Cultura Política, Memória e Historiografia
Cultura Política, Memória e Historiografia
Cultura Política, Memória e Historiografia
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aparecem mais quatro ensaios, de Ulpiano Bezerra menclatura de homens e organizações ou
de Meneses, Cecília Azevedo, Ana Maria Mauad e história militar autojustificativa, centra-
Tarsila Pimentel, e de Norberto Ferreras. da principalmente nos movimentos ex-
Todos os textos, aqui reunidos, preocupam- tremistas de esquerda ou de direita, para
se, de maneira direta ou indireta, com a composição substituí-la por uma história portadora
da “cultura política” (e suas mudanças) no tempo e de sentido em que o político constituísse
no espaço, em sua relação tensa, embora constante, um elemento indissociável da evolução
com as lutas e os movimentos sociais, a identidade das sociedades humanas tomadas em seu
e a política partidária. Por esse motivo, também há conjunto […] (p. 29).
uma coerente preocupação de pensar seus desdobra-
mentos no Antigo Regime e nos lugares de memória, Para ele, o móvel “[…] principal dessa re-
além de serem pensados seus reflexos para a cultura novação consistia em aplicar à história política os
e a memória do tempo presente. Desse modo, a obra enfoques e questionamentos das ciências humanas
cobre um conjunto de temas entrelaçados por ques- e sociais, da ciência política, e os novos horizontes
tionamentos e abordagens comuns, que refletem de abertos pela voga da história cultural, em particu-
que maneira as culturas políticas de uma época, lar no campo das representações […]” (p. 29-30).
lugar ou tempo, fazem diferentes usos do passado, Servindo-se de parte desses instrumentais, Jean-
como um dos requisitos para a execução e afir- François Sirinelli visou inquirir por que houve uma
mação de suas ações perante as massas. Problema crise no pensamento intelectual engajado no final
complexo e extremamente atual, o roteiro que nos é do século passado, em que
apresentado não poderia ser melhor.
Como não há como efetuarmos uma análise […] a crise dos intelectuais é ao mesmo
consistente e pormenorizada de cada um dos textos, tempo um reflexo e um acelerador da
num espaço tão restrito como é o de uma resenha, crise das democracias representativas,
apenas esboçaremos algumas poucas ideias e cuja base eram a análise racional e a
exemplos, tiradas do conjunto. Ao circunstanciar o concorrência razoável das possibilida-
aparecimento do conceito de cultura política na his- des e cujo funcionamento corre o risco
toriografia francesa, Serge Berstein nos informa que de ser prejudicado pelas palpitações su-
seu “[…] surgimento se inscreve na vasta corrente cessivas de opiniões públicas dominadas
de renovações dos objetos e métodos da história polí- por emoções ligadas aos sons e à fúria
tica promovida na França a partir do final dos anos da cultura midiática, a qual, por sua
1960 por Réne Rémond e seus discípulos […]”, onde vez, está se tornando cada vez mais uma
se tratava de cultura-mundo […]” (p. 57).
[…] tirar a história política do impasse É nesse ínterim que Philippe Joutard apro-
em que se achava boa parte da produção veita para pensar a memória e a identidade nacio-
histórica referente a esse campo da his- nal na França e nos Estados Unidos, em vista das
tória, entre crônica factual erudita, no- transformações geradas a partir da Guerra Fria,
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que teve início no final dos anos de 1940. E Pierre livro tem sua autonomia, mas ganha ao ser lido
Laborie disserta sobre a memória e a construção em conjunto e na sequência em que foram orga-
das opiniões. nizados os outros cinco, que resultaram do projeto
Da composição da cultura política à organi- ora indicado. Nesse sentido, vale aqui mais uma
zação de um campo de estudos para pensar o po- vez chamar a atenção para o intenso trabalho efe-
lítico na conformação do social e do cultural nas tuado pelos grupos e núcleos de pesquisa, reunidos
sociedades, passa-se para o rastreamento das lógicas
ao redor do projeto “Culturas políticas e usos do
internas que perfazem o campo de relações entre
passado: memória, historiografia e ensino de his-
memória e historiografia, e seus entrelaçamentos
tória”, e que já tem nos oferecido um rico conjunto
com as culturas políticas no tempo. Daí, para o po-
de contribuições teóricas, metodológicas e empí-
tencial da cultura política também poder ser um
ricas para pensarmos as estreitas relações entre
instrumento promissor para pensar a organização
cultura(s) política(s), usos do passado, memória,
das lutas e dos movimentos sociais, de sua capaci-
dade operacional para inquirir períodos como o do historiografia e ensino de história.
Antigo Regime, assim como refletir a função e a or-
ganização dos lugares de memória (como museus,
estátuas, fotos, quadros, e nas imagens em geral, Referências
que são feitas e mantidas sobre uma época, um
ROCHA, H. A. B.; MAGALHÃES, M. S.; GONTIJO, R.
partido, um governo, um líder político etc.). Além
(org.) A escrita da história escolar: memória e
disso, vale também destacar, como a cultura polí-
historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
tica pode servir para o estudo de diferentes grupos
étnicos e culturais, na medida em que se rastreiam SOIHET, R. (Org.). Mitos, projetos e práticas políticas:
tanto a formação de suas identidades, quanto suas memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.
estratégias de organização e ação política.
Por essas e outras razões, o livro é um ______. (Org.). Cultura política e leituras do
convite a reflexão sobre a maneira como as socie- passado: historiografia e ensino de história. Rio de
dades do presente e as do passado se organizaram Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
social e culturalmente, na medida em que estabe- ______. (Org.). Culturas políticas: ensaios de
leciam suas formas de agir e pensar num conjunto história cultural, história política. Rio de Janeiro:
de estratégias sintetizadas por suas culturas políti- Mauad, 2005.
cas, estreitamente associadas e articuladas as suas ______. (Org.). Ensino de história: conceitos,
maneiras de usar o passado, para justificar suas temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da
tomadas de decisão no presente. Evidentemente, o Palavra, 2003.
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