Etica Moderna

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Ética Moderna

Brasília-DF.
Elaboração

Paulo Renato Lima

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade ÚNICA
ÉTICA MODERNA.................................................................................................................................... 9

Capítulo 1
Conceitos iniciais................................................................................................................. 9

Capítulo 2
O idealismo alemão e a ética moderna........................................................................... 28

Capítulo 3
Experiência moral, liberdade e necessidade................................................................... 42

Capítulo 4
Ética cristã na modernidade............................................................................................ 47

Capítulo 5
Liberdade, o bem e o mal.................................................................................................... 62

Capítulo 6
Individuação moral e vontade......................................................................................... 72

Para (não) Finalizar...................................................................................................................... 79

Referências................................................................................................................................... 83
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
As questões ligadas à ética moderna se dão em diversos filósofos da modernidade, em
virtude disso, é perfeitamente admissível o fato de que seria improvável a abordagem
de todos de modo aprofundado. Destarte, existe a tentativa de proceder com uma
abordagem genérica de certa forma, porém especialmente densa em algumas concepções
filosóficas, especialmente as de Kant e Schelling.

A moral moderna, fundamentalmente em termos conceituais, se deu a partir do


Idealismo alemão, contudo, será possível descobrir e vislumbrar desde Descartes, no
Iluminismo, Renascentismo, antes disso na própria Reforma Protestante, as concepções
iniciais do desenrolar ético na modernidade.

A maior parte dos autores trata a ética moderna dentro do período de 1600 a 1800,
alguns anos antes alguns depois também são considerados dependendo do autor e suas
linhas filosóficas de tratamentos éticos modernos.

Decerto, o filósofo mais estudado, no mínimo genial em todos os pontos de vistas, é


Immanuel Kant; porém isso não significa que toda a ética moderna se resume a Kant,
tampouco ao próprio Idealismo alemão. Schelling (embora esteta e não moralista como
Fichte) está sendo redescoberto no Brasil – bem como nos Estados Unidos, muito
embora bastante estudado na Alemanha e alguns países europeus. Com efeito, seus
estudos não se importam bastante, uma vez que a filosofia kantiana, hegeliana e demais
abordagens éticas são notoriamente conhecidas, trataremos em alguma profundidade
as concepções complexas, éticas e filosóficas de Schelling em maior grau, a fim de
dar um olhar diferente para nosso curso, já que as demais concepções são facilmente
encontradas e já há muito tempo estudadas.

Inicialmente, trataremos das questões terminológicas de ética e moralidade, bem como


algumas concepções iniciais do surgimento da ética moderna a partir do relativismo
religioso. Abordaremos questões e concepções éticas dentro das eras filosóficas de
pensamentos sobre tal temática. As escolas de pensamentos serão vistas em maior grau
como leitura complementar, acreditando na incoerência e impossibilidade de tratar
com vigor todas elas em nosso material, uma vez que são também de fácil acesso.

Nos focaremos no Idealismo alemão e na ética moderna em geral, especialmente


reitera-se, nas concepções éticas schellingianas, da razão prática e teórica, sobre o
absoluto, o eu, a vontade, a liberdade, necessidade e assuntos concernentes à ética.

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Será destinado um capítulo para o tratamento da moral cristã, e algumas outras bases
éticas principalmente em Locke, Leibniz, Kierkegaard e Kant; considerando que o
porvir da ética moderna nasceu do rompimento da veia protestante com o catolicismo,
culminando em grande medida no Iluminismo, Renascimento, Capitalismo e demais
revoluções globais.

Sem embargos, diante do exposto, sugerimos ao aluno proativo não olvidar as sugestões
de leituras complementares, elas somente farão com que o conhecimento nesse campo
de estudos filosóficos aumente progressivamente, considerando que muitos deles serão
fundamentais ao crescimento e ao desenvolvimento de seus conhecimentos.

Objetivos
»» Estudar concepções e conceitos iniciais da ética moderna.

»» Estudar as principais percepções éticas em filósofos modernos.

»» Recrudescer temáticas do idealismo alemão e suas vertentes.

»» Elucidar concepções filosóficas de figuras proeminentes da ética, tal como


Kant, Hume, Hegel, Leibniz e Schelling.

»» Avaliar e estudar as principais abordagens da ética cristã.

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ÉTICA MODERNA Unidade ÚNICA

Capítulo 1
Conceitos iniciais

Ética versus Moral


É preciso, antes de tudo, conceituar as discrepâncias dos termos: ética e moral. De acordo
com Tugendhat em sua obra “Lições sobre Ética”, ele nos explica que as diferenças
não partem apenas da apelação da afirmação de que a ética é mais abrangente do que
a moral, tampouco existe tal elucidação, uma vez que para ele “soa como se a gente
quisesse perguntar sobre a diferença entre veados e cervos” (TUGENDHAT, 1996, p.35).

Ainda de acordo com o autor, um tipo de enunciado são aqueles que expressam juízos
morais, isto é, muito mais importa a discussão filosófica sobre o que representam as
terminologias do que de fato sua origem exegética. Contudo, é importante não deixar
dúvidas quanto a isso, considerando a utilidade e o forte uso dos termos.

Realmente os termos “ética” e “moral” não são particularmente


apropriados para nos orientarmos. Cabe aqui uma observação sobre sua
origem, talvez em primeiro lugar curiosa. Aristóteles tinha designado
suas investigações teórico-morais – então denominadas como “éticas” –
como investigações “sobre o ethos”, “sobre as propriedades do caráter”,
porque a apresentação das propriedades do caráter, boas ou más (das
assim denominadas virtudes e vícios) era uma parte integrante essencial
destas investigações. A procedência do termo “ética”, portanto, nada
tem a ver com aquilo que entendemos por “ética”. No latim o termo
grego éthicos foi então traduzido por moralis. Mores significa: usos e
costumes. Isto novamente não responde a nossa compreensão da ética,
nem de moral. Além disso, ocorre aqui um erro de tradução. Pois na
ética aristotélica não apenas ocorre o termo éthos (com e longo), que

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

significa propriedade do caráter, mas também o termo éthos (com e


curto) que significa costume, e é para este segundo termo que serve a
tradução latina (TUGENDHAT, 1996, pp. 33-34, grifo do autor).

Percebe-se então, que, se a ética está ligada, filosoficamente, à questão da índole, do


caráter, da própria natureza humana, e, moral está ligada ao costume desse caráter,
considerando aqui caráter como a soma dos hábitos humanos, inferimos que, um
padrão moral aceitável gera uma personalidade ética aceitável, do contrário, a ética é
então inviabilizada pela moral adotada pelo indivíduo, tornando-o alguém antiético.

Filosofia moral clássica e moderna


Segundo Sánchez Vásquez (2002, p. 279) “a ética moderna se cultiva na nova sociedade
que sucede à sociedade feudal da Idade Média e se caracteriza por uma série de
mudanças em todas as ordens”.

De acordo com Rawls (2005), a filosofia moral clássica é a filosofia grega antiga, uma
vez que, principalmente em Atenas e seus filósofos (Sócrates, Platão e Aristóteles)
bem como os membros das escolas estoica e epicurista, compõem essa era da
filosofia. À filosofia moderna o autor designa o período de 1600 a 1800, muito embora
seja possível incluir nela autores do século XVI, tal como Montaigne, uma vez que mais
tarde teve grande influência na ética.

Como conclusão, pois, diremos: os antigos se perguntavam acerca do


caminho mais racional para a verdadeira felicidade, ou para o sumo
bem, e inquiriam sobre a conduta virtuosa ou virtudes enquanto
aspectos do caráter [...] relacionam-se com o sumo bem, quer como
meios, quer como componentes, ou ambos. Ao passo que os modernos se
perguntavam primordialmente, ou ao menos em primeiro lugar, sobre
aquilo que se consideravam prescrições impositivas da justa razão, é
sobre os direitos, deveres e obrigações aos quais essas prescrições
davam origem. Só depois voltavam sua atenção aos bens que essas
prescrições nos permitiram buscar e apreciar (RAWLS, 2005, p. 4).

O autor nos dá basicamente três grandes períodos históricos que implicam à natureza
da filosofia moral, a saber:

1. A Reforma do século XVI, fragmentando a unidade religiosa da


Idade Média e conduzindo ao pluralismo religioso com todas as suas
consequências. Como Hegel reconheceu, o pluralismo tornou possível a
liberdade religiosa.

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

2. Desenvolvimento do estado moderno como sua administração


central. Em sua primeira forma e altamente centralizada, o estado era
governado por monarcas imbuídos de imensos poderes, que procuravam
ser o mais absolutos que podiam e só aceitavam compartilhar o poder
com a aristocracia e com as classes médias ascendentes quando eram
obrigados a fazê-lo, ou conforme lhes convinha.

3. Desenvolvimento da ciência moderna. Basicamente inicia-se no


século XVII. Por ciência moderna, o autor se refere ao desenvolvimento
da astronomia de Copérnico e Kepler e da física newtoniana; também é
preciso sublinhar o desenvolvimento da análise matemática (cálculo) por
Newton e Leibniz. Sem a análise, o desenvolvimento da física não teria
sido possível.

Rawls (2005, pp. 9-11) trata bastante da questão da profunda interferência da Reforma
e sua influência na ética medieval. No que tange ao cristianismo dessa época, ele
enumera cinco características importantes de que carecia a religião cívica grega:

1. Era uma religião impositiva, sua autoridade era institucional, com o


papado centralizado e quase absoluto, ainda que por vezes desafiado,
como no período considerado entre os séculos XIV e XV.

2. Era uma religião de salvação, um meio para a vida eterna, e a salvação


exigia a crença verdadeira tal como a Igreja a ensinava.

3. Era uma religião doutrinal, com um credo em que cumpria acreditar.

4. Era uma religião de sacerdotes dotados da exclusiva autoridade de


conceder os meio da graça, eles mesmos normalmente essenciais à
salvação.

5. Era uma religião expansionista, isto é, uma religião de conversão que não
reconhecia limites territoriais para a sua autoridade, senão o do próprio
mundo.

Com efeito, o autor assevera que filosofia moral clássica ao contrário da filosofia moral
da Igreja medieval não é resultado do exercício somente da razão livre e disciplinada,
mas sim havia grande subordinação à autoridade da Igreja e também era fortemente
praticada pelo clero e/ou por quaisquer ordens religiosas com objetivo de satisfazer a
Teologia Moral.

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Com grande frequência o termo syneidesis1 aparece nas cartas de Paulo. Posteriormente,
a reflexão escolástica definiu uma dupla concepção entre syndéresis como capacidade
originária de percepção dos valores (consciência habitual), e a aplicação desses valores
às situações concretas (consciência atual), de acordo com Azpitarte (1995, p. 196).
Ainda segundo o autor, “a obediência da lei aparecia então como o remédio mais eficaz
para a superação desses perigos”, perigos esses representados pela culpabilidade ou
não da consciência errônea.

Tal consciência, que na lei reside em todos os atributos objetivos e na norma última da
moralidade, aplicou-se de modo mecanicista à realidade humana antes de Cristo. Após
Jesus, tudo se tornou um tanto quanto mais complexo, “como então agradar a Deus e
fazer suas vontades se a lei mosaica e, portanto a Torah, tem validade direta somente
ao povo daquela aliança?”.

Ao contrário do que se pensa, em uma cosmovisão cristã, não se tem o laxismo no


cristianismo dentro de um sistema comparativo com a rigidez da lei, uma vez que tal
sistema se torna cada vez mais complexo em um emaranhado de suposições hipotéticas,
se toma como norte as Sagradas Escrituras e a vida de Jesus.

Sem embargos, faz-nos fulcra a diferenciação do legalismo, antinomismo e o


situacionismo. Nas palavras de Azpitarte (1995, pp. 205-206):

A relação lei-consciência poderia ser vivida segundo três estilos ou


modalidades diferentes. Para o legalista, a lei mantém sempre a
primazia absoluta, até quando a consciência não vê suficientemente
sua obrigatoriedade. A obediência ratifica a objetividade da decisão e
é o critério mais seguro para não cair no subjetivismo. O antinomista
anula a importância da lei e prefere seguir, ao menos em algumas
circunstâncias, os ditames de sua consciência, até com o risco de
equivocação. Ele prefere sacrificar a objetividade da lei ao seu próprio
juízo e autonomia. E, entre ambos os extremos, o situacionista –
eliminando o sentido pejorativo e antinomista que teve em seus
primeiros tempos – aceita a validade e a obrigatoriedade da lei, mas
a subordina, em algumas ocasiões, às exigências mais altas de sua
consciência, quando se vê diante dos valores mais importantes, que
pedem cumprimento prioritário [...]. Assim, ainda que defendamos
uma posição intermediária, não há dúvida de que a deontologia tem
tendência maior para o legalismo, enquanto a teleologia se inclina
mais para o subjetivismo, se bem que ambas pretendem superar seus
próprios riscos.
1 Consciência.

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Moral, a pluralidade e o relativismo religioso


Decerto a ética cristã não possui influência apenas bíblica, uma vez que se considerarmos
a infalibilidade das Escrituras Sagradas e a falibilidade interpretativa subjetiva
antropológica dessas. Portanto, concretamente, houve ação direta de costumes, crenças
gostos e modos de vida, expressões populares e artísticas, conhecimentos seculares e
ocultos, tradições dos mais diversos fins, civilizações pseudoprimatas, sistemas sociais
e instituições sagradas ou pagãs, culturas greco-romanas e greco-latinas, ocidentais,
africanas e modernas em todo o sistema religioso cristão.

A avaliação ética cristã não independe completamente da ação de interferentes externos,


daí surgem as frequentes injustiças e incompreensões nos elementos de juízos trazidos
à nossa vida cotidiana. O fato de residir em Deus os valores morais objetivos, para
o cristão e tão somente em uma cosmovisão do cristianismo, exacerba que somente
nas Sagradas Escrituras e na busca pelo Cristo ressurreto, faz-se possível a ocorrência
correta de julgamento ético e moral humano.

Azpitarte (1995, pp. 161-162) nos dá um panorama geral:

As normas constituem, com efeito, os instrumentos concretos para a


consecução de qualquer objetivo ético, e, por estarem vinculadas aos
fatores complexos da realidade, a possibilidade de mudança se torna
maior. As condições históricas e culturais de cada época ou povo
produzem uma variedade de expressões que buscam a defesa de um
mesmo valor e são a melhor maneira de protegê-lo, de acordo com as
circunstâncias, conhecimentos e sensibilidade da época [...]. A análise
das “constantes históricas” nas diversas épocas e culturas elimina em
grande parte a impressão desconcertante de relativismo absoluto.

Muito embora a verdade possua caráter definitivamente absoluto, em si mesma, o ser


humano não consegue chegar a ela de forma absoluta, sempre há um entrave que o
separa dessa verdade, a consciência pré-reflexiva aprimora o pensamento humano,
porém de modo progressivo e intermitente. A ética margeia o subjetivismo por diversos
fatores que interagem com o ser, e desse modo inalcançável se faz o absoluto verdadeiro.

A ética normativa aduz ao que é moral e justo, o caminho a se trilhar, as normas objetivas
de orientação trazidas ao longo da história, contudo, a reflexão casuística se faz maior,
dada a enormidade da complexidade da vida.

O aspecto deontológico da norma está inserido na natureza de alguma função ou estuda


o significado de determinada faculdade (tal relação nos faz importante para termos

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

uma clara e correta interpretação dos modelos bioéticos e seus respectivos problemas,
posteriormente em nosso material).

Existem três elementos que são tidos como tradicionais os quais influenciam a
moralidade dentro de uma perspectiva religiosa: a natureza, o fim e as circunstâncias.

Azpitarte (1995, pp. 176-177) nos informa um pouco mais sobre tal contextualização do
bem moral:

O bem moral consiste então em se discernir com lucidez e objetividade


qual é a alternativa que se apresenta como a mais humana evangélica:
defender o valor que se consegue com a ação, apesar de suas
consequências negativas, ou deixar de fazê-la, para se evitarem os
males que se julgam mais importantes do que a não consecução do
valor desejado. O que é decisivo para o bem ou para o mal moral é a
referência dessa ação polivalente à realização humana e sobrenatural
da pessoa. Essa capacidade máxima de humanização cristã, dentro do
possível, a qual encerra determinado comportamento, é que converte
em tolerável o que, em outras circunstâncias, seria condenado como
ilícito.

Existiriam, dentro do julgamento da eticidade, consequências morais ao ser? Qual valor


se deveria, portanto, buscar acima de tudo? Perguntas as quais o modo de ver secular,
dentro de um contexto cristão, dificilmente teria respostas, pois se não há um Deus
onde residem os valores morais objetivos, segue-se que a consequência de qualquer ato,
independente da sua objetividade, é tido como subjetivo.

E essas são as defesas de Kant – e em certa medida em Descartes – em favor da existência


necessária de Deus.

Kant e Hume

As “críticas kantianas” (“Crítica da razão pura”, de 1781 e “Crítica da razão prática”, de


1788) são tidas como fundamentais para a celeuma ética moderna, como é notório. O
cerne do pensamento kantiano é a autonomia da razão, pois age moralmente aquele
que é capaz de se autodeterminar. Então perguntas como: “O que devo saber?”; “O que
devo fazer?”; “O que é lícito esperar?”; “O que é o homem?”; são retomadas em Kant, no
que tange à concepção das ideias metafísicas, morais, religiosas e antropológicas, sendo
que convergem todas para a antropologia como questões últimas da ética.

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Marcondes (2007, pp. 94-95) encontra em “Fundamentação da metafísica dos costumes”,


de Kant, o princípio fundamental racional ético kantiano sobre o imperativo categórico,
onde, de acordo com esse conceito, “os deveres morais são válidos incondicionalmente,
isto é, princípios que não admitem exceção.”

Kant não se utilizou do termo restrito e técnico moralis, na visão de Tugendhat, mas
sim de mores, como pretensa tradução da palavra grega. Dentro da razão existem
algumas regras (os imperativos de Kant) assim como no jogo de xadrez, você até pode
jogar do jeito que quiser, mas estará jogando qualquer coisa, menos xadrez, contudo
não podemos afirmar que alguém é imoral ou também irracional, uma vez que, dentro
de tais pensamentos, simplesmente ele não está jogando conforme as regras.

Vejamos o quadro abaixo de maneira que possamos consolidar as ideias:

Quadro 1. Conceituações.

Moral Tem a ver com “ter de” fazer/não fazer... “deve”, “para quê?” fazer/não fazer...
Juízos Morais Tem a ver com o “bom” ou “ruim”.
Tem a ver com a filosofia da moral e seu sentido. Possui argumentos universais onde o que é ético para um grupo, pode não
Ética
ser para outro. Espécie de doutrina do caráter.
Fonte: adaptado de Tugendhat (1996).

O Iluminismo moderno, de modo geral, tem trilhado dois caminhos, a saber:

»» O primeiro deles está relacionado a David Hume, onde, em sua


concepção filosófica, simplesmente precisa fazer uma junção sistemática
supostamente a qual todos aprovam ou criticam, deixando de lado toda a
pretensão de fundamentação.

»» A segunda linha, dentro de concepções kantianas, é vista somente como


uma consciência moral, a qual deve ser fundamentada.

Muitos críticos discordam da analogia que é feita da fundamentação absoluta peripatética


de Kant, com critérios absolutos que se devem satisfazer, como àquele guiado pelos
estatutos absolutos divinos.

A proposta então, em Kant, é a de que como se deve entender o bem, desse modo, para o
filósofo prussiano o bem reside no fato de ser bom, o que para Aristóteles esse bom tem
a ver tão pura e simplesmente com a felicidade subjetiva de cada um e ainda, na visão
aristotélica, ética está sujeita à política.

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Kant não aceita a posição de Hume sobre o problema radical da solução entre a ciência
moderna e a religião tradicionais frente às crença morais, assim como também rejeita
as concepções de Espinosa (ou Spinoza em Espanhol).

A Kant também não causa transtornos à diversidade e aos conflitos


entre nossos juízos morais; eles supõem que aquilo que denomina
“razão humana comum” (gemein Menschenvernunft), que todos
compartilhamos, julga mais ou menos da mesma maneira [que Hume];
nem mesmo os filósofos podem ter princípios (morais) diferentes
daqueles próprios à razão humana ordinária. E novamente como Hume,
para Kant a ciência e moral estão no mesmo nível: se para Hume ambas
envolvem formas de sensação e sentimento, para Kant elas são formas
da razão, uma teórica, e a outra, prática (pura). Evidentemente, isso se
opõe fundamentalmente ao ceticismo de Hume; no entanto, a questão
é que, em contraposição às visões modernas – o positivismo lógico
de Viena, por exemplo – que consideram a ciência como racional e a
moral como não racional, Kant, bem como Hume, não eleva a ciência
em detrimento do pensamento e do juízo moral (RAWLS, 2005, p.19).

Em John Locke, um contratualista, temos que os juízos morais, bem como as ações
individuais são diretamente afetados por basicamente três instâncias avaliativas:

»» A lei divina – julgamento: pecaminoso ou respeitoso.

»» A lei civil – julgamento: criminoso ou inocente.

»» A lei de opinião – julgamento: virtuoso ou pecador.

Deus não é necessariamente, para Locke, o único fundamento da teoria moral, uma vez
a existência de Deus é um dos fundamentos da moral, considerando que a origem da
criação é divina. O enunciado ‘Deus existe’ reclama a fundamentação da moral.

Deus então, em Locke, é um princípio lógico de raciocínio – assim como bem


apresentado pelo lógico metafísico Alvin Plantinga – o qual leva a uma causa necessária
e não contingente do universo, onde ela, mesmo existindo, não é suficiente na garantia
de uma regra inata de ação universal.

Tugendhat nos traz um breve resumo do modo como as diversas posições filosóficas
modernas compreendem o ser-fundamentado de um juízo moral:

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Quadro 2. Posições filosóficas sobre o ser-fundamentado.

Hume A pergunta, pelo ser-bom, é respondida exclusivamente com recurso à efetiva aceitação geral.
Kant O ser-bom deve ser fundamentado absolutamente com recurso a uma razão com “R” maiúsculo.
Dá uma base à ética, que a fundamenta não como ela é compreendida – como obrigação –, e trata-se aqui também
Schopenhauer apenas de um fundamento e não de uma fundamentação (os juízos morais não têm, em Schopenhauer, uma pretensão
de fundamentação; a palavra “bom” desaparece).
Anuncia uma fundamentação em um ser-bom relativo para cada um. Não podem existir no contratualismo, sendo ele
Contratualismo consequente, juízos de valor com pretensão de fundamentação, mas fundamenta-se (apenas) porque é bom para o
indivíduo seguir tais regras.

Fonte: adaptado de Tugendhat (1996, pp. 82-83).

Por fim, retomando Rawls (2005, p. 13) temos em sua obra as seguintes escolas da
filosofia moral moderna:

»» Escola do Direito Natural:

›› Francisco Suarez (1548-1617): “Da lei e de Deus Legislador”, de 1612.

›› Hugo Grócio (1583-1645): “Sobre a lei de guerra e paz”, de 1625.

›› Samuel Pufendorf (1623-1688): “Sobre a lei da natureza e das nações”,


de 1672.

›› John Locke (1632-1704): “Ensaio sobre o entendimento”, de 1690 e “A


razoabilidade do cristianismo”, de 1695.

»» Escola do Senso Moral:

›› Terceiro Conde de Shaftesbury (1671-1713): “Investigação sobre a


virtude ou o mérito”, de 1711.

›› Francis Hutcheson (1694-1746): “Investigação da origem de nossas


ideias de beleza e virtude”, de 1725.

›› Joseph Butler (1692-1752): “Quinze sermões”, de 1726.

›› David Hume (1711-1776): “Tratado da natureza humana”, de 1739-


1740 e “Investigação sobre os princípios da moral”, de 1751.

»» A Linha Alemã:

›› Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716): “Discurso”, de 1686 e


“Teodiceia”, de 1710.

›› Christian Wolff (1679-1754): “Vernünftige Gedanken von Menschen


Tun und Lassen”, de 1720.

17
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

›› Christian August Crusis (1715-1775): “Anweisung vernünftig zu


Leben”, de 1774.

›› Immanuel Kant (1724-1804): “Grundlegung”, de 1785 e “Crítica da


Razão Pura”, de 1788.

›› Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831): “Filosofia do direito”, de


1821.

»» Os Institucionistas Racionais:

›› Samuel Clark (1675-1729): “Discurso sobre as obrigações inalteráveis


da religião natural”, de 1705.

›› Richard Price (1723-1791): “Exame das principais questões da moral”,


de 1758.

›› Thomas Reid (1710-1796): “Ensaio sobre a faculdade ativa do Espírito


humano”, de 1788.

Pensadores da ética e correntes de


pensamentos
É importante esboçar um breve panorama dos filósofos e seus respectivos pensamentos
sobre ética. Para que o assunto não fique maçante, mas de uma maneira didática
recorramos a um “quadro do tempo” a fim de elucidarmos de modo mais claro quando
e o que pensavam as principais mentes que tratam da temática de nosso interesse nesse
material:

Quadro 3. Filósofos e pensamentos éticos.

NA FILOSOFIA CLÁSSICA
Sócrates via leis absolutas na mente universal, e por isso concebia princípios morais imutáveis, sem ter de apelar
para qualquer revelação divina. Ele tinha certeza disso e ainda afirmava que a ética é uma virtude e como tal, para
SÓCRATES
Péricles, não pode ser ensinada. Ele condensava o conhecimento como virtude máxima das virtudes temperança,
fortaleza, justiça e sabedoria. Foi o fundador da Filosofia Ética.
Acreditava que os padrões éticos se derivam do mundo espiritual dos universais e não mediante as experiências
PLATÃO desse mundo físico. A sua ética, pois, estava calcada sobre valores do outro mundo. Contribuiu relativamente pouco
para a definição de moral.
Localizava a conduta humana nesse mundo, para benefício da vida nesse mundo. A felicidade eudaimonia era o
seu alvo. Ele dizia que esse alvo seria atingido quando cada pessoa desenvolvesse a sua função particular, com
a qual pudesse servir a si mesma e à sociedade. Toda conduta, para ele, deveria ser governada pelo princípio da
ARISTÓTELES
moderação, o imortal princípio grego. Para Aristóteles a ética é subordinada à política e o bem supremo humano
é a busca da felicidade. Portanto, não seria uma ética ou teoria moral, mas uma teoria da felicidade, considerando
como alicerce o prazer e o gozo, estudados massivamente por filósofos contemporâneos.

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

NA FILOSOFIA ANTIGA
Representante do hedonismo grego, enfatizava os prazeres; mas visava especialmente, se não mesmo
exclusivamente, os prazeres mentais, e não os carnais. Nessa cosmovisão, o prazer carnal é a causa da ansiedade
EPICURO e do sofrimento, sendo que, ao contrário do pensamento aristotélico, a vida se resume à busca pela vida virtuosa,
pois nesse sentido sim, faz-se um meio para se chegar à felicidade, portanto, a mortificação do corpo regia o
pensamento do hedonismo.
NA FILOSOFIA MEDIEVAL
Embora Agostinho possuísse suas raízes platônicas, como absolutista não qualificado2, foi um dos mais importantes
mestres de teologia de todos os tempos. Agostinho de Hipona insistia na necessidade de regeneração para que o
homem fosse capaz de seguir uma conduta ideal, uma vez que o homem não regenerado se torna completamente
incapaz de seguir uma conduta correta aos olhos de Deus. Como é óbvio, ele seguia cegamente as ideias paulinas.
Agostinho aprovava certa dose de ascetismo, como um meio de disciplina, a fim do crente poder servir mais
AGOSTINHO
perfeitamente a Deus. Contudo, a moderação, o grande ideal grego, que também é representado nas epístolas
paulinas, com frequência é melhor do que a abstinência. Agostinho não concordava com Pelágio, que dizia que
Deus nos criou humanos, mas que nós mesmos nos tornamos retos. Antes, ele descobria esse princípio no poder
de Cristo, na regeneração, por meio do princípio da graça divina. Ainda afirmava que a doutrina da fé é a mais
perfeita, pois se assemelha ao conhecimento divino.
Misturava as ideias de Platão, Aristóteles e Agostinho, introduzindo ainda o motivo da lei natural. Mas,
principalmente, Aquino usava, adaptava e modificava as ideias de Aristóteles. Em sua abordagem ética geral, na
Suma Teológica, ele aborda a felicidade, a virtude, as ações e emoções humanas. Ele deu ao catolicismo romano
TOMÁS DE AQUINO sua teoria ética básica, onde ele também depende em muito de Aristóteles.
O homem possui livre-arbítrio, podendo fazer escolhas genuínas, pelas quais também se torna responsável. A
vontade de Deus é ativa quanto ao homem, e o ajuda a fazer as escolhas certas. Sem isso, o homem nada poderia
fazer. Contudo, há um esforço cooperativo envolvido em toda a ética. O homem não é um autômato.
Ele acreditava que se pode obter certa dose de conhecimentos, mas sentia que, para tanto, é mister o estudioso
ultrapassar os limites do ceticismo. Seu alvo era desenvolver uma filosofia que conferisse um perfeito conhecimento
e uma conduta ideal, servindo de meio para ajudar no progresso das ciências. Ele procurava criar um sistema que
DESCARTES
possuísse a certeza da matemática, e não dependesse dos sistemas escolástico e dogmático. Desconfiava do
método empírico de obter conhecimentos, no que dizia respeito à obtenção da certeza no conhecimento, e preferia
aplicar o racionalismo.
A obtenção da sabedoria é um dos fatores importantes da ética de Spinoza. Para ele, a ética depende de leis fixas,
e não da tentativa humana de constituir sistemas que dependam de fatores variáveis em constante mutação. A ética
seria algo tão fixo como a geometria e as leis do mundo físico. Os princípios éticos são atingidos mediante a razão,
a intuição e as experiências místicas. Esses princípios são descobertos por esses meios, e não produzidos por eles.
Quando um homem é governado por suas paixões, é apenas um escravo. A pessoa verdadeiramente boa é alguém
capaz de controlar sua vida e suas circunstâncias. A sabedoria nos liberta, e a sabedoria é a essência da bondade
SPINOZA de Deus. O indivíduo é um modo de Deus. Deus é conhecido no pensamento puro; e quando chegamos a isso,
também temos a moralidade de Deus. Não existem em Deus o bem e o mal, o certo e o errado; mas o homem,
em sua experiência corrompida das coisas, força essas ideias sobre Deus. A bondade, a maldade, o certo e o
errado existem somente em relação aos interesses humanos. As coisas que tendem por nos beneficiar são boas;
e as coisas que tendem por nos prejudicar são más. O maior bem, para o homem, consiste no autocumprimento,
na direção do amor de Deus. Albert Einstein se inclinava para as concepções de Spinoza como a nenhum outro
filósofo.

NA FILOSOFIA MODERNA
Não se preocupava com as limitações salientadas por Kant, mas supunha que em sua tríade – tese, antítese
e síntese – ele podia discutir de forma inteligente os problemas éticos. Alterou significativamente a filosofia do
HEGEL Idealismo alemão. Pensava que com a dialética podia mostrar como o Espírito absoluto manifesta-se de forma
ética. A principal tríade hegeliana, sobre a moralidade, tem como sua tese, propósito, como sua antítese, intenção e
bem-estar, e, como sua síntese, bondade e iniquidade.
David Hume mesclava o conceito de senso moral de Hutcheson com a simpatia (um outro nome para o amor),
HUME
com o hedonismo e com o utilitarismo como diretrizes.
Kant estabeleceu o seu imperativo categórico, ele promoveu uma regra ética que reside na razão humana, sem
qualquer apelo ao ser divino. Nunca se deve fazer qualquer coisa que não se queira tornar em uma lei universal.
KANT
Kant acreditava na existência de leis universais, absolutas e éticas, as quais podem ser compreendidas pela razão e
pela intuição humanas. Deve-se fazer qualquer.

2 Veja Capítulo sobre Sistemas Éticos.

19
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Rejeitava a ideia inteira de que pode haver uma síntese que ultrapassa toda antítese. Antes, muitas grandes
questões terminam em paradoxos, nos quais o intelecto humano fica inteiramente perplexo, derrotado por qualquer
tentativa de chegar a uma definição final e a uma compreensão última. O Deus homem, na pessoa de Jesus, é um
KIERKEGAARD
exemplo disso. Os paradoxos fazem os homens se aproximarem da fé, afastando-os da pura racionalidade. Um
homem corresponde internamente a uma pergunta, e é dotado de discernimento intuitivo, mas não é capaz de dar
solução aos grandes paradoxos.
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
A dialética de Hegel (com suas tríades) foi modificada por Marx a fim de obter dali uma filosofia para suas teorias
políticas. Marx preferia pensar que esse mundo é guiado por fatores econômicos. Assim, as forças espirituais foram
KARL MARX substituídas por um materialismo mecânico. E essa mecânica envolveria uma tríade. Marx reduziu um princípio
espiritual a tríades materialistas, assim também a chamada Teologia da Libertação reduz a teologia cristã a uma
sociologia materialista, tipo marxista. Influenciou diversos movimentos deterministas.
Objetava às regras éticas, eternas e fixas, postuladas por Kant. Para ele, os nossos processos de aprendizagem
não passam de expedientes práticos para manipular as situações humanas. Não há casos idênticos na natureza,
NIETZSCHE pelo que a ética estaria sempre em estado de fluxo, de constante flutuação. Usamos a nossa inteligência para fazer
avaliações e para agir de acordo com ela. Nietzsche ensinava a força da vontade, traduzida em uma excelência
acima do normal quanto às definições do bem e do mal. Para ele, esse seria o alvo dos sábios.
A ética de Freud estava inteiramente assentada sobre o homem. Freud desenvolveu uma hipótese sobre a natureza
humana. A psicoterapia precisa levar em conta vários níveis da consciência humana. Os elementos da psique são
o Id, o Ego e o Superego. Freud antecipava o fim das religiões, uma vez que a humanidade chegasse a ultrapassar
seus preconceitos, projeções e falsa maturidade infantis. Com o tempo, o positivismo lógico de Comte tomou conta
FREUD
da mente do jovem cientista. Os padrões do homem residiriam essencialmente em seu Superego, de onde partem
repressões, nada tendo a ver, necessariamente, com a verdade. Os padrões morais seriam criações humanas; e
uma consciência perturbada surgiria simplesmente porque não vivemos à altura dos ilusórios padrões estabelecidos
pela sociedade.
Para Weber a ética da convicção não é necessariamente religiosa3: uma vez que se caracteriza essencialmente
pelo compromisso com um conjunto de valores associados a determinadas crenças. A ética da responsabilidade,
WEBER por sua vez, valoriza, sobretudo, as consequências da ação e a relação entre meios e fins, com base nas quais
um ato deve ser julgado como bom ou mau. Elas podem entrar em conflito, desse modo uma decisão deve ser
tomada e uma das duas, prevalecer. Weber foi um defensor da ética da responsabilidade.
O filósofo existencialista opinava que a ética cristã precisa reter elementos reflexivos, dialéticos e paradoxais, uma
PAUL TILLICH
vez que, afinal de contas, a ética cristã faz parte da teologia, e a teologia encerra esses elementos.
Desenvolveram a conhecida teologia dialética, como reação que tomou forma contra os conservadores, bem como
KARL BARTH E EMIL os liberais, os quais insistem em fazer assertivas não qualificadas sobre Deus (veremos mais sobre esse contexto
BRUNNER adiante). Para Brunner, a fé ocupa lugar primordial, tal como dizia Kierkegaard, visto que os objetos da fé com
frequência parecem absurdos e paradoxais. Desse modo, a própria revelação divina é paradoxal.

Fonte: adaptado de Bentes e Champlin (1995).

Se fôssemos tratar dos filósofos, que se preocupam com nossa temática, em poucas
palavras, atribuiríamos a Rousseau a moral do coração, a Kant o imperativo categórico,
enquanto que a Hegel a moral como construção histórico-cultural; a Nietzsche a
genealogia da moral e a Sartre a questão da liberdade.

Jean Jacques Rousseau (1712-1778) era um filósofo contratualista, cujas ideias


inspiraram a Revolução Francesa e os processos de independência das colônias do
continente americano. Tratou especialmente sobre a liberdade natural e a igualdade
entre as pessoas. Portanto, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

Embora diferente de Kant, Rousseau tenta buscar a resolução da mesma dificuldade,


a saber: explicar por que o dever e a liberdade da consciência moral são inseparáveis e
compatíveis. Isto é, ambos consideram o dever como alguma coisa que nasce de nosso
3 Muito embora em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” Weber usa de maneira prolongada e vasta a definição sobre
o protestantismo e o cristianismo, considerando o Sermão do Monte o cerne da cultura cristã. Afirma que “o único resultado
ético eram, pois, algo de negativo: a submissão dos deveres seculares ascéticos da situação existente” (WEBER, 2008, p. 46).

20
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

interior – no coração (em Rousseau) e na razão (em Kant) –, desfazendo, com isso, a
impressão de que ele nos seria imposto de fora dentro, por alguma vontade que não a
própria.

Em “A Crítica da Razão Pura”, onde Kant traz os princípios da ação moral, a ação
do homem em relação aos outros e a conquista da felicidade, também diferente de
Rousseau, não concebe a bondade natural do homem, mas a razão como meio para se
tornar bom.

Em Hegel temos a procura da explicação do dever imposto pela cultura. Ele faz críticas
a Rousseau e a Kant, especialmente pelo fato de atentarem-se à relação entre o sujeito
humano e a natureza do que à relação entre o sujeito humano e a cultura ou história.
Para Hegel, as relações sociais e culturais é que determinam as relações pessoais.

De acordo com ele, somos seres históricos e culturais. Isso significa que, além de nossa
vontade individual subjetiva, existe outra vontade, muito mais poderosa, que determina
a nossa: a vontade objetiva, inscrita nas instituições, nos valores sociais, na cultura.

Interpreto Hegel como um liberal reformista moderadamente


progressista, e vejo seu liberalismo como um exemplo importante,
na história da filosofia moral e política, do liberalismo de liberdade.
Também são exemplos Kant e, de modo menos evidente, J. S. Mill
[...]. Hegel considerava que sua visão da sociedade civil era de grande
importância; isso por si só o distingue de outros escritores. A sociedade
civil, como ele a pensava, era nova para o estado moderno e caracterizava
a própria modernidade. Sua visão é característica no sentido de que
muitos aspectos daquilo que havia sido pensado como elementos da
sociedade civil.

(RAWLS, 2005, p. 395)

Enquanto que, para Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980) – filósofo


existencialista que desempenhou um papel ativo na sociedade, uma vez que apoiou
causas políticas de esquerda –, a existência precede a essência. O homem primeiramente
nasce e existe, e só depois se define. Não há natureza humana, e não há um Deus criador
para se conceber.

De modo oposto aos pensamentos do ateu Sartre, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-
1716) procura sempre conciliar a fé cristã, buscando “explicitar que ela é plenamente
compatível com a crença razoável”. John Rawls (2005, pp. 123-128), em “História da
filosofia Moral” continua:

21
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

A fé é defendida pela ideia de que, do ponto de vista da própria fé, as


objeções suscitadas contra ela se mostram não razoáveis ou incoerentes.
Para afirmar a fé, não é preciso provar suas crenças. Em lugar disso,
é suficiente refutar as objeções, e, para tanto, basta asseverar certas
possibilidades que evidenciem que as objeções podem ser falsas. Isso
estabelece que as objeções não são conclusivas, e a fé, então, se mantém
[...]. Uma das características de sua visão [...], é que ela é uma ética
da criação: especifica princípios que residem na razão de Deus e que o
conduzem a escolher o melhor de todos os mundos possíveis, o mundo
que mais convém criar. Para Leibniz, Deus é absolutamente perfeito
(Discurso: § 1), e Deus agiria de maneira imperfeita se agisse de modo
menos perfeito do que é capaz de agir (ibid.: § 3) [...] Não pretendo de
modo algum fazer uma crítica de Leibniz. O perfeccionismo metafísico
pluralista é uma doutrina moral possível. Sem dúvida, a ética da criação
é um cenário natural para ele.

Se não existe Deus, então tudo é permitido, e o indivíduo pode fazer o que bem entender.
Ou seja, não existe padrão moral, não há nada em que o homem possa se basear, a não
ser em seus próprios instintos. Tal posicionamento é posto por Leibniz e por tantos
outros, “se Deus não existe, segue-se que a moralidade, em última análise é subjetiva e
não coercitiva” (CRAIG, 2012, p. 167).

Dentro de uma perspectiva cristã, William Lane Craig (2012, p. 167), filósofo cristão
contemporâneo, traz as premissas em forma de silogismo filosófico em Leibniz:

»» Se Deus não existe, também não existem valores e obrigações morais


objetivos.

»» Valores e deveres morais objetivos existem.

»» Logo, Deus existe.

Craig (2012, p. 100) ainda cita William Sorley (1855-1935), ao qual indaga: “porque
sabemos em boa parte que bom é certo e que mal é errado, porque não o contrário,
e porque essas coisas são assim?”. Segue-se, portanto, poder-se-á enquadra-se
devidamente à causa primeira (Deus) em um quadro natural de realidade, tal como:

»» Sentido: tem a ver com a importância, o porquê de algo importar.

»» Valor: tem a ver com o bem e o mal, o certo e o errado.

»» Propósito: tem a ver com um objetivo, uma razão para algo.

22
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Não existe sentido em viver uma vida que tem um fim sem retorno ou sem sequência,
segue-se que não se precisa importar-se com nada que nesse mundo é feito, desejado
ou executado, pois não há padrões, não há um pano de fundo para se basear, o
quebra-cabeça pode ser montado de qualquer maneira, pois não há uma foto para
embasar-se, não há um padrão único.

Os valores podem ser invertidos inadvertidamente sem qualquer ônus, pode-se roubar,
matar, estuprar e adulterar sem qualquer penitência futura. Já quanto ao propósito,
qual a razão, mesmo que não haja fé nesse propósito, de ser bom nesse mundo se o
indivíduo optou por ser um assassino de aluguel e um adúltero durante sua vida inteira?

Azpitarte (1995, p. 135) nos esclarece um pouco mais quanto ao subjetivismo feito por
muitos da moral objetiva:

O vínculo obrigatório que nasce da verdade moral deve ser formalizado


em proposições concretas e determinadas. Os valores mais universais
[...], gozam de evidência tão grande que ninguém pode negar-lhes
firmeza permanente. Todos concordamos que se deve fazer o bem,
praticar a justiça, viver de acordo com a razão, respeitar a dignidade
da pessoa, dizer a verdade e defender a vida humana; nenhum código
ético ou civil defende o assassínio e o roubo, nem permite a injustiça e a
mentira. É uma defesa dos bens e valores fundamentais do ser humano
e da sociedade na qual ele vive. Sem eles não seriam possíveis nem a
vida social nem a civilização, porque então só imperaria a lei da força.
Nesse sentido, tais valores têm caráter universal enquanto constituem
o patrimônio ético da humanidade e se revestem de dimensão absoluta,
uma vez que oferecem a primeira orientação necessária e estável para
todos os tempos e circunstâncias. Fazer o mal ou cometer crime não
podem ser justificados.

Essas são as ideias básicas dentro de uma perspectiva teísta de moralidade. No capítulo
destinado à moral cristã, outros pontos serão melhor analisados.

Escolas de pensamentos

Se analisarmos os termos em suspensão, temos que:

»» Pragmatismo: tudo o que corre em prol do amor deve funcionar ou


satisfazer.

23
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

»» Relativismo: todas as coisas são relativas, pois para ele há somente um


absoluto.

»» Positivismo: defende os valores oriundos de um caráter voluntário e


não racional, baseando-se somente no empirismo. Possui características
emotivistas.

»» Personalismo: somente as pessoas têm valor, portanto as ‘coisas’


somente têm valor porque as pessoas dão valor às coisas. Desse modo,
tudo converge em favor do bem para as pessoas que são boas por si
mesmas.

Ao longo dos dois primeiros séculos, a crença cristã foi a que mais se propagou, mas
não foi a única a ter projeção para fora de seu círculo de nascimento. Algumas crenças
orientais também lograram se propagar e ganhar grande número de adeptos. Entre
essas, provavelmente as mais destacadas foram os Gnosticismos4 e o Maniqueísmo5. O
próprio Agostinho de Tagasta, doutor da Igreja, foi maniqueísta, antes de se converter
ao Cristianismo.

O período de apogeu se encerrou nos últimos anos do séc. II. A partir desse momento,
Roma inicia um período negro que se estendeu por um século, marcado por instabilidade
política, durante o qual a única instituição que realmente imperava era o exército. O
império viveu uma inconteste ditadura militar.

Temos também o Utilitarismo ou Universalismo Ético em Jeremy Bentham (1748-1832)


– a maior felicidade para o maior número de pessoas –, bem como o Pragmatismo –
doutrina ética que nasce e se difunde nos EUA com William James (1842-1910)6.

O Marxismo, inspirado nas concepções de Hegel do início do séc. XIX e retomadas por
Karl Marx (1818-1883), traz o Materialismo ao cenário global nos fatos econômicos e
históricos, dentre tantos outros.

Poderíamos ainda tratar em grande medida das dezenas de escolas e correntes de


pensamentos, tal como Existencialismo, Utilitarismo, Contratualismo, Altruísmo,
Ateísmo etc. Contudo, fugiríamos do foco do nosso estudo, uma vez que os conceitos éticos
em cada uma dessas visões e concepções filosóficas possuem uma série de pensadores,
os quais por sua vez, são baseados nas ideias de outrem, e assim sucessivamente,
tomando espaço em demasia.

4 O Gnosticismo era um sistema filosófico e religioso que pregava uma forma particular de conhecimento místico, por meio da
iluminação direta, a partir de um contato com Deus: uma revelação (REALE; ANTISERI, 1990, p. 405).
5 Denomina-se Maniqueísmo a doutrina religiosa pregada por Maniqueu – também chamado Mani ou Manes – na Pérsia, no
século III da era cristã. Sua principal característica é a concepção dualista do mundo como fusão de espírito e matéria, que
representam respectivamente o bem e o mal. In: O que há de errado com o Maniqueísmo? Disponível em: <http://www.xr.pro.
br/ensaios/maniqueismo.html>. Acessado em: 21/4/2015.
6 Veja mais ao final do capítulo sobre Ética Cristã.

24
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Desse modo, procure não olvidar as sugestões de leituras complementares abaixo


relacionadas.

Sobre o Contratualismo

Sobre moral, direito e democracia. Disponível em: <http://www.scielo.br/


scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452004000100005&lng=pt&nrm=i
so>.

Hegel e a crítica ao estado de natureza do Jusnaturalismo moderno.


Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
512X2011000100005>.

O Contratualismo como método: Política, direito e neocontratualismo.


Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v18n35/v18n35a02.pdf>.

Sobre o Universalismo

O universalismo ético: Kohlberg e Habermas. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451995000200005>.

Universalismo versus relativismo no julgamento moral. Disponível em: <http://


www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79721999000100002>.

Niilismo tecnocientífico, holismo moral e a ‘bioética global’ de V. R. Potter.


Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59701997000100006&lng=pt&nrm=iso>.

Julgamento moral: estudo comparativo entre crianças institucionalizadas e


crianças de comunidade de baixa renda com relação à emergência do sentimento
de culpa. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-79721999000100004&lng=pt&nrm=iso>.

O currículo entre o Relativismo e o Universalismo. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000400004&lng=p
t&nrm=iso>.

Sobre o Maniqueísmo

Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à


abordagem relacional. Disponível em: <http://socialsciences.scielo.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222006000200002&lng=pt&nrm=iso>.

25
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Del maniqueismo a la confluencia. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.


php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000200003>.

Sobre o Relativismo e o Relativismo Cultural

O Relativismo cultural é válido nas ciências da saúde? Exame de suas bases


filosóficas. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&
pid=S0034-89101971000100010>.

O Relativismo de Kuhn é derivado da história da ciência ou é uma filosofia


aplicada à ciência? Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1678-31662012000300007>.

O Relativismo Cognitivo é Autorrefutante? Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732016000100139>.

Declaração de Helsinki: relativismo e vulnerabilidade. Disponível em: <http://


www.scielosp.org/pdf/csp/v17n3/4650.pdf>.

Discutindo o conceito de relativismo cultural: abrangências e limites.


Disponível em: <http://www.uneb.br/revistaopara/files/2013/06/DISCUTINDO-
O-CONCEITO-DE-RELATIVISMO-CULTURAL-ABRANG%C3%8ANCIAS-E-LIMITES.
pdf>.

Sobre o Positivismo

Positivismo Lógico, Operacionismo e Behaviorismo Radical. Disponível em:


<http://www.scielo.br/pdf/ptp/v25n2/a05v25n2.pdf>.

O Círculo de Viena e o Empirismo Lógico. Disponível em: <http://www.fafich.


ufmg.br/~mauro/art_mauro2.htm>.

O Círculo de Viena. Disponível em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.


br/9607/9607_4.PDF>.

O Círculo de Viena e Karl Popper. Disponível em: <http://www.administradores.


com.br/artigos/tecnologia/o-circulo-de-viena-e-karl-popper/501/>.

Sobre a Filosofia Analítica do Positivismo Lógico

Quine: un giro interpretacionista y pragmático en la filosofía analítica del


positivismo lógico. Disponível somente em espanhol em: <http://www.scielo.

26
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0124-61272007000200006&lng=pt
&nrm=iso>.

Elementos para uma reavaliação do Positivismo comtiano. Disponível em:


<http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2007/02/elementos-para-
uma-reavaliao-do_02.html>.

Veja também

As interações entre direito e filosofia no caso Damião Ximenez Lopes


x Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos-CIDH/OEA.
Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1870-46542014000100017>.

Religião e outros conceitos. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.


php?script=sci_arttext&pid=S0872-34192012000200009>.

Entre Fichte e Sartre: por uma dialética da liberdade. Disponível em:


< h t t p : / / w w w. s c i e l o . o r g . c o / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d
=S0120-14682014000100004>.

A psicologia como procedimento de análise da moralidade nos escritos


intermediários de Friedrich Nietzsche. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812009000300002>.

Certa herança marxista. Disponível em: <http://static.scielo.org/


scielobooks/2trwj/pdf/giannotti-9788579820458.pdf>.

O pensamento político de Hegel à luz de sua filosofia do direito.


Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0104-44782009000100002>.

Alguns lugares de inserção da teoria crítica de Habermas. Disponível em:


<http://books.scielo.org/id/hn3q6/pdf/silveira-9788599662885-03.pdf>.

27
Capítulo 2
O Idealismo alemão e a ética moderna

A moral em Kant
Kant (1724-1804), do seu solitário retiro de Koenigsberg, foi
contemporâneo dos grandes acontecimentos que estremeceram a
França e que deviam culminar na Revolução de 1789. Suas obras éticas
fundamentais apareceram nos anos imediatamente anteriores a esta
revolução [...], Kant tem consciência de que revolucionou a filosofia [...]. A
ética kantiana é uma ética formal e autônoma. Por ser puramente forma,
tem de postular um dever para todos os homens, independentemente
da sua situação social e seja qual for o seu conteúdo concreto [...].
Finalmente, por conceber o comportamento moral como pertencente a
um sujeito autônomo e livre, ativo e criador, Kant é o ponto de partida de
uma filosofia e de uma ética na qual o homem se define de tudo como ser
ativo, produtor ou criador (SÁNCHEZ VÁSQUEZ, 2002, p. 283).

O Instituto de Tübingen, na Alemanha, se fechava para quaisquer influências externas


e buscava sempre manter a ortodoxia, especialmente a cristã. Destarte, os teólogos
membros do instituto perceberem que não seria possível ignorar a filosofia kantiana,
por um lado ela estava crescendo cada vez mais em influência filosófica no círculo
acadêmico alemão, especialmente após 1790, por outro, era a que mais se adequava aos
princípios cristãos das boas argumentações em favor da existência de Deus. E não aquele
impessoal de Espinosa, mas pessoal, um Deus tanto imanente como transcendente.

Vaccari (2010) nos informa que, para Kant, a razão não poderia nunca chegar a
conhecer Deus em termos teóricos, isto é, por meio de provas racionais metafísicas.
No entanto “no terreno das necessidades (Bedürfnis) práticas da razão, a ideia de Deus
deveria ser de algum modo readmitida no sistema e, na verdade, como uma ideia do
sumo bem (höchstes Gut)”. Tal readmissão, segundo o autor, bem compreendida, não
representaria um ganho teórico para a razão quando se trata do conhecimento de Deus,
respeitando os ensinamentos da “Crítica da razão pura”.

Visando, porém, o aperfeiçoamento moral, essa conformidade plena


precisa ser considerada objeto da determinação da vontade pela lei
moral, pois, enquanto tal, ela permite “um progresso que avança ao
infinito em direção àquela conformidade plena” (Kant 11, p.198).

28
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Essa realização prática, entretanto, na medida em que é infinita, só


é possível para um ser racional infinito. Logo, escreve Kant em sua
Crítica da razão prática, “o sumo bem é praticamente possível somente
sob a pressuposição da imortalidade da alma”, vale dizer, quando se
considera esta um “postulado da razão prática pura” (Kant 11, p.198).
Caracterizando, assim, o primeiro dos dois pressupostos necessários do
sumo bem, o postulado da imortalidade da alma, na medida em que
se faz necessário para se considerar a realização do progresso prático
infinito, é chamado de elemento da moralidade. O segundo elemento
constituinte do sumo bem enquanto conformidade plena entre lei moral
e vontade, é a felicidade. Felicidade, escreve Kant, “é o estado de um
ente racional no mundo para o qual, no todo de sua existência, tudo se
passa segundo seu desejo e vontade” (Kant 11, p.201). Essa felicidade,
assim, depende de uma concordância plena da natureza com o seu fim
e a própria lei moral, na medida em que é uma lei da liberdade, ordena,
por meio de elementos determinantes, essa concordância.

E continua:

O ser racional finito, entretanto, justamente porque é finito, não pode,


por meio da lei moral, apenas criar essa concordância plena da natureza
com o seu próprio fim. Para tanto, seria preciso que ele fosse o criador
da própria natureza e, em sua criação, fizesse-a de um modo tal que suas
leis concordassem com sua vontade. Por isso, na realização do sumo
bem, essa interconexão plena entre as leis da natureza e a sua vontade
precisa ser igualmente postulada como necessária. Nas palavras de
Kant, é necessário postular também “a existência de uma causa da
natureza [...] que contenha o fundamento dessa interconexão, a saber,
da exata concordância da felicidade com a moralidade” (Kant 11, pp.
201-2). Pois somente postulando-se essa causa seria possível conservar
o sumo bem no mundo, na medida em que essa “causa suprema da
natureza” conteria uma causalidade adequada à disposição moral. Ora,
essa causa, bem compreendida, é Deus, motivo pelo qual esse segundo
postulado da razão prática é aquele que se refere à existência do ser
supremo.

Para Kant, mesmo quando a ação moral exige alguma postulação a respeito da existência
de Deus, um dever de todo ser que seja racional e finito, procurar e alcançar Deus. Com
efeito, é dever proveniente em associação da existência do sumo bem, isto é, em Kant,
a “fé racional pura”.

29
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

[...] a lei moral conduz, mediante o conceito de sumo bem enquanto


objeto e fim terminal da razão prática pura, à religião, quer dizer,
ao conhecimento de todos os deveres como mandamentos divinos,
não enquanto sanções, isto é, decretos arbitrários, por si próprios
contingentes, de uma vontade estranha e, sim, enquanto leis essenciais
de cada vontade livre por si mesma, mas que apesar disso têm que ser
consideradas mandamentos do Ser supremo, porque somente de uma
vontade moralmente perfeita (santa e benévola), ao mesmo tempo
onipotente, podemos esperar alcançar o sumo bem (KANT, 1998,
p.208).

Com tais postulações, as filosofias de Kant, nesse sentido, dão respaldo às teologias
de Tübingen, bem como para algumas postulações para o cristianismo e teologia
contemporânea, acerca tanto da liberdade, moralidade, ética, volição, quanto da
argumentação em favor da existência de Deus como agente necessário e padronizador
máximo da moral.

O problema da motivação moral em Kant. Disponível em: <http://static.scielo.


org/scielobooks/kgx3n/pdf/souza-9788579830167.pdf>.

Para inspirar confiança: considerações sobre a formação moral em Kant.


Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0101-31732006000100005>.

Os termos ‘Ética’ e ‘Moral’. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.


php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272006000200008>.

Moral kantiana e ética da Psicanálise. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.


org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672009000200005>.

El problema ético en la filosofía de Kant. Disponível em: <http://www.scielo.


org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0188-77422013000100006>.

Boa vontade e beneficência para pessoas com deficiência mental extrema?


Revisitando a teoria moral de Kant. Disponível em: <http://scielo.isciii.es/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1886-58872015000300010>.

Experiencia de los principios morales: Kant y Tomás de Aquino. Disponível em:


<http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0718-92732015000200003&script=sci_
arttext>.

30
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Søren Kierkegaard

Kierkegaard (1813-1855) originou o Existencialismo onde não há qualquer


predeterminação com respeito ao homem, levando-o a uma permanente angústia,
logo “inexiste um projeto básico para o homem verdadeiro, uma essência definidora
do homem porque cada um se define a si mesmo e assim é uma verdade para si”. Daí o
“motor” conhecido que sintetiza o pensamento existencialista: “no homem, a existência
precede a essência”.

Aos olhos de Kierkegaard, portanto, a existência como modo de ser


constituído pelas relações do homem, consigo mesmo, com o mundo e
com Deus é analisável em um conjunto de possibilidade cujo caráter é
justamente não possuir, por si mesmo, nenhuma garantia de realização.
Certamente Deus pode conferir segurança e infalibilidade a tais
possibilidades (porque para Deus ‘tudo é possível’) (ABBAGNANO,
2000, p. 400).

Para Kierkegaard, o relacionamento do homem com Deus é possível. Com efeito, a ética,
religião, comunicação e existência são premissas fundamentais desse relacionamento.
Toda religião é comunicação e toda comunicação é uma existência ética. “O pensamento
da morte dá a exata velocidade que se deve observar na vida e indica a meta para onde
se há de dirigir a corrida” (KIERKEGAARD, 2006, p. 124).

Segue-se que, a existência humana é dependente dos significados, ao perdê-los,


perde-se o sentido. A grande crise existencial do homem hoje é a ausência de sentido:
“A criatura de Deus não pode construir o seu “eu ideal” com as próprias mãos, pela
simples razão que seu “eu” está sempre nas mãos de Deus” (FARAGO, 2006, p. 188).

Não! Nada será perdido dos que foram grandes; cada um a seu modo e
segundo a grandeza do objeto que amou. Porque aquele que se amou a
si próprio foi grande pela a sua pessoa; quem amou a outrem foi grande
dando-se; mas o que amou a Deus foi o maior de todos (KIERKEGAARD,
1988, p. 117).

O eu, para Kierkegaard “aumenta com a ideia de Deus, reciprocamente a ideia de


Deus aumenta com o eu. Só a consciência de estar perante Deus faz do nosso eu
concreto, individual, um eu infinito; e é esse eu infinito que então peca perante Deus”
(KIERKEGAARD, 1988, p. 242).

31
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Para o filósofo, a questão espiritual, liberdade e ética estão inteiramente ligadas:

Mas o que é espírito? É o eu. Mas, nesse caso, o eu? O eu é uma relação,
que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas consigo
próprio. Mas é melhor do que na relação propriamente dita, ele consiste
no orientar-se dessa relação para a própria interioridade. O eu não é a
relação em si, mas sim o seu voltar-se sobre si própria, o conhecimento
que ela tem de si própria, depois de estabelecida.

O homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno,


de liberdade e de necessidade, é, em suma, uma síntese. Sobre este
ponto de vista, o eu ainda não existe ainda (KIERKERGAARD 1988,
p. 195).

Antes de adentrarmos em Schelling (um esteta), Kierkegaard contrapõe à posição,


alegando que o estágio ético é superior ao estágio estético, uma vez que salvaguarda
valores que o esteta não salvaguarda. Enquanto naquele há uma comunicação do eu
consigo mesmo, por isso o eu não existia, neste há uma comunicação com terceiros.

Numa relação de dois termos, a própria relação entra como um terceiro,


como unidade negativa, e cada um daqueles termos se relaciona com a
relação, tendo cada um existência separada no seu relacionar-se com a
relação; assim acontece com respeito à alma, sendo a ligação da alma e
do corpo uma simples relação. Se, pelo contrário, a relação se conhece
a si própria, esta última relação que se estabelece é um terceiro termo
positivo, temos então o eu (KIERKEGAARD, 1988, p. 195).

“Entretanto o homem deseja sempre libertar-se do seu eu, do eu que é para se tornar
um eu da sua própria invenção” (KIERKEGAARD, 1988, p. 201). Portanto, aqui está
presente a filosofia melancólica de Kierkegaard, angústia e desespero. Não compreender
o inexplicável amor de Deus e nem querer ser o que Deus nos designou. “Comparado
com a sentença hegeliana de que o exterior é o interior e o interior é exterior, isso,
certamente, é extremamente original” (KIERKEGAARD, 2013, p. 59).

A lição que ele dá é que esse indivíduo, como qualquer indivíduo, seja
ele qual for, marido, mulher, criança, ministro, negociante, barbeiro
etc. é que esse indivíduo existe perante Deus, esse indivíduo que por
ventura se orgulharia de ter uma vez em toda a sua vida falado ao rei,
esse mesmo homem, que seria já alguém pelo seu comércio amistoso
com este ou aquele, esse homem está perante Deus, pode falar com Deus
quando quiser, com a certeza de ser escutado, e é a ele que propõem
viver na intimidade de Deus! Mas ainda: foi por esse homem, por ele

32
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

também que Deus veio ao mundo, se deixou encarnar, sofreu e morreu;


e é esse Deus de sofrimento que lhe roga e quase suplica que aceite o
socorro, que é um oferecimento (KIERKEGAARD, 1988, p. 245).

Kierkegaard, leitor da Fenomenologia da religião. Disponível em:


<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ar ttex t&pid
=S1517-24302012000100001>.

Elementos para uma psicologia no pensamento de Søren Kierkegaard.


Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1808-42812012000200015>.

El perfil filosófico de kierkegaard. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/


scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-36282005000200002>.

Renovação noética: Fundamento da verdade no encontro terapêutico.


Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v24n3/v24n3a05.pdf>.

A ética em Schelling
O Idealismo alemão não se resume somente às concepções kantianas, embora,
obviamente, Kant tenha seu papel muito bem fundamentado na história da humanidade,
da filosofia, da ética, do direito e demais áreas do conhecimento as quais foram
direta ou indiretamente agraciadas pela eloquência desse filósofo tão profundamente
proeminente e importante na modernidade. Tampouco em Hegel ou Fichte.

Kant e Hegel talvez sejam os filósofos mais estudados da modernidade, enquanto que
Fichte, que aprimorou e criticou fortemente Kant não é tão fortemente considerado, e,
especialmente Schelling, que trouxe um contexto filosófico desses dois últimos tanto
quanto produtivo, porém mais profundo, com abordagens mais amplas e especialmente
usadas, afirmando que seu sistema do transcendentalismo é o mais adequado para a
perspectiva de retorno ao absoluto.

Sendo que, para ele, o eu não é meramente a consciência, mas a força de combate entre
duas forças antagônicas. Para Schelling o eu está entre a pura necessidade inconsciente
e a pura liberdade (a consciência e o espírito).

Ainda em um cenário introdutório da moral em Schelling, temos que ter como pano de
fundo as diferentes terminologias marcantes do idealismo alemão, onde tese, antítese e
síntese possuem fulcral papel.

33
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Puente e Vieira (2005, p. 47) em “As Filosofias de Schelling” nos informam as definições
dos termos:

»» Tese: ou autotese caracteriza o absoluto estendido como subjetividade


que foi assim mesmo sem ser por nada constrangida ou coagida.

»» Antítese: marca o início do reinado da oposição, da diferença e da


dualidade.

»» Síntese: é uma composição entre dois momentos anteriores, a saber, uma


identidade resultante da articulação entre identidade absoluta e diferença
(não identidade), o entrecruzamento entre o caráter incondicional e o
condicional.

A antítese é, portanto, a oposição travada entre o eu transcendental e a realidade


objetiva oposta a esse eu. No caso da razão prática, a tese é também representada como
Incondicionado objetivo.

Vejamos os esquemas que o autor nos traz para melhor compreensão da temática
proposta:

Figura 1. Razão Teórica.

Razão
Teórica

a. Tese - Incodicionado subjetivo.

b. Antítese - eu (unidade sintético-originária) <X>


não eu (múltiplo dado na intuição).

c. Síntese - conhecimento teórico enquanto


necessário e universal.

Fonte: adaptado de Vieira (2005, p. 48).

São, sem embargos, os elementos constituinte da experiência moral:

»» autonomia absoluta do Incondicionado;

»» autonomia relativa e do condicionado do agente moral finito;

34
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

»» o conjunto daqueles móveis que podem desviar esse agente do exercício


dessa autonomia.

A síntese, portanto, nos ressaltam Puente e Vieira (2005, p.49), “deve levar em conta o
sujeito moral agindo diante de circunstâncias que lhe podem ser adversas e nas quais
ele deve afirmar sua autonomia”. De maneira simultânea, “ela deve também lançar a
exigência a esse sujeito de que sua ação se encaminha para aquilo que é tanto começo
quanto o fim do agir moral: o Incondicionado”.

Destarte, a síntese, ao expressar o mandamento moral (moraliches Gebot), é assim por


Schelling formulada: “torna-te (werde) idêntico, eleva (no tempo) as formas subjetivas
de sua essência à forma do absoluto”.

Figura 2. Razão Prática.

Razão
Prática

a. Tese - Incodicionado subjetivo.

b. Antítese - sujeito moral <X> não eu (multiplicidade e


mutabilidade (Wechsel) dos móveis sensíveis).

c. Síntese - Mandameto moral (moraliches Gebot): torna-te


(werde) idêntico, eleva (no tempo) as formas subjetivas de sua
essência à forma do Absoluto.

Fonte: adaptado de Vieira (2005, p. 49).

Tais movimentos da tese em direção à síntese, bem como o inverso, desenvolvem


o movimento da liberdade, interpretada enquanto autonomia, espontaneidade e
autodeterminação. Pode-se distinguir essa expansão e desdobramento da liberdade em
dois estágios:

1. Incondicionalidade da tese: aqui a liberdade do eu está inteiramente


encerrada em si mesma, já que ele não se defronta com algo que lhe seja
oposto, de tal forma que ocorra o movimento de reflexão, ou seja, de volta
do sujeito sobre si a partir da resistência oferecida pelo mundo objetivo.
A autonomia subjetiva continua inteiramente imanente e ínsita à sua
própria dinâmica autotética.

35
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

2. Condicionalidade da antítese e síntese: aqui a liberdade é dita


transcendental, posto que ela transita entre as esferas subjetiva e
objetiva, não permanecendo somente ao mundo subjetivo. Logo é uma
liberdade limitada, relativa, dual e, portanto, condicionada, na medida
em que concomitantemente o eu é limitado pelo não eu, seja na síntese do
múltiplo dado na intuição, seja também nos móveis que podem desviar o
agente moral de sua autodeterminação mediante o mandamento moral.

Vejamos nas palavras diretas de Puente e Vieira (2005, p. 50, grifo do autor) a fim
de buscarmos melhor compreensão dos pensamentos complexos de Schelling
supramencionados:

A superioridade da razão prática diante da razão teórica reside no fato


de que aquela não configura apenas uma oposição, tal como é também
por caso com a razão teórica, mas, além disso, exige o fim dessa
oposição, expressa no mandamento moral. Dessa forma, a exigência do
mandamento moral realiza uma mediação entre a esfera condicionada,
a qual é o ponto de partida da experiência moral, expresso na linguagem
dialética como tese, bem como também o ponto de chegada dessa
mesma experiência, visto que ele exige a saída do terreno da oposição
entre identidade e diferença, no qual tem lugar o agir moral, em direção
à identidade absoluta, totalmente privada de qualquer jogo de oposição.

De acordo com os autores, o papel da moral então fica bastante evidente diante desses
dois tipos de liberdade. Uma vez que tanto o eu absoluto quanto o eu finito, justamente
enquanto subjetividades, se identificam; logo o significado da moral consiste na
exigência de que o eu finito realize, ao longo do tempo, o que ele já realiza em si, à
proporção de que ele vença a dualidade de uma liberdade transcendental.

Em Schelling, o Absoluto não é o Sumo bem de Kant, ao qual é interpretado como


síntese entre moralidade e felicidade, uma vez que ambas têm ainda lugar na dualidade.

Na perspectiva de Schelling, a moralidade é a autonomia do sujeito


moral finito em oposição aos móveis empíricos, ao passo que a felicidade
é o agir do sujeito determinado, no entanto, por móveis sensíveis, que
podem ou não viabilizar a convivência de indivíduos, segundo a lei
universal da liberdade. Em ambos os casos, a meta é alcançada sem
que a dualidade seja superada. A identidade com o Absoluto, exigida
pelo mandamento moral, portanto, está “acima” da moralidade e
da felicidade, devendo, em razão disso, receber um nome diferente
desses dois. Tal identidade é a Bem-aventurança absoluta. Articulando

36
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Incondicionado, a esfera da dualidade, da oposição e diferença, razão


teórica e razão prática com a tríade dialética: tese, antítese e síntese
(PUENTE; VIEIRA, 2005, p. 50).

Destarte, vejamos a seguir o esquema didático das palavras supracitadas:

Figura 3. Articulação entre razão teórica e razão prática.

Razão teórica
e prática

a. Tese - incodicionado.

b. Antítese - sujeito (eu) X objeto (não eu).

c. Síntese - razão teórica: conhecimento necessário e


universal.
razão prática: mandamento moral.

Fonte: adaptado de Vieira (2005, p. 49).

Vejamos a questão ainda um pouco mais de perto nos próximos tópicos.

Filosofia prática em Schelling e a ética


pós-kantiana em Schelling e Fichte

Essa filosofia prática de Schelling envolve a moral, a ética e o direito, e tem como
características principais:

»» Prevalecer a valoração do sujeito à inflexão subjetiva da filosofia moderna.

»» Não funda sua compreensão do agir moral na finitude de uma subjetividade


empírica.

Sua filosofia prática e concepção de filosofia está relacionada com o agir humano, que
por sua vez está atrelado à concepção de filosofia; destarte, a importância de se explicitar
o seu sistema de filosofia.

37
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

O sistema de filosofia de Schelling, dentro dessa abordagem, é composto por:

»» mediação entre princípio e fim da filosofia; mediação entre os opostos;

»» Incondicionado é fonte absoluta de todo pensar e ser. Indiferença absoluta


entre as esferas subjetivas e as esferas objetivas;

»» mediação entre o Condicionado e o Incondicionado.

Com efeito, a filosofia prática e o Incondicionado em Schelling tem como principal tarefa:
encontrar um critério de incondicionalidade, capaz de servir de medida avaliadora do
nosso agir moral.

A causalidade mediante a liberdade como o Incondicionado é um critério para a vida


moral.

Na KrV (Crítica da Razão Prática) temos na 3a antinomia, isto é, a causalidade segundo


as leis da natureza e a causalidade mediante a liberdade, a qual abre espaço para o
conceito prático de liberdade por meio da concepção transcendental de liberdade.
Para Kant, a liberdade não é cognoscível pela razão teórica, mas limitada pela esfera
empírica.

Desse modo, a questão se apresenta genericamente por três formas:

1. No âmbito da subjetividade moderna.

2. Com um caráter inteligível.

3. Com caráter de incondicionalidade.

Liberdade prática está ligada à causalidade inteligível, incondicionada e espontânea;


“espaço” de espontaneidade e autonomia, faz-se impossível mesmo de ser vislumbrado
na aceitação exclusiva de uma causalidade mediante leis da natureza.

Aqui, o sujeito está inserido em dois mundos, isto é, dois caracteres, a saber:

1. Caráter Inteligível → Funda o espaço da experiência moral.

2. Caráter Sensível → Agente no mundo sensível, sujeito a todos os modos


de condicionamentos.

Enquanto que a causalidade inteligível é tida como fora da série do mundo sensível.
Configura o terreno da incondicionalidade, espontaneidade e autonomia. Com efeito,
os seres finitos são afetados por móveis sensíveis.

38
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Na filosofia dinâmica da natureza de Schelling, a tentativa está em resolver a abertura


(ou abismo) da sequência da “Crítica da Razão Pura”. É o abismo entre a perspectiva
determinista, causal; por um lado reino condicionado de compreensão, e por outro, o
domínio Incondicionado autodeterminação do sistema ético, entre a filosofia teórica
e filosofia prática. “Não por acaso os dois âmbitos da Filosofia Prática ou Moral são a
Ética e o Direito; são esferas do exercício da coerção (Zwang)” (VIEIRA, 1999, p. 15).

Portanto, é possível vislumbrar, em Kant, o seguinte esquema da ação moral:

Figura 4. Ação Moral.

Agir
Moral

Entre o inteligível e Entre o sensível e


o Incondicionado o condicionado

De acordo com Vieira (1999, p. 15) “O aspecto incondicionado da liberdade prática atua
como uma coação (Nötigung) contra aqueles móveis empírico-subjetivos, na medida
em que eles são contrários a essa incondicionalidade”.

Razão teórica e razão prática encontram-se no terreno da


condicionalidade ou da oposição entre eu e não eu, oposição esta
explicável apenas a partir da incondicionalidade do Eu absoluto, o
qual, por sua vez, exclui qualquer referência a uma realidade objetiva,
ou seja, exclui qualquer relação com aquilo que não seja ele mesmo.
Na medida, portanto, que ambos usos da razão, tanto o teórico quanto
o prático, têm sua fonte comum no Eu absoluto, estes usos da razão
podem ser qualificados como os esforços da razão de superar esta
condicionalidade teórica e prática, produzida pela relação eu e não eu.
Trata-se, assim, da atividade de terminar com a relação entre as esferas
subjetiva e objetiva, às quais tanto o uso teórico quanto o prático da
razão encontram-se submetidos (VIEIRA, 1999, p.17).

Com efeito, a tarefa que a filosofia pós-kantiana, tal como a filosofia de Schelling, Fichte
e Hegel, deu a si mesmo é colmatar esta lacuna entre o conceitual reino, constitutiva
da natureza, que possam ser aproveitadas pelas leis causais, as quais têm validade

39
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

universal, e a espontaneidade ética da razão prática, em que o sujeito ético é além do


reino condicionado de determinação e, portanto, um livre assunto da autodeterminação.
Este ‘assunto’ é o tema da liberdade que não pode ser fundamentada nos princípios
constitutivos de entendimento, mas nas ideias reguladoras da razão.

J. G. Fichte, por sua vez, procurou unificar a razão teórica (que é a ‘compreensão’)
e a razão prática, aterrando ambos na atividade dinâmica da autoconsciência que se
postula como puro ato, Incondicionado de auto postulando ‘I’.

A tarefa de contabilidade para o processo de surgimento (ou emergência) do mundo da


natureza, que é, portanto, um processo dinâmico, é abordado por Fichte da seguinte
maneira: a natureza é uma autolimitação essencial do ‘I’. O Incondicionado, infinita
autoposição do ‘eu’, a fim de saber-se como si mesma, se divide em finito ‘eu’ e seu
contramovimento ‘não eu’.

Dessa forma, Fichte afirmou ter resolvido o problema que apareceu para ele e para os
filósofos pós-kantianos como aquilo que é deixado não resolvido pelo próprio Kant.
Essa é a questão de como explicar o misterioso X, a ‘coisa-em-si’, que, de acordo com
Kant, nunca pode ser fundamentada no princípio constitutivo de entendimento, ou
seja, a ‘coisa-em-si’ de Kant é puramente metafísica e jamais passível de conhecimento
humano, de fato, incognoscível. É irredutível aos conceitos de entendimento.

Fichte em sua “Ciência do Conhecimento” explica a gênese dessa ‘coisa-em-si’ no ato de


autoafirmação pura do ‘I’. Uma vez que o ‘eu’ não pode ser um objeto de sentido externo
como quaisquer outros objetos de cognição – Kant proíbe isso –, ‘I’ só pode surgir em
um ato puro, primordial do eu interior.

Esse ‘eu’ autoemergente não pode, portanto, ser objeto de cognição conceitual, de
uma intuição empírica. Ela só pode ser compreendida no sentido interior na ‘intuição
intelectual’ que simplesmente é ‘ninguém’, mas sim ‘o fato de autoconsciência’.

De acordo com Fichte, ‘a coisa-em-si’ é esta autoemergente/autoconsciência que é um


‘fato’ diferente de qualquer outro ‘fato’. É um fato que só a ‘intuição intelectual’ agarra
no ato de pura autointuição. Isso ocorre porque somente um ser capaz de intuir-se
como simultaneamente representação e representado pode explicar a unidade da
representação e objeto.

Para tal ser, isto é, o ‘eu’, não há outro predicado ao não ser ‘ele mesmo’. Ele é seu
próprio objeto. Esse objeto para ele aparece como a natureza que é a autolimitação
da autoposição Assunto. O idealismo de Fichte mais tarde veio a ser conhecido como
Idealismo subjetivo.

40
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Filosofia Prática e Incondicionado. Disponível em: <http://faje.edu.br/


periodicos2/index.php/Sintese/article/viewFile/13/42>.

A solução crítica do fato da razão na KpV. Disponível em: <http://www.


sociedadekant.org/studiakantiana/index.php/sk/article/viewFile/82/33>.

Sobre as temáticas gerais que nesse capítulo


foram abordadas, sugere-se que não se olvide
as sugestões de leituras complementares que
seguem

O fim último em Kant e no jovem Schelling: aspectos antropológicos.


Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao17/04172015RT.pdf>.

As filosofias de Schelling. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.


php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2005000200026>.

Filosofia da arte e arte de filosofar. Arte, linguagem e religião em Fichte


e Schelling (1807-1812). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2015000200473>.

Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um


conceito comum. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0100-512X2014000200002>.

La metafísica schellingniana del yo absoluto como “una ética a la Spinoza”.


Disponível Em: <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0120-53232011000200005>.

Liberdade e Ideia: A Herança Kantiana No Jovem Schelling. Disponível em:


< ht t p s : / / re v i s t a o u t ra m a rg e m . f i l e s. wo rd p re s s. co m / 2 0 1 4 / 0 9 / 7 - n 1 -
assumpc3a7c3a3o.pdf>.

Dinâmica da natureza, de Deus e da liberdade em Schelling. Disponível em:


<https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3666535>.

41
Capítulo 3
Experiência moral, liberdade e
necessidade

Liberdade e experiência moral


Subjetividade e incondicionalidade conduzem ao conceito de liberdade, enquanto que
“liberdade e lei prática incondicionada se referem reciprocamente uma a outra.” A Lei
moral está ligada à subjetividade incondicionada; enquanto que, no mesmo instante,
o estabelecimento do conhecimento teórico tem como função a fundamentação do
conhecimento prático-ético.

Vieira (1999, p. 16) nos informa que a concepção da filosofia prática do jovem Schelling “é
marcada por seu esforço de reconciliar a substância, interpretada no estilo de Espinoza,
e o Eu, tal como compreendido por Kant e Fichte”. Logo a “intenção de Schelling era
elevar o criticismo, ou seja, ‘aquela filosofia que põe toda realidade no Eu’ ao nível do
sistema, indo de encontro à própria intenção de Kant”.

Publicado em 1809, “Investigações Filosóficas Sobre a Natureza da Liberdade Humana”


é talvez o livro mais importante que Schelling publicou em seu tempo de vida. Juntamente
com Hegel, “Fenomenologia do Espírito”, de Fichte “Ciência do Conhecimento”, e de
Kant “Crítica do Juízo”, esse ensaio é uma das maiores realizações filosóficas do século
XVIII e XIX.

Schelling não coloca a questão relativa à essência da liberdade humana como o problema
dialético entre natureza e liberdade. Liberdade não aparece aqui como o livre exercício
da vontade do sujeito racional para a mestria sobre a sua natureza sensual, mas como a
capacidade de fazer o mal, isto é:

A liberdade é a capacidade específica do homem de perverter a


ordenação ontológica própria entre fundamento e existência. A
desordem tornada possível pela liberdade humana e realizada como
o mal tem consequências sistemáticas. A dialética assume, segundo
Schelling, uma forma de oposição vital e de processo de superação real
(FERRER; UTTEICH, 2015, p. 159).

Logo, não é mais uma pergunta, mas uma questão metafísica sobre a possibilidade de
um regime de liberdade. Por um lado, a liberdade parece ser o que não pode ser incluída

42
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

dentro de um sistema como um todo; por outro lado, a busca que o idealismo deve ser
um sistema, sem o qual não é adequadamente compreensível, não deve ser rejeitado.

O ensaio tenta conciliar essas duas exigências incomensuráveis:

»» a demanda da incondicionalidade ser o terreno da liberdade; e

»» a demanda do ato de aterramento do sistema.

Essa tentativa do sistema de liberdade surgiu no despertar do que veio a ser conhecido
como a “controvérsia panteísmo” (assunto o qual não é o cerne de nosso interesse nesse
material).

O projeto de Schelling, segundo o autor, era o de “conciliar liberdade e necessidade”,


onde liberdade está ligada às concepções kantianas da lei moral enquanto ‘lei prática
incondicionada’, já a última tem origem em Espinoza, “uma atividade absoluta que põe
os seus próprios membros em seu processo de diferenciação e retorno a si mesma”.

O filósofo, pós-doutor da grande área idealismo alemão e suas questões éticas e


metafísicas, assevera que, é dessa maneira “a unidade do sistema é concebida como
Eu absoluto, uma subjetividade incondicionada ou uma incondicionalidade subjetiva”.

Ele é interpretado, de acordo com Vieira (1999, p.17) da seguinte maneira:

»» “Liberdade absoluta” → “causalidade absoluta”, mediante a qual o Eu se


põe a si mesmo de forma incondicional.

»» Enquanto “potência absoluta” → age em virtude da “necessidade do seu


próprio ser”, privada de toda vontade e sabedoria.

O Eu absoluto deduz-se das esferas: teórica e prática. Ambas se encontram no terreno


da condicionalidade explicável apenas por meio da incondicionalidade do Eu absoluto,
que, por sua vez, exclui qualquer referência a uma realidade objetiva.

Portanto, o esforço aqui, como visto acima, é o de terminar com a relação entre
as esferas subjetiva e objetiva, a que tanto o uso teórico quanto o prático da razão
encontram-se submetidos. Bem como o de elevar o não Eu ao Absoluto – contradição
e visão de Espinoza – uma vez que causaria a própria destruição do Absoluto,
transformando-o em uma coisa objetiva e em algo condicionado. Logo, ele anula a
subjetividade, fazendo com que a experiência moral fosse algo impensável.

Nesse âmbito, tal como entendido no tópico acima exposto, o Télos da experiência
moral é a reinstauração da plena subjetividade. Onde a Lei moral diz respeito ao Eu

43
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

limitado pelo não Eu. Vejamos com mais detalhes nas palavras diretas de Vieira (1999,
p. 18, grifo nosso):

Esta compreensão da vida moral tem como consequência interpretá-la


como uma experiência da finitude e da oposição, na medida em que
ela se desenvolve a partir do confronto entre eu e não eu. Em virtude
disto, seria absurdo falar em moralidade para o Eu absoluto,
visto que ele é justamente a total negação de qualquer
objetividade, e por conseguinte, a absoluta afirmação de si mesmo.
Sendo liberdade absoluta, ele se põe em razão do ser de sua própria
natureza, não sendo condicionado por absolutamente nada que lhe seja
alheio, enquanto a lei moral diz respeito ao “eu limitado pelo não eu”.
Enquanto o ser caracteriza a atividade do Eu absoluto e daí, portanto, a
expressão “lei infinita da natureza” para qualificar essa atividade – ele
se põe em razão do seu próprio ser –, a lei moral expõe uma exigência,
um dever-ser (Sollen), justamente a obrigação moral apresentada ao
eu finito de dissolver-se na subjetividade incondicionada, superando a
condicionalidade da objetividade.

Assumpção (2014) complementa que, para Schelling, assim como em Kant, o agente
moral encontra-se no mundo sensível, mas simultaneamente é cidadão de dois mundos:
o mundo sensível e condicionado versus o mundo inteligível e incondicionado, no
qual a causalidade absoluta é possível. O que difere é como cada um dos dois pensa a
integração entre esses dois mundos.

A experiência moral é o caminhar do eu moral finito em direção àquilo que ele já é em


si.

Logo:

»» Eu absoluto está ligado ao fundamento de explicação para o Eu finito; e

»» Lei moral está ligada à exposição do Incondicionado e da autonomia.

O Eu absoluto de Schelling é acessado ao que Tomás de Aquino propôs como acesso a


Deus, sendo Ele a síntese do Eu e do não Eu de Fichte; para esse último, o Eu é apenas
o fundamento ideal do não eu.

Há duas atividades contrapostas: a real e a ideal. Uma limitando a outra. Na real o Eu


tende a produzir o infinito para fora, logo, a atividade ideal aqui, limita a real; oposto do
que pensa Fichte, onde o não Eu real limita o Eu também real, assim como um objeto
real pode limitar outro objeto que seja também real.

44
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Como pode então o não Eu ser uma atividade ideal do Eu absoluto, isto é, sendo ele
um conceito, algo não empírico atuar na realidade? Vieira (2005, p. 133) nos ajuda
informando que “o ser originário se cinde e uma atividade dele limita a outra; essa
se mostra, por isso mesmo, devido ao limite, como real, e a outra na mera oposição
também como real, mas na medida em que ultrapassa o limite como ideal”. Portanto,
“uma limita a outra porque as duas são da mesma natureza do Eu”.

Não iremos nos aprofundar na questão real/ideal para Schelling, pois


automaticamente cairemos na profunda complexidade de seu “Sistema do
Idealismo Transcendental”.

Posto isso, Vieira (1999, p. 20, grifo nosso) esclarece mais uma vez:

Esta diferença quantitativa entre o Eu absoluto e o eu empírico


exprime, por sua vez, a diferença entre liberdade absoluta e liberdade
transcendental ou empírica. Enquanto a primeira manifesta uma
imanência, visto que o Eu absoluto refere-se única e exclusivamente
a si mesmo, a segunda, por seu turno, é transcendente, posto que diz
respeito à relação entre eu finito e não eu condicionado. O caráter
transcendente da liberdade empírica deve-se ao fato de que,
embora sendo em si idêntica à liberdade absoluta, ela lida com o limite
condicionado objetivo, cuja incessante negação por parte da liberdade
empírica denuncia seu traço de igualdade – ou platonicamente – sua
participação na liberdade absoluta. Enquanto Kant concebe a ideia
transcendental de liberdade – a liberdade transcendental – como
fundamento do conceito prático de liberdade – a liberdade prática
–, Schelling reúne a liberdade transcendental e a liberdade prática
kantianas no que ele denomina liberdade transcendental ou
empírica e interpreta a liberdade absoluta como fundamento
da liberdade empírica. É isto que faz da liberdade absoluta do Eu
absoluto a “condição da ação” do agente moral.

Em Kant → a lei moral leva ao Sumo Bem.

Em Schelling → o Eu absoluto é princípio e télos da experiência moral.

Experiência moral → síntese entre incondicionado e os condicionamentos,


então o próprio Eu absoluto é condição suprema da lei moral.

Eu absoluto → Fim → enquanto meta a ser alcançada, mas fim enquanto


ponto final, momento derradeiro do esforço moral do eu finito → término da
experiência moral.

45
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

No Absoluto → não há moralidade.

Fim da experiência moral → A passagem consumada do fenômeno ao ser em


si. A questão da moralidade e da felicidade perdem sua razão de ser no Absoluto,
pois estas envolvem o condicionado.

Diferente de Kant → a Moralidade e o Sumo Bem permanecem atrelados e a


moralidade é condição da vontade.

46
Capítulo 4
Ética cristã na modernidade

Vejamos uma breve introdução desse capítulo no contexto do suposto correto


entendimento do Cristianismo diretamente nas palavras de Jacques Leclercq em sua
clássica obra “As Grandes Linhas da Filosofia Moral”:

Como tudo que é muito conhecido, é o Cristianismo muitas vezes


mal conhecido. Pensa conhecê-lo negligenciam procurar dele uma
informação exata. Por outro lado, entre os movimentos de pensamentos
sobre o que versa essa exposição histórica, nenhum é mais rico e,
por conseguinte, mais complexo, mesmo abstraindo do problema de
verdade que ele estabelece (LECLERCQ, 1967, p. 172).

O autor possui patentes e profunda razão em suas palavras, uma vez que confunde-se
insofismavelmente o Catolicismo com o Protestantismo, não fazendo diferenciação
alguma de “alhos com bugalhos”, atribuindo toda a carnificina da Inquisição ao
Cristianismo em geral, provocando uma interligação de sofismas falaciosos, pois, um
cético ao ouvir a expressão “Sem Deus não é possível haver moral”, logo remete-se aos
assassinatos provocados em nome da fé, esquecendo-se das terríveis batalhas ‘ateias’
que existiram e extirparam milhões de seres humanos da Terra, haja vista o comunismo,
nazismo, fascismo – marxismo e socialismo quando cunhado na concepção mais
darwiniana das ideias – dentre tantos outros atos em prol da aniquilação da religião,
“ópio do povo” e mentalidade da descendência perfeita.

É nítido que a falta de informação de questões como a ‘Noite de São Bartolomeu’ (onde
mais de 70 mil huguenotes – cristãos protestantes – foram dizimados em apenas uma
noite), bem como a alegação de que a Bíblia não deveria ser acessada pelo povo e quem
a tivesse, seria morto. Dentre tantas outras oposições ao Cristianismo puro e simples
de C. S. Lewis que teve sua história no mundo manchada e tetricamente misturada
ao contexto cristão em geral; uma miscelânea infinita e cíclica viciosa de toda uma
concepção desinformada da moralidade, costumes, crenças, dogmas e doutrinas cristãs
verdadeiras, aquela baseada nos evangelhos e na figura principal, Jesus Cristo.

É por isso que basta ler os autores anticristãos, para ver que muitas vezes
eles atacam no Cristianismo coisa diferente da que é defendida pelos
cristãos. O Cristianismo contra o qual dirige Nietzche seus sarcasmos
não é nem o da teologia, nem o da espiritualidade [...] o Cristianismo
ocupa lugar muito central no pensamento ocidental, para que seja

47
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

possível traçar um esquema da filosofia moral sem falar dele. Temos-lo


encontrado a cada passo. De certo modo, encontramos em Bentham,
Smith, Kant e muitos outros, filosofia cristã. Por falta de uma visão clara
das características ou ideias próprias da moral cristã, corre-se o risco de
nada compreender de seu pensamento (LECLERCQ, 1967, p.173).

Descartes já dizia:

Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos,


recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e que aquilo que
depois eu fundei em princípio tão mal assegurados não podia ser senão
duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente,
uma vez em minha vida, desfez-me de todas as opiniões a que até
então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos
[...] não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar que
todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, uma vez
que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente
impedir-me de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas
e indubitáveis, do que as que nos parecem manifestamente ser falsas,
o menor motivo de dúvidas que eu nelas encontrar bastará para me
levar a rejeitar todas. E, por isso, não é necessário que eu examine
cada uma em particular, o que seria um trabalho infinito; mas, visto
que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto
do edifício, dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais
todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas (DESCARTES,
1996, pp. 257- 258).

Teologia moral
Embora a teologia da moral tenha se dado no Ocidente, reconheceu-se essa vertente
teológica somente após o século XVI. Ainda antes desse século a terminologia theologia
moralis já se fazia presente, o que, por sua vez, se espalhou após a Reforma e a
Contrarreforma.

Desse modo é óbvio que se objetivou, a partir dessa nova cosmovisão, guiar a consciência
do cristão para fins psicológicos de julgamento, e, como de costume, possuindo raízes
agostinianas e em Tomás de Aquino.

Os puritanos foram os principais contribuintes para a teologia da moral, sendo que todo
o Protestantismo fora atraído para esse novo modo de ver, e ainda Ferguson, Wright e
Packer nos informam:

48
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

A validade da teologia moral tradicional tem sido matéria de controvérsia.


É típica, de muitos modos, do século XVII, em que floresceu: é
individualista em sua concepção de agente consciente, orientada de
modo leigo, em sua preocupação pela vida no mundo; todavia, procura
impor ordem sobre as percepções morais subjetivas [...]. Não obstante,
essa teologia contribui enormemente para uma compreensão do tipo de
discernimento que se requer à interpretação de situações particulares
de decisão moral, apontando, assim, para um pensamento cristão moral
não legalista nem subjetivo. Essa tradição, contudo, cairia em perda de
reputação nos círculos protestantes no século XVIII. No Catolicismo
romano, alcançou seu ápice no começo do século XVIII, com a obra de
Alphonsus Liguori (1696-1787), e vigor renovado no século XIX, vindo
a perder apoio somente no século XX (FERGUSON, 2009, p. 1085).

Kant teve influência direta na visão moral protestante desde o final do século XVIII,
movimento que estudou como sua ética autônoma pode ser aplicada ao contexto
cristão. Tem influência principalmente nos temas de conduta ética na guerra, prática
ética médica e relações trabalhistas no mundo hodierno.

O grande problema que talvez tenhamos seja o de definir se existem e quais são os
valores morais objetivos, ou em temáticas schelinguianas, como alcançar o absoluto
por meio da consciência. Na concepção copernicana em Kant trata-se do objetivismo e
subjetivismo da filosofia ética, bem como no historicismo de Hegel, ressaltam Kreeft e
Tacelli (2008, pp. 573-574):

Kant ficaria horrorizado se nos visse classificar a sua teoria sob o


título de subjetivismo. Ele achava que sua revolução copernicana era
o único caminho que dava conta do nosso conhecimento científico
sobre o universo. Também acreditava que todas as mentes fossem
constituídas da mesma forma, então, sua teoria certamente não seria
um individualismo ou relativismo [...]. O historicismo de Hegel afirma
que toda a realidade é um processo histórico, até Deus e a verdade. A
verdade muda com a história, da mesma forma que nós, seus sujeitos,
mudamos [...]. Como o kantismo, o historicismo é uma meia verdade,
mas não pode ser universalmente verdadeira sem se contradizer. É
parcialmente verdadeira, pois o significado de cultura avançada na
Idade da Pedra poderia ter o mesmo que o significado de primitivismo
inculto na Idade Moderna.

Dentro da crítica do trecho supracitado, temos uma posição confrontadora dos


pensamentos de Kant e Hegel para adaptação à ética cristã, uma vez que as verdades

49
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

absolutas não mudam em função do tempo, mas o que muda é o nosso conhecimento
de Deus. Teorias refutadas não significam leis universais alteradas, mas potencialmente
caracterizadas como leis universais.

Karl Popper é um dos filósofos que confrontam mais veementemente o historicismo,


ao qual para ele é simplesmente estranho, uma vez que a engenharia gradativa é uma
melhor solução para a Filosofia da História do que a visão holística dessa, especialmente
nos pensamentos marxistas7.

Ética cristã
Em épocas medievais, havia uma renúncia exacerbada à dialética que impedia a
inserção da metafísica na teologia e na moral, contudo, ao passo que os estudos bíblicos
aumentavam, tal assunto passou a ser cada vez menos discriminado no meio teológico e
com isso tomou forma. Os sistemas morais aplicáveis não existiam na conduta unânime
de modo suficiente sobre os ombros da laicidade, portanto, discutia-se mais sobre a
quantidade e autoridade do autor do que de fato pelo seu raciocínio lógico.

Faz-se necessário considerar as diferenças etimológicas dos termos, ethos e pathos.


Veja abaixo as considerações em “Fundamentação da Ética Cristã”:

O ethos e o pathos são duas faces opostas ou duas dimensões do


mesmo sujeito. Na acepção de pathos entre tudo o que nos foi dado
pela natureza, sem intervenção nem colaboração ativa de nossa parte.
Chamamos a isso pathos porque o recebemos passivamente, sem a
decisão de nossa vontade. O que recebemos assim da natureza constitui
nosso modo natural, nossa maneira instintiva de ser, que padecemos
como algo imposto, e que, como vimos, não serve para dirigir nossa
conduta [...]. Para exprimir esse esforço ativo e dinâmico, que não se
deixa vencer pelo pathos recebido, o grego usava a palavra éthos, mas
com dois significados, conforme se escrevesse com eta ou com épsilon.
No primeiro caso – além de exprimir a residência, a moradia ou o lugar
de habitação – essa palavra indicava fundamentalmente o caráter, o
modo de ser, o estilo de vida que cada pessoa quer dar à sua existência.
Na segunda opção, ela fazia referência aos atos concretos e particulares
pelos quais se leva a efeito esse projeto (AZPITARTE, 1995, p.50).

O fator inalterável de pathos, uma vez que, quando se é dado naturalmente, passa-se
então a agir naturalmente ao fato, a fim de contorná-lo e conviver com ele, seja de qual

7 Veja mais sobre em nosso material de ‘Filosofia da História’, integrante deste curso.

50
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

magnitude ou gravidade for, está relacionado ao apelo emocional, enquanto que o ethos
ao racional por meio da perspectiva de uma autoridade que fala.

Em nosso século, muito se fala da interrogação que o marxismo coloca sobre a ética,
bem como sobre a religião por meio de argumentos econômicos, onde o mito de
Prometeu toma forma como o primeiro santo do calendário de Marx, representando
o gênio humano que supera limites, questiona privilégios de deuses e ainda protesta
contra um terrível engano de uma religião infantil e dominadora e, por fim, estabelece
o homem como cerne do universo e o único responsável por ele. Azpitarte (1995, p. 28,
grifo nosso) nos dá mais informações:

Hoje em dia se discute se o marxismo é uma ciência que elimina a


base da moral pela denúncia que faz de certas exposições como falsas
justificações de interesses econômicos, ou se, ao contrário, constitui
uma cosmovisão cheia de humanismo e eticidade, uma vez que nem
todos os marxistas creem que a ética seja deformação ideológica. Não
obstante, e apesar de todas as discussões atuais, o marxismo denunciou
com força os critérios e as avaliações da moral comumente aceita [...].
Deus se transforma então para o povo numa droga, numa felicidade
ilusória, sem a qual não valeria a pena viver [...]. Portanto, o único
caminho para a superação de semelhantes alienações é a
mística revolucionária.

Há um reducionismo da moral aqui, e esse é feito por meio da psicanálise, assim


como reduz-se a ela por meio das estruturas econômicas em Marx. Já em Nietzsche
vê-se claramente a raiz de denúncia da moral como máscara, a qual alega que usa o
Cristianismo como forma de aliviar tensões humanitárias do ser. O existencialismo
e o secularismo sempre persistirão no caráter autônomo e independente da norma
ética.

Houve no Concílio Vaticano II a pressuposição do reinício da tarefa histórica do


aggiornamento8 cristão, consistindo principalmente no diálogo fecundo da fé com o
mundo. A constituição pastoral Gaudium et spes veio a ser o símbolo desse diálogo de
reconciliação e de nova síntese. A teologia moral dos anos pós-conciliares realizou, como
poucas áreas da teologia, trabalho ingente e globalmente positivo de aggiornamento
interno e de diálogo com o mundo.

Com efeito, acarretam disparidades interpretativas da contribuição do Concílio para


com o tema da teologia moral. Onde de acordo com Vidal (1993, p. 31) Congar, no
III Congresso Internacional do Apostolado dos Leigos em Roma (1967), colocando em

8 Significa ‘atualização’.

51
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

debate o que fora tratado no concílio, constatou deficiência no que tange o tema sobre
moral, contudo, Häring, antagonicamente, viu de modo positivo a contribuição feita.

De acordo com o mesmo autor, a compreensão da moral cristã se baseia na


responsabilidade moral humana, para ele, não existe moral sem responsabilidade;
desse modo, pode-se afirmar que “ser livre” e “agir moralmente” são termos iguais em
realidade.

Comportamento moral

Segundo Vidal (1993, p. 55) existem as dualidades esquemáticas para a


formulação das expressões do comportamento moral, onde divergem o esquema
aristotélico-escolástico-casuístico e o esquema atual personalista.

O primeiro trabalha com (1) potências, seguidas de (2) hábitos (tal como
virtudes, vícios etc.), seguido de (3) atos. Não entraremos em profundos detalhes,
contudo, sabemos que por muito tempo a moral cristã foi baseada no esquema
aristotélico-escolástico-casuístico.

Nesse esquema, as potências constituem a primeira estrutura contundente do


comportamento humano, onde a “alma” não é imediatamente operante. O início do
ato moral se dá na conjunção de ambas as potências. Tratando-se de hábitos, esses
constituem uma estrutura intermediária entre as potências e os atos, podendo ser bons
ou ruins, Vidal os classificam como “princípios intrínsecos da ação humana”.

Enquanto que no esquema atual personalista, tem-se a opção fundamental, seguida da


atitude a qual precede o ato. Nesse esquema, o conhecimento do homem é que deve
proporcionar as estruturas expressivas do comportamento humano. Um esquema
dinâmico que coloca a pessoa e não mais o objeto no centro do conjunto moral.

Sem embargos, retomando um contexto moral cristão na modernidade, existem


diversas discussões do que vem primeiro, muitos cristãos que se dizem maduros na fé
confundem valores e princípios assim como confundem roxo com lilás.

Destarte, são alguns constitutivos históricos do valor moral em determinado sistema


moral:

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Quadro 4. O Constitutivo do valor moral segundo diversos sistemas morais.

CONSTITUINTE CARACTERÍSTICAS
Obediência a princípio exterior legislante (sistemas morais obrigacionistas, legalistas, heterônomos,
Na obrigação externa
tabuísticos etc.).
É bom o que origina prazer e à medida que o causa (existem variantes notáveis: hedonismo crasso,
No prazer
epicurismo, hedonismo elitista, hedonismo do gozo tranquilo e compartilhado etc.).
O ideal ético consiste na realização feliz do homem (mediante o exercício de suas funções superiores: ética
Na felicidade (eudemonia) aristotélica; mediante a consecução do fim último humano: ética tomista; mediante a realização integral da
pessoa: versão moderna da ética eudemônica etc.).
O ideal ético está na “ataraxia” e na “apatia” (estoicismo clássico), ou na realização do “sustineet abstine” (=
Na harmonia interior
“suporta e abstém-te”) (estoicismo popular).
No dever pelo dever Vivência ética partindo da autonomia da vontade (ética kantiana).
O bem reside em tirar a máxima utilidade para o maior número possível de sujeitos (utilitarismo clássico), ou
Na utilidade
em conseguir o máximo proveito para a vida individual e social (neoutilitarismo).
No altruísmo (mesclado com O ideal ético está em olhar sempre pelos outros, sabendo que desse modo se dá atenção também a si
certa dose de egoísmo) mesmo.
Entendida como absurdo (ética sartriana), como luta contra os valores vigentes (éticas revolucionárias), ou
Na liberdade
como fator de destruição (éticas de cunho niilista).
Agindo lucidamente em um mundo em que, diante de todas as inseguranças inevitáveis e diante de todos
No exercício da razão
os motivos reais de desespero, a racionalidade é o último recurso do homem.
Fonte: adaptado de Vidal (1993, pp.72-73).

Por meio de Glaudium et spes9 § 15, sobre dignidade da consciência moral e de §§ 27-
31 sobre a responsabilidade do homem para com ele mesmo, traça-se um contexto que
compreende a correlação entre o Cristianismo e o mundo moderno em geral ainda
dentro do Concílio Vaticano II, portanto, em uma weltanschauung católico-romana.

Segundo Vidal (1993, p. 77) dentro do tema ‘descrição da consciência moral’ em um


enfoque geral, entende-se que ‘consciência moral’ engloba:

»» Sensibilidade moral: nessa acepção, a consciência moral se identifica


com o “sentido moral”.

»» O núcleo de valores que constituem a moral objetiva: nessa acepção,


a consciência moral vem a ser o mesmo que a objetivação dos valores
morais;

»» A responsabilidade objetiva: nessa acepção, a consciência moral se


refere à implicação da responsabilidade subjetiva no comportamento
moral.

Com efeito, entende-se como consciência moral objetiva: assassinato, abuso infantil,
estupro, roubo, tortura de bebês etc., são tratados unanimemente em uma mente sã
e normal como errado tanto aqui como em qualquer parte do mundo, bem como em
qualquer cultura, credo e religião, uma vez que, mesmo que se admitam tais atos em

9 É válido conferir na íntegra no site oficial do vaticano: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/


documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html>.

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

alguns rituais religiosos e de origens desconhecidas, o ser humano possui dentro de si


uma aversão absoluta contra tais absurdos.

Azpitarte (1995, p. 64) também contribui conosco:

Algo parecido como poder-se-ia dizer sobre o sentido egocêntrico,


aparentemente defendido. Se a salvação eterna interessa, é porque com
ela está em jogo nossa felicidade. Até a desobediência e a submissão a
Deus seriam motivadas pelo interesse pessoal, porque a única coisa que
importa, acima de tudo, é não sermos condenados a uma desgraça que,
além de tudo, é eterna. Deus e seus mandamentos chegam a ser vividos
como peso molesto, mas inevitável, como simples meios utilitários
para se conseguir o objetivo desejado. A frase de Dostoievski, “se Deus
não existe, tudo é permitido”, exprimiria então a nostalgia de uma
impossibilidade que nos teria abandonado: a de podermos viver como
quiséssemos e sem necessidade de nenhuma coação.

Em Vidal retomamos a questão filosófica, a qual ele explana:

Existem diversas teorias para explicar o surgimento da consciência


moral na pessoa: teoria biologicista, sociologicista, freudiana, piagetina,
skinneriana etc. Levando em conta um enfoque interdisciplinar do
problema, julgamos que a “etização” do indivíduo humano se vai
estabelecendo através do jogo dialético entre processos de “adaptação”
e processos de “autodescoberta”. A maturidade ética do indivíduo
alcança-se mediante o equilíbrio tensional entre a “originalidade” e
a “confrontação”. Os processos de originalidade e de confrontação
passam por diferentes estágios, que vão, de um lado, da anarquia da
psicomotricidade inicial à subjetividade autocontrolada e, do outro
lado, da total constrição exterior à reciprocidade compartilhada
(VIDAL, 1993, p. 94).

Vejamos as informações acima de outra maneira:

Quadro 5. Gênese da consciência moral.

Processos de consistência Processos de abertura Processos de objetivação


1. Aquisição da psicomotricidade (esquemas
1. Relação de dependência e de constrição. 1. Domínio das funções fisiológicas.
sensório-motores).
2. Capacidade de assumir e de repelir “o que
2. Relação de identificação e de repulsa. 2. Aceitar as ações de outros e ater-se a elas.
vem de fora”.
3. Relação de respeito, de colaboração e de 3. Assumir a realidade de ações conjuntas do
3. Independência, como fonte de originalidade.
cooperação. “eu” e dos “outros”.
4. SUBJETIVIDADE 4. RECIPROCIDADE 4. COMPROMISSO SOCIAL
Fonte: Vidal (1993, p. 95).

54
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Max Weber, por fim, resume a weltanschauung ética protestante do sentido igualitário
dos bens. Em sua notável obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”,
considerada por muitos no campo acadêmico como ‘o livro do século’:

[...] a verdadeira objeção moral refere-se ao descanso sobre a posse, ao


gozo da riqueza, com a sua consequência de ócio e de sensualidade, e,
antes de mais nada, à desistência da procura de uma vida “santificada”.
E apenas é condenável porque a riqueza traz consigo esse perigo de
relaxamento, pois o “eterno descanso da santidade” encontra-se no
outro mundo; na Terra, o Homem deve, para estar seguro de seu estado
de graça, “trabalhar o dia todo em favor do que foi destinado”. Não é,
pois, o ócio e o prazer, mas apenas a atividade que serve para exaltar
a glória de Deus, de acordo com a inequívoca manifestação da Sua
vontade (WEBER, 2008, p. 86).

Sistemas éticos cristãos


Genericamente podemos dividir, em uma perspectiva cristã, os sistemas éticos entre
absolutistas e não absolutistas, dessa maneira:

Quadro 6. Sistemas éticos.

NÃO ABSOLUTISTAS ABSOLUTISTAS


Antinomismo Absolutismo não qualificado
Situacionismo Absolutismo conflitante
Generalismo Absolutismo graduado
Fonte: próprio autor.

No Antinomismo não há leis morais, portanto, mentir não é certo nem errado: não
existem leis. O Antinomismo expõe sua visão excluindo todas as leis morais objetivas.
Em um sistema “antilei” tudo se torna relativo. O filósofo e teólogo Dr. Norman Geisler
destaca os principais pontos antinômicos e divide-os em períodos:

»» Mundo Antigo: Heraclitismo, Hedonismo e Ceticismo.

»» Mundo Medieval: Intencionalismo, Voluntarismo e Nominalismo.

»» Mundo Moderno: Utilitarismo, Existencialismo e Evolucionismo.

»» Mundo Contemporâneo: Emotivismo, Niilismo e Situacionismo.

O Situacionismo afirma que existe uma lei absoluta. Por exemplo, mentir é certo
algumas vezes: existe somente uma lei universal e ainda sustenta a existência de um
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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

único absoluto moral excluindo todos os outros. Inserido no Antinomismo, Joseph


Fletcher (1905-1991) é tido como principal referência, uma vez que em sua obra, não
opondo-se veementemente ao pensamento antinômico, existem algumas leis. Emil
Brunner e John A. T. Robison também são representantes dessa cosmovisão.

Essa lei absoluta de Fletcher se resume a uma só lei: a lei do amor. Desse modo não
está totalmente divergente da ética cristã, porém possui características controversas
em seus princípios funcionais, os quais, para Fletcher, se resumem em quatro grandes
pontos:

Quadro 7. Princípios funcionais do Situacionismo.

Aqui, tudo o que corre em prol do amor deve funcionar ou satisfazer. A prática é preferível à teoria, desse modo, soluções
Pragmatismo
verbais e abstratas são rejeitáveis.

Aqui todas as coisas são relativas, pois para ele há somente apenas um absoluto. A imutabilidade reside no fato do amor
Relativismo
ser imutável, destarte o Situacionismo cristão corre em favor desse critério, intitulado de ‘amor ágape’.

Em oposição ao Naturalismo, aqui se defende os valores oriundos de um caráter voluntário e não racional. Possui
Positivismo
características emotivistas. Nas afirmações éticas, não se busca confirmação, mas somente justificativas.

Aqui as pessoas, e tão somente elas, representam o valor moral último e definitivo. Somente as pessoas têm valor, portanto
Personalismo as ‘coisas’ somente têm valor porque as pessoas dão valor às coisas. Desse modo, tudo converge em favor do bem para
as pessoas que são boas por si mesmas.
Fonte: adaptado de Geisler (2010, pp. 42-44).

Geisler (2010, p. 44) resume que o Situacionismo é uma ética com estratégia pragmática,
tática relativista, atitude positivista e centro de valor personalista. É uma ética com um
único absoluto, sob o qual tudo se torna relativo e se direciona para o fim pragmático
de fazer o bem às pessoas. Ele mesmo ainda se posiciona quanto à amplitude que se
poderá dar das aplicações práticas do Situacionismo, alegando que adultério altruísta,
prostituição patriótica, suicídio sacrificial, aborto aceitável, assassinato misericordioso
podem ser, de um certo ponto de vista situcionista, aceitáveis.

O Dr. Azpitarte assim enxerga o situacionismo ético como:

A consciência não pode ser submetida a nenhuma norma externa;


isso equivaleria a tirar-lhe sua autonomia e dignidade. A liberdade
humana não tem, portanto, nenhum limite no seu agir. A única
exigência é o direito de exercê-la de acordo com a decisão pessoal,
direito que é ao mesmo tempo o critério único e fundamental da
conduta. Cada um encontra e determina por si mesmo as normas
concretas de sua ação [...]. A negação absoluta de todo valor objetivo,
para se fazer da consciência individual o único fundamento da
moralidade, levou logicamente a um subjetivismo impressionante,

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

com todas as suas lamentáveis consequências e contradições


(AZPITARTE, 1995, p. 202).

O Generalismo reivindica que existem algumas leis gerais, mas não existe uma absoluta.
Por exemplo, mentir é normalmente errado: não existem leis universais. Afirma que
existem exceções às leis morais. Os utilitaristas são os adeptos tradicionais dessa visão
de mundo.

São representantes utilitaristas: Jeremy Bentham (1748-1832); John Stuart Mill (1806-
1873), G.E. Moore e John Austin.

Na perspectiva absolutista, o Absolutismo não qualificado acredita em muitas leis


absolutas que nunca são conflitantes. Por exemplo, mentir é sempre errado: existem
muitas leis não conflitantes. Insiste em que existe sempre uma saída para o conflito
aparente entre as leis morais absolutas. Agostinho de Hipona (354-430), Immanuel
Kant (1724-1804) e John Murray (1898-1975) são exemplos.

O Absolutismo conflitante defende a ideia de que há muitas normas absolutas que


algumas vezes são conflitantes. Por exemplo, mentir é perdoável: existem muitas leis
conflitantes. Defende que, quando há conflito entre leis morais, o ato de fazer o menos
de dois males é desculpável, porém considera a pessoa culpada, independente da
posição que tomar.

Suas raízes provêm do mundo grego e foi incorporado no pensamento da Reforma


como “eu fiz o menor de dois males”, isto é, o “mal menor”. Martinho Lutero: “peque
descaradamente”, pois nessa concepção um pecado redimido é um pecado perdoado,
uma vez que no mundo não há como não pecar.

O Absolutismo graduado diz que muitas leis absolutas são conflitantes, e nós somos
responsáveis por obedecer àquela que for mais elevada. Por exemplo, mentir é certo
algumas vezes: existem leis maiores. Afirma que quando leis morais conflitam, Deus nos
dispensa da obrigação de obedecer à lei menor em função do nosso dever de obedecer à
maior. São alguns absolutistas graduados: Agostinho (354-430); Charles Hodge (1797-
1878); Kierkegaard (1813-1855) e W. David Ross (1877-1971).

Percebe-se que, dentro dos absolutos morais ainda há linhas de pensamentos que
convergem e divergem entre si, se tornando até mesmo um absurdo moral a concepção
de um para com o outro. Segue-se que o Absolutismo não qualificado está associado com
a tradição anabatista. O Absolutismo conflitante com a tradição luterana. Absolutismo
graduado com a tradição reformada (GEISLER, 2010, 113).

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Dentre os elementos essenciais do Absolutismo graduado:

»» Existem leis morais maiores e menores, veja principalmente em Mt.


23.23 e 5.19, sobre assuntos maiores e menores10.

»» Existem conflitos morais inevitáveis, como no caso de Abraão e Isaque.

»» Nenhuma culpa é imputada por aquilo que é inevitável, como no caso do


irmão que mentiu para proteger a irmã mais velha.

»» O Absolutismo graduado é verdadeiro, por guardar o maior dever moral.


Abraão, se houvesse concretizado a ação diante de Deus do assassinato
de Isaque, por obedecer a Deus em primeiro lugar à lei “não matarás” não
teria sido culpado de homicídio.

Como exemplo, o filósofo e teólogo cristão Geisler insere:

»» o amor de Deus está acima do amor para com o ser humano;

»» a obediência a Deus está acima da obediência ao governo; e

»» a misericórdia está acima da veracidade.

O maior nome do Cristianismo, Jesus, de fato enfrentou conflitos morais, mas em todos
eles sabia exatamente como agir como é o caso do shabat (Mc. 2), de seus pais biológicos
(Lc. 2) e do governo (Mt. 22). Os conflitos não deixaram de existir, pois, como seres
humanos passíveis de falhas de modo integral, existe a tendência natural de enfrentar
qualquer caráter normativo com equívocos, quanto mais absolutos morais em conflito.

Geisler (2010, pp.134-135) finaliza:

O absolutismo graduado se distingue do antinomismo, do situacionismo


e do generalismo, porque acredita em absolutos morais. As leis morais
são absolutas em sua fonte; absolutas em sua própria esfera, em que não
existe conflito; e absoluta em sua ordem de prioridade quando existe um
conflito. Em contraste com o absolutismo conflitante, ele mantém que,
nessas circunstâncias, o indivíduo não é culpado por subordinar o dever
menor a um dever maior. [...] há muitos princípios morais arraigados
no caráter moral absoluto de Deus; há deveres morais maiores e outros
menores – por exemplo, amar a Deus é um dever maior do que amar
outras pessoas; as leis morais, algumas vezes, entram em conflitos
inevitáveis; quando estes acontecem, nós estamos obrigados a seguir
à lei moral maior; quando seguimos a lei moral maior nós não somos
considerados responsáveis por não guardar as leis menores.

10 Que vide: Mt. 22.34-40; Jo. 19.11; 1Co. 13.13; Jo. 15.13; Tg. 2.10; Mt. 5.22 e 28; Rm. 2.6; Ap. 20.12; 1Co. 3.11-15; 1Co. 5; 1Co.
11.30; Mc. 3.29; Mt. 10.37; como também Pv. 6.16-18; 1Tm. 1.15; 1; Jo. 5.16.

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ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Pragmatismo

Ainda sobre o ponto trazido por Geisler, importa-nos tratar brevemente do pragmatismo,
o qual, basicamente, traz a ideia de que tudo o que é útil agora é bom, isto é, o futuro
não tem importância, mas tão somente o agora. Diferente em partes de uma visão
instrumentalista, onde ele útil é uma ferramenta para o hoje, então, tudo o que é
instrumentalmente útil, é bom.

Charles Sanders Peirce (1839-1914) não gostava da popularização do pragmatismo,


destarte, lhe batizou de ‘pragmaticismo’, acreditando que o nome era tão horrendo
que ninguém lhe iria roubar. Ian Hacking, um filósofo da ciência, chama atenção que
em Peirce há o encontro de “um substituto objetivo para a ideia de que a verdade é a
correspondência a uma realidade extramental”, e por diversas vezes ele denominou sua
filosofia como ‘idealismo objetivo’.

Pierce talvez seja o único filósofo dos tempos modernos que foi bom
experimentador, tendo realizado várias medições, inclusive uma
determinação da constante gravitacional. Ele escreveu extensivamente
a respeito da teoria do erro [...]. Pierce não achava que a verdade era
a correspondência aos fatos: as verdades são as conclusões estáveis
alcançadas por uma infindável comunidade de pesquisadores
(HACKING, 2012, p. 129, grifo do autor).

Já Imre Lakatos “está atento à diversidade de práticas científicas e, portanto, não


tem uma visão simplista do conhecimento como algo estabelecido por um processo
repetitivo e irracional de tentativa e erro” (HACKING, 2012, p. 130).

Hilary Putnam virou adepto do peirceanismo, ele “não acredita que o relato de Peirce a
respeito do método de pesquisa é definitivo, nem propõe que deva ser dada uma última
palavra a esse respeito”.

Algumas pessoas da comunidade científica e filosófica veem em Peirce um antecessor


de Popper, dado que não há nenhum relato de interpretações teoréticas tão profundo
sobre a autocorreção do método científico, ao qual está baseado na (1) dedução, (2)
indução e em certo grau, na (3) inferência da melhor explicação.

Os pragmatistas William James e John Dewey em conjunto com o pragmatista


Richard Rorty, porém de visão de longo prazo, são pragmatistas. Peirce e Putnam não
enxergam como os primeiros pragmatistas, uma vez que eles estiveram interação com
o desenvolvimento dos cânones da racionalidade.

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UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Sem embargos, para James,

Razão: é alguma coisa que tem lugar na nossa conversação de nossos


dias, isso é suficiente.

A racionalidade é extrínseca: ela é aquilo a respeito do que concordamos


(HACKING, 2012, p. 132).

Enquanto que Rorty, da mesma forma, afirma veementemente que a história atual
da filosofia na América foca no que não devia em termos de questões. Já Dewey
possui características ímpares na comunidade filosófica, ele distingue claramente o
pragmatismo do instrumentalismo, terminologia essa que é muito empregada por parte
de quem não é pragmatista ao se referir aos seus adeptos.

Nessa forma de ver o mundo, Dewey pouco se importava como observador zela a teoria
do conhecimento, para ele, tudo deve ser para hoje, todas as questões devem estar
baseadas na resolução do problema de quem vive o agora. Empresários, por exemplo,
não têm tempo pra ficar olhando o mundo e achar isso ou aquilo, eles simplesmente
não são espectadores do mundo, são empreendedores e trabalhadores.

Logo, em uma perspectiva moral, o prazer, o ato, aquilo que é nostálgico nesse
momento é bom, independente em alta medida da consequência do ato. Enquanto que,
o instrumentalismo, em termos filosófico-científicos, é:

[...] um tipo particular de antirrealista sobre a ciência, que acredita


que as teorias são ferramentas ou artefatos de cálculos utilizados para
organizar a descrição de fenômenos e para estabelecer inferências para
o futuro a partir do passado (HACKING, 2012, p. 132).

Nessa noção de filosofia da ciência, as teorias não possuem verdades em si mesmas,


uma vez que são apenas instrumentos e não devem ser compreendidas de maneira
literal. Os termos que denotam supostamente entidades inobserváveis não funcionam
como termos referenciais de modo nenhum.

Logo, dentro de nossa perspectiva, segue-se que, é possível utilizar as questões morais
do passado vislumbrando o futuro, com efeito, a própria moralidade cristã não precisa,
nessa ótica, ser descartada, pelo contrário, pode-se analisar clinicamente a moralidade
moderna, adequá-la a suas bases na moralidade contemporânea, sem necessidade de
perder sua essência no futuro.

60
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Homem, cidadão: ética e modernidade em Weber. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451994000200010>.

Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141989000300002>.

Habermas, pragmatismo e direito. Disponível em: <http://www.scielo.br/


scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2009000100003&lng=pt&nrm=i
so>.

Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Disponível em:


< ht t p : / / w w w. s c i e l o. b r / s c i e l o. p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t tex t & p i d = S 0 1 0 3 -
40141989000300002&lng=pt&nrm=iso>.

Pragmatismo e economia: elementos filosóficos para uma interpretação


do discurso econômico. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0101-41612006000300008>.

Psicanálise e pragmatismo: aproximações e possibilidades. Disponível em:


<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ar ttex t&pid
=S1677-11682008000100004>.

Sobre mais detalhes das diferentes escolas de pensamentos filosóficos tal como
Maniqueísmo, Relativismo, Existencialismo, Utilitarismo, Contratualismo, Altruísmo,
veja o ‘Saiba Mais’ do Capítulo 1 em ‘Pensadores da Ética e Correntes de Pensamentos’.

61
Capítulo 5
Liberdade, o bem e o mal

Liberdade em Espinosa e John Locke


Para Espinosa, tudo aquilo que é útil para o crescimento do ser é bom, enquanto que
tudo o que impede o crescimento, de alcançar algo bom para a sua existência, é mau.

Para Espinosa, todos vivemos na companhia de outros seres humanos e somos todos
movidos por paixões, de forma que esses outros seres humanos podem servir também
de obstáculo para o alcance do bom. Dessa maneira, as paixões e os desejos alegres
podem criar laços de concordância entre os homens, enquanto que os desejos tristes
sempre os tornam inimigos uns dos outros.

A fim de procurar uma solução para esse problema, Espinosa propõe basicamente duas
soluções:

»» Sociedade democrática: é uma sociedade política cujas intenções


favoreçam a diminuição das diversas maneiras de violência que ocorrem
no mundo. Fortalece os laços de amizade e gratidão, entre os homens e
estabiliza as paixões e desejos alegres.

»» Vida ética: como ação virtuosa. Isto é, realizar nossa capacidade


cognitiva ou racional, a fim de nunca ser enganado, diferenciando aquilo
que é bom-útil daquilo que não é.

Em Locke, um contratualista, tanto o prazer, quanto a dor são apenas ideias simples
obtidas por meio da sensação, no entanto, as ideias morais parecem ser qualitativamente
diferentes dessas, ao passo que exigem relação com algum tipo de regra de referência a
fim de serem julgadas como boas ou más.

O bem e o mal nada mais são do que prazer e dor, ou o que ocasiona
ou provoca em nós prazer e dor. O bem e o mal moral consistem, pois,
apenas no acordo ou desacordo de nossas ações voluntárias com certa
lei, por meio da qual o bem e o mal nos são impostos pela vontade do
poder legislador. O bem e o mal, ou o prazer e a dor, implicando nossa
obediência ou nosso rompimento com a lei decretada pelo legislador,
são o que denominamos prêmio ou castigo (LOCKE, 1978, p. 215).

62
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Temos então nesse filósofo a concepção de que Deus criou a humanidade dotada de
sensibilidades e razão, e tai leis expressam as regras morais, leis com as quais os homens
comumente pautam suas ações em corretas ou incorretas.

Liberdade em Schelling
Schelling trata do limite de realização puramente racional do Incondicionado. Contudo,
discorda do uso de uma noção limitada e restrita de “sistema” e “liberdade” juntamente
com uso restrito da noção metafísica e lógica de julgamento. Portanto, aqui, Schelling
se coloca contrário às concepções de Friedrich Heinrich Jacobi.

Em “Freedom”, ensaio de Schelling, é vista a tentativa de reinterpretar a noção de lógica


e metafísica do julgamento de tal maneira que se abre para o caráter incondicional da
liberdade sem renunciar a demanda de um sistema. Esse sistema deve, por um lado, ser
diferente de um realismo puramente formal, o ‘sem vida’ de Spinoza; e, por outro lado,
deve ser de outra forma que um sistema convencional de idealismo que reduz o caráter
dinâmico da liberdade e do mundo em necessidade racional pura.

Somente uma noção dinâmica do sistema que afirma a exuberância da vida e da


generosidade de liberdade pode ser verdadeiramente sistema. A noção formal e racional
de liberdade como princípio inteligível que supera os impulsos sensoriais devem ser
abertas à questão ontológica dos seres em seu devir.

A questão do julgamento deixou de ser apenas uma questão formal, lógica, mas a questão
da jointure, ou vínculo de seres. Esse vínculo ou jointure dos seres é fundamentado na
liberdade que, entendida de modo mais originário, não é arbitrária, livre de vontade,
mas que pertence juntamente com maior necessidade.

Esse jointure dos seres – o infinito ser, criador de Deus e do finito, ser criado, chamado
“homem” – deve ser essencialmente uma relação livre, uma relação que é regida pela
liberdade que no sentido mais elevado, bem como pela necessidade. Se o homem é
livre, de certo modo, então é também a maneira de individuação do homem. Isto é, na
medida em que o homem é “individualizado” pela liberdade, a liberdade do homem
é distinguível da liberdade absoluta do infinito, eterno sendo chamado Deus. Essa
essência peculiar da liberdade humana é a capacidade de fazer o mal (tal como visto
acima).

Em última instância, num contexto de um sistema assim determinado


pelo mal, a cada uma das suas partes cabe “uma espécie de liberdade,
que ela manifesta por meio da doença”. Num sistema assim invertido

63
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

como um fenómeno patológico consumado, onde a liberdade se perdeu


no seu oposto, a doença é o traço do livre, do que não se subsume nesse
sistema. Num sistema de total irreconciliação, somente o doentio é o
que pode ainda refletir a saúde (FERRER; UTTEICH, 2015, p. 161).

De acordo com Schelling, o ser humano é distinto do Deus criador eterno pela
especificidade da sua liberdade, que é essencialmente e intrinsecamente uma
liberdade finita. Deus é o ser cuja condição, embora nunca completamente imanente,
pode ser realizado em sua própria existência. O ser finito nunca pode concretizar-se
completamente, porque o chão de sua existência permanece inapropriável.

Essa é a origem da melancolia fundamental de todos os seres finitos. A distinção entre


a absoluta liberdade do ser eterno e a liberdade finita do mortal, a qual pode ser melhor
compreendida com a ajuda da distinção de Schelling entre a base da existência e
existência própria. Essa não é uma distinção formal entre a natureza sensual e vontade
inteligível, mas uma distinção dinâmica de liberdade.

O ser humano é essencialmente ser finito, e somente um ser tão finito é capaz do mal.
Portanto, o mal não é nem divino, nem bestial, mas essencialmente pertencente à
liberdade humana. O mal tem isso, relação específica peculiar com a finitude humana.
Ao contrário dos animais, nos quais o jointure dos princípios é regido pela necessidade,
e ao contrário do divino, em quem o jointure dos princípios é indissolúvel, a liberdade
humana participa da liberdade divina e é ainda separada por um abismo. De acordo
com Schelling, esse abismo é a possibilidade de dissolução dos princípios.

A posição de Schelling era de que somente com tal exposição dinâmica


da realidade é que se poderia falar de uma passagem do infinito para
o finito. Entre a substância, os atributos e os modos, há lacunas que,
para Schelling, só poderiam ser preenchidas com apoio dos conceitos
fornecidos pelas ciências da natureza e mediante a construção de todos
os fenômenos. Daí que filosofia é, para o filósofo, filosofia da natureza.
Nada é possível ser pensado fora dela. O absoluto não é um poder
anterior e fora do mundo. Não é ser ou pessoa, mas simples atividade
que atravessa todas as coisas. Natureza não é apenas algo físico e
a liberdade, separada dela, um reino autônomo, como foi sempre
pensado pela tradição e reforçado pelo idealismo de Kant, o defensor
mais intransigente de uma liberdade meramente formal (AMORA,
2010, p. 70).

64
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Liberdade em Kant e Schelling


De acordo com Kant, essa liberdade humana, cuja origem permanece incompreensível
para o homem, é inapropriável aos olhos de Scheling, liberdade incondicional
impenetrável deve permanecer inapropriável e incondicional, uma vez que o ser
humano cria um mundo condicionado na base da liberdade não condicionada.

Rawls (2005, pp. 323-324) nos fornece três argumentos sobre a lei moral como uma lei
da liberdade em Kant:

Primeiro, para Kant, a questão da liberdade depende da natureza


específica da concepção moral aceita como válida, portanto a questão
não pode ser resolvida apenas no interior da metafísica e da filosofia do
espírito. Segundo, a lei moral aplicada a nós (embora indiretamente)
é um princípio da Razão prática pura e como tal o princípio de
autonomia; dada a unidade da razão, a razão prática pura também
possui plenamente a espontaneidade absoluta e é tão plenamente livre
quanto a razão teórica pura. Terceiro, por consequência, não há uma
questão isolada sobre a liberdade da vontade, mas uma única questão
somente: a liberdade da razão. A liberdade da razão teórica e da razão
prática se sustentam ou esmorecem juntas.

Esse mundo condicionado é história. Ao iniciar essa nova “aliança”, o homem participa
da criatividade da liberdade divina. Essa é a fonte de alegria criativa para o ser humano,
pois por meio desse ato criativo do ser humano o mundo da natureza é redimido. Mas,
na sua arrogância vã e em sua autoafirmação de que é empurrado para o ponto de
absolutização e totalização, o ser humano procura negar o caráter finito de sua liberdade
e, assim, busca elevar o princípio da particularidade da dominação universal.

Aí reside o mal, o não ser, que é para que a matéria não esteja completamente desprovida,
mas ela procura ser completa, absoluta. O mal não é nem ser nem nada, além da fome
maliciosa do não ser para o ser.

Portanto, o poder do mal não pode ser dito para ser o poder de ser. É, antes, o poder
do não ser que busca devorar a si mesmo e nunca está satisfeito, em qualquer ponto,
porque nunca atinge estar sem um resto de não ser. Busca o autoconsumo, tornando-
se refém de sua própria luxúria. De acordo com Schelling esse é o personagem do mal.

A razão humana existe, no entanto, apenas como uma “loucura regulada”. Por conta de
sua força imanente somente a razão humana não pode alcançar o Incondicionado que
é o reino da liberdade absoluta.

65
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

O surgimento da ordem do mundo não é visto como uma ordem imanente governada
pelos princípios necessários da razão, mas tem a sua fonte em uma liberdade absoluta,
incondicional. Essa liberdade pode chegar a ser finita, mortal como um presente. O
homem nunca pode dominar esse dom, porque abre o homem a sua historicidade.

Portanto, a essência da história é a liberdade. “As idades do mundo” surgem, assim,


fora do caráter incondicional da liberdade. Esse princípio de liberdade manifesta-se
no movimento de forças diagonais e contraditórias, um repulsivo e o outro atrativo. É
esse movimento diagonal das forças de oposição que torna possível o surgimento das
“eras do mundo” fora do incondicional. Esse incondicional é o que não pode ser mais
fundamentado no pensamento ou na autoconsciência; Schelling, em seu ensaio sobre a
liberdade, o denomina de “o restante indivisível”, que constantemente solicita a partir
finitos seres humanos “temor” ou “respeito”.

A inversão da razão a que assistimos na passagem ao pós-idealismo


deriva de que o real foi trazido para dentro do sistema e, com o real,
também o mal. Nessa ordem, a razão está invertida e encontra-se então
a presença do mal, da doença, da morte na natureza, e da perversão
no espírito. O projeto de ir além do racionalismo idealista, que de
diferentes modos não era capaz de integrar o negativo, racionalismo
atribuído por Schelling a Leibniz, Kant, Fichte e Hegel, não poderia
deixar de revelar o real, na sua essência, como patológico, e prepara a
inversão dos valores no pensamento posterior e no mundo, sejam esses
valores morais, estéticos ou, em última instância, o próprio valor de
verdade, pré-anunciado por fim a denúncia da razão como o seu oposto,
como expressão de motivos particulares, e como dominação (FERRER;
UTTEICH, 2015, p. 162).

Em uma perspectiva kantiana, especialmente em Schelling, há uma luta com a questão


do Incondicionado. Se há alguma coisa que é singular para toda a filosofia de Schelling, e
que unifica sua carreira filosófica, muitas vezes descontínua de Schelling, é esta questão
do Incondicionado. Ele não explica a existência do mundo com a ajuda de categorias
lógicas, como em Kant. Para Schelling, um constitutivo sistema racional de categorias
lógicas não pode explicar a facticidade ou atualidade do mundo.

»» Desenvolvimento da liberdade: autonomia, espontaneidade e


autodeterminação.

»» Liberdade subjetiva x Liberdade transcendental (Cartas XV e XVI).

»» Condicionado e Incondicionado.

66
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Figura 1.

Incondicionado
Absoluto

Esfera Subjetiva Esfera Objetiva


(Criticismo) (Dogmatismo)
Eu Não-Eu

A fim de introduzirmos a visão teodiceia em Leibniz, temos ainda em Schelling, de


acordo com Cardona Soárez em “As Filosofias de Schelling”, quando retomamos a
questão da liberdade e sua relação com o bem e o mal aos olhos de Schelling, o bem de
fato é originário de Deus, porém Deus não é culpado pelo mal, uma vez que:

Para Schelling, não é possível culpar Deus pelo mal no mundo,


pois o fundamento, como princípio de possibilidade do mal, deve
necessariamente obrar para que o amor de Deus possa manifestar-se.
Na revelação final da criação, a série de males encontra seu sentido
final na história do mundo da criação, experimentada como destino
e providência. Mas, já que ainda não se chegou a essa meta final,
essa história está determinada por uma liberdade finita que inclui,
necessariamente, o abuso de seu fundamento, pois essa liberdade pode
realizar, efetivamente, uma inversão da ordem inteira do ser; mas, ao
mesmo tempo, essa liberdade especificamente humana está também
fundada em Deus (PUENTE; VIEIRA, 2005, p. 158).

Com efeito, situação paradoxal antropológica da liberdade humana, para Schelling em


“Freiheitsschrift”, o perfeito, ou seja, a plena encarnação de Deus, não alcançada no
início, mas sim somente por meio do mal, tem como reposta: “porque Deus é uma vida
e não só um ser. E toda vida tem um destino e está submetida ao sofrimento e ao devir”.

O termo Gesinnung, proveniente da filosofia kantiana e presente em todo o Idealismo


Alemão, tem como significado ‘religiosidade’, é aquilo que atua segundo o que se sabe,
mas que não contradiz a luz do conhecimento.

Schelling acredita que a liberdade pessoal do homem e a personalidade moral de Deus


estão de modo estrutural unificados com a possibilidade da plena realização, não
olvidando o caráter científico, com efeito, a razão conhece a si mesma. “Este sentimento
(Gefühl) é o entusiasmo na ação moral de um indivíduo determinada unicamente pela
ideia da unidade e da totalidade” (PUENTE; VIEIRA, 2005, p. 161).

67
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

Liberdade em Leibniz

Segundo Rawls (2005, p. 152), para Leibniz, há três condições para a ação livre, a saber:

1. Inteligência: que é um conhecimento claro do objeto de deliberação.

2. Espontaneidade: por meio da qual nós mesmos determinamos a ação


realizada (de uma maneira que nos caracteriza).

3. Contingência: isto é, a ausência de necessidade lógica ou metafísica.


Significa a existência de alternativas. A liberdade é impossível se há
apenas uma opção.

Logo, o problema do mal que o ceticismo em voga traça, é como pode haver um Deus
bom e moralmente justo, se o mal existe. Bem sabemos do problema de Epicuro:

»» ou Deus deseja remover o mal desse mundo, mas não pode fazê-lo;

»» ou ele pode fazê-lo, mas não o quer;

»» ou não tem nem a capacidade e nem a vontade de fazê-lo;

»» ou, finalmente, ele tem tanto a capacidade como a vontade de fazê-lo.

Destarte perguntas como, “então porque não impede o mal?”, segue-se da réplica: “será
que não impede mesmo?”.

Dentro de uma perspectiva leibniziana, o problema do mal precisa ser diferenciado


entre o problema emocional do mal e o problema intelectual do mal. O problema do
mal também deve ser diferenciado entre o problema do mal moral versus e o problema
do mal natural.

»» O mal moral, isto é, aquele que se deriva da vontade pervertida do homem,


da desumanidade do homem contra os seus semelhantes.

»» O mal natural, ou seja, os desastres, os dilúvios, os terremotos, os


incêndios, os acidentes, as enfermidades e a morte, que é o maior de
todos os males naturais.

Deus não criou o mundo para punir o homem, mas para ter deleite no homem e o
homem com ele. Logo, por meio da liberdade humana, isto é, o livre-arbítrio.

68
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

As escolhas de Deus, dentro desse contexto estariam nas opções entre criar o ser
humano ou não criar o ser humano; gerar consciência de vida ou não gerar consciência
de vida; permitir o conhecimento do oposto do bem (de Deus) ou não permitir. Obrigar
a obedecer ou não obrigar. Não permitir a escolha do mal ou permitir a escolha do mal.
Não aceitar o arrependimento ou aceitar o arrependimento. Não permitir que o Plano
da Salvação (vinda, morte e ressurreição de Cristo) seja executado ou permitir para que
todos possam ter a chance de salvação novamente. Não permitir o retorno ao habitat
original ou permitir.

Para Leibniz, o importante é que a liberdade de Deus assim compreendida


e nossa liberdade como uma aproximação imperfeita da liberdade
divina devem ser causas fundamentais tanto no mundo como em nossa
vida. Tudo isso se contrapõe a Espinosa, que sustentava, segundo
Leibniz, que não há causa nem sinais na natureza e que, ao passo que
consideramos as coisas boas ou más de acordo com a maneira como nos
afetam, Deus lhes é indiferente. Além disso, no esquema de Espinosa,
tal como Leibniz o compreende, a escolha divina simplesmente não
existe: pois pela necessidade da natureza divina e de sua infinitude,
cumpre que todo o possível seja real e, assim, não há nada a escolher.
Uma escolha pressupõe alternativas: é escolha disto não daquilo. Não
há lugar para tal quando cumpre que tudo o que é possível seja. O que
quer que pensemos da teoria determinista e compatibilista da liberdade
de Leibniz, ele mesmo considerava a sua visão muito diferente da de
Espinosa (RAWLS, 2005, p. 156).

Portanto, a questão do sofrimento e o problema em si giram sempre em torno da


questão da liberdade de escolha do próprio ser humano. Assim como Schelling, Leibniz
também traz consigo a concepção de que é impossível um Deus justo e plenamente
moral sem que esse se despoje de qualquer traço imperial/ditatorial totalitário, e, se
vista da bondade plena da livre liberdade de escolha por parte da humanidade.

C. S. Lewis (1986, p.11), filósofo ex-ateu da mesma vertente leibniziana, traz um


interessante comentário:

Todos os homens estão igualmente condenados, não por códigos de


ética estranhos, mas pelo seu próprio, e assim todos têm consciência
de culpa. O segundo elemento na religião é a consciência, não apenas
de uma lei moral, mas de uma regra moral tanto aprovada como
desobedecida. Essa consciência não é uma inferência lógica nem ilógica
dos fatos da experiência; se não a trouxéssemos à nossa experiência,
não a encontraríamos nela. Ou se trata de uma ilusão inexplicável, ou

69
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

de revelação. A experiência moral e a experiência numinosa estão tão


longe de ser a mesma coisa que podem coexistir por longos períodos
sem estabelecer contato mútuo. Em muitas formas de paganismo a
adoração dos deuses e as discussões éticas dos filósofos pouco têm a ver
umas com as outras.

Se o ateísmo é verdadeiro, segue-se que é impossível condenar a guerra, a opressão


ou o crime como sendo mal. Craig (2012, p. 100) indaga porque o ceticismo atribui os
valores morais: “bom” ao certo e “ruim” ao errado, seguindo-se que não há consequência
alguma futura. Cita ainda “Porque sabemos o que é certo e o que é errado? Onde reside
o valor moral objetivo?” (SORLEY apud CRAIG, 2012).

A alegação ateísta traz consigo a ideia que “tudo o que contribui para o bom andamento
da vida é bom, o que não contribui é ruim, e ponto”. Porém, podem ser levantadas,
dentro desse contexto, as seguintes perguntas: o peixe rouba a comida de outro ou o
faz por extinto? Assassina outro animal ou por necessidade natural o faz? Estupra ou
acasala em favor da vida?

Rawls (2005, p. 343) também trata da livre escolha humana quando o assunto é a
origem do mal:

Na busca pela origem racional das más ações, deve-se considerar cada
uma dessas ações como se o indivíduo tivesse caído nela diretamente a
partir de um estado de inocência. [...] Ele deveria ter-se abstido dessa
ação qualquer que fossem as circunstâncias e liames temporais; pois por
nenhuma causa no mundo pode deixar de ser um ser que age livremente.
[...] Mas isso equivale simplesmente a dizer que o homem não precisa
envolver-se no subterfúgio de buscar saber se as consequências [de suas
ações livres] são livres ou não, uma vez que existe na ação livre, que foi
sua causa, fundamento suficiente para mantê-lo responsável.

De modo paradoxal, por fim, cita Craig (2010, p. 121), a única solução para essa equação
é o próprio Deus:

Paradoxalmente, então, ainda que o problema do mal seja a maior


objeção à existência de Deus, no fim do dia Deus é a única solução para o
problema do mal. Se Deus não existe, então nós estamos perdidos, sem
esperança na vida e cheios de sofrimentos desnecessários e irreparáveis.
Deus é a resposta final para o problema do mal, pois ele nos redime
do mal e nos leva para a alegria eterna de um bem incomensurável: a
comunhão com ele.

70
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Indiferença, simetria e perfeição segundo Leibniz. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2001000200003>.

Contingência e análise infinita em Leibniz. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2001000200004>.

Ética e relações sociais um enfoque filosófico. Disponível em: <http://books.


scielo.org/id/6j3gx/pdf/jacques-9788599662892-05.pdf>.

Veja também

John Rawls: a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos - pressupostos


da justificação coerentista. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0124-61272010000200009>.

71
Capítulo 6
Individuação moral e vontade

Individuação moral
De acordo com Vieira (2005), de maneira geral, o Incondicionado, ou Absoluto, não pode
ser de modo teórico realizado, uma vez que a razão teórica em todos os casos antecede a
relação do sujeito/objeto, sendo que o Incondicionado não está a ela submetido. Logo,
a sua realização pode ser apenas prático-moral.

Tal exigência moral conecta entre si duas dimensões, segundo Vieira (2005), a saber:

»» a fenomênica condicionada; e

»» a do ser em si incondicionado.

Tratando-se de Incondicionado, Schelling almeja demonstrar que quando a exigência


moral é tida como suprema, leva-nos então ao domínio do mundo dos objetos, os
quais são transformados em propriedade moral, uma vez que são encontrados os
objetos naturais de maneira enclaustrada nos limites da completude condicionada
e heteronômica. “A autonomia da subjetividade incondicionada faz da natureza uma
apropriação minha, algo possuído em consequência do meu ser incondicionado”
(VIEIRA, 2005, p.53).

A diferenciação entre o mundo físico e o mundo moral é a de que o mundo moral não
pode ser um objeto natural qualquer, não se trata mais de resistência física, mas sim está
relacionado à resistência oferecida pelo ser vivo que é concomitantemente autônomo e
fenomênico.

Em uma questão estritamente de causalidade incondicionada, não há mais conflitos e


querelas, uma vez que o Incondicionado também elimina o conflito, a luta e a discórdia.

Conflitos surgem pelo fato de que o ser vivo desenvolve sua causalidade
incondicionada no mundo empírico e temporal, o qual não é caracterizado
apenas por identidade, mas também pela não identidade ou diferença.
Haveria, de fato, um consenso absoluto (absolute Übereinstimmung),
caso o ser vivo fosse encarado apenas na sua dimensão incondicionada
ou já estivesse alcançado, ao longo de um esforço empírico, o telos
supremo de sua ação: o Incondicionado. Assim sendo, esse esforço

72
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

empírico arrasta as subjetividades para um conflito mediante


o qual tem lugar a individuação do ser moral (VIEIRA, 2005, p.
54, grifo nosso).

Destarte, ainda em concepções schellingianas trazidas pelo mesmo autor, é possível


descrever a individuação do ser moral no modo que segue:

Figura 5. Individuação do ser moral.

Individuação do
ser moral

a. Tese - Ser moral em geral ou indivíduos morais tomados na


sua autonomia incondicionada.

b. Antítese - Indivíduos morais em conflito.

c. Síntese - Indivíduo moral.

Fonte: adaptado de Vieira (2005, p. 54).

Onde:

»» A causalidade incondicionada do ser moral representa a tese ou a


incondicionalidade, significando a identidade essencial do eu finito moral
com o Incondicionado.

»» O conflito do indivíduo moral com outros indivíduos morais, enquanto


eles se esforçarem no tempo para realizar o telos supremo, representa a
antítese.

»» O indivíduo moral é a síntese entre o agente moral, enquanto, por um


lado, condicionado, e, por outro, dotado desse poder de afirmação de si,
atividade autotética, em si, absoluta.

Em (a), podemos extrair que o ser moral é o eu moral finito, o qual, por sua vez, é
idêntico no seu ser em si ao Absoluto. Enquanto que em (b), a individualidade moral
resulta do esforço de cumprir o mandamento moral, tanto: (1) no tempo; (2) no terreno
da identidade e multiplicidade ou não identidade, onde, tal mandamento exige a
coordenação do fenômeno com o ser em si. “A relação entre essas individualidades
morais pode resultar em um conflito infinito no mundo moral” (VIEIRA, 2005, p. 54).

73
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

O autor trata que, em (c), o ser moral é atividade autotética absoluta, idêntico ao
Absoluto e a outros indivíduos morais, por um lado, enquanto que do outro lado, é
diferente ou não idêntico ao Absoluto e a outros indivíduos morais, na medida em que,
em função de sua autonomia, ele põe para si e, em virtude disso, também em relação
a outrem, conteúdos que são específicos de tal atividade de autodeterminação. Logo, o
indivíduo moral é a articulação entre identidade e não identidade.

FILOSOFIA TEÓRICA FILOSOFIA PRÁTICA

INCONDICIONADO INCONDICIONADO

Eu (identidade absoluta) Sujeito moral infinito

versus (com autonomia e determinação)

não Eu (objeto) versus

Síntese: conhecimento teórico Móveis sensíveis (determinação do


universal e verdadeiro. agir)

Síntese: Mandamento moral

De um lado, a espontaneidade do sujeito moral; do outro, o sujeito moral


transformado em servo dos interesses e inclinações que não conduzem à
universalidade absoluta.

»» Qual seria então a ação do sujeito moral em Schelling? Sua ação deve
se encaminhar “para aquilo que é tanto o começo quanto o fim do agir
moral: o Incondicionado”.

»» Mandamento moral: “Torna-te idêntico, eleva (no tempo) as formas


subjetivas de sua essência à forma do Absoluto”. Sê! No pleno sentido
da palavra. Cessa, tu mesmo, de ser um fenômeno; esforça-te por ser
um ser em si! Essa é a exigência suprema de toda filosofia prática”. (§3,
NDN).

»» Papel da moral: Eu finito se unifica com o Eu incondicionado.

›› Fazer com que o Eu finito realize e alcance o Incondicionado;

›› Fazer com que vença a dualidade de uma liberdade transcendental.

»» Mediação de retorno para o princípio e fim da moral.

74
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

»» Indivíduo moral:

›› Causalidade incondicionada do ser moral: identidade essencial


do eu finito moral com o Incondicionado.

»» Ser moral:

›› Eu moral finito;

›› Idêntico ao absoluto e a outros indivíduos morais.

»» Indivíduos morais em conflito: se dá enquanto eles se esforçam no


tempo para realizar o telos supremo.

»» Indivíduo moral: aquele que se esforça para cumprir no tempo o


mandamento moral (exige a coordenação entre o fenômeno e ser
em si). É a dualidade resultante de suas escolhas, diferente de outros
indivíduos morais em virtude de tais escolhas e por isso, diferente do
Absoluto. Síntese entre o agente moral (condicionado) e o ser em si
(autoafirmação absoluta).

»» Conflito infinito no mundo moral: por que se transpõe a causalidade


incondicionada (ilimitada) ao indivíduo moral que é finito. Por isso,
temos uma “liberdade empírica limitada”.

Vontade
Percebe-se que a Moral abarca a questão tanto da identidade, quando da diferença,
conduzindo ela a um conflito e à solução. Logo, a Ética e o Direito pensam sobre o
mandamento moral que pode ser perturbado pelo possível conflito infinito moral no
mundo.

Enquanto a Moral leva em conta apenas a autonomia do indivíduo, a


Ética e o Direito dizem respeito à autonomia de todos os indivíduos.
Portanto, Moral, Ética e Direito se distinguem na singularidade (Moral)
e pluralidade (Ética/Direito) daquele(a) a quem a norma moral, ética
ou legal se dirige (VIEIRA, 2005).

O estudo da Ética, da Moral e do Direito exige que seja caracterizado aquilo sobre o
qual é refletido pelas três disciplinas, Vieira (2005, p. 56) denomina-as de ‘consenso
universal’ e ‘consenso absoluto’, requerendo investigar os elementos que os promovem,
tal como as vontades: em geral e absoluta.

75
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

»» Vontade: representa a atividade autotética condicionada do sujeito


moral, mediante a qual ele condiciona a matéria de seu agir, bem como,
por sua vez, é condicionado por essa mesma matéria.

›› Vontade absoluta: expressa o reino da plena e absoluta identidade.

›› Vontade em geral: representa uma diferenciação interna, imanente


à vontade absoluta, articulando identidade e não identidade ou
diferença, surgida no seio da própria vontade absoluta, de tal forma
que o problema da vontade em geral é tornar idêntica à vontade.

A tríade dialética que envolve a unidade, a multiplicidade e a universalidade, objetiva


a interação de todas as vontades individuais em apenas uma vontade universal
representada na seguinte relação:

Quadro 7. Tríade dialética.

Unidade (singular) Minha vontade; (vontade singular/individual).


Multiplicidade Vontade de todos os outros (vontades particulares).
Minha vontade limitada à vontade de todos os outros e, por sua vez, a vontade de todos os outros limitada
Universalidade (universal)
à minha vontade (vontade universal/unidade multíplice de multiplicidade uma).
Fonte: adaptado de Vieira (2005, p. 57).

Pode-se também imaginar esse esquema em círculos inseridos um ao outro como


conjuntos matemáticos, ou na figura de esfera, ou ainda, como o globo terrestre, onde,
a unidade encontra-se no centro da Terra, a multiplicidade seria a crosta terrestre,
enquanto que a universalidade a atmosfera ou universo, ou seja, a multiplicidade
engloba a unidade, e essas duas, por sua vez, são englobadas pela universalidade.

Com efeito, o autor nos apresenta o problema das vontades e de toda a filosofia moral,
em seguida, sua solução em Schelling:

Sendo uma diferenciação interna à vontade absoluta, a mediação


entre vontade individual e vontade universal deve ter como seu telos
e horizonte de realização a vontade absoluta. A vontade absoluta,
entendida como a vontade singular que já é imediatamente a vontade
universal e, por seu turno, a vontade universal que já é imediatamente
uma vontade singular, multiplicidade e universal não tem mais lugar,
representa o problema de toda filosofia moral. A solução do problema,
formulada de uma forma bastante simples por Schelling, é a seguinte:
a Ética torna idêntica a vontade individual com a vontade universal,
ao passo que o Direito ou a ciência do Direito torna idêntica a vontade
universal com a vontade individual. (VEIRA, 2005, p. 58, grifo do
autor)

76
ÉTICA MODERNA │ UNIDADE ÚNICA

Quando Schelling anuncia o problema de toda a filosofia moral, ele se volta para
a vontade absoluta, que é caracterizada justamente pela ausência de vontade, tanto
individual quanto universal, bem como a ausência de conflitos.

Vieira (2005) nos mostra que tanto a Ética quanto o Direito, têm como objeto a
“investigação das condições viabilizadores de um consenso universal”, objetivando,
claro, o consenso absoluto.

Sendo, portanto, a experiência da dualidade, a moral não pode ser organizada em função
da “lógica” da não dualidade, em virtude desse fato, há a causação de danos para os dois
lados: moralização do Absoluto e absolutização da moral. Logo, levam:

»» Antropomorfismo na abordagem do incondicionado;

»» Às piores formas de fanatismo e atrocidades, das quais na do mundo,


temos tetricamente, inúmeros acontecimentos.

Em suma:

»» Vontade → que promove acordo entre os indivíduos; atividade do eu


de afirmar a si mesmo, mediante a escolha: autonomia da vontade em
sua efetivação; atividade de si, condicionada do sujeito moral.

»» Vontade absoluta → pressuposição da vontade em geral. Expressa o


reino da plena e absoluta identidade.

»» Vontade em geral → diferenciação eterna, articulando identidade


e não identidade. Seu problema é tornar idênticas as vontades. A
vontade de todos está limitada a minha vontade e a minha vontade à
de todos. Mediação entre a vontade individual e a vontade universal.
Essa é tratada pela Ética.

»» Máxima individualidade → liberdade ilimitada.

»» Máxima universalidade → legalidade.

»» Telos é a vontade absoluta.

»» Problema da filosofia moral → vontade absoluta.

»» Consenso absoluto → total identidade. O consenso absoluto (IX


Carta) não é realizado. Pode ser visto como princípio e fim do consenso
universal.

77
UNIDADE ÚNICA │ ÉTICA MODERNA

»» Consenso universal → na vontade em geral (no plano moral –


contingente).

Logo, a vontade absoluta com problema da filosofia moral pode ser representada pelo
seguinte esquema de Vieira (2005, p. 58):

Figura 2.

Ética

Vontade Vontade

Singular Universal

Ciência do Direito

Logo, é possível entender que o consenso absoluto somente é pensado numa esfera
onde a vontade também é absoluta. Enquanto que o “consenso universal é realizado na
dimensão de uma vontade em geral”, isto é, “na dimensão do entrecruzamento entre
identidade e não identidade”.

A vontade, agora numa ótica geral, difere do desejo, uma vez que possui características que
a diferem, tal como o ato voluntário, tenacidade, perseverança, resistência, continuação
do esforço etc. Exige também discernimento, reflexo, deliberação, avaliação, decisão
e posicionamento. A vontade julga, avalia, compara etc., tudo isso antes da ação. Por
fim, pode-se atribuir a vontade aliada da responsabilidade, uma vez que visa e pesa as
possíveis consequências do ato.

Vontade geral e decisão coletiva em Rousseau. Disponível em: <http://www.


scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732010000200003>.

A dimensão objetiva da vontade geral em Hegel. Disponível em: <http://


www.scielo.br/pdf/ln/n43/a04n43.pdf>.

Desejo em Descartes: vontade, erro e generosidade. Disponível em:


<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ar ttex t&pid
=S1519-94792003000100010>.

78
Para (não) Finalizar

Não pare no meio do caminho!


Ingenuidade é acreditar que um assunto se encontra esgotado sempre ao final de algum
livro, material ou estudo, uma vez que esses são meios de pesquisa para que nossos
estudos prossigam sempre em ascensão.

E é dessa maneira, para enriquecer os conhecimentos do aluno dedicado, que nos


esforçamos em oferecer conteúdo de grande valia para aprimoramento de seu curso e
disciplina, tanto para quem deseja conhecer por meio de seu primeiro contato com o
tema, quanto para profissionais do setor que possuem o desejo de aprofundar-se ainda
mais.

Desse modo, está claro que essa não é uma forma de esgotar o assunto, uma vez que
os conteúdos, artigos e sugestões de leituras complementares diversas aqui citadas
estão baseados em outros, aos quais, por sua vez, tomaram por consulta outros e assim
sucessivamente. Esse é o brilho do escalonamento do conhecimento.

Indicamos, portanto os seguintes conteúdos, e especialmente temáticas úteis, a fim de


dar cadência e continuidade aos seus estudos de temáticas para pesquisas (não tratadas
ou não necessariamente aprofundadas nesse material):

Sobre a filosofia moral e a filosofia moral moderna:

»» O principal problema da filosofia moral grega;

»» Relação entre filosofia moral e religião;

»» Senso moral e consciência moral;

»» Juízo de fato e juízo de valor, normativos e prescritivos;

»» Profanação e discriminação;

»» Sócrates e a consciência do agente moral;

»» Aristóteles e a práxis;

›› Saber teorético ou contemplativo e saber prático;

79
Para (Não) Finalizar

»» Deliberação e decisão;

»» Concepções de dever e a ideia da intenção;

»» A servidão passional a liberdade afetiva;

»» Concepções de virtude, razão, desejo e vontade: concepção intelectualista


e concepção voluntarista;

»» Emotivismo ético;

»» Racionalismo humanista;

»» A ética sob o ponto de vista da psicanálise, especialmente em Freud;

»» A liberdade como problema em questão filosófica;

»» Necessidade e liberdade.

Sobre David Hume, a ética e a moral:

»» Ceticismo e o fideísmo na natureza;

»» A teoria humana da deliberação;

»» Princípios psicológicos em Hume;

»» O apetite geral do bem;

»» A justiça como virtude artificial, sua origem, bem como da propriedade e


ideias de convenção;

»» Estágios de desenvolvimento;

»» Crítica do intuicionismo racional;

»» A concepção de certo e errado;

»» Psicologia moral do intuicionismo racional;

»» Argumentação humiana da moralidade não demonstrável;

»» Teoria da simpatia;

»» Ideia do espectador judicioso;

»» O papel epistemológico dos sentimentos morais.

80
para (não) finalizar

Sobre Kant:

»» O valor absoluto de uma boa vontade e seus papéis;

»» Propósito especial da razão;

»» Imperativo categórico:

›› Características dos agentes morais;

›› A promessa enganosa;

›› A máxima da indiferença;

›› Os limites da informação;

›› A estrutura dos motivos;

›› A relação entre as formulações;

›› Deveres de justiça e deveres de virtude;

›› Interpretação positiva e negativa;

›› Acesso à lei moral;

›› Sobre a supremacia da razão;

›› Convergências da lei moral e da intuição.

»» Construtivismo moral, procedimentos, concepções de objetividade e o


imperativo categórico sintético a priori.

»» O fato da razão;

»» Autenticação da lei moral;

»» Lei moral como a lei da liberdade e ideias de liberdade;

»» Espontaneidade absoluta;

»» A psicologia moral da religião, a livre faculdade de escolha, origem do


mal;

»» Psicologia da moral maniqueísta;

»» As raízes da motivação moral em nossa pessoa;

81
Para (Não) Finalizar

»» O reino dos fins e o sumo bem como objeto da moral;

»» O conteúdo da fé razoável e a unidade da razão.

Sobre Hegel:

»» A filosofia como reconciliação, a vontade livre, propriedade privada e a


sociedade civil;

»» A teoria do dever, o Estado, guerra e paz;

»» Crítica ao liberalismo.

82
Referências

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