Ja Disse Que Preciso de Voce - Estelle Maskame
Ja Disse Que Preciso de Voce - Estelle Maskame
Ja Disse Que Preciso de Voce - Estelle Maskame
Em 1976, fundou a Editora Salamandra com o propósito de formar uma nova geração de leitores e
acabou criando um dos catálogos infantis mais premiados do Brasil. Em 1992, fugindo de sua linha
editorial, lançou Muitas vidas, muitos mestres, de Brian Weiss, livro que deu origem à Editora
Sextante.
Fã de histórias de suspense, Geraldo descobriu O Código Da Vinci antes mesmo de ele ser lançado
nos Estados Unidos. A aposta em cção, que não era o foco da Sextante, foi certeira: o título se
transformou em um dos maiores fenômenos editoriais de todos os tempos.
Mas não foi só aos livros que se dedicou. Com seu desejo de ajudar o próximo, Geraldo desenvolveu
diversos projetos sociais que se tornaram sua grande paixão.
Com a missão de publicar histórias empolgantes, tornar os livros cada vez mais acessíveis e
despertar o amor pela leitura, a Editora Arqueiro é uma homenagem a esta gura extraordinária,
capaz de enxergar mais além, mirar nas coisas verdadeiramente importantes e não perder o
idealismo e a esperança diante dos desa os e contratempos da vida.
Título original: Did I Mention I Need You?
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores.
1. Romance escocês. 2. Livros eletrônicos. I. Alonso, Giu. II. Título. III. Série.
21-72059 CDD: 823
CDU: 82-31(410.5)
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Agradecimentos
Sobre a autora
Informações sobre a Arqueiro
1
Gucci sobe nas minhas pernas quando me inclino sobre a mala, tremendo
de empolgação e nervosismo, sem tirar os olhos da janela da sala. São quase
seis da manhã e o sol acabou de nascer. Fiquei assistindo à luz atravessar a
escuridão, admirando a beleza da avenida e o re exo do sol nos carros
parados na calçada. Dean deve estar chegando a qualquer momento.
Olho para a pastora alemã gigante aos meus pés e me abaixo para coçar
suas orelhas até ela me dar as costas e seguir para a cozinha. Então volto a
olhar pela janela, repassando mentalmente uma lista de tudo que estou
levando, mas isso só me deixa mais estressada. Acabo deitando a mala e
abrindo o zíper de novo. Começo a revirar a pilha de shorts, os pares de All
Star, a coleção de pulseiras.
– Eden, pode con ar em mim, você pegou tudo.
Minhas mãos param de revirar as roupas e eu ergo o rosto. Minha mãe
está de pé na cozinha, de roupão, me encarando do outro lado da bancada
com os braços cruzados. Está com a mesma cara com que passou a última
semana inteira – meio irritada, meio chateada.
Dou um suspiro e en o tudo na mala de novo, depois fecho o zíper e a
coloco de pé. Então me levanto.
– Só estou nervosa.
Não sei bem descrever como me sinto. Estou nervosa, é claro, porque
não tenho ideia do que esperar. Trezentos e cinquenta e nove dias é tempo
su ciente para as coisas mudarem. Tudo pode estar diferente. Por isso
também estou apavorada. Morrendo de medo de estar tudo igual. Medo de,
no segundo em que o vir, tudo voltar com força total. Esse é o problema da
distância: ou te dá o tempo necessário para superar a pessoa, ou faz você
perceber quanto precisa dela.
E, neste exato momento, não sei dizer se simplesmente sinto falta do
meu irmão postiço ou se sinto falta da pessoa pela qual me apaixonei. É
difícil separar as coisas. São a mesma pessoa.
– Não precisa car assim – diz a minha mãe. – Não tem motivo para
isso. – Ela vem até a sala, com Gucci trotando ao seu lado, olha pela janela
estreitando os olhos e se senta no braço do sofá. – Que horas Dean vai
chegar?
– Agora – falo, baixinho.
– Bem, eu espero que vocês quem presos no trânsito e que você perca o
voo.
Trinco os dentes e me viro para o outro lado. Minha mãe foi contra essa
viagem desde que cou sabendo. Ela não quer desperdiçar nenhum dia, e
aparentemente viajar por seis semanas é a de nição de tempo desperdiçado.
São nossos últimos meses juntas antes de eu me mudar para Chicago no
outono. Para ela, isso signi ca que é a última vez que vai me ver. Na vida. O
que é cem por cento absurdo. Depois das provas nais, vou voltar para casa
no verão.
– Você é mesmo tão pessimista assim?
Minha mãe nalmente abre um sorrisinho.
– Não sou pessimista, só ciumenta e um pouco egoísta.
Neste momento ouço o motor de um carro. Sei que é Dean mesmo antes
de olhar, e o ronco suave para quando ele estaciona na entrada. Jack,
namorado da minha mãe, parou a caminhonete mais perto, então tenho que
esticar o pescoço para ver melhor.
Dean está abrindo a porta do carro e saindo, mas seus movimentos são
lentos e seu rosto está sério, como se ele não quisesse estar aqui. Isso não me
surpreende nem um pouco. Ontem ele só me dava respostas monossilábicas
e passou quase a noite toda mexendo no celular. Quando fui embora ele
nem me levou até o carro como costuma fazer. Assim como a minha mãe,
Dean está meio irritado comigo.
Sinto um nó na garganta, que tento engolir quando puxo a alça da mala.
Eu me encaminho até a porta, mas então paro e olho para minha mãe,
apreensiva. Finalmente está na hora de ir para o aeroporto.
Dean não bate antes de entrar. Ele nunca faz isso, nem precisa. Mas a
porta se abre mais devagar que o normal antes de ele aparecer, com um
semblante cansado.
– Bom dia.
– Bom dia, Dean – diz minha mãe. Seu sorrisinho ca maior quando
estende a mão e aperta de leve o braço dele. – Ela está pronta para ir.
Dean me encara com seus olhos escuros. Em geral ele sorri ao me ver,
mas hoje sua expressão permanece neutra. Ele ergue a sobrancelha para
mim, como quem pergunta: “Está mesmo?”
– E aí? – falo, e estou tão nervosa que minha voz sai fraca e patética. Dou
uma olhada na mala e então ergo os olhos para Dean de novo. – Obrigada
por fazer isso no seu dia de folga.
– Nem me lembre – responde ele, mas está começando a sorrir, o que me
tranquiliza. Ele dá um passo à frente e pega minha mala. – Eu poderia estar
na cama neste momento, dormindo até meio-dia.
– Você é um anjo para mim. – Eu me aproximo e enlaço a cintura de
Dean, en ando o rosto em seu peito. Ele ri e me abraça também. Olho para
cima. – Sério.
– Ah, como vocês dois são fofos... – diz minha mãe com um suspiro,
então me lembro que ela ainda está na sala.
Lanço um olhar de advertência para ela antes de me voltar outra vez
para Dean.
– Essa é a nossa deixa para ir embora.
– Não, não, preciso falar com você antes. – Ela se levanta, e seu sorriso
rapidamente desaparece, dando lugar a uma expressão severa. Temo que,
quando eu voltar, essa vai ter se tornado sua expressão permanente. – Não
ande de metrô. Não fale com estranhos. Nada de pisar no Bronx. E, por
favor, volte para casa viva.
Reviro os olhos com todas as minhas forças. Recebi uma bronca
semelhante exatamente dois anos atrás quando estava indo para a Califórnia
reencontrar meu pai, só que daquela vez o perigo era ele.
– Eu sei – falo. – Basicamente, não vou fazer nada idiota.
Ela me encara, séria.
– Exatamente.
Solto o braço de Dean e vou até ela, envolvendo-a num abraço. Isso vai
fazê-la calar a boca. Sempre funciona. Ela me aperta forte e dá um suspiro
junto ao meu pescoço.
– Vou sentir saudades – murmuro, minha voz abafada.
– E você sabe muito bem que vou sentir muitas saudades também – diz
ela ao se afastar de mim, as mãos ainda nos meus ombros. Ela dá uma
olhada no relógio na parede da cozinha antes de me empurrar
delicadamente na direção de Dean. – É melhor vocês irem. Para não
perderem o voo.
– É, melhor a gente ir – concorda Dean.
Ele abre a porta e sai com minha mala. Talvez esteja querendo deixar nós
duas sozinhas, para o caso de minha mãe ter mais algum conselho
desnecessário antes de sairmos. Graças a Deus não tem.
Pego minha mochila no sofá e sigo Dean, mas não sem me virar para dar
um último tchauzinho para a minha mãe.
– Acho que a gente se vê daqui a um mês e meio.
– Pare de me lembrar disso – reclama ela, e fecha a porta com força.
Dou um suspiro resignado e atravesso o gramado. Ela vai superar. Mais
cedo ou mais tarde.
– Bem... – começa Dean andando na minha frente. – Pelo menos não
vou ser o único largado aqui.
Fecho os olhos com força e passo a mão pelo cabelo, parada ao lado da
porta do carona enquanto ele guarda minha bagagem no porta-malas.
– Dean, por favor, não começa.
– Mas não é justo – reclama ele, baixinho.
Entramos no carro ao mesmo tempo, e ele solta um grunhido ao bater a
porta.
– Por que você tem que ir embora?
– Não é nada de mais – falo, porque realmente não consigo enxergar o
problema. Tanto ele quanto minha mãe foram contra minha viagem a Nova
York desde o segundo em que contei para eles. É como se achassem que eu
nunca mais vou voltar para casa. – É só uma viagem.
– Uma viagem? – retruca Dean, bufando. Apesar do mau humor, ele liga
o carro e dá a ré. – Você vai car seis semanas longe, voltar para casa por um
mês e depois se mudar para Chicago. No total eu só vou ter cinco semanas
com você. Não é su ciente.
– É, mas vamos aproveitar essas cinco semanas ao máximo.
Sei que nada que eu disser vai ajudar, porque esse momento vem sendo
ensaiado há meses e nalmente Dean está colocando todas as cartas na
mesa. Estou esperando isso acontecer, e não é de hoje.
– Essa não é a questão, Eden – retruca ele, e por um momento co sem
ter o que dizer.
Embora eu estivesse esperando, ainda é estranho ver Dean irritado. Nós
raramente brigamos, porque nunca discordamos de nada até agora.
– Então qual é?
– A questão é que você decidiu passar seis semanas lá em vez de car
aqui comigo – diz ele, mas de repente sua voz está bem mais baixa. – Não é
possível que Nova York seja tão incrível assim. Quem precisa de seis
semanas inteiras em Nova York? Uma só não basta?
– Porque ele me convidou para passar seis semanas – admito.
Talvez seja muito tempo mesmo, mas lá atrás, quando concordei, parecia
a melhor ideia do mundo.
– Por que você não chegou num meio-termo? – Ele está cando mais
nervoso a cada segundo que passa, gesticulando em sincronia com as
palavras, o que causa algumas guinadas bruscas no carro. – Por que você
não falou simplesmente “Claro, eu vou, mas co só duas semanas”, hein?
Cruzo os braços e viro o rosto, fazendo cara feia para a janela do carro.
– Tá, mas relaxa. A Rachael não está reclamando da viagem. Por que
você está?
– Bom, Rachael é sua melhor amiga, mas eu sou seu namorado. E talvez
também seja porque ela vai encontrar você lá – responde ele.
Bem... é verdade.
Rachael e nossa amiga Meghan, que mal vi desde que foi para a
Universidade Estadual de Utah, tinham planejado essa viagem para Nova
York há meses. Eu teria sido convidada também, só que Tyler foi mais
rápido. De qualquer maneira, eu inevitavelmente teria ido para lá no verão,
mas acho que não dá para julgar Dean por se sentir excluído enquanto eu,
Rachael, Meghan e Tyler – quase nosso grupo de amigos inteiro – nos
divertimos em Nova York sem ele.
Dean suspira e ca quieto por um minuto. Nenhum de nós diz nada até
pararmos num sinal.
– Você está me obrigando a começar essa história de relacionamento a
distância antes da hora – reclama ele. – Que saco.
– Tá bom, pode dar meia-volta – retruco, me virando para ele de mãos
erguidas. – Não vou mais. Está feliz agora?
– Não. Vou levar você para o aeroporto.
O silêncio reina pela meia hora seguinte. Simplesmente não temos mais
o que falar. Dean está irritado e eu não sei bem o que poderia dizer para
animá-lo, então acabamos nesse clima tenso até chegarmos ao Terminal 7.
Dean para o carro abruptamente e se vira para mim, olhando bem nos
meus olhos. Já são quase sete da manhã.
– Você pode pelo menos me ligar, tipo, o tempo todo?
– Dean, você sabe que eu vou fazer isso. – Suspiro e abro um sorrisinho,
esperando que ele não resista ao meu olhar de cachorrinho pidão. – Só tente
não pensar muito em mim.
– Você diz isso como se fosse fácil – diz ele. Outro suspiro. Mas, quando
ele olha para mim de novo, tenho a impressão de que está mais tranquilo. –
Vem cá.
Ele segura meu rosto, me puxando gentilmente até tocar seus lábios nos
meus, e é como se nossa briga nunca tivesse acontecido. Ele me beija
lentamente até que por m tenho que me afastar.
– Você está tentando me fazer perder o voo?
Ergo a sobrancelha para ele ao abrir a porta do carro e colocar as pernas
para fora.
Dean dá um meio sorriso.
– Talvez.
Reviro os olhos e saio, pendurando a mochila no ombro e fechando a
porta devagar. Pego a bagagem no porta-malas e vou até a porta de Dean,
que abre a janela para mim.
– Sim, garota nova-iorquina?
En o a mão no bolso de trás e tiro nossa nota de cinco dólares, a mesma
que passamos de um para o outro desde que nos conhecemos. Fazemos isso
sempre que temos a oportunidade, como quando fazemos um favor um ao
outro. Mas a nota está caindo aos pedaços, e não sei como ainda não se
desintegrou.
– Cinco pratas pela carona.
Dean contrai os lábios e pega a nota, mas não consegue disfarçar o
sorriso.
– Você me deve bem mais que cinco dólares por isso.
– Eu sei. Desculpa.
Eu me debruço na janela, tasco um beijo com força no canto dos lábios
dele e por m me viro para entrar no terminal. Atrás de mim, ouço o som
do motor dando a partida de novo.
Não piso no aeroporto internacional de Los Angeles faz quase dois anos,
então parte de mim deseja que Dean tivesse entrado comigo, mas percebo
que é melhor não estender isso mais do que o necessário. Ele teria odiado
me ver desaparecer depois do check-in. Além disso, consigo me virar
sozinha. Acho.
Como previ, o terminal está incrivelmente cheio, mesmo tão cedo. Vou
costurando pela multidão até achar um lugar mais vazio, onde paro um
instante. Puxando a mochila para a frente, reviro o que tem lá dentro até
achar meu celular. Abro o aplicativo de mensagens, seguro a alça da mala e,
enquanto me dirijo ao check-in, começo a digitar:
Então escrevo para a pessoa que estou esperando 359 dias para ver.
Tyler.
2
Tyler continua tranquilo pelo resto da noite, agindo de forma tão casual que
é quase como se não se importasse que eu precise desesperadamente saber
em que pé estamos. Ele fala sobre assuntos irrelevantes durante o jantar,
conta umas piadas na caminhada de volta à Times Square e até tenta me
animar no metrô erguendo as sobrancelhas sem parar até eu abrir um
sorriso. É falso, claro, e no segundo em que viro o rosto ele desaparece.
– Então, onde é esse tal lugar com uma vista incrível? O Empire State
Building? A Estátua da Liberdade?
Cruzo os braços e o encaro, esperando a resposta.
Mas ele só se segura com mais força na barra do metrô e dá de ombros, e
posso jurar que está segurando uma risada. Aposto que ele estava sendo
sarcástico no restaurante. Aposto que vai me levar ao lugar mais horrível da
cidade, o lugar perfeito para destruir meu coração.
– Não exatamente – responde ele, por m. – Vem, a gente vai descer na
próxima.
Esperamos perto da porta por um momento, o vagão vibrando e o som
perfurando meus tímpanos. Estou começando a entender por que a maioria
das pessoas em volta está de fone. Mas dá para aguentar, pelos poucos
minutos em que camos aqui, e quando o metrô para com um guincho na
estação, Tyler me puxa pelo pulso para a plataforma.
Eu reconheço a estação de imediato. É a da 77th Street, o que signi ca
que não vamos nos aventurar em lugar nenhum além do apartamento dele,
pelo visto. Isso ca ainda mais óbvio quando saímos e refazemos o caminho
de antes. Tyler continua falando o tempo todo, mas já me desliguei. Estou
chutando a calçada com meu All Star enquanto ando, cando mais nauseada
a cada segundo que ele prolonga a situação. Meu humor se alterna entre
frustração e nervosismo. Em um minuto estou com raiva dele por não ter
acabado logo com isso no restaurante e no seguinte me pergunto por que
sequer fui tocar no assunto.
Passamos pelo carro dele (e pela caminhonete e pelo Civic) e, quando
estamos prestes a entrar, eu paro no meio da calçada. Inclino a cabeça para
trás e observo o prédio, que é mais alto que os outros ao redor.
Tyler ca parado na entrada, segurando a porta com as costas, e cruza os
braços.
– O que foi?
Eu olho para ele.
– Você disse que tinha uma boa vista, não disse?
– Disse.
Acho que ele sabe o que vou perguntar, porque sua boca está se abrindo
em mais um dos seus sorrisos.
Está mais fresco agora, e a brisa aumentou um pouco, mas é o su ciente
para jogar meu cabelo no rosto, então prendo as mechas atrás das orelhas e
pergunto:
– É o telhado?
Tyler não responde. Só me encara e sorri ainda mais. Por m, ele
murmura:
– Talvez.
Aposto que a vista lá de cima é mesmo bonita, mas, sinceramente, quero
dizer a ele para esquecer. Não tem por que me levar até lá só para dizer as
palavras que imagino que vá dizer. É como se ele estivesse sendo cruel de
propósito.
– Não é nada de mais – diz Tyler enquanto entro atrás dele e vamos até o
elevador. Ele aperta o botão do vigésimo andar, o último. – Quer dizer, tem
umas cadeiras e algumas plantas, mas é basicamente só um pátio de
concreto. Mesmo assim é legal. Sabe, car lá em cima.
En o as mãos nos bolsos da jaqueta e olho para baixo, mordendo a parte
de dentro da bochecha enquanto tento pensar no quanto os próximos
minutos vão ser horríveis. É provável que eu chore quando ele admitir a
verdade, mas estou rezando para aguentar, pelo menos até estar longe dele.
Estou com medo de parecer patética, mas tenho ainda mais medo de que
esta conversa que estamos prestes a ter só deixe o restante do nosso verão
meio embaraçoso.
A porta do elevador se abre, e desta vez Tyler não se afasta para me
deixar sair primeiro. Em vez disso, ele pigarreia e sai para o corredor. Ele
está tentando agir naturalmente, mas percebo que está com pressa. Um cara
passa por nós, indo na direção oposta, mas continuamos andando até Tyler
parar na última porta à esquerda, que parece diferente do resto. É porque
não é um apartamento, e sim uma porta simples que dá em um lance de
escadas de metal.
– É aqui em cima – chama ele, indo na frente e subindo três degraus de
cada vez.
A escada é mal iluminada, mas é apenas um lance, e, quando chego ao
topo, Tyler está me esperando na saída de incêndio. Ele dá um sorrisinho
antes de abrir a porta. Saímos para o telhado, e já é m de tarde, então, a
princípio, só vejo o topo de alguns dos outros prédios mais altos ao redor.
Como Tyler tinha falado, tem algumas espreguiçadeiras de madeira
espalhadas, com mesas combinando, e alguns vasos de plantas que parecem
meio ressecadas devido ao calor.
Enquanto estou dando uma olhada no lugar, Tyler para atrás de mim, e
do nada sinto suas mãos rmes em minha cintura. Perco o fôlego no
segundo em que sinto seu toque e me concentro no telhado de um prédio a
alguns quarteirões de distância enquanto tento não pensar na respiração na
minha nuca. Seus lábios se aproximam do meu ouvido, murmurando de
repente:
– Vem ver isso aqui.
Sua voz está rouca. É o su ciente para fazer um arrepio percorrer meu
corpo. Com as mãos ainda na minha cintura, ele me conduz até a beirada do
telhado.
E no momento em que meus olhos capturam a vista lá embaixo, esqueço
totalmente por que viemos para cá. Esqueço as mãos do Tyler no meu
corpo. Esqueço que ele está prestes a me dizer que me superou. Porque neste
segundo só consigo pensar, só consigo processar, como a vista é realmente
maravilhosa.
Talvez seja porque o céu está de um azul profundo, riscado com raios
cor-de-rosa, e talvez seja porque tudo embaixo e ao redor de nós esteja
brilhando, mas só consigo imaginar que tudo isso pareça mais
impressionante agora, à noite, do que seria durante o dia. Os faróis dos
carros e a iluminação dos postes na rua deixam tudo laranja, e a iluminação
uorescente das janelas dos prédios comerciais cria um mapa de pontinhos
de luz. Quanto mais longe olho, mais tudo parece apenas uma quantidade
absurda de edifícios, como se estivessem empilhados uns sobre os outros,
emitindo luz. Logo percebo por que Nova York é conhecida como a cidade
que nunca dorme. A cidade parece ainda mais viva agora do que há algumas
horas.
Eu não sinto Tyler me soltando até ele parar do meu lado, se inclinando
para a frente, cruzando os braços na mureta e soltando um suspiro.
– Eu gosto daqui – diz, baixinho.
Ele não precisa levantar a voz. A cidade pode parecer ainda mais
barulhenta à noite lá embaixo, mas aqui em cima só chega um ruído fraco.
Quero dizer a ele que também gostei daqui, mas ainda estou
maravilhada demais com a cidade ao nosso redor, atordoada demais para
falar. São quase assustadoras a grandeza de tudo e a nossa insigni cância
diante dela. Quantas pessoas estão espalhadas pelos telhados da cidade neste
instante? Quantas pessoas acreditam, neste exato momento, que esta cidade
é delas?
Uma brisa suave passa entre nós e meu cabelo esvoaça ao redor do rosto.
Ergo a mão e toco os lábios com o dedo, lentamente desviando o olhar para
Tyler. Ele ainda está examinando cuidadosamente o horizonte, mas deve ter
percebido minha atenção agora nele, porque sua mandíbula se contrai.
Suspirando, ele abaixa a cabeça.
– Suponho que você queira ter aquela conversa – murmura.
Parte de mim ainda quer, mas outra parte preferiria fazer tudo menos
isso. Este lugar é perfeito demais para ter essa conversa, mas já me coloquei
nesta situação, e Tyler talvez não me dê outra oportunidade para resolver a
questão. Esperei o ano inteiro para descobrir. Por que esperar mais? Por que
fazer isso comigo mesma?
Respiro fundo e engulo em seco, me acalmando. A adrenalina que senti
no restaurante já passou faz muito tempo, e só posso torcer para que volte.
Talvez assim bloqueie o tanto que isso vai doer. Dou uma olhada na ird
Avenue lá embaixo.
– A gente precisa conversar sobre isso já faz um tempo.
Há um silêncio breve enquanto Tyler se ajeita. Então ele descruza os
braços e entrelaça os dedos em cima da mureta, sem tirar os olhos das
próprias mãos.
– Por onde começar?
– Com você me dizendo que não sente mais nada por mim – respondo,
mas não importa quanto eu esteja tentando ser forte, minha voz falha na
última palavra. Fecho os olhos com força e balanço a cabeça, dando um
passo para trás, para longe da beirada. – Só admita. É só o que estou
pedindo.
É louco como as coisas podem mudar em um ano. Antes de Tyler sair de
casa em junho do ano passado, ainda havia algo ali, pairando no ar sempre
que estávamos perto um do outro. Nós dois sabíamos disso, só nunca
falávamos sobre o assunto. Eu já tinha feito o que achava certo. Tinha
deixado claro que nada daquilo ia funcionar e que estávamos perdendo
tempo, mas, com o passar dos meses, percebi que superar um ao outro seria
muito mais difícil do que eu pensava. Sempre que eu passava na casa do
meu pai e Tyler estava lá, a sensação era de que ngíamos ser outras pessoas
na frente dos nossos pais. Não tínhamos feito nada de errado, mas mesmo
assim nos sentíamos culpados. Até mesmo sair com Dean, Rachael e
Meghan era difícil. Nós cinco íamos ao píer, e Tyler olhava para o Paci c
Park e para mim quando ninguém estava prestando atenção, e eu sempre me
lembrava da vez em que ele me levou lá, porque foi nosso primeiro e único
encontro. Nenhum dos nossos amigos nunca notou os sorrisinhos de Tyler.
Mas eu sempre notava. Às vezes ele cava me olhando nos corredores da
escola. Às vezes eu correspondia. Então ele sorria e dava as costas, e eu
voltava a prestar atenção em Dean, que em geral estava do meu lado. Eu me
preocupava com o Dean. Pensei que Tyler me odiaria por isso, por terminar
com ele e começar a namorar seu melhor amigo. Mas ele nunca comentou
nada. Nunca. Apenas olhava para mim com descon ança quando me via
junto com Dean.
Mas tudo isso foi antes de ele ir embora. Tudo isso faz um ano.
As coisas estão diferentes agora. Eu sei. Ele está mais distante, mais
relaxado em relação ao meu namoro com Dean. Não sei por que isso está
me incomodando tanto. É exatamente o que eu esperava. Quer dizer, um
ano em Nova York? Não consigo pensar em uma cidade melhor para tentar
esquecer alguém. Quantas garotas ele deve ter conhecido ao longo desses
meses? Quantas pessoas novas conheceu nos eventos? Talvez tenha saído
com outras pessoas. Talvez já esteja namorando.
E, ainda assim, aqui estou eu, parada neste telhado ao seu lado, ainda
perdidamente apaixonada por ele.
– Não vou dizer que não sinto mais nada por você – responde ele por
m.
Meus olhos se abrem e eu ergo a cabeça, examinando seu rosto, que
continua voltado para a rua lá embaixo. Apesar da mandíbula ainda
retesada, ele não parece irritado, só sério. Tyler se empertiga, se afasta da
mureta e me encara. No segundo em que seus olhos vibrantes encaram os
meus, só uma coisa passa pela minha mente: esperança.
– Não vou dizer isso – continua ele. – Porque não esqueci você.
7
Não lembro quando adormeci. Não lembro nem como adormeci. Só sei que,
quando acordo, estou enrolada no edredom do Tyler e ouvindo uma voz
murmurando meu nome. Mas estou cansada demais para sequer tentar abrir
os olhos, então me viro para o lado e enterro o rosto em um dos travesseiros,
gemendo. Parece que está de madrugada.
– Eden – diz a voz novamente, mais alto.
Minha cabeça pesa, e começo a me perguntar quantas cervejas Snake me
deu na noite passada. Eu não me lembro do Tyler voltando do telhado, pelo
menos não enquanto eu ainda estava acordada. Mas me lembro de dividir
uma pizza fria com Snake na cozinha. Eu não consigo nem lembrar de que
sabor era. Pode ter sido margherita ou pepperoni. Qualquer que fosse, não
lembro se era boa.
– Tem café – diz a voz, e imediatamente isso chama a minha atenção.
Parece o Tyler. – Latte de baunilha, pelando, bem como você gosta.
Dou um bocejo enquanto me viro de volta, abrindo devagar os olhos,
mas estreitando-os logo em seguida por causa da claridade que entra pela
janela. Leva um segundo para minha visão se adaptar, e então Tyler é a
primeira coisa que vejo. Ele está de sobrancelhas erguidas e um sorriso
gentil nos lábios. Estou meio confusa, mas consigo estender o braço, meus
dedos tentando alcançar o copo na mão dele.
– Nada disso – diz ele na mesma hora, afastando-se de mim com o café.
– Só quando você se levantar.
Solto outro gemido e empurro o edredom, forçando meu corpo a se
sentar. Abro bem os olhos e ofereço um sorriso esperançoso, mas ele balança
a cabeça, o que me faz revirar os olhos e colocar as pernas para fora da
cama. En m, co de pé.
– Não foi tão difícil, foi? – Rindo, ele me passa o copo, e eu suspiro,
satisfeita. Está tão quente que quase queima minha mão. – Gostei do pijama.
Olho para baixo e descubro que ainda estou usando a saia e a camiseta
branca de ontem à noite. Pelo canto do olho, vejo a jaqueta largada no chão.
– Eu estava cansada.
– Cansada, sei – diz Tyler, cético. – Todas aquelas garrafas vazias de
cerveja na cozinha sugerem outra coisa.
Sinto minhas bochechas corarem, então levo o copo aos lábios na
tentativa de esconder parte do rosto. Mas Tyler percebe ainda assim, porque
cai na risada, e co surpresa por ele não fazer cara de reprovação, como era
comum antigamente. Talvez não ligue mais.
– Eu só bebi um pouco – falo, depois de um gole no café, que percebo
que é da Starbucks. Não é da Re nery, meu café favorito perto da minha
casa, mas é bom o bastante para matar a vontade. – Por que você não voltou
para casa?
Tyler dá de ombros, mas não responde a minha pergunta. Em vez disso,
dá a volta na cama para ajustar as cortinas, apesar de já estarem abertas.
Depois de um momento, ele se vira, lançando para mim um olhar
arrebatador do outro lado do cômodo.
– Eu sei que você quer muito dar uma olhada no Central Park. Então
pensei em fazermos isso hoje, que tal?
Eu me alegro. Ir ao Central Park foi o que mais me entusiasmou nesta
viagem.
– Claro! É perfeito.
– E é – diz Tyler. – Saímos em uma hora?
– Vou estar pronta.
Assentindo, ele se vira para sair, mas para de repente na porta e olha
para mim.
– Esqueci de comentar, segunda-feira à noite vamos te levar para um
jogo dos Yankees.
Não consigo evitar uma careta. Tyler sabe que não sou a maior fã de
esportes do mundo.
– Futebol americano?
Com um suspiro profundo, ele balança a cabeça.
– Beisebol, Eden, é beisebol. Yankees contra os Red Sox. Derek Jeter
nalmente vai voltar a jogar. Ele quebrou o tornozelo no outono do ano
passado.
– Quem?
– Meu Deus. – Tyler, sem acreditar, aperta as têmporas, boquiaberto. –
Derek Jeter? Sabe, a lenda?
– Quem? – pergunto novamente.
Ele está atônito.
– Inacreditável.
– Eu nem sei como beisebol funciona – explico, indignada. Tomo outro
gole do café. Não chega nem perto do café da Re nery. Nem em um milhão
de anos. – Como você acha que eu conheceria os jogadores? E desde quando
você é fã desse tal de Derek Jeter? Achava que você torcia para os 49ers.
– E torço – diz Tyler, bem devagar. – É que os 49ers são um time de
futebol americano, Eden.
– Como assim?
– Certo, chega – diz ele, balançando a cabeça e me encarando com uma
expressão zombeteira. – Tem vários campos no Central Park, então a gente
vai jogar beisebol. Você não vai embora desta cidade até aprender a amar o
esporte nacional. – Sem esperar que eu proteste, o que sabe que planejo
fazer, ele dá meia-volta e imediatamente sai do quarto. De costas, ele grita: –
Uma hora!
Eu reviro os olhos e fecho a porta. Posso odiar esportes, mas talvez não
seja uma má ideia. Tyler correndo, todo atlético e suado? Estou dentro.
Coloco o copo de café na mesinha de cabeceira, faço a cama do Tyler
rapidinho, então me abaixo para abrir a mala. Em algum momento tenho
que arrumar as coisas, quando descobrir onde devo pendurar as minhas
roupas. Pego algumas peças, termino o café e vou para o banheiro.
Tyler está perto da pia, bebendo um copo de água. Ele me vê chegar.
– Cadê o Stephen? – pergunto.
O apartamento está silencioso, ao contrário de ontem à noite. Só ouço a
água escorrendo na pia.
Tyler indica a porta fechada ao lado.
– Dormindo. Provavelmente só vai acordar de tarde.
Ele fecha a torneira e leva o copo aos lábios.
– Ele está na faculdade, né?
– Aham. – Ele dá um gole e se recosta no balcão. – Faz ciência da
computação. Alguma coisa de redes. Se forma ano que vem.
– Ele não tem cara de universitário – murmuro. Ontem à noite, me
lembro vagamente dele en ando duas fatias inteiras de pizza na boca
enquanto segurava uma garrafa de cerveja. Quanto mais penso nisso, mais
percebo que ele parece exatamente um cara que está na faculdade. Imagino
o que me espera. – Vou tomar um banho.
Ele assente e dá um passo para o lado, me deixando passar com pouca
folga, o que tento fazer da forma mais elegante possível. Mas ainda assim
acabo esbarrando no copo de água e derrubando algumas gotas na camisa
dele. Tyler revira os olhos e se afasta.
Tomo um banho rápido e visto um short jeans e um colete azul. Sem
saco para tirar o secador da mala, simplesmente prendo o cabelo úmido
num coque frouxo e decido car sem maquiagem. Rachael não aprovaria,
mas felizmente ela não está aqui para questionar meu desleixo.
Pego minhas coisas e volto para o quarto do Tyler. Snake ainda não
acordou. Tyler está vendo a previsão do tempo na TV, tão concentrado que
nem me vê passando atrás e entrando no quarto dele, que agora é meu.
En o as coisas de volta na mala, então tateio os bolsos do short. Nada.
Não me lembro da última vez em que peguei meu celular. Pode ter sido na
Times Square ontem de noite, porque me lembro de tirar fotos. Meus olhos
avaliam o quarto e avisto minha jaqueta, ainda largada no chão. Eu me
abaixo e veri co os bolsos, suspirando de alívio ao encontrar meu telefone.
Mas ele está totalmente sem bateria.
É neste momento que percebo que não falei com Dean desde que saí de
casa. Era para eu ter ligado quando o avião pousou. E antes de ir dormir. E
quando acordei. Na verdade, era para eu falar com ele o dia todo, todo dia.
Esse era o acordo. Mas não mandei nem uma única mensagem.
– Pronta?
Dou um pulo ao ouvir a voz de Tyler atrás de mim. Eu me viro e o vejo
parado à porta, com um taco de beisebol em uma das mãos e uma bola na
outra. Ele apoia o taco no ombro e sorri.
– Aham – respondo.
Só levei vinte minutos para me aprontar, não uma hora, mas não tem
por que car esperando. Com o tempo que sobrou eu sei que poderia ligar
para o Dean, mas meu celular está sem bateria. Também sei que poderia
ligar do telefone do Tyler, mas depois da nossa conversa de ontem à noite
acho que não seria apropriado pedir o celular dele emprestado para ligar
para o meu namorado. Seria quase como dar um tapa na cara dos dois ao
mesmo tempo.
Minha nossa, que pessoa horrível eu sou. Horrível mesmo.
– Um segundo – peço para Tyler.
Pego minha mochila e reviro todas as porcarias que joguei nela até por
m tirar o carregador lá do meio. Encontro uma tomada e conecto o celular
para que a bateria carregue enquanto a gente estiver fora. Vou ligar para
Dean quando voltar. Com sorte ele não vai estar tão chateado assim comigo.
– Vamos?
Tyler está apoiado no batente da porta, e eu faço que sim ao calçar meus
All Stars. Meus All Stars novos. Que ele me deu. Que me dizem para não
desistir.
– Aham, tudo certo – falo. Eu me levanto e coloco as mãos na cintura,
olhando para o taco de beisebol descon ada. Eu posso não saber como
jogar, mas sei que quero arrasar. – Tem certeza de que quer me ensinar?
– Absoluta – responde Tyler, se afastando da porta e me esperando na
sala de estar. Ele pega minha mão, a pele quente em contato com a minha, e
lentamente coloca a bola de beisebol na minha palma. Então fecha os dedos
ao redor dos meus. – Não que animada – comenta. – Não vou dar moleza.
– E nem precisa.
– Ainda bem. – Ele aperta minha mão e logo solta. Vai até a porta
casualmente, como se não tivesse acabado de encostar em mim de novo e
como se eu não tivesse parado de respirar por um segundo. Acho que ele faz
essas coisas de propósito, tipo tocar na minha mão ou pegar na minha
cintura. Aposto que ele sabe que isso me desconcerta. Aposto que ele sabe
que eu adoro. – Então, você vem?
Dou uma olhada por cima do ombro e então concluo que o cabelo dele
de nitivamente está um pouco maior do que me lembro. Com um corte
melhor, menos bagunçado. Sei lá como consigo não car encarando o tempo
todo. Dou um sorriso.
– Vamos.
Tyler dá uma olhada no apartamento antes de sairmos – ele até jogou
fora as garrafas de cerveja vazias enquanto eu estava me aprontando, pelo
que parece – e vamos embora, deixando Stephen dormindo em casa. No
elevador, entram conosco uma mulher e sua criança escandalosa, então não
temos como conversar enquanto a birra implacável se estende por todo o
trajeto dos doze andares. Eu tento não fazer contato visual, focando meu
olhar nas botas de Tyler. Aposto que ele está olhando para os meus tênis.
Nenhum de nós sorri.
Depois do constrangimento no elevador, cruzamos o saguão principal
até as portas, eu bem perto dele. Não consigo tirar os olhos de sua nuca, e
Tyler abre a porta para mim usando o taco de beisebol, o que gera alguns
olhares irritados dos passantes na calçada.
– Acho melhor você me devolver a bola, ou vão achar que estou prestes a
cometer um crime – diz ele, rindo, me esperando passar.
– Hum – digo, hesitando na calçada. Inclino a cabeça e o avalio, fazendo
graça. Ele balança o taco na mão esquerda. – É, você de nitivamente parece
prestes a espancar alguém. Acho que vou car com a bola mais um pouco...
Ele de repente bate o ombro com força no meu e arranca a bola da
minha mão. Não sei como, mas ele faz isso sem nem encostar em mim.
– Engraçadinha – diz, seco, mas está sorrindo enquanto joga a bola para
cima e a pega de volta. – Então – diz, sua voz mais grave do que um segundo
atrás –, beisebol. O esporte nacional.
Ele vira na 74th Street, e eu o acompanho, atravessando a ird Avenue
e depois passando pelas ruas estreitas. O trânsito da cidade está intenso,
tanto de veículos quanto de pedestres, e co pensando como seria se Nova
York um dia casse completamente imóvel. É impossível imaginar essas ruas
sem carros e pessoas e barulho. É impossível imaginar essa cidade sem essa
confusão.
Desvio das pessoas no caminho, me esforçando para não esbarrar em
ninguém, embora todo mundo pareça determinado a esbarrar em mim.
Recuo um pouco e me concentro em Tyler.
– O esporte nacional não é futebol americano?
– Eu nem vou me dignar a responder isso – retruca ele, segurando a bola
entre o polegar e o indicador, observando-a com intensidade, como se
nunca tivesse visto uma dessas antes. – Certo, Eden, o negócio é o seguinte:
beisebol é simples.
– Acertar a bola e correr?
– Sim, mas não – responde ele, balançando a cabeça e suspirando. – Não
é tão simples assim.
Era de se esperar que eu tivesse que me forçar a prestar atenção
enquanto ele me explica as regras, mas por incrível que pareça eu não
preciso ngir interesse. Quanto mais Tyler me fala todo animado sobre
beisebol, mais eu quero jogar. Ele explica que são nove entradas, cada uma
dividida em dois turnos. Não há limite de tempo. Cada time tem nove
jogadores. Ele me fala sobre as linhas de falta. O que arremessadores, elders
e batedores fazem. Algo sobre um shortstop. Ele me explica o que é um walk.
O que é um strikeout. Ele me diz até que existem três bases além da home
plate, apesar de eu já saber disso. E, por m, ele fala sobre home runs. Fala
como se fosse fácil.
E no tempo que leva para Tyler explicar tudo isso, jogando a bola para o
alto e balançando o taco em sincronia com as palavras, chegamos ao
perímetro do Central Park sem que eu nem perceba.
– Ai, meu Deus.
Olhando à direita, a mata parece se estender pela Quinta Avenida
in nitamente.
Tento procurar o m à esquerda, mas é a mesma coisa do outro lado.
Antes que eu me dê conta, atravessamos a Quinta Avenida e estou parada na
calçada em frente ao Central Park, encarando árvores. Muitas árvores.
– Eu sabia que era grande, mas não imaginei que fosse tão grande assim.
– Acho que tem mais de quatro quilômetros de norte a sul. E cerca de
um quilômetro de leste a oeste. – Olho para ele de canto de olho, surpresa
com essa exatidão toda. – Eu li em algum lugar – admite ele, envergonhado,
e dá de ombros.
– Onde cam os campos?
– Tem alguns no Great Lawn. Meio que no centro do parque, então
temos que ir para lá. – Ele ergue o taco e aponta para o norte da Quinta
Avenida. – Agora é provavelmente uma boa hora para avisar que eu só pisei
no Central Park, tipo, cinco vezes. Então se a gente acabar se perdendo, foi
mal.
– Cinco vezes? Em um ano? Morando bem do lado? – Eu o encaro de
boca aberta, sem acreditar, e ele ri.
– Não é muito a minha – diz ele, e então pega o celular do bolso da calça
jeans e abre o aplicativo de mapas. Ele avalia o aparelho por um segundo e
então diz: – Certo, por aqui.
Seguimos ao lado do muro que cerca o parque até chegarmos a uma
abertura que dá para um caminho de pedestres. Tem alguns carrinhos na
calçada vendendo cachorro-quente e pretzels, mas logo passamos por eles e
entramos no parque.
Os caminhos são cheios de curvas, com cercas que impedem o acesso às
árvores e aos arbustos, que estão, sem exagero, em todo lugar. Tudo é tão
verde que quase parece que minha visão está com um ltro. Para todo lugar
que olho, só vejo verde, verde, verde. É tão relaxante. As pessoas passam por
nós correndo, andando de bicicleta e patinando enquanto andamos sem
pressa. Quero observar a paisagem com calma, e Tyler não parece se
importar com a lentidão com que avançamos, porque ele segue bem ao meu
lado, balançando o taco de beisebol devagarinho.
– Tem um circuito, não tem? De corrida?
Não olho para ele ao falar, simplesmente porque não consigo tirar os
olhos desse cenário. É tão tranquilo e relaxante, tão diferente do restante de
Manhattan. É como se a gente tivesse entrado numa cidade totalmente
diferente.
– Tem, em volta do reservatório – responde Tyler, seguro, embora ele
mesmo tenha admitido que não conhece bem as coisas aqui.
Ele ca veri cando o celular a cada segundo quando acha que não estou
olhando, mas ainda assim vejo como ele franze a testa para a tela antes de
me dizer para onde ir.
Passamos por baixo de uma ponte, continuamos pelas trilhas,
atravessamos uma rua (o que me pega de surpresa, porque eu não tinha
ideia de que dava para passar de carro pelo parque) e continuamos na
direção norte pelo longo caminho que Tyler está indicando. Nem parece que
já estamos andando faz vinte minutos quando paramos para descansar em
um laguinho. Várias pessoas parecem ter tido a mesma ideia, sentadas
observando a paisagem. Depois de um tempo ali descobrimos que se chama
Turtle Pond. Quando pergunto para Tyler se o nome é porque tem
tartarugas no laguinho, ele só ri e fala:
– Dã.
Continuamos a andar, e em poucos minutos as árvores desaparecem e
dão lugar a uma clareira. É isso mesmo, o Great Lawn: um campo aberto
imenso, cercado por uma trilha que dá a volta no perímetro cercado. Se eu
forçar a vista, dá para ver o marrom da terra dos campos de beisebol.
– Tem um livre ali – aponta Tyler. Eu mal consigo ver os campos, quanto
mais se tem algum vago. Ele pigarreia e continua andando ao lado da cerca.
– Ainda lembra o que precisa fazer?
– Acertar a bola – respondo – e dar a volta nas bases até conseguir um
home run. A não ser que você seja idiota e se esforce para pegar a bola e me
tirar do jogo.
Tyler dá uma risada e passa a bola para mim. Sua pele nalmente
encosta na minha. Só por meio segundo, mas é o bastante.
– Já avisei, não vou pegar leve com você.
– Mas eu quero fazer um home run.
Ele não responde por um momento, só ca encarando uns turistas
tirando fotos em grupo. Parecem europeus. Tyler ca observando por um
longo minuto até trocar o taco de mão.
– Você não é o tipo de garota que gosta de bases?
– Como assim?
– Ah, você sabe – diz ele, sorrindo. – Bases. Você não quer parar nelas?
– Só se eu precisar.
Ele balança a cabeça e dá uma risada, baixinho desta vez. Pelo canto do
olho, percebo como ele acabou parando mais perto de mim do que estava há
menos de um minuto. Tem menos de cinco centímetros nos separando, no
máximo. Ele morde o lábio enquanto caminhamos.
– Você não acha que as bases são meio lentas? Primeira base, segunda
base, terceira base... É gostoso parar nelas, mas demora. Sou mais do tipo
que prefere fazer logo um home run.
De repente, o tom rouco da voz dele, e o brilho nos olhos, e seu jeito de
segurar o riso, tudo de repente faz sentido.
Diminuo o passo até ele se virar para mim. Seu olhar intenso encontra o
meu e quase co nervosa demais para formular a pergunta que está na
minha mente. Sinto minhas bochechas cando vermelhas, mas me forço a
dizer:
– Você está falando mesmo de beisebol?
Tyler dá um sorrisinho e baixa os olhos, a mandíbula tensa enquanto se
esforça para manter os lábios fechados e sérios. Mas ainda percebo os cantos
dos seus olhos se enrugando, e quando ele abre a boca para falar, sua voz
tem um tom ao mesmo tempo honesto e brincalhão.
– Talvez.
9
Olho para o céu. Está de um azul pálido, quase cinza, e passeio pelo cume
das árvores, acima da imensidão verde. Atrás, os prédios de Manhattan se
erguem. É tão lindo. Tão Nova York.
– Pronta?
Baixo o rosto e vejo Tyler, parado bem à minha frente, no montinho do
arremessador, com um sorriso brincalhão no rosto ao jogar a bola de uma
das mãos para a outra. Inclino o corpo um pouco para o lado e ergo o taco,
me preparando. Quero impressioná-lo.
– Com certeza.
– Olha para mim – avisa ele. Essa é a parte mais fácil. Olhar para ele? Rá.
Como se eu conseguisse olhar para outra coisa. – Você só tem que girar o
taco. Nem antes nem depois. A voz dele está rouca mesmo que esteja
falando alto, e tento me manter atenta à tarefa em vez de car pensando em
como a voz dele é deliciosa. – Você tem que girar o taco no momento exato.
Eu assinto e me preparo na posição, estreitando os olhos para a bola nas
mãos de Tyler. Por favor, acerta, digo para mim mesma. Por favor, não pague
mico.
Sorrindo, Tyler chuta a terra e me encara, com a testa franzida. Ele gira o
braço para trás com decisão e, em meio segundo, joga a bola. Ela vem
sibilando pelo ar, e eu entro em pânico, fechando os olhos ao girar o taco,
quase descolando o ombro. Erro feio, e a bola passa bem do lado do meu
rosto, me forçando a pular para a esquerda.
A risada de Tyler ecoa pelo campo, e eu faço cara feia para o nada.
Beisebol não é tão fácil quanto eu pensava.
– Vai, joga a bola de volta para mim! – grita ele.
Bufando, prendo o taco embaixo do braço e ando pisando duro pelo
gramado para pegar a bola, que foi rolando até ali perto. A primeira rodada
não conta. Eu vou acertar desta vez, com certeza. Eu me abaixo e pego a bola
antes de voltar numa corridinha para a home base, jogando a bola com
cuidado para Tyler, que ainda está rindo no meio do campo.
– Certo – diz ele por m, pigarreando. Ele sorri. – Você girou cedo
demais. Não entra em pânico dessa vez. Se concentra.
Eu aperto os lábios com força, me concentrando na bola nas mãos dele, e
me posiciono de novo. O taco está no ar acima do meu ombro, e não digo
nada, só espero.
Tyler assente uma vez e ergue o braço para jogar a bola. Ela vem girando
na minha direção, mas desta vez não entro em pânico, só co parada até o
momento certo. Com toda a minha força, giro o taco, e de repente ouço um
estalo ribombante.
Só percebo o que aconteceu quando vejo a bola fazendo a curva de volta
pelo campo, passando por cima da cabeça de Tyler, que ergue as
sobrancelhas, surpreso. Não vejo onde a bola foi parar, só percebo que ainda
estou parada na base. Mas não deveria. Eu deveria estar correndo.
Vou para a primeira base no exato momento em que Tyler começa a
correr para pegar a bola. Meu coração martela no peito e meus olhos quase
parecem embaçar, mas continuo, passando pela primeira base em segundos.
Estou indo para a segunda, mas vejo Tyler se virando e correndo de volta,
provavelmente tão rápido quanto eu. Tento aumentar a velocidade, quase
escorregando na terra quando contorno na segunda base. Eu quero fazer um
home run, penso. Quero muito, muito, fazer um home run.
– Não faz isso! – grito, de olho na terceira base, mas Tyler está cada vez
mais perto.
Ele falou sério. Não está pegando leve. Começo a entrar em pânico
quando ele se aproxima, me forçando a continuar correndo, o coração
disparado.
Mas quando estou a poucos metros da terceira base, o corpo de Tyler
surge na frente do meu, e nos atropelamos antes que eu consiga parar. Ele
segura minha cintura e me puxa para o chão consigo, e nós dois acabamos
caídos na terra.
Ele começa a rir enquanto tento recuperar o fôlego, estamos ofegantes. A
bola caiu a vários metros de nós.
– Não é justo – reclamo, mas não ligo muito.
Meu corpo está encostado no dele, e logo eu me viro e deito de costas.
Apoio a cabeça no chão ao lado dele, e camos os dois encarando o céu
cinzento. Está cando mais escuro.
– Eu queria fazer um home run.
– Bem-vinda ao mundo do beisebol – diz Tyler, mas ainda está rindo.
Depois de um tempo ele se acalma e suspira, sentando-se no chão. Seus
olhos verdes estão intensos. – Quanto você queria aquele home run?
– Mais que tudo – respondo, cruzando os braços e virando o rosto.
Ainda estou sem fôlego. – Eu queria ser bem fodona.
– Levanta – ordena Tyler. Sinto que ele se ergue ao meu lado, e seu corpo
alto lança uma sombra sobre mim, apesar de o sol não estar muito forte. –
Vem.
Com um suspiro, eu co de pé e limpo a roupa. Ergo as sobrancelhas,
intrigada, à espera de uma explicação. Tyler está sorrindo.
– Eu não cheguei na base nem devolvi a bola – diz ele, devagar, o sorriso
cada vez maior –, então você ainda está no jogo. O home run é todo seu. –
Ele deve perceber minha confusão, porque balança a cabeça. – Você não
estava ouvindo nada do que eu falei no caminho até aqui? Não prestou
atenção nas regras?
– Eu não estou fora?
Ele revira os olhos e nem se incomoda em responder. Em vez disso,
segura minha mão. Eu já deveria estar acostumada com a sensação, mas não
estou. Passamos tanto tempo sem nos vermos que agora o mínimo toque
dele me deixa atordoada. Não consigo entender por que as minhas mãos
parecem se encaixar mais perfeitamente nas dele do que nas de Dean. Pode
ser porque as mãos de Tyler são mais macias, enquanto as de Dean são
calejadas por trabalhar na o cina do pai. Poderia até ser porque as mãos de
Dean costumam ser frias e as de Tyler estão sempre quentes. Não sei. É
simplesmente diferente. Meu corpo nunca reage ao Dean da mesma maneira
que reage ao Tyler, e não consigo concluir se é porque sou mais apaixonada
por Tyler do que por Dean, ou se é simplesmente a culpa que faz meus
batimentos acelerarem. Por muitas razões, é errado Tyler e eu carmos
juntos. É errado não termos superado o que aconteceu entre nós. É errado
ertarmos pelas costas de Dean. É errado porque somos irmãos postiços.
Sempre será errado.
Tyler está me puxando atrás dele, a pele macia e quente. Nós saímos da
terceira base e atravessamos o campo, mas não estou prestando atenção.
Minha cabeça ainda está nas nossas mãos entrelaçadas, e no Dean, e na
bagunça que tudo isso está virando. Este verão vai ser um inferno, e eu
duvido que vá sobreviver até o nal das seis semanas aqui. Dean estava certo
em car preocupado. Estou passando as férias a quase cinco mil quilômetros
de distância do meu namorado com a pessoa por quem estou apaixonada.
Tem diferença entre amar e estar apaixonado? Porque acho que é a diferença
entre Tyler e Dean para mim.
Eu amo Dean, mas estou apaixonada por Tyler.
E pensar que eu achava que nada seria mais confuso do que biologia
avançada.
Depois de apenas alguns segundos, Tyler para. Ele solta a minha mão e
para na minha frente. Seus olhos cor de esmeralda me encaram enquanto ele
pousa a mão no meu quadril e baixa o rosto, assentindo para os meus pés.
Olho para o chão e só então percebo onde estou. Voltei para o home
plate, onde comecei. Chuto a placa com meus All Stars antes de encarar
Tyler, minha testa franzida.
Tyler leva um momento para engolir em seco, então aperta minha
cintura e dá um passo para trás. Baixinho, com um sorriso nos lábios, ele
diz:
– Conseguiu seu home run, fodona.
Continuamos a jogar até começar a chover. No início é só uma garoa, mas
pouco a pouco o céu ca escuro, e a chuva, mais pesada, e logo uma
tempestade cobre a cidade. Todo mundo parece ter abandonado seus
campos, e só eu e Tyler somos loucos o bastante para continuar. Por m,
quando meu cabelo já está totalmente encharcado e a camiseta do Tyler está
colada ao peito, decidimos parar.
Até corremos e caímos na risada. Não porque estamos ridículos ou
porque estamos correndo de um jeito estranho, mas simplesmente porque
essa bagunça é muito a nossa cara. Tyler toda hora ca para trás, e eu tenho
que parar e esperar por ele, porque não sei o caminho de volta. Volta e meia
tenho que fechar os olhos por causa da água e deixo a bola cair algumas
vezes na saída. Até meus All Stars novos estão esguichando. Fico com medo
de que a frase que Tyler escreveu desapareça, mas nem chega a borrar.
– Não estou acostumada com chuva! – grito quando pulo para a calçada,
tirando o cabelo molhado do rosto.
Respiro fundo e olho para a avenida. Tenho quase certeza de que temos
que virar à direita.
Tyler para ao meu lado, sem fôlego, o cabelo escorrido. Gotas de chuva
escorrem pela sua testa, mas ele nem tenta limpar.
– Parece que está esquecendo suas raízes de Portland, hein – diz ele, alto
o bastante para eu conseguir ouvi-lo mesmo com o estrondo da chuva no
concreto.
Reviro os olhos e dou um empurrão no ombro dele. Por outro lado, ele
tem razão. Nunca vou entender como aguentei viver com chuva assim quase
o ano inteiro. Depois de morar em Santa Monica por dois anos, agora estou
acostumada a sol e calor constantes.
– Pode acreditar, acho que nunca tive raízes em Portland mesmo – digo.
Ele me leva para a direita, como achei que faria. Aos poucos estou
conseguindo me localizar. – Odeio aquela cidade. A única coisa boa era o
café.
– Melhor que da Re nery?
– Sem dúvida.
Tyler só responde depois que atravessamos correndo a avenida e
voltamos para a 74th Street. Os turistas estão encharcados e chateados, mas
não posso julgá-los. Costuramos pela multidão úmida que ainda povoa as
calçadas, e Tyler olha para mim de canto de olho, com pingos grudados nos
cílios.
– Você ainda vai lá? Na Re nery?
– O tempo todo. – Acho que nunca comprei café em nenhum outro
lugar desde que pisei em Santa Monica. Seria quase uma traição. – Melhor
café da cidade.
– A gente já contou para você como descobriu aquele lugar?
– Porque ele por acaso ca na avenida principal?
– Rá. Não. – Ele dá um risinho e puxa o cabelo para trás. Já paramos de
correr, embora a chuva esteja tão forte quanto antes, e ele gira o taco nas
mãos. – No primeiro ano, matávamos aula depois do almoço e ia para o
centro porque queria que todo mundo nos visse. Até hoje não entendo.
Éramos idiotas. – Ele balança a cabeça e ri. – A Rachael precisava usar o
banheiro e estávamos passando pela Re nery, então ela entrou correndo e
implorou para usar o deles. Mas não queriam deixar porque ela não tinha
comprado nada, então ela comprou um mocha. – Seus lábios se abrem num
sorriso suave, como se ele gostasse da lembrança do dilema urinário de
Rachael. – Ela voltou correndo e falou para nós que o café lá era incrível, aí
acabamos passando tipo cinco horas lá, e começamos a frequentar o lugar
quase todo dia.
Estudo a expressão calorosa dele e tento imaginar aquilo, todos eles
juntos. É difícil pensar nisso agora. Depois da formatura, todos seguiram
caminhos diferentes. Tyler se mudou para Nova York. Jake foi para Ohio,
Tiffani, para Santa Barbara. Meghan está em Utah. Tanta coisa mudou em
um ano.
– Você ainda fala com todos eles?
O sorriso de Tyler logo muda, quase cando triste, e ele balança a cabeça
devagar.
– Só com o Dean, praticamente. Às vezes com a Rachael – diz ele. –
Quer dizer, a Meghan meio que sumiu com aquele Jared, e Jake continua um
babaca. Sabia que ele está saindo com três garotas ao mesmo tempo?
– Da última vez que comentaram, eram só duas – murmuro. Jake não
mantém muito contato com a gente, mas quando decide mandar uma
mensagem normalmente é para o Dean, informando o total de garotas que
conquistou em Ohio. Dean nunca responde. – Eu sabia que essa história de
relacionamento a distância não ia funcionar para ele e para a Tiffani, mas
pelo menos achei que duraria mais que três semanas.
– Tiffani precisa de um cara do lado, e Jake, de uma garota. É claro que
não ia dar certo.
Desvio o olhar dele por um momento e encaro o trânsito, todos os
limpadores de para-brisa se movendo na maior velocidade possível. Engulo
em seco e aperto a bola de beisebol com força.
– Você fala com ela?
– Com a Tiffani? – Sinto os olhos de Tyler em mim, mas estou com
medo demais para encará-lo. Fico olhando para a calçada, para meus tênis,
enquanto andamos. Ele interpreta meu silêncio como um sim. – Que
pergunta idiota. Você fala com ela?
– Não – respondo.
Tyler não diz mais nada. Só dá um leve suspiro, girando o taco com mais
força. Ele mantém o olhar ao longe, e duvido que se volte para mim tão
cedo. Ele odeia quando eu falo nela. Ninguém gosta muito de falar de ex,
especialmente quando a ex é a Tiffani. Ela infernizou a vida do Tyler e,
quando descobriu o que estava acontecendo entre nós dois, passou a nos
odiar, tenho certeza.
– Então, quando a Rachael e a Meghan chegam?
Ergo a sobrancelha, intrigada com a mudança repentina de assunto, mas
não ligo. Também não gosto muito de falar sobre a Tiffani.
– Dia 16. A Meghan ainda vai estar na Europa com Jared até lá, então
vão fazer a viagem de aniversário um pouco depois do planejado.
– Então imagino que você vai me abandonar para car um pouco com
elas?
Tento olhar para ele, mas ele está determinado a encarar a calçada. A
essa altura acho que nós dois não ligamos mais de estarmos ensopados.
Caminhamos devagar.
– Ei – falo –, elas só vão passar alguns dias aqui. Eu teria vindo com elas
se já não estivesse aqui.
Finalmente ele se vira para mim, com um sorriso.
– Ainda bem que eu falei primeiro.
Cruzamos a ird Avenue e estamos quase chegando ao prédio dele. Só
a visão do edifício e a expectativa de nalmente me secar já são o su ciente
para me fazer dar uma corridinha pelos últimos metros. Tyler me segue, e
nós dois entramos correndo e pingando no hall silencioso. Ficamos ali
parados por um momento, tentando nos recompor, até por m Tyler cair na
risada.
Finalmente ele passa a mão no rosto para se enxugar um pouco.
– Talvez hoje tenha sido um dia ruim para jogar beisebol.
– Não me diga – resmungo, mas estou sorrindo.
Sem hesitar mais, vamos para o elevador, deixando uma trilha molhada
no lobby do prédio. Ainda estamos rindo à toa, e parte de mim se pergunta
se não é só o efeito de um banho de chuva, mas logo percebo que não é o
clima que está nos fazendo rir; estamos mesmo de bom humor. Tento torcer
a camiseta ao seguir Tyler pelo corredor até o apartamento.
Somos recebidos por Snake, que está sentado no carpete encostado em
um dos sofás. Está digitando no celular. No início ele nem tira os olhos do
aparelho, mas por m decide notar nossa presença.
Quando isso acontece, ele arregala os olhos e nos observa por um
momento antes de perguntar:
– O que aconteceu com vocês dois? Decidiram pular na merda do
Hudson?
– Você sabe que está chovendo, né? – Tyler dá uma risadinha, então se
vira e vai para a cozinha, largando o taco de beisebol na bancada e entrando
no banheiro. Alguns segundos depois ele volta com duas toalhas. – Sabe...
Chovendo pra cacete?
– Desde quando? – pergunta Snake, totalmente por fora. Ele estica o
pescoço, olhando para as janelas, antes de murmurar: – Caraca, verdade. –
Ele dá uma olhada para Tyler. – Eu estava ocupado demais com as meninas
do 1201 e nem percebi.
– O quê? – Faço cara feia quando ele me encara.
– O apartamento um pouco antes do nosso – resmunga Tyler antes que
Snake responda. Ele para ao meu lado e me passa uma toalha, que aceito
com um sorriso de gratidão. – São umas meninas da faculdade. Irritantes
demais.
Ele se inclina para a frente e seca o cabelo.
– Hum – reclama Snake depois de um segundo. – Você não achava as
garotas irritantes quando estavam tomando shots na barriga um do outro
mês passado.
– Aquilo foi uma aposta – intervém Tyler, levantando a cabeça
bruscamente, todo despenteado. Se eu não estivesse tão focada nas palavras
de Snake talvez até achasse engraçadinho. – Uma aposta sua, inclusive.
Snake dá uma risada, que faz o nariz car meio torto, como se já tivesse
quebrado.
– Mas você não reclamou de pagar.
Tyler balança a cabeça, mas ainda estou esperando que ele diga algo. Se
defenda. Quem sabe até que diga que é tudo uma brincadeira do Snake.
Quem são essas meninas do apartamento 1201? Garotas da faculdade?
Aposto que são lindas. Aposto que são superinteligentes. Aposto que eles
saem juntos sempre.
– Vou ligar para o Dean – solto.
Nem sei por que isso sequer passou pela minha cabeça, mas só então
percebo que preciso mesmo, sem falta, ligar para ele. Já passou da hora, e
quase ouço meu celular gritar meu nome do quarto do Tyler. Então dou a
volta, com a toalha nas mãos, e sigo para o quarto dele. Ou meu. Sei lá.
Vejo Tyler franzir a testa quando fecho a porta e me sinto tentada a abrir
um sorriso de desculpas para ele, mas então lembro dos shots na barriga de
sei lá quem. Desvio o olhar e fecho a porta, inexpressiva. Mas isso não dura
muito tempo; logo estou mordendo o lábio ao pegar o telefone e ligar para
Dean.
O som monótono da chamada quase me deixa enjoada. Se eu pudesse,
evitaria entrar em contato com ele nas próximas seis semanas. Seis semanas
para colocar minha cabeça em ordem, para decidir se quero continuar com
ele ou não. Agora estou ocupada demais tentando entender o que sinto pelo
Tyler. Seria melhor se pudesse entender o que sinto pelo Dean depois, mas
aparentemente tenho que lidar com tudo isso agora, ao mesmo tempo. Estou
indo e vindo entre eles, tentando não magoar ninguém, mas já está difícil.
Não consigo imaginar nenhuma maneira de resolver isso.
– Então você está viva – resmunga a voz de Dean no meu ouvido, seu
cumprimento repentino trazendo minha atenção de volta à ligação.
Já me arrependo só de ouvir o tom de desdém.
– Me desculpa – digo, quase querendo bufar, mas, por ele, me seguro. –
Fiquei tão enrolada com tudo e aí meu celular cou sem bateria e...
– E o quê? Não tem telefone xo em Nova York? Não tem telefone
público?
Afasto o celular do ouvido e faço uma careta. Droga. Parte de mim quer
desligar na hora por conta dessa atitude amarga dele, mas o restante parece
ter o bom senso de saber que isso só pioraria a situação. Então aproximo de
novo o celular.
– Eu estou aqui há menos de 24 horas. Pega leve. Do jeito que você está
falando parece que não ligo faz uma semana. Eu cheguei. Estou viva. –
Trinco os dentes e me sento no canto da cama de Tyler. O colchão é macio,
mas não estou nada confortável. – E a cidade é incrível, obrigada por
perguntar.
Dean não responde logo. Só ca em silêncio, e a única coisa que ouço é
sua respiração. Lenta e profunda.
– Foi mal – resmunga ele depois de um tempo. – É só que você está do
outro lado do país e eu não posso te ver todo dia. Preciso pelo menos
conseguir falar com você. É o mínimo que você me deve.
– Eu sei. – Dou uma olhada no quarto do Tyler, ansiosa para achar algo
em que me concentrar, mas só encontro a toalha no meu colo. Nem percebi
que ainda estava segurando a bola de beisebol também. Aperto com força.
Está fria e meio molhada. – Vou tentar ligar mais.
– Melhor mesmo – retruca Dean, mas com a voz mais tranquila. – Quer
me deixar doido aqui?
– Só tenta não pensar em mim – brinco. Depois que as palavras saem
dos meus lábios, porém, percebo que nem é mentira. Não quero que Dean
pense em mim. Estou ocupada demais pensando em Tyler para prestar a
mesma atenção em Dean. – Sério – insisto —, não pensa em mim.
– Não é tão fácil.
Solto um suspiro longe do fone para ele não perceber, então jogo a bola
no chão e me jogo de costas na cama de Tyler, cobrindo o rosto com a
toalha.
– Você ainda está bravo comigo por ter vindo para cá?
– Eu nunca quei bravo, Eden – diz Dean, baixinho, com delicadeza.
Mas eu queria que tivesse cado. No fundo ouço o ronco de motores e o eco
fraco do rádio. Ele deve estar no trabalho. – Só decepcionado por você ter
preferido passar suas últimas férias comigo... longe de mim. A gente quase
não vai se ver depois do começo das aulas, e você sabe disso, e ainda assim
decidiu levar adiante essa ideia de Nova York.
– É Nova York, Dean. Nova York.
E Tyler, Tyler, Tyler, Tyler. In nitamente.
– Desculpa, você tem razão. É Nova York – repente Dean, a voz cando
amarga de novo, mais grossa. – Sinto muito por não poder competir com a
Times Square ou com o Central Park. Sinto muito que eu seja um merda em
comparação a isso.
– Não foi o que eu quis dizer...
– Tenho que voltar ao trabalho. – Dean em geral é sempre tão fofo, mas
agora sua voz está ríspida. – Aproveite a cidade. Sabe, que é tão melhor que
tudo.
Ele desliga antes que eu possa responder.
Fico ali parada, boquiaberta, por um minuto. Não acredito que Dean
desligou na minha cara assim. Furiosa com ele, trinco os dentes e me
levanto, enrolando a toalha no cabelo úmido. Tudo que eu quero é voltar
para perto de Tyler, esquecer Dean e esse showzinho ridículo, então abro a
porta do quarto e vou para a sala.
Snake ainda está no celular, mas agora de pé, apoiado no balcão da
cozinha. Ele olha para mim sem levantar a cabeça e faz uma cara estranha,
como se quisesse rir da toalha enrolada na minha cabeça.
– Cadê o Tyler?
– Você está um minuto e meio atrasada – diz ele. – Acabou de ir embora.
Teve que dar uma saída.
– Por quê?
– A Emily pediu a ajuda dele com alguma coisa. Pediu um favor.
Ele dá de ombros.
– Emily? – repito. Algo em mim se revira, como se eu literalmente
sentisse meu estômago dar um nó. Emily? Engulo em seco. – Quem é essa?
Agora sim Snake ergue a cabeça.
– Ele nunca falou dela para você?
10
Por exatamente quarenta minutos, não consigo car parada. Mordo o lábio,
roo as unhas, ando de um lado para outro. De vez em quando acho que vou
vomitar, mas prendo a respiração para ver se melhora. Estou tão nervosa.
Com tanto medo. E tanta raiva. Quem é Emily e por que só descobri que ela
existe agora?
– Qual o seu problema? – pergunta Snake, esticando o pescoço para me
encarar do outro lado da sala.
Ele está assistindo a um documentário sobre uma queda de avião faz
meia hora e até tira o som da TV por um instante para prestar atenção em
mim.
– Não tem problema nenhum – minto.
Parada na cozinha, seguro a bancada com força e tento olhar para ele,
mas abrindo um sorriso, com medo que ele note meu pânico.
– Ela é legal – diz Snake, numa tentativa de me acalmar. Mas não ajuda
muito. Na verdade, só piora as coisas. – Ela é inglesa.
– Inglesa? – repito.
Que ótimo. Sotaque fofo. Diferente. Não tenho a menor chance contra
uma inglesa. De jeito nenhum.
– É, de Londres. – Snake ri e volta para a TV, aumentando o volume de
novo. – Toda vez que ela fala co com vontade de ver Harry Potter.
Ele deve me achar esquisita. Deve estar se perguntando por que estou
tão nervosa. Quer dizer, qual o problema do meu irmão postiço sair com
uma menina? Qual o problema de essa menina talvez ser mais que uma
amiga? É isso. Não seria um problema se ele fosse apenas meu irmão
postiço. Não me incomodaria se eu não estivesse tão apaixonada por ele.
Mas a verdade é que eu nem sei quem é essa menina. Não sei por que
Tyler nunca falou dela. E se eles estiverem saindo? E se tudo que ele falou
ontem foi mentira?
Fico enjoada de novo e tento afastar os pensamentos até meu estômago
voltar ao normal. Estou prestes a me virar para pegar um copo no armário
quando ouço a porta do apartamento se abrindo. Meus olhos imediatamente
se voltam naquela direção, e vejo Tyler entrar, arrastando uma mala atrás de
si. Uma mala rosa-choque. Ele para e abre mais a porta.
Tem uma garota ao lado.
Eu quase dou um soco no balcão só de vê-la.
É mais alta que eu, porém mais baixa que Tyler, e tem uma pele corada.
O cabelo é liso (e está úmido), na altura do peito, gradualmente mais claro
nas pontas. Ela entrelaça os dedos, parecendo nervosa. Seus olhos são
brilhantes, mas estão inchados. E ela é bonita. Bem bonita mesmo. Uma
beleza natural e simples.
Snake não só tira o som, como desliga a TV. Vira-se e cruza os braços
nas costas do sofá, curioso.
– Tyler – começa. – Posso perguntar por que está virando um hábito
você chegar em casa com uma menina e uma mala?
Ele faz um gesto com a cabeça na minha direção.
– Oi, Snake – murmura a menina com um sorriso triste, a voz
envergonhada.
E o sotaque? O sotaque é britânico. Sem dúvida aquela é Emily.
A única coisa que consigo pensar é: Que droga ela está fazendo aqui?
– Oi – responde Snake. – E aí?
Tyler chuta a porta para fechá-la, seguindo até o meio da sala, mas Emily
continua no mesmo lugar. Ele pigarreia, olhando para Snake, mas ainda não
olhou para mim.
– A Emily vai car aqui um tempinho.
Ficar aqui? Ficar aqui? Minha vontade é gritar até quebrar todos os
vidros do apartamento, mas estou paralisada, a garganta seca demais para
emitir qualquer som. Cravo as unhas no balcão.
– Nada de perguntas – completa Tyler, olhando para Snake com um
olhar sério antes que o amigo abra a boca.
– Sério – diz Emily, correndo para perto de Tyler –, se for incomodar
muito...
– Não, problema nenhum. – O tom dele é rme.
– Tem certeza?
Quero que ela pare de falar. Quero que o sotaque dela desapareça. Quero
que ela vá embora. Mas sei que nenhuma dessas coisas vai acontecer, então
tento me controlar e respiração fundo.
– Tenho – diz Tyler. – A gente só está, hum, com falta de camas. Snake?
– Claro, ela pode dormir comigo – concorda Snake, com um sorrisinho
que logo some quando Tyler franze a testa para ele. – Tá bom, tá bom. – Ele
bufa. – Eu durmo no sofá que nem você. Ela pode car no meu quarto.
– Pronto – diz Tyler, sorrindo para tranquilizar Emily, e então inclina a
cabeça na minha direção. É como se ele nem tivesse percebido que estou
parada aqui esse tempo todo, porque arregala os olhos e faz um gesto para
eu me aproximar. Eu nem pisco. – Emily – diz, assentindo para mim –, essa
é a minha irmã postiça, Eden.
Devagar, ela abre um sorriso caloroso. Está prestes a responder, me
perguntar como estou ou dizer como é ótimo me conhecer ou só dar um oi,
mas não me aguento. Não aguento estar no mesmo cômodo que ela e não
aguento a ideia de Tyler ter uma namorada.
Então, antes que ela possa falar qualquer coisa, saio a passos rmes,
passando na frente de Tyler e Emily o mais rápido que posso sem encará-los.
Tenho a sensação de que vou começar a chorar a qualquer momento, e
quando entro no quarto do Tyler e bato a porta, dou um suspiro de alívio
por estar longe deles.
Meu coração está batendo tão rápido que sinto a vibração nos ouvidos, e
só então percebo como estou ofegante. Não sei por que estou tão nervosa.
Primeiro acho que é só raiva. Raiva de Tyler por nunca ter falado que estava
saindo com outra garota, raiva por ele ter me falado tudo que falou ontem à
noite, me dando falsas esperanças. Mas, por algum motivo, percebo que não
estou tão furiosa. Só decepcionada e sem jeito. Então, devagar, percebo que
não estou nem um pouco com raiva. Estou com ciúmes. Inacreditavelmente
com ciúmes.
A porta se abre, encerrando meus quinze segundos de privacidade, e
Tyler entra no quarto, murmurando:
– Mas que merda foi aquela?
Até olhar para ele me dói, então quando ele fecha a porta devagar, cruzo
os braços e me viro de costas.
– Nem tenta me apresentar sua namorada depois de me dizer ontem à
noite que não me esqueceu – disparo, com desprezo.
Por que essa menina tem que car aqui? Por que tem que estragar meu
verão que mal começou?
– Namorada? – repete Tyler. – Você acha que ela é minha namorada?
Dou uma olhada por cima do ombro. Acho que meu coração parou por
um segundo.
– Não é?
– Nossa, Eden, não. – Ele balança a cabeça e dá uma risada, o que me
tranquiliza. Até revira os olhos. – Emily é só minha amiga. Ela participou
dos eventos comigo.
Sinto uma onda de alívio tomar meu corpo, mas tento não parecer muito
animada. Permaneço calma, olhando para ele.
– Como você nunca falou dela para mim?
– Sinceramente, sei lá – murmura ele, passando por mim e se sentando
na cama com as mãos entre os joelhos. – Eu nunca falei das pessoas com
quem viajei. Bem, na verdade falei, só nunca dei nomes.
Eu sei pelo olhar dele que está falando a verdade, então suspiro e me
sento ao seu lado. E me certi co de deixar alguns centímetros entre nós.
– Por que ela vai car aqui?
– Porque precisa de um lugar para car – responde ele. – Está com uns
problemas. Ela é da Inglaterra.
– Percebi – resmungo, meio irritada. Não quero parecer mal-humorada,
mas não consigo evitar. Dando uma olhada furtiva para Tyler, repasso suas
palavras rapidamente. Eles não estão namorando. São só amigos. Fizeram os
eventos juntos... pela Costa Leste, falando sobre as consequências do abuso e
contando suas histórias como sobreviventes. Levo um dos dedos aos lábios e
encaro Tyler até ele olhar para mim. – Se ela estava com você nesses eventos,
isso signi ca que...?
Tyler engole em seco, desviando o olhar para o chão.
– Pois é. Não sicamente – explica ele depois de um momento de
silêncio, a voz quase frágil. – Emocionalmente. Ela é muito sensível, então
pensa bem nas coisas que vai falar para ela.
Solto um gemido e escondo o rosto nas mãos. Coloco a cabeça entre os
joelhos e desejo não ter tirado conclusões precipitadas e saído batendo pé na
frente da menina.
– Ela deve me achar uma escrota mal-educada.
– Isso é.
Empurro o ombro dele, revirando os olhos. Não estou mais chateada, e
sim relaxada e feliz.
– Achei que você estivesse saindo com ela. Quem pode me julgar?
– E me imaginar com outra pessoa deixou você nervosa? Fez você
perder a cabeça desse jeito? – Ele sorri, levantando-se e parando, alto e com
aquele olhar intenso, diante de mim. Devagar, ele pega minhas mãos e me
levanta, mas não me solta, só pousa as mãos nos meus ombros, me
envolvendo com rmeza e me dando um abraço forte. – Você é tão viciada
assim em mim, Eden Munro?
Eu o abraço também, logo acima da cintura.
– Bem que você queria – respondo, brincando, mas é mentira.
Com sorte ele não vai perceber.
Inclino a cabeça para trás para olhar Tyler e quase bato a testa no seu
queixo quando ele sorri para mim, com os olhos brilhando.
– Então, sobre a Emily... – começa ele, aproximando o rosto do meu, e de
início acho que ele talvez esteja tentando me beijar, mas não. Ele só me
abraça de novo e apoia o rosto no meu ombro esquerdo. – Você não precisa
se preocupar – sussurra, a respiração quente na minha bochecha. – Porque,
gata, eu sou todo seu.
11
Chove até sábado. Sem parar, por três dias seguidos, com no máximo uma
hora de descanso, só o su ciente para acharmos que o sol vai voltar, e aí
começa de novo. A chuva alterna entre garoas nas e tempestades
torrenciais.
Então, por três dias, camos assistindo aos lmes do Harry Potter. Todos
os oito, duas vezes cada. Foi sugestão do Snake, é claro, e tudo porque Emily
e seu sotaque britânico decidiram dar as caras. Depois de um tempo eu
consegui reunir coragem e pedir desculpas por ter sido tão grossa, então a
tensão entre nós passou. Até que é legal car em casa sem fazer nada, nós
quatro enrolados em cobertores, cercados por caixas de pizza e garrafas de
cerveja. Mais uma sugestão do Snake. Ninguém tem energia para sugerir
outra coisa, e, para ser sincera, estamos todos felizes com esse estilo de vida
que de repente adotamos. À noite camos sem cerveja, e no terceiro dia
começamos a pedir comida chinesa em vez de pizza. Tyler não está muito
satisfeito com nossas escolhas alimentares, e a essa altura estou começando a
me sentir culpada por tanta porcaria, então deixamos a comida chinesa para
Snake e Emily. Perto da meia-noite do terceiro dia, chegamos ao oitavo lme
pela segunda vez, e não consigo mais manter os olhos abertos.
Acabo pegando no sono no sofá, com a cabeça no ombro do Tyler, um
cobertor imenso nos cobrindo. Com os olhos entreabertos, tento olhar para
Snake e Emily na penumbra, iluminados apenas pela luz da TV. Estão no
sofá ao lado do nosso, os dois no terceiro sono. Snake está de boca aberta, a
cabeça recostada no sofá, e Emily está com o rosto aninhado no peito dele.
Prestando atenção, dá para ouvir alguém roncando baixinho.
– Ainda está acordada? – sussurra Tyler, com a voz rouca.
– Aham – respondo.
Meus olhos estão fechados, e puxo o cobertor mais para perto do nosso
rosto, apesar de já estarmos bem aquecidos. Estamos na mesma posição faz
horas.
– Pode ir para a cama se quiser – diz ele, a voz ainda baixa. – Não precisa
car aqui.
Sonolenta, abro um leve sorriso na escuridão. Inclino o corpo para perto
dele, apoiando a mão em seu peito e escondendo o rosto em seu ombro.
– Eu quero car aqui – sussurro.
Então adormeço sentindo o peito de Tyler subindo e descendo, sua
respiração suave aquecendo meu rosto. Adormeço com ele brincando com o
meu cabelo, o queixo apoiado na minha testa. Pego no sono nos braços da
pessoa por quem estou apaixonada, com o som suave da chuva batendo na
janela. No m, adormeço sem que um sorriso jamais deixe meus lábios.
Um pouco depois das dez os quatro estávamos vestidos e prontos para sair.
Snake não cou tão animado com a caminhada de cinco quilômetros, mas
veio assim mesmo. Cruzamos cinco quarteirões até a Quinta Avenida, com o
sol na cabeça, e acho que deve ser o dia mais quente desde que cheguei aqui.
De fato, não explorei tanto a Quinta Avenida com Tyler. É fascinante
caminhar por ela, mas eu jamais entraria nas lojas. São caras demais. Me
lembra o Santa Monica Place, mas dez vezes maior e mais luxuoso, com lojas
tipo Gucci, Cartier, Rolex, Versace, Louis Vuitton e Prada, tudo na mesma
rua. É óbvio que seja uma das ruas mais caras do mundo.
Mas não tem só lojas caras aqui. Passamos pela biblioteca pública de
Nova York e pela exposição do Saturday Night Live e então, nalmente, pelo
Empire State Building, que eu não tinha visto até agora. É imenso,
sobressaindo-se em meio a todos os outros prédios em volta; até a fachada é
linda. Tyler, Snake e Emily não reclamam quando passo alguns minutos
admirando o ponto turístico icônico, tirando fotos junto com todos os
outros turistas, até que en m eles me carregam para longe. Chegamos ao
Madison Square Park em seguida e atravessamos, passando pelo Flatiron
Building. A arquitetura é maravilhosa, tão estranha e incrível e, novamente,
tão icônica, que paro. Sei que Tyler, Snake e Emily já viram tudo isso, mas
para mim é outro lembrete de que realmente estou aqui em Nova York. Tiro
mais algumas fotos antes de continuarmos. Descemos a Broadway até,
nalmente, uma hora e meia depois de sairmos de casa, chegarmos à Union
Square.
É um parque lindo, cheio de turistas e moradores. Tem uma feira
vendendo produtos orgânicos e alguns artistas de rua se apresentando, mas
em geral o clima é tranquilo, como um respiro de ar fresco comparado à
loucura do restante da cidade. Conseguimos encontrar um banco vazio
perto de uma das passagens do parque, onde eu desabo imediatamente, com
as pernas doendo. Quando voltarmos para casa, vou ter percorrido mais de
dezesseis quilômetros, somando a corrida e essa caminhada. Minhas pernas
estão queimando.
– Tem uma Starbucks na esquina – diz Tyler. – Voltamos rapidinho.
Eden, quer um latte?
– Gelado, por favor – murmuro, pressionando as costas da mão na testa,
com calor, e enxugando um pouco do suor.
– Pode deixar – diz Tyler, e se vira para Emily. – Frappuccino de
morango com creme e um shot de baunilha?
– Na mosca – diz ela, sorrindo. Quando Tyler e Snake se afastam, Emily
se aproxima, e não consigo evitar certa irritação por Tyler saber o pedido
dela de cor. – Que clima maravilhoso, né?
– Sim, incrível – digo, cruzando as pernas sobre o banco e me
recostando, embora a madeira esteja pegando fogo. – Mais quente que Santa
Monica, isso com certeza.
– Sério?
– Aham. Pelo menos tem a maresia lá.
Não estou olhando para ela enquanto falo, porque estou concentrada nas
pessoas passando. Acho que parques assim são os melhores lugares para
observar gente. A diversidade de pessoas aqui é muito legal, e mais uma vez
me pego pensando no que estão fazendo, por que estão aqui e com quem.
Sou curiosa até demais.
– Eu sempre quis visitar a Califórnia – diz Emily, com um suspiro. –
Tyler disse que tenho que ir um dia.
Finalmente olho para ela.
– O Tyler disse isso?
Ele falou que ela deveria visitar a Califórnia? Por que ele diria isso?
– É, ele disse que eu ia adorar – comenta ela, a voz transbordando de
entusiasmo. – Nunca saí da Costa Leste, mas é tarde demais agora. Londres
está me chamando.
Contraio os lábios. Se Londres está esperando, por que ela ainda está em
Nova York? Por que está morando no apartamento de Tyler?
– Você acha que vai voltar? Para os Estados Unidos?
– Espero que sim – admite ela, sorrindo. – Um ano não foi o su ciente.
Estou de olho em oportunidades para voltar. Acho que talvez eu me inscreva
em algum acampamento de verão.
– Ah, legal.
Volto a observar o parque e avisto um esquilo correndo entre as árvores
não muito longe.
– O Tyler disse que eu deveria me mudar para cá de uma vez.
Eu trinco os dentes. Acho que, se ela mencionar o Tyler mais uma vez,
vou entrar em combustão espontânea. Por que ele está falando para ela vir
morar aqui para começo de conversa?
– Você quer? O Reino Unido não é legal o bastante?
– É, acho – diz ela, dando de ombros. – É só que aqui tem tantas
possibilidades, e vocês são tão empolgados. – Ela parece quase triste ao falar,
como se a ideia de voltar para casa não a deixasse muito feliz. Talvez a vida
dela aqui seja melhor. Talvez a vida dela lá não seja tão legal, e quanto mais
penso a respeito, mais concluo que deve ser isso mesmo. Ela também sofreu
abusos, e talvez estar aqui permita que escape do que aconteceu no passado,
da mesma forma que Tyler. – Vou sentir saudade de todo mundo aqui se
nunca mais voltar.
O esquilo some, e não tenho escolha a não ser olhar para Emily de novo.
Decido falar logo. Decido perguntar de uma vez:
– Você sentiria saudade do Tyler?
– Óbvio – responde ela com uma risadinha. – Ele é tão legal. A gente
viajou junto, ele me ajudou muito. Eu bem que gostaria de ter um irmão que
nem ele.
– Não gostaria, não – murmuro, suspirando desanimada.
Ela queria ter um irmão que nem Tyler? Será que tem ideia de como isso
é difícil? Percebe como é fácil se apaixonar por ele?
Ainda bem que vejo Tyler e Snake ao longe, o que interrompe minha
conversa com Emily, mas por mim tudo bem. Eu já estava de saco cheio de
ouvir Emily falar do Tyler.
– Aqui, Eden pernas de corrida – diz Snake ao passar o iced latte para
mim.
Ergo a sobrancelha ao ouvir isso, mas ele está distraído sentando-se ao
lado de Emily.
Tyler entrega o frappuccino para ela, sorrindo, e eu me levanto num
salto.
– Tyler, posso falar com você um segundo? – peço, com um olhar severo,
antes que ele tenha chance de se sentar também.
– Tudo bem – diz ele, confuso.
Acho que dá para perceber pelo meu tom de voz que não estou lá muito
contente.
Deixando Snake e Emily no banco, eu sigo pela trilha até sumir da vista
dos dois. Tyler vem atrás, bebendo seja lá o que comprou.
– Então, eu estava conversando com a Emily – começo devagar, me
virando para encará-lo. Aperto o copo. – Quer dizer que você vive falando
que ela deveria se mudar para cá e visitar a Califórnia? Por quê?
– Porque a Califórnia é ótima e ela gosta daqui – responde Tyler na
mesma hora, o tom incerto. Acho que ele não está entendendo minha
irritação. – Qual o problema?
Eu franzo a testa.
– Então de nitivamente não é porque você quer que ela venha te visitar?
Vejo Tyler arregalando os olhos ao perceber o motivo da minha
irritação, a boca se curvando num sorrisinho. Ele ri e dá um passo à frente.
– Que isso, Eden. Chega. – Ele aperta os lábios. – Por que é tão difícil
entender que é de você que eu gosto, e de mais ninguém?
Ainda estou convencida de que tem alguma coisa rolando, mas por
enquanto só suspiro ao encarar seus lábios, que não toco faz um ano.
– Por que você não me beijou desde que cheguei?
Minha pergunta o pega de surpresa e é o su ciente para apagar seu
sorriso e fazer seus olhos se estreitarem.
– Porque não consigo – murmura ele, devagar e baixo, a voz de repente
solene. Seus olhos de esmeralda encaram os meus, e seus lábios se erguem
num sorriso triste. – Você ainda está com o Dean.
12
Snake volta logo depois, com um copo plástico de cerveja em cada mão e
um sorriso no rosto. Ele está tão contente que acho que nem registra como
Tyler e eu estamos exaltados. Tyler se encolheu ao máximo no assento, o
mais longe de mim possível, e eu estou mordendo o lábio, torcendo para que
ninguém ao redor descubra de alguma forma que somos irmãos postiços. É
impossível que saibam, mas ainda assim co paranoica sabendo que
provavelmente viram Tyler sussurrando no meu ouvido e tocando meu
corpo.
Enquanto tento relaxar, percebo como o estádio encheu. A maioria das
seções parece estar ocupada agora, e poucos minutos depois os jogadores
começam a ser anunciados. O barulho do estádio ampli ca o nome de cada
um, os torcedores gritam e assobiam conforme eles entram em campo. Por
baixo dos bonés, todos estão com olhares competitivos. Porém, nunca vi
nenhum deles. Só tem um jogador cujo nome reconheço: Derek Jeter.
Quando ele é anunciado, o estádio irrompe em aplausos, e não hesito em
me juntar a eles. Fico de pé junto com Tyler, gritando o nome de Jeter em
uníssono com os milhares de outros torcedores dos Yankees enquanto um
cara de meia-idade entra no campo sorrindo. Percebo enquanto grito que
estou torcendo de verdade para Derek Jeter. Estou contando com ele para o
home run.
O jogo começa exatamente às sete e meia da noite. Não tenho certeza do
que estou esperando, mas o início é relativamente devagar e acaba sendo
bem tedioso. As duas primeiras entradas são uma perda de tempo total, sem
que os times marquem nenhum run. A maior movimentação que vejo é
quando um jogador do Red Sox chega à terceira base, mas é pego antes da
home plate. Na segunda metade da quarta entrada, os Yankees têm dois runs,
e o Red Sox, três. Nenhum home run.
Snake sai para comprar mais cerveja a cada vinte minutos, e na sexta
entrada já o considero embriagado. Não sei por que os funcionários do
estádio continuam vendendo bebida para ele. Bêbado ou não, ele consegue
chegar ao assento sem cambalear demais.
– Esse jogo está uma bosta – reclama Tyler.
– Porque você está perdendo – responde Snake, com a fala arrastada e
um sorriso torto. – Perdendo, perdendo, perdendo. Perdendo feio. Perdendo
feiaço.
– Só tem um run de diferença – retruca Tyler, cruzando os braços e se
recostando no assento com um suspiro. – A gente vai recuperar, pode
acreditar.
A sexta entrada se arrasta, e estou começando a me perguntar de
verdade por que as pessoas acham beisebol divertido. Os Red Sox fazem
outro ponto, e Tyler não para de resmungar ao meu lado. Os outros
torcedores dos Yankees também parecem estar cando impacientes, e é só
no intervalo depois da sexta entrada que todo mundo se anima.
De repente e do nada, nossa seção pega fogo. As pessoas começam a
gritar, comemorar, assobiar. Alguém atrás de mim segura meus ombros e me
sacode com força, urrando no meu ouvido. À esquerda, Snake está
gargalhando tanto que derruba a cerveja. Ele cobre o rosto com a mão e
aponta com o copo para o telão.
Meus olhos seguem seu gesto imediatamente. No telão, na frente do
Yankee Stadium todo e de cinquenta mil pessoas, eu me vejo. E vejo Tyler.
Vejo nós dois cercados por uma borda cor-de-rosa de corações. Até que vejo
a palavra BEIJO piscando acima da nossa cabeça.
Eu me viro para Tyler, horrorizada. Ele me encara, os olhos arregalados,
a testa franzida. Snake ainda está rindo, e a torcida em volta continua
gritando, mas não consigo me mexer, co completamente paralisada. Talvez
eu também achasse hilário se visse Tyler como simplesmente meu irmão
postiço. Talvez a gente não casse tão em pânico. Mas não consigo rir disso
porque realmente quero beijá-lo, mas não posso. Não posso porque Snake
está aqui, porque tem cinquenta mil pessoas ao redor, porque o jogo está
sendo televisionado.
Escondo o rosto entre as mãos e balanço a cabeça com força. Me sinto
tão humilhada. Os gritos viram vaias, e estou com medo de sequer erguer os
olhos, então só dou uma olhadinha por entre os dedos. Fico aliviada ao
descobrir que Tyler e eu não estamos mais na tela. Em vez de nós, dois caras
se beijam freneticamente.
Olho para Tyler. Ele dá de ombros, mas abre um sorrisinho malicioso.
– Por que a gente? – resmungo, passando as mãos pelo cabelo. – De todo
mundo aqui, por que a câmera tinha que parar na gente?
– Foi hilário! – grita Snake, se virando para nós. Ele me dá um tapinha
nas costas. – Que bizarro.
– Nem me fala – murmuro.
Me afasto um pouco, e ele volta a beber o que resta da cerveja. Olho para
Tyler de novo, mas ele só me encara intensamente, achando graça.
Depois de um minuto, ele volta a se concentrar no campo, quando a
sétima entrada começa. Quero perguntar por que ele parece ter se divertido
tanto no nosso momento constrangedor, mas ele está tão compenetrado no
jogo de novo que duvido que vá me responder.
Os Red Sox acabam ganhando o quinto run, colocando-os três pontos
na frente, então vem o intervalo da sétima entrada, em que o estádio canta
“Take Me Out to the Ball Game” e “God Bless America” em uníssono. Não
canto junto, principalmente porque não estou a m, mas Snake e Tyler não
demonstram relutância alguma em car de pé e gritar com todo mundo.
A performance dos Yankees na metade da sétima entrada é ridícula, mas
na oitava entrada algo muda. Eles ganham três runs e os Red Sox não fazem
nenhum ponto, e quando Derek Jeter vai rebater, meu coração bate mais
rápido que o normal. Toda vez que ele rebate, tenho uma sensação estranha
no estômago, como se eu fosse vomitar a qualquer momento. Uma excitação
nervosa me consume de tal forma que temo desmaiar aqui, meus dedos
cando pálidos de segurar a beirada do assento com força. Tyler é a calma
em pessoa, só reclamando e balançando a cabeça quando o home run de
Jeter não chega nunca, e conforme o jogo se aproxima do m minha
excitação se transforma em pânico. Na nona e última entrada, está 5 a 5.
Derek Jeter não fez nenhum home run.
Os Red Sox têm a primeira metade da entrada de novo, mas estragam
tudo. Eu me pergunto se é porque sentem a tensão do estádio ou se só foram
cando piores conforme o andamento do jogo, mas de qualquer forma eles
fazem três strikeouts antes que qualquer jogador tenha a chance de sair da
home plate. E, quando os Yankees vão para o ataque na segunda metade da
entrada, os torcedores do Red Sox de nitivamente estão preocupados. Snake
não para de xingar baixinho, retorcendo o boné nas mãos.
Os Yankees, porém, não vão muito melhor. Eles até melhoram num
ponto, quando Mark Teixeira chega à segunda base e ca lá quando Derek
Jeter vai para o taco. É aí que começo a prestar mais atenção. Parece que vai
ser sua última chance de rebater no jogo, o que signi ca que não há muita
esperança para meu acordo com Tyler. Nosso acordo só funciona se Derek
Jeter zer um home run, e por enquanto o máximo que ele conseguiu foi
chegar à terceira base.
Ele caminha pelo campo devagar até chegar à posição na home plate, e
meu coração dispara. Está de tornozeleira, mas isso não o impede de chutar
a base enquanto ajeita o capacete. Todo mundo em volta de repente ca de
pé – menos os torcedores do Red Sox, claro –, e Tyler pega meu braço e me
puxa da cadeira também. Ele abre um sorriso sabichão, esperançoso. Nós
dois olhamos para o campo, e não sei quanto a ele, mas eu de nitivamente
estou prendendo a respiração. Jeter gira o taco algumas vezes antes de
assentir e car na posição, o taco erguido logo acima do ombro, a posição
rme, os olhos atentos. O pitcher gira a bola na direção dele, mas ele não
rebate, só balança a cabeça. Isso acontece de novo no segundo pitch. Numa
última tentativa de incentivar o time, o estádio começa a gritar o nome de
Jeter, o som ecoando ao nosso redor. O nome dele é repetido sem parar,
entre aplausos, e acompanho os torcedores. Ouço Tyler gritando também, e
não há nada a se ouvir a não ser os gritos do nome de Derek Jeter. Todos
estão concentrados nele e em mais nada.
O pitcher do Red Sox se prepara de novo. Ele ergue a perna, recua o
braço e, com um golpe rápido, atira a bola para Jeter. Paro de gritar. Paro de
gritar porque paro de respirar, porque estou enterrando as unhas nas palmas
das mãos com tanta força que é capaz de começar a sangrar.
Então, em uma fração de segundo, escuto um estrondo ribombante.
O estádio inteiro para de gritar. Até os torcedores do Red Sox cam de
pé, todo mundo boquiaberto enquanto a bola cruza o campo. Não tiro os
olhos dela, girando na direção do campo centro-esquerdo, quase em câmera
lenta. Estou hipnotizada. E Tyler leva as mãos à cabeça. A bola passa voando
pelas letras do Yankee Stadium, acima do telão. Saiu de campo.
E o mais importante: é um home run.
O estádio explode. As arquibancadas acima de mim começam a urrar de
novo, e os gritos trovejam de todos os lados, ensurdecedores. Teixeira volta
para a home plate caminhando, e Jeter o segue numa corridinha calma. Não
há pressa. Os Yankees acabaram de ganhar mais dois runs, e inevitavelmente
o jogo. Em meio a toda a loucura e animação, me vejo pulando e gritando.
Ao meu lado, Tyler sorri enquanto assobia, então me vê olhando para ele,
passa o braço pelos meus ombros e me abraça. Não consigo parar de sorrir.
A atmosfera é elétrica, e acho que nunca vivenciei nada tão enérgico. É
incrível estar aqui, no Yankee Stadium, em Nova York, celebrando uma
vitória dos Yankees contra os Red Sox, os torcedores comemorando, com
Tyler ao meu lado. Derek Jeter fez seu home run. Meu acordo com Tyler está
de pé, e neste exato momento duvido que meu verão possa melhorar.
Dou uma olhada à esquerda. Snake está de pé também, mas não está
comemorando. Está discutindo com um torcedor dos Yankees sentado atrás
dele, se embolando nas palavras. Tyler ainda está comemorando ao meu
lado, e dou um olhar de advertência para Snake, mas ele nem liga. Em vez
disso, en a o dedo no peito do torcedor dos Yankees. E é isso. É só isso que
precisa.
O Yankee responde jogando a cerveja na cara do Snake, que na mesma
hora tenta dar um soco nele. Antes que eu sequer consiga sair do caminho, o
torcedor dos Yankees pula a leira de assentos e joga Snake no chão, me
empurrando para o lado. Eu caio em cima do Tyler, que prontamente me
segura pela cintura. Ergo os olhos para ele, mas ele não está olhando para
mim. Está fazendo cara feia para a briga que começou ao nosso lado, a
mandíbula trincada, irritado. Ainda com as mãos na minha cintura, ele me
move para o lado.
Snake e o torcedor dos Yankees estão rolando no chão, socos para todo
lado, enquanto as pessoas ao redor param de comemorar e se assustam. As
meninas na leira à nossa frente gritam e tentam sair do caminho, mas o
restante das pessoas parece encorajar a briga. Quando volto a olhar a cena,
vejo que Snake está em cima do torcedor dos Yankees, socando o queixo do
cara várias vezes até acertar o nariz. É aí que Tyler entra no meio. Agarra as
costas da camisa de Snake, tentando afastá-lo da briga, mas antes de
conseguir fazer isso outro torcedor dos Sox pula as cadeiras e dá um soco
em cheio na cara do Tyler, do nada.
– Ei! – grito.
Estendo a mão para Tyler, mas ele me afasta e soca o cara de volta. No
início não entendo por que um cara qualquer decidiu socar o Tyler, mas,
quando percebo as camisas dos times, compreendo.
Snake, torcedor dos Sox, está brigando com um torcedor dos Yankees.
Tyler também está com uma camisa dos Yankees, e duvido muito que
alguém acreditaria que ele estava tentando ajudar o Snake. Não é surpresa
que outro torcedor dos Sox se metesse. Ele está defendendo Snake, seu
companheiro de time, achando que Tyler está defendendo o outro torcedor
dos Yankees. É uma confusão, e Tyler acaba abrindo o supercílio.
Fico furiosa ao ver Tyler machucado, então tento intervir. Puxo sua
camisa, tentando tirá-lo do alcance do torcedor dos Sox, mas alguém joga
um copo cheio em nossa direção, acertando meu ombro e encharcando
minha camisa. Arquejo, soltando Tyler quando sou jogada para trás. Caio
no chão com um baque doloroso, batendo a cabeça nos assentos. Por um
momento, só consigo car sentada ali, meio confusa e sem conseguir me
levantar. Só consigo pensar que Snake vira um babaca quando bebe.
Quando ergo os olhos, percebo muitos gritos e vejo que os seguranças
do estádio estão apartando a briga. São quatro seguranças, mais dois
policiais, e é preciso quatro deles para separar Snake e o torcedor dos
Yankees. Tyler e o torcedor dos Sox se afastam sozinhos, mas mesmo assim
são puxados pelos policiais pelas escadas. Um dos seguranças também me
pega, me levantando pelo cotovelo sem parecer se importar com meu
estado. Ele quase desloca meu ombro ao me puxar pela leira de assentos,
torcendo meu braço de forma inimaginável.
Nós cinco somos levados: eu, Tyler e Snake, mais os torcedores dos Sox e
dos Yankees, lábios sangrando e olhos inchados. A seção 314 começa a gritar
“Boston é uma bosta!” enquanto somos levados, e todo mundo comemora.
Brigas públicas são sempre divertidas até você se ver no meio.
Somos guiados escada abaixo até estarmos dentro do estádio de novo, e
o segurança que está me carregando parece con ar em mim o bastante para
me soltar. Snake está gritando e reclamando, e mentalmente mando-o calar
a boca antes que piore a situação. Meu estômago dá um nó quando me dou
conta de que é provável que a gente vá ser preso por ofensa ou agressão, e
começo a me perguntar se eu deveria usar a oportunidade que tenho agora
para informar ao segurança ao meu lado que, na verdade, não z nada de
errado.
Por alguma razão, porém, nenhum de nós acaba algemado ou numa
viatura policial. Os seguranças e os policiais não dizem uma palavra ao nos
levar escada abaixo e cruzar o corredor principal até as portas. Eles só nos
empurram para fora, dão as costas e voltam para o estádio.
Está cando escuro, e quando paramos um momento para nos dar conta
do que aconteceu, o torcedor dos Yankees xinga Snake de babaca, o que me
faz pensar que os dois vão começar a brigar de novo, mas não. Snake só
balança a cabeça e se aproxima de nós quando os outros dois se afastam, de
cabeça baixa.
Tyler en a as mãos nos bolsos e para ao nosso lado.
– Parabéns, idiota – resmunga, o olho meio inchado e vermelho.
Snake está com um corte na bochecha.
– Dane-se – responde Snake, dando de ombros. Ele tenta dar um
empurrão brincalhão em Tyler, depois suspira. – O jogo já tinha acabado
mesmo. Vocês ganharam. Beleza. Dane-se. Cala a boca. Nem fala nada.
Vamos para casa. Eu quero dormir por, tipo, dois dias inteiros. Ou dois
meses, sei lá.
Ele dá as costas e começa a caminhar na direção do metrô. Está meio
tonto, cambaleante.
Dou uma olhada em Tyler. Ele parece quase envergonhado, mas também
está um trapo, exausto. Consegue abrir um sorriso para mim.
– A gente foi mesmo expulso do Yankee Stadium? – pergunto. – A gente
foi mesmo expulso do meu primeiro jogo de beisebol da vida?
– Bem – responde ele –, pelo menos você nunca vai esquecer.
Seguimos Snake até a estação, e percebo que há um lado positivo em ser
expulso antes de o jogo acabar – o metrô está vazio e tem muitos lugares
vagos no trem da linha 4. Snake está cansado e bêbado demais para
conversar com a gente, então passa a viagem de volta inteira até Manhattan
com uma careta. Até quando saímos da linha 6 na 77th Street ele segue
andando na frente, e percebo que ele é um mau perdedor. Avança sozinho
pela Lexington Avenue e vira a esquina da 74th Street, onde o perdemos de
vista. Parece que ele vai chegar ao apartamento bem antes de nós. Tyler e eu
caminhamos bem mais devagar, apesar de estarmos em silêncio. Ainda
assim, é um silêncio confortável.
Já passa das onze quando chegamos ao prédio, o céu está de um azul
profundo. Os postes lançam uma luz cálida nas calçadas, e Tyler para ao
lado do carro. O Honda Civic sumiu, deixando uma vaga livre na frente do
Audi, e é nesse espaço que Tyler segura minha mão e me puxa para a frente
do capô. Ele não diz nada, só sorri para mim no escuro, os dentes reluzindo.
Com cuidado, ele me encosta no carro.
Seu sorriso aumentou, os olhos esmeralda brilhando. Ele apoia as mãos
no capô, ao meu redor, prendendo meu corpo entre o carro e ele. Seu olhar
encontra o meu.
– Então, Derek Jeter fez o home run, hein?
Seu olhar é tão sincero que não me resta alternativa a não ser corar,
porque, como de costume, não estamos falando de Derek Jeter, beisebol ou
home runs. Estamos falando de nós e estamos falando do acordo que
zemos: o acordo que por acaso está em jogo agora. Agora nós vamos fazer
o nosso home run.
– Acho que sim – sussurro, sem conseguir erguer a voz.
Tyler assente e baixa os olhos, ainda sorrindo. Ele também parece
nervoso. Enquanto espero ele dizer alguma coisa, observo as veias no
pescoço e nos braços, percebendo como estão mais saltadas que o normal.
Só desvio o olhar quando sinto que Tyler está me encarando, então ele
franze a testa e pergunta:
– Por que você não me beijou?
– Tyler... – Eu suspiro, tentando formar as palavras, surpresa com a
pergunta. A resposta não deveria ser óbvia? Engulo em seco e olho para suas
mãos ao lado do meu corpo, e coloco as minhas em cima delas, sem olhar
para ele. – Você sabe que não dava – digo, por m. – Todo mundo estava
olhando.
Silêncio. Ele desvencilha a mão direita e passa a ponta dos dedos pela
minha coxa e pelo meu braço, devagar. A sensação da pele dele quente
contra a minha parece atear fogo ao meu corpo. Sua mão chega ao meu
ombro, e delicadamente ele segura meu rosto. É aí que eu pisco e o encaro,
ansiosa. Com um olhar cada vez mais luxurioso, ele ousa sussurrar:
– Não tem ninguém olhando agora.
Pressionando o corpo contra o meu, ele ergue a outra mão e en a os
dedos no meu cabelo, e naquele milissegundo seu hálito quente toca meu
rosto. Ele aperta os lábios contra o meu, faminto mas gentil, e me beija com
paixão. É tão repentino e ainda assim tão familiar, e não consigo me deter:
mergulho em seu beijo. É a primeira vez que ele me beija em dois anos, mas
parece que faz poucos dias. Tudo é exatamente como eu me lembro. Os
movimentos da sua boca na minha, meu corpo estremecendo sob seu toque,
nossos corações batendo forte no peito. Envolvo o pescoço dele com os
braços e o puxo para mais perto, pressionando seus lábios com ainda mais
força, meus dedos se enganchando no seu cabelo. Suas mãos descem do meu
rosto para as minhas coxas, e ele as segura com força ao me erguer para o
capô do carro, imprensando meu corpo ao fazer isso e arrancando o boné
dos Yankees da minha cabeça. Seu toque é eletrizante, seus lábios, muito
mais, e a energia correndo pelas minhas veias neste momento me deixa
eufórica. Tyler geme baixinho logo antes de morder meu lábio inferior, me
beijando com cuidado antes que eu sinta seu sorriso no canto da minha
boca.
Antes de capturar meu lábio de novo, ele sussurra:
– Espero que Dean nos perdoe.
14
– ... e isso sem falar do La Breve Vita. Acho que eles são italianos. Ela adora.
Sempre fecha os olhos quando ouve música, porque é meio esquisitinha.
Mas eu acho legal. Toda vez que eu entrava no quarto dela, ela estava lá
sentada, com os fones, de olhos fechados. Metade das vezes acho que ela
nem sabia que eu tinha entrado. Ela nunca abria os olhos, mas cava tão
bonitinha. Esquisita, mas bonitinha.
Não lembro o exato momento em que acordo. Parece gradual, e aos
poucos percebo as palavras chegando de um lugar de perto de mim. Estou
enrolada no edredom de Tyler e co ali deitada uns minutinhos enquanto
desperto. Nem assimilo completamente o que está acontecendo até ouvir
Tyler dizer baixinho:
– Ei, você acordou, nalmente.
Meus olhos se abrem devagar, se acostumando com a luz do quarto, e
dou uma olhada para a direita. Tyler está do meu lado, sorrindo, com uma
câmera nas mãos. Apontada para mim.
– O que você está fazendo? – resmungo, descon ada.
A luz vermelha pisca.
– Só brincando – responde ele, mas sem desligar a câmera. Ele continua
me gravando. – Feliz Quatro de Julho, linda.
Eu me sento e esfrego os olhos, ainda sem entender direito o que está
acontecendo. Dou um sorriso para a câmera.
– Feliz Quatro de Julho.
– O Quatro de Julho é meu feriado favorito – diz Tyler para a câmera,
que virou para si. Ele abre um sorriso cativante para mim. – Acho que a
Eden sabe por quê.
Ele se estica por cima de mim e coloca o aparelho na mesinha de
cabeceira.
As cortinas estão abertas, então o quarto está iluminado por uma luz
cálida da manhã. A temperatura está perfeita, gostosa, e Tyler passa os dedos
pelo meu braço e segura minhas mãos. Ele en a o rosto na curva do meu
pescoço e respira fundo junto à minha pele, me fazendo suspirar, contente.
Eu poderia acordar ao lado Tyler todo dia. Envolvo o pescoço dele, minhas
mãos no cabelo dele, e o puxo para perto. Meus lábios encontram os dele e
para variar Tyler relaxa e me deixa assumir o controle, mas é tão estranho
que só acabo achando graça. Ele sorri para mim, segura minha cintura e
puxa meu corpo para cima do dele. Eu me sento no seu colo, os de cabelo
caindo do coque bagunçado nos meus olhos, então prendo o cabelo atrás
das orelhas e me inclino para a frente de novo, dando vários beijinhos nele.
– Hummmm – murmura ele.
– Acho melhor desligar isso – sussurro, dando uma olhada para a
câmera na cabeceira e beijando o queixo dele.
Tyler dá um sorrisinho malicioso.
– E se a gente deixar ligado?
– Hum. – Eu me afasto e njo pensar. – Esquece, então.
Saio de cima dele e pulo da cama.
– Tá bom, tá bom, eu desligo – diz ele, se inclinando para pegar a câmera
e desligando em meio segundo.
– Tarde demais – digo, dando de ombros, provocante. Ainda é meio
estranho vê-lo na própria cama e não no sofá, e decido que vou deixa-lo
dormir comigo todas as noites. Quero acordar assim sempre. – Café?
– Nem precisa perguntar.
Inclino a cabeça para o céu, apertando os olhos quando o sol bate no meu
rosto. Passamos o dia todo na rua, no calor, e estou começando a me sentir
enjoada, queimada e suada demais. Se tem uma coisa que aprendi sobre
Nova York é que o clima pode mudar de escaldante para chuvoso de repente.
Hoje está fazendo quase quarenta graus. Aperto o copo de chá gelado que
estava bebendo e respiro fundo. É em momentos assim que sinto falta de
estar em Santa Monica, onde sempre tenho uma piscina para mergulhar a
menos de vinte metros do meu quarto. Eu não dava valor a esse luxo até
agora. Não tem espaço para piscina nos quintais daqui. Na verdade, acho
que a maior parte das pessoas na cidade nem tem quintal. Não sei como me
refrescar. Minha pele parece estar pegando fogo, e na volta do nosso dia no
Queens e no Brooklyn dou uma olhada no meu rosto no retrovisor do carro
e percebo que minha testa está queimada, e estou até com círculos brancos
em volta dos olhos por causa dos óculos escuros.
– Está quente, né? – comenta Tyler, também erguendo os olhos para o
céu, que está totalmente azul, sem uma nuvem, depois olha para o carro.
Não sei por quê, mas ele espalma a mão no capô. Imediatamente dá um pulo
e se afasta, balançando a mão, tentando abrandar a queimadura. – Merda.
Eu reviro os olhos e me sento no meio- o. O concreto está um maçarico
nas minhas coxas, mas depois de alguns segundos ca aceitável. Coloco o
copo ao meu lado – a bebida está quente e impossível de beber agora – e
observo o carro branco de Tyler, brilhando sob o sol forte. Um pensamento
tentador demais para ser ignorado me ocorre.
– Posso dirigir o seu carro?
Tyler para de se abanar. Paralisado, ele olha para mim e depois, com
uma expressão preocupada, olha para o Audi.
– Você? O meu carro? Este carro? – Ele morde o lábio e esfrega a nuca,
na dúvida. – Não me entenda mal, Eden, mas... você sabe.
Eu apoio as mãos na calçada atrás de mim, me inclinando para trás, e o
encaro com os olhos semicerrados por causa do sol, a sobrancelha erguida.
– Você não con a em mim?
– Para começo de conversa – responde ele depressa –, você só dirige
com câmbio automático. Meu carro tem marcha manual.
– E você acha que eu não sei dirigir carro manual?
Tyler ergue as sobrancelhas, surpreso.
– Sabe?
– Automático é mais fácil – digo, me levantando do chão e me limpando.
Com uma expressão desa adora, sorrio e falo: – Manual é bem melhor.
Chave?
Ele abre um sorrisão para mim e passa o braço em volta do meu
pescoço, me puxando para perto.
– Mas de jeito nenhum – responde, dando um beijo na minha bochecha
antes de me empurrar para longe de brincadeira.
Eu sabia que não tinha a menor chance de ele me deixar dirigir, mas
valia a tentativa. Dou de ombros, pego o copo que deixei na calçada e
atravesso a rua para entrar no prédio. Tyler me alcança e entrelaça a mão na
minha. Acho que pela primeira vez não reajo. Parece normal, e Tyler
também não parece ver problema, porque simplesmente entra no prédio e
segue para o elevador, sem soltar minha mão.
Andar de mãos dadas não é algo que fazemos normalmente. É coisa de
casal, não de pessoas que estão se relacionando em segredo. Mas hoje não
precisamos ter tanto cuidado. Snake foi visitar a família em Boston e só volta
amanhã. Emily vai passar o dia com alguns amigos. No momento, Tyler e eu
estamos livres.
Assim que piso em casa decido que vou tomar um banho frio para tentar
me refrescar. Quando falo isso para Tyler, porém, minhas bochechas coram.
Lembranças de quinta-feira dominam minha mente, de Tyler e do chuveiro
e da chuva e dos escritos e da Bíblia, e parte de mim se pergunta como
aquela noite teria acabado se Snake e Emily não tivessem voltado tão cedo.
É óbvio que Tyler pensa a mesma coisa que eu, porque morde o lábio
para conter um sorriso.
– Beleza – responde.
É tão incrivelmente tentador mandar alguma indireta para ele vir
comigo, mas sei que eu ia acabar me enrolando. Então só dou o sorriso mais
inocente que consigo e me viro para o banheiro, jogando o copo de chá
gelado ao passar pela lixeira.
Pegando fogo, tiro a roupa e me olho no espelho. Acho que estou com a
marca das roupas, e minha cara está ainda mais vermelha do que parecia no
carro. Entro no chuveiro e diminuo a temperatura da água. Totalmente
gelada seria insuportável, então deixo no morno e co parada debaixo da
água por um tempinho. Nem me dou ao trabalho de lavar o cabelo, então no
segundo em que parece que a minha pele não vai mais explodir em chamas,
saio do boxe, enrolo uma toalha no corpo e vou para o quarto.
De início não me ocorre que estou sozinha. Só depois que já vesti um
short e uma camiseta que percebo que o apartamento não está só silencioso:
está vazio.
– Tyler? – chamo. Estou parada bem no meio da sala, com as mãos na
cintura, testa franzida. Espero alguns segundos, mas não há resposta. –
Tyler? – grito.
Suspiro. Ele não teria saído sem me avisar. Talvez tenha deixado alguma
coisa no carro. Talvez esteja no telhado. Não me surpreenderia. Ele sempre
vai para lá quando está a m.
Embora esteja fora do sol agora, minha pele está ardendo ainda mais que
antes. Meu rosto está tão quente que dói, e me arrependo de não ter ouvido
quando minha mãe falou para trazer loção pós-sol. Na hora não achei que
pudesse fazer tanto calor em Nova York. Andar pelo Queens de nitivamente
foi má ideia. Acho que a única vez que camos na sombra foi para comprar
as bebidas. O resto do tempo me deu uma queimadura.
Abanando o rosto, vou para a cozinha, direto para o segundo armário da
esquerda. É onde os meninos guardam remédios e kit de primeiros socorros,
e se tenho a mínima chance de encontrar aloe vera nessa casa, é lá. Eu me
estico até a prateleira de cima, sem conseguir ver enquanto empurro vários
potes. Encontro analgésicos, os que resolveram minha dor de cabeça da
semana passada, e band-aids, que não vão me ajudar em nada, e continuo
até encontrar tudo que não quero. Nada de aloe vera. Eu suspiro e subo no
balcão, cando de joelhos para enxergar melhor dentro do armário. Até os
meus ombros estão ardendo, então continuo procurando, en ando o braço
até o fundo do armário. Paro quando encosto num pote de vidro.
Quando vou ver o que é, minha respiração para. É um pote hermético.
Dentro, vários saquinhos ziploc transparentes. O que me surpreende,
porém, é que dentro tem maconha.
De início, co surpresa demais para sequer compreender. Pego o pote,
encarando o conteúdo sem acreditar, boquiaberta. Não sei por que tem
maconha aqui. Não deveria ter. Tyler parou de fumar isso quase dois anos
atrás, e Snake falou que não fuma, mas, conhecendo ele, pode ser mentira.
Não é minha, e duvido que seja de Emily.
Meu estômago revira quando olho de volta para o armário,
desconcertada. Ainda tem todos aqueles isqueiros, que encontrei no
domingo de manhã quando procurava os analgésicos. Por que isso está
aqui?, penso. Quem está fumando esta merda?
Pego alguns isqueiros, olhando deles para o pote por alguns segundos.
Depois de um tempo, largo os isqueiros no balcão e concentro toda a minha
atenção no pote. Não sei o que me leva a fazer isso, mas abro a tampa, e o
cheiro forte quase me derruba.
É tão pungente que quase vomito. É muito diferente do cheiro de
maconha quando tragada e solta no ar. Mais forte, mais profundo. Fecho a
tampa com toda a força o mais rápido que consigo, com ânsia de vômito,
então olho de volta para os isqueiros. Fico encarando-os por um tempo,
tentando concluir se deveria guardar tudo de volta e ngir que nunca vi isso,
mas então uma lembrança me vem à mente.
Os isqueiros. Na quinta, Tyler acendeu as velas. Tyler, que por acaso
tinha um isqueiro no bolso. Eu entendo que haja isqueiros no apartamento.
Tudo bem. Mas no bolso? Quem leva isqueiro por aí sem motivo? Ninguém,
a não ser que... fume.
Meu queixo quase bate no chão quando chego a essa conclusão. Não é
possível. Não, não tem como. Tyler parou com isso anos atrás. Ele deixou
claro para mim na minha primeira noite aqui que estava bem, que não
precisava mais dessas coisas. Ele não mentiria para mim. Deve ser do Snake.
Os isqueiros devem ser coincidência. Depois de tudo que aconteceu, Tyler
não pode estar usando essas coisas de novo.
Sinto uma onda de fúria e, sem pensar duas vezes, abro o pote e pego um
dos saquinhos, prendendo a respiração enquanto fecho a tampa de novo. De
alguma forma, me sinto paralisada e irritada ao mesmo tempo, descendo do
balcão e en ando o saquinho no bolso. Abro a porta do apartamento e saio
pelo corredor, trincando os dentes para não gritar de frustração. Sei que
Tyler está no telhado. Sei que é para lá que vai quando some. Sempre.
Quando entro no elevador, me dou conta de que nunca me perguntei por
que ele vai tanto para lá. Sempre sozinho, às vezes por horas. Por quê? O
motivo ca cada vez mais óbvio, mas não quero acreditar. Ainda não
acredito que isso está acontecendo, que isso é mesmo verdade.
Pego o elevador até o último andar, e com as mãos fechadas subo as
escadas até o telhado. O mais silenciosamente possível, me aproximo da
porta, fechando-a sem fazer barulho. Quando me viro, vejo que o telhado
está vazio, com exceção de uma pessoa. Pelo visto, acertei onde Tyler estava.
Ele está de costas para mim, debruçado com os cotovelos na mureta,
olhando a avenida. Só está parado ali.
Eu respiro fundo, me aproximo e paro a alguns passos.
– E aí? – falo.
Calma. Tranquila. Mas pegando fogo por dentro.
Tyler se vira, assustado pelo som da minha voz e um pouco surpreso
com a minha presença. Mas sorri. É um sorriso amoroso.
– E aí? – fala ele. – Desculpa não ter falado que ia subir. Achei que você
ia car mais tempo no chuveiro, então pensei em vir aqui. Está calor demais
para car em casa, sabe? Mas está muito quente aqui também. Nossa, seu
rosto está meio verme...
– Tyler – interrompo, com a voz baixa mas rme.
Meus olhos encontram os seus. Ele ergue a sobrancelha, me deixando
falar. Estou com um nó na garganta quando en o a mão no bolso e pego o
saquinho de maconha. Segurando-o com a ponta dos dedos, ergo o saco
diante do rosto dele, encarando-o com toda a raiva e irritação que há dentro
de mim.
– O que é isso?
Ele arregala os olhos ao examinar o saquinho e seu rosto tranquilo
assume uma expressão de pânico. Eu vejo em seu olhar. Ele está sem
palavras, incapaz de dizer qualquer coisa, e meu peito dói.
– Vai me dizer que é do Snake, não vai? – pergunto, baixinho, em tom de
súplica. É isso que quero ouvir. É o que preciso ouvir para que tudo que
bem. Minha voz falha, e só consigo sussurrar: – Me diz que é do Snake, por
favor.
– Eden... – Tyler começa devagar, e a culpa nos seus olhos me dá a
resposta que não quero.
Ele nem vai tentar esconder. Ele nem vai tentar negar.
De repente explodo. É uma mistura de fúria e decepção, me consumindo
de uma vez e alimentando minhas palavras.
– Você mentiu para mim! – berro, furiosa. – Mentiu na minha cara
quando perguntei se você estava bem! Você não está bem! Você é um
mentiroso!
– Eden, eu estou bem – retruca Tyler, a voz calma. Ele parece
envergonhado, e deveria estar mesmo. Estou tão, tão decepcionada. – É só...
– Você voltou a cheirar também, é? – Minha voz é ácida.
– Não, claro que não.
– Quando você começou com essa merda? – exijo saber, balançando o
saco na frente dele. Parte de mim quer jogar aquilo pela janela. – Quando
voltou com essa merda toda?
Tyler morde o lábio e olha para mim, a culpa ainda estampada no rosto.
– Umas semanas depois de vir para cá – admite.
– Você está de sacanagem com a minha cara, Tyler? Tão rápido? –
Explodo, balançando a cabeça, sem acreditar. Isso não pode ser real. – Você
poderia ter sido expulso do projeto!
– Eu não sou idiota de ser pego.
– Acabou de ser, babaca – retruco.
Jogo o saquinho no peito dele e dou meia-volta, furiosa demais para
sequer encará-lo.
– Eden, por favor, ca calma – diz Tyler atrás de mim, sem nunca erguer
a voz. Eu não o culpo. Ele foi pego. É claro que está quietinho. – É só
maconha.
– Essa não é a questão! – Mais irritada a cada segundo, eu me viro de
volta e ergo as mãos, exasperada. Ele não entende. – Era para você estar
bem! É por isso que vem para cá o tempo todo? Para fumar?
– Eu posso parar agora mesmo – diz ele, sem responder minha pergunta,
e não me convence nem um pouco. – Olha só.
Ele se abaixa, pega o saquinho no chão e fecha o punho com força, então
dá um passo para a frente para segurar minha mão.
– Não encosta em mim – rosno, mas não adianta.
Ele já está me puxando até a porta, sem dizer nada. Está concentrado
demais, respirando com força. No momento também não quero conversar
com ele, então só descemos as escadas e pegamos o elevador em completo
silêncio.
Estou tão irritada. Furiosa. Indignada. Confusa. Por quê? Por que Tyler
faria isso de novo? Não entendo. Cruzo os braços, olho de soslaio para ele e
dou um passo para longe enquanto o elevador nos leva de volta ao décimo
segundo andar. Não quero estar perto dele. Ele estragou tudo. Mesmo.
Ainda assim, ele pega meu braço de novo e me puxa do elevador,
andando tão rápido pelo corredor até o apartamento que quase tenho que
correr para acompanhar. Como esqueci de trancar a porta, ele me leva para
dentro sem hesitar, e no momento em que ele olha para cozinha, percebo
que seus olhos cam ainda mais sérios quando ele vê o pote de maconha no
balcão da cozinha. O apartamento está fedendo a maconha, e eu me
arrependo de ter aberto o pote.
Tyler me solta e vai direto para a cozinha, abrindo o pote e pegando os
outros dois saquinhos. Com os três na mão, ele abre a porta do banheiro e
dá uma olhada para mim por cima do ombro.
– Olha – diz ele, com a voz frustrada. Sem querer, eu me forço a ir até
ele, de braços cruzados e cara feia. – Olha essa merda – resmunga ele.
Abre o primeiro saco e joga o conteúdo inteiro no vaso, sacudindo o
plástico vigorosamente antes de jogá-lo no chão. Faz a mesma coisa com os
outros dois, enquanto observo de olhos arregalados, e quando ele dá
descarga, ainda com a respiração pesada, ele se vira para mim com um olhar
desanimado no rosto.
– Quer mesmo saber por que eu não estava bem? – grita ele de repente.
– Eu não estava bem porque não estava com você, ok? É por isso. Era por
sua causa.
Perplexa, tento assimilar suas palavras, mas não consigo compreender.
– O quê?
– Olha, quando eu me mudei para cá, achei que ia conseguir te esquecer.
Mas não – admite ele, a voz calma de novo. Ele soa quase triste. Passa a mão
pelo cabelo, fecha a tampa do vaso e se senta, a cabeça baixa. – Eu não
conseguia tirar você da cabeça e precisava de alguma merda para me
distrair.
Estou atônita mais uma vez. Por que estamos tendo essa conversa de
novo? Por que estamos falando de distrações de novo? Era para isso ter
acabado faz anos.
– Você está me culpando?
– Aham. Estou te culpando – responde ele, erguendo a cabeça num
movimento rápido. Ele olha para mim com raiva. – Estou te culpando por
me fazer acreditar que eu não tinha chance com você.
– Você nunca vai esquecer isso? Vai me fazer sentir culpada por isso
para sempre? – grito, dando um passo para a frente e me abaixando na
frente dele para olhá-lo nos olhos com toda a sinceridade. – Já falei que sinto
muito – digo devagar. – Nunca disse que não queria car com você. Eu disse
que não podia. É diferente.
Quando Tyler não responde, eu desabo. Minha fúria se apaga, e tudo
que resta é decepção e confusão. Não são só a maconha e a briga, é tudo. De
uma vez só o peso de estar traindo Dean, a realidade de que passamos as
últimas três semanas nos escondendo porque, pelo visto, é a única coisa que
sabemos fazer, o fato de que logo teremos que contar a Dean e aos nossos
pais a verdade, Tyler ter mentido para mim sobre estar bem. Tudo foi se
acumulando desde o momento em que cheguei a Nova York, e agora tudo
está me atingindo de uma vez. É demais para mim.
Lágrimas surgem nos meus olhos e se derramam momentos depois,
então desmorono no chão e escondo o rosto nas mãos, tentando controlar o
choro. Mas a tentativa é em vão, e logo estou soluçando aos pés de Tyler.
Ouço sua respiração enquanto choro, mas, tirando isso, ele ca em silêncio.
Depois de um tempo, Tyler chama o meu nome, mas não ergo o rosto;
ouvir a voz dele só me faz chorar mais, fraca e triste. Segundos depois, sinto
suas mãos. Com cuidado, ele passa os braços ao meu redor e se levanta, me
puxando junto. Tyler aperta meu corpo com força enquanto en o o rosto na
sua camisa de anela. Ele ca ali parado me abraçando, e é o bastante.
– Me desculpa – sussurra ele, pousando o queixo na minha cabeça. – Eu
deveria ter te falado.
Não respondo. Estou magoada demais para sequer tentar. Não sei o que
mais posso dizer. Só posso torcer que esteja realmente arrependido por fazer
isso de novo, por ter se voltado para a única coisa que estávamos todos
convencidos de que ele nunca mais faria.
Tyler de repente move a mão para o meu rosto, erguendo-o com o
polegar enquanto olha nos meus olhos inchados, a expressão totalmente
sincera. Ele parece sofrer ao sussurrar, decidido:
– Sinto muito.
Vejo como seus olhos pousam nos meus lábios. Não me mexo. Só
espero. Ele também. Está tentando ver se vou me afastar ou não, e quando
não faço isso, ele fecha os olhos e encosta os lábios nos meus.
É tão suave e gentil de início, um mero toque, mas logo se torna um
beijo intenso. Eu seguro seu rosto enquanto ele me beija mais rápido, nós
dois incendiados por todas as emoções combinadas. O beijo oscila de lento e
suave para rápido e furioso em intervalo de segundos, uma mistura da nossa
raiva e da nossa tristeza, e logo me derreto junto a ele de novo, esquecendo
tudo que acabou de acontecer.
Sem nunca tirar os lábios dos meus, Tyler se abaixa um pouco, passando
as mãos pelas minhas coxas e me tirando do chão. Na mesma hora cruzo as
pernas com força ao redor da sua cintura e passo os braços em volta do seu
pescoço, beijando-o com fervor. Ele começa a caminhar, apertando minha
bunda ao me carregar para fora do banheiro, passando pela cozinha e depois
pela sala. Eu puxo o seu cabelo, forçando-o a inclinar a cabeça para o lado, e
levo os lábios ao seu pescoço, deixando uma linha de beijos suaves mas
profundos na sua pele. Ele geme meu nome em resposta.
Inevitavelmente acabamos no quarto dele. É claro. Ele afasta os lábios
dos meus, chuta a porta atrás de nós e me coloca no colchão macio. Ele me
olha de cima, os olhos faiscando, e pisco para ele com um sorriso ansioso
nos lábios. Desta vez, quando estendo a mão para o cinto dele, ele não me
para, porque desta vez não estou bêbada. Desta vez não há interrupções.
Desta vez, estamos prontos.
Eu o empurro um passo para trás e co de joelhos na frente dele, tirando
minha camiseta e jogando-a para o lado. Quando o encaro, ele engole em
seco, e seus olhos brilhantes me encorajam a seguir em frente. Então é o que
eu faço. Minhas mãos tremem ligeiramente enquanto desabotoo a calça
jeans, prendendo os dedos pelos passadores do cinto e puxando a calça
junto com a cueca. Meus olhos se arregalam.
Não me lembro de muita coisa daquela noite, dois anos atrás, na festa na
praia. Na noite em que ele me disse a verdade. Lembro que não foi ótimo,
mas eu já esperava. Era minha primeira vez, então duvido que eu tenha
apresentado uma performance impressionante. Mas já faz dois anos, uma
pessoa pode ganhar bastante experiência nesse tempo.
Então eu começo, mostrando a Tyler exatamente o que aprendi nos
últimos dois anos. De uma técnica à outra eu o surpreendo, e me sinto
extremamente satisfeita cada vez que ele solta um gemido. Ele está de olhos
fechados, uma das mãos espalmada na parede, a outra segurando meu
cabelo. Eu me sinto tão dominante, mas antes que me dê conta ele me puxa
pelas mãos, me beijando com força, sem hesitar.
Nós dois somos uma confusão. Sempre. Tudo que nos envolve vira uma
situação complicada, e esta não é uma exceção. Tyler está tão concentrado
em me beijar que passa um bom tempo brigando com o fecho do meu sutiã.
Acabo rindo e me afastando por um momento para abrir eu mesma. Ele ca
meio envergonhado e tira a calça que estava presa nos calcanhares. Quando
jogo o sutiã por cima do seu ombro, ele me puxa pela cintura. Passa as mãos
pelo meu corpo inteiro, os polegares acariciando a pele logo abaixo dos
meus seios enquanto conduz os lábios pelo meu pescoço, ombro, clavícula.
Eu mordo o lábio e suspiro de prazer, me concentrando em tirar os tênis e o
short.
Os lábios dele capturam os meus de novo quando ele baixa uma das
mãos para a minha bunda, e eu começo a tentar abrir os botões da sua
camisa de anela, o mais rápido que posso, sem parar de beijá-lo. No m,
me saio tão mal nisso quanto Tyler tentando abrir meu sutiã, então ele
mesmo abre a camisa. No momento em que a tira e a joga no chão, passo as
mãos pelo seu peito. A pele dele está quente, e sinto seu coração disparado
no peito. E onde quer que Tyler esteja tocando meu corpo agora, tenho
certeza de que consegue sentir meu coração acelerando também.
Devagar, mas com um senso de urgência, Tyler me empurra para a
cama, e eu desabo no colchão macio. Ele não deita comigo, porém: vira-se
para trás, pegando a calça jeans e revirando os bolsos e a carteira, cada vez
mais em pânico. Eu sei o que ele está procurando, então chamo por ele com
uma risada nervosa, informando-o de que não precisa se preocupar. Tenho
essa parte sob controle. Minha mãe insistiu.
Vejo o alívio no rosto de Tyler, que joga a calça e a carteira no chão,
morde o lábio e se deita comigo. Minha pele parece pegar fogo, e não sei se é
a queimadura de sol ou seus toques, mas não me importo, seja o que for.
Agarro o cabelo dele, segurando com força quando ele passa as mãos pelo
meu corpo sem esquecer nem um centímetro de pele. Ele move os lábios
para a minha mandíbula e en a a mão dentro da minha calcinha. Fecho os
olhos e me concentro na minha respiração. Não consigo evitar e puxo o
cabelo dele enquanto jogo a cabeça para trás nos travesseiros, arqueando as
costas.
Ele para depois de um tempo, me encarando com os olhos arregalados
como se perguntasse se estou pronta, então assinto.
Não me lembrava de como ele se movia e de como era a sensação dele.
Não me lembrava de como nossos quadris se movimentavam em sincronia.
Não me lembrava de como nossa respiração nunca se alinhava, sempre tão
rápida e desigual. Não me lembrava de nenhuma dessas coisas até agora, que
está acontecendo de novo. Só que desta vez Tyler não tem medo de ser mais
rme do que da primeira vez. Alternando entre ritmos, uma das mãos
segurando a minha e a outra no meu quadril, seu corpo sua junto ao meu.
Fico sem fôlego. É tão sensacional que acho que passo o tempo todo com
um sorriso no rosto, mesmo enquanto solto gemidos suaves. Não consigo
evitar. É tudo tão... tão Tyler. Essa é a melhor parte.
É tão escandaloso, tão errado, que só torna tudo mais excitante. É uma
onda de adrenalina. A pior coisa é que sei que isso não deveria estar
acontecendo, pelo menos ainda não. Não enquanto ainda estou com Dean.
Tyler, por um lado, aceitou que Dean vai sair dessa magoado. Aceitou que
vamos contar a verdade aos nossos pais quando voltarmos para casa. Eu, por
outro, ainda não aceitei totalmente. Quero acreditar que sim. Tento me
convencer de que estou pronta para lidar com tudo isso, para encarar tudo,
mas ainda sinto aquele pânico e aquela apreensão em algum lugar dentro de
mim. Ainda sinto culpa por amar Tyler. Ainda sinto vergonha. Não parece
justo.
Acho que seremos para sempre o maior segredo um do outro.
19
Não ligo para Dean na semana seguinte inteira. Não consigo me forçar a
ouvir a voz dele. Toda vez que ele tenta ligar, deixo cair na caixa postal
enquanto encaro a tela, mordendo o lábio e me sentindo a pior pessoa do
planeta. Não é só por causa da noite de sábado. É por causa da tarde de
domingo, da manhã de segunda, e da noite passada.
Tyler e eu temos muito tempo perdido para recuperar. Dois anos
inteiros. Toda vez que Snake e Emily saem de casa, aproveitamos a
privacidade. Aproveitamos tanto, inclusive, que Tyler começou a brincar que
deveríamos avisar aos nossos amigos para não se sentarem no sofá à
esquerda da mesa de centro. Ele só recebe um olhar feio meu toda vez que
menciona isso.
Não é que a gente planeje. Só continua acontecendo. E eu não estou
reclamando.
Pouco depois das oito da noite na terça, Tyler e eu seguimos para o hotel na
63rd com a Madison. O sol está começando a afundar lentamente entre os
edifícios de Manhattan enquanto Tyler dirige pela Park Avenue. Está de
óculos escuros, uma das mãos no volante e a outra brincando no cabelo, o
cotovelo apoiado na porta.
– Elas só podem estar de sacanagem – resmunga ele depois de um
tempo. – O Lowell? Por favor.
– Como assim?
Ele bufa, e, embora eu não consiga ver por causa dos óculos escuros,
tenho certeza de que revirou os olhos.
– Rachael e Meghan estão na faculdade. Você acha que podem pagar um
lugar assim? Quer dizer, a Meghan acabou de voltar da Europa.
Provavelmente tem dez dólares na conta.
– Tyler, você tinha dezesseis anos e estava no colégio quando comprou
esse carro com a sua boa e velha herança – relembro, e então, para provar
meu ponto, completo: – Acha mesmo que pessoas de dezesseis anos podem
comprar um carro assim?
– Só acho estranho, sei lá – responde ele, ignorando meu comentário.
Levamos apenas dez minutos para chegar à 63rd Street, e Tyler dá a ré
numa vaga em uma manobra rápida, bem em frente à Santa Fe Opera.
Minha habilidade de estacionar não chega aos pés da dele – ainda me
surpreende que ele consiga fazer isso em menos de seis segundos.
Quando sai do carro, Tyler joga os óculos no painel e bate a porta com
força. Sigo logo atrás, intrigada. Não sei qual é o problema dele.
O Lowell ca logo adiante, na esquina com a Madison Avenue. Com
tijolos vermelhos, portas douradas e toldos brancos lindos, dou uma olhada
rápida, antes que Tyler resmungue e me arraste porta adentro. Um porteiro
nos recepciona, nos dando as boas-vindas ao hotel e desejando uma boa
noite. Tyler solta um suspiro, e tenho a impressão de que ele não quer estar
aqui. No momento, ou ele é contra hotéis de luxo, ou contra Rachael e
Meghan.
A recepção é pequena mas aconchegante, com vários lugares para sentar,
e Tyler e eu vamos direto para o elevador. O quarto delas é no décimo andar.
Tyler cruza os braços e se reclina no corrimão.
– O que você tem? – pergunto, nalmente.
– Por que estou aqui? – responde ele, sem hesitar.
Eu franzo a testa, perplexa com a pergunta.
– Elas são suas amigas.
– Eden! Acho que não falei com a Rachael mais de seis vezes no último
ano, e com a Meghan muito menos. Nem você. Pode admitir.
Dou de ombros. De certa forma ele tem razão. Meghan não faz lá muito
esforço para falar com a gente. É quase como se tivesse cado feliz de sair de
Los Angeles. A gente só conseguia se falar quando ela ia para casa às vezes.
Nem eu me sinto tão próxima dela como antes.
– Tá, tudo bem, com a Meghan é mais difícil de manter contato –
admito.
– Fala sério – responde ele com uma risada seca. – Ela claramente não
quer mais nada com a gente. Ela só liga para Utah e para o tal do Jared. Eles
já se casaram? Porque é o que está parecendo.
– Nossa, Tyler.
– Olha – diz ele, baixinho. – Só é estranho. Eu não sou mais amigo delas.
Acontece.
O elevador para devagar e a porta apita ao se abrir, interrompendo a
conversa, embora di cilmente eu tivesse como contra-argumentar. Tyler
ainda está mal-humorado e não tenta disfarçar enquanto seguimos pelo
corredor. Pego o celular de novo, con rmando se vi as informações corretas
nas mensagens de Rachael, então paro em frente à porta certa e bato.
Enquanto esperamos, olho para ele. Está encarando a porta, a expressão
neutra, e me pego avaliando cada detalhe do seu rosto. A pele morena e o
cabelo preto e bagunçado, que ele atribui aos genes latinos, os olhos cor de
esmeralda vibrantes que alternam entre secos e reluzentes, sua mandíbula
perfeitamente desenhada com a quantidade certa de barba...
Tudo isso... Tudo isso é meu.
– O quê? – pergunta ele, ao perceber meu olhar.
Não consigo conter meu encanto diante dele, e quando meus lábios se
curvam num sorriso tímido, só dou de ombros.
– Nada.
A porta é aberta, tão rápido que provoca uma brisa, e antes que eu
consiga olhar para a frente sou puxada para o quarto e para os braços de
alguém.
Reconheço o perfume e o cheiro do xampu na hora. É Rachael. Ela tem
esse cheiro desde que a conheci. O cabelão cobre meu rosto enquanto ela me
abraça com força e grita, e não consigo fazer nada além de rir junto. É muito
bom vê-la. Me faz lembrar da minha vida em Santa Monica, da qual quase
esqueci completamente nessas últimas quatro semanas.
– Nossa, Rachael – murmuro. – Assim você vai quebrar meu braço
Ainda rindo, consigo me soltar e olhar para ela.
O cabelo está um pouco mais escuro do que me lembro, e claramente
vários centímetros mais curto, mas não menciono isso. Lembro que Dean
comentou que ela não tinha cado feliz. De resto, é a minha mesma melhor
amiga de sempre, com um sorrisão no rosto.
– Que saudade!
– Também! – digo.
Não tinha percebido isso até agora. Tenho estado tão distraída com todo
o resto, e agora estou começando a me sentir culpada.
– Tyler!
Rachael arregala os olhos por um momento, surpresa, e não tenho como
julgá-la. Parece que ele envelheceu cinco anos desde que se mudou. Ele
ainda está parado sem jeito perto da porta, mas Rachael corre para abraçá-lo
também. É um abraço rápido, e quando ela se afasta puxa-o para dentro do
quarto e fecha a porta.
– Não acredito que já faz um ano – fala Rachael.
– É, é louco – diz Tyler com um sorrisinho, que não sei se é verdadeiro
ou falso.
De toda forma, ele não parece mais desconfortável.
Enquanto eles conversam, paro um minuto para dar uma olhada no
quarto. É imenso, e parece que tem cômodos separados, além do banheiro e
de uma minicozinha. É todo de piso de madeira com tapetes persas, ao
mesmo tempo elegante e vintage e moderno. Tem uns quadros
impressionantes nas paredes, mas não co olhando por muito tempo, e logo
volto para perto de Tyler.
– Então, o metrô é seguro? – pergunta Rachael, de olhos arregalados. –
A gente não vai levar um tiro nem nada?
– Relaxa – diz Tyler, e sei que ele quer revirar os olhos, mas se segura. –
É só não car parada com cara de turista que vai car tudo bem.
Dou uma olhada pelo quarto de novo. Tem alguma coisa faltando. Levo
um segundo para perceber, mas, quando percebo, me volto para Rachael e
pergunto:
– Cadê a Meghan?
Devagar, Rachael olha para mim. Quase sorri, mas morde o lábio e dá de
ombros.
– Ela voltou com alguma virose da Europa. Literalmente não parava de
vomitar. Então não veio.
– Então você veio para cá sozinha?
As palavras mal deixaram meus lábios quando alguém passa os braços
por cima dos meus ombros e dos de Tyler, nos abraçando com força. Levo
um susto, e antes de eu sequer ter a chance de me virar uma voz murmura:
– E aí, nova-iorquinos.
Meu coração para. Não pelo susto momentâneo, mas por causa da voz. É
uma voz que conheço bem demais.
Dean.
Eu levanto o braço dele e me viro no exato momento que Tyler. Acertei
na mosca.
Dean está parado na minha frente, um imenso sorriso no rosto, os olhos
escuros brilhando ao me abraçar com força junto ao peito. Estou tão
chocada que nem consigo retribuir o abraço. Fico parada, boquiaberta, sem
dizer nada. Por cima do ombro de Dean, Tyler me encara, o rosto tão pálido
quanto o meu. Estamos pensando exatamente a mesma coisa: Queria que
isso não estivesse acontecendo neste momento.
– Surpresa! – sussurra Dean.
A voz dele faz um calafrio percorrer meu corpo. Ele en a o rosto no
meu cabelo, e tudo parece tão estranho. Não estou mais acostumada com
Dean. Estou acostumada com Tyler.
Não era para Dean estar aqui. Não era para ele estar em Nova York com
Tyler e comigo. Era para ele estar em Santa Monica. Era para eu ter mais
duas semanas para descobrir o que fazer em relação a ele. Não estou pronta
para lidar com isso agora. Dean aqui pode estragar tudo.
Quando ele nalmente me solta, ca me encarando com olhos
apaixonados e balançando a cabeça com um sorriso. Grande e sincero. Dói
ver isso.
– Nossa, como eu senti saudade – diz ele, e pressiona os lábios contra os
meus.
Fico surpresa de início, tanto que nem consigo me afastar. Antes eu
sentia algo quando beijava Dean, mas agora não sinto nada. Não sinto
nenhuma adrenalina. Dean me beija suave mas freneticamente, como se
estivesse tentando se lembrar do que sentia falta, mas não consigo beijá-lo
da mesma forma. Não quero. Para mim, é um beijo sem vida.
Tento pedir desculpas a Tyler com os olhos. Seu corpo está tenso, e ele
me encara com uma expressão fria. Do nada ele agarra o ombro de Dean e o
puxa para trás, interrompendo nosso beijo. Fico grata.
– Pô, cara, está esquecendo do seu melhor amigo aqui? – pergunta Tyler,
e quando Dean se vira, Tyler abre um sorriso, mas eu sei a verdade.
Vejo um brilho de fúria nos olhos dele. Vejo a mandíbula contraída.
Dean, por outro lado, não enxerga nada além da felicidade no rosto do
melhor amigo.
– Minha nossa, o que aconteceu com a sua voz?
– Morando em Nova York com um cara de Boston – diz Tyler, seco. –
Acaba estragando o sotaque.
Rindo, Dean o puxa para um meio abraço enquanto eles trocam
tapinhas nas costas, e quando Dean se afasta Tyler pergunta:
– Então, o que está fazendo aqui? – Ele nem tenta esconder o tom áspero
da voz. Só cruza os braços e ergue as sobrancelhas, esperando a resposta.
– Substituindo a Meghan – responde Dean. Está com uma camisa azul-
clara e jeans escuros, e en a as mãos nos bolsos da frente. – Foi bem em
cima da hora. Achei que o meu pai não me deixaria tirar folga, mas ele deu a
maior força. Ideia da Rachael.
Eu e Tyler fuzilamos Rachael com os olhos ao mesmo momento. Ela está
observando a cena com um sorriso radiante. Nós dois não estamos nada
contentes. Convidar Dean para Nova York? É literalmente a pior coisa que
ela poderia ter feito.
– Tyler, eu trouxe o seu melhor amigo, e Eden, eu trouxe seu namorado!
– comenta ela, o sorriso cada vez maior. – Sou ou não sou a melhor amiga
do mundo?
Não consigo responder. Sei que a intenção dela ao fazer isso foi a melhor
possível, mas Rachael não tem ideia do que acabou de fazer. Só tornou as
coisas muito mais complicadas. Duvido que Rachael ou Dean percebam,
mas para mim e para Tyler a tensão está cando insuportável.
Dou uma olhada em pânico para ele, que suspira e passa a mão pelo
cabelo. Não sei o que pensar. Não sei o que fazer. E, quando Dean para ao
meu lado de novo, passando o braço por cima dos meus ombros e me dando
um beijo na bochecha, começo a me sentir ainda pior.
Devemos contar a verdade, agora que ele está em Nova York? Ou vamos
esperar, como planejado? Essa é a parte difícil: saber quando magoar Dean.
É inevitável, só resta saber quando e onde. Não aqui, isso com certeza. Não
agora. Mas talvez em breve.
E, se achava que as coisas não podiam car piores, meu Deus, como eu
estava errada.
A porta do banheiro se abre, chamando a atenção dos quatro. Franzindo
as sobrancelhas, confusa, ouço alguém comentar:
– Gente, que banheira incrível.
Também reconheço essa voz. Uma voz que achei que nunca mais teria
que ouvir. Que pertence a alguém com quem não falo há dois anos. Estou
começando a empalidecer de novo, então ela sai do banheiro, o cabelo preso
num coque bagunçado e nada além de uma toalha branca envolvendo seu
corpo miúdo. Ela para quando nos vê, e seus olhos vão de mim para Tyler
no mesmo instante. Então, com uma tranquilidade quase dolorosa, Tiffani
sorri.
– Por que ninguém me falou que o meu casal de irmãos favorito tinha
chegado?
21
No dia seguinte, eu e Tyler estamos uma pilha de nervos. Não dá para evitar.
É uma agonia saber que Dean está tão perto. Temos que redobrar os
cuidados de novo, tomando conta de todas as palavras e nos certi cando de
não trocar olhares demais. Voltamos a ser só irmãos postiços de novo.
E embora estejamos tentando agir tão normal e inocentemente quanto
possível, Tyler está com di culdade para esconder sua irritação, porque
Dean vem me buscar a qualquer segundo. Está passando um café na cozinha
enquanto eu ando de um lado para outro da sala, esperando a batida na
porta, e até Emily percebe o clima tenso.
Ela pausa o lme na TV, o que não agrada nem um pouco Snake, e nos
observa intrigada, os olhos indo de mim para Tyler.
– Qual o problema?
– Eden vai sair – diz Tyler, me encarando, mexendo o café sem nem
olhar para baixo, a mandíbula tensa. – O namorado dela apareceu de
surpresa ontem de noite aqui na cidade. Eu mencionei que a minha ex
maluca também veio? Porque foi isso que aconteceu.
– A Tiffani? – pergunta Emily.
Paro no meio e encaro Tyler com uma expressão de curiosidade, as
sobrancelhas erguidas. Ele deve ter falado sobre a Tiffani para Emily. Na
verdade, acho que deve ter contado quase tudo sobre a vida dele. Ela sempre
parece saber todos os mínimos detalhes.
– Aham – responde Tyler, ríspido.
Ele nos dá as costas e se concentra no café, desviando a atenção de Emily
para mim.
– Eden, eu não sabia que você tinha namorado – comenta ela, me
encarando tão intensamente que co desconfortável.
– É, tá bom, quem se importa – reclama Snake, tentando tirar o controle
da mão dela, mas Emily só empurra o peito dele e continua a olhar para
mim.
– A gente está junto há um ano e meio – digo, baixinho. Um ano e meio.
É esse o tanto de tempo que desperdicei da vida de Dean. – Ele se chama
Dean.
Como se ensaiado, ouvimos uma batida na porta. Todo mundo se vira
ao mesmo tempo, mas Tyler e eu logo nos entreolhamos. Ele para de mexer
o café, as mãos paralisadas no ar, e mordo o interior da minha bochecha.
Não quero ver Dean hoje à noite, mas se eu desmarcar ele vai saber
imediatamente que tem algo errado. E ainda não estou pronta para contar a
verdade.
Sinto os olhos de todos em mim ao me aproximar da entrada do
apartamento, ajeitando a saia ao andar. Devagar, abro a porta. E, claro, é o
Dean.
Ele respira fundo, aliviado, assim que me vê e abre um sorriso.
– Ah, ainda bem que a gente acertou o apartamento.
– A gente?
Neste momento, Rachael e Tiffani aparecem atrás dele, meio sem fôlego,
como se tivessem subido os doze andares de escada. Aperto a maçaneta
quando Tiffani sorri e arregala os olhos para mim.
– O que vocês estão fazendo aqui? – pergunta Tyler da cozinha, e
quando olho para trás vejo que ele largou o café na bancada e está se
aproximando, com as mãos nos bolsos, mas isso não me impede de perceber
que estão fechadas com força.
– A gente queria ver seu apartamento! – diz Rachael, toda animada. Mas
o tom logo muda, e ela dá de ombros, envergonhada. – E também porque
ontem foi horrível. A gente queria conversar.
Tyler olha para as duas por um longo momento, principalmente para
Tiffani, e vejo que ele está quase literalmente brigando com o ímpeto de
enxotá-la. Por m, ele se afasta da porta.
– Tá, podem entrar – resmunga.
Rachael entra primeiro, com Tiffani logo atrás. Tyler me olha e dá de
ombros, e faço uma careta e puxo Dean para dentro pela camisa, fechando a
porta com o pé. Tanto Snake quanto Emily se levantam, observando,
constrangidos, as visitas da Califórnia. Snake não tira os olhos de Rachael, e
Emily, de Tiffani.
– Certo – diz Tyler, apresentando todo mundo rapidamente, dizendo o
nome o contexto de cada um sem se estender muito.
Snake, colega de quarto, de Boston. Emily, inglesa da turnê. Rachael é
uma amiga. Tiffani é só a Tiffani. Dean é só o cara com quem estou
namorando. Tyler não menciona que, certa vez, eles já foram melhores
amigos. Para quê? A amizade vai acabar nos próximos quatro dias.
Snake parte para cima de Rachael quando as apresentações sem graça
acabam, e tento lhe lançar um olhar de aviso, mas ele ou não vê ou decide
ignorar. Seus olhos cinzentos estão xos nela, e quando ele estende a mão, se
apresentando, surpreendentemente desta vez é como Stephen.
Eu bufo de leve e dou uma olhada para Tiffani. Ela está encarando
xamente Emily a alguns metros de distância, e observo nervosa quando
Emily se aproxima, com tranquilidade.
– Então você é a Tiffani?
– O que você quer dizer com isso? – Ela estreita os olhos, surpresa com o
tom de voz de Emily.
Se Emily morasse em Santa Monica, saberia que é melhor não se meter
com Tiffani Parkinson. Mas infelizmente ela não mora, então não conhece
essa regra básica de sobrevivência.
– Ah, nada – prossegue ela, dando de ombros. – É que já ouvi muito
sobre você, só isso.
– Sério?
Tiffani ca toda feliz de ouvir isso, como se amasse a ideia do próprio
nome sendo citado nas conversas alheias. Na maior parte do tempo, as
palavras que acompanham seu nome não são elogiosas.
Emily sorri, mas não é sincero. Pela primeira vez ela parece estar com o
pé atrás. Se costuma ser fofa e de fala mansa, hoje está bem diferente.
– Com certeza. Mas não se preocupe, eu tenho certeza de que tudo que
ouvi foi bem el.
Não ouço a besteira que Tiffani resolve responder, porque minha
atenção é desviada para Tyler, que se aproxima de mim e de Dean. Ele está
sorrindo. Com sinceridade? Acho que não.
– Então, Dean, quer conhecer o apartamento? – sugere ele.
Dean balança a cabeça e responde:
– Acho que a gente já vai indo. Não quero perder mais tempo.
– Que isso, cara, vamos lá, deixa eu te mostrar minha casa. – Tyler passa
o braço pelos ombros do amigo, afastando-o de mim com um aperto forte
no ombro. Acho que Dean não conseguiria se safar mesmo se tentasse. –
Vem ver a vista. Dá para a ird Avenue.
Ele leva Dean para a sala e o conduz até a janela, prendendo-o ali.
Enquanto Dean observa a rua lá fora, Tyler sorri para mim, e só me resta
revirar os olhos em resposta.
Pelo canto do olho, vejo Tiffani se aproximando deles, en ando-se entre
os dois e passando os braços pelos ombros deles. Tyler na mesma hora se
afasta.
– Então, o que a gente está olhando? – pergunta ela.
Do outro lado da sala, Snake ainda está conversando com Rachael, que
enrola mechas do cabelo na ponta dos dedos, os lábios entreabertos,
ouvindo seja lá o que Snake fala para garotas.
A cena toda me confunde. Não sei por quê, mas minha vida em Santa
Monica parecia totalmente separada do meu verão em Nova York. Ou dois
mundos não deveriam se encontrar nunca. Agora que isso aconteceu, sinto
um enjoo sem m. No último mês, Nova York foi meu porto seguro. Foi
como se eu pudesse esquecer totalmente minha vida em casa. Esquecer
nossos pais, nossos amigos, Dean. A melhor parte é que Nova York me fez
esquecer que Tyler é meu irmão postiço, até agora. A realidade nos deu um
belo tapa na cara. E, nossa, como doeu.
– Minha nossa – resmunga Emily ao se aproximar de mim, cruzando os
braços. Ela para ao meu lado e indica Tiffani com a cabeça. – Essa aí é
exatamente o que eu imaginava. Entrando aqui como se fosse a tal.
– Você colocou ela no lugar rapidinho – digo, dando uma olhada de
soslaio para Emily, reparando em sua expressão de desgosto para Tiffani.
Mantenho a voz baixa. – O que foi aquilo?
Emily dá de ombros, seu olhar cando mais tranquilo.
– Tyler me contou sobre ela – responde. Na janela, Tyler aponta as lojas e
cafés na avenida lá embaixo, ainda ignorando totalmente a persistência de
Tiffani em se encostar nele. – O que ela fez foi horrível – completa Emily. –
Não aguento garotas assim. Além disso, eu defendo meus amigos.
– Cuidado – murmuro, sem tirar os olhos de Tiffani. Ela está com uma
das mãos nas costas de Tyler e outra nos próprios quadris. – Você não quer
enfrentar a raiva dela.
Emily dá um passo à frente e se vira para mim, dá uma risada e
pergunta:
– Falando por experiência própria?
– Sem dúvida.
Lidar com Tiffani foi um inferno. É difícil car perto dela depois de tudo
que aconteceu. Ela tem um senso de poder tão grande, tanto na forma de
sorrir quanto na forma de falar. É assustador.
Ela deve ter desistido de se en ar na conversa de Tyler e Dean, porque
dá meia-volta e des la até onde estou com Emily. Ela suspira ao se
aproximar, os olhos xos em mim. Sorri e, como sempre, é falsa e amarga.
– Eden. Lá fora. Agora.
Eu nem pisco, só continuo parada.
– Não, valeu, estou bem aqui.
Tiffani não aceita essa resposta e simplesmente agarra meu pulso e me
puxa porta afora. Olho para Emily, cando para trás, mas ela dá de ombros,
de olhos arregalados. Sou levada contra a minha vontade para o corredor, e
Tiffani só me solta quando fecha a porta.
– O que você quer?
Eu cruzo os braços e dou um passo para trás quando ela se vira para me
encarar.
Adiante no corredor, um cara está saindo do seu apartamento. Tiffani
espera em silêncio enquanto ele passa por nós em direção ao elevador.
Depois que ele some, o sorriso dela ca maligno, e ela estreita os olhos.
– Resumindo? Estou começando a sentir saudades do Tyler.
É tão ridículo que caio na risada, de tão surreal que é a cena. Talvez não
soasse tão hilário se a relação deles tivesse sido honesta e verdadeira. Mas
não foi. Ela não pode sentir saudade de alguém que nunca amou. Ainda
rindo, pergunto:
– Quer elaborar mais?
– Estou começando a sentir saudades do Tyler e você vai me ajudar a
conquistá-lo de novo – retruca ela, sem hesitar, cruzando os braços e
pressionando os lábios numa linha na.
Eu paro de rir. Agora a cena é só triste. Ela realmente está fora de si.
– Você sabe que isso nunca vai acontecer, né?
– E por que não? Ele vai voltar para a Califórnia, nós dois estamos
solteiros, e é impressão minha ou o seu irmão cou bem mais gato?
Ela suspira e nge se abanar teatralmente, as bochechas tingidas de rosa.
– Vai para o inferno, Tiffani.
– Nossa, mas que nervosinha. – Ela arqueja e toca o peito como se
estivesse magoada, mas eu só reviro os olhos. Ela é tão dramática. – Espera –
continua ela. Por um segundo, parece deixar o ngimento de lado, porque
me olha com uma perplexidade que é totalmente sincera. Vejo sua expressão
mudando, e então solta um suspiro. – Espera. Você não continua cando
com ele, né?
Sou pega tão de surpresa pela pergunta que não respondo. Mesmo se eu
tentasse negar, ela saberia. Ela sempre sabe. Fico sem reação, engulo em seco
e baixo os olhos. Tiffani faz parecer tão casual. A gente nunca só “ cou”.
Sempre foi mais que isso.
– Ai, meu Deus – diz Tiffani, baixinho. O choque é evidente na sua voz.
Desta vez, não está zombando nem desdenhando. – Sério?
Eu a encaro, mas logo fecho os olhos com força e escondo o rosto nas
mãos. Minhas bochechas estão vermelhas, e tudo que consigo murmurar
por entre os dedos é:
– Não é nada sério.
Eu sei que estou mentindo para mim mesma. Sei que é sério. Sempre vai
ser.
– Nada sério? – Tiffani parece superar rápido demais a informação de
que eu e Tyler ainda estamos juntos, porque agora sua voz está tomada por
uma alegria que ela tenta muito esconder. – Mas, Eden... você está com o
Dean.
Balançando a cabeça, eu me viro e volto a caminhar na direção do
apartamento. Estou mordendo meu lábio com força e respirando devagar
para não chorar. Dói saber que a única pessoa que tem conhecimento do
meu relacionamento com Tyler é a pessoa cruel o bastante para contar para
todo mundo. Sei que é isso que ela quer fazer, e o fato de que ainda não fez é
o que me deixa mais nervosa. Ela está guardando nosso segredo por um
motivo, e, conhecendo-a bem, não é porque é uma boa amiga.
– Espera – chama Tiffani. Eu paro de andar, mas não me viro. Fecho os
olhos e espero. – Divirta-se no seu encontro com Dean. Você vai comentar
que está chifrando ele?
Trinco os dentes. Não preciso encará-la para saber que está sorrindo,
que está amando cada segundo disso tudo. Mas não lhe dou a satisfação de
saber quanto suas palavras me desconcertam. Fico de boca fechada e
continuo andando.
– Eden – chama ela de novo quando chego à porta do apartamento. Eu
me detenho, com os dedos em volta da maçaneta. Eu sei que não deveria dar
ouvidos ao que quer que ela diga, mas não consigo evitar. – Você engordou
uns quilinhos desde que te vi pela última vez?
Suas palavras tocam bem na ferida. É uma frase que não ouço há anos,
algo que eu ouvia em Portland e que eu temia mais que tudo. Achei que
nalmente tinha superado a preocupação com o meu peso, mas meio
segundo depois que essas palavras saem da boca de Tiffani toda a
autoestima que construí nos últimos anos desaparece e meu coração dispara
enquanto luto contra as lágrimas. Mesmo se eu quisesse responder, não
conseguiria. Mesmo se quisesse olhar para ela, não conseguiria, não mais.
Abro a porta com força e entro o mais rápido possível, usando todos os
trincos existentes. De jeito nenhum ela vai voltar para este apartamento. Não
depois disso.
Respirando pesado, noto o silêncio do apartamento e, quando me viro
devagar, todo mundo está me olhando. Rachael e Snake pararam de
conversar. Emily está parada exatamente onde a deixei, as sobrancelhas
erguidas. Tyler e Dean estão na cozinha, Tyler tomando seu café e Dean com
uma expressão derrotada. É para Rachael que eu olho por mais tempo.
Tiffani não me lançou esse comentário por acaso. Foi de propósito, e as
únicas pessoas nesta sala que poderiam ter contado isso para ela são Tyler,
Dean e Rachael. Não é difícil descobrir o culpado.
Não queria chamar a atenção, mas estou prestes a explodir em lágrimas,
então chamo Rachael e vou direto para o banheiro. Passo por Dean e Tyler e
fecho a porta, só abrindo de novo alguns segundos depois, quando Rachael
bate. Eu abro e a puxo para dentro, trancando a porta.
– O que foi? – pergunta ela na mesma hora, confusa.
– Você falou para a Tiffani?
– Falei o quê?
– Que eu... – Respiro fundo e me apoio na pia antes de encará-la de
novo. Se eu me visse agora, tenho certeza de que pareceria arrasada, porque
é assim que estou me sentindo. – Que eu sou assim. O motivo para eu me
exercitar tanto.
As rugas de preocupação na testa dela se aprofundam.
– Bom, talvez eu tenha comentado, tipo, mil anos atrás – admite ela
baixinho. – Ela me perguntou por que você era tão obcecada por corrida.
– Rachael! – Solto um gemido e jogo a cabeça para trás, passando as
mãos no cabelo e encarando o teto. Estou começando a me arrepender de
ter con ado nela. Estou começando a desejar nunca ter falado nada para
ninguém. – Agora ela sabe a melhor forma de acabar comigo. – Ela toca os
lábios com uma expressão culpada e ca quieta, sem saber o que dizer. – Ela
acabou de me perguntar se eu engordei. Você acha que eu engordei?
Eu olho para baixo, para mim mesma, observando cada centímetro do
meu corpo. Ultimamente tenho me sentido feliz. Finalmente encontrei o
equilíbrio perfeito entre comer de forma saudável e malhar, sem ser muito
radical, sem monitorar todas as coisas que como. Não pulo mais as refeições.
Não me sinto mais culpada por car um dia sem correr. Faz meses que não
tenho um único pensamento a respeito do meu peso, mas agora é como se
tudo estivesse voltando de uma só vez. Começo a tentar contar
quantas fatias de pizza comi desde que cheguei em Nova York. Tento contar
quantas doses extras de caramelo adicionei aos meus lattes no ano passado.
Eu me pergunto se talvez me permitir relaxar foi uma ideia ruim desde o
início.
– Eden, você está ótima – diz Rachael, erguendo meu rosto gentilmente,
me encarando com um olhar preocupado. – Para com isso – diz ela com
rmeza. Ela dá um passo para trás e, baixando as mãos, suspira. – Olha, eu
vou falar com a Tiffani. Ela sabe que fazer esse tipo de comentário não é
legal. Mas, por favor, não ca chateada por isso. Só vai e aproveita sua noite
com o Dean.
Não sei como vou conseguir fazer isso agora. Nem quero mais sair do
banheiro, quanto mais sair em público com o cara que vou largar em breve.
Neste humor, acho que não vou conseguir ngir.
Alguém bate na porta, e eu e Rachael olhamos. A voz de Dean vibra pela
madeira.
– Tudo bem aí?
Outra batida, desta vez bem mais gentil, e a voz desta vez não é de Dean,
e sim de Tyler.
– Eden?
– Ela já vai sair! – responde Rachael. Quando ela se vira para mim de
novo, tem uma lágrima escorrendo pela minha bochecha, e ela se apressa
para limpá-la com o polegar. – Olha, tudo bem – diz, baixinho, me
envolvendo num abraço apertado e cálido, e sussurra com o rosto en ado
no meu cabelo. – Me desculpa. Você não precisa ser amiga da Tiffani. Eu
não ligo.
– Espero de verdade que não – murmuro –, porque isso nunca vai
acontecer.
Dean me leva para jantar num restaurante chamado Bella Blu, na Lexington
Avenue. É um lugarzinho italiano, o que não me surpreende nem um pouco.
Dean sempre teve orgulho de suas raízes italianas, como Tyler sempre teve
orgulho de suas raízes latinas, apesar de ter herdado do pai.
Acabamos chegando vinte minutos atrasados para a reserva, em parte
porque Tyler cou prendendo Dean de propósito, e em parte porque me
tranquei no banheiro com Rachael. Antes de sair, sequei os olhos e deixei
Rachael consertar minha maquiagem. O resultado cou muito melhor que
estava. Ninguém perguntou o que tinha acontecido e ninguém perguntou
por que Tiffani estava trancada no corredor. Eles não ousariam.
Rachael tinha voltado à conversa com Snake quando saí com Dean.
Tyler estava de cara feia. Emily cou me encarando, o olhar não só curioso
mas também um pouco descon ado. No corredor, Tiffani, encostada na
parede de braços cruzados e um sorriso no rosto, nos desejou boa-noite.
Dean agradeceu, aparentemente sem perceber a leve malícia na sua voz, e eu
nem sequer olhei para ela, que aproveitou a oportunidade para entrar de
novo no apartamento. Eu não tinha mais segurança para bater de frente com
ela. Só queria me esconder.
No Bella Blu, porém, a noite começa a piorar. Estou me sentindo
culpada demais por estar aqui. Na minha primeira noite em Nova York
estive numa situação exatamente igual, sentada no meio de um restaurante
italiano aconchegante. Só que o restaurante era o Pietrasanta, não o Bella
Blu, e na minha frente estava Tyler, não Dean.
– Então eu juro – disse Dean ao dar mais uma garfada em seu ravióli de
lagosta – que vou para faculdade ano que vem. Eu sei que falei que ia me
inscrever este ano, mas na verdade está sendo bem legal trabalhar com o
meu pai. Nada de aula, nada de estudo. Só carros maneiros.
Eu reviro minha salada Caesar, sem prestar muita atenção, o olhar vazio.
Estive movendo croûtons pelos últimos dez minutos e mal comi. Não quero.
– Aham.
– E eu sei que tinha decidido ir para Berkeley, mas comecei a dar uma
olhada nos cursos de administração em Illinois e...
– Quê?
Tiro os olhos da salada para encarar Dean, seus olhos tão cálidos e
brilhantes como sempre.
– Illinois – repete ele com um sorriso. – Assim a gente vai car mais
perto.
Meu estômago se revira, e me esforço para não demonstrar minha
apreensão. Nós dois sabíamos que eu ia me mudar para o outro lado do país
em dois meses, mas nunca chegamos a discutir o assunto. Ninguém queria
trazer o assunto à tona. Sempre foi difícil para nós conversar sobre carmos
separados por quatro anos. Teríamos os verões. Férias de primavera e
inverno. Feriados de Ação de Graças. Não deixaríamos de nos ver
totalmente, mas seria diferente e difícil. Agora não ligo de me mudar para
longe de Dean. Na verdade, acho que quando ele for embora de Nova York
vai car feliz por eu estar indo morar em outro estado. Acho que nunca mais
vai querer me ver.
– Mas você sempre quis ir para Berkeley – falo, baixinho.
– Eu sei. Mas a gente caria a três mil quilômetros de distância se eu
decidisse continuar na Califórnia. – Ele pega outro pedaço do ravióli e leva
um momento para engolir, pegando o copo e tomando um gole rápido.
Devagar, ele se inclina para a frente. – Eu estava dando uma olhada na
Northwestern. Dizem que o curso de economia lá é ótimo, e sabe a melhor
parte? – Ele para, não porque espera que eu responda, mas porque quer
sorrir para mim. – É em Evanston. Fica a apenas trinta quilômetros da
Universidade de Chicago.
Fico olhando a or no centro da mesa, observando suas cores enquanto
tento processar o que Dean falou. Ele está disposto a abrir mão da faculdade
dos sonhos para que a gente não que distante. Ele é assim. Sempre altruísta,
sempre gentil e disposto a fazer sacrifícios por quem ama. Ele podia ter ido
para a faculdade ano passado, mas não foi, porque o pai sempre quis que ele
trabalhasse na o cina. Eu sei que ele gosta de carros, mas também sei como
ele sonha em ter uma carreira em administração. Mas ele deixou esse sonho
de lado por um ano porque quer viver a tradição da família Carter primeiro.
Está disposto a se inscrever em outras faculdades porque não quer car a
milhares de quilômetros de mim.
– Acho que é melhor você não tirar Berkeley da jogada – digo, sem olhar
para ele.
Ainda estou concentrada na or, ainda re etindo.
– Por quê?
– Porque é uma faculdade incrível.
– A Northwestern também é – retruca ele. – E ca tipo do seu lado.
Olho para ele de novo. Empurro o meu prato, quase intocado,
entrelaçando as mãos na mesa à minha frente.
– Mas você sempre disse que não queria sair da Califórnia.
Acho que Dean esperava que eu fosse car animada com a ideia de ele se
mudar para Illinois ano que vem, porque seu sorriso começa a diminuir. Ele
franze a testa.
– Eden – diz, com rmeza, os olhos se estreitando ao me encarar. – Eu já
vou ter que aguentar um ano inteiro sem você. É uma viagem de quase
trinta horas, mas eu poderia ir para Chicago uma vez por mês, e você vai
voltar nos feriados, e eu poderia até arrumar outro trabalho para conseguir
te ver mais. Mas isso é por um ano. Não vou conseguir viver assim por
quatro.
– Dean.
– É por isso que, quando eu for para a faculdade ano que vem, quero ir
para uma perto de você – continua ele, me ignorando. Ele se reclina na
cadeira, cruzando os braços e sorrindo de novo. – Ei, imagina só. Você vai
estar no segundo ano, e eu é que vou ser o calouro. Que reviravolta, hein?
Se eu estivesse planejando continuar namorando Dean, talvez eu
estivesse animada. Mas é tão difícil ouvi-lo falar dos nossos planos futuros
juntos quando sei que não há futuro para nós, e acho que não tem nada que
eu possa falar agora que o faça mudar de ideia em relação à faculdade.
Quando Tyler e eu contarmos a verdade, acho que ele vai mudar de ideia. Aí
sim tenho certeza de que vai voltar a pensar em Berkeley. De nitivamente
não vai querer car nem perto de mim.
– Dean – murmuro. Dói olhar para ele, ver como ele me olha com os
olhos brilhantes e cheios de honestidade e amor e nada mais. Eu gostaria de
poder olhá-lo da mesma forma. Ele merece isso e muito mais. Eu o amo, de
verdade. Desde que camos pela primeira vez, não houve um momento em
que eu não o amasse. É só que o meu coração pertence ao Tyler. Terminar
com Dean é a coisa certa a fazer. – Eu te amo – digo, sem tirar os olhos dele.
Na verdade, acho que nem pisco. – Você sabe disso, não sabe?
Ele estende a mão por cima da mesa e pega a minha. Quando seu sorriso
chega aos olhos, responde:
– É claro que sei.
E, naquele momento, não posso fazer nada além de torcer para que ele
saiba mesmo.
23
Já são quase dez da noite quando desligo o notebook de Tyler. Estou deitada
aqui já faz um tempo. Só pensando. Sobre Tyler e sobre o vídeo e sobre nós
dois. Eu me pergunto aonde isso tudo vai acabar. Quando Dean descobrir a
verdade e quando contarmos tudo aos nossos pais, o que vai acontecer? E
depois? Eu e Tyler vamos continuar juntos? Vamos ter que esperar alguns
meses até a situação toda se acalmar? Não sei. Só sei que estou cando
cansada de esperar. Já faz dois anos e não chegamos a lugar nenhum. Dois
anos e eu ainda não posso apresentar Tyler como meu namorado para as
pessoas. Será que um dia vou conseguir fazer isso? Só me resta torcer para
que ninguém que chocado ao nos ver juntos.
Ainda estou sentada sozinha em silêncio, confortável no escuro, quando
a porta se abre devagar, com um rangido. Espero ver Emily, mas é Tyler. Ele
está de cabeça baixa e ca parado à porta, a mão apoiada na maçaneta.
Parece mais calmo agora. Não confuso ou com raiva, mas não exatamente
relaxado também. Só calmo.
– A gente pode conversar? – pergunta ele.
Tem um quê de nervoso na voz, como se achasse que eu pudesse recusar.
Não consigo ver claramente o rosto dele, mas sei que ele não quer me olhar
nos olhos agora. Está encarando o chão.
Não respondo, só assinto uma vez, na esperança de que ele consiga ver.
Espalmo as mãos no colchão e passo para o outro lado da cama, mais perto
da janela, desejando que ele se junte a mim no espaço cálido que acabei de
abrir. É exatamente isso que ele faz. Em silêncio, ele fecha a porta com um
clique baixo e se aproxima, deitando-se na cama ao meu lado. Passa o braço
ao meu redor, e eu descanso a cabeça no ombro dele. Nós dois camos
assim, respirando suavemente por um tempo, e mesmo que ele tenha pedido
para conversar, não queremos isso. Só olhamos para a frente, para as portas
espelhadas do armário diante da cama, para os re exos das nossas silhuetas
no escuro.
Depois de um tempo, Tyler decide nalmente dizer alguma coisa, mas
não se move nem um centímetro ao pigarrear e perguntar, tão baixo que é
quase um sussurro.
– O que aconteceu ontem?
O silêncio parece frágil demais para levantar a voz.
Fecho os olhos e tento resumir os acontecimentos dos últimos dias.
Tudo começou a dar errado na terça-feira, assim que Tiffani pisou em Nova
York. Só estou aliviada agora porque, embora eu tenha feito uma bagunça
danada e de Dean provavelmente já saber a verdade agora, Tiffani não
conseguiu o que queria. O tiro saiu pela culatra. Tyler estar aqui comigo
prova que ele cou do meu lado, que é em mim que ele acredita.
– Tiffani queria você de volta – revelo, a cabeça ainda no ombro dele.
Seu peito sobe e desce. – Ela achou que isso só poderia acontecer se eu não
estivesse no caminho. Disse que eu tinha que terminar com você, ou ela
contaria a verdade para o Dean. Se contássemos para o Dean primeiro, ela
contaria para os nossos pais.
É um pouco mais complicado, mas conto a versão mais simples apenas
porque não quero falar sobre isso. Tento olhar para Tyler, mas do meu
ângulo só vejo sua testa.
– Que merda – murmura ele. Vejo que ele passa a mão pelos cabelos
enquanto dá um longo suspiro. Ele balança a cabeça devagar e aperta meu
corpo junto ao seu. – Me desculpa por ser tão idiota. Eu estava puto com
você, não pensei direito.
– Me desculpa também.
Ele dá uma risadinha, baixa e ofegante, como as do vídeo. Acho que não
vou contar que sei da existência do vídeo. Acho que vou manter isso em
segredo.
– Sério, eu pensei que você tivesse desistido de mim – admite Tyler. –
Nunca mais me assusta desse jeito.
Acho que nunca vou desistir, especialmente agora, e acho que esse é o
melhor momento para mostrar a Tyler a novidade no meu pulso. Não
preciso fazer nenhuma declaração agora. Acho que suas próprias palavras,
sua própria citação são a única declaração de que ele precisa. Sorrindo,
levanto a mão e ergo o mindinho, inclinando o pulso na direção de Tyler.
– Prometo que não faço mais isso.
Ele está prestes a prender o mindinho no meu quando para, segura meu
pulso e dá um pulo para a frente. Quando olho de soslaio, ele está
estreitando os olhos no escuro para as palavras rabiscadas na minha pele.
Então se vira para mim de olhos arregalados.
– O que é isso?
– Talvez seja melhor acender a luz – digo, mordendo o lábio, um pouco
ansiosa. Imagino as sobrancelhas de Tyler se erguendo enquanto ele tira o
braço de cima de mim e se estica para acender o abajur na mesa de
cabeceira, a outra mão ainda segurando meu pulso.
O quarto ca claro na hora, e mal presto atenção ao meu pulso. Só quero
saber de Tyler, admirado, seus olhos brilhando e seus lábios se abrindo, o
rosto todo se iluminando do jeito mais adorável possível ao estudar cada
detalhe da surpresa no meu pulso.
– Não acredito – diz ele, me encarando com uma expressão cheia de
inocência.
Ele chega a parecer mais jovem, como se fosse criança de novo.
Dou uma risada e examino minha nova tatuagem de novo. Ainda está
um pouco vermelha e às vezes sinto uma pontada quente, mas vale a pena só
pela felicidade de Tyler.
– Eu z hoje de tarde – digo, respondendo à pergunta que ele nem fez,
mas sei que quer fazer, então continuo explicando: – Foi a única coisa em
que consegui pensar que faria sentido apenas para nós dois. É sua. Foi o que
você escreveu.
– Você foi bem mais esperta do que eu – diz ele com um sorriso tímido
ao levantar um pouco o braço esquerdo, olhando a própria tatuagem, no
bíceps, com apenas quatro letras. – Eu não fui tão original. Ei, o “te” parece
um pouco torto – diz ele, apontando as palavras no meu pulso de novo.
– Isso porque você escreveu um pouco torto – retruco, revirando os
olhos, e pelo visto só então Tyler percebe que minha tatuagem é com a letra
dele, porque seu rosto ca vermelho e ele desvia o olhar. Saio da cama, ainda
sorrindo, me ajoelho no carpete e olho para Tyler do outro lado da cama. É
difícil acreditar que hoje à tarde tudo deu errado e agora tudo parece certo
de novo. – Aliás, a Emily sabe.
– Sabe o quê? – pergunta Tyler, seus olhos nunca deixando os meus.
– Sobre nós – digo lentamente, e me levanto do chão. Olho para Tyler,
ainda na cama, me observando. – Ela sabe que somos mais do que só irmãos
postiços.
– Você contou para ela? – Ele se levanta na mesma hora, em pânico.
– Ela descobriu sozinha – conto.
De preocupado, ele passa para confuso, tentando processar o fato de que
Emily sabe a verdade.
– E – completo, dando a volta na cama com um sorriso largo brincando
nos lábios – ela nem se importa. Ficou totalmente de boa com isso.
Os olhos de Tyler se arregalam novamente ao me seguirem pelo quarto.
– Sério?
– Aham. – Eu me aproximo, seguro seu rosto e o beijo, encostando meus
lábios nos dele antes de me afastar e acrescentar: – As pessoas saberem a
verdade não é tão ruim assim.
Tyler me olha sério por um momento, seus olhos mergulhando fundo
nos meus. Eu me pergunto se ele acha que estou brincando, mas
de nitivamente não estou. Então o beijo de novo, quase como se tentando
garantir que está tudo bem, para variar. Não consigo evitar. Estou sorrindo
contra os lábios dele, meus olhos fechados com força, e me delicio nesse
sentimento de aceitação mais uma vez. É tão incrível e forte que nem sei
como lidar com isso. Não estou mais com medo de que as pessoas
descubram que estou apaixonada pelo meu irmão postiço. Somos só duas
pessoas com um rótulo. Nada mais.
Mesmo com di culdade, Tyler se afasta e coloca as mãos nos meus
quadris, gentilmente me empurrando um passo para trás.
– O Snake sabe?
– Acho que não – respondo. Devagar, um sorriso nervoso cresce em
meus lábios quando seguro uma das mãos de Tyler. Eu a tiro dos meus
quadris e giro os dedos em torno dos dele. – Ele já voltou? A gente devia
contar para ele. O que você acha, vamos contar para ele?
Tyler solta uma risada, jogando a cabeça para trás e me puxando para si.
– Seria bom se você estivesse tão animada assim para dar a notícia para
o seu pai – murmura ele, sorrindo ao abrir a porta.
Ele me leva para a sala de estar, e é a primeira vez que saio do quarto
dele em quase cinco horas. Estava envolvida demais no vídeo que Emily me
mostrou. Com quatro horas e 27 minutos de duração.
Falando em Emily, ela está sentada em um dos sofás da sala, cercada por
cadernos e folhas de papel estranhos espalhados pela mesa de centro. A TV
está ligada, mas com o volume baixo, como se só estivesse servindo de ruído
de fundo. Ela olha para cima quando ouve nossos passos e na mesma hora
abre um sorriso.
– Então isso quer dizer que vocês dois se resolveram?
Tyler não responde, só me leva até o sofá e levanta nossas mãos
entrelaçadas, erguendo as sobrancelhas para ela.
– Você sabe?
– Sei.
– E isso não te assusta? – pergunta ele, tão confuso quanto eu.
Por dois anos, nós dois imaginamos reações totalmente diferentes da
dela. Tyler solta minha mão.
– Não – diz Emily, balançando a cabeça e clicando a caneta algumas
vezes, sem demonstrar qualquer choque. – Para ser sincera, acho que vocês
têm que fazer o que quiserem. A vida é curta demais.
Suas palavras me fazem sorrir, e passo os braços ao redor do bíceps de
Tyler e o aperto com força.
– La breve vita – murmuro, olhando para ele. – A vida é curta.
Quando ele está prestes a responder, ouvimos uma comoção na porta.
Umas batidas, um barulho de algo caindo. Nós três olhamos, e no começo
penso que pode ser Dean tentando derrubar a porta para matar tanto Tyler
quanto a mim, mas solto um suspiro de alívio quando ouço a chave sendo
inserida na fechadura. É Snake, nalmente.
A porta se abre segundos depois e, por força do hábito, solto Tyler e dou
um passo para trás. Sem contar que ainda não contamos para Snake.
– Esse foi um almoço bem longo – brinca Emily, inclinando-se para a
frente de modo que possa vê-lo entre mim e Tyler.
Ela morde a ponta da caneta na mão e arqueia as sobrancelhas,
provocando-o um pouco.
Snake só revira os olhos cinzentos e vai até a cozinha. É a primeira vez
que o vejo desde que saiu para fazer compras ontem à noite e, por incrível
que pareça, está todo bem vestido. Está usando até uma camisa de botão,
passada e tudo.
– É, eu sei, eu levei a Rachael para jantar também. Fiz o passeio
completo de Manhattan com ela.
– Snake – digo, encarando-o com um olhar severo e cruzando os braços
–, quem disse que você podia chamar a minha melhor amiga para sair?
Só estou brincando, é claro, mas ele mesmo assim dá meia-volta e
estreita os olhos para mim.
– O que ela está fazendo aqui tão rápido? – pergunta, olhando para
Tyler, mas também só de brincadeira. – Vocês estão amiguinhos de novo?
– Na verdade... – interrompo, dando um passo à frente e retorcendo as
mãos, ansiosa. Quero que Snake saiba a verdade. Quero contar a verdade.
Nunca zemos isso antes, e agora me sinto corajosa o su ciente para tentar.
– Temos uma coisa para te contar.
Olho rapidamente para Emily, que começou a roer a tampa da caneta no
sofá, nervosa, e então para Tyler, atrás de mim. Ele me encara com aqueles
olhos intensos e sorri, mas não de maneira sedutora. É mais um sorriso que
diz: vamos nessa. Ele dá um passo à frente para car do meu lado de novo.
Snake nos observa com um olhar curioso.
Não sei exatamente o que dizer ou como contar a verdade, mas de
repente nem preciso mais falar nada, porque Tyler me vira para si e, do
nada, pressiona os lábios nos meus pelo que parece ser a centésima vez a
esta altura.
Isso me pega de surpresa. É a última coisa que eu esperava neste
momento, mas ao mesmo tempo não consigo me afastar. Continuo
beijando-o também, envolvida pela sensação de familiaridade dos seus
lábios. De nitivamente sinto Snake e Emily nos observando, mas não
consigo me importar.
Tyler se afasta quase tão abruptamente quanto se aproximou e encara
Snake.
– Me diz o que você está pensando – ordena. – Agora.
Olho para Snake. Ele está nos encarando da cozinha, congelado. Está um
pouco atordoado, mas tudo bem. É de se esperar que as pessoas quem
chocadas no começo. Devagar, ele engole em seco e troca um olhar
preocupado com Emily.
– Mas que merda é essa? – pergunta, fazendo uma careta. Ele bufa e dá
uma risada desconfortável, sem saber o que pensar e o que dizer.
– Estou apaixonado por ela – diz Tyler, e sua voz é tão gentil e honesta
que sorrio para ele.
Acho que poderia ouvir Tyler dizer aquelas palavras sem parar por toda
a eternidade. Acho que nunca vou me cansar de ouvi-lo dizer isso em voz
alta.
– Mas... – Snake para e olha para Emily de novo, como se estivesse
procurando apoio. Deve estar se perguntando por que ela não está tão
chocada quanto ele e por que está sorrindo diante do desenrolar dessa cena.
Snake balança a cabeça e solta o ar. – Vocês não são, tipo, irmãos postiços?
– Somos – digo, corajosa o su ciente para me pronunciar a nosso favor.
Não quero mais sentir que estou fazendo algo errado só porque me
apaixonei pelo meu irmão postiço. Sei que está tudo bem. – Mas não somos
parentes consanguíneos – explico. – Também não crescemos juntos, então
nem nos vemos como irmãos. Entende?
Olho para ele e mordo lábio, com a expressão mais gentil possível,
rezando para que Snake entenda e, com sorte, aceite. No momento, ainda
está um pouco surpreso.
– Ah... Então vocês estão namorando ou alguma coisa assim? – pergunta
ele, se apoiando na beirada da bancada e coçando a cabeça. – Vocês estão
falando sério ou estão só de sacanagem comigo?
– A gente não está namorando – responde Tyler, com a voz rme. – É
complicado. Só me diz o que você está pensando agora.
Ele dá de ombros.
– Tipo, é um pouco estranho – admite. – Meus pais são bem religiosos.
Tenho certeza de que eles iam querer que eu denunciasse vocês dois para
Jesus. – Ele relaxa um pouco, revira os olhos, depois nos dá as costas
para abrir uma porta do armário e pegar um saco de Doritos. Quando ele se
recosta na bancada, joga alguns biscoitos na boca e mastiga fazendo barulho
enquanto observa Emily. – E o que você acha disso tudo? – pergunta a ela
depois de um minuto.
– Eu já sabia – diz Emily, dando de ombros e arrumando as folhas de
papel. – Não me incomoda.
Snake mastiga mais alguns biscoitos, pensativo, inclinando a cabeça um
pouco para o lado.
– É um pouco estranho – repete ele. – Mas não tenho nenhum problema
com isso. – Ele abre um sorriso, e quase na mesma hora uma expressão
brincalhona surge em seu rosto, a sobrancelha erguida para Tyler. – Então
vocês têm umas tradições familiares safadinhas, é?
Tyler e eu rimos, mas nosso momento de alívio não dura muito. Uma
batida na porta atrai todas as atenções. Não é uma batida qualquer, mas um
golpe forte que ecoa pelo apartamento. É implacável e tão decidido que
transmite muita raiva. Olho para Tyler, dominada pelo pânico. Já está tarde.
Estamos todos aqui. Só tem uma pessoa que apareceria neste momento, e
apenas uma pessoa que poderia estar irritada o su ciente para bater na
porta dessa maneira. Tyler pensa o mesmo, porque seus olhos se enchem de
medo e ele engole em seco. Nós dois sabemos que é Dean. Tiffani deve ter
nalmente contado a verdade.
– Não abre a porta – dispara Snake em voz baixa, apertando com força o
saco de Doritos. – Isso tem cara de polícia.
– Não é a polícia – digo, baixinho, desesperada.
Dean continua batendo. Depois de um segundo, ele grita meu nome, e,
no momento em que ouço o sofrimento em sua voz, meu coração se parte.
Ele sabe com certeza. Ele sabe a verdade e descobriu da pior maneira
possível. Sei que tenho que abrir a porta. Tenho que encará-lo, por mais que
de nitivamente não queira fazer isso.
Tyler, Snake e Emily me observam em silêncio quando me forço a ir até
lá. Minhas pernas estão rígidas e meu estômago está revirado e, quando
chego à porta, destranco-a lentamente. E abro.
Dean está de pé diante de mim, a respiração pesada e o punho erguido,
pronto para continuar batendo. Seus olhos furiosos encontram os meus, e
meu corpo inteiro se paralisa, o sangue em minhas veias congelando e meus
membros perdendo a força. A expressão em seus olhos é algo que nunca vi
antes. Estão tão sombrios, tão raivosos e tão magoados. Não parece o Dean,
e é isso que é tão assustador. Suas bochechas estão vermelhas, como se
pegando fogo de raiva.
– É verdade? – pergunta ele, com a voz tensa.
Seguro a porta com ainda mais força, mantendo-a aberta, tão enjoada
que acho que não consigo falar. Fecho os olhos e abaixo a cabeça. Não
suporto olhar para ele. Dói demais. Mas meu silêncio diz tudo que ele
precisa saber. Meu silêncio diz a ele que é verdade, que estou, sim,
apaixonada por Tyler esse tempo todo.
Dean solta um longo suspiro enquanto processa isso, e sinto que está
balançando a cabeça. Então pergunta, num tom autoritário:
– Quem é?
Sou forçada a erguer o rosto. Minhas sobrancelhas se franzem em
confusão, lágrimas brotando nos meus olhos ao pensar nesta situação
horrível. Eu sabia que Dean caria magoado no nal disso tudo. Eu sabia
desde o momento em que cheguei a esta cidade, desde o segundo em que
Tyler deixou claro que não tinha me esquecido. Era inevitável. Nós não
tínhamos opção. Se não disséssemos a verdade, ele se magoaria. Se
disséssemos, também. Disso tínhamos noção. O que não entendo, no
entanto, é a pergunta dele.
– Como assim?
– Com quem você está me traindo? – retruca ele. Sua voz está fervendo
de desprezo e ele me olha com nojo. Não posso culpá-lo. Eu também me
odeio por tudo isso. – Pelo menos tenha a decência de me dizer.
Minha garganta fecha. É claro. É claro que Tiffani não mencionou Tyler.
É claro que ela ia querer que eu mesma admitisse. Mas não sei se consigo.
Não sei se consigo dizer o nome de Tyler. Isso magoaria Dean demais. Eu
poderia mentir. Poderia me recusar a dizer, ou poderia soltar um nome
falso, mas quando olho para ele de novo – olho para ele de verdade –, vejo
nos seus olhos quanto ele está sofrendo e percebo que a honestidade é
mesmo a única coisa que posso lhe oferecer neste momento. Não posso mais
mentir para ele.
Eu me forço a continuar respirando e olho para trás. Snake está
debruçado na bancada da cozinha, en ando punhados de Doritos na boca e
observando a cena com extremo interesse, e Emily rói a tampa da caneta,
mas pelo menos se esforça para disfarçar que está prestando atenção, com o
rosto en ado nos cadernos, nos olhando de canto de olho. Ou Dean não
percebeu que temos companhia, ou simplesmente não se importa. Tyler, por
outro lado, já está a caminho.
Ele para bem atrás de mim e coloca a mão na porta também, logo acima
da minha. Agora que ele está segurando, solto a mão e me concentro em
Dean de novo. Ele ainda está esperando uma resposta, mais irritado a cada
segundo que passa. Estou feliz que Tyler tenha se aproximado, aliviada por
não ter que fazer isso sozinha, por ele estar ao meu lado e por estarmos
juntos nisso.
Sinto que Tyler respira fundo atrás de mim e se atreve a dizer, quase
num sopro:
– Ela está traindo você comigo.
Dean se encolhe, o rosto inteiro consumido pela descrença quando ele
recua um passo para o corredor, balançando a cabeça rapidamente.
– Do que você está falando?
– Dean – sussurro, a voz engasgada na garganta. Engulo em seco e
controlo a vontade de chorar. – Eu te amo. Muito. – Dói dizer isso, porque é
verdade, e essa é a pior parte. Eu amo mesmo o Dean. Talvez tudo isso fosse
bem mais fácil se eu não o amasse. – É só que eu também amo o Tyler.
– Do que você está falando?
Dean ca mais confuso do que furioso. Não assimila nossas palavras. Ele
olha de Tyler para mim e move os lábios como se fosse dizer alguma coisa,
mas as palavras fogem.
– Olha – começa Tyler, dando um passo à frente. Ele tenta colocar a mão
no ombro de Dean, que a afasta agressivamente, recuando ainda mais para o
corredor. Tyler continua, dando uma explicação confusa e prolixa. – Sou eu
o cara com quem ela está. A gente não planejou isso acontecendo assim.
Juro que não, mas não deu para evitar. Você acha que eu escolheria me
apaixonar pela minha irmã postiça? Claro que não. Foi assim que as coisas
aconteceram, e a gente... a gente ia te contar. Pode acreditar, a gente queria
contar já fazia um tempo, mas não sabia como. Me desculpa, cara. Me
desculpa mesmo, mas eu... Eu preciso dela.
Dean permanece em silêncio por vários longos segundos, a mente
tentando compreender as novas informações que acabou de receber.
– Vocês dois... – Ele começa, com di culdade de dizer as palavras num
primeiro momento. Fechando os punhos, ele me encara. – Há quanto tempo
isso está acontecendo?
– Dois anos – sussurro. Sei que vou começar a chorar a qualquer
momento. Sinto as lágrimas surgindo no canto dos olhos, lutando para se
libertarem. Tento segurá-las a todo custo. – Eu me apaixonei por Tyler antes
de me apaixonar por você.
– Dois anos? – repete Dean, olhando para mim sem acreditar, seus olhos
se arregalando com decepção e fúria ao perceber que durante todo o tempo
em que estivemos juntos meu coração estava dividido.
Ele está tentando compreender tudo isso e, quando nalmente chega a
uma conclusão, se aproxima de Tyler, até seus rostos carem grudados. Com
os lábios comprimidos e os olhos magoados e furiosos, Dean analisa a
expressão de Tyler. Por m, os dois se encaram, a poucos centímetros um do
outro.
– Você dormiu com ela? – pergunta devagar. A pergunta o destrói. Ele
não quer ouvir a resposta. Não quer mesmo. – Você dormiu com ela?
– Cara, olha... – começa Tyler, mas tentar inventar uma explicação é
totalmente inútil no momento.
Seu melhor amigo já perdeu a cabeça.
– Seu babaca! – grita Dean.
Ele levanta as mãos cerradas, e em uma fração de segundo en a o punho
esquerdo na lateral do rosto de Tyler, logo abaixo do olho.
Tyler tropeça para trás, entrando no apartamento, esbarrando em mim e
me desequilibrando. Nós dois recuamos, e Snake e Emily prendem a
respiração em algum lugar ao fundo. Esqueci que eles ainda estavam
assistindo a tudo. Emily cou de pé, perplexa, em dúvida se deve ou não se
envolver. Snake ainda está en ando mais Doritos na boca, com as
sobrancelhas erguidas.
Tyler se endireita, estreitando os olhos para Dean, que entra no
apartamento, os punhos ainda fechados.
– Vai nessa – ordena Tyler com um aceno de cabeça rme. – Me bate de
novo. Eu mereço. Vamos lá.
Dean não responde. Em segundos, ele acerta Tyler mais uma vez, os nós
dos dedos pegando em cheio na sua bochecha, provocando um som oco e
dolorido. Com o rosto corado de raiva, Dean ergue os punhos novamente,
pronto para dar outro soco.
Tyler esfrega o rosto devagar, massageando a pele para aliviar a dor,
começando a car irritado, ainda encarando Dean.
– Tudo bem – diz ele, bruscamente, a voz ameaçadora. – Se me bater de
novo, vou bater em você com o dobro da força.
Respiro fundo, horrorizada, quando Dean gira o punho mais uma vez,
mas Tyler bloqueia o golpe depressa, os corpos se chocando. Os dois
caminham para trás, cambaleando pelo apartamento, e Emily sai do
caminho pouco antes de eles caírem por cima do encosto do sofá. Dean
nalmente consegue dar o terceiro soco, acertando Tyler com força no nariz.
Tyler perdeu a paciência pela primeira vez em anos e agora está tão
irritado que as profundezas dos seus olhos estão tempestuosas, ferozes,
perigosas e imprevisíveis. Ele recua o braço direito e acerta a mandíbula de
Dean. Seus bíceps estão exionados, toda a força sendo transferida para as
mãos enquanto ele continua acertando socos em Dean, atingindo-o tão
rápido e tão implacavelmente que Dean nem sequer tem chance de contra-
atacar.
– Tyler, para! – grito, mas não passa de um gemido estrangulado.
Saio correndo, tentando agarrar a parte de trás da camiseta de Tyler e
puxá-lo para longe de Dean, mas ele mal parece notar minha presença e, no
meio dos mil socos por segundo, acaba quase me dando uma cotovelada no
rosto. Cambaleio para trás, com as mãos nas bochechas. Não tenho certeza
do que deveria fazer.
De alguma forma, Dean consegue se abaixar e se jogar contra Tyler,
empurrando-o para trás, e os dois voam por cima da mesa de centro. Com
um estrondo, o vidro se quebra sob eles, e um baque nauseante indica que
Tyler atingiu o chão primeiro, cheio de cacos de vidro e dos papéis de Emily.
Mas isso não para os dois. Tem tanta adrenalina nas veias deles no momento
que ninguém sente dor.
– Faz alguma coisa! – grito para Snake, encarando-o enquanto ele
continua a assistir à cena em segurança na cozinha.
Ele é o único forte o su ciente para ajudar, e só agora percebo que estou
chorando.
– Tudo bem, tudo bem – diz ele, em voz alta, largando o saco de Doritos
no balcão e correndo até a sala de estar. Arregaçando as mangas, contorna
os sofás e segura Dean, agarrando-o pelo tronco com força e o puxando para
longe de Tyler. – Parem com essa merda agora! – grita ele, jogando Dean
para o lado, na minha direção.
Até Emily corre para ajudar, estendendo a mão para levantar Tyler do
chão. Ele trinca os dentes com força e encara Dean do outro lado da sala,
mas então a adrenalina parece baixar, porque ele olha para baixo, para si
mesmo, e sua expressão se suaviza. Tem muitos cacos de vidro grudados
nele, e ele não hesita em segurar a barra da camiseta e tirá-la de uma vez.
Inúmeros arranhões agora decoram as costas dele, mas estou mais
preocupada com seu braço direito. Sangue jorra do tríceps, uindo pelo
cotovelo e pingando no tapete. Quando ele nalmente percebe isso, só o que
consegue fazer é olhar para Emily, que sai correndo para pegar o kit de
primeiros socorros na cozinha.
Com lágrimas escorrendo pelo rosto, olho para Dean a m de ver se ele
está bem. Ele não parece tão machucado quanto Tyler, embora sua
mandíbula esteja bastante arranhada e o olho esquerdo esteja inchado.
Ofegando, ele aperta o olho meio fechado enquanto me encara.
– Lá fora – ordena, a voz ainda tão dura quanto estava quando ele
apareceu à porta.
Sem me esperar, ele sai pisando rme.
Sentindo um aperto na boca do estômago, olho para Tyler antes de me
mover. Ele ainda está de pé no meio dos estilhaços onde cava a mesa de
centro, a expressão um pouco distante, como se estivesse atordoado. Emily
está parada ao lado dele, e Snake também oferece ajuda, os dois passando
ataduras e curativos um ao outro. Tudo o que quero é ajudar. A nal, fui eu
que causei tudo isso, mas sei que agora preciso lidar com Dean.
Tremendo de nervosismo, eu me forço a ir em direção à porta, seguindo
Dean para o corredor. No segundo em que chego lá, ele bate a porta. Desta
vez, parece que não quer plateia, e a esta altura estou destruída demais para
falar, então co quieta. Só enxugo as lágrimas enquanto uso todas as minhas
forças para encará-lo.
– Você me traiu – murmura Dean, como se precisasse dizer isso em voz
alta para acreditar. Cauteloso, ele me encara, e meu coração se despedaça ao
ver o estado dele. Acabado. Destruído. – Eu te amava, e o tempo todo... o
tempo todo você tinha esse lance com Tyler. Ele é meu melhor amigo, Eden!
Ele é seu irmão!
– Me desculpa! – grito, com a voz embargada. É tarde demais para
desculpas, mas é a única coisa que posso fazer. Acho que Dean nunca vai me
perdoar. Percebo isso pela expressão de repugnância que domina seu rosto.
Não estou acostumada a ver Dean assim. Estou acostumada a ver seus olhos
gentis e seu sorriso doce. Acho que nunca mais terei isso. – Não sei o que
mais posso dizer.
– Nunca mais fala comigo – adverte ele, a voz rouca e seca. Dando um
passo para trás, se afasta de mim e en a bruscamente a mão no bolso de trás
da calça jeans, tirando a carteira. Sua bochecha machucada começou a
sangrar, e eu controlo o ímpeto de tocá-lo, de ajudá-lo. – Aqui – retruca
Dean depois de alguns segundos.
Ríspido, ele joga uma nota de cinco dólares em mim. A nota bate no
meu peito, e eu a pego antes que caia no chão. Quando olho para baixo,
percebo que é a nossa nota de cinco dólares. Ergo o olhar, o coração ainda
mais partido do que já estava. Meus lábios tremem quando Dean murmura:
– Cinco dólares para vocês dois carem fora da minha vida.
En ando a carteira de volta no bolso, ele esfrega a bochecha e dá as
costas para mim. Sem esperar mais um segundo, segue para o elevador, sem
sequer olhar para trás. Eu co vendo Dean ir embora, as lágrimas
escorrendo pelo rosto ao encarar suas costas, me sentindo totalmente
impotente. Me apoio na porta do apartamento do Tyler e, quando meus
joelhos perdem as forças e eu simplesmente não consigo mais car de pé,
deslizo até chegar ao chão. En ando o rosto nas mãos, soluço sem parar ao
ouvir Dean partir.
Minha única esperança era jamais perdê-lo. Sempre torci para que ele
fosse capaz de entender e nos perdoar, mesmo que demorasse um pouco.
Sempre desejei que Dean casse bem, mas pelo visto não desejei com força
su ciente, porque tudo o que torci para que não acontecesse foi exatamente
o que aconteceu.
28
Na manhã seguinte, uma tensão paira no ar. Senti isso desde que acordei,
algumas horas atrás. Ninguém no apartamento falou muita coisa, cada um
cou no seu canto. Acho que Snake ainda está tentando lidar com nossa
revelação, porque toda vez que co a menos de meio metro de Tyler,
percebo que ele nos observa de longe. Tyler está mais quieto do que o
normal. Eu entendo, porque também estou. É difícil car animada quando
me sinto tão perdida e chateada com tudo o que aconteceu. Tyler e eu não
queremos conversar sobre ontem à noite. Não queremos falar sobre Dean.
Não soube mais nada do Dean desde que me deu as costas noite passada.
Não me surpreende. Duvido que algum dia ele vá falar comigo de novo,
muito menos logo na manhã seguinte. Tiffani também não deu mais sinal de
vida. Nenhuma mensagem se exibindo por ter contado a Dean a verdade.
Nenhuma provocação sádica. Só silêncio. Rachael foi a única que me
mandou uma mensagem, e com o único objetivo de exigir uma explicação
sobre o que houve, então vou encontrá-la para um café daqui a pouco. Estou
com medo.
Saindo da lavanderia depois de passar a meia hora mais infeliz do
mundo colocando roupa na secadora, volto para a cozinha e dou uma
olhada no relógio de parede. São quase onze e meia. Na sala, Tyler e Snake
estão conversando sobre o placar de algum jogo de futebol americano. O
cômodo ca meio vazio sem a mesa de centro. Levamos uma eternidade
para limpar tudo ontem de noite e agora não podemos andar na sala
descalços, para o caso de ainda ter cacos de vidro escondidos no carpete.
– Acho que eu já vou – anuncio.
Estou pronta já faz um tempo, mas me mantive ocupada até a hora de
sair. Não quero chegar cedo demais, mas também não quero me atrasar.
Tyler na mesma hora se levanta, com a testa franzida de preocupação. O
braço direito ainda está enfaixado. O vidro fez um estrago.
– Tem certeza de que não quer que eu vá?
– Acho que é melhor eu lidar com isso sozinha – respondo, abrindo um
sorriso agradecido pela oferta. É claro que eu adoraria que Tyler estivesse do
meu lado, mas sei que é só comigo que Rachael quer conversar. É entre mim
e ela. – Não devo demorar muito.
– Eden – diz Snake, estalando os dedos para chamar a minha atenção.
Então sorri. – Diz para a Rachael que vou passar no hotel hoje às oito.
Cruzo os braços e franzo o cenho, descon ada.
– Você sabe que ela vai embora amanhã, não sabe?
– Eden – repete ele, a voz severa enquanto balança a cabeça para mim.
Ele se endireita no sofá, me olhando e pousando as mãos no peito. – Você
não acredita em amor verdadeiro? Ele não conhece limites. A distância não
passa de um número.
Ele tenta manter a expressão séria, imprimindo sinceridade, mas não
consegue se segurar por muito tempo: as palavras mal saíram de seus lábios
e ele já cai na risada, baixando as mãos.
– Fala sério. – Revirando os olhos e dando risada, pego a chave na
bancada antes de ir para a porta.
Claro que lanço um último olhar para Tyler ao sair. Ele ainda está me
olhando, de testa franzida. Parece desamparado, como se quisesse vir
comigo para me apoiar e me ajudar a explicar a situação. Dou de ombros e
me forço a sorrir para ele, tentando tranquilizá-lo, embora esteja um pouco
a ita. Sem hesitar, saio do apartamento.
Desço de escada em vez de pegar o elevador, e enquanto percorro os
doze lances mando uma mensagem para Rachael avisando que estou a
caminho. Vou encontrá-la no Joe Coffee, bem na esquina. Só fui lá uma vez,
com Tyler, mas foi o primeiro lugar em que pensei, e lembro que o café era
ótimo. Rachael e eu concluímos que marcar no Lowell seria uma péssima
ideia, já que Dean não quer me ver nem pintada de ouro. Então vamos car
longe do hotel.
É quando saio do prédio que o nervosismo realmente começa a bater.
Não sei bem o que esperar de Rachael. Ela pode ser compreensiva. Pode
achar repulsivo. Pode estar furiosa. Tenho muito o que explicar, tanto sobre
Tyler quanto sobre Dean. Pelo tom das mensagens dela hoje de manhã,
tenho a impressão de que ela não está muito feliz com as decisões que tomei.
Respirando fundo ao entrar na Lexington Avenue, tento permanecer o
mais calma possível. O Joe Coffee ca logo à frente, mas paro e apoio a mão
na vitrine de uma loja de roupas para me equilibrar. Levo pelo menos um
minuto para desacelerar minha respiração e acalmar o estômago. Só quero
que tudo isso acabe o mais rápido possível. Só quero que todos saibam a
verdade e aceitem. Só quero pular esta parte de uma vez, essa prestação de
conta. Franzindo a testa, percebo que as próximas pessoas a descobrirem a
verdade vão ser nossos pais.
Quando chego ao Joe Coffee, já passa das onze e meia. O lugar é bem
pequeno, com poucas mesas. Entro na la e tiro cinco dólares do bolso de
trás da calça jeans. Olhando para a nota, dou um suspiro. Não é a mesma,
mas, ainda assim, é o su ciente para trazer à tona a lembrança. Devo
guardar a nota de cinco dólares que dividi com Dean pelos últimos dois
anos? A nota que ele, imprudente, rabiscou toda? Ou deveria simplesmente
gastar logo? Jogar fora? Doar para um sem-teto? Tenho certeza de que um
morador de rua não se importaria caso a nota estivesse um pouco
maltratada.
A la avança e, enquanto espero, acabo observando os potes de biscoitos
alinhados no balcão. Eu me pergunto o que Dean está fazendo agora. Como
está se sentindo. Se está bem. Duvido que esteja. Ele parecia destruído
ontem à noite. Dava para ouvir o sofrimento na voz, ver em seus olhos.
Impossível estar bem.
Minha garganta está seca quando chega a minha vez, então faço o meu
pedido para o barista com a voz rouca. Evito minha dose extra de caramelo
de sempre. Engorda demais. Engolindo em seco, tamborilo no balcão
enquanto espero, dando um passo para o lado. Bem que eu gostaria de
conseguir ignorar meus pensamentos. Não quero pensar em Dean. Não
quero pensar em como sou desprezível e em como me sinto péssima.
Não demora muito para que meu latte que pronto, bem quente como
pedi, e vou até uma mesa vazia junto às janelas. Coloco o café na mesa e
puxo uma cadeira, me sentando devagar e observando a avenida do lado de
fora. Neste momento, eu poderia estar na Re nery. Poderia estar olhando
para o Santa Monica Boulevard. Poderia estar em casa. Por um breve
momento, tenho a sensação de estar lá. Mas então lembro que não estou na
Re nery, que não estou em Santa Monica. Ainda estou em Nova York. Parte
de mim sente saudades de casa. Parte de mim ca feliz.
O café tem um ambiente descontraído, exatamente o contrário de como
me sinto. Meu coração está disparado e meu olhar repousa no meu re exo
fraco na vitrine. No momento, não tenho orgulho de mim mesma. Há dois
anos faço tudo errado. Fiz besteira, e agora estou me perguntando se valeu a
pena.
Sem pensar, envolvo a caneca com tanta força que acabo queimando as
mãos. Afasto-as depressa, saindo do transe. Sentindo-me um pouco vazia,
eu as examino por um tempo, em especial os vincos das palmas.
– Eden.
Meus olhos encontram Rachael. Ela me encara com a testa franzida e os
lábios contraídos. Puxa a outra cadeira e se senta, colocando a bolsa com
cuidado na mesa.
Eu a observo enquanto ela olha pela vitrine por um tempo. O clima não
está nada bom. Nenhuma de nós está disposta a falar primeiro, e o silêncio é
pesado. Sinto um nó na garganta, mas sei que preciso dizer alguma coisa,
então pego a caneca e tomo um longo gole do meu latte. Colocando-o de
volta na mesa, abro a boca para falar, mas Rachael olha para mim
exatamente ao mesmo tempo e, surpreendentemente, se pronuncia
primeiro.
– Eu não acredito que você fez isso – diz ela, entre dentes, a voz baixa e
séria.
– Rachael... – Eu tento pensar no que dizer, em como me explicar, mas
ela me interrompe antes que eu tenha a chance de continuar:
– Não, Eden. Não acredito que você traiu o Dean. E com o Tyler. O
Tyler! – Ela bufa, engolindo em seco, balançando a cabeça com nojo e se
afastando um pouco de mim.
– Por favor, só me escuta – imploro, olhando ao redor para garantir que
ninguém esteja ouvindo. Pre ro que os outros clientes não quem sabendo
que sou uma pessoa horrível.
– Você sabe quanto tempo levei para acalmar o Dean ontem à noite?
Tem ideia? – Rachael estreita os olhos para mim, a expressão irritada e o
tom cortante. – Porque, por três horas seguidas, eu tive que ver um dos
meus melhores amigos chorar. Tem noção da merda que isso foi? Ficar
vendo Dean chorar porque você achou que não tinha problema trair seu
namorado?
– Eu não achei isso – murmuro.
Virando o rosto, apoio os cotovelos na mesa e escondo o rosto nas mãos.
Solto o ar com força, de olhos fechados. Estou com tanta vergonha que não
consigo encará-la. Não posso justi car minhas decisões e ações, mas posso
pelo menos tentar explicar as razões por trás de tudo isso, e é exatamente o
que faço.
– Eu me envolvi com o Tyler antes de começar a sair com o Dean –
admito, a voz abafada pelas mãos. Sinto um nó se formar na garganta. –
Tudo isso começou dois anos atrás, quando conheci todos vocês. Naquela
época, era impossível que as coisas com ele fossem adiante, então desisti
dele. Não porque eu quisesse, mas porque precisei.
Ainda é esquisito conversar com as pessoas sobre a minha relação com
Tyler. Ser tão aberta sobre isso... É uma sensação estranha. Acabei muito
acostumada a manter tudo em segredo. Abaixo mais a cabeça, as palavras
ainda murmuradas, baixas.
– E então percebi que também gostava do Dean. Mas aquela alguma
coisa com o Tyler nunca morreu. Eu passei um ano e meio ignorando isso,
Rachael. Tentei tanto ignorar, juro, eu tentei. – Engolindo o nó na garganta,
passo as mãos pelo cabelo e devagar levanto a cabeça, olhando de soslaio
para Rachael. Ela está ouvindo com atenção. – Mas então eu vim para cá e...
percebi que eu realmente amo o Tyler. E que quero car com ele. A gente ia
contar para o Dean hoje, mas Tiffani foi mais rápida.
Rachael não diz nada por um tempo. Só olha pela janela e depois para
mim, os lábios tremendo de vez em quando.
– Não acredito que você ainda tem coragem de dizer isso.
– Dizer o quê?
– Que ama o Tyler. – Ela estremece quando as palavras saem de seus
lábios. – Que bizarro, Eden.
Solto um gemido baixo e pego meu latte de novo, tomando um longo
gole para ganhar tempo enquanto tento pensar em uma explicação lógica.
Imagino que seja difícil para alguém que não tenha vivido exatamente a
mesma situação e as mesmas circunstâncias entender.
– Deixa eu contextualizar para você. – Eu me inclino para a frente e co
na beira da cadeira, encarando-a ao colocar minha caneca de volta na mesa.
– Imagina que seus pais são divorciados. Então imagina que seu pai se casa,
digamos... com a mãe do Stephen.
Rachael tenta controlar o rubor que toma suas bochechas, mordendo o
lábio. Usar Stephen para explicar foi a única coisa que me veio à cabeça. A
única coisa que faria sentido para ela.
– Então isso signi ca que o Stephen se tornaria seu irmão postiço. Mas
você o veria mesmo como irmão? Não tem relação de sangue – esclareço,
dando bastante ênfase, e depois cruzo os braços. – Ele literalmente seria um
estranho qualquer que você seria forçada a considerar irmão. Você não pôde
evitar se apaixonar por ele, certo? E se essa pessoa for a pessoa e a única
coisa que impedisse vocês de carem juntos é a maldita certidão de
casamento entre o seu pai e a mãe dele? Porque foi isso que aconteceu
comigo e com o Tyler, e é uma merda, Rachael. É uma merda mesmo.
Solto um longo suspiro e balanço a cabeça, triste pela situação toda. Se o
meu pai e Ella não tivessem se casado, não teria problema nenhum me
apaixonar pelo Tyler. Mas eles são casados, então isso é considerado
inaceitável. Fixo os olhos na calçada do lado de fora e afundo na cadeira.
– Eu penso em vocês dois como irmãos faz anos – diz Rachael
calmamente. – Então é claro que estou achando esquisito. Por que você não
disse nada antes? Eu sou sua melhor amiga. Por que você não me contou?
– Eu estava com medo – admito. Ainda estou, só não tanto quanto antes.
Pensar em manter meu relacionamento com Tyler em segredo para sempre
me assusta mais do que contar para os nossos pais. – E com vergonha. A
sensação era a de que estava fazendo algo errado, mas superei isso agora. Sei
que tudo bem sentir o que sinto por ele.
Olho de relance para Rachael, tentando avaliar o que ela está pensando,
e co aliviada ao descobrir que ela não parece mais tão zangada quanto
antes. Só está estarrecida, como se houvesse uma centena de perguntas que
gostaria de fazer. Então ela começa:
– Seu pai e Ella sabem? Sua mãe?
– Vamos contar a eles quando chegarmos em casa – respondo.
Tento não me deter nesse pensamento por muito tempo. Talvez eu não
esteja mais tão nervosa ou apreensiva com a situação, mas não signi ca que
essa parte não me amedronta. Se começar a pensar demais, vou acabar
imaginando tudo que pode dar errado.
– E aí? – insiste Rachael, inclinando a cabeça. Nossas vozes passaram de
sussurros para um tom relativamente normal. A agitação, o vapor e o som
das máquinas de café não nos dão outra escolha. – Vocês vão car juntos?
– Não sei.
Rachael franze a testa e joga as mãos para o alto, frustrada.
– Então para que tudo isso? Para que ferrar com a vida do Dean desse
jeito se você e o Tyler não vão car juntos? – A cadeira dela arranha o chão
quando ela se afasta da mesa e se levanta. – Sinceramente, não sei no que
você está pensando – diz ela, pegando a bolsa da mesa e se afastando alguns
passos de mim. – O Dean te ama. Você sabe disso. Ele foi ótimo para você
desde o primeiro dia, mas você vai escolher o Tyler? O que vê nele? Sabe o
que dizem sobre pessoas que sofreram abuso... – murmura, se
encaminhando para a porta.
Um pessoal sentado na mesa comum atrás olha, surpreso com o tema da
conversa. Rachael nem se importa, só dá de ombros e abre a porta ao
completar:
– Elas acabam se tornando abusivas também. Não venha rastejando de
volta para o Dean quando o Tyler se tornar tóxico.
Largo as mãos no colo, onde Rachael não percebe que estão cerradas.
Trinco os dentes, me forçando a não explodir. Até engulo o suspiro de
choque que subiu pela minha garganta. Sei muito bem que Rachael nunca
gostou de verdade do Tyler, apesar de serem do mesmo grupo de amigos,
mas isso não lhe dá o direito de ser tão grosseira e venenosa com ele.
Rachael não conhece Tyler como eu. Não entende quanto ele se esforçou
para consertar as coisas, para melhorar. Tentando manter a calma, seguro
meu latte de novo, me virando para encarar a janela mais uma vez.
– Tenha um bom voo para casa amanhã – digo, séria. Eu me recuso a
ouvir a opinião dela sobre Tyler.
Não ligo para o que ela pensa dele e não ligo se ela aceita nosso
relacionamento ou não. Realmente não me importo mais. Cansei.
– A propósito – acrescento, cruzando as pernas e pegando meu café –,
Stephen mandou avisar que vai te buscar às oito.
Um golpe de ar me atinge quando a porta do Joe Coffee se fecha na
minha cara. Rachael desaparece do lado de fora em questão de segundos.
Deixo escapar um suspiro que não percebi que estava prendendo, baixo o
olhar para a mesa e me concentro no vapor que sobe do meu latte.
Não consigo nem mensurar quanto estou aliviada por saber que Rachael,
Dean e Tiffani estão voltando para casa amanhã. Os últimos dias passaram
voando, um borrão doloroso, e co feliz por não precisar mais lidar com
eles. Pelo menos até semana que vem. Tyler e eu também voltamos para casa
em apenas quatro dias, na quarta-feira à noite. Talvez até lá a raiva e a
descrença de Rachael tenham diminuído, e talvez então eu consiga
conversar com ela de novo. Talvez até lá ela já tenha me perdoado. Da
mesma forma, talvez eu a perdoe pelo comentário sobre o Tyler. Talvez,
apenas talvez, ela nalmente entenda que eu não quis que nada disso
acontecesse.
Fico no Joe Coffee mais um tempo. É bom estar sozinha de novo. Tão
sozinha quanto é possível em Nova York. Traço círculos no tampo de
madeira. Volto ao balcão para pedir um segundo latte, sem me sentir
culpada por isso. E peço uma dose de caramelo extra. Observo pela janela as
pessoas que andam pela Lexington Avenue. Tiro uns minutos para
responder algumas mensagens da minha mãe e da Ella, omitindo o fato de
que não estou mais namorando Dean. Minha mãe ama o Dean. Ella
também. O cara mais doce do mundo, diriam.
Quando nalmente olho para o relógio, percebo que passei quase duas
horas aqui. São quase uma e meia da tarde. Tyler deve estar se perguntando
onde estou, porque, embora nosso relacionamento seja complicado, sem
dúvida não leva duas horas para ser explicado.
Então volto para o apartamento, meu ritmo lento e fora de sincronia
com o restante da cidade. Ando como se não tivesse um propósito, porque
não tenho mesmo. Só estou caminhando pela Lexington Avenue, entrando
na 74th Street, me sentindo... Bem, não sinto nada. É isso mesmo. Não
me sinto vazia, desanimada ou triste, muito menos feliz ou empolgada. Só
não sinto nada. Estou entorpecida.
Depois de subir os doze lances de escada até o apartamento de Tyler,
metade de mim está pronta para cair na cama e dormir por mil anos. A
outra metade? A outra metade está pronta para beijar Tyler sem parar.
Quando destranco e abro a porta, Tyler é a primeira pessoa a me receber.
Ele vem andando da cozinha com uma faca de manteiga na mão, a testa
franzida de preocupação, exatamente como estava antes de eu sair. Duvido
muito que ele tenha relaxado desde o momento em que pisei fora de casa.
– Como foi? – pergunta ele imediatamente, fechando a porta atrás de
mim depois que entro na sala, e ca parado esperando minha resposta.
– Vamos colocar desta maneira... – murmuro, contraindo os lábios e
franzindo a testa. – Quando chegarmos em casa, acho que não teremos
muitos amigos.
As sobrancelhas de Tyler se erguem devagar.
– Nada bem, então.
Inclino a cabeça para o lado e observo Snake e Emily. Os dois estão na
cozinha, discutindo, com pratos nas mãos e agitando os talheres. Neste
apartamento, fazer o almoço é sempre uma tarefa conjunta e nada simples.
Olho para Tyler e suspiro.
– Juro, é melhor você valer a pena. É melhor valer a pena a briga com o
Dean e com a Rachael.
Quase em câmera lenta, os cantos dos lábios de Tyler se curvam no
menor dos sorrisos. Ele dá um passo na minha direção, os olhos faiscando.
– Não posso dar certeza – responde ele calmamente –, mas realmente
espero que sim.
Seu sorriso se amplia, espelhando o meu, nossas expressões se
iluminando. Com cuidado, ele segura meu rosto com a mão e se inclina para
me beijar.
– Ei! – grita Snake da cozinha.
É tão repentino que Tyler e eu paramos na mesma hora, nos afastando
antes que nossos lábios possam se tocar. Nós nos viramos para Snake, e
descobrimos que ele e Emily estão nos observando por trás do balcão da
cozinha. Os dois estão sorrindo, achando graça da cena. Com um prato na
mão, Snake aponta para a gente.
– Nada de beijo imoral na sala de estar!
E, pela primeira vez em tempos, nós quatro rimos.
29
Quatro dias depois, estou sofrendo para aceitar que meu tempo em Nova
York chegou ao m. Passei o ano inteiro contando os dias até chegar aqui, e
agora a experiência que eu tanto queria acabou. Minhas seis semanas se
passaram. O ano de Tyler aqui terminou. Está na hora de voltar para Santa
Monica, para a praia, para o boulevard e para o píer. Está na hora de ir para
casa.
Ao empurrar minha mala para a sala, começo a me sentir nostálgica. É
verdade o que as pessoas dizem sobre Nova York – é incrível, mesmo. Vou
sentir saudade de acordar com o som do trânsito lá fora. Vou sentir saudade
do uxo constante de pessoas nas calçadas. Vou sentir saudade de andar
nesse metrô maldito. Do Central Park. Do zumbido constante. Do beisebol.
Dos sotaques. Acho que vou sentir saudade de tudo nesta cidade e agora
compreendo por que ela é tão icônica.
– Pronta? – ouço Tyler perguntar ao parar atrás de mim.
Olho para ele e suspiro, melancólica, com um sorriso triste.
– Acho que sim
Ele parece mais jovem hoje, principalmente porque decidiu tirar a barba,
e agora seu rosto está completamente liso, então ele en m está com cara de
dezenove anos. Atravessando a sala, joga a bolsa de viagem preta no sofá e se
vira para mim, observando minha mala. Está completamente abarrotada.
Talvez eu tenha comprado muita coisa durante minha estadia na cidade, ou
talvez eu tenha jogado tudo dentro de qualquer jeito, mas, seja o que for,
está tão estufada que começo a me preocupar com excesso de bagagem.
Levei cinco minutos para fechá-la, e ainda assim ela ameaça abrir a qualquer
momento.
– Sabe, você pode despachar metade das suas coisas junto com as
minhas – comenta Tyler, nalmente dando uma risada. Ele para, vira minha
mala no chão e se abaixa, abrindo-a. Cruzo os braços e co observando
enquanto ele pega uma braçada das minhas coisas e volta para a sala,
en ando tudo na própria mala. – Tenta fechar agora.
Revirando os olhos, tento fechar a mala de novo, e desta vez é muito
mais fácil. Eu me levanto e sorrio e então corro para o quarto dele pela
última vez para pegar meus tênis e a mochila. Os dois estão largados no
chão, mas antes de pegá-los dou uma olhada no cômodo. Está
completamente vazio. Nenhum pôster na parede. Nada no armário. O
quarto geralmente tem o cheiro do Tyler, mas hoje não. O carro de Tyler e a
maioria de seus pertences foram enviados para o outro lado do país três dias
atrás.
Mal paramos no apartamento nesse tempo. Ficamos ocupados demais
tentando preencher nossos últimos momentos na cidade com o máximo de
lembranças possível: revisitando as principais atrações turísticas mais uma
vez e procurando cafés que ainda não tínhamos experimentado, jogando
beisebol no Central Park de novo e passando um dia inteiro cruzando os
outros quatro distritos. Ontem à noite, Tyler até me levou ao Pietrasanta de
novo, para fechar nosso verão exatamente como começamos, e não poderia
ter sido mais perfeito.
Calçando meus All Stars e levando a mochila até a sala, olho para Tyler e
franzo a testa, melancólica. Antes sorrindo, ele agora está intrigado.
– Não quero ir para casa – admito.
Tyler não responde logo de cara, só me observa com a cabeça inclinada
para o lado, os olhos faiscando.
– Não está animada para contar ao seu pai que está perdidamente
apaixonada por mim? – pergunta ele por m, tentando ao máximo conter o
riso.
– Ah, tenho certeza de que ele vai car muito animado. – Minha voz é
puro sarcasmo, mas estou sorrindo. – Sabe, é que você é muito encantador.
Tyler ri e balança a cabeça. Os dois nunca se deram muito bem, então
acho que meu pai não vai car muito animado por eu ter me apaixonado
logo pelo Tyler. Isso se antes de tudo ele conseguir aceitar um
relacionamento entre irmãos postiços.
A porta do quarto do Snake se abre, e ele coloca a cabeça para fora, se
encostando no batente.
– Vocês ainda estão aqui?
– Achou que a gente ia embora sem se despedir, Stephen Rivera? –
retruca Tyler, com um olhar desa ador, indo até seu colega de quarto.
– Meu Deus, como estou feliz de me livrar de você – murmura Snake,
sorrindo enquanto eles dão um daqueles meio abraços com tapinhas nas
costas.
Parece ontem de manhã de novo, quando nós três nos despedimos de
Emily. Ela partiu pouco depois das cinco da manhã, com todo mundo ainda
meio dormindo. Estava triste. Prometemos que manteríamos contato, até
brincamos sobre uma reunião anual. Esse tipo de despedida é o mais
assustador. Quando a gente sabe que as chances de um reencontro são muito
pequenas. A esta altura Emily já está em Londres de novo e, hoje à noite,
Tyler e eu estaremos de volta a Santa Monica. Snake é o único que ca em
Nova York, com seu último ano de faculdade ainda pela frente.
Sinceramente, acho que eu não poderia ter pedido a companhia de duas
pessoas melhores para curtir minha viagem a Nova York e continuo mais
agradecida do que nunca por terem me recebido tão bem. Vou sentir muita
saudade dos dois.
Tyler e Snake cam um tempo relembrando o ano que passou, rindo e
trocando insultos de brincadeira antes de soltarem um suspiro. Snake até me
puxa para um abraço. Ele diz que não sou tão chata assim, e digo que ele
também não é dos piores. Trocamos um sorriso antes que ele invente uma
última piada ruim sobre Portland, e então Tyler e eu pegamos nossas
bagagens e saímos do apartamento pela última vez.
São quase oito da noite quando chegamos a Los Angeles. Estamos no LAX, é
claro, e passamos uns bons vinte minutos esperando na esteira de bagagens
até que as nossas malas apareçam por último. Quem mandou sermos os
primeiros a fazer check-in em Newark? E, embora tenha cado irritado e
impaciente, Tyler consegue voltar a se animar quando atravessamos o nível
de desembarque do Terminal 6.
Não demoramos muito para avistar Jamie. É difícil não vê-lo. Ele aparece
do nada e vem bem na nossa direção, a mão erguida para chamar nossa
atenção, um sorriso imenso estampado no rosto. Dá um quentinho no
coração ver Jamie tão feliz em nos receber, e por um momento voltar para
casa não parece tão ruim assim.
– Olha ele lá – digo para Tyler, mas ele mal presta atenção em mim. Está
totalmente focado no irmão, com um brilho no olhar.
Pouco depois, Jamie nalmente nos alcança, e Tyler imediatamente o
puxa para um abraço. Recuo um passo ou dois, admirando a cena. Depois
de passar seis semanas com Tyler, esqueci que o resto da nossa família não o
vê há mais de um ano.
Tyler se afasta depois de um tempo, apoiando as mãos nos ombros de
Jamie e o observando, perplexo.
– Cara, mal estou te reconhecendo! – diz Tyler com uma risada. –
Quando você cou tão alto? E o que você fez com o seu cabelo?
Jamie dá de ombros, um pouco envergonhado, passando a mão sem jeito
no cabelo. Para ser sincera, não vejo uma mudança tão drástica, em especial
porque não passei tanto tempo longe, mas Jamie cresceu mesmo vários
centímetros e cortou o cabelo no ano passado. Está curtinho faz alguns
meses, e daqui a pouco ele já vai estar do tamanho de Tyler. Os dois são
muito mais altos que eu.
– Ah, nada de mais – diz Jamie, um pouco constrangido. Ele desvia os
olhos para mim. – Como foi Nova York?
– Incrível – respondo. Eu me seguro para não trocar um olhar revelador
com Tyler e, em vez disso, mordo o lábio e mantenho a atenção em Jamie. –
Você conseguiu chegar bem?
– Consegui... mas demorei. – Ele puxa as chaves do carro do bolso de
trás. – Acabei indo para o andar de baixo primeiro. Finalmente encontrei o
caminho até o estacionamento. As instruções da mamãe não foram tão boas.
– Ei – diz Tyler, pulando para a frente. Ele pega as chaves da mão de
Jamie e as ergue, examinando-as antes de encarar o irmão. – Ela te deu o
Range Rover? Que história é essa? A mamãe nunca me deixou dirigir o
Rover quando eu tinha a sua idade. Ela não comprou aquele BMW para
você? Cadê?
– Ah, bati com o para-choque dianteiro na semana passada – admite
Jamie, baixando os olhos para o chão do aeroporto com as bochechas
coradas. – Bati num poste. Está na o cina do Hugh Carter agora, então você
pode dizer para o Dean caprichar nele para mim e depois me dar um
desconto – brinca, mas nem Tyler nem eu rimos.
Trocamos um olhar rápido, sem graça. Tyler passa a mão pelo cabelo e
suspira enquanto fazem um anúncio pelo sistema de som do aeroporto. Isso
nos permite car em silêncio por um momento, sem que Jamie estranhe.
Talvez fosse bom mencionar que Dean não quer mais papo comigo e com
Tyler e que provavelmente ele ou o pai não vão mais oferecer descontos para
a nossa família na o cina, mas não parece a hora certa de contar isso.
– Vamos nessa – diz Tyler, ajeitando a alça da bolsa no ombro e
empurrando Jamie para a frente, indicando a saída com a cabeça. – Quero
ver essas suas desabilidades de direção.
– Eu dirijo melhor que você – murmura Jamie, mas ainda está sorrindo
ao pegar de volta as chaves de Tyler.
Ele gira o molho no dedo indicador, e percebo que tem uma foto presa à
coleção de chaveiros que Ella juntou ao longo dos anos. É uma foto pequena,
de Tyler, Jamie e Chase quando eram bem mais novos. Aposto que Ella mal
pode esperar para ver o lho mais velho. Até consigo imaginá-la,
provavelmente andando de um lado para outro em casa, aguardando.
Enquanto Tyler e Jamie seguem na frente, o braço de Tyler sobre os
ombros do irmão, empurro minha mala atrás deles. Respiro fundo devagar e
me vejo dando um sorriso quase triste. É difícil acreditar que Tyler cou um
ano inteiro longe e, sinceramente, não tenho muita certeza de como
aguentou sozinho por tanto tempo. Claro, ele pode ter voltado a fumar
maconha no ano passado, mas parou. É reconfortante saber que está de
volta. Que está em casa.
– Ei, eu já bati num poste? – pergunta Tyler para Jamie, o tom leve e
brincalhão. – Nunca, porque eu dirijo melhor.
– Sério? – pergunta Jamie com ar de sarcasmo. – Porque seu carro
chegou ontem à noite e de nitivamente você precisa de pneus novos. Que
merda você fez com eles?
– Pergunta para a Eden – murmura Tyler, olhando para mim por cima
do ombro.
Ele sorri, e eu faço cara feia, empurrando-o de leve.
Saímos do terminal, atravessando as plataformas que dão no
estacionamento, seguindo Jamie em direção às profundezas do nível inferior
até o carro de Ella. Está estacionado em uma vaga apertada, e Tyler
imediatamente estala a língua em desaprovação quando Jamie abre o porta-
malas.
– O quê? – reclama Jamie, cruzando os braços, agitado, parando ao lado
da porta do motorista.
– Desabilidades de estacionamento – comenta Tyler, jogando a bolsa no
porta-malas, e depois se virando para pegar a minha mala, ainda com um
sorriso no rosto.
A mala continua pesando uma tonelada, e eu mal consegui tirá-la
sozinha da esteira de bagagens sem a ajuda do Tyler, quanto mais levantá-la,
então agradeço e me sento no banco traseiro.
Tyler bate o porta-malas com um baque antes que ele e Jamie entrem no
carro, trocando vários comentários pouco elogiosos enquanto Jamie liga o
motor e começa a difícil tarefa de sair do aeroporto. Ele foi incrível por se
oferecer para nos buscar, porque eu de nitivamente teria recusado a tarefa.
Muitas saídas confusas. Fácil demais acabar na avenida errada.
No entanto, com a ajuda de Tyler, Jamie consegue nos levar até o Lincoln
Boulevard, sentido norte, direto para Santa Monica. É a rota mais fácil de
volta à cidade. Relaxo no caminho, largada no banco traseiro de couro
olhando pela janela. É estranho observar o horizonte. É estranho não estar
rodeada de edifícios e arranha-céus. O sol já começou a se pôr lentamente, o
céu assumiu um lindo tom de laranja. O rádio toca baixinho ao fundo,
enquanto Tyler e Jamie passam a maior parte do tempo conversando e
rindo, colocando em dia um ano de histórias. Eu continuo sem participar da
conversa. Ajusto o ar-condicionado da parte de trás do carro para que o ar
venha direto para o meu rosto, então cruzo as pernas e fecho os olhos,
apoiando a cabeça na janela. Tão tranquilo. Tão relaxado. Tão Califórnia.
Vinte minutos depois, quando chegamos a Santa Monica, co atenta
quando ouço Jamie dizer:
– Preciso te contar uma coisa. Mas depois.
– Por que não agora? – pergunta Tyler.
Devagar, entreabro os olhos, sem me mexer um centímetro, e co
ouvindo.
– Ah – diz Jamie, olhando para mim pelo retrovisor. Fecho os olhos de
novo, torcendo para ele achar que peguei no sono. – A Eden está aqui.
– E...? – retruca Tyler. Seu tom não é mais gentil, e sim irritado. – A não
ser que você tenha engravidado aquela sua namorada ou algo do tipo,
qualquer coisa que você precise me contar pode contar agora. O que foi?
Quando espio de novo, noto que Jamie virou para a estrada, as mãos no
volante. Ele ca quieto por um tempo, a postura rígida. Tyler se inclina para
encará-lo e estreita os olhos, esperando. Bem devagar, Jamie dá um suspiro
profundo, cabisbaixo.
– Só vou te contar isso porque a mamãe não queria contar, mas acho que
você deveria saber – diz ele, parecendo nervoso, e ca em silêncio por um
longo momento. Por m, olha para Tyler e diz as palavras que eu menos
esperava ouvir: – O papai saiu.
– O quê? – pergunta Tyler, boquiaberto.
– Ele saiu faz algumas semanas – diz Jamie, com a voz fraca.
Quando olho pelo retrovisor, vejo Jamie franzindo a testa. Tyler, por
outro lado, empalidece e se recosta no banco, olhando xamente para a
frente tentando processar a notícia. O rádio ainda está ligado, uma música
pop engraçadinha deslocada na atmosfera tensa do carro.
Agora abro os olhos de vez, me empertigando. Também estou um pouco
chocada. Sempre soube que o pai deles estava na prisão. Sempre o imaginei
trancado em uma cela. Mas nunca me passou pela cabeça que um dia ele
sairia, porque essa é a parte em que ninguém pensa. Ninguém pensa naquela
pessoa de volta às ruas. Ninguém pensa naquela pessoa com o livre-arbítrio
para fazer o que quiser de novo. Ninguém pensa naquela pessoa vivendo a
vida de novo. Essa é a parte assustadora. Essa é a parte em que ninguém
quer pensar.
– Já se passaram sete anos? – pergunta Tyler, quase incrédulo, se
erguendo no banco, seu corpo tenso. Pressionando o painel, ele solta o cinto
de segurança e se vira para Jamie, com os olhos ferozes, irritado. – Eu pensei
que tinham sido só seis – retruca. – Foram só seis anos!
– Foram sete – murmura Jamie, olhando de Tyler para a estrada. Ele
tenta se concentrar na direção, mas a crescente fúria de Tyler está
di cultando. – A mamãe não tem me contado muita coisa – continua ele. –
Mas você se lembra do Wesley Meyer? Ele ia lá em casa tantas vezes que a
gente chamava o cara de tio Wes. – Ele olha de novo para Tyler para avaliar
sua expressão, só que o irmão mais velho simplesmente trinca os dentes em
resposta. – Bem, a mamãe acha que o papai está na casa dele.
– Esse babaca está na cidade? – sussurra Tyler, desligando o rádio na
hora. O carro ca em silêncio, e o único barulho é o do motor enquanto
seguimos por Santa Monica, atravessando a Pico Boulevard. – Ele está aqui?
No banco de trás, me sinto impotente. Não há nada que eu possa fazer
nessa situação, mas sei que Tyler está cando mais irritado a cada segundo
que passa, então me estico e coloco a mão no ombro dele, apertando com
força para que ele lembre que estou aqui.
– Vamos para lá – ordena Tyler do nada, socando o painel duas vezes e
encarando Jamie com um olhar rme e levemente ameaçador.
– O quê?
– Para a casa do Wesley Meyer. Agora.
– Tyler... – Jamie para e balança a cabeça. – Eu não vou te levar para lá.
– Tudo bem, então para o carro. – Inclinando o corpo para longe de
Jamie, em direção à porta, ele segura a maçaneta e olha para o irmão, ainda
transtornado, esperando.
– Não vou parar o carro – insiste Jamie, segurando o volante com ainda
mais força.
– Eu não estou brincando, Jay! – rosna Tyler, espalmando a mão no
painel mais uma vez. Aquilo assusta Jamie, que se encolhe, fazendo o carro
desviar ligeiramente para a direita e quase subir o meio- o. Mesmo que o
carro da Ella chegue em casa sem arranhões, tenho certeza de que, no
mínimo, o painel vai car meio amassado. – Para a porra do carro.
Gemendo, Jamie por m cede. Ele para na calçada, deixa o motor ligado,
abre a porta do carro e sai.
– Você sabe que essa ideia é idiota – murmura, chutando o asfalto e
dando a volta no veículo.
Tyler está prestes a abrir a porta do carona, mas, antes que ele saia, puxo
seu ombro contra o encosto do banco para impedi-lo de se mover. Soltando
o cinto de segurança, eu me inclino para a frente.
– O que está fazendo, Tyler? – pergunto.
Agora que posso olhar nos olhos dele, vejo quão furioso está. Parte de
mim não o culpa pela raiva, mas outra parte também está se perguntando o
que se passa na cabeça dele. Sei que Tyler pode ser um pouco irracional e
co ainda mais preocupada quando reparo no olhar desnorteado dele e no
maxilar trincado. Ele se recusa a me responder, só afasta minha mão e abre a
porta do carro, pisando forte na calçada.
– Tyler! – grito, mas ele já saiu, indo para o lado do motorista.
Jamie se senta no banco do passageiro, bate a porta e cruza os braços,
derrotado. Franzo a testa e me recosto de novo, retorcendo as mãos. Não
tenho certeza do que devo fazer.
Tyler se senta ao volante, levando um momento para ajustar o câmbio
automático, e depois dá a partida. O carro de Ella ronca pela Ninth Street,
alimentado pela fúria de Tyler, atravessando a cidade no sentido norte.
Tento chamar sua atenção pelo espelho retrovisor algumas vezes, mas ele
nem olha.
– Era por isso que a mamãe não queria te contar – diz Jamie, levantando
as mãos, exasperado, quando Tyler passa direto por uma placa pedindo que
os motoristas parem. – Ela sabia que você ia perder a cabeça.
Tyler não responde ao irmão, assim como não respondeu a mim, e acho
que Jamie e eu já percebemos que ele não vai falar mais nada. Desistimos
também. Só trocamos olhares preocupados e damos de ombros enquanto
Tyler dirige. Nós dois sabemos exatamente para onde ele está indo, mas não
há nada que possamos fazer no momento. Ele ca tamborilando os
indicadores no volante enquanto a raiva continua a crescer dentro de si.
Em menos de dez minutos o carro segue pela Alta Avenue. Tyler olha de
um lado para outro, atento. Ele freia no cruzamento com a 25th Street, o
olhar xo em uma casa especí ca diante de nós, na esquina, com tijolos
brancos e telhas vermelhas. É a casa de Wesley Meyer, quem quer que ele
seja, portanto também a atual residência do pai de Tyler e Jamie. Claro, essa
é a única razão para estarmos aqui. Por causa do pai deles.
Tyler desliga o motor, nos deixando em silêncio. Ele ca encarando a
casa sem dizer nada, a respiração pesada, a mandíbula tensa outra vez. É
como se estivesse discutindo mentalmente consigo mesmo se deve ou não
sair do carro.
– E aí? – pergunta Jamie, interrompendo o clima tenso. – Você vai bater
na porta e dizer que o odeia? Dar um soco nele? Acabar com a raça dele?
Tyler trinca os dentes e inclina ainda mais o rosto para a janela, o mais
longe possível do olhar severo de Jamie.
– Você não entende – sussurra, fazendo o vidro embaçar.
– Ei – retruca Jamie na hora, balançando a cabeça, apesar de Tyler nem
estar olhando para ele. – Acha que eu também não quero quebrar a cara
dele? Por sua causa? Mas, por favor, cara. Pensa direito. Para quê? É uma
ideia idiota, e só vai fazer a mamãe ter um colapso nervoso quando souber
que você chegou perto dele.
O que Jamie está falando faz muito sentido, mas pelo visto tem o efeito
oposto, porque Tyler sai do carro, bem na hora que vou tentar falar alguma
coisa para ajudar. Saio também, quase que por re exo, então dou a volta no
veículo e paro na frente dele, no meio do gramado. Empurro o peito dele
com força, fazendo-o dar um passo para trás.
– Jamie tem razão. Você não quer fazer isso.
– Quero, sim.
Ele ainda está com aquele olhar aterrorizante que não estou mais
acostumada a ver. Dois anos atrás, era comum. Ele não é mais assim. Tyler
perdeu aquela hostilidade faz um tempo, substituída por toda a positividade
que surgiu em sua vida quando começou a usar o passado como ferramenta
para ajudar os outros. No entanto, agora parece que tudo isso acabou. A
raiva está de volta. O garoto com a expressão endurecida e os olhos ferozes,
que passava todos os segundos dos seus dias odiando o pai, está parado na
minha frente agora.
– Por que eu não deveria fazer isso? – pergunta ele.
Como naquela época, me esforço para ajudá-lo a fazer o melhor para ele.
Agora, isso signi ca fugir desta casa antes que se arrependa de algo.
– Porque você está bem há quase dois anos – sussurro, ainda com as
mãos no seu peito, sentindo seu coração batendo forte e rápido. – Por favor,
não se envolva em toda essa confusão de novo. Olha como isso te deixou
antes, Tyler. Só ca longe dele.
– Eden – diz Tyler lentamente por entre os dentes. Estendendo a mão,
ele segura as minhas, mantendo-as no seu peito. Seu coração parece disparar
ainda mais enquanto seus olhos se abrandam por um breve momento. –
Quero que ele me veja agora. Só quero parar na frente dele pela primeira vez
em sete anos. Preciso que ele saiba que errou, porque não pode mais fazer
parte da nossa vida. Nem da minha, nem da do Jamie, do Chase e da minha
mãe. Estamos todos perfeitamente bem sem ele agora. Quero que ele saiba
disso. – Abaixando a cabeça, ele suspira e aperta minhas mãos. Depois de
um momento, olha para mim. – E talvez dar um ou dois socos nele.
– Eu entendo – digo, mantendo a voz baixa. Temo que, se falarmos mais
alto, o pai dele possa nos ouvir lá de dentro. Se é que ele está mesmo aqui. –
Entendo que você queira enfrentá-lo. Não julgo. Mas, Tyler, pensa bem. O
que vai acontecer se você perder o controle no segundo em que vir seu pai
de novo? Você já está bravo, então é melhor deixar pra lá. Pelo menos por
hoje. Você pode lidar com o seu pai em outro momento. Você precisa
assimilar tudo isso primeiro, certo?
Tyler olha por cima do meu ombro em direção à casa por um tempo, mil
emoções passando pelos seus olhos. Não consigo imaginar exatamente o que
ele está sentindo. Sua expressão muda muito rápido.
Relaxando o rosto, ele engole em seco e me encara.
– Certo – sussurra. Soltando as minhas mãos, ele segura o meu rosto
com gentileza, levantando meu queixo. – Certo.
Fechando os olhos, suave e lentamente ele encosta os lábios nos meus.
Isso me surpreende por uma fração de segundo: parece tão deslocado no
meio do surto de raiva dele. Não sei muito bem qual é a razão por trás disso,
seja para sentir conforto ou segurança ou as duas coisas, só sei que
obviamente Tyler esqueceu que não estamos sozinhos.
Enquanto o pânico toma conta de mim, dou um passo rápido para trás e
o empurro. Eu me viro para o Range Rover ainda estacionado na rua. Pelo
para-brisa, nosso irmão está observando a cena, perplexo.
30
Jamie dirige em silêncio. Ele voltou para o volante, os lábios apertados. Não
tira os olhos da estrada, sem jamais olhar para Tyler ou para mim. Não
consigo decifrar se está confuso ou furioso ou as duas coisas. De qualquer
forma, sua expressão deixa claro que ele não gostou da notícia. Talvez Tyler
pudesse ter sido menos franco quando contou a verdade ao nosso irmão, e
talvez eu pudesse ter me esforçado mais para oferecer uma explicação,
porque no momento Jamie parece simplesmente enojado. No entanto, a
novidade em questão foi su ciente para distrair Tyler, fazê-lo sair do
gramado de Wesley Meyer e voltar para o carro.
Estou no banco de trás de novo, mordendo o lábio e mexendo no cinto
de segurança, ansiosa e sobretudo um pouco envergonhada. Ver Jamie com
cara de nojo ao saber sobre mim e Tyler não me dá qualquer esperança de
uma reação diferente dos nossos pais. Se nosso irmão de dezesseis anos não
aguentou, duvido muito que papai e Ella aguentem. Felizmente, não é para
lá que estamos indo agora. Vamos para a casa da minha mãe. Vamos dar a
notícia para ela primeiro. Ideia do Tyler. A gente ia esperar até amanhã, mas
agora que Jamie sabe, é melhor contar ao resto da família hoje à noite. A
cada segundo que passa, co cada vez mais nauseada ao pensar nisso. O
momento chegou mesmo.
O trajeto até a casa da minha mãe leva poucos minutos. Jamie estaciona
na calçada atrás do meu carro, deixando o motor ligado e permanecendo em
silêncio. Ele não diz uma só palavra nem tira as mãos do volante.
Simplesmente encara o para-brisa com os olhos semicerrados. Tyler encara
o irmão por um tempo, tentando chamar a sua atenção, mas é inútil. Por
m, só se vira para mim e dá de ombros, me avisando que é hora de ir.
Solto o cinto de segurança e saio do carro entorpecida. Meus lábios estão
franzidos, estou me sentindo culpada demais. Não consigo evitar. Tyler e
Jamie sempre foram próximos, muito mais do que de Chase, e raramente
brigam. Mas agora Jamie parece chateado, e sinto que é tudo por minha
causa. Essa atmosfera tensa não estaria nos sufocando agora se eu não
tivesse me apaixonado por Tyler. Tudo o que posso fazer é esperar que em
breve Jamie mude de ideia, da mesma forma que espero que aconteça com
Rachael. Mas não há absolutamente sentido nenhum em achar que Dean vai
aceitar nosso relacionamento. Eu estaria me iludindo se acreditasse que isso
tem alguma possibilidade de acontecer.
Fechando a porta do carro com cuidado, vou até o porta-malas, parando
ao lado de Tyler. Ele já está colocando minha mala na calçada, com uma
expressão desolada, embora tente me oferecer um sorriso tranquilizador.
Isso não me anima muito, porque não há nenhuma certeza em seu rosto.
Tyler está tão preocupado quanto eu.
Colocando a alça da bolsa no ombro, ele fecha o porta-malas e dá a volta
no veículo. Para ao lado da janela do motorista e bate duas vezes no vidro
com o nó dos dedos. Jamie não reage de imediato, mas, quando percebe que
Tyler não vai desistir, decide abrir a janela. Pela primeira vez desde que
deixamos o gramado de Wesley Meyer, Jamie se vira para olhar o irmão.
– A gente vai para casa daqui a pouco – murmura Tyler, com os olhos
gentis, tentando apelar para o lado sentimental de Jamie. – Então só... Só
não diz nada. Por favor. A gente mesmo tem que contar para a mamãe e
para o Dave. – Baixando a cabeça por um segundo, ele solta um suspiro e
depois olha para cima. – Tá?
Jamie não reage, por isso não sabemos se ele vai correr para casa e dar a
notícia aos nossos pais ou não. Tudo o que ele faz é virar o rosto para a
frente de novo e fechar a janela. Isso força Tyler a tirar as mãos da porta e
dar um passo para trás, franzindo a testa exatamente como eu. Ficamos
observando Jamie se afastar, até o Range Rover desaparecer na esquina
momentos depois. Não sei Tyler, mas eu estou bem desconfortável.
– Pensei que fosse ser bem melhor – diz Tyler.
Quando ele se vira para mim, percebo que está com um sorriso triste.
No entanto, ao mesmo tempo é caloroso, de certa forma quase divertido, o
que é su ciente para me fazer esquecer por um segundo que estamos prestes
a entrar em casa e contar a verdade para minha mãe.
– É – digo, ajeitando a mochila no ombro. – Acho que me beijar na
frente dele não foi a melhor maneira de dar a notícia.
Tyler sorri.
– Foi mal.
Revirando os olhos, levanto a alça da mala e começo a puxá-la pelo
caminho até a porta da frente. Tyler segue bem atrás de mim, tão perto que
consigo ouvir sua respiração, e assim que ele coloca a mão nas minhas
costas, a porta se abre. Na mesma hora, ele afasta a mão.
– Você está em casa! – grita minha mãe, correndo na minha direção.
Em uma fração de segundo, sou envolvida no seu abraço caloroso. Ela
me aperta tanto que temo sufocar e, quando tento me desvencilhar, ouço um
latido familiar.
Por cima do ombro da minha mãe, vejo Gucci vindo aos pulos na minha
direção, com orelhas erguidas e o rabo balançando rápido, a língua para
fora. Fecho os olhos e me preparo, esperando o momento em que seu corpo
forte vai me derrubar no chão, e é exatamente o que acontece. Ela pula nas
patas traseiras, as dianteiras no meu peito, e na mesma hora sou arrancada
dos braços da minha mãe. Cambaleio para trás com o peso dela, mas não
caio. Tyler me segura antes, meu corpo colidindo com o dele e nós dois
sendo obrigados a recuar um passo. Gucci nalmente volta para o chão.
– Meu Deus – digo, me espanando enquanto Tyler me ajuda a me
equilibrar.
Por sorte, Gucci começa a investigar Tyler, girando em torno das pernas
dele e farejando suas botas, mas seu rabo continua me batendo atrás dos
joelhos, então me afasto dos dois e levo a mala para dentro.
– Ela passou uma semana chorando depois que você viajou – conta a
minha mãe com uma risada, me puxando para outro abraço, breve desta
vez, e quando ela se afasta passa os olhos por mim de cima a baixo. – Mas
de nitivamente eu senti mais saudade do que ela. Estou tão feliz que você
tenha voltado viva para casa!
Eu reviro os olhos, balançando a cabeça para ela.
– Aham, cá estou eu. Viva. Mesmo depois de ter andado de metrô e
caminhado sozinha por Manhattan e visitado o Bronx – completo, com um
sorriso brincalhão.
Minha mãe ca horrorizada.
– Tyler!
Ele ergue os olhos, parando de coçar as orelhas de Gucci e erguendo a
cabeça para minha mãe.
– Hein?
– Você levou minha lha para o Bronx? – pergunta ela, mas a gente sabe
que está de brincadeira.
Ela cruza os braços, séria, e bate o pé enquanto espera a resposta.
– Foi mal – diz Tyler com um sorriso, dando mais um tapinha na cabeça
de Gucci antes de se levantar. Seus olhos, seu sorriso e sua voz são
totalmente inocentes. – Foi para um jogo de beisebol. Mas, tirando isso,
acho que cuidei bem dela.
Seus olhos encontram os meus e seu sorriso aumenta.
– Você me convenceu a me sentar na beirada do terraço do seu prédio –
comento.
Ele dá um pulo para a frente, passando o braço em volta da minha
cabeça e tapando a minha boca com a mão.
– Shhh.
Dando de ombros, ele dá uma risada nervosa e abre outro daqueles seus
sorrisos para a minha mãe, do tipo que torna impossível alguém car bravo
com ele.
– Ah, Tyler... – diz minha mãe com uma risada. Balançando a cabeça, ela
suspira e o observa com uma expressão calorosa no rosto. – Bem-vindo de
volta. Aposto que é estranho estar em casa. Mas, ei, entrem, vocês dois, e nos
contem tudo sobre Nova York. – Batendo palmas, ela assobia uma vez e
chama: – Gucci! Para dentro! – Nossa cadela hiperativa responde voltando
aos pulos para casa, com a minha mãe atrás.
Eu e Tyler camos parados no lugar, e, quando minha mãe sai de vista,
me viro para ele e respiro fundo.
– Então, vamos mesmo fazer isso? – pergunto, em voz baixa.
– Com certeza – responde Tyler, sem hesitar. Passando o braço por cima
dos meus ombros, ele me puxa e beija minha têmpora. – Espero que sua
mãe não esteja olhando pela janela – sussurra.
Olho de soslaio para ele e percebo que está sorrindo. Faço o mesmo, dou
de ombros e o empurro enquanto pego minha mala, arrastando-a pela porta
aberta. Fico contente que Tyler ainda tenha capacidade de dar risada agora,
porque está fazendo tudo isso parecer bem menos assustador, e co contente
que ele não esteja mais pensando no pai. Está tudo bem agora. Em dez
minutos, não sei se ainda estará.
Tyler me segue, e assim que entro sinto cheiro de canela. Minha testa se
franze de preocupação só de pensar em minha mãe tentando cozinhar,
então largo a mala ao lado da porta e vou até a cozinha, observando as
bancadas em busca de alguma sobremesa catastró ca e deformada. Antes
que eu encontre alguma coisa, ela surge no corredor com Jack ao lado, e na
mesma hora paro de mexer nos armários. Vejo Tyler revirando os olhos para
mim.
– Então, Eden... – começa Jack, sorrindo para mim com seus dentes
brancos e brilhantes. Ao mesmo tempo, ele está mexendo no relógio de
pulso, ajustando o fecho, e percebo pelo cabelo bagunçado e úmido que deve
ter acabado de tomar banho. – Como foi Nova York?
– Incrível – digo, mas meus olhos vagam para as mãos da minha mãe.
Eu estudo seus dedos com atenção, vendo se algo importante aconteceu
enquanto estive longe. Mas não. Nada de aliança ainda. Suspiro.
Mamãe se vira para ele e pousa a mão no seu braço, com um sorriso
caloroso.
– Eles parecem meio cansados. Que tal um café? – Ela lança um olhar
atento para nós dois. – Acho que vocês precisam de uma dose da boa e velha
cafeína.
– Pode deixar comigo – diz Jack, esfregando o ombro dela antes de
passar por mim em direção à máquina de café.
– Tudo bem – digo rapidamente. Olho para Tyler e meneio a cabeça uma
vez logo antes de olhar para a minha mãe. – Não vamos car muito tempo.
Ainda não fomos ver o papai e a Ella, então ainda temos que passar na casa
deles. Na verdade, mãe, você pode só se sentar um segundo? Você também,
Jack.
Acho que minha voz trêmula deixa bem claro que há motivo para se
preocuparem, porque, no momento em que as palavras saem dos meus
lábios, seus sorrisos desaparecem, as sobrancelhas se erguem com
descon ança. Eles trocam um olhar cauteloso e depois me seguem até a sala
de estar.
– Ai, meu Deus – geme minha mãe, pressionando as têmporas. Até
Gucci vem do outro lado da casa, como se quisesse ouvir a notícia, roçando
pelas pernas dela. – O que aconteceu em Nova York? O que você fez, Eden?
Tyler se vira para mim com um sorrisinho reconfortante, e desta vez é
sincero. Ele tira a bolsa de viagem do ombro, deixando-a no chão, e depois
caminha até mim. Apoiando a mão nas minhas costas, ele me conduz para o
sofá em frente ao que minha mãe e Jack estão sentados. Também nos
sentamos. Quando ergo o olhar e me deparo com as expressões cautelosas
deles, cai a cha. Estamos mesmo prestes a confessar a verdade. Já zemos
isso antes. Dissemos a verdade para o Snake – ou melhor, mostramos a
verdade a ele –, mas contar para os pais é diferente. Ella e meu pai são os que
realmente importam, porque são os nossos pais, mas contar para a minha
mãe também é um grande passo.
– Eden? – insiste minha mãe. Ansiosa, ela prende de volta mechas de
cabelo no coque, antes arrumado. – O que foi? Você está me assustando.
Sei que, se eu car em silêncio por mais tempo, é provável que a mamãe
tire conclusões precipitadas. Vai achar que cometi um assassinato em Nova
York. Que roubei um banco. Que quebrei todas as leis já inventadas pela
humanidade. Então sei que preciso começar a falar logo. Tyler parece sentir
minha apreensão, porque se inclina um pouco para a frente, pousando a
mão no meu joelho e me apertando para chamar minha atenção. Troco um
olhar rápido com ele, que abre a boca, como se fosse falar por mim. Mas,
felizmente, ele não faz isso. Só assente. Nós dois sabemos que sou eu que
tenho que dizer a verdade para a minha mãe, e estou torcendo para que
Tyler se encarregue de contar para o papai e para Ella.
Baixo os olhos para Gucci, esparramada no chão aos pés de Jack,
ofegante. Engolindo o nó na garganta, solto o ar que estava segurando.
– O que precisamos dizer é realmente importante – começo, ainda
encarando o cachorro. A mão de Tyler continua no meu joelho. – Então, por
favor, tenha a mente aberta.
– Eden – diz ela. – O que está acontecendo?
Levanto o rosto. Minha mãe está de braços cruzados agora, a expressão
mais irritada do que preocupada. Até Jack está um pouco exasperado, como
se minha demora para revelar a verdade estivesse torturando os dois. Não
consigo evitar. É difícil forçar as palavras a saírem. Tyler aperta meu joelho
ainda mais.
– Tá bom – digo, mais como uma tentativa de convencer a mim mesma
de que consigo. Meu estômago está dando cambalhotas quando tento olhar
nos olhos da minha mãe, de tão difícil que é. Temo que eles se sintam
enojados e decepcionados. – Tá bom – repito.
Respirando fundo, pouso os olhos no ombro da minha mãe e me forço a
soltar de uma vez as palavras que sempre tive medo de dizer. Só quatro
palavras. Tão simples e de nitivamente a maneira mais fácil de expressar a
verdade. Então murmuro:
– Eu amo o Tyler.
Silêncio. Minha mãe e Jack apenas me encaram. Quero que eles digam
alguma coisa. Qualquer coisa. Frustrada com a falta de reação, olho para
Tyler em busca de ajuda, mas ele está ocupado demais franzindo as
sobrancelhas para sequer tentar fazer alguma coisa. Volto a olhar para
minha mãe e, tentando enfatizar minhas palavras, seguro a mão de Tyler no
meu joelho e me aproximo dele no sofá. Ainda nada.
– Sabe, estou apaixonada por ele – esclareço. Ela nem pisca. – Tipo, por
esse Tyler. Ele – acrescento, apontando o garoto ao meu lado em uma última
tentativa nal de ser clara. – Sabe, meu irmão postiço?
Finalmente, minha mãe se mexe. Ela abre a boca devagar, trocando um
olhar com Jack. Estou esperando que ela grite, exija que eu explique esses
meus sentimentos irracionais, mas, em vez disso, ela dá um empurrão de
brincadeira no ombro de Jack.
– Você me deve setenta dólares!
Jack geme, mas ri ao mesmo tempo, e os lábios da minha mãe se curvam
em um sorriso, e eu só co ali, parada, confusa. Agora sou eu quem está
esperando por uma explicação. Até Tyler esfrega o queixo ao meu lado,
tentando entender por que as pessoas sentadas à nossa frente estão rindo.
Rindo. Talvez minha mãe ache que estou brincando. Talvez ache que tudo
isso é uma piada.
Solto a mão de Tyler, balançando a cabeça, confusa.
– Mãe?
Seu olhar vai de Jack para mim, e sua risada diminui, mas o sorriso
permanece. Ela suspira e relaxa os ombros.
– Fizemos uma aposta – admite ela. – Cinquenta dólares que havia algo
entre vocês – continua, acenando para Tyler e para mim – e mais vinte
dólares se você nos contasse.
– O quê? – Arquejo, sem acreditar.
Até Tyler está rindo agora, mas ainda não compreendo. Não entendo
bem o que está acontecendo. Não entendo por que não estou levando uma
bronca.
– Eden, por favor – diz minha mãe, revirando os olhos e se abaixando
para coçar atrás das orelhas de Gucci. – Eu sou sua mãe. Percebo tudo em
você, especialmente como você olha para ele – murmura, tirando os olhos
do cachorro por um segundo e sorrindo para Tyler. – Sempre achei que era
parecido com o jeito que você olhava para o Dean. – Então ela para e se
ajeita no sofá. Seu sorriso vacila, e ela franze a testa de preocupação quando
um novo pensamento lhe ocorre. – Eden... e o Dean?
Sinto um aperto no peito só de ouvir seu nome. Ainda estou me
sentindo tão culpada. Tenho tentado não pensar muito nele, mas é difícil. É
difícil ignorar o fato de que eu o magoei. Sinto a bile subindo pela minha
garganta, mas engulo com força e respiro fundo.
– Ele sabe – murmuro, incapaz de encarar minha mãe. – Acabou. Ele
odeia a gente.
– Ah, Eden... – diz ela, os lábios contraídos em uma expressão de pena.
Ela deve perceber como meu rosto muda ao contar isso e sem dúvida deve
perceber que Tyler esfrega minha coxa para me consolar, porque suspira e
diz: – Sinto muito pelo Dean. Ele é um garoto legal. – Suas palavras me dão
vontade de chorar, e ela deve notar isso, porque logo tenta aliviar o clima. –
Então, a partir de agora, sempre que eu encontrar a Liz no supermercado,
vou ter que dar a ela aquele sorriso de minha- lha-partiu-o-coração-do-
seu- lho? Ou prefere que eu que de cabeça baixa e passe direto?
– Mãe – digo com rmeza. – Sério agora. Você realmente não liga?
Só para deixar claro de novo, aponto para mim e para Tyler.
– É claro que não é a situação ideal – admite ela –, mas saiba que, se
vocês levarem isso adiante, duvido que será fácil. Vocês vão encontrar
pessoas que não aprovam. Vão encontrar pessoas que não apoiam. Mas, por
mim, não ligo. Quem poderia te culpar?
Ela abre um sorriso deslumbrante para Tyler, os olhos brilhando ao
acenar para ele. É quase horrível, na verdade, considerando que ela tem
quarenta anos.
– Mãe! – reclamo, envergonhada. Quando olho para Tyler, ele está um
pouco corado, rindo baixinho, meio tímido.
E, como se para dar força ao que minha mãe disse, percebo que ele lança
um olhar intenso para ela. Não me surpreenderia se ele estivesse fazendo
isso de propósito. O Tyler é assim mesmo.
Jack dá um tapinha na coxa da mamãe e se levanta, balançando a cabeça
em sinal de desaprovação.
– Não sei vocês, mas eu de nitivamente preciso de café. E... Karen?
Fique longe dos adolescentes.
Com uma piscadela, ele dá a volta no sofá e vai para a cozinha. Gucci se
levanta e o segue.
Mamãe revira os olhos para Jack e depois se recosta no sofá, cruzando as
pernas.
– Então suponho que vocês não tenham contado para o seu pai e para
Ella ainda, certo?
– Ainda não – responde Tyler por mim, chegando para a beirada do sofá
e se inclinando um pouco para a frente. Ele pigarreia. – É isso que vamos
fazer agora.
– Vocês são corajosos – diz ela enquanto a cafeteira começa a apitar no
fundo. – Boa sorte.
– Vamos precisar – falo, sorrindo. Tirando a mão de Tyler da minha
perna, eu me levanto e seguro as mãos da minha mãe, puxando-a do sofá e
abraçando-a com força. Aceitação. De novo. Acho que nunca vou conseguir
superar essa sensação boa. – Obrigada, mãe. De verdade. Obrigada –
sussurro, en ando o rosto no seu ombro enquanto a abraço.
– Ei, eu aceito qualquer decisão sua, contanto que você esteja feliz – diz
ela. Quando se afasta de mim e recua, acho que está prestes a sorrir, mas
então sua expressão vacila. Ela segura meu pulso, examinando as palavras já
formando uma casquinha na minha pele. – Mas que merda é essa?
Abro um sorrisão e puxo meu pulso para longe. Eu me viro rápido e
puxo Tyler do sofá, quase deslocando seu ombro.
– Desculpa, mãe, temos que ir! – grito, puxando Tyler para a porta.
Eu o solto, correndo até a cozinha para pegar as chaves do meu carro
penduradas na parede, quase tropeçando na Gucci. Jack ergue as
sobrancelhas para mim, mas só dou de ombros e corro de volta para Tyler,
que está pegando sua bolsa de viagem do chão.
– Eden! – berra minha mãe, mas já estou do lado de fora.
– Sua lha é muito imprudente! – grita Tyler por cima do ombro, rindo
ao fechar a porta.
Ele ainda não parou de rir quando corre para me alcançar, seu olhar
suave. Nenhum de nós esperava que os últimos cinco minutos
transcorressem dessa maneira. Nenhum de nós esperava que fosse tão fácil.
– A seguir – digo, imitando um comentarista de TV –, o confronto nal.
Destrancando meu carro, corro para o lado do motorista e entro. É um
pouco estranho estar ao volante do meu carro de novo.
Tyler joga a bolsa no banco de trás e se acomoda no banco do
passageiro, com um sorriso torto nos lábios.
– Pense assim – diz ele enquanto fecha a porta. – Esta vai ser a última
vez que teremos que fazer isso.
– Não vejo a hora – comento, porque ele tem toda a razão. Depois de
contarmos aos nossos pais, não precisaremos mais contar a verdade para
ninguém. Todo mundo que importa já vai saber. Vai ser o m dos segredos.
Só de pensar nisso já é su ciente para me fazer sorrir enquanto manobro
para a rua, começando a curta viagem até a casa dos nossos pais. – Aliás –
acrescento –, desta vez quem vai falar é você.
Tyler ri de novo, recostando-se no banco enquanto coloca a mão na
minha coxa. Acho que ele faz isso sem nem perceber, mas, para mim, é uma
enorme distração.
– Não tem problema – diz ele. – É com o seu pai que estou mais
preocupado. Ele já me odeia o su ciente. Imagina quando souber que estou
dormindo com a lha dele.
Zombando, ele aperta minha coxa com mais força, e eu quase bato em
um carro estacionado.
– É, me faça um favor e não mencione isso para ele – murmuro,
lançando um olhar de advertência enquanto recupero o controle do veículo.
Estamos os dois sorrindo. Sabemos que meu pai seria capaz de matá-lo
se descobrisse. Ele nunca cava muito feliz quando eu passava a noite na
casa do Dean, e ele gostava do Dean.
– Então, como você quer que eu conte? – pergunta Tyler, girando o
corpo para me encarar enquanto dirijo. Está com uma expressão boba no
rosto, quase animada, então pigarreia teatralmente e gesticula. – Sr. Munro,
me permita usar um segundo do seu precioso tempo para informá-lo de que
tenho o maior tesão na sua única lha, que, a propósito, não é mais menor de
idade e pode tomar as próprias decisões – diz ele, a voz solene e brincalhona
enquanto adota um tom so sticado. – Além disso, David Munro, sua lha
teimosa, persistente, inteligente e linda tem uma bunda incrível.
Viro a esquina na Deidre Avenue, revirando os olhos. Ele está prestes a
cair na gargalhada, mas morde o lábio.
– E aí? – pergunta. – Você acha que ele aprovaria minha abordagem?
– Vamos pensar em outra coisa – digo.
Tyler nalmente desiste da piada, deixando escapar a risada que estava
reprimindo. Não consigo evitar de pensar em como isso é gostoso. Nós dois
rindo, apesar de tudo. Gosto de como conseguimos fazer piada com essa
história toda, mesmo que esteja longe de ser uma situação leve, e gosto de
que, apesar de estarmos a poucos minutos da casa, eu não me sinta nada
nervosa.
Segundos depois, passamos pela casa do Dean. É impossível ignorar
como a atmosfera no carro imediatamente pesa. Tanto Tyler quanto eu
olhamos para o lugar ao mesmo tempo, sem desviar o olhar nem por um
segundo ao passar. O carro do Dean está estacionado na rua. A caminhonete
do pai também – cujos pneus Dean e eu destruímos. Talvez se sentindo
culpado, Tyler tira a mão da minha coxa.
– Você acha que ele está aí agora? – pergunta ele com a voz baixa.
– Não sei – respondo.
Engolindo em seco, volto os olhos para a avenida à frente e continuo
dirigindo, pisando ainda mais no acelerador para deixar a casa do Dean para
trás o mais rápido possível. Eu me forço a não olhar para trás pelo retrovisor.
Só continuo dirigindo. A partir de agora, vou fazer um caminho diferente
entre a casa da minha mãe e a do meu pai. Um caminho que ignore
completamente a casa dele.
Já passa das nove, e o céu está cada vez mais escuro, mas nossa casa está
bem iluminada quando estaciono atrás do carro do Tyler na calçada. O
Lexus do meu pai e o Range Rover de Ella ocupam a entrada para
automóveis, como sempre, e os lhos estacionam em frente à casa. O BMW
de Jamie não está aqui, é claro, por causa daquele para-choque amassado
que ele mencionou.
– Acho que eles estão em casa! – brinco, indicando a casa pelo para-
brisa.
Todas as luzes possíveis estão ligadas, fazendo o lugar todo parecer uma
lâmpada gigante. Até a luz no quarto em que durmo quando passo a noite lá
está acesa, e por uma fração de segundo co estressada querendo saber por
quê.
– Ei, estou feliz que pelo menos meu bebê chegou aqui inteiro – diz
Tyler, apontando para o Audi com um sorriso de satisfação, abrindo a porta
e saindo.
Pegando a bolsa no banco de trás, ele corre até seu carro e o examina
minuciosamente, provavelmente procurando arranhões suspeitos que
possam ter ocorrido por algum erro de manuseio durante o transporte de
uma costa à outra.
Suspirando, desligo o motor e saio do carro, que parece um pedaço de
ferro-velho comparado ao do Tyler, e depois olho para a casa e para o meu
irmão postiço. Agora estou começando a car nervosa.
– Então, você vem?
– Aham – responde Tyler, um pouco distraído.
Ajeitando a alça da bolsa no ombro pela centésima vez hoje, ele dá um
tapinha no capô do seu amado carro e então se junta a mim no gramado.
Devagar, seus lábios se erguem em um sorrisinho e, exatamente ao mesmo
tempo, nós dois nos viramos e encaramos o que nos espera mais à frente.
Lado a lado, estamos prestes a enfrentar nosso maior medo dos últimos
dois anos. Foi uma longa jornada, difícil desde o início, mas é um alívio
saber que nalmente vai terminar. Nossos pais teriam que descobrir mais
cedo ou mais tarde. Levamos dois anos para aceitar a verdade e criar
coragem para admitir a quem mais importa, e agora que o obstáculo nal
está bem diante de nós, não podemos desistir.
Suspirando do meu lado, Tyler segura a minha mão e envolve meus
dedos com rmeza. Trocamos um olhar. Nós dois estamos sorrindo.
– Vamos nessa – diz ele.
31
Não sei que horas são quando acordo, e não sei há quanto tempo Tyler está
me cutucando, mas sei que levo um susto. Quase caio da cama de tanta
surpresa com o intruso no meu quarto, meu coração disparado.
Empurrando meu edredom, me estico para a mesa de cabeceira, procurando
o interruptor do abajur na escuridão. Finalmente encontro, e o canto do
meu quarto se ilumina com uma luz cálida.
– Meu Deus, Tyler – murmuro, soltando o ar e inclinando a cabeça para
a frente, com a mão na testa. Eu sei que falei para ele tentar entrar
escondido, mas caí em um sono tão pesado que esqueci totalmente. Não
estou acostumada a estar no meu quarto de novo, e com certeza não estou
acostumada com Tyler aqui. – Você quase me matou de susto – acrescento.
Tyler está de pé ao lado da minha cama, mas meio distante, e quando
sua gura alta se inclina sobre mim, seu rosto é iluminado pelo abajur. Isso
me faz perceber a mandíbula tensa, o nervosismo nos olhos e o nó na
garganta.
– Preciso falar com você agora – diz ele, baixinho.
– Sério? Você precisa falar comigo agora?
Segurando meu edredom com força junto ao peito, pego meu celular na
mesinha de cabeceira e olho a hora. São quatro e pouca da manhã, então
solto um gemido e me recosto nos travesseiros, revirando os olhos, irritada.
É aí que percebo que Tyler ainda está vestido, só que agora de jaqueta.
Tenho a sensação de que ele não está aqui para se deitar ao meu lado, então
me endireito na cama e me sento.
– Tyler?
Ele morde o lábio, parecendo nervoso, esfregando a nuca. Ao mesmo
tempo, se afasta ainda mais de mim, indo em direção à porta. A luz do
abajur na minha mesa de cabeceira não chega até lá, e o rosto dele ca
encoberto pela sombra, me impedindo de ver sua expressão quando ele diz:
– Preciso sair da cidade.
No começo não entendo. Suas palavras não fazem sentido e são tão
repentinas que não respondo de pronto. Ouço o silêncio da casa e encaro a
silhueta de Tyler perto da porta.
– Como assim? – pergunto.
– Estou dizendo que vou passar um tempo longe – responde Tyler.
Meu estômago se retorce em um nó. Agora estou bem acordada, e Tyler
tem toda a minha atenção. Um calafrio percorre meu corpo e me diz que
isso não vai acabar bem.
– Por quê?
Tyler solta um suspiro lento e profundo. Ele para ao lado da minha
cama, na luz, e sua sombra se move nas paredes.
– Tem coisa demais acontecendo agora – admite ele. – Eu preciso
entender tudo melhor.
Recostando-se na parede, ele para por um segundo para pensar nas
próximas frases que vai dizer, re etindo profundamente nas palavras certas
e em como dizê-las. Fico cada vez mais tensa.
– Sabe, eu não quero estar nem um pouco perto do meu pai. Não
consigo lidar com isso e acho que também não vou conseguir lidar com o
seu, porque acho que posso acabar batendo nos dois. – Outra pausa. Agora
estou começando a sentir frio, mesmo debaixo do edredom. A preocupação
cruza o rosto de Tyler e sua voz baixa para um sussurro quando ele
pergunta: – E se o seu pai estiver certo? E se eu acabar como o meu?
– Você não tem nada a ver com o seu pai, Tyler.
– Tenho, sim – argumenta, trincando os dentes. – Eu perco o controle
tão rápido quanto ele, e é isso que me assusta. Preciso sair da cidade, car o
mais longe possível dele.
– Vem para Chicago comigo – solto na mesma hora.
É o primeiro pensamento que me ocorre, e não é uma má ideia. No
outono vou fazer as malas e cruzar o país para morar na Cidade dos Ventos.
Percebo então que nunca pensei no que aconteceria em setembro, quando
eu me mudasse. Nunca considerei o fato de que Tyler e eu caríamos
distantes novamente. De repente, a ideia de Tyler vir comigo para Illinois é a
única coisa que desejo. Seria meio como fugir juntos. Meio.
Mas meu novo plano para nós dois logo é descartado. Curto e grosso,
Tyler responde:
– Não.
– Por quê? – pergunto, chateada e confusa.
Meu momento de animação chega ao m. Chicago já era.
Tyler fecha os olhos por um segundo e baixa a cabeça, encostando-se na
parede. Ainda tem uma aparência cansada, e estou começando a me
perguntar se ele sequer chegou a dormir. Quanto mais ele demora para
responder, mais nervosa co, e no m eu deveria mesmo car nervosa,
porque quando ele olha para mim de novo, seu rosto está contorcido,
deformado e magoado, e ele sussurra:
– Porque eu também não quero estar perto de você.
Devo ter ouvido errado. Preciso ter ouvido errado, porque no momento
em que a última palavra escapa dos seus lábios, dos lábios de Tyler, tudo
dentro de mim se agita. Meu estômago se revira ainda mais e minha voz ca
presa na garganta, surpresa com as palavras dele.
– Do que você está falando? – eu me forço a perguntar, com a voz fraca.
– Talvez você tivesse razão antes – responde ele, sem hesitar, falando
rápido e balançando a cabeça. – Talvez a gente não devesse car junto.
– Por que você está inventando isso agora? – exijo saber, a raiva
dominando cada centímetro do meu ser enquanto empurro o edredom para
longe e me levanto da cama.
Estou rezando, de verdade, para que isto seja um sonho. Tem que ser.
Tyler nunca diria isso.
Ele se afasta de mim quando chego perto, virando-se e se aproximando
da porta novamente. De costas para mim, sua voz rouca ousa me dizer:
– Não sei mais se quero isso.
É aí que tudo dentro de mim se despedaça. Meu coração para. Meus
pulmões colapsam. Minha garganta dói. Tudo, absolutamente tudo, de
repente dói. Desde a minha cabeça, que de repente parece pesada demais,
aos meus joelhos, que cedem lentamente, a ponto de eu ter que apoiar a mão
na parede para me estabilizar. Minha respiração acelera, e estou quase
hiperventilando enquanto tento entender o que está acontecendo.
– Você não acabou de dizer isso – murmuro.
– Sinto muito – responde Tyler na hora, se virando para me encarar.
Seus olhos estão sem vida, sem raiva, parecendo mais magoados do que
qualquer outra coisa, mas seu pedido de desculpas não soa nada sincero. Ele
não parece sentir nada. – Olha, tenho que ir.
Ele tira as chaves do carro do bolso e vai para a porta.
Embora me sinta paralisada, forço minhas pernas a se moverem e corro
até ele, parando na frente de Tyler, impedindo-o de abrir a porta.
– Não! Você não pode simplesmente ir embora assim! – grito,
exasperada com a brusquidão da cena e o raciocínio por trás daquilo. Até
agora Tyler não me deu uma razão para sua mudança de ideia repentina, e
isso só faz tudo doer ainda mais do que se ele simplesmente fosse honesto
comigo. – O que aconteceu com isso aqui, hein? – Empurro Tyler um passo
para trás e levanto o braço, esticando o pulso em frente ao seu rosto, minha
mão fechada com tanta força que as veias aparecem sob a tatuagem. – Você
disse que, se eu não desistisse, você também não desistiria! – Eu não me
importo de acordar minha mãe e Jack. No momento, eles são a última coisa
em que estou pensando. – E eu não desisti, então por que você está fazendo
essa merda?
Tyler aperta a ponte do nariz com os dedos, fechando os olhos e se
recusando a encarar as próprias palavras, gravadas na minha pele. É óbvio
agora que ele não acredita mais nelas, e ainda mais óbvio que sou uma idiota
por acreditar nele. Quando baixo a mão, sinto um soluço e tenho a sensação
de que vou vomitar a qualquer momento, então cubro a boca com a mão.
Mas não deveria ter feito isso, porque Tyler vê esse gesto como a
oportunidade perfeita para segurar meus ombros e me empurrar para o
lado. É exatamente isso que ele faz, para depois abrir a porta e partir sem dar
explicação.
Pelo visto acordamos Gucci, que está sentada no corredor do lado de
fora da minha porta, com os olhos brilhando, e Tyler tropeça nela, como se
nem percebesse sua presença. Gucci solta um ganido agudo e sai correndo.
– Tyler!
– Merda – murmura ele, rmando-se.
Ele para no corredor escuro, franzindo a testa, e depois segue para a sala.
Eu corro atrás dele, é claro, tentando pensar em algo, qualquer coisa, que
poderia dizer a ele para fazê-lo car ou pelo menos reconsiderar o que está
fazendo. Quando Tyler pega sua bolsa do sofá, digo as únicas palavras em
que consigo pensar.
– Por favor, por favor, por favor – imploro, a garganta tão seca que
começa a arder quando falo. Paro na frente dele de novo, mas está difícil
fazer contato visual, então espalmo as mãos no peito dele. – Por favor, não
faz isso. Você está chateado com tudo que aconteceu e está sendo irracional.
É só isso, Tyler – sussurro enquanto as lágrimas ameaçam cair, a voz
embargada. – Você nem tem um motivo real para ir embora assim. Se quer
mesmo deixar Santa Monica, é só vir para Chicago comigo. E não adianta
repetir que não quer mais car comigo, porque não acredito em você. Tudo
está indo tão bem... Sabe, a gente nalmente contou para todo mundo, Tyler!
A parte difícil passou! Aí de repente você decide isso?
Tyler está de olhos fechados de novo, porque parece ser a maneira mais
fácil de me evitar. Acho que não conseguiu olhar diretamente nos meus
olhos desde o momento em que me acordou. Ele abre a boca e solta um
suspiro. Então balança a cabeça devagar. E só. Sem resposta. Sem explicação.
Apenas o fraco aceno de cabeça que deixa claro que, não importa o que eu
diga, ele vai mesmo embora.
Tyler segura minhas mãos em seu peito, as aperta com força e as solta, e
estou tentando tanto não chorar que não tenho forças para impedi-lo. É por
isso que, quando ele se vira e atravessa a sala escura em direção à porta, eu
não faço nada. Não vou atrás dele. Nem me viro. Só olho para a parede, os
lábios tremendo quando as lágrimas jorram. Toco minha garganta e engulo
em seco, lutando contra o desejo de soluçar. Não quero que Tyler me ouça
chorar, mas, quando ouço a porta se abrindo, uma última onda de raiva me
domina, e sou forçada a me virar.
– Então irritamos nossos pais por nada? Magoamos Dean por nada? –
grito, trincando os dentes, minhas bochechas molhadas de lágrimas. Tyler
para e ouve. – Tudo porque você está se acovardando no último segundo?
– Não é isso – retruca Tyler, nalmente decidindo falar alguma coisa. Ele
olha para mim por cima do ombro, seus olhos tomados por uma emoção
que não consigo entender. – Só preciso de espaço por um tempo. Volto
quando estiver pronto.
– Mas eu te amo – sussurro, não porque acho que isso vai fazê-lo mudar
de ideia, mas porque quero que ele se lembre disso quando passar pela
porta.
– E eu preciso de você – solta Tyler. Isso me pega de surpresa,
considerando as circunstâncias. Isso contradiz tudo o que ele disse sobre
não querer mais car comigo, sobre desistir. – E esse é o problema, Eden. A
única razão para eu não ter quebrado a cara do seu pai hoje mais cedo foi
você. Não porque eu sabia que a coisa certa a fazer era ir embora. E sabe,
quando eu estava tentando largar a cocaína, só estava fazendo isso por você,
e não porque precisava parar para participar da turnê. É como se eu
precisasse de você para car bem, e não posso passar o resto da vida
dependendo de você assim. Eu preciso ser capaz de querer fazer a coisa
certa, por mim, e não por você, então preciso de um tempo longe. Preciso
saber que não vou car que nem o meu pai e, assim que tiver certeza disso,
eu volto. – Seus olhos estão inchados, como se ele estivesse lutando contra as
lágrimas, e a única coisa que consegue dizer por m são duas palavras
repletas de dor: – Eu prometo.
Sem mais qualquer explicação, ele apoia a cabeça no batente, respira
fundo e sai. Simples assim. Ele abre a porta, me lança um último olhar
desolado e sai. A porta se fecha sozinha atrás dele, e quando ouço aquele
clique horrível, a realidade me atinge com mais força ainda, naquele exato
momento: Tyler desistiu. E ainda não sei o real motivo.
A casa está escura e silenciosa e até um pouco fria, e co parada no meio
da sala de estar, entorpecida. Pelas frestas nas persianas, vejo Tyler entrar no
carro, bater a porta e dar a partida. Quando o motor ronca, sinto um nó na
garganta. Ele está mesmo indo embora, penso, e não há nada que eu possa
fazer para detê-lo. O carro se afasta pela rua tranquila. E ele vai embora.
Um gemido de dor escapa da minha garganta entre soluços enquanto os
faróis do carro iluminam as paredes da sala e desaparecem. Estou me
sentindo tão fraca que nem me aguento em pé, então me apoio na mobília
até chegar ao sofá, onde desabo, erguendo as pernas e apertando-as junto ao
peito enquanto tento controlar meus tremores excessivos. Não sei o que
pensar.
Quanto tempo Tyler vai levar para encontrar a própria força de vontade
e determinação? Alguns dias? Semanas? Meses? O que vou fazer enquanto
isso? Parar minha vida e esperar por ele? Infelizmente, isso não pode
acontecer. Agora vou ter que enfrentar meu pai e Ella sozinha. Vou ter que
lidar com Dean sozinha. Vou ter que lidar com Rachael e Tiffani sozinha.
Tyler me deixou para lidar com o nosso estrago sozinha. Era para ser nós
dois contra o mundo, Tyler e eu versus todo o resto. Agora sou só eu.
Do nada, ouço as patas de Gucci no piso de madeira enquanto ela se
aproxima de mim silenciosamente, ainda ganindo um pouco pela dor que
Tyler sem querer lhe in igiu. Ela sobe no sofá, cutucando meu joelho com o
focinho como se estivesse preocupada. Isso só faz mais lágrimas descerem
pelas minhas bochechas. Puxando-a para perto, eu a abraço e en o o rosto
nos seus pelos. Não se preocupe, penso, ele também me machucou.
Agradecimentos
Obrigada aos meus leitores que estiveram comigo desde o início e que viram
este livro crescer. Obrigada por tornarem o processo de escrita tão
agradável, e obrigada por carem comigo por tanto tempo. Obrigada a todos
na Black & White Publishing por acreditar neste livro tanto quanto eu. Serei
eternamente grata a Janne, por desejar que eu dominasse o mundo; a Karyn,
por todos os comentários e conhecimento transmitido; e a Laura, por
sempre cuidar de mim. Obrigada à minha família por seu apoio e sua
torcida in nitos, especialmente a minha mãe, Fenella, que sempre me levava
à biblioteca quando eu era mais nova para que eu pudesse me apaixonar
pelos livros; a meu pai, Stuart, que sempre me encorajou a ser escritora; e
por m ao meu avô, George West, por acreditar em mim desde o primeiro
dia. Obrigada a Heather Allen e Shannon Kinnear por ouvirem minhas
ideias e me deixarem falar sem parar sobre o livro, sem nunca me
mandarem car quieta, apesar de meu entusiasmo provavelmente ter
enlouquecido as duas. Obrigada a Neil Drysdale por me ajudar a chegar até
aqui. Obrigada, obrigada, obrigada. E, por m, obrigada a Danica Proe,
minha professora quando eu tinha onze anos, por ser a primeira pessoa a
me dizer que eu escrevia como uma escritora de verdade e por me fazer
perceber que escritora era exatamente o que eu queria ser.
Sobre a autora
editoraarqueiro.com.br