02.psicologo Escolar - Perspectivas Atuais

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

PSICOLOGO ESCOLAR: PERSPECTIVAS ATUAIS

Maria Aurora Dias Gaspar1

RESUMO

Esse estudo tem por proposta a reflexão do papel do psicólogo escolar, numa perspectiva preventiva do
processo educacional. O tema vai ao encontro da atual discussão das políticas públicas que aprovou o
projeto lei n°326/2019, que estabelece a implantação de serviços de psicologia nas escolas públicas do
Estado, e que deve considerar os fatores intraescolares e o contexto biopsicossocial. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico, com intervenção psicoeducativa na orientação de alunos, e
prioriza a ação preventiva do psicólogo. A pesquisa foi realizada numa escola técnica profissionalizante-
ETEC, e em uma escola privada em São Paulo. As queixas sinalizam dificuldades de manter atenção
nas aulas on-line, apatia por parte dos alunos, isolamento social, depressão e ansiedade, dificuldade na
convivência humana, dificuldade na comunicação. O objetivo é desenvolver a potencialidade dos alunos
nas dimensões afetivas, cognitivas e sociais, considerando o contexto biopsicossocial. Na coleta de
dados utilizou a observação das aulas on-line e oficinas psicoeducativas que usaram estratégias de rodas
de conversa e reflexões a partir de vídeos, letras de músicas, dinâmicas interativas e arte-educação. A
análise de dados utilizada foi a categoria de análise e o referencial utilizado foi a abordagem humanista
Rogeriana, que prioriza as relações interpessoais, considerando o aluno na totalidade. Os resultados
sinalizam que a perspectiva preventiva do psicólogo escolar possibilita que os alunos tenham
desenvolvimento satisfatório nas habilidades socioemocionais.
Palavras-chave: Práticas em educação; Psicólogo Escolar; Prevenção; Educação; habilidades
socioemocionais.

INTRODUÇÃO

As possibilidades de atuação do Psicólogo na instituição escolar constituem uma


melhora da qualidade do processo educativo. O tema vai ao encontro da atual discussão das
políticas públicas que aprovou o projeto lei n°326/2019 em 02/04/2019, que estabelece a
implantação de serviços de psicologia nas escolas públicas do Estado. PROJETO DE LEI Nº
326, DE 2019: Dispõe sobre a implantação de serviços de psicologia e assistente social nas
escolas da Rede Pública Estadual e institui a Lei E. E. Professor Raul Brasil de Suzano.
Essa discussão remete a uma retomada do papel do psicólogo escolar, que vem
apresentando uma perspectiva clínica, que tem por enfoque centralizar os problemas de
escolarização do cotidiano escolar no aluno, isto é, a responsabilidade dos insucessos e dos

1
Doutora pela PUCSP em Psicologia da Educaçao, UNINOVE, [email protected] ;
fracassos recai sempre sobre o aluno. O papel do psicólogo escolar seria tratar os alunos-
problema e dar o atendimento para que tenham melhores condições de rendimento na sala de
aula. A psicologia escolar como um campo de atuação é fundamentada em saberes produzidos
pela Psicologia da Educação (ANTUNES, 2008), no qual, os fenômenos psicológicos são
produzidos na área educacional. Durante toda a primeira metade do século XX, a psicologia
escolar apresentava um caráter mais clínico, onde os psicólogos escolares trabalhavam o
desenvolvimento e a aprendizagem. O objetivo do psicólogo nas escolas era diagnosticar as
crianças para encontrar padrões de normalidade, e direcionar as crianças para o “atendimento
especial” quando necessário (BARBOSA; SOUZA, 2012). Esse era um modelo de cunho
patologizante, distante das ações preventivas e interdisciplinares. (ANTUNES, 2008).

Sua atuação se associa frequentemente ao diagnóstico e ao atendimento de crianças


com dificuldades emocionais ou de comportamento, bem como à orientação aos pais
e aos professores sobre como trabalhar com alunos com esse tipo de problema. Essa
situação é resultado do impacto do modelo clínico terapêutico de formação e atuação
dos psicólogos no Brasil (MARTINEZ: 2010, p.40).

No início dos anos 90, com a criação da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional (ABRAPEE), novas discussões sobre o papel do psicólogo na Educação Escolar
do Brasil, numa perspectiva preventiva, priorizando o contexto biopsicossocial, se faz
necessária. Visto que a relação de ensino e aprendizagem pretende reafirmar o papel do
psicólogo escolar e suas contribuições como profissional da educação.
A intervenção da atuação do psicólogo na escola mantendo uma visão preventiva,
contemplando o atendimento aos alunos, pais e professores se faz necessária, visto que a relação
de ensino e aprendizagem pretende reafirmar o papel do psicólogo escolar e suas contribuições
como profissional da educação. A noção de prevenção está comumente, relacionada à ação de
se antecipar a determinado fenômeno com o objetivo de evitar que ele ocorra e de ajustar
soluções a possíveis problemáticas. A intervenção preventiva proposta contemporaneamente
pela Psicologia Escolar pretende contribuir para que aconteçam reformulações pessoais e
institucionais no sentido de oportunizar, aos atores envolvidos, transformações e saltos
qualitativos em seu desenvolvimento. Tais saltos podem ser possíveis através de ações do
psicólogo escolar que estejam intencionalmente comprometidas com tal objetivo, como, por
exemplo, em relação às concepções dos profissionais da escola acerca da avaliação, da
aprendizagem e do desenvolvimento humano.
A atuação preventiva em Psicologia Escolar deve estar respaldada em ações que
busquem a) facilitar e incentivar a construção de estratégias de ensino diversificadas; b)
promover a reflexão e a conscientização de funções, papéis e responsabilidades dos sujeitos; c)
superar, junto com a equipe escolar, os obstáculos à apropriação do conhecimento (MARINHO-
ARAÚJO; ALMEIDA, 2005). Entre as dificuldades encontradas para a inserção da psicologia
escolar, ressalta-se o desconhecimento por parte dos pais e da instituição escolar quanto ao
papel efetivo deste profissional. Sabem que o papel não é clínico, mas, ao mesmo tempo, não
veem o psicólogo como um facilitador das relações de ensino e aprendizagem.

Esta pesquisa é resultado da prática em psicologia escolar, com ações de intervenção


nos processos educativos, priorizando a perspectiva preventiva no cenário educacional. As
ações tiveram como foco a dimensão psicoeducativa que consiste em orientar alunos e pais,
com projetos de intervenção no processo educativo.

IMPORTÂNCIA DAS COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS NO PROCESSO DE


APRENDIZAGEM

Por meio da observação sob o olhar da psicologia escolar, gera-se muitas preocupações,
em diversos aspectos formativos, sobretudo no desenvolvimento de competências
socioemocionais na dimensão da convivência humana, que faz parte das prioridades do
processo formativo na Educação Básica. Cabe à instituição escolar não só a manutenção do
arcabouço de conhecimentos acumulados na história da civilização, como também o
desenvolvimento de seres pensantes, criativos, construtores de conhecimento, que saibam se
relacionar consigo mesmos e com os outros, comprometidos na construção de um mundo
melhor. Compreender como tais habilidades podem contribuir com a melhoria do desempenho
escolar e vida futura dos estudantes permite construir caminhos que promovam o
desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de uma educação de qualidade. (ABED, 2014,
p.7)
As competências socioemocionais são capacidades individuais que se manifestam nos
modos de pensar, sentir e nos comportamentos ou atitudes para se relacionar consigo mesmo e
com os outros, estabelecer objetivos, tomar decisões e enfrentar situações novas ou adversas.
Elas podem ser observadas em nosso padrão costumeiro de ação e reação frente a estímulos de
ordem pessoal e social. Entre outros exemplos, estão a persistência, a assertividade, a empatia,
a autoconfiança e a curiosidade para aprender. (DEL PRETTE, p. 1999). O Ministério da
Educação (MEC), com a homologação da BNCC (Banco Nacional Comum Curricular), em
2017, incluiu as habilidades socioemocionais no ensino básico e, a partir de 2020, as escolas do
país teriam que se adaptar às novas diretrizes, conforme nos explica Teixeira, em “Habilidades
Sócio emocionais na Educação”. (2020, p. 53).
O processo de escolarização nos últimos anos, vem acompanhando o excesso da
tecnologia no cotidiano das crianças e jovens, e mesmo antes da pandemia, observa-se uma
restrição na comunicação, nos processos interativos, que refletem na autonomia de crianças e
adolescentes. A pandemia apenas corroborou esses aspectos, que podem ser observados nas
aulas on-line, mas também pelas queixas escolares sinalizadas pelos pais, professores e
coordenadores das escolas. O processo de comunicação e a convivência dos alunos, passou a
ser restrita; pais e professores evidenciavam preocupações na ausência de comunicação por
parte dos filhos e alunos.
Esse momento de pandemia, só intensificou uma situação que já vem se apresentando
nos últimos anos- a ausência de habilidades sócio emocionais por parte de crianças e
adolescentes. Cumpre observar que durante a pandemia, as escolas que fizeram parte desta
pesquisa estavam com aulas on-line, e todas as atividades de intervenção realizadas foram on-
line.
Esse estudo priorizou a reflexão do papel do psicólogo escolar, numa perspectiva
preventiva do processo educacional, a fim de promover o desenvolvimento da potencialidade
dos alunos nas dimensões afetiva, cognitiva e social, considerando o contexto biopsicossocial,
assegurando o aprimoramento das competências socioemocionais, considerando que a ausência
de habilidades socioemocionais é evidenciada na ausência da comunicação, comprometendo os
resultados de desempenho escolar.

Somos pessoas completas: com afeto, cognição e movimento, e nos relacionamos com
um aluno também pessoa completa, integral, com afeto, cognição e movimento.
Somos componentes privilegiados do meio de nosso aluno. Torná-lo mais propício ao
desenvolvimento é nossa responsabilidade. (Almeida, 2002, p. 86)

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico, com intervenção


psicoeducativa on-line. Os participantes da pesquisa foram alunos de uma Escola Técnica do
Centro Paula Souza, e alunos de uma escola privada de São Paulo. Para a coleta de dados foi
utilizada a observação e a intervenção psicoeducativa na modalidade online; nas intervenções
psicoeducativas foram organizadas oficinas interativas que possibilitaram o uso das seguintes
ferramentas: rodas de conversa, arte-educação, reflexões com vídeos e músicas, debates de
temas geradores, dinâmicas de grupo, atividades lúdicas. O referencial teórico utilizado para a
análise de dados foi a abordagem humanista de Carl Rogers.
A análise de dados utilizada foi a categoria de análise a partir da observação das oficinas
interativas, que possibilitaram a compreensão do processo de comunicação que se evidencia na
fala dos alunos cotidianamente. Os resultados tabulados por análise de categoria indicam que
as oficinas possibilitaram a expressão de emoções, sentimentos e dúvidas, diminuindo
ansiedade e o sofrimento psíquico dos alunos, e otimizando o processo de comunicação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A proposta de intervenção procurou promover um espaço de escuta ativa e acolhimento


para as diversas dificuldades enfrentadas na pandemia. A perspectiva da Psicologia Escolar
preventiva na escola, possibilita a otimização do aluno na sua dimensão afetiva, social,
cognitiva e psicomotora, sinalizando uma melhor convivência, e uma melhora no processo de
comunicação. Comunicação não diz respeito apenas a conteúdos de cunho cognitivo e
intelectual, mas refere-se, segundo Rogers (1983), "a algo mais 'vivencial', algo que abrange a
pessoa inteira, tanto as reações viscerais e os sentimentos como os pensamentos e as palavras"
(p.4). Ao relatar as dificuldades e consequências experimentadas nesse tipo de comunicação,
Rogers (1983) afirma:
constato [...] que ouvir traz conseqüências. Quando efetivamente ouço uma pessoa e
os significados que lhe são importantes naquele momento, ouvindo não suas palavras,
mas ela mesma, e quando lhe demonstro que ouvi seus significados pessoais e íntimos,
muitas coisas acontecem. (p.6).

Quanto ao aspecto das competências socioemocionais, as oficinas estimularam a


expressão das emoções e o processo de comunicação e interação. O processo formativo das
competências socioemocionais são tão importantes quanto a dimensão cognitiva, e desencadeia
condições satisfatorias no processo de aprendizagem, e as oficinas psicoeducativas possibilitam
o seu aprimoramento.
Cumpre ressaltar que Rogers ( 1970) tem um estudo sobre os grupos de encontro cujo
objetivo, é promover “o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da
comunicação e relações interpessoais, através de um processo experiencial” (p. 14). O grupo de
encontro é uma modalidade de atendimento grupal que tem como proposta auxiliar as pessoas
interessadas em desenvolver e aperfeiçoar sua capacidade de comunicação e de relacionamento
interpessoal. As oficinas interativas tiveram como objetivo possibilitar o desenvolvimento do
processo de comunicação, melhorando a convivência social. E uma experiência intensa para os
alunos, que interagem e, passam a ter uma escuta sobre o outro e também escutam a si próprios.
O conteúdo das oficinas foi centrado na compreensão e expressão das emoções (Miguel, 2015).
O cerne desta pesquisa, aborda as dificuldades de desenvolvimento das competências
socioemocionais. A intervenção das oficinas psicoeducativas possibilitou que os alunos se
expressassem, trazendo dificuldades na comunicação, na interação social, na convivência de
grupo.
Durante as rodas de conversa, que ocorreram durante as oficinas, foi possível identificar
que a maioria dos alunos sente necessidade de ser ouvido, pois no cotidiano da vida familiar a
convivência é muito restrita, muitos comportamentos acontecem no automatismo dos deveres
diários. As rodas de conversa possibilitaram a escuta sensível empática e atitude positiva
incondicional, pois no cotidiano da vida familiar a convivência passou a não ser frequente, e
não há motivação no diálogo, na reflexão, incentivando a comunicação. Os alunos evidenciam
necessidade de acolhimento, de um olhar atento, um abraço, estabelecer vínculos afetivos, que
a ausência na sua vida familiar não propicia no cotidiano da vida diária. Rogers (1961) aponta
que ter congruência, atitude positiva incondicional, compreensão empática, são os elementos
facilitadores para uma melhor convivência, e consequentemente favorecem o processo de
aprendizagem. As oficinas psicoeducativas se fundamentaram numa escuta empática,
congruência e atitude positiva incondicional, favorecendo a interação no grupo, incentivando a
expressão de sentimento e emoções e o processo de comunicação.
No decorrer das intervenções observamos que alguns alunos apresentavam necessidade
em estar no centro das atenções, falando concomitantemente como numa competição, tamanha
a necessidade de falar e ser ouvidos. Sentiam grande necessidade de acolhimento a fim de
relatar as dores emocionais, medos, e sofrimentos ocorridos na pandemia. Relatavam com
frequência a saudade que sentem do espaço escolar, afirmando que era o único lugar que
mantinham relacionamentos sociais, participando do convívio com pessoas diferentes,
conversando e ouvindo. Foi evidenciado que o diálogo que outrora aconteceria com pais e
cuidadores, no processo educativo familiar, não está acontecendo, mesmo com a maioria dos
familiares trabalhando em home office nesse período de pandemia, ou seja, estamos diante de
um processo de ausência de comunicação na família.
As profundas e velozes transformações que a sociedade vive nas últimas décadas,
provocadas, segundo Morin (2000) pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de
comunicações que "encurtou o planeta", provocam um movimento de repensar as instituições
sociais, dentre elas a escola; entretanto, nem sempre as alterações paradigmáticas e os novos
alicerces teóricos chegam até o chão da escola. A grande parte das instituições de ensino
continua voltada para a preparação cognitiva e conteudista, visando o vestibular e o Enem, que
estão no final do túnel. "Transformar o espaço escolar não é uma opção: é uma consequência
inevitável do 'efeito dominó' em que estamos inseridos". (ABED, 2014, p.7). Não se trata de
descuidar dos conteúdos que compõem as grades curriculares das disciplinas escolares (que são
muito importantes), mas de resgatar os demais aspectos do humano, reintegrando-o em suas
múltiplas facetas constitutivas. Rogers (1974), aponta que precisamos considerar o indivíduo
por inteiro, num processo de aprendizagem pervagante, que compreende todas as dimensões
afetiva, cognitiva, social e psicomotora.
A análise de dados permite verificar que a comunicação entre pais e filhos, reduziu
drasticamente durante a pandemia, assim como a ausência de trocas significativas, sobretudo
na dimensão da convivência humana, que faz parte das prioridades do processo formativo na
Educação (DEL PRETTE, 1999). Os alunos se encontram em isolamento social, além das
prioridades pandêmicas, causado pela ausência de comunicação real e significativa, culminando
em sintomas percebidos pelos próprios pais e pelos professores, citamos ainda a apatia,
silenciamento e afastamento, ausência de trocas na convivência diária com seus pares. A todo
o momento, ensinante e aprendente estão se encontrando e se transformando ao olharem para
os objetos do conhecimento. Nas palavras da psicopedagoga argentina Sara Paín, "tudo começa
na triangulação do primeiro olhar" (PAÍN apud FERNÀNDEZ, 1990, p.28).
Nas reflexões observadas durante as intervenções percebe-se na fala dos alunos o desejo
de voltar a se encontrar com o grupo de amigos, para se abraçar e conviver novamente. Relatos
como sinto saudades de conversar no pátio, na cantina da escola, nos corredores das salas de
aula, são expressões sinalizadas nas oficinas. Almeida (2001) enfatiza em seus estudos que as
conversas de corredor e os intervalos são situações de relações interpessoais intensas para os
alunos. O espaço entre a sala dos professores e as portas das salas de aula proporcionam
conversas informais que intensificam essas relações; as conversas de corredor são apontadas
como momentos de interação muito ricos, geralmente mais ricos do que as reuniões maiores
como o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). A autora mencionada cita sua
experiência como aluna e como profissional, destacando a necessidade de desenvolver
determinadas habilidades, atitudes, sentimentos que são o sustentáculo da atuação relacional:
olhar, ouvir, falar e prezar.
Na tarefa de coordenação pedagógica, de formação, é muito importante prestar
atenção no outro, nos seus saberes, nas suas dificuldades, nas suas angústias, no seu
momento, enfim. [...] Há outra questão a considerar: a amplitude do olhar. Ou seja, há
um olhar imediato de curto alcance, um olhar que nos faz chegar às pessoas e aos
problemas do cotidiano. Mas há outro olhar, mais amplo, que nos faz projetar o futuro,
o que desejamos construir a médio e longo prazo. (ALMEIDA, 2001, p. 71).

Dessa forma, as habilidades socioemocionais necessárias para viver em sociedade estão


em prejuízo nesse momento, podendo resultar em dificuldades significativas no
desenvolvimento biopsicossocial das crianças, adolescentes e jovens dessa época de pandemia
em nosso país, ou dessas gerações.
Em uma sociedade como a nossa, em que os alunos passam, desde a mais tenra idade,
várias horas de suas vidas na escola (tempo que está sendo ampliado, no Brasil, com
a implantação da jornada de tempo integral e a obrigatoriedade do ingresso na escola
aos quatro anos), cabe pensar no papel do ambiente escolar na promoção da saúde
mental e física dos estudantes. Uma "escola suficientemente boa", com "professores
suficientemente bons" (parafraseando Winnicott) é uma alternativa institucional para
combater os revezes decorrentes de condições familiares e sociais marcadas por
carências afetivas, alimentares, materiais, muitas vezes envolvidas em violências de
diferentes tipos e graus. (ABED, 2014: 112)

Nesse pensar o tempo que a criança fica na escola, devemos também considerar a
formação de professores e sua qualificação, uma vez que o professor pode ser o facilitador na
promoção do desenvolvimento das habilidades socioemocionais. GUSDORF (1995),
argumenta que o professor queira ou não, torna-se um modelo para o aluno, em especial na
sociedade contemporânea na qual os próprios pais delegam ao professor muitas
responsabilidades, que o fazem ser muito importante na vida de cada um de seus alunos. Por
isso, ao longo de toda a vida, o ser humano guardará uma saudade fiel daqueles que para muitos
foram os primeiros sustentáculos da verdade, os guardiões da esperança humana. Assim, falar
da importância das relações interpessoais na formação de professores, no momento atual, é de
extrema relevância, uma vez que o palco das discussões na área educacional desvela a
prioridade na modificação desse processo formativo, que tem como tarefa desafiadora formar
o professor no e do mundo contemporâneo.

Almeida (2001, p. 79) já discutia a dimensão positiva do ouvir: “Quando alguém é


ouvido (e compreendido), isso traz uma mudança na percepção de si mesmo, por sentir-se
valorizado e aceito. E, por sentir-se valorizado e aceito, pode apresentar-se ao outro sem medo,
sem constrangimentos”. O olhar atento e o ouvir são pré-requisitos para uma fala significativa
para o professor.

O quanto as pessoas, em diferentes contextos, principalmente no contexto de


formação, querem ser consideradas, vistas, ouvidas, querem receber uma
comunicação autêntica; enfim, o quanto elas desejam ser percebidas como pessoas no
relacionamento, e quanto esse tipo de relacionamento traz como ganhos. (ALMEIDA,
2001, p. 77).

No desenvolvimento das competências socioemocionais, professores, pais,


coordenação pedagógica devem estar envolvidos no processo para o aprimoramento das
competências socioemocionais, otimizando a convivência social, e os níveis de
comunicação como uma possibilidade diária no cotidiano escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo possibilitou uma compreensão do papel do psicologo escolar na persepctiva


preventiva, considerando a importância do desenvolvimento socioemocional dos alunos. A
pandemia fez com que alunos de todas as faixas etárias estivessem dentro de casa, isolados da
convivência diária que a escola promove, diminuindo as habilidades socioemocionais, da
comunicação, da empatia e da convivência humana. Este estudo sinaliza a urgência de pais e
educadores estarem atentos ao desenvolvimento das habilidades socioemocionais no pós-
pandemia, assim como a importância da psicologia educacional na concepção preventiva, para
desenvolver competências e habilidades socioemocionais dos alunos, priorizando a saúde
mental.
Desenvolver habilidades socioemocionais no campo da escola requer a construção de
valores de forma consistente, e para isso as oficinas interativas foram o caminho de percurso
nesta pesquisa. Num primeiro momento o contato nas aulas on-line permitiu uma observação
ampla do cotidiano escolar diário. A observação nas aulas na modalidade on-line, permitiram
identificar que as crianças precisam aprender a lidar com as emoções, principalmente durante
a pandemia quando as aulas passaram a ser on-line e a convivência diária deixou de fazer parte
do processo cotidiano dos alunos.
As oficinas interativas permitiram que os alunos se expressassem, sinalizando suas
angústias, medos e todas as consequências do isolamento social que o momento pandêmico
exigiu. Os recursos utilizados nas oficinas com vídeos interativos, dinâmicas de grupo e
atividades de arte-educação, possibilitaram o encontro dos alunos mesmo fisicamente
afastados, nas aulas on-line. A intervenção passou a ser um espaço de construção da afetividade
e criação de vínculos, unidos pelo desafio das atividades interativas com uma integração
prazerosa. Na comunicação dos alunos aspectos como “queria dar um abraço” foram
substituídos pelo abraço virtual, momento no qual os alunos foram incentivados a escrever
cartões virtuais como demonstração de carinho e vínculo afetivo.
Os alunos do Ensino Médio apresentam uma angústia que é sair da escola sem sequer
ter vivenciado as experiências de grupo, e também o temor de não saber o que fazer depois que
o ensino médio terminar. As oficinas deram voz aos alunos, enfatizando relevância aos seus
anseios, desenvolvendo ações de autoconhecimento e tomadas de decisão em relação a sua
escolha profissional, com um olhar diferenciado para seus objetivos pessoais e profissionais.
As atividades desenvolvidas promoveram o autoconhecimento e protagonismo do aluno; o
desenvolvimento do senso crítico e relações consistentes de maneira responsável.
O mais importante é considerar que fortalecer o desenvolvimento de habilidades
socioemocionais se torna essencial para preparar jovens estudantes para o futuro, e que
certamente vai requerer que eles saibam se conhecer para agir e gerar impacto na sociedade. O
diferencial das oficinas interativas foi o acolhimento e o envolvimento do grupo de alunos, o
ouvir ativo, a empatia, a atitude positiva incondicional, permitindo a todos sentirem-se
percebidos, valorizados, e incentivados a se comunicar, a expressarem seus medos, suas
dificuldades e temores, que dificultavam a convivência e o processo de comunicação.
Rogers (1971), parte do pressuposto de que o ser humano tem uma propensão para
crescer em uma direção que engrandeça a sua existência, garantindo a manutenção de si mesmo;
portanto o ser humano tende à autorrealização. Para isso fundamenta conceitos essencialmente
importantes, que são a empatia, a congruência e a consideração positiva incondicional. A
empatia é o conceito que corresponde a olhar o outro como se fosse visto do seu interior,
captando sua forma peculiar de analisar e interpretar o ambiente externo. A congruência
significa ser transparente na relação, expondo seus sentimentos mais profundos, sem fachada.
A consideração positiva incondicional que consiste em aceitar as expressões negativas,
desprovidas de prazer como uma condição de aconchego, que é o sentimento que se nutre
quando são expressos os sentimentos positivos. Essa forma de interação acolhedora garante
uma relação afetiva satisfatória, favorecendo a relação que se intensifica, se solidifica, em
qualquer instância, sobretudo no processo ensino-aprendizagem. Nessa reflexão das atitudes
facilitadoras de Rogers, é possível estabelecer uma conexão com o desenvolvimento das
habilidades socioemocionais; os alunos são acolhidos, ouvidos de forma empática, sentem-se
seguros e valorizados a se expressar e estabelecer uma comunicação mais genuína.

A pandemia modificou drasticamente o processo da convivência diária, e todas essas


condições facilitadoras para a convivência e colhimento se dissiparam, ficando o aluno num
processo de isolamento social, medo, insegurança, sentindo-se desvalorizado, perdendo a
confiança em si mesmo, reduzindo o processo de comunicação. Os alunos durante as oficinas
acabam falando mesmo sentindo vergonha, não querem ser o centro das atenções, não querem
ser notados; mas ao mesmo tempo expressam que se sentem sozinhos, abandonados, não se
sentem valorizados. Observa-se a contradição, querem ser valorizados, querem ser percebidos,
mas não querem ser notados, não querem ser o centro das atenções, por medo; medo de ser
ridicularizado, medo de ser contestado, de não ter argumentos sólidos, de não ter repertório
semântico no processo de comunicação.

A conclusão desta pesquisa é que os alunos da educação básica necessitam de atividades


interativas para desenvolverem suas competências socioemocionais; o conteúdo didático não é
suficiente para otimizar competências emocionais. As oficinas interativas possibilitaram o
processo de colaboração, criatividade, comunicação, proatividade, perseverança, dedicação,
onde o acolhimento, a formação de vínculos, fez com que os alunos se sentissem valorizados e
incentivados a se comunicarem, diminuindo seus medos, suas resistências.

Cumpre observar que as oficinas psicoeducativas também tiveram um papel importante


no aspecto da prevenção para o psicólogo escolar: prevenção na aprendizagem, porque
sinalizaram sentimentos e emoções que se não forem trabalhados na sala de aula, mas, podem
comprometer o processo de aprendizagem. A relação cognição versus emoção e dialética no
processo de aprendizagem. Os alunos não aprendem porque suas angústias e emoções
interferem na cognição.

Por fim, essa pesquisa aponta a importância da contribuição deste estudo, que enfatiza
o papel do psicólogo na perspectiva preventiva da educação, direcionando atividades que
possibilitem o desenvolvimento de competências socioemocionais, no cotidiano escolar, a fim
de que a convivência humana e o processo de comunicação voltem a fazer parte da vida diária
dos alunos da Educação Básica, aprimorando os quatro pilares da educação apontados por
DELORS( 1996) aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conhecer e aprender a conviver.

REFERÊNCIAS

ABED, Anita. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho para a


aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica. São Paulo:
UNESCO/MEC, 2014.
ALMEIDA, L. R. A dimensão relacional no processo de formação docente. In: Almeida, L.
R.; Bruno, E; Christov, L. (Org.). O coordenador pedagógico e a formação docente. São
Paulo: Loyola, 2001

ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. Psicologia Escolar e Educacional: história,


compromissos e perspectivas. Psicologia Escolar Educacional. São Paulo: ABRAPPE,
vol.12, 2008.

BARBOSA, Deborah Rosária; SOUZA, Marilene Proença Rebello de. Psicologia


Educacional ou Escolar? Eis a questão. Psicologia Escolar Educacional. Maringá: 2012.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para Atuação de


Psicólogas (os) na Educação Básica 2. ed. rev. – Brasília: CFP (2019).

DEL PRETTE, ZILDA. Psicologia, educação e LDB: novos desafios para velhas questões?
Em R. S. L. Guzzo (Org.). Psicologia escolar: LDB e educação hoje. Campinas: Editora
Alínea, 1999.

DELORS, Jaques. Educação um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1996.

FERNÀNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

MARINHO-ARAÚJO, C. M.; ALMEIDA, S. F. C. de. Psicologia escolar: construção e


consolidação da identidade profissional. São Paulo: Editora Alínea, 2005.

MARTÍNEZ, A. M. O que pode fazer o psicólogo na escola? Brasília: 2010.

MIGUEL, F. K. (2015). Psicologia das emoções: uma proposta integrativa para


compreender a expressão emocional. Psico-usf, 20(1), 153-162.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2000.

ROGERS, C. R. Grupos de encontro. 9ª edição, 2ª tiragem. São Paulo: Editora WMF


Martins-Fontes, 1970.

______________. Liberdade para aprender. Trad. de Edgar de Godoi da Mata Machado e


Márcio Paulo de Andrade. Belo Horizonte: Interlivros de Minas Gerais, 1971.

______________. Remarks on the future of client-centered therapy. In: WEXLER, D;


RICE, I. Inovations in client-centered therapy. Nova York: John Willey and sons, 1974.

______________. Um jeito de ser. Reimpressão. São Paulo: E.P.U., 1983.

____________. (1961/1997) Tornar-se Pessoa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes.

TEIXEIRA, Antônia Benedita. Habilidades socioemocionais na educação: Appris. 1 ed.


Curitiba, 2020,147p.

Você também pode gostar