A (Re) Produção Do Capital Na Periferia Da Periferia: O: Desenvolvimento e o "Subdesenvolvimento" Do Nordeste em Questão

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A (RE)PRODUÇÃO DO CAPITAL NA PERIFERIA DA PERIFERIA: o

desenvolvimento e o “subdesenvolvimento” do Nordeste em questão

Ilena Felipe Barros1


Hiago Trindade 2

RESUMO: Em meio a tantos comentários e afirmações


erguidas sobre o Nordeste nos mais variados meios de
comunicação, este texto procura tecer uma análise crítica
sobre esta região, centrando sua apreciação a partir da relação
entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Para isto,
procedemos à revisão de literatura, recuperando a contribuição
de importantes estudiosos desta temática a fim de demonstrar
o verdadeiro papel desempenhado pelas regiões tidas como
periféricas no âmbito da (re)produção do capitalismo
contribuindo, assim, para desfazer erros e equívocos
geralmente associados a região supramencionada.

PALAVRAS-CHAVE: Nordeste. Desenvolvimento.


Subdesenvolvimento. Industrialização.

ABSTRACT: In the midst of so many comments and


statements about the Northeast in the most varied media, this
text seeks to provide a critical analysis of this region, focusing
its appreciation on the relationship between development and
underdevelopment. In order to do this, we proceed to the
literature review, recovering the contribution of important
scholars of this theme in order to demonstrate the true role
played by the regions considered as peripheral in the (re)
production of capitalism, thus contributing to the undoing of
errors and misunderstandings generally associated The
aforementioned region.

KEY-WORDS: Northeast. Development. Underdevelopment.


Industrialization.

1
Doutora. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]
2
Estudante de Pós. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1 – INTRODUÇÃO

Este texto condensa parte dos esforços empreendidos durante a realização de


nossos estudos de mestrado e doutoramento3. Com ele, procuramos revisitar a
literatura especializada no entendimento da região Nordeste para, então, trazer à baila
alguns apontamentos capazes de nos auxiliar no exercício de desvendar as
determinações socio-econômicas que assolam esta localidade. Além disso,
procuramos ilustrar a discussão com dados oriundos de algumas agências, cuja
análise também nos permite aprofundar a compreensão que temos da realidade.
A região Nordeste caracteriza-se por ser uma complexa unidade econômica,
política e social no Brasil, acumulando índices de pobreza, déficits históricos de
infraestrutura, serviços públicos e desigualdades sociais. A região detém 20% do
território nacional, onde vivem 29% da população brasileira, com densidade
demográfica de 34,7 hab./km². Possui uma população de 53.081.950 habitantes, com
renda média mensal de R$ 396,00 e taxa de analfabetismo de 16,9 % entre as
pessoas de 15 anos ou mais. E ainda um Produto Interno Bruto - PIB de (R$
1.000,00): R$ 397.502.594,00. (IBGE, 2010).
Mas, questionamos: o que há por trás desses indicadores? Como podemos
compreender a região Nordeste a partir da lógica que tem norteado o desenvolvimento
e avanço do modo de produção capitalista? Qual a funcionalidade desta região e do
status que ela carrega para este sistema? O texto que iremos apresentar almeja, sem
querer esgotar os debates na área, fornecer algumas pistas e indicações para
descortinar esta região.

2- NOTAS PARA DESCORTINAR O NORDESTE

Na esteira das reflexões elaboradas por Francisco de Oliveira (1981),


caminhamos para ultrapassar as noções que pretendem circunscrever

3
Cf. especialmente a tese intitulada “Nas Trilhas do Crédito Fundiário: A Luta pela
Sobrevivência entre a Terra e o Assalariamento na Agroindustria Canavieira de Pernambuco”,
defendida no Programa de Pós-Graduação de Serviço Social da UFPE, 2014.
conceitualmente determinadas regiões, levando em consideração apenas suas
características geográficas (embora, ao mesmo tempo e sem nos deixar levar por uma
perspectiva determinista, também reconheçamos a sua importância). Todavia, neste
trabalho, buscamos compreender dada região, a partir das características que atestam
uma forma específica de produção e reprodução do capital no espaço. Por isso
mesmo, acreditamos que

[...] uma ‘região’ seria, em suma, o espaço onde se imbricam


dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital, e
por conseguinte, uma forma especial da luta de classes, onde o
econômico e o político se fusionam e assumem uma forma
especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da
reposição. [...] (OLIVEIRA, 1981, p. 29).

Do exposto, podemos depreender que o modo de produção capitalista


reproduz-se de região para região mantendo características centrais, mas, ao mesmo
instante, procurando acionar mecanismos embasados nas particularidades de cada
conjuntura local, em seu benefício. Assim, a depender de cada realidade e do papel
ocupado por elas na divisão do trabalho, da correlação de forças sociais, do grau de
desenvolvimento das forças produtivas, etc. o capital pode se perpetuar a passos mais
ou menos largos. De toda forma, as contradições inerentes a este sistema
sociometabólico são, a todo instante, postas e repostas pela forma assumida entre a
simbiose estabelecida a partir dos interesses que acompanham o modo de produção
capitalista e o que este encontra de condições objetivas para se desenvolver em cada
região.
No âmbito deste debate, nos parece ser bem-vindas às formulações de Léon
Trotsky, um intelectual marxista que, apesar de não figurar, de modo presente, nos
corredores acadêmicos, sistematizou contribuições interessantes e capazes de nos
auxiliar no entendimento da realidade nacional e local.
Nas elaborações de Trotsky, que ora invocamos, destacamos a lei do
desenvolvimento desigual e combinado (que também tem relação com o movimento
de concentração e centralização apresentado por Marx (1989) em O Capital). Seu
entendimento requer pensar o capitalismo como um modo de produção que se produz
e reproduz conformando uma totalidade dinâmica e contraditória. Nesse sentido, longe
de os países “atrasados”, ou melhor, periféricos, encontrarem-se isolados do centro
dinâmico mais desenvolvido, eles estão integrados a ele, de modo particular. Ou seja,
os países periféricos não trilham sua história à parte das tendências e dinamismos
processados em nível internacional, muito pelo contrário.
Mas, a particularidade de seu trajeto histórico, remete ao modo pelo qual,
embalados por conjunturas as mais adversas, tais países se apropriam dos avanços
verificados no centro. Assim, trata-se de perceber a gama de possibilidades e limites
encontrados para efetivar os progressos materiais, ou melhor, de como elementos
avançados se (re)produzem nas estruturas “arcaicas”. Nesse sentido, afirma o autor:
“Um país atrasado assimila as conquistas materiais e ideológicas dos países
avançados. Mas isso não significa que ela siga servilmente esses países reproduzindo
todas as etapas do seu passado” (TROTSKY, 1950, s/p).
Aliás, não custa assinalar que tudo isso tem estreita conexão com o
entendimento da via não clássica percorrida pelo Brasil, na sua trajetória de formação
social, econômica e política.
Para o autor russo (Op. Cit.), a depender das condições econômicas e culturais
verificadas em cada espaço, sucede-se o que ele denomina “saltos”. Trata-se, em
verdade, da inciativa para acompanhar os progressos já verificados em algumas
localidades. Com efeito, sua argumentação direciona-se no sentido de pensar a
existência de um desenvolvimento progressivo e contínuo da sociedade, em que cada
estágio alcançado serve de inspiração para aquelas formas de organização que ainda
se encontram numa situação de maior subordinação e dependência. Assim, a partir de
patamares já existentes de desenvolvimento, os ditos países periféricos lançam-se na
aventura do desenvolvimento do capitalismo sem necessitarem vivenciar as “fases
intermediárias” a separar o “arcaico” e o “moderno”. Recuperando uma expressão do
próprio autor, diríamos que se a arma de fogo já faz parte da realidade social, aos
homens e mulheres não carecem recorrer aos arcos e flechas. Assim, esclarece-nos
que:

Desta lei universal de desigualdade dos ritmos decorre uma


outra lei que […] pode-se chamar lei do desenvolvimento
combinado, no sentido da reaproximação das diversas etapas,
da combinação das fases distintas, da amalgama de formas
arcaicas com as mais modernas (TROTSKY, 1950, s/p).
De fato, temos consciência que a formulação ora esboçada não nos permite
realizar, para regiões de uma mesma localidade, uma transposição mecânica do que
acontece entre os centros e as periferias. Contudo, a partir de seu entendimento
(dinâmica), podemos caminhar no sentido de perceber como as determinações desse
fenômeno se expressam, impactando as regiões em geral e, mais especificamente, o
Nordeste brasileiro. Isto porque, na formação das relações de dependência, os países
periféricos também nutrem “centros” – como ocorre nos lugares ocupados pelo
Nordeste e Sudeste, respectivamente no contexto brasileiro. Da mesma forma,
também é verdade que nos centros subsistem regiões periféricas, como já nos alertara
Engels, ao enfatizar que: “[...] enquanto a sociedade tornava-se cada vez mais
burguesa, a ordem política continuou sendo feudal”.
Ora, numa sociedade que, dia a dia, está mais mundializada, as “barreias
físicas” diminuem-se acentuadamente, abrindo espaço para que o sistema produtivo
avance até onde consegue ir. Os rebatimentos da realidade materializada nos países
periféricos provocam expressões diversas nas regiões que o constituem e, nesse
sentido, o Nordeste – ou a periferia da periferia – também foi impactado, de modo
particular, pelas configurações sóciohistóricas e econômicas assumidas pelo Brasil.
Destarte, no nordeste brasileiro, a produção do espaço capitalista sucedeu-se
obedecendo à lógica norteadora de suas ações em todo espaço periférico, somadas
também a algumas particularidades de nossos arredores. Assim, pegando carona nas
palavras de Araújo (2009, p. 17) poderíamos afirmar que, entre nós, somou-se “[...] a
selvageria da acumulação do capital a dureza das intempéries climáticas”.
No que tange a este segundo aspecto, vale mencionar que, durante largo
espaço de tempo, em todo o Nordeste, as adversidades climáticas existentes na
região foram vistas como fatores impeditivos e/ou inibidores do “desenvolvimento
regional”.
Ao analisar o desenvolvimento capitalista no Brasil e na região Nordeste,
Oliveira (2003) reflete como as estruturas “arcaicas” do campo, longe de serem um
obstáculo ao processo de expansão industrial e da dinâmica econômica, como
afirmavam os “dualistas”4, foram favorecedoras do desenvolvimento industrial, pois o

4
Na década de 1950 e até metade dos anos 1960, o pensamento intelectual da esquerda
brasileira, sobre a realidade nacional, foi hegemonizado por uma perspectiva analítica que ficou
conhecida como “dualista”. A estrutura econômica, política e social brasileira era concebida
pelos adeptos dessa perspectiva como constituída por dois polos opostos: um setor “atrasado”
e um setor “moderno”. Nesse raciocínio, uma parcela da economia brasileira composta por
baixo custo da força de trabalho rural propiciou o êxodo rural e a formação de um
exercito de reserva de assalariados, sendo fundamental para a produção industrial e a
acumulação do capital, ou seja, para alavancar o “moderno”. O “arcaico” e o
“moderno” seriam duas dimensões dialéticas do processo de desenvolvimento
capitalista5. Assim, “[...] a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo
relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo [...]” (OLIVEIRA,
2003, p. 36).
Esse desenvolvimento desigual é tratado por Iamamoto (2001, p.102), quando
refere-se a essa acepção em Marx. Para a autora,

A desigualdade entre o desenvolvimento econômico e o


desenvolvimento social, entre a expansão das forças
produtivas e as relações sociais na formação capitalista.
Revela-se como reprodução ampliada da riqueza e das
desigualdades sociais, fazendo crescer a pobreza relativa à
concentração e centralização do capital, alijando segmentos
majoritários da sociedade do usufruto das conquistas do
trabalho social. Desenvolvimento desigual em outra dimensão
não menos fundamental: os tempos desiguais entre as
mudanças ocorridas na produção material e as formas
culturais, artísticas, jurídicas etc, que expressam as alterações
da vida material.

Já neste momento, ressaltamos que o uso da expressão supramencionada


(“desenvolvimento regional”) está ligado a uma matriz teórica e política, cujo
entendimento sobre o desenvolvimento, de modo geral, encontra-se limitado ao que é
possível realizar-se no âmbito do capitalismo. Ou seja, o desenvolvimento é encarado
como o próprio desenvolvimento das condições objetivas e subjetivas que dão
sustentação a este modo de produção. Nesse sentido, ainda que possa operar

estruturas “arcaicas”, localizadas especialmente no campo, onde se produzia num sistema


agro-exportação, seria um empecilho a expansão do “moderno” de outra parte da economia,
concentrada nas regiões industriais direcionadas à produção de bens de produção e consumos
duráveis, constrangendo assim o “desenvolvimento nacional”. Dessa forma, caso não fossem
superados os entraves “arcaicos” ao desenvolvimento do país, este continuaria em um estágio,
qualificado pelos “dualistas”, como “subdesenvolvido”.
5
Para maior aprofundamento desse tema, ver Oliveira (2003).
modificações em dimensões especificas da realidade regional – como se almejava
com a “superação do subdesenvolvimento do Nordeste” – este não é capaz de
ultrapassar a sociedade de classes e suas desigualdades, além de todos os outros
elementos a ela associados como o trabalho estranhado, as crises, etc.
Por isso mesmo, Bonente (2014) anotou a necessidade de construirmos uma
crítica que ultrapasse as visões positivas ou negativas, boas ou más, sobre o
desenvolvimento capitalista, visões estas quase sempre associadas aos indicadores
da renda per capta. Para ela, e para nós também, este tipo de desenvolvimento não
comporta sentido humano algum.
O processo de industrialização no Nordeste sucedeu-se a passos bastante
lentos. Embora se registrem algumas iniciativas nos marcos do século XIX, apenas no
século XX as condições se farão mais favoráveis e verificaremos uma maior expansão
das iniciativas de implantação de indústrias (ANDRADE, 1981). Em geral, observamos
a persistência, no transcurso do tempo histórico, de ranços da dependência e
“subdesenvolvimento” que marcaram fortemente esta região, promovendo uma
correlação de forças entre capital mercantil e capital comercial, donde o primeiro, ao
sobressair-se, dificultava o desenvolvimento do segundo6.
A atividade econômica da região Nordeste vem sendo dinamizada desde a
década de 1960, pelos incentivos fiscais, investimentos em empresas estatais
(Petrobrás), créditos públicos, industrialização e instalação de empresas
multinacionais. Esses incrementos econômicos fizeram com que algumas dificuldades
geradas pela estrutura agroexportadora do período anterior fossem superadas,
explicitando-se um crescimento do PIB acima da média do país como um todo, a partir
da década de 1970. Isso indica que o Estado brasileiro criou as condições para o
processo de acumulação do capital, realizando grandes investimentos, via fundos
públicos, incentivos fiscais, políticas de ajuste estrutural e obras de infraestrutura para
facilitar o acesso ao mercado.
Durante a fase do "milagre econômico" (1970-80) o PIB nordestino apresentou
a expressiva média anual de crescimento de 8,7%, contra a de 8,6% obtida pelo

6 Sobre esta questão, ressalta Kaio Fernandes, em sua tese de doutoramento: “Apesar da
importância dos agentes públicos como promotores do crescimento e de uma maior
participação do capital industrial na economia regional nordestina, não foram criados
obstáculos à reprodução e ampliação das frações dos capitais mercantis na região, nem muito
menos ao seu poder político, atrelados aos interesses das oligarquias regionais e locais”
(FERNANDES, 2011, p. 59).
Brasil, em razão, fundamentalmente, do volume de investimentos públicos
(infraestrutura) e privados (indústria) efetuados durante os anos 1960 e 1970. Quando
da grande recessão que atingiu o país nos anos 1980, provocada pela crise do setor
externo, em virtude da cessação dos financiamentos do "resto do mundo" , em 1982, e
da decretação de moratória em 1987, a economia nordestina foi mais resistente,
apresentando incremento médio anual de 3,3%, contra o de 1,6% registrado no Brasil.
De acordo com a publicação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste -
SUDENE, as taxas de crescimento do PIB do Nordeste em anos de seca na década
1990 foram: -5,9% em 1990; -1,5% em 1992; -1,8% em 1993; e 1,5% em 1998.
(SUDENE, 1999).
O bom desempenho da economia da região Nordeste nas décadas 1980/1990
assegurou que o PIB regional passasse de US$ 22,9 bilhões em 1960, para US$
129,0 bilhões, no ano de 1997, transformando assim sua participação em relação ao
PIB brasileiro de 13,2% (1960) para 16,0% (1997). O resultado foi à elevação do PIB
per capita regional de US$ 1.029,56 em 1960, para a cifra de US$ 2.813,31 em 1997,
mudando sua participação em comparação com a mesma variável do País de 41,9%
(1960), para 55,8% no ano de 1997. (SUDENE, 1999)
Na década de 1990, as classes dominantes brasileiras subordinaram a eco-
nomia do país ao capital internacional financeiro. Esse novo padrão de acumulação do
capital internacional se apoderou das principais empresas estatais e privadas,
desnacionalizaram os principais setores estratégicos da indústria, do comércio e
serviços. E passaram também a controlar a agricultura brasileira. O Estado se
7
transformou no principal fiador e viabilizador desse modelo , ocorrendo a redução de
tarifas de importação, a eliminação de barreiras tarifárias que geraram aumento de
produtividade, forte queda nos preços dos produtos industriais e elevaram as
importações e exportações de produtos primários. Daí justifica-se o aumento do PIB
em todas as regiões do país, mas também, um acelerado e intenso processo de
exploração, empobrecimento e precarização da vida da classe trabalhadora.
Nos anos 2000, é representativo o retorno ao planejamento regional na
economia brasileira, sobretudo a partir de 2006. Entre 1988 a 2001 predominou a
execução de políticas de ajuste estrutural ao neoliberalismo. Já entre 2002-2009,
período nomeado de neodesenvolvimentismo, identifica-se, na região um impulso às

7
O Estado “repassa na forma de financiamento subsidiado para investimentos, utilizando-se do
sistema bancário público, Banco do Brasil, BNDES, BNB, SUDENE, assim como o Estado foi o
gestor da transferência de renda nacional para o capital internacional a partir da década de
1970, no pagamento da dívida externa”. (Consulta Popular, 2011, p. 35)
atividades produtivas. Podem-se destacar três períodos distintos entre o período
neoliberal e o novo desenvolvimentismo. Primeiro, entre 1988 e 1995 verifica-se queda
acentuada da participação do Nordeste no PIB total do país. No período 1996-2002 se
mantém praticamente estável, seguido de perda nos dois anos seguintes. No entanto,
desde 2005 a economia nordestina tem se recuperado, alcançando em 2009 sua
maior participação desde 1986, cerca de 13,5%. Contudo, esse crescimento só não foi
maior devido à crise financeira que atingiu o país.
Bacelar (2000, p. 173) afirma que há uma heterogeneidade econômica muito
grande na região Nordeste, com ilhas de desenvolvimento com intensa modernização.
Uma “[...] tendência de acumulação privada reforçadas pela ação estatal, quando não
comandadas pelo Estado brasileiro fizeram surgir e se desenvolver no Nordeste
diversos subespaços dotados de estruturas econômicas modernas e ativas, focos de
dinamismo”.
Na análise de Manoel Correia de Andrade (1981), até os primeiros anos do
século XX a existência de uma elite político-econômica apoiada na posse de grandes
extensões de terra obstaculizou e/ou retardou medidas com viés de desenvolvimento
industrial. Ora, para tal segmento esta forma de organização da sociedade rendia-lhe
diversos benefícios e, nesse sentido, fazia força para rejeitar quaisquer intervenções
com vista a alterar esta realidade. Inclusive, um dos princípios defendidos por essa
elite local era a ideia de que o Brasil “[...] deveria permanecer como um país
eminentemente agrícola, dedicado a produção de materiais primas vegetais e minerais
para a exportação” (ANDRADE, 1981, p. 22).
Nesse sentido, sabemos que entre os anos 1930/1960, em nível nacional,
ocorria o processo de concentração e desenvolvimento progressivo de um parque
industrial na região Sudeste do país, derivando-se daí, uma série de consequências
econômicas e sociais para a região Nordeste, cuja situação de desvantagem
evidenciava-se facilmente, se comparada ao dinamismo das regiões Sul e Sudeste.
Tal discrepância não acontece por um acaso. Em verdade, inúmeros fatores
confluíram para isso, senão, vejamos:

É claro que o Sudeste, mais capitalizado graças aos elevados


preços do café e tendo recebido grandes contingentes de mão-
de-obra estrangeira melhor qualificada, teve crescimento mais
rápido, obtendo condições de liderar economicamente o país
na segunda metade do século XX (ANDRADE, 1981, p. 24).
A distância entre estas duas regiões, do ponto de vista do desenvolvimento das
forças produtivas, da atuação das elites, dentre outros aspectos, criou um fosso a
chamar a atenção de sujeitos e órgãos. É nessa conjuntura que passa a se vislumbrar
um tipo de planejamento, cujo horizonte é buscar implantar, mediante incentivos
fiscais, a industrialização do nordeste, entendida à época, como via necessária para
ultrapassar os percalços da região: estava dado o terreno histórico para emergir a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
Nessa altura do texto faz-se necessário chamar atenção para algo: o
planejamento econômico da região Nordeste, e as ações derivadas direta e
indiretamente dele, estão assentados no terreno da disputa de projetos, donde se
materializam interesses sociais, econômicos e políticos os mais variados. Portanto,
compreende contradições, limites e possibilidades, a depender das perspectivas que
conseguem se sobressair em cada conjuntura histórica. Para que fique ainda mais
claro, ele está envolto na disputa de interesses de classes sociais distintas e dos
projetos societários defendidos por cada uma delas.
O alerta serve para não nos deixarmos levar pelo canto da sereia – diga-se,
pelas determinações que nos saltam aos olhos, de maneira imediata. Estamos
trazendo à tona estas reflexões porque, num primeiro instante, a SUDENE pode expor
aos mais desapercebidos uma única face, qual seja: os benefícios que, em menor ou
maior escala, foram proporcionados pela atuação da autarquia. Nutrir essa visão
unilateral da história significaria perder a agudeza crítica e a capacidade de ir além da
mera aparência que se nos apresenta.
Nesse sentido, é preciso indagar: a quem o desenvolvimento das forças
produtivas está servindo, de fato? Ora, a simples constatação do avanço dessas
medidas não nos diz muita coisa, posto que, elas podem estar se traduzindo em
melhorias significativas para a classe trabalhadora ou, no avesso, podem se constituir
em uma via fundamental para a degradação e precarização dos mesmos. E sobre
isso, somos tomados por um trecho de Marx usado por Francisco de Oliveira (1981, p.
17) como resposta a um de seus críticos, cujas pregações vão no sentido de defender
que no âmbito da região Nordeste o “grande capital internacional-associado” estaria
contribuindo para derruir as relações sociais fundantes da ignorância e da servidão.
Vejamos:
Tudo o que a burguesia [...] pode ser forçada a fazer não irá
emancipar nem melhorar materialmente as condições sociais
da massa do povo, o que depende não apenas do
desenvolvimento das forças produtivas, mas da sua
apropriação pelo povo. O que ela não deixará de fazer,
entretanto, é criar as premissas materiais para ambos. Alguma
vez fez a burguesia mais que isso?

Ou seja, precisamos estar atentos ao direcionamento social e político dos


elementos materiais que passam a existir na realidade. A burguesia não é neutra e,
por isso, não incentivaria nenhuma atividade/ação se esta não lhe ocasionasse
benefícios. Ora, do ponto de vista lógico, de nada adiantaria, por exemplo, construir
um poço de água numa região onde a sede constitui um fato concreto, se o seu
acesso, por homens e mulheres sedentos, não fosse permitido. Mas, se, na
conformação dessa realidade, a classe burguesa pudesse tirar proveito, ela seria
incentivada: a lógica da burguesia é o aumento de sua mais-valia. Ponto.
Nesse sentido, e retomando o caso da SUDENE, se, por um lado, sua
emergência está justificada na tentativa de ultrapassar o “subdesenvolvimento” da
região Nordeste, por outro, sabemos que “o desenvolvimento e o subdesenvolvimento
[são] um fato histórico, decorrente da expansão do sistema capitalista” (ANDRADE,
1981, p. 50). Durante muito tempo, o desenvolvimento foi tomado como um estágio a
ser alcançado, mediante a superação de outra fase: o subdesenvolvimento.
Particularmente, era isso que pregava a Comissão Econômica Para a América Latina
e Caribe (CEPAL), órgão que serviu de inspiração aos documentos elaborados pela
SUDENE. Pensando dessa maneira, contudo, traçava-se um entendimento da história
como pré-determinada e não como o resultado das forças, sujeitos e acontecimentos
que, dialeticamente, vão se processando na totalidade da vida social.
Francisco de Oliveira, intelectual que, durante algum tempo tomou parte na
equipe da SUDENE, caracteriza-a como audaciosa e afirma que, no momento de sua
emergência, duas possibilidades estavam em jogo: uma vinculada aos interesses
populares e outra ligada aos anseios do capital. Nessa verdadeira queda de braços,
não seria difícil visualizar, em meio as configurações anti-democráticas do
desenvolvimento do capitalismo brasileiro, quem venceria a disputa. Saíram
vencedoras as forças burguesas, expressas na materialização das vontades e desejos
do capitalismo monopolista e do Estado no Brasil (OLIVEIRA, 1981).

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos dados econômicos indicarem um crescimento do PIB na região, a


população ainda vivencia indicadores sociais abaixo dos padrões de uma vida digna e
essa contradição é fruto do desenvolvimento desigual que se processou na formação
sócio histórica brasileira. As marcas das desigualdades sociais e econômicas
persistem na história do país, e nas particularidades regionais, e se recompõem e
atualizam-se no cenário de transformações do capital, em sua fase de mundialização
financeira. O “moderno” se implanta e se edifica por meio do “arcaico”.
O desenvolvimento econômico e social, especialmente a partir da expansão
monopolista, sustentou o predomínio imperialista com a concentração da riqueza, da
renda, da produção industrial e da terra, em favor do mercado internacional, onde o
Estado assume um papel crucial na mediação dos interesses das classes dominantes,
favorecendo a reprodução ampliada do capital e a captura da renda fundiária. Por
outro lado, uma massa de trabalhadores rurais e urbanos sem as condições dignas de
sobrevivência, submetidos a processo arcaicos e violentos de gestão da força de
trabalho e da vida em sociedade.

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