ser mais especial.
Por mais que seja inverno e as ruas estejam cheias de neve, eu sei que estou começando a
viver a minha eterna primavera florida ao lado dele.
1 ano depois
O ambiente está cheio.
Tento equilibrar a taça nas mãos trêmulas enquanto sorrio para o casal à minha frente, que
elogia as obras de uma maneira tão exagerada que eu começo a ficar insegura se aquilo é
realmente verdade ou não.
De longe, vejo o professor Romanov conversar com Anker, que tem um copo com uísque
nas mãos e uma mão no bolso da calça social. Ele está usando um terno azul escuro, o que deixa
seus olhos ainda mais bonitos. Para combinar, também escolhi um modelo do mesmo tom.
O casal que fala comigo se dá por vencido quando Rubi chega perto de mim, dentro do seu
vestido vermelho elegante.
— Está tudo pronto! — ela sopra para mim e eu pisco para ela.
Ela vai até a poltrona do início do salão, onde Rosie e Edward estão conversando. Minha
enteada agora mora com Anker e isso foi um passo conturbado para nós, já que ela e a mãe,
Daniela, estão com a relação estremecida desde que ela descobriu sobre seu pai biológico.
Observo Rosie também, feliz ao lado do primo. Os dois estão conseguindo se manter na
minha rotina de uma forma agradável, já que agora Rosie era uma das artistas que eu exponha no
lugar.
Edward está com novos planos ligados ao trabalho, mas sua maior realização atual foi
finalmente conseguir terminar um programa de corrida de rua que ele aprendeu a amar. O que ´w
um pouco estranho, já que ele sempre foi do tipo preguiçoso.
Olho ao redor, avaliando todos no lugar.
Hoje é a inauguração da galeria de arte.
A nossa galeria de arte.
Além de uma galeria, também estamos oferecendo cursos de curta duração. Rosie será uma
das professoras e eu não posso estar mais feliz por trabalhar com algo que amo e ao lado das
pessoas que amo.
Por falar nisso, a minha relação com minha família também parece ter melhorado. Acho que
todos nós tínhamos cicatrizes, agora até troco mensagens eventuais com meus primos, já que
ainda é um pouco difícil me sentir bem com os meus tios.
Mag também está aqui com seu namorado francês. Ela parece feliz e orgulhosa demais.
Quase chorei quando ela disse que mamãe estaria orgulhosa deste lugar e de me ver assim,
realizada.
— Boa noite! — uma voz me acorda do devaneio.
Pisco algumas vezes, encarando o garoto ruivo na minha frente.
— Ah, oi… — Sorrio para ele.
— Acho que você não se lembra, mas nós nos conhecemos há algum tempo nos jogos
universitários.
— Ah, sim… me perdoe — resmungo, sorrindo de forma nervosa por não lembrar do nome
dele.
Ele estica a mão para mim.
— Meu nome é Sirius. Sirius Saturn Northwar.
— Espera! — Aperto a mão dele entre uma risada. — Saturn tipo a Emma Saturn, a artista?
Ele apenas sorri para mim e desvia o olhar para algo atrás de mim. Assim que a mulher ruiva
surge ao meu lado, sorridente demais, acho que minha cabeça para de funcionar.
— Essa é minha mãe, Heaven. O nome dela é Emma Saturn.
Não posso acreditar nisso.
Estou a ponto de morrer do coração quando ela estica a mão para mim. Seu sorriso é suave e
ela tem um cabelo ruivo tão bonito quanto nas inúmeras fotos que vi dela na internet. Quando
estico a mão e aperto sua palma, posso sentir o suor em minha pele.
— Meu Deus, eu… Eu não sei o que dizer — digo, sentindo o meu estômago em festa.
Emma com certeza é uma das minhas grandes inspirações para a pintura.
— Tudo está lindo, querida — a ruiva diz. — Eu adoraria vir aqui com mais calma para
conversarmos.
— É claro que sim! — quase grito.
— O seu trabalho está sendo maravilhoso com a revitalização do lugar e a reinauguração —
Sirius revela e então sorri. — Precisamos voltar para a nossa família, mas espero que em breve
vocês consigam conversar, sim?
Quase não me movo quando os dois ruivos caminham até o canto da exposição. Um
grandalhão ruivo está lá e abraça Emma, e logo Sirius se aconchega em uma garota de cabelos
coloridos e sorriso fácil.
Ainda acho que estou morrendo do coração, até que uma mão pesada pousa na minha cintura
e eu me viro para ver Anker com seu sorriso tímido e um olhar orgulhoso.
— Fiz algumas ligações e um convite chegou na caixa postal da senhora Saturn.
— Ai, caramba, eu te amo! — murmuro, virando-me para ele ao beijá-lo enquanto sorrio.
Alguns garçons passam com petiscos e taças de vinho cheias. A música do piano com
violino no canto do lugar ressoa tão bem que tudo parece surreal. Ele aproxima o corpo do meu e
sussurra no meu ouvido:
— Se eu quiser colocar um anel na sua mão hoje, você acharia muito óbvio?
Levanto os olhos para ele, sentindo um turbilhão de sensações passarem pelo meu corpo. Eu
já tinha visto o anel. Em um dos dias que Anker precisou ir a uma entrevista na televisão, estava
organizando as suas roupas nos armários e a caixinha de veludo preta caiu da parte mais alta do
seu lado do armário. Só não imaginei o momento que ele faria o pedido.
Engancho a mão na dele, sentindo meu corpo todo formigar de excitação.
— Percebe que está fodendo com a surpresa desta maneira? — pergunto, colocando a taça
de vinho em cima de uma mesa.
Ele sorri contra os meus cabelos soltos e beija a minha têmpora.
— Como se você não soubesse que vou fazer o pedido hoje… — Concordo com um
movimento da cabeça e sorrio enquanto me viro para ele. — Eu amo você, Heaven Williams.
— Eu também amo você.
Anker aproxima o corpo do meu e segura na minha nuca, puxando-me para perto dele e
depositando um beijo demorado ali. Logo nós estamos circulando o lugar mais uma vez.
— Bom, com licença a todos.
Estou ao lado de Mag quando Anker toma o microfone, aumentando um pouco do volume.
— Eu gostaria de expressar toda a minha felicidade no dia de hoje, onde estamos
reinaugurando a galeria sob curadoria da artista plástica Heaven Williams. — Uma salva de
palmas começa e sorrio para alguns convidados. — Como essa é uma galeria de arte, nada mais
justo que começarmos essa cerimônia nada convencional com uma música. Bom, eu poderia até
comentar inúmeras frases de poetas ou estrofes de músicas para explicar a todos vocês o que
estou prestes a dizer. Contudo, foi com a música que eu e Heaven cruzamos o nosso caminho.
Dentre todas as artes, foi através de um piano e um lindo pôr-do-sol que eu coloquei os meus
olhos nela pela primeira vez — ele diz, agora pousando seu olhar em mim e fazendo-me corar.
— Nada mais justo que iniciar uma nova etapa das nossas vidas da mesma maneira.
Ele sorri, largando o copo de uísque em cima do piano. Os músicos olham entre si e eu
acabo rindo baixinho, notando que ele também preparou uma surpresa para mim. Anker se
acomoda no piano e começa a tocar.
Ele escolhe “Woman” do John Lennon para esse momento.
Noto as lágrimas descendo pelos meus olhos apenas quando fungo, secando rapidamente
com o lenço que Mag me oferece. Anker solta o microfone, mesmo os músicos continuando a
tocar a melodia da música.
Seus passos até mim são calmos e confiantes.
Ele para na minha frente e desce o corpo, colocando um joelho no chão e tirando a caixinha
do bolso.
— Eu achei que eu já tinha encontrado amor nessa vida, Heaven. Mas nada é comparado a
algo que você sabe que não pertence apenas à essa vida. Nós somos eternos. Nossas vidas foram
traçadas para estarem sempre uma com a outra. Você me tem e eu te tenho. Aceita dar mais um
passo comigo, Heaven? Você quer ser minha esposa? — ele pergunta, sorridente e com os olhos
marejados de lágrimas.
Agora eu sei que qualquer pessoa que tenha passado na nossa vida foi apenas um degrau
para estarmos no topo disso tudo. Tudo o que passou foi importante para a nossa evolução.
Assinto, sentindo as mãos trêmulas quando ele se levanta e coloca o anel de pedra solitária.
Ele aperta os dedos nos meus, levando-os até os lábios e beijando minha mão.
O casamento é só mais um passo, porque há tantos para continuarmos juntos.

Estou terminando de fechar a porta da frente quando escuto Anker.


— Eu já desliguei as luzes dos fundos. Podemos ir para casa? — ele pergunta, abraçando-me
por trás e beijando levemente o meu pescoço.
Meu sorriso cresce. Nós estamos praticamente morando juntos faz um tempo, então acredito
que em breve precisarei fazer uma mudança para a sua casa. Este processo não aconteceu ainda
pela adaptação de Rubi. Apesar de sermos ótimas amigas, quisemos ir com calma.
Seguro a mão dele.
— Não. Eu tenho uma surpresa — falo, sorrindo. — Pintei uma tela especial para nossa
casa.
Ele arqueia as sobrancelhas e sorri largo.
— Meu presente de noivado para você.
Eu seguro em sua mão e ele vem comigo. Caminhamos entre o corredor principal até os
fundos do lugar, onde estão as salas de pintura. Quando toco a maçaneta da sala que está no
quadro, ele ri atrás de mim.
— Não me diga que está me trazendo para cá para transarmos, Heaven.
Eu o olho por cima do ombro e rolo os olhos.
— Isso a gente faz em casa, bonitão.
Ele gargalha e eu abro a porta da sala. Ele entra comigo e acendo as luzes. Seus olhos
percorrem o lugar que Rubi arrumou mais cedo. Lírios amarelos estão espalhados pelo chão e um
cavalete está no meio da sala. Nele, um quadro pintado com lírios tão amarelos quanto os do
chão está exposto.
— Lírios? Qual é a mensagem por trás disso?
— Lírios são flores que representam inocência, pureza e paz. É isso que sinto com você, com
o nosso amor.
Anker caminha entre as flores e chega perto do cavalete e o meu coração se descompassa
quando ele nota a pequena imagem apoiada no canto do quadro. Sinto minhas bochechas úmidas
com as lágrimas que descem e ele vira o corpo para mim, segurando a imagem.
— Heaven... — ele fala. Os olhos nos meus, úmidos com lágrimas.
Eu assinto, sentindo um nó na garganta.
— Quatro meses. É uma menina.
Anker relaxa os ombros e caminha em passos largos até mim, me abraçando com força.
Sinto meu corpo todo relaxar e ele beija a minha testa.
— Esse é o melhor presente de todos — sussurra, rindo.
Ele se afasta um pouco, apenas para nos olharmos. Anker toca as mechas do meu cabelo
com a ponta dos dedos e sorri.
— Podemos chamá-la de Lily — fala, aproximando o rosto do meu.
Eu sorrio.
— Eu gosto de Lily.
A mão dele toca a minha barriga pela primeira vez.
Anker foi o começo para tantas mudanças dentro de mim que eu jamais conseguiria
compreender o tamanho da nossa conexão. Foi ele que me deu suporte para me encontrar dentro
de mim mesma. E agora, ao lado ele, sei que é onde me encontro.
2 anos após o epílogo
— Rubi, por favor, traga a Lily para o carro — peço, pela milésima vez.
— Já estou indo, papai — ela fala, um pouco impaciente enquanto tenta colocar uma tiara de
pérolas no meio do cabelo da pequena.
A mais velha bufa, desistindo do adorno e pegando a pequena no colo.
Lily solta uma risada alta, como se estivesse em seus planos não usar nenhuma tiara naquele
dia. Rubi tenta ficar brava, mas na hora que Lily segura seu rosto com as mãozinhas gorduchas e
beija sua bochecha, ela se derrete e sorri.
Rubi virou uma adolescente de dezessete anos cheia de opiniões fortes e roupas estranhas.
Ela entrou em uma fase k-popper-emo-rockeira. Trocou o rosa pelo preto e agora está tentando
me convencer a pintar as pontas do cabelo de vermelho. Heaven é a favor e eu prometi que
poderia ser um presente de Natal. Com Heaven ao seu lado, eu sei que ceder será uma questão de
poucos dias ou horas, já que quando a minha garota olha para mim com seus olhos brilhantes, eu
coloco meu mundo aos seus pés e aceito qualquer proposta maluca que ela me faça.
Hoje, por exemplo, Rubi está usando um vestido preto com uma saia rodada, All Star
vermelho e uma meia furada que eu acredito que tenha um nome específico, mas só consigo
pensar em uma rede de saca de batatas na cor preta. Não que eu ache feio, mas é estranho.
Heaven diz que é lindo e eu acredito.
Lily é uma criança calma. É incrível como ela se parece com Heaven. Os trejeitos, os
sorrisos e até mesmo o rostinho vermelho quando lhe pego fazendo alguma travessura. Lily
adora ouvir histórias e para ganhar a pequena, basta lhe fazer um carinho gostoso nas costas ou
lhe encher de beijos. Nunca vi uma garota gostar tanto de beijos e de falar “eu te amo”, que
curiosamente foi sua primeira frase após dizer “mana” como a primeira palavra (Rubi morre de
amores até hoje com esse fato).
Meu pequeno anjo está vestindo uma meia calça branca, que combina bem com seus olhos
verdes e seu cabelo trançado, com alguns fios castanhos soltos (os quais se soltaram quando ela
tentava fugir da irmã em uma corridinha engraçada). Não posso deixar de mencionar os All Star
verdes que Rubi comprou para ela no último Natal.
— Todos prontos? — pergunto, entrando no carro e colocando o cinto de segurança.
— Simmmm!
Ouço uma resposta animada de Lily. Rubi se senta ao meu lado e coloca o cinto de
segurança pacientemente. Depois pega o seu smartphone e tecla algumas vezes, soltando uma
risadinha no final.
— Heaven disse que precisa terminar de se arrumar ainda, ela me mandou uma foto toda
suja de tinta.
Dito isso, Rubi estica o telefone para que eu veja uma foto de Heaven com tinta verde no
rosto e braços. Hoje ela está coordenando uma oficina de pintura para crianças. Eu rio,
manobrando o carro com cuidado.
— Ela vai precisar tirar toda essa tinta nos próximos vinte minutos. Não podemos nos
atrasar.
— Nossa, pai, como você tá nervosinho, viu?! Vai dar tudo certo — Rubi fala enquanto
conecta o aplicativo de Bluetooth no rádio do carro e coloca uma música de uma banda de
coreanos que ela adora.
Tento não revirar os olhos, porque preferia que a minha pequena estivesse ouvindo rock
clássico. Heaven sempre conversou comigo sobre a importância de respeitarmos as fases dos
nossos filhos e acabamos rindo sobre os nossos gostos musicais na adolescência.
Sigo com tranquilidade pelas ruas de Washington, indo até a galeria que Heaven está
regendo. O lugar realmente ficou um charme após a obra. Diminuo a velocidade ao chegar perto
da propriedade, que agora possui um pequeno estacionamento no início da extensão do terreno.
Estaciono na vaga mais próxima a porta e, antes de descer do carro, viro-me para as minhas
filhas e digo:
— Eu vou buscar a mamãe, então por favor... O assunto surpresa e presente está totalmente
proibido, certo?
Elas assentem. Lhes lanço uma piscadela e consigo ouvir o gargalhar de Rubi, que não
consegue conter o sorriso depois de passarmos o dia todo preparando a surpresa de Heaven.
Desço do carro e fecho o botão do paletó, avaliando através do reflexo na janela do carro se
estou apresentável para buscar a minha noiva no fim do seu expediente. Caminho até conseguir
atingir as portas duplas da entrada do ateliê. Logo a cabeleira castanha de Heaven vem dos
fundos. Vejo suas bochechas coradas e os cabelos um pouco sujos ainda. E ela não está menos
linda. Na verdade, ela está maravilhosa.
No instante que Heaven me vê, ela sorri.
Ainda atrás do balcão, retira o avental e revela um belo vestido longo escuro.
Quero rir, ela estava comandando um curso dessa forma?
Ela coloca o avental em algum lugar na parte interna do balcão e retira de lá um par de
sapatos pretos bem lustrados e uma pequena bolsa, que eu julgo ser de maquiagens. É a cara dela
se maquiar dentro do carro.
Heaven caminha até mim, saltitante e sorridente. Quando chega perto o suficiente, lhe
abraço pela cintura e trago-a para perto de mim. Eu sorrio igual um idiota ao vê-la tão feliz.
— Que saudade! — digo, roubando um beijo rápido dos seus lábios.
— Você acordou comigo, querido — fala como se fosse um absurdo eu sentir sua falta.
Ela ri no instante seguinte.
— Você saiu de casa às sete horas e agora são seis horas da tarde. Não almoçamos juntos
hoje e isso é algo que me deixa um pouco sedento de você.
Ela continua rindo, plantando um beijo na minha bochecha e sorrindo.
— Eu sei. Eu também fico assim, amor — confessa, enganchando o braço no meu e
caminhando comigo para fora. Me despeço da recepcionista e lanço uma piscadela no fim, já que
temos um segredo para a minha esposa. — A cerimônia começa às sete e meia e ainda precioso
me maquiar — fala, abanando o rosto por conta do rubor de suas bochechas.
— Tudo bem, querida. — digo, beijando a bochecha antes dela soltar o meu braço e entrar
no carro. — Oi, meus amores — escuto Heaven dizer, enquanto Rubi e Lily falam ao mesmo
tempo, sobrepondo uma a voz da outra.
De repente, tudo vira uma bagunça, onde cada uma delas acha a sua fala mais importante e
quer a atenção da minha noiva. Com muita calma, ela tenta organizar a bagunça e divide a
atenção na conversa com as crianças e se maquiar no pequeno espelho do carro. Eu admiro para
caramba essa mulher. E estarei sorrindo para ela quando finalmente ela se formar no curso que
interrompeu quando tudo aconteceu com Brandon.
Finalmente ela dará um final digno a sua história com a instituição que tanto batalhou para
estudar.
Mais uma etapa ao lado dela.
E eu quero passar por cada uma delas.

O sorriso da minha garota é a coisa mais linda do universo.


E, caramba, quando ela finalmente sai da sala do pequeno cerimonial, em um pulinho
engraçado, eu sorrio. Logo que ela abraça um colega de classe e depois uma outra amiga, seus
olhos vêm para o meio da multidão. Lily está sentada nos meus ombros e acena para a mãe,
contudo, os olhos dela são todos meus.
Mesmo depois de tanto tempo, o nosso olhar continua tão intenso como no começo do nosso
amor. Ela murmura um “eu te amo” e consigo ler com perfeição em seus lábios. Rubi está ao
meu lado e não para de fazer fotos da formatura, me pedindo permissão para postar algumas no
seu Instagram privado.
Meu coração enche de orgulho quando a morena desce do palco e caminha entre as pessoas.
Cutuco Rubi e ela ri, pegando o presente que trouxemos para ela. Primeiro, Heaven cumprimenta
Mag e o namorado, que estão sentados em umas das primeiras cadeiras do salão, visivelmente
emocionados. Depois, os três caminham até o fundo do salão.
Logo que ela chega, beija Rosie e Edward. Quando levanta o olhar para Rubi, seus olhos
marejam pela trigésima vez desde que chegamos ao cerimonial. Heaven está visivelmente
emotiva no dia de hoje e não é para menos, ela sonhou muito com essa finalização.
Heaven pega o buquê de calêndulas que a mais velha lhe entrega e a beija na bochecha
demoradamente. Depois, ela se aproxima finalmente de mim e dá atenção à nossa filha mais
nova. Tiro a pequena dos ombros para que ela consiga beijar e abraçar a mãe de maneira
confortável. E assim ela faz, murmurando incessantemente como ela é linda e o quanto a ama. E,
caramba, parece passar uma eternidade até eu tê-la nos meus braços. Assim que a tenho, lhe
aperto contra o meu corpo e beijo a curva do seu pescoço, vendo-a arrepiar.
— Parabéns, meu amor. Eu te amo! — sussurro.
Ela sorri, beijando o meu rosto e se afastando ao tentar equilibrar o buquê em uma mão e
limpar as lágrimas com a outra.
— Agora podemos finalmente nos casar. — Ela ri, nervosa.
Sim, nós ainda não nos casamos. Depois de dois anos de noivado, nós ainda não nos
casámos.
Lily teve um problema respiratório grave nos primeiros seis meses, o que fez Heaven ficar
um bom tempo afastada do trabalho e da vida educacional. Após o primeiro ano da nossa filha,
ela se dedicou de corpo e alma a galeria.
Dou graças aos céus por essa mulher ter entrado na minha vida e nós dois termos um grande
timing, já que, quando Lily fizera um ano, após uma pequena comemoração e todas as crianças
dormindo, nós dois nos jogamos na piscina de bolinhas da festa e ficamos como dois
abobalhados olhando para o teto e apenas respirando em paz. Foi quando ela propôs que
fizéssemos a festa apenas quando ela finalizasse mais uma etapa importante.
Aliso o rosto da minha futura esposa com um sorriso grande nos lábios.
— Acho que está na hora de eu te dar uma nova joia, não é mesmo? — digo enquanto a
minha mão livre alcança a sua mão esquerda e brinco com o anel de noivado do dedo dela.
Ela assente, com os olhos brilhosos. Esse é o meu sinal verde para finalmente dizermos
“sim”.

Heaven entra no carro com uma expressão confusa no rosto enquanto analisa a tela do
telefone.
— Vamos precisar passar na galeria. Dominic disse que aconteceu alguma coisa com uma
escultura que chegou. — Ela vira o rosto para mim e mordisca o lábio como quando está
nervosa. — Será que os convidados da recepção vão ficar chateados?
Eu lhe olho de soslaio.
— Não, querida. Apenas avise a Mag e seus amigos, já que eles já devem ter chegado no
restaurante.
— Sim. Eles me disseram que os seus pais já estavam aguardando os dois. Você acredita que
eles estão organizando uma viagem para a Itália no fim do ano? — ela fala em descrença, rindo.
— Mamma mia, será um terror — brinco.
Conduzo o carro até a galeria e Heaven parece impaciente. Ela brinca com o anel de noivado
e morde os lábios mais vezes do que o necessário.
— Ei... — chamo sua atenção, colocando a mão em seu joelho enquanto dirijo apenas com
uma mão, já que estamos na rua da galeria. — Tudo vai dar certo.
— Espero que sim — ela diz, nervosa.
— Confia em mim. — Pisco para ela, que ri.
Quando chegamos à frente, instruímos as garotas a ficarem dentro do carro e saímos juntos
para a entrada. Caminhamos cuidadosamente até a porta.
— Não acredito que esqueceram o som ligado — ela fala, colocando a chave no trinque e a
girando.
No instante que ela abre a porta, eu preciso segurar na base de sua coluna para que ela não
caia.
Todos estão aqui.
Eu sorrio para Mag, Maurice, Emily, Rosie e Edward.
Todos os nossos amigos e parentes mais próximos estão no grande salão, agora decorado
com crisântemos laranjas. Cada detalhe pensado com cuidado junto à decoradora e feito em uma
velocidade ímpar por conta da surpresa.
No canto inferior do salão, uma grande mesa recheada com os doces. O cheiro de damascos
e nozes invade o ambiente e aposto que a equipe de cozinha contratada está cozinhando os
raviólis.
— Meu! Deus! — ela fala, boquiaberta.
Logo os passos ligeiros de Rubi e Lily surgem, elas se enroscam em nossas pernas. Abraço
Heaven pela cintura e lhe beijo no rosto. Sinto as suas bochechas molhadas e sorrio ao notar que
ela se emocionou com a surpresa. Seu corpo está levemente trêmulo e uso a outra mão para lhe
dar mais estabilidade. Surpreendo-me quando ela se joga no meu pescoço, o abraçando. A puxo
para mim e beijo seu rosto.
— Obrigada. Obrigada.
Eu a beijo mais uma vez.
— Tenho mais uma surpresa. — Suspiro, tomando coragem para lhe dizer. — É que... —
Abaixo a cabeça por breves segundos, segurando as mãos dela e as trazendo para os meus lábios,
beijando-as com cuidado, estou pouco me importando que todos estão vendo. — Eu quero saber
se você aceita casar comigo o mais rápido possível, aqui, nessa galeria, onde me apaixonei pela
sua arte. Então, Heaven Williams, você aceita?
Ela molha os lábios com a língua, tentando focar em algum ponto do meu rosto. Vejo as
lágrimas correrem pela sua pele clara enquanto ela sorri largamente para mim. A resposta vem na
forma de um beijo e logo que ela solta meus lábios, vem até meu ouvido e sussurra:
— É bom ter torta de maçã, ou eu não caso! — Ela ri contra o meu ouvido e, porra, é a
risada mais linda do mundo. A aperto um pouco mais para mim, agora sentindo o meu lábio
tremer em um choro de felicidade. — Eu te amo, Anker Reeves.
Fecho os meus olhos e sorrio. Silenciosamente, eu agradeço por ter essa mulher na minha
vida.
5 anos após o epílogo
Observo a minha mulher deitada no meio da cama de casal.
Minha. Mulher.
Isso ainda parece insano.
O sol do verão parece ter algo diferente nessa manhã, aquecendo o ambiente de maneira
profunda. Pode ser apenas uma divagação estúpida, ou talvez minha cabeça apaixonada esteja
associando toda essa mudança intensa no ambiente por causa da forma leve como meu coração
bate.
Um sorriso sutil cresce nos meus lábios ao constatar a forma como as batidas do meu
coração parecem aumentar à medida que Heaven se mexe na cama, deixando com que o lençol
penda sobre seus quadris e eu consiga ver um pouco mais de sua barriga grávida.
Caramba, como é possível se apaixonar por uma mesma pessoa todos os dias?
Eu me movo, a fim de não acordá-la, afinal, se eu continuar observando seu descanso
provavelmente colocarei minhas mãos nela e Heaven está tendo problemas para dormir por causa
dos bebês.
Bebês.
É extremamente bizarro pensar que existem dois seres pequenininhos no ventre de Heaven.
E mesmo com trinta e oito anos, me sinto pronto para ser pai de gêmeos.
Caminho para longe, vou até o quarto da nossa pequena Lily para ver se está tudo bem. A
garotinha de cabelos castanhos e pele clara não está na cama, o que me causa um nervosismo.
Logo abro a porta do quarto de Rubi e meu coração se alivia ao ver as duas deitadas juntas
na cama da mais velha, que daqui alguns meses estará cursando a especialização de
administração. Como é surreal ver minha filha de vinte anos, praticamente agarrada a pequena de
cinco. Nosso cachorro está dormindo nos pés da cama.
Vou para a cozinha, determinado a fazer um café da manhã para as minhas meninas. Depois
que Rubi me fez frequentar algumas aulas de culinária com ela e Heaven, aprendi o básico.
Abro os armários tentando fazer o mínimo de barulho. Consigo colocar a cafeteira para fazer
um pouco de café e me concentro em preparar ovos e bacon. E como se fossem monstros
movidos por comida, assim que os ovos estalam na manteiga em uma das frigideiras, e as tiras de
bacon em outra, posso ouvir o som de passos na escada.
Não me dou ao trabalho de virar para ela, porque sempre ela faz da mesma forma pela
manhã.
Mexo os ovos e adiciono um pouco do tempero amarelo em pó. É neste exato instante que
ela envolve seus braços na minha cintura e descansa a bochecha no meio das minhas costas.
— Bom dia, amor! — eu digo, movendo a espátula nas tiras de carne defumada.
Ela puxa o ar profundamente e praticamente consigo ouvir seu sorriso enquanto ela se
aninha mais em mim.
— Bom dia... — diz entre um bocejo. — Seus filhos me acordaram com chutes.
Eu solto a espátula e me movo sutilmente até que esteja de frente para um dos móveis da
cozinha e giro no eixo, encaixando as mãos no quadril dela. Escovo os fios de cabelo bagunçados
para longe do seu rosto enquanto meus olhos percorrem o pescoço exposto, já que ela usa uma
camiseta minha e a gola parece um pouco grande para o seu colo estreito.
— Que grande mentirosa, você acordou com o cheiro de comida e está colocando a culpa
nos nossos pequenos — murmuro, espalmando a mão na sua barriga proeminente.
Ela sorri sutilmente, comprimindo os lábios.
— Vejo que você tem um lado nesse negócio.
Estico a mão e desligo as duas bocas do fogão. Só então os olhos castanhos da minha esposa,
que tanto amo, desviam do meu rosto e observam o nosso café da manhã.
— Nossa, realmente parece bom. Você tem melhorado nessa coisa de café da manhã, nem
parece mais uma gororoba — brinca assim que se desvencilha dos meus braços e caminha na
direção do armário dos pratos.
Eu bato em sua bunda, fazendo ela dar um pulinho.
— Sem essa, querida.
Heaven continua sorrindo enquanto dispõe os pratos na mesa e eu me concentro em despejar
a comida ali. Em seguida, ela busca as canecas e enche apenas uma de café, já que ela não pode
tomar café por causa dos bebês.
Descanso contra o assento depois de deixar as duas frigideiras na pia e então enfio uma
porção generosa de ovos e bacon na boca.
— Tudo certo com a próxima exposição?
— Sim, claro. Estou treinando bem a nossa funcionária nova, sem contar que a Rosie estará
lá para dar uma ajudinha enquanto fico em casa cuidando dos bebês.
— Muito bem. Consegui fechar uma proposta interessante para uma tradução em português
e espanhol do meu livro. Se tudo der certo, os meus agentes falaram que as grandes produtoras
podem se interessar e querer reproduzir para o cinema, acredita? — digo enquanto busco a xícara
de café e bebo um gole generoso.
— Uau, é sério?
— Sim. Isso pode ajudar com a compra daquele café que a Rubi ama. Vou amar entregar ele
de presente para ela após a especialização em administração.
O sorriso dela parece ganhar o dobro do tamanho anterior quando falo dos sonhos da minha
filha mais velha.
— E pensar que Rubi quer mesmo ficar em Washington para morar… — ela diz em um tom
brincalhão. Ela pesca um pedaço de ovo com a ponta do garfo e aponta para mim — Você acha
que realmente é o que ela deseja ou está apenas querendo participar da vida dos gêmeos?
Dou de ombros.
— Ela já é grande o suficiente para tomar as próprias decisões, querida. Não vamos
interferir. Ela parece feliz, está até mesmo opinando sobre a mobília do quarto deles —
completo, terminando o monte de comida que servi.
Heaven rola os olhos e depois empurra o prato, também vazio.
— Só tenho medo dela limitar seus sonhos por causa da gente. — Ela solta uma risadinha e
bebe um pouco de suco. Seus olhos desviam do meu rosto e ela encara o relógio em cima da
geladeira. — Já são oito horas. Podemos aproveitar para ver o papel de parede do quarto, o que
acha? — ela para, sacudindo a cabeça. — Quer dizer, primeiro precisamos dar banho na Lily e
café da manhã… provavelmente isso vai se estender até perto do almoço.
— Gosto dessa ideia — respondo enquanto pesco o telefone na calça de moletom e faço uma
reserva online no restaurante que gostamos. — Podemos almoçar com as meninas e também dar
uma passada na galeria. Mesmo que seja sábado, quero dar uma olhada.
Heaven sorri para mim. Eu não costumo ir mundo lá. E agora que ela está se afastando aos
poucos do lugar, estou tentando estar mais presente. A minha esposa salta da cadeira e vem até
mim, deslizando para o meu colo e abraçando o meu pescoço. Ela me beija rapidamente e sorri
entre o movimento.
Deixo meus dedos encostarem em suas costas e acaricio o lugar sutilmente enquanto encaro
seu rosto feliz. Isso é tudo o que eu preciso.
— Você é sempre tão atencioso… gosto dessa sua forma de papai-urso protetor. É sexy.
Heaven traz seu rosto para perto do meu. Consigo sentir resquícios do seu perfume e inalo o
aroma enquanto subo as mãos pela sua coxa desnuda. Um pequeno gemido sai de minha
garganta quando noto que ela está usando apenas a calcinha e continuo a subir, podendo sentir
sua pele eriçar sob meu toque. A seguro pela cintura, agora com os dedos cavando em sua pele
enquanto a trago para mais perto.
Seus olhos parecem ganhar um tom sombrio enquanto ela lambe os lábios.
Eu a pressiono contra o meu quadril. Não posso controlar meu corpo e minhas reações. Eu
estou duro pelo simples fato dela ter se sentado no meu colo e me olhar daquele jeito totalmente
mordaz que faz e eu amo.
O dedo indicador dela desliza pelo meu peito nu enquanto continua sorrindo. Seus olhos
prendendo-se nas minhas cicatrizes que um dia odiei e agora aprendi a aceitar.
Heaven se aproxima mais e morde meu lábio inferior, sua língua acompanha o movimento.
Praticamente rosno quando ela move os quadris contra a minha ereção, contribuindo para o meu
lado primitivo perder o controle.
— Acho que podemos nos atrasar um pouco para o passeio — ela murmura.
Eu não perco tempo.
A seguro pela cintura enquanto meus lábios batem nos dela, famintos. Ela retribui e não
deixa de sorrir enquanto move seus lábios contra os meus e sua língua dança contra a minha
assim que a levo para o nosso quarto.
Empurro a porta do quarto com o pé e acomodo Heaven em cima da cama. Seus fios se
espalham pelo edredom de cor clara e, apesar da luxúria, ela sorri. E é a melhor coisa do mundo.
Perco algum tempo observando seu corpo. Posso ver a necessidade crescente nos olhos dela.
Suas pupilas estão dilatadas e ela aperta as coxas de uma maneira sutil, mas o suficiente para me
fazer sorrir de maneira perversa.
— Está ansiosa, amor?
Ela não responde, mas assente. Seguro em seu tornozelo a puxo para o fim da cama. Me
coloco entre suas pernas e afasto seus joelhos enquanto meus olhos fixam-se no rosto de Heaven.
À medida que minhas mãos sobem por suas pernas, na direção do quadril, ela perde o ar. A
cada centímetro, sinto sua pele eriçar sob minha palma e seus pequenos arquejos me fazem
querer ignorar a calma e ir com pressa. Com sede de Heaven.
Apesar do instinto primitivo e do meu pau dolorido, encosto meus lábios na parte superior da
sua coxa.
— Seus olhos me dizem coisas terríveis, querida.
— E quais seriam? — ela murmura com a voz um pouco abafada.
Sorrio contra sua pele e movo meus lábios na direção do interior das suas pernas ao mesmo
tempo que minhas mãos espalmam seus joelhos e afastam o máximo que consigo para comportar
meu corpo ali.
Mordo a pele sensível e ela tira as costas da cama por um breve momento. Suas mãos vêm
de encontro aos meus ombros, mas não me afasto muito. Apenas o suficiente para encarar seus
olhos.
— Você tem tesão acumulado em cada célula desse corpo.
Heaven está com as bochechas vermelhas. Ela pisca algumas vezes e sua respiração engata
um ritmo frenético enquanto meu rosto se aproxima do meio de suas pernas.
— A gravidez me deixa um pouco insaciável.
Meus olhos ainda estão nos dela quando minha boca atinge a altura perfeita.
— Precisamos fazer silêncio, ou as meninas podem acordar.
Os dentes pescam o lábio inferior e ela não diz mais nada. É quando finalmente meus olhos
descem até o meio de suas pernas e eu consigo sentir as bochechas doerem de tanto sorrir.
— Você está molhada, amor.
Percorro meus dedos levemente por cima da calcinha preta de algodão e ela remexe o
quadril, um pouco impaciente. Com um sorriso lascivo, apoio uma mão em seu quadril para que
ela para de se mover e me concentro em empurrar sua calcinha para a virilha.
O centro úmido me faz salivar.
Encosto a ponta dos dedos na carne molhada e ela geme o meu nome. É a melhor sintonia do
universo.
— Não me maltrate, Anker— choraminga, já que estou apenas encostando sutilmente em
sua carne.
Empurro os dedos para dentro, brincando com sua entrada e seu calor me abraça. Heaven
finalmente deixa seus quadris mais calmos e eu me aproveito do movimento para apoiar o braço
na cama. Olho de soslaio para a garota com a cabeça enterrada no travesseiro, aproveitando o
toque, e finalmente encosto meus lábios nela, ao mesmo tempo que empurro os dedos para
dentro.
— Anker... — ela ofega, segurando meus cabelos e empurrando o quadril para o meu rosto.
Deixo minha língua abri-la e bato em seu ponto inchado, fazendo com que ela empurre os
calcanhares no colchão. Concentro os movimentos em seu clitóris enquanto meus dedos entram e
saem do seu calor apertado.
Ela está quente e, quando giro os dedos dentro dela, Heaven tira as costas da cama.
— Meu Deus... — ela grunhe enquanto continuo bombeando para dentro.
Tiro os lábios de seu clitóris apenas para ver o conjunto que é Heaven enquanto está tomada
por prazer. Ela ainda está de camiseta, mas suas mãos estão em seus seios inchados e grandes, eu
praticamente rosno.
— Aperte seus peitos, amor — digo.
Ela abre os olhos e me encara.
— Agora — profiro enquanto empurro com mais força.
Heaven faz, apertando os dedos nos seios e concentrando o polegar em seus mamilos duros
contra a camiseta.
— Céus, Anker... — Heaven murmura com os olhos fixos nos meus.
Ainda com os olhos nela, eu desço a boca e passo a língua em sua fenda. Meus dedos nunca
parando de entrar e sair. Sinto suas paredes me apertarem e ela solta os seios, segurando o
edredom entre os dedos. Ela está perto. Então eu paro.
— Mas que merd...
Heaven abre os olhos antes fechados, mirando-os na minha direção, um pouco incrédula.
Mas dura pouco.
— Nem fodendo que eu vou deixar você gozar sem ser comigo dentro da sua boceta.
A expressão ladina parece confirmar o que penso, porque enquanto me ponho de pé e
empurro a calça de moletom para longe, ela faz questão de tirar a camiseta e me dar uma visão
em tanto do seu corpo nu sobre nossa cama.
Subo em cima dela e levo uma perna dela até minha cintura para entrar mais profundamente.
Ela sorri quando alinho em sua entrada.
— Caralho, Heaven.
Um gemido uníssono preenche o quarto quando entro por completo dentro dela. Observo os
olhos de Heaven se fecharem e um sorriso grande crescer em seus lábios.
Mantenho meus olhos fixos nela enquanto fico sobre seu corpo contorcido em prazer e
luxúria. Heaven abre os olhos, segurando em meu pescoço para dar mais estabilidade aos
movimentos desesperados dos nossos corpos.
Ela encosta a testa na minha, entre gemidos e suspiros.
É quando ela diz o primeiro “eu te amo” deste dia e nunca me senti tão perto do paraíso.
A história da Heaven me ensinou sobre o amor de diferentes formas. Mas, principalmente,
sobre o amor-próprio.
Acredito que esse livro é, principalmente, uma crítica sobre como o fato de ser fácil
julgarmos mulheres que passam ou vivem em relacionamentos abusivos. É muito fácil olhar de
fora, mas essas mulheres, assim como Heaven, também se apaixonaram antes de passar pelo
inferno.
Meu intuito, neste livro, é homenagear outra pessoa da minha família também. Minha mãe e
minha madrinha. Em diferentes fases da vida, as duas viveram relacionamentos abusivos. Vi
minha mãe se apagar durante anos por crises de ciúmes. Muitas das falas de Brandon, eu ouvi em
casa. E anos depois, vi minha tia, uma das mulheres que eu mais admiro no mundo assim como
minha mãe, no mesmo barco.
Estar em um relacionamento abusivo não é sobre ser uma mulher fraca.
É sobre estar sofrendo nas mãos de uma pessoa ruim.
O que eu desejo para todas essas mulheres é que consigam sair dessa situação.
O nosso papel, de fora, é dar apoio. Ser a força para elas quando elas precisarem, sem
julgamentos. E sempre, sempre mesmo, ajudá-las.
Agradeço imensamente à minha amiga Ana, à minha amiga e revisora, Alina, e as minhas
betas, e também amigas, Camila e Beatriz.
Com amor, Luísa.
Luísa Borges, ou simplesmente Lu, é o pseudônimo de uma gaúcha que adora café, ler, gatos e é
extremamente viciada em estudar.
Aos treze anos começou a escrever livros de fantasia, mas abandonou a escrita para dedicar-se
aos estudos. Após onze anos, voltou a envolver-se com a escrita e entrou no universo do Wattpad
para publicar suas obras.
Gosta de ler livros de romance e fantasia, mas tem apreço por escrever suspense e thrillers
psicológicos.
Luísa Borges | ConectaBio
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