Laura Thalassa - The Four Horsemen 04 - Death
Laura Thalassa - The Four Horsemen 04 - Death
Laura Thalassa - The Four Horsemen 04 - Death
Eles vieram à Terra—Pestilência, Guerra, Fome, Morte—quatro Cavaleiros montando seus corcéis gritando,
correndo para os cantos do mundo. Quatro Cavaleiros com o poder de destruir toda a humanidade. Eles vieram
à Terra, e eles vieram para acabar com todos nós.
Ele é conhecido por muitos nomes: Thanatos. Cavaleiro. O último Anjo de Deus. E então, é claro, há
aquele com o qual estou muito familiarizada—a Morte.
No dia em que a Morte chega à cidade de Lazarus 1 Gaumond e mata todos de uma só vez, a última coisa que ele
espera ver é uma mulher viva e de pé. Mas Lazarus tem seu próprio dom extraordinário: ela não pode ser morta—
nem por humanos, nem pelos elementos, nem pela própria Morte.
Ela é a única alma que a Morte não reconhece. A única alma que ele não pode libertar de sua carne. Ele também
não pode ignorar o desejo inquietante que ele tem por ela. Leve-a. Ele quer, desesperadamente. E quanto mais ela
tenta impedi-lo de sua matança, mais forte o desejo se torna.
Quando Lazarus cruza o caminho com os outros três Cavaleiros, uma situação impensável leva a um negócio
terrível: seduzir a Morte, salvar o mundo. Uma tarefa sem esperança, agravada pelo sangue ruim entre ela e
Thanatos. Mas a atração da Morte por ela é inegável, e por mais que ela tente, Lazarus não pode ficar longe daquele
ser antigo e belo e de seu abraço sombrio.
O fim está aqui. A humanidade está preparada para perecer, e nem mesmo os Cavaleiros podem impedir a Morte de
cumprir sua tarefa final.
Só Lazarus pode.
1
Lázarus ou Lázaro de Betânia é um personagem bíblico descrito no Evangelho segundo João como um amigo que Jesus teria ressuscitado, irmão
de Marta e de Maria. Seu nome, provavelmente do grego, corresponde ao hebraico Eleazar ()אלעזר, e significa literalmente "Deus ajudou".
- Lazarus é um nome masculino como podem ver. Mas a mocinha aqui foi nomeada com ele, então o manteremos assim, mas saibam que é um Ela.
Quando o Cordeiro quebrou o quarto selo, ouvi a voz do
quarto ser vivente dizendo: Venha! Eu olhei, e eis um
cavalo cinza, e aquele que estava sentado nele tinha o nome
de Morte, e Hades o seguia.
Hesíodo, Teogonia
PARTE I
Capítulo 1
Temple2, Georgia3
Tomates—Okay.
Folhas verdes—Okay.
Melão—Okay.
2
Temple é uma cidade localizada no estado americano de Geórgia, no Condado de Carroll e Condado de Haralson.
3
A Geórgia é um estado do sudeste dos EUA cujo território abrange praias costeiras, campos agrícolas e
montanhas. A capital Atlanta abriga o Georgia Aquarium e o Martin Luther King Jr. National Historic Site, dedicado à vida e a lembranças do líder afro-
americano. A cidade de Savannah é famosa pela arquitetura dos séculos XVIII e XIX e pelas praças públicas frondosas. Augusta sedia o torneio de
golfe Masters.
Examino o resto dos itens. Acho que tudo o que resta são as maçãs.
Volto para Tim, o dono da barraca, e então meus olhos caem para as
maçãs. Tento me concentrar, embora não tenha abalado aquele silêncio
enervante que parece ressoar em meus ouvidos. Minha atenção cai para
as maçãs.
— Nem disse que o preço era muito alto, —eu respondo, embora seja.
— O fato de você ter assumido isso significa que sabe que não é razoável.
Ele pode muito bem roubar minha bolsa enquanto está nisso. Maneira
de roubar o cliente às cegas. — Mas é uma maçã, —digo lentamente. Isso
tem que ser uma piada.
Maldito seja este homem. Ele sabe que ninguém mais tem maçãs nesta
época do ano. E minha sobrinha Briana foi muito específica que queria
uma torta de maçã de aniversário.
Ninguém se movia.
Nada.
Nada.
Nada.
Um pequeno ruído escapa dos meus lábios e posso sentir meu corpo
tremendo, mas minha mente está estranhamente em branco.
Iluminado por trás pelo sol da manhã, parecendo um deus das trevas,
está um Cavaleiro vestido com uma armadura prateada, um conjunto de
asas negras nas costas.
Essas asas perversas são tudo que posso olhar por um momento. Eles
são tão impossíveis de compreender quanto o mar de cadáveres atrás de
mim.
Morte.
Capítulo 2
Temple, Georgia
Ele tem olhos antigos. Mesmo tão longe como ele está, ainda posso ver
sua idade neles. Este ser viu mais da humanidade do que eu jamais poderia
esperar. Eu sinto o peso de toda essa história quanto mais ele me olha. Sua
mandíbula aperta quando ele me vê, e minha pele formiga com sua
avaliação.
Talvez seja porque ainda estou em choque, ou talvez porque seja tarde
demais para me esconder, mas seja qual for o motivo, eu ando na estrada
em direção ao Cavaleiro.
Capítulo 3
Temple, Georgia
MORTE
Tudo.
— Eu ... —Sua voz falha, seu peito subindo e descendo mais rápido
do que deveria. — Não sei como responder a isso, —diz ela, parecendo
perdida e talvez um pouco atordoada.
Aconteceu isso com meus irmãos? Suas lutas eram assim ... viscerais?
Ainda assim, quase por vontade própria, meus olhos caem para ela,
como se não pudessem deixar de observá-la. Nas minhas costas, minhas
asas se abrem e reajustam com minha agitação, e ignoro essas estranhas
sensações rolando por mim.
— Você não deveria estar viva, —eu mordo, minha voz hostil.
Antes que a mulher possa dizer qualquer outra coisa, ponho meu
cavalo em ação e fujo.
LAZARUS
Morte.
Meu olhar varre ao meu redor mais uma vez, para todas as pessoas
que estavam vivas apenas alguns minutos atrás.
Minha cidade, onde moram minha família e meus amigos. Onde hoje,
em particular, todos eles se reuniram em homenagem ao aniversário da
minha sobrinha.
Oh, foda-se.
OhDeusohDeusohDeusohDeus.
Por favor, não minha mãe. Por favor, não minha mãe.
A princípio, tudo em que consigo me fixar é nela. Ela tem sido o meu
mundo inteiro desde que me encontrou há duas décadas, sozinha em outra
cidade cheia de cadáveres.
Um grito escapa. Meu irmão River está sentado no sofá, o corpo caído
sobre o violão, a palheta no chão ao seu lado.
Ao ver minha sobrinha pequenina, tenho que levar a mão à boca para
evitar o enjôo. Uma lágrima horrorizada escorre.
Não consigo tocar nos corpos. Eu sei que eles se foram, mas sentir sua
carne fria tornará isso real, e eu ... eu não posso fazer isso ainda.
Não sei por que me dou ao trabalho de tirar aquela panela do fogão.
Todos aqui já estão mortos.
Nenhuma resposta.
— Mamãe! —Meu coração parece que está tentando pular para fora
do meu peito.
Mas então olho pela janela da sala para o quintal. Primeiro avisto a
longa mesa de madeira já preparada com pratos e utensílios e algumas
decorações de aniversário. Além disso, noto o grande carvalho que
costumava escalar quando criança. Por um momento, consigo me enganar
pensando que ela era uma exceção, assim como eu, antes de meus olhos
pousarem nos canteiros elevados do jardim.
Não.
Não sei como consigo fazer o resto do caminho até ela. Nada parece
certo. Eu caio ao lado da minha mãe. Tão perto dela, posso ver que seus
olhos também estão abertos, olhando fixamente para o céu como se ele
tivesse as respostas.
Deve ter sido assim, tantos anos atrás, quando Jill Gaumond, minha
mãe, entrou em Atlanta4 contra os apelos de todos, procurando por seu
marido. Deve ter sido inacreditável ver uma cidade inteira de mortos e seu
ente querido entre eles, levado pela praga de Pestilência. Mas pelo menos
então, o resto de sua família estava em Temple, na Geórgia, a salvo da
Febre Messiânica.
Agora, esse não é o caso. Não há mais ninguém aqui além de mim.
Quanto mais eu seguro minha mãe, mais fria sua pele fica. E ainda
estou chorando, e eu sei.
Eu sei.
Eu sei.
Eu sei.
4
Atlanta é a capital do estado da Geórgia, nos EUA. A cidade desempenhou um papel importante na Guerra Civil
e no movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos na década de 1960. O Atlanta History Center registra o passado da cidade, e o
Martin Luther King Jr. National Historic Site é dedicado à vida do líder afro-americano Martin Luther King Jr. No centro da cidade, o Centennial Olympic
Park, construído para os Jogos Olímpicos de 1996, abriga o enorme aquário Georgia Aquarium.
Stephen e a aniversariante Briana e a pequena Angelina. Todos se foram
no mesmo instante em que todos os outros foram levados. E eles não vão
voltar e nenhum desejo vai mudar isso.
— Eu te amo, —eu digo para minha mãe, puxando seu cabelo para
trás. Parece inadequado. E minha mente ainda está cambaleando, e a dor
não se instalou totalmente porque nada disso faz sentido, e estou tão
confusa como todo mundo pode simplesmente ... ter ido embora.
Não quando eu caí da árvore e quebrei meu pescoço. Não quando fui
roubada e minha garganta foi cortada.
Posso ouvir a voz da minha mãe na minha cabeça até agora, e isso faz
minha garganta apertar. Minhas estranhas origens foram o que levou ao
meu nome, Lazarus.
De todos os futuros que imaginei, este nunca foi um deles. Deveria ter
sido. Este é o mundo em que vivemos, onde nada mais funciona e as
pessoas se apegam à religião como uma espécie de talismã que manterá os
monstros afastados quando obviamente não o fará.
Boom!
Mova-se, Lazarus.
BOOM!
Só que minha casa não está mais de pé. Ela, e todos os mortos que
residiam nela, agora não passam de uma pilha de escombros.
5
Eastaboga é uma comunidade não incorporada na fronteira dos condados de Talladega e Calhoun, no estado
americano do Alabama. Foi anteriormente chamado de McFall, nomeado para uma família de colonos na década de 1850, e incorporado em 1898,
apenas para ser desincorporado em 1901.
6
Alabama é um dos 50 estados dos Estados Unidos, localizado na região sudeste do país, limita-se ao norte com
Tennessee, ao sul com o Golfo do México e com a Flórida, a leste com a Geórgia e a oeste com Mississippi. Alabama é o 30.º ma ior em área e o 24.º
mais populoso dos estados com cerca de 5 milhões de habitantes.
7
U.S. Route 78 é uma autoestrada dos Estados Unidos. Faz a ligação do Oeste para o Este. A U.S. Route 78 foi construída
em 1926 e tem 715 milhas.
menos algo dela.
Além disso, as únicas coisas que são realmente minhas são minha
bolsa e minha bicicleta, que por acaso deixei na feira livre quando tudo
isso começou. Então agora eles se tornaram oficialmente meus poucos
bens valiosos.
E se eu sou a única que pode sobreviver à Morte ... então devo ser
aquela que o impedirá.
8
Bremen é uma cidade localizada no estado americano de Geórgia, no Condado de Carroll e Condado de Haralson.
9
Waco é uma cidade localizada no estado americano de Geórgia, no Condado de Haralson.
10
Tallapoosa é uma cidade localizada no estado americano de Geórgia, no Condado de Haralson.
11
Carrollton é uma cidade localizada no estado americano de Geórgia, no Condado de Carroll.
Capítulo 6
Lebanon12, Tennessee13
12
Lebanon é uma cidade localizada no estado norte-americano de Tennessee, no Condado de Wilson.
13
O Tennessee é um estado sem saída para o mar no sul dos EUA. Nashville, a capital localizada no centro do estado, é
o núcleo do cenário de música country, com o tradicional Grand Ole Opry, o Country Music Hall of Fame and Museum e um trecho lendário de bares
honky-tonk e salões de dança. Em Memphis, no extremo sudoeste, ficam Graceland (a casa de Elvis Presley), o Sun Studio (pioneiro do rock and roll)
e as casas de blues da Beale Street.
14
Aljava é um equipamento, espécie de coldre ou estojo, usado para carregar as flechas e os virotes usadas pelos arqueiros e besteiros
desde a mais remota Antiguidade.
futebol está no auge, quando o vento sopra forte. Com isso vem a
promessa de feriados, agasalhos e bebidas quentes e família.
Minha garganta aperta. Viver sozinha tem sido seu próprio tipo de
inferno. Estava acostumada com barulho. Minha casa estava sempre cheia
de cantos, xingamentos, risos, conversas. Havia conforto em todos aqueles
sons. Você não conseguia andar um metro e meio sem tropeçar nos pés de
outra pessoa. Mesmo depois que meus irmãos se mudaram, eles sempre
vinham e, quando não eram eles, eram vizinhos e amigos.
Agora, a única companhia que tenho são os cadáveres por onde passo
e os comedores de carniça que se alimentam deles.
15
A Doula é a profissional que ampara as gestantes, antes, durante e após o nascimento do bebê. A Doula não precisa ser da área da saúde, mas
precisa amar mulheres, gostar de empoderar, de apoiá-las em suas escolhas com informação e presença e estar ao lado, onde a mulher desejar parir.
beira da estrada e me deitar por um minuto. Acordei com meu pescoço
sendo cortado. Os bandidos roubaram todas as minhas coisas enquanto eu
sangrava. Quando voltei a mim, estava ensanguentada e sozinha.
Uma figura solitária entra em foco. Ele parece uma mancha escura
contra o horizonte tempestuoso. Consigo distinguir aquelas asas terríveis.
Você realmente esperava detê-lo, Lazarus? Ele não vai apenas ouvir a razão.
Você sabe que não.
Ele não me nota, não até eu me levantar de onde estou sentada e sair
para o meio da estrada.
Morte salta de seu corcel, seu olhar fixo em mim. Na penumbra, seu
rosto parece especialmente trágico. Trágico e adorável—como se ele fosse
assombrado pelas coisas que fez.
Isso, é claro, seria dar muito crédito a ele. Não acho que ele se importe
com as mortes pelas quais é responsável.
Ele sorri um pouco, e devo ser corajosa porque não me irrito ao ver
aquele sorriso, como qualquer pessoa sã poderia ter feito.
Morte me encara enquanto a chuva cai sobre nós dois. — Isso é o que
eu faço, kismet16, —ele diz, sua voz gentil. — Eu mato.
16
Kismet: quer dizer destino
naquele dia. Morte veio para minha cidade, e ele não dá a mínima.
Claro que não, Lazarus, diz uma vozinha dentro de mim. Ele não estaria
destruindo o mundo se importasse.
17
adjetivo substantivo masculino: Que ou aquele que tem o mesmo nome (de outro).
cautela enquanto ele para novamente na minha frente.
Estalo.
Onde eu estou?
— Você realmente não pode morrer, —diz ele, as palavras ditas com
uma espécie de reverência silenciosa.
Morte paira sobre mim. — Só existe uma coisa para a qual fui feito,
humana.
Matar.
— Por favor, —eu digo. — Não faça ninguém passar pelo que eu
passei. —É tão profundo, suplicar a este homem que matou minha família
e amigos, e que acabou de tentar me matar também.
Ele gira, mostrando aquelas asas para mim enquanto se retira para seu
cavalo.
E então, pela segunda vez naquele dia, o filho da puta estende a mão
e estala meu pescoço.
MORTE
Eu a fiz me odiar.
Eu olho para seu corpo imóvel. Envolto em todo aquele sangue e osso,
está sua essência. Mesmo agora eu posso sentir sua alma vibrando dentro
daquela forma sem vida dela, presa dentro dela como um pássaro
engaiolado. Deve ser fácil estender a mão e libertar sua alma.
Não é.
Eu sei que ela é o meu desafio. Todos os meus irmãos receberam um.
E todos eles falharam. Até a Fome, embora de alguma forma ele tenha
falhado em sua tarefa sem encontrar a humanidade resgatável.
Deixando cair minha mão, eu encaro Lazarus mais uma vez, sentindo
meu pulso normalmente estável acelerar. A lua é brilhante o suficiente
para que eu possa distinguir suas feições. Meus olhos se demoram em seus
cílios, que beijam o topo de suas bochechas agora que seus olhos estão
fechados. Meu olhar se move para seus lábios. Tenho o desejo mais
peculiar de trazê-la de volta da morte, tudo para que ela possa me deixar
inclinar e pressionar minha própria boca na dela, só para ver como os dois
se alinham.
Estremeço só de pensar.
Mas ela mexe comigo. Esta mulher cuja alma não posso levar e cuja
vida não posso conhecer. Esta mulher cujo rosto deveria se confundir com
todos os outros rostos que eu já vi. Em vez disso, permanece na minha
mente, me assombrando como uma espécie de espectro.
Lazarus.
Quantas vezes esse nome maldito passou pela minha cabeça nas horas
desde que ela o pronunciou pela primeira vez.
Esta humana não vem com uma palavra angelical, mas ela não precisa
de uma—ela recebeu uma humana que é tão adequada quanto.
LAZARUS
18
Pervinca é uma planta que cresce ao longo do solo e tem flores azuis.
me lembrar ...
Aquele bastardo.
Verdadeiro propósito.
Esta foi uma tarefa que já comecei meses atrás, mas parece diferente
agora que estou me comprometendo formalmente com ela: pare o
Cavaleiro.
Salvar a humanidade.
Apenas encontrar uma cidade intocada pela Morte levou quase duas
semanas. Presumi que teria problemas para seguir o rastro do Cavaleiro,
considerando minha sorte passada, mas agora é como se não pudesse
escapar dele. Onde quer que eu vá, ele já esteve. Ele não deixa apenas
cadáveres em seu rastro, as próprias cidades são destruídas, os edifícios
arrasados, as ruas obscurecidas por escombros. É como se não bastasse
simplesmente nos matar, ele deve apagar todas as evidências de nossa
19
Lexington é a segunda cidade mais populosa do estado americano do Kentucky, no condado de Fayette, do qual
é sede. Foi fundada em 1782 e incorporada em 1831. É conhecida como a capital do cavalo.
20
O Kentucky é um estado da região sudeste dos EUA, delimitado pelo rio Ohio ao norte e pelos Apalaches ao leste,
que tem como capital a cidade de Frankfort. A maior cidade do estado, Louisville, recebe o Kentucky Derby, a renomada corrida de cavalos realizada
em Churchill Downs no primeiro sábado de maio. A corrida é precedida por um festival de 2 semanas e celebrada no Kentucky Derby Museum durante
todo o ano.
existência.
Mas no meio disso tudo, eu tenho aprendido. Por exemplo, Morte não
se move em linha reta. Em vez disso, ele ziguezagueia por seções do país.
Posso vê-lo claramente no mapa, embora, quando reconheço o padrão, os
mortos que encontro sejam mais velhos e mais decompostos, o que
significa que a Morte está se aproximando de mim.
21
Nashville é a capital do estado do Tennessee, nos EUA, e é onde fica a Universidade Vanderbilt. Um dos
principais espaços de eventos da lendária música country é a Grand Ole Opry House, casa do famoso programa de rádio e palco "Grand Ole Opry". O
Country Music Hall of Fame and Museum e o histórico Ryman Auditorium ficam no centro da cidade, assim como o Distrito, com bares "honky-tonk"
com música ao vivo e o Johnny Cash Museum, que celebra a vida do cantor.
cruel, e tenho que verificar meu mapa novamente.
Eu vou até ele, estalando meus dedos dedo por dedo como se isso
pudesse dissipar meus nervos.
Meu olhar se move sobre os outros três homens na sala. Nunca fiz isso
antes, nunca tentei avisar uma cidade inteira sobre a chegada de Morte.
Estou mais do que um pouco preocupada que essas pessoas não acreditem
em mim.
— Que prova você tem de que ele está vindo para cá? —o chefe dos
bombeiros pergunta.
— Não sei por quê, —digo. — Na verdade, não tenho nenhuma das
respostas. Tudo o que sei é que conheci um homem com asas negras que
se autodenominava a Morte, e ele cavalgava de cidade em cidade, matando
todos em seu rastro.
— Até onde eu sei, este Cavaleiro não dorme, nem seu corcel, —digo.
— Há uma coisa e apenas uma coisa que o impulsiona: a necessidade de
nos aniquilar. A única coisa que posso tentar fazer é alertar cidades como
a sua. Se você evacuar sua cidade, poderá sobreviver à ira da Morte.
Capítulo 8
Lexington, Kentucky
— Você quer uma prova de que não posso morrer. Tenho a prova.
Você realmente acha que nada disso é sem sangue? —Eu exijo
veementemente. — Minha cidade natal não é a única cidade que vi cair.
Olhe para aqueles Xs. Eles representam todos os massacres que vi com
meus próprios olhos. E há incontáveis outros que eu não vi. Estou
tentando evitar que Lexington seja outro X no meu mapa, então, se você
precisar de provas, estou disposta a fornecê-las.
Eu olho para ele. — Não vou me matar, se é com isso que você está
preocupado. Curo anormalmente rápido—eu estava planejando
demonstrar isso.
Acho que sei que estrada o Cavaleiro vai tomar para Lexington. Se eu sair
agora, talvez eu possa impedi-lo ...
— Se você tem más intenções, —diz o prefeito, — você não vai a lugar
nenhum.
Eu expiro. Okay, eu posso fazer isso. Ainda não assustei esses oficiais.
Esta não é a pior situação que imaginei. Presumi que esta reunião
poderia desmoronar e nunca chegaríamos tão longe. Mas vivemos na
época dos milagres de pesadelo. Desafiar a morte não é tão insano quanto
poderia ser trinta anos atrás.
Presumo que Hank seja o chefe dos bombeiros e espero que esteja
ocupado evacuando as pessoas.
O prefeito acena com a cabeça para o meu ferimento, que agora está
envolto em gaze. — Como está indo? —ele pergunta, seus olhos
cautelosos. Acho que ele ainda tem certeza de que é alguma pegadinha.
Ajusto meu aperto no meu arco. Eu sou uma atiradora decente, mas
não ótima. Olho para o outro lado da rua, onde um punhado de outros
arqueiros está à espreita atrás e no telhado de um estábulo para cavalos.
Um deles é Jeb Holton, o chefe de polícia. Ele foi inflexível sobre ser
postado aqui, na estrada que eu tinha certeza de que a Morte estaria
viajando.
22
U.S. Route 64 (ou U.S. Highway 64 – I-64) é uma autoestrada dos Estados Unidos. Faz a ligação do Oeste
para o Este. A U.S. Route 64 foi construída em 1926 e tem 2 326 milhas (3 743 km).
O resto das ruas dentro e fora da cidade também estão sendo vigiadas.
A terrível verdade é que ninguém tem ideia de se, e quando ou de que
direção o Cavaleiro virá cavalgando.
Rolo meus ombros e estalo meu pescoço. Meus músculos estão rígidos
por ficar parada por tanto tempo.
Aqueles mais abaixo na estrada não têm tanta sorte. Vejo um homem
parado no meio da estrada, sacudindo a poeira como se sua vida não
estivesse sendo ameaçada neste exato momento.
Pressiono meus lábios juntos, fazendo uma careta. Não sei quanto
tempo o resto dessas pessoas tem.
O ódio é uma palavra tão gentil para o que sinto pelo Cavaleiro. E
ainda a visão dele me faz doer por dentro. Ele é lindo e terrível e mais do
que apenas um pouco mítico enquanto se dirige pela estrada. Ao redor
dele, as pessoas caem mortas. Alguns gritam—alguns até conseguem se
virar e correr de volta para nós e esses não caem mortos. Ainda não, pelo
menos.
Por um momento, fico pasma com a visão. De volta à Geórgia, a
Morte matou todos muito antes de encontrá-los. E embora eu esteja grata
por esses viajantes em fuga e os oficiais destacados não terem morrido,
ainda estou chocada que o alcance do poder do Cavaleiro tenha mudado.
Ao meu lado, o arco oleado de Kelly range quando ela puxa a corda
esticada, e é esse som sutil que me tira de minhas próprias reflexões.
Mesmo quando ele cai, coloco outra flecha em meu arco e a lanço—
assim como os outros oficiais. De novo e de novo nós os liberamos.
— Merda, —Kelly respira ao meu lado. Ela então cai contra a parede,
deixando cair o arco. — Conseguimos.
Derrubamos um anjo.
SOU A PRIMEIRA A CHEGAR ao corpo. Em parte porque todo mundo
parece razoavelmente assustado, e em parte porque assim que saí do meu
estupor, corri para ele.
Ele matou você duas vezes e provavelmente não hesitaria em fazê-lo uma
terceira vez se você atrapalhasse.
George.
Não tinha percebido que o mesmo homem tinha sido colocado aqui.
Meus olhos mergulham para o distintivo do xerife preso acima de seu
peito. Também não sabia que ele estava envolvido com a aplicação da lei.
Prendo a respiração.
O chefe Holton passa a mão pela boca e depois se vira para o resto da
multidão. Depois de um momento, ele limpa a garganta.
Jeb os encara com raiva. — Você quer que eu coloque todos vocês em
algemas? —ele ameaça. — Mexam-se.
O chefe de polícia acena com a cabeça. — Acha que ele vai ficar
longe? —ele pergunta.
— A menos que ele possa ser parado para sempre, —eu digo. —Tenho
a sensação de que ele vai voltar. Mas espero conseguir levá-lo para longe
o suficiente de Lexington até lá para dar a você e ao resto da cidade tempo
para evacuar completamente.
Eu, de fato, não entendi isso, mas ele não precisa saber disso.
Jeb se vira para ir, então faz uma pausa. — Obrigado por vir aqui, —
diz ele. Foi uma coisa incrivelmente decente de se fazer.
Não posso demorar mais de cinco minutos, mas estou com medo de
que, quando voltar para o Cavaleiro, encontre outro cadáver caído contra
ele—ou pior, que ele tenha desaparecido completamente.
Pego a bicileta e paro o carrinho23 ao seu lado. Prendo ela, e vou para
a parte de trás do carrinho, onde já guardei minha bolsa e minhas armas.
Eu abaixo a rampa, em seguida, viro para a Morte.
Em teoria, não deveria ser difícil, mas o homem pesa tanto quanto
uma maldita baleia, e no momento em que coloco meus braços sob seus
ombros, tenho certeza de que suas asas estão deliberadamente tentando
me sufocar, e continuo recebendo penas na minha boca, e meia dúzia de
pontas de flechas ensanguentadas agora estão cutucando minha pele.
23
deve ser algo como isso, so que bem maior, atrelado a bicicleta, transformando-o em um triciclo.
enquanto o arrasto centímetro a centímetro pela rampa rasa do carrinho.
Meu coração bate forte enquanto olho para o homem caído e tento
dizer a mim mesma que é apenas medo e não ... não ... bem, não é mais
nada, então não adianta tentar dar um nome a isso.
Supondo que ele não possa morrer, então ... e se ele acordar enquanto eu
durmo?
Meu olhar volta para o Cavaleiro. Nas poucas vezes em que acordei
da morte, levei um momento para me orientar. Talvez seja o mesmo para
o Cavaleiro.
É quentinho!
Nenhuma resposta.
Nada.
Talvez ele ainda esteja. Talvez seja assim que um corpo morto-vivo se
sente antes de acordar.
Preciso verificar seu pulso. Espero que ele não quebre meu pescoço no
momento em que eu fizer isso.
Sucesso!
Cobertor?
Meus olhos se movem para a enorme asa negra que está sobre mim
como meu cobertor pessoal. Pior ainda, em algum momento da noite o
Cavaleiro mudou de posição. Ele agora está deitado de lado, seu rosto a
centímetros do meu.
Oh, não.
24
Bardstown é uma cidade localizada no estado americano de Kentucky, no Condado de Nelson.
25
O incenso de mirra é conhecido por suas propriedades de purificação e proteção contra energias negativas. Por causa dessas
características, o incenso de mirra é muito utilizado em rituais, ambientes de meditação e celebrações religiosas.
Meu coração começa a martelar no meu peito.
Mova-se.
Estendo a mão para pegar minha faca, embainhando-a ... mas hesito.
Mas não tenho coragem. Não agora, quando ele está tão indefeso.
Parece ... errado.
Apenas deixe-a.
Meu olhar volta para o Cavaleiro. Que está vivo e que pode acordar a
qualquer momento.
Posso fazer isso. Sou corajosa e não vou deixar esse idiota me custar o que resta
de meus bens pessoais. Ele já tomou o suficiente.
Poderia fugir agora, mas há outra opção, uma que é muito tentadora
para o meu lado vingativo.
Eu não posso deixar de olhar para ele. Seu rosto está intacto—como
se não tivesse sido atravessado por várias flechas apenas um dia atrás.
Mais estranho ainda, não há uma mancha de sangue nele.
Isso é diferente.
— Ah, ah, —eu digo, pressionando a faca um pouco mais firme contra
ele. — Eu não faria isso se fosse você.
Ele olha para a lâmina. Quando ele olha para mim, seus olhos estão
brilhando com malícia. — Você pretende me machucar?
Não fui realmente eu. Tenho certeza de que meus próprios disparos
foram longe. Mas ainda levarei o crédito pelo ataque.
Agora é ele que paira sobre mim, o sangue de sua ferida pingando em
meus lábios e queixo. No momento em que provo seu sabor de ferro,
começo a lutar novamente.
Eu sei.
Ele espera que eu pare de lutar, olhando para mim com olhos que
parecem brilhar.
— Me matar não vai impedir nada. Você não pode salvar seu povo,
—ele diz, seu peso caindo sobre mim.
— Não para sempre, —concordo, — mas vou fazer você trabalhar por
cada uma dessas mortes.
— Você acha que eu quero estar aqui? Que eu gosto de andar pelas
cidades e fazer isso?
Parece que ... como se eu estivesse murchando. Como se minha vida estivesse
sendo sugada da minha carne.
Encaro os olhos da Morte enquanto ele tira minha vida. Deve ser isso
que ele está fazendo. Sinto os anos se esvaindo de meus ossos e estou
sendo devorado de dentro para fora. Tento gritar, mas sai como um grito
estrangulado.
Quanto mais o Cavaleiro olha para mim, mais sua expressão muda,
suas sobrancelhas se juntam em confusão. Aquela fachada sombria dele
cede e seu peito sobe e desce cada vez mais rápido. Agora pego a mão em
volta do meu pescoço e tento soltá-la.
— Por que você fez isso? —ele exige, olhando para o céu. Não quero
me sentir assim.
Quando ele passa por mim, ele faz uma pausa, seus olhos se movendo
para os meus. Ele me acolhe, parecendo perturbado com o que vê.
26
Cincinnati é uma cidade do estado americano do Ohio. É a sede do Condado de Hamilton no extremo sudoeste
do estado. É banhada pelo rio Ohio, que a separa do estado de Kentucky e é conhecida como a "Queen City" ou simplesmente "Cincy".
27
Ohio é um estado no centro-oeste dos EUA que se estende do rio Ohio e dos Apalaches, no sul, até o lago Erie,
no norte. Às margens do lago, fica a cidade de Cleveland, que abriga o Museu de Arte de Cleveland e sua renomada coleção de pinturas europeias e,
principalmente, de arte asiática. Cleveland conta também com o Rock and Roll Hall of Fame and Museum. Perto da cidade, fica o vas to Parque
Nacional do Vale de Cuyahoga.
sua carteira. —Eu puxo o objeto em questão, que não quer sair do bolso
do cadáver inchado.
— Lazarus.
Faz pouco mais de uma semana desde a última vez que ouvi isso, mas
parece que o confrontei ontem.
Largando meu lenço, pego meu arco e posiciono uma flecha, girando.
Aponto minha arma para o peito dele. Há quanto tempo ele está
parado ali me observando?
O olhar de Morte cai para o meu arco. — Sua arma não irá protegê-
la, kismet.
— O que você está fazendo aqui? —Eu exijo. Estou respirando mais
rápido do que deveria, surpresa me deixando nervosa.
— Você tem me seguido, —afirma ele.
— Eu vou atirar.
— Ah, então é você que está com medo. —Ele inclina a cabeça. —
Você não gostou do meu toque?
Eu franzo a testa para isso. — Você já sabe por quê. Você deve ser
parado.
Eu preciso atirar nele. Não sei por que ainda não lancei minha flecha.
— É por isso que você está aqui? —Eu pergunto, meu olhar passando
rapidamente para o nosso entorno antes de voltar para ele. — Porque você
queria me impedir?
Um calafrio percorre meu corpo quando percebo que sou a única pessoa
com quem ele pode realmente conversar. Não conheço as nuances de seu poder,
mas por onde passa ele mata. Talvez eu seja a única pessoa com quem ele
já falou.
— Você não vai conseguir mudar minha opinião sobre parar de ir atrás
de você, —eu digo.
— Quem falou alguma coisa sobre mudar de ideia? —Seu olhar varre
meu corpo e volta para o meu rosto, avaliando-me. Só que seus olhos
demoram muito tempo na minha boca, e quando eles finalmente se
levantam para encontrar meu olhar, há tantas emoções naqueles olhos.
Sinto que, se olhar por muito tempo, vou cair neles e me afogar.
— Oh, eu tenho muitos nomes. —Seu olhar retorna aos meus lábios, e
um músculo em sua mandíbula se flexiona.
28
Tânato ou Tânatos (em grego: Θάνατος, transl.: Thánatos, lit. "morte"), na mitologia grega, era a personificação da morte,
enquanto Hades reinava sobre os mortos no mundo inferior. Seu nome é transliterado em latim como Thanatus e seu equivalente n a mitologia
romana é Mors ou Leto (Letum). Muitas vezes ele é identificado erroneamente com Orco (o próprio Orco tinha um equivalente grego na forma de
Horkos, Deus do Juramento). É conhecido por ter o coração de ferro e as entranhas de bronze.
Capítulo 14
Cincinnati, Ohio
Ele deve sentir isso porque sorri e seus olhos ardem. O Cavaleiro—
Thanatos—dá mais um passo à frente e eu fico tensa novamente.
Estou estendendo a mão por cima do ombro para pegar outra flecha
quando a Morte avança, apagando o que restava da distância entre nós.
Antes que eu consiga encaixar totalmente o projétil, ele puxa meu arco e
flecha da minha mão e os joga de lado.
Inclino a cabeça para trás e olho para cima, para os olhos terríveis do
Cavaleiro. Ele franze a testa para mim, aquele músculo em sua mandíbula
ainda pulsando.
— Você realmente acha que está fazendo alguma diferença? —ele diz,
me apertando até que seu peito roce o meu. — Seguindo-me, atirando em
mim?
Ele está claramente com raiva, o que significa que pelo menos estou
fazendo algo certo.
Sua expressão muda, ele parece quase divertido. — Essa era uma única
cidade—uma cidade que eu eliminei apenas algumas horas depois de
deixar seu lado naquele dia. E desde então erradiquei mais de uma dúzia
de outras cidades. Seus esforços são sinceros, —ele reconhece, — mas
desperdiçados.
— Na próxima vez que nos encontrarmos, Lazarus, não serei tão gentil
com você, —ele avisa, abrindo as asas. — Mas venha atrás de mim mesmo
assim. Vou adorar nosso reencontro.
Ele pula no céu, suas enormes batidas de asas espalhando ainda mais
minhas flechas pela rua.
Tudo o que sei é que estou congelando e esperar aqui certamente foi
uma má ideia.
29
Ames é uma cidade localizada no estado americano de Iowa, no Condado de Story. Localiza-se 48 km ao norte
da capital do estado, Des Moines. É conhecida por abrigar o campus da Universidade Estadual de Iowa e o laboratório de Ames, vinculado ao
Departamento de Energia dos Estados Unidos.
30
Iowa, um estado localizado no centro-oeste dos EUA, fica entre os rios Missouri e Mississippi. Ele é conhecido
pela paisagem de planícies onduladas e milharais. Entre os monumentos da capital Des Moines, destacam-se o Capitólio do Estado de Iowa,
construído no século XIX e coroado por um domo dourado, o Pappajohn Sculpture Park e o Des Moines Art Center, famoso por suas coleções
contemporâneas. O museu de arte da cidade de Cedar Rapids tem pinturas de Grant Wood, nascido no estado.
de que fiquei congelada em três ocasiões distintas no último mês e,
dependendo de quanto tempo me detenho nessa tarefa miserável, hoje
pode ser a quarta.
Mas a luz do sol aguada rompeu as nuvens e talvez este dia seja um
pouco mais quente do que os anteriores.
Pego minha garrafa térmica e tomo outro gole de café. Tenho certeza
de que o Cavaleiro está vindo para cá. Sei que ele chegou a Minneapolis31,
e acho que a próxima grande cidade que está de olho é Des Moines32.
31
Minneapolis é uma cidade grande no Minnesota, que forma as "cidades gémeas" com a capital do estado
vizinho, St. Paul. Dividida pelo rio Mississippi, é conhecida pelos parques e lagos. Minneapolis alberga também muitos pontos de referência culturais
como o Walker Art Center, um museu de arte contemporânea, e o Jardim de Esculturas de Minneapolis, famoso pela escultura "Spoonbridge and
Cherry", de Claes Oldenburg.
32
Des Moines é a capital e a cidade mais populosa do estado norte-americano de Iowa. É também a sede do
governo do Condado de Polk. Uma pequena porção da cidade estende-se para o Condado de Gerraren.
33
Os bisontes ou bisões são grandes mamíferos ungulados e ruminantes do género Bison, da família Bovidae, com duas
espécies ainda existentes: o bisonte-europeu, Bison bonasus; e o bisonte-americano, Bison bison.
Demora vários minutos, mas finalmente avisto o Cavaleiro, andando
casualmente pela I-3534, a rodovia que passa por baixo deste viaduto.
Antes que ele tenha a chance de me ver, atravesso para o outro lado
do viaduto, quase tropeçando em pedaços quebrados de asfalto ao fazê-lo.
34
A Interstate 35 é uma auto-estrada interestadual de sentido norte-sul, na região central dos Estados Unidos,
que inicia em Laredo, Texas, na fronteira Estados Unidos-México, e termina em Duluth, Minnesota, na MN 61. A auto-estrada possui 2 518 quilômetros
de extensão.
Agora aquelas batidas de cascos ecoam, e eu fico tensa enquanto ele
atravessa o viaduto. Os segundos parecem se estender enquanto espero.
Eu pulo.
É dolorosamente silencioso.
Meu ombro e meu peito doem com a queda, e ainda estou enjoada
com minha própria violência, mas me forço a me levantar.
Sei o suficiente sobre o Cavaleiro para saber que a morte não o deterá
por muito tempo. A única maneira real de segurar o cavaleiro é ficar por
perto e matá-lo novamente antes que ele acorde.
Seria como tentar conter um furacão. Você não pode parar uma força
da natureza.
Isso não diminui minha excitação crescente. Quer dizer, quem sabe?
Talvez eu possa controlá-lo.
Ele joga a cabeça para trás para jogar uma mecha de cabelo atrás da
orelha, e eu estremeço um pouco com a ação repentina, minha adrenalina
subindo.
Ele estala a língua. — Isso nunca vai acontecer, kismet. Como você vai
me controlar se todos os meus movimentos a assustam?
— É assim que vai ser, —eu digo lentamente. — Vamos ficar aqui,
juntos, e se você fizer qualquer movimento para escapar, —eu toco o arco
que está ao meu lado, — eu vou atirar em você.
— Acho que estou preso, —diz ele. Ele não parece preocupado. Ou
derrotado. Ele não soa como alguém que se meteu em uma situação
infeliz.
Desgraçado.
— O que você vai fazer comigo? —Ele pergunta, seu olhar passando
rapidamente sobre a minha forma. Algo sobre a maneira como ele me
avalia faz o sangue correr para minhas bochechas e núcleo.
— Vou mantê-lo aqui, onde você não pode destruir mais nenhuma
cidade.
Os olhos de Morte brilham, mas ele não diz nada sobre isso.
Ele faz parecer que nós dois estamos juntos como um casal.
Eu franzo a testa para ele. — Não é assim que essa situação funciona.
Rápido como um raio, eu puxo meu arco, encaixo uma flecha e atiro.
Ele sibila quando acerto uma asa, a flecha fica presa em suas penas.
— Isso não é uma piada para mim, —eu digo. — Vou continuar
atirando em você se você não ouvir.
Quando tudo que faço é sentar lá e olhar para ele, ele finalmente diz:
— Você vai remover a flecha? Ou você está com medo de que eu me mova?
— Você não gosta disso, —ele afirma, seu rosto ficando sério. —
Assim como eu também não.
Agora ele acha que somos parecidos? Esta conversa está ficando mais
selvagem a cada segundo.
Eu ouço sua risada baixa, quase sexual. Meu estômago aperta com o
som.
Depois de um momento, pergunto: — O que essa palavra significa?
Kismet?
Destino?
— Você não sabe? —Morte diz isso como uma declaração, mas juro
que há um tom de surpresa em sua voz.
— Sabe o que?
Mas ele não responde, e não tenho energia para pressioná-lo por mais.
Não pretendo cair no sono. Para ser honesta, eu teria jurado que não
tinha adormecido, mas de repente sou acordada por dedos frios afastando
meu cabelo da orelha. Por um momento, esqueci a situação, e aquele
toque é tão gentil que me inclino para ele.
— Fiquei tão intrigado com a ideia de ser seu cativo, Laz, que quase
fiquei parado, —Morte sussurra em meu ouvido. — Mas eu tenho trabalho
a fazer.
Estalo.
MORTE
Eu não vi.
Inquietante e sedutor.
LAZARUS
Nós dois nos enfrentamos nas ruas de Kansas City, corpos e prédios
quebrados espalhados em todas as direções.
35
Kansas City é a cidade mais populosa do estado do Missouri, nos Estados Unidos. É a 36ª cidade mais populosa
do país. Localiza-se nas margens do rio Missouri. Kansas City foi fundada em 1838 como "Town of Kansas", na confluência dos rios Missouri e Kansas
e foi incorporada em 1850.
36
O Missouri, Missúri, ou Missuri é um dos 50 estados dos Estados Unidos, localizado na Região Centro-Oeste do
país. O Missouri é cortado pelos rios Mississípi e Missouri, o último sendo a origem do nome do estado.
precisa acabar com a matança.
Seus olhos brilham. — Não posso. Você sabe que não posso.
— Não é ingrata, —eu ofego. Deixo cair minha mão livre no chão.
Há seixos e cacos de vidro e outros detritos espalhados pela estrada. Minha
mão se fecha em torno de um punhado dele. — Às vezes eu supero você,
e isso é muito, muito gratificante.
Thanatos encara ... e encara, e seria rude pra caralho, exceto que esse
Cavaleiro claramente nunca ficou cara-a-cara com peitos.
— O que você está fazendo? —ele ecoa, mas sua voz está áspera.
Agarro sua outra mão, trazendo as duas sobre sua cabeça. Me inclino
para a frente enquanto faço isso até que as garotas estejam bem próximos
de Thanatos.
Não.
Sim.
Não sei quem está mais chocado, ele ou eu. A admissão é tão
inesperada e tão grotescamente inapropriada, já que nós dois somos
inimigos mortais—ou imortais, mas tanto faz.
Volto ao meu trabalho, pronta para fingir que faltam os últimos vinte
segundos, mas minhas mãos começam a tremer e não consigo prender o
nó em seus pulsos com tanta força quanto gostaria.
Ele solta uma risada baixa, uma que arrepia os pêlos dos meus braços.
— Você não vai olhar para mim porque você sente isso também, e você
sabe que eu veria isso em seus olhos.
Morte não precisa mais me matar, acho que meu próprio constrangimento fará
o trabalho muito bem.
— Você não está cansada de tudo isso? —Ele aponta para as ruínas de
Kansas City. — Você não está cansada da luta, do combate, da dor?
Deus, como eu estou. Para cada cidade que salvo, há pelo menos cinco
outras que não consigo.
Meu coração está batendo rápido. Ele está dizendo todas as coisas
certas e estou sendo atraída por essas doces promessas.
Com graça felina, o Cavaleiro se põe de pé. Ele se endireita, suas asas
negras se dobrando em suas costas.
E agora ... sua oferta e sua expressão sincera abrem caminho sob
minha pele.
Não haverá mais dor. Chega de solidão torturante. Sem mais esquemas
e quebrando-me tentando parar este homem.
É extremamente sedutor.
Só então hesito.
Meu olhar se volta para Thanatos. Thanatos, que pode parar de lutar
comigo, mas que nunca, nunca vai parar a violência. Thanatos que quer
que eu desista de tudo enquanto ele não concede nada.
Hesito novamente. Não sei porque eu faço. Só ... não esperava que
esse monstro tivesse uma oferta tão peculiar para mim, nem esperava ser
tão seduzida por ela.
37
Austin, a capital do Texas, nos EUA, é uma cidade que faz divisa com a região de Texas Hill Country. Contando
com o campus principal da Universidade do Texas, Austin é conhecida pelo cenário eclético de música ao vivo centralizado nos gêneros country,
blues e rock. Os diversos parques e lagos são muito procurados para trilhas, ciclismo, natação e passeios de barco. Ao sul da cidade, o Circuito das
Américas recebe o Grande Prêmio dos Estados Unidos de Fórmula 1.
38
O Texas é um grande estado no sul dos EUA com desertos, florestas de pinheiros e o rio Grande, que delimita
a fronteira com o México. Em sua maior cidade, Houston, o Museu de Belas-artes abriga obras de pintores impressionistas e renascentistas
conhecidos, enquanto o Space Center Houston oferece exposições interativas projetadas pela NASA. Austin, a capital, é conhecida pelo seu cenário
musical eclético e pela LBJ Presidential Library.
flecha passar longe ou não conseguir derrubá-lo instantaneamente, todos
morrem.
Tenho tentado cada vez mais confrontar o cavaleiro antes que ele
chegue a uma cidade, mas muitas vezes não consigo evitar.
Consequentemente, o motivo que me encontro na sala com o chefe de
polícia de Austin.
— Não sei por que o chefe dos bombeiros não está aqui, —digo,
exasperada.
É aqui que ele assume que eu tenho algum tipo de plano elaborado
para tirar todos de suas casas para que eu possa roubá-los às cegas.
— Morte gosta das grandes cidades, —digo em vez disso. — Ele estará
aqui em breve.
Olho dele para o oficial Jones antes de responder. — Sim, —eu digo
lentamente.
— O que você está ...?—Eu luto com o policial enquanto ele agarra
meus pulsos. Eu bato minha bota em seu peito do pé.
Não posso acreditar que isso está acontecendo. Qualquer coisa disso.
Não acredito que isso esteja acontecendo. Eu não posso acreditar que isso está
acontecendo.
Ouço os passos pesados do chefe Davenport. Ele vem até onde estou
sendo algemada. — Homens, isto não deve ser registrado na prisão do
condado.
— Parece-me que ele não pode—não se é você que ele quer. Parece-
me que ele pode se distrair.
Luto contra minhas amarras até meus pulsos ficarem em carne viva e
algumas lágrimas de frustração caírem.
Esta é uma situação tão estúpida provocada por alguns idiotas que
pensam que problemas simples devem ter soluções simples, e agora, não
apenas eles estão fodidos, mas eu também estou fodido.
Olho por cima do ombro para onde os três policiais estão perto de seu
carrinho. Eles parecem entediados e um pouco irritados por estarem no
frio, mas estão conversando. Pego pedaços de fofocas de trabalho.
Está começando.
Morte.
Oh Deus.
Se não posso me esconder do Cavaleiro ... então terei que voltar para
aquela estrada e me oferecer à Morte como uma espécie de sacrifício
doentio.
Minha espinha endurece. Eles estão voltando? Como eles não foram
convencidos pela debandada de animais selvagens de que o Cavaleiro está
chegando?
Eu olho por cima do meu ombro para eles. — Corram! —Eu tento
gritar. A mordaça abafa meu aviso.
Por fim, um dos policiais diz: — Talvez ... talvez devêssemos ir.
Clop-clop-clop.
Seus olhos se movem para o meu rosto. Lá, eles demoram e demoram,
sua expressão parecendo ficar mais intensa, mais determinada a cada
segundo que passa.
Ele estala a língua e seu cavalo começa a trotar, sua atenção voltada
para mim.
Clip-clop, clip-clop.
Morte para seu cavalo na minha frente. Por vários segundos, nós dois
não fazemos nada além de olhar um para o outro.
Ele mal falou as palavras quando ouço vários baques surdos. Já ouvi
esse som tantas vezes. Corpos batendo no chão. O chefe de polícia e
aqueles policiais foram bastardos por fazerem isso comigo, mas ainda
sofro que eles—e provavelmente o resto da cidade—tenham desaparecido.
— Onde você espera ir, kismet? —ele diz, caminhando atrás de mim.
— Parece haver bastante corda.
Continuo esquecendo que nós dois não somos iguais, não quando se
trata de força bruta.
Ele ergue os olhos para mim, e a Morte ajoelhada diante de mim não
deve parecer tão atraente.
— Por que?
— Sinto muito que eles se voltaram contra você, —diz ele com
sinceridade.
Thump-thump-thump.
Não olhe para trás. Eu quero muito, mas sei que o cavaleiro está se
aproximando de mim, e qualquer passo em falso pode significar a
diferença entre captura e fuga.
Thanatos está tão perto que cada batida de suas asas balança meu
cabelo.
Um metro e meio.
Cristo acima.
Não pretendo lutar contra o Cavaleiro tão alto, mas também não
pretendo dar a ele minha arma. Se eu perdê-la, estarei totalmente à sua
mercê.
Eu balanço meu braço para trás para escapar dele. É só depois que a
adaga afunda na carne macia e eu ouço o grunhido de dor de Morte que
percebo meu erro. Em meu pânico, eu realmente o apunhalei.
Tão perto.
Querido Deus.
Eu não quero morrer. Assim não. Fui uma tola sobre a faca. Não
estava pensando. Eu não quero que termine assim.
— Lazarus!
Capítulo 18
Austin, Texas
Eu olho para o meu torso. Logo acima do meu umbigo, uma barra de
metal grossa se projeta para cima. Ofego de novo, desta vez mais de horror
do que qualquer outra coisa.
Fui empalada.
Jesus.
Não sei onde Thanatos está, ou em que estado ele está. Talvez ele
tenha se machucado também. Ou talvez não, talvez ele simplesmente
tenha visto meu corpo espetado e pensado que me deixar era melhor do
que me capturar.
Não sei por que essa possibilidade em particular dói tanto em meu
coração.
O dia seguinte passa. Posso sentir o cheiro dos mortos no vento, posso
ouvir o latido de cães selvagens e os guinchos de pássaros voando em
círculos. Nenhum dos catadores me encontrou—ainda.
OS CARNICEIROS ME encontraram.
Isso é …
Uma merda.
Eu choro mais algumas vezes, mas minha cabeça lateja e meu corpo
não consegue reunir umidade suficiente para chorar.
Maldito Morte.
Eu o amaldiçoo repetidamente.
Então, quando o ouço chamando meu nome, acho que devo tê-lo
conjurado apenas com minha raiva.
Lazarus … Lazarus …
Lazarus …
A esperança que enche meu peito é dolorosa e estou quase com medo
de ceder a ela. Mas então, enquanto olho, com os olhos turvos, para o
buraco no teto, vejo de relance asas negras e armaduras reluzentes acima
de mim.
— Morte! —Eu grito. Minha voz ainda está dolorosamente fraca e ele
já passou, as paredes deste prédio parcialmente desmoronado escondendo-
o de vista.
E então eu o vejo mais uma vez acima de mim. Suas asas estão bem
abertas atrás dele enquanto ele se empoleira em uma viga exposta. Ele
espia o prédio desabado, seu cabelo escuro balançando como uma
bandeira ao vento.
De repente, suas asas se fecharam atrás dele. Ele sai de seu poleiro e
desce do telhado, caindo como uma pedra. Pouco antes de pousar, suas
asas se abrem, retardando sua queda, de modo que ele parece flutuar nos
últimos metros de sua descida.
Seus olhos ainda estão vagando sobre mim, como se ele estivesse
tentando processar o que aconteceu. — Há quanto tempo você está
aqui?—ele pergunta.
Mas ele sabe. Ele deve saber. A barra que se projeta através de mim é
evidência suficiente.
— Desde que você me largou. —Agora que não preciso mais gritar,
minha voz sai como um sussurro.
Sua mão segura o lado do meu rosto, seu polegar deslizando sobre
minha bochecha.
Não quero ouvir isso. Pensei que sim—pensei que nada machucava
mais do que a possibilidade da Morte me deixar aqui para apodrecer por
toda a eternidade—mas eu estava errada. Temos um acordo tácito entre
nós—um em que nos desprezamos. Não estou pronta para que isso mude.
Seu olhar volta para a grossa barra de aço que se projeta de mim. Há
cerca de um metro dela projetando-se para o céu.
— Vou ter que levantar você, Laz, —diz ele, abreviando meu nome
como se fôssemos amigos.
O Cavaleiro acena. Seus braços ainda estão debaixo de mim, mas ele
não se move.
— Dói, —eu soluço. É quase ridículo admitir isso para meu inimigo,
aquele que me machucou repetidamente. Ainda mais ridículo que seja ele
quem está me segurando no momento.
Mas ele não parece se importar, e talvez isso seja o mais estranho de
tudo.
A mão de Morte vem até minha bochecha, sua palma quente contra
mim. Isso parece afastar esse meu humor lamentável.
Eu tento me afastar.
— Curando você.
Curando-me?
— Você pode fazer isso? —Eu digo, ainda meio distraída pela enorme
quantidade de sensações que correm através de mim.
Embora seu rosto esteja solene como sempre, seus olhos parecem
sorrir quando ele olha para mim. — Posso fazer muitas coisas, Lazarus.
Por que a Morte teria o poder de curar? E sobre esse assunto ...
Meu olhar volta para aquele estranho casal em sua armadura. Agora
estendo a mão e traço um dedo sobre o que posso ver do esqueleto.
— O que você vai fazer comigo? —Eu pergunto. — Assim que você
me curar?
Prendo a respiração.
Tenho que engolir uma maldição com o quanto tudo ainda dói.
— Volte para mim, kismet. Deixe-me curar essas feridas e aliviar essa
dor.
A maneira gutural como ele diz dor ... Não estou mais pensando nas
minhas feridas.
Só que é.
Jogos? Nada disso é um jogo para mim. Morri várias vezes só na última
semana.
— Por que você acha que eu viajo do jeito que eu faço?—ele diz. —
Atravessar sua terra não é mais fácil do que cavalgar em linha reta através
dela.
Meu coração bate loucamente. Sempre me perguntei sobre isso, mas agora
que ele está me dando uma resposta, descubro que não gosto.
— Mas você sempre viajou dessa forma, mesmo desde o início, —eu
protesto.
— Fugi do único desejo persistente que tenho por você, —diz ele.
Outro passo adiante. Ele parece um homem possuído. — Vá em frente, —
ele insiste, — pergunte qual é esse desejo.
Não vou mais jogar, agora estou correndo, meu ritmo acelerando a
cada passo.
— Então corra, minha kismet, vou até lhe dar uma vantagem. Mas não
se engane: eu vou te pegar. Seu tempo está se esgotando.
Capítulo 19
San Antonio39, Texas
NÃO SEI DIZER QUANTAS VEZES OLHEI POR CIMA DO ombro nos
últimos três dias, certa de que veria o Cavaleiro logo atrás de mim. E nas
poucas vezes que ouvi batidas de cascos, entrei em pânico, com certeza
era Morte montado em seu cavalo.
Meu cabelo está bagunçado, meu corpo sujo, minhas roupas recém-
roubadas estão esfarrapadas e mal ajustadas, e o cinto que segura minha
39
San Antonio é uma grande cidade na zona centro-sul do Texas com uma rica herança colonial. O Alamo, uma
missão espanhola do século XVII conservada como museu, assinala uma terrível batalha de 1836 pela independência do Texas em relação ao México.
Ao longo do rio San Antonio, River Walk, de vários quilómetros, é um célebre passeio pedonal repleto de cafés e lojas. A Torre das Américas no
HemisFair Park, com 176 metros de altura, contempla a cidade.
nova adaga é grande demais. Em minha pressa para fugir da Morte, não
tive tempo de fazer muito mais do que pegar esses poucos itens dos mortos
pelos quais passei ao sair de Austin. Tudo o que deixei em meu nome são
algumas notas perdidas em meu bolso—também roubadas dos mortos—e
o anel de minha mãe.
Assim que dou uma mordida no meu bolinho, capto o olhar de uma
jovem sentada com sua amiga. Ela parece enojada por mim.
Tiro meus pés da cadeira. Isso é tudo que tenho tempo para fazer.
Silêncio.
Em vez disso, pego as facas que vejo, coletando todas que consigo.
Pego uma bolsa de couro marrom que vejo pendurada em uma cadeira
próxima. Despejo o conteúdo da sacola, coloco as facas dentro e depois a
coloco no ombro.
— Saia, kismet! —Thanatos diz. — Sei que você está nesta cidade!
— Lazarus! —A voz da Morte parece ser levada pelo vento. Não faço
ideia de que direção está vindo.
Ele atinge o chão com um gemido ecoante. Em seu rastro, uma nuvem
de cinzas e detritos sobe.
Este diabo.
Minha voz reverbera ao meu redor, mas não tenho ideia se a Morte
pode ouvi-la. É impossível dizer onde exatamente ele está.
Com o canto do olho, juro que vejo movimento, mas quando giro,
não há nada além de alguns corpos e um trecho de estrada aberta. À
distância, outro prédio começa a cair, chamando minha atenção de volta
para o horizonte de San Antonio.
Não preciso esperar muito para ouvir o estrondoso bater das asas de
Morte. Ele pousa na minha frente, sua armadura prateada brilhando e suas
asas bem abertas.
Quando não o faço, ele se aproxima. Pegando minha mão, ele a guia
até a adaga embainhada ao meu lado. Fechando meus dedos sobre ele, ele
puxa a arma. O tempo todo há um brilho ousado e desafiador em seus
olhos. — Se vamos ser inimigos, então me machuque.
É só quando ele traz a lâmina para o lado de sua garganta que começo
a resistir.
— Faça isso, —ele ordena. — Minha artéria está logo abaixo da pele.
Tudo o que seria preciso é um corte. Eu sangraria em minutos e ganharia
um dia para você.
Morte solta minha mão, e minha adaga escorrega por entre meus
dedos, caindo no chão.
— Suponho que estas são para mim. —Ele diz isso de maneira tão
coloquial, tão destemida. Deveria dissipar a estranha tensão sexual entre
nós.
Não.
— Não vou lhe dar uma escolha, —diz Thanatos, olhando para mim.
E, no entanto, ele não me agarrou. Ele continua não me agarrando,
como se esperasse que eu caísse em seus braços. Se for esse o caso, então
ele pode esperar até o Kingdom Come40.
— Eu não sinto isso,—eu digo, só que minha voz sai toda ofegante e
errada.
— Vou contar até mil, —diz ele. — Isso é tão generoso quanto eu vou
ser. Você pode fazer o que quiser nesses mil segundos. Não vou revidar,
não vou atrás de você, mas quando o tempo acabar, não vamos mais jogar
o seu jogo. Estaremos jogando o meu.
40
Kingdom Come: Deliverance é um jogo de RPG de ação de 2018 desenvolvido e publicado pela Gerrahorse Studios e co-publicado pela Deep
Silver para Microsoft Windows, PlayStation 4 e Xbox One. Está situado no reino medieval da Boêmia, um Estado Imperial do Sacro Império Romano,
com foco em conteúdo historicamente preciso
Eu olho sem fôlego para ele, então ao nosso redor antes de entrar em
ação.
— Gosto disso, kismet, —ele diz, — isso me faz pensar coisas muito
estranhas, muito ... humanas sobre você.
Meu núcleo aperta com suas palavras.
Droga.
Mais uma vez, não espero que ele siga minhas palavras, mas ele segue.
O Cavaleiro me encara mais uma vez, seus olhos cheios de expectativa
sombria.
Pego uma das lâminas da minha bolsa e a uso para cortar a bainha da
minha camisa. Isso também ele será capaz de arrancar em segundos, mas
se estiver disposto a jogar meu jogo pelos próximos dez minutos ímpares,
isso o subjugará por pelo menos um pouco.
Segurando o tecido, eu me aproximo dele.
— Ajoelhe-se.
Thanatos olha para mim por um longo tempo, aquele mesmo olhar
em seus olhos. Sem desviar o olhar, ele se apoia em um joelho, depois em
ambos.
Ele me segurando contra seu peito, seus dedos acariciando meu rosto ...
EU CORRI.
Não sei que uso eles terão. Perdi a vontade de ferir o Cavaleiro.
E tenho certeza de que tudo está prestes a desabar sobre mim. Meu
medo aumenta com a ideia de ser enterrada viva.
Agarro minhas facas com mais força. O que eles estão fazendo?
41
No folclore, um revenant é um cadáver animado que se acredita ter sido revivido da morte para assombrar os vivos. A palavra revenant é
derivada da palavra francesa antiga, revenant, o "retorno".
Meu próprio medo fecha minha garganta.
TUMP—THWUMP—THWUMP.
— Sempre fui capaz de fazer isso, kismet, —diz ele. — Até agora, eu
simplesmente escolhi não fazê-lo.
Ele poderia ter feito isso o tempo todo? Minha mente repassa todas as vezes
em que lutei com ele. Quantas cidades nós dois nos encontramos, cercados
por cadáveres?
Muitos.
Tantos, e tantos.
— Por que? —Eu exijo, recuando. — Por que fazer isso agora?
Minha mente não me deixa acreditar que eles vão realmente me tocar.
Afinal, eles são cadáveres, seu objetivo é ficar parados e apodrecer.
A princípio, acho que ele pretende voar comigo, e talvez queira, mas
hesita. Depois de um momento, Thanatos assobia, enquanto me segura
em seu aperto inflexível.
A morte olha para mim com aqueles olhos de obsidiana, sua expressão
cheia de intenções perversas. Seu cavalo cinza malhado diminui a
velocidade até parar ao nosso lado e, em um movimento fluido, o
cavaleiro me levanta em sua montaria.
Jesus.
Não tenho nenhum plano nem armas, mas, por Deus, serei a cativa
menos cooperativa que já existiu.
Mas por enquanto ... é melhor que a Morte pense que desisti.
O bastardo.
— Se esse tremor é outro plano seu para buscar fuga, então confie em
mim, kismet, quando digo que estou pronto para subir aos céus.
— O que você está fazendo? —pergunto enquanto ele tira outra peça
de sua armadura prateada.
— Você está com frio, —diz ele, desfazendo as tiras do peitoral. Ele
puxa a coisa, o metal caindo na estrada com um estrondo. — Eu pretendo
mantê-la aquecida.
Muito melhor.
— Você sabe sobre calor corporal, mas não sobre tremores? —Digo
42
Peças da armadura protetor de ombro e vambrance.
em vez de agradecer. Não consigo ser grata ao meu sequestrador
sobrenatural.
Sem mais palavras, ele estala a língua e seu cavalo começa a se mover
novamente. O vento frio assobia através de minhas roupas mais uma vez,
mas pressionada contra a Morte, estou aquecida.
— Tenho todos os poderes dos meus irmãos e mais alguns, —diz ele.
— Poderia? —eu ecoo, tentando entender o que ele não está dizendo.
— Então esse outro Cavaleiro está morto?
Mas ele não tem esses poderes mais? Estou queimando de curiosidade,
claramente há muito mais em Thanatos e nos outros Cavaleiros. E, pela
primeira vez, estou em posição de descobrir tudo, agora que estou presa
na sela com o Cavaleiro.
43
Pleasanton é uma cidade localizada no estado americano da Califórnia, no condado de Alameda. Foi incorporada
em 18 de junho de 1894.
dificultando a visão do caminho estreito.
Ao longe noto um bosque. Espreitando por trás deles está uma casa
de fazenda abandonada. Parecem-se com milhares de outras casas
abandonadas pelas quais já passei antes, mas por alguma razão, esta é a
que a Morte decidiu parar.
Olho para ele por cima do ombro. O rosto da Morte está tão estóico
como sempre.
Assim que ele falou, a terra ao nosso redor parece gemer. Ele se abre
e as plantas começam a crescer ao redor do perímetro da propriedade.
Esta folhagem espinhosa cresce e cresce até que uma espécie de cerca
viva improvisada nos cerca e à casa, bloqueando-nos.
Minha pele arrepia com a forma familiar com que ele abrevia meu
nome.
Olho por cima do ombro para Morte e mantenho seu olhar. Vou esperar
para correr até você menos esperar.
Meu olhar se volta para a estrutura atrás dele. — Você vai me mostrar
esta casa ou não? —pergunto, ficando cada vez mais desconfortável a cada
segundo.
Morte me segue como uma sombra, e posso sentir seu olhar sombrio
sobre mim, absorvendo cada reação minha. Não sei o que ele quer de mim.
Ele olha para mim, sua expressão ilegível. Ainda assim, eu li a cara
daquele filho da puta do mesmo jeito.
Claro que não. Não sei por que só agora estou percebendo. Esse
mesmo fato é o que tornou tão difícil persegui-lo. A morte nunca parou,
nunca dormiu. Ele cavalgava e cavalgava e matava e cavalgava e
cavalgava para sempre, suas viagens sempre interrompidas por mim.
Uma parte de mim está hipnotizada por esta entidade cujo olhar
chamei. Tenho a estranha sensação de que ele deseja muito mais do que
morte e destruição—ele simplesmente não tem ideia do que isso possa ser
ou como alcançá-lo—além de, você sabe, capturar mulheres relutantes.
O descaramento.
Ele dá um passo à frente, sua forma enorme pairando sobre mim, seu
lindo rosto ameaçador na luz sombreada. — Você gostando ou não, mas
este é o seu destino, kismet.
Ignoro suas palavras, porque neste momento sou uma caçadora que
sentiu o cheiro da minha presa.
— Essa cerca viva não vai se abrir, —diz Thanatos atrás de mim.
— Seria inútil.
Olho para Thanatos, esticando o pescoço para trás para ver seu rosto.
Ele está olhando para mim com curiosidade. — Por que você está
assistindo isso? É um fenômeno que acontece todos os dias.
Eu nunca tinha percebido isso até agora, mas as asas dele são
realmente estranhas. Ele tem que espalhá-los atrás de si e inclinar-se um
pouco para a frente para acomodá-las. Sinto o roçar de suas penas contra
meu lado e parte de mim fica tão tentada a estender a mão e tocá-las. Em
vez disso, passo a mão pelo cabelo.
— Não quero conversar, —eu digo.
— Anotado, —diz ele, com os olhos voltados para o céu acima de nós.
— Você não tem ideia do que fazer comigo, não é? —Eu digo.
Acho que sei o que a Morte quer, e é claro que até certo ponto ela
também sabe, mas não agiu de acordo com seus impulsos mais básicos, e
também não sou tola o suficiente para ceder a eles. Eu não gostaria de
perder meu coração ou minha cabeça por causa deste homem, porque isso
não o impedirá. Eu sei que não.
Ele olha para mim. — Estou disposto a descobrir isso à medida que
avança.
Franzo a testa para ele, embora duvide que ele consiga ver isso no
escuro. Brevemente, olho para a casa atrás de nós. Deixando escapar um
suspiro, me viro e desço as escadas frágeis que levam ao quintal.
— Essa estrutura, —eu digo, virando para apontar para a casa, — não
é adequada para ocupação. —As paredes provavelmente estão cheias de
vermes. Cheira como se estivessem.
Eu o vejo ficar de pé. — Está muito frio para ficar aqui fora.
— A casa não vai ficar mais quente, —eu digo. Não com as janelas
faltando. — Isso eu prometo a você.
— O que foi agora? —Digo, não me virando. Não consigo vê-lo, mas
posso sentir sua profunda curiosidade. Tenho a impressão de que ele
gostaria de me abrir como uma caixa e espiar o que há dentro.
Agora eu olho para ele. — O que você está fazendo? —Eu digo,
afrontada. Uma coisa era sentar comigo e assistir o pôr-do-sol, outra coisa
era me ver adormecer.
— Vou ficar aqui com você. —Ele diz como se fosse óbvio.
— Por que diabos seu estômago faria aquele som de temor a Deus?
Certo. Quase esqueci que ele não sabe nada sobre humanos.
— Isso é o que o estômago faz quando você está com fome, —eu digo.
— Eles fazem barulho.
Deitei de lado. — Você não pode dormir ao meu lado, —eu digo.
— Bem, —eu limpo minha garganta, — você também não pode ficar
acordado perto de mim, —eu digo.
— Se você espera fazer uma grande fuga, Laz ...
— Não encurte meu nome, —eu digo, fazendo uma careta. Ele
continua fazendo isso.
— ... então você está delirando. Eu não vou deixar você fora da minha
vista. Nem esta noite, nem nunca.
Capítulo 23
Pleasanton, Texas
À medida que as horas passam e a noite fica cada vez mais fria, enrolo-
me numa bola cada vez mais pequena. Todo o meu corpo treme e não
consigo me aquecer o suficiente para cair em um sono profundo. Então,
em vez disso, estou fantasiando vividamente sobre estar enfiada sob uma
pilha de cobertores de lã, com um fogo crepitando ao meu lado.
Quase ajuda.
Thanatos respeitou meus desejos – ele não se deitou perto de mim.
Ele, no entanto, decidiu andar por perto. Posso ouvir o barulho das plantas
sendo esmagadas sob suas botas e o balanço das ervas daninhas roçando
suas asas. Ele anda para frente e para trás. Para frente e para trás, para
frente e para trás, para frente e ...
— Por que sua voz soa assim? E o que é esse barulho de clique que
continua vindo de você?
Não consigo ver sua carranca na escuridão, mas sinto mesmo assim.
Ele me puxa com mais força, e posso apenas estar lendo isso, mas
acho que ele está satisfeito por eu não estar mais tremendo e gaguejando
de frio.
— Você realmente está planejando ficar deitado aqui, no frio, com sua
asa puxada sobre mim a noite inteira só para me manter aquecida? —Eu
digo.
Meu coração bate loucamente no meu peito. Eu pensei que isso fosse
íntimo antes, quando era puramente físico. Percebo agora que estava
usando a palavra errada. Porque isso é íntimo.
Por um instante, seu aperto aumenta, mas então ele me solta e eu rolo
para longe, passando pela asa escura que ainda me cobre.
Não sei o que pensar sobre o fato de a própria Morte ter me segurado
durante a noite, então, depois de respirar fundo e encará-lo por um longo
momento, me contento em virar as costas para o Cavaleiro e voltar para a
casa do rancho abandonada.
— O que você está fazendo? —Eu puxo contra ele enquanto falo.
Ele me puxa para perto. — Você é o único que continua insistindo que
nunca deixamos de ser.
— É simples, kismet, —diz ele. — Você vai ficar aqui, amarrado, onde
poderá desfrutar de algum espaço meu enquanto eu saio.
O cavaleiro amarra meus pulsos atrás das costas e depois me puxa até
a poltrona reclinável suja e manchada, onde amarra a outra ponta da corda
na base de metal enferrujada da cadeira.
Ele me ignora.
Ele se vira e a luz do sol da manhã entra pelas janelas atrás dele,
iluminando-o com uma coroa de luz. É irritante o quão lindo—quão
celestial—ele parece. O olhar que ele me dá, no entanto, gela meu sangue.
Sinto meu rosto ficar pálido. — Morte, —eu respiro. — Por favor, eu
digo. —Não faça isso. —Foi a isso que fui reduzida ... a implorar.
Mendicância inútil e impotente. — Você já causou danos suficientes entre
as cidades do jeito que está.
— Vejo você em breve, kismet, —diz ele. Com isso, ele se foi, a porta
rangendo atrás dele.
Merda, merda, merda.
Capítulo 24
Pleasanton, Texas
Ele já voltou.
Merda, isso foi rápido. Ele levou o quê ... uma hora? Duas? E naquele
tempo uma cidade foi aniquilada. Minha raiva justa queima como veneno
em minhas veias.
Bem, merda.
BOOM!
Outro Cavaleiro.
Capítulo 25
Pleasanton, Texas
Dificilmente.
Quanto mais ele olha para mim, maior fica o sorriso e mais brilhantes
seus olhos se tornam.
— Eu não sou.
Pela porta aberta, posso ver que o tempo ficou ameaçador. Nuvens
escuras e raivosas se acumulam no alto.
— Bem o que?
Fome franze a testa para mim, mas alcança a espada amarrada ao seu
lado. O som da chuva fica mais forte a cada segundo.
— Como você sabe que não é a Morte vindo até esta casa agora? —
Pergunto curiosamente quando Fome começa a cortar minhas amarras.
Esfrego meus pulsos. — Então é por isso que você invadiu aqui, certo
de que a Morte estava aqui dentro. Porque você o sentiu, —eu digo, não
impressionada. — O Cavaleiro que não está aqui.
Olho para ele. Todo o meu medo foi substituído pelo aborrecimento.
Profundo, profundo aborrecimento.
44
Tootsie é um filme norte-americano de 1982, do gênero comédia, dirigido por Sydney Pollack. Recebeu 10 indicações ao Oscar
e em 2000 foi considerado pelo American Film Institute como o 2° filme mais engraçado da história.
O som pesado de cascos fica mais alto, me distraindo por um
momento.
Lá fora, as batidas dos cascos param. Posso ouvir uma voz masculina
profunda murmurando alguma coisa, e outro homem dá uma gargalhada
alta.
Eles não estão aqui para me machucar, eles não estão aqui para me machucar,
eu canto silenciosamente para mim mesmo.
Pelo menos, não acho que estejam. Fome ainda não revelou por que
exatamente eles estão aqui.
— Isso é uma piada, Fome? —exige o mais velho dos dois homens,
seu cabelo loiro com mechas prateadas claras. Ao contrário do Ceifador,
ele não está usando nenhuma armadura—nem o homem ao lado dele.
COMPANHEIRA?
— O que faz você pensar que ela é dele, irmão? —o de cabelo escuro
diz, ignorando minha explosão.
Ele estava?
Pestilência.
Quase não respiro. Mas é claro que um deles seria a Pestilência. Meus
olhos olham para ele de novo enquanto muitas emoções turbulentas
passam por mim.
Este é o Cavaleiro que matou meus pais biológicos. O Cavaleiro que deveria
ter acabado com minha vida também. E agora ele está parado na minha
frente.
Tenho que respirar pelo nariz para controlar tudo o que estou
sentindo. Nunca pensei que algum dia enfrentaria esse ... esse monstro, e
definitivamente não nessas circunstâncias estranhas.
Minha mão coça para pegar uma adaga que não está lá, e estou tão
perto de chorar agora, que é a última coisa que quero fazer, mas Pestilência
é tão civilizado e tem olhos gentis e linhas de riso, mas ele matou meus pais.
Dane-se. Isto.
Saio de casa ali mesmo.
Meus olhos se deparam com uma abertura na cerca viva que circunda
a propriedade.
Posso escapar.
Tenho estado tão distraída com minha situação atual que perdi de
vista meu objetivo mais importante: fugir.
Olho para a cerca viva com espinhos que cerca a casa. A chuva pinga
de todas aquelas centenas de folhas, fazendo as plantas brilharem por toda
parte, menos aquela que se rompe na folhagem. Essa abertura está
zombando de mim.
— Você está aqui para deter a Morte? —Eu digo, incrédula. Quero
dizer, eles são os Quatro Cavaleiros. Todos eles estão aqui para destruir
nosso mundo.
Procuro seu olhar. — Por que você, qualquer um de vocês ... —Faço
um gesto vago para a casa onde estão os outros dois homens, — quer isso?
— Por que você acha que eu iria querer ajudá-lo? —Eu digo. — Você
matou meus pais. —Minha voz quebra sobre aquela velha ferida.
Testemunhei mortes mais recentes e dolorosas nas mãos de Thanatos,
mas, oh, como o fiz pagar por elas.
Este Cavaleiro, por outro lado, roubou-me a vida que eu poderia ter
tido e agora quer minha ajuda? Por causa dele, nunca vou conhecer os pais
que me trouxeram ao mundo, nunca vou abraçá-los ou memorizar seus
rostos ou saber quem eles eram e de onde eu vim. E embora essa vida
significasse apagar aquela com a qual cresci, uma vida cheia de amor e
riso, ainda é um futuro que foi roubado de mim do mesmo jeito.
— É por isso que nós três, incluindo aquela besta odiosa que você
conhece como Fome ...
Preciso sentar. Minhas pernas não parecem mais querer suportar meu
peso corporal.
Pestilência sorri.
— Muito, muito longe, —Guerra diz, seus olhos afiados. Uma de suas
mãos se fecha em punho e percebo com fascinação que em cada junta há
marcas vermelhas e brilhantes. — E permanecerá assim até que Morte seja
detida.
— Ah, então agora você sabe onde ele está? —Eu digo.
— Lutei com esse homem mais vezes do que posso contar. Estou feliz
em ficar de fora. —Depois de um momento, acrescento: — Você pode
matar Thanatos—para sempre?
— Juro que se você me chamar assim de novo, vou tirar minha bota e
bater em você com ela.
Antes que qualquer um de nós possa dizer qualquer outra coisa, ouço
o familiar e temido bater de asas.
Com a outra mão, ele pega sua foice. Então, me dando um puxão
rápido, ele me arrasta contra seu peito.
— Seu bastardo, pensei que você queria minha ajuda, —eu digo.
Fome não sabe que não posso ser morta, o que torna esta situação ainda
mais complicada.
THA-BOOM!
Ah, porra.
O que quer que esteja acontecendo, isso não é apenas coisa de fim do
mundo, é coisa de vingança. E estou preso no meio disso.
Por que ele não está se aproximando? Ele sabe que não posso morrer de
verdade.
— Você não acha que estou ciente de que nossos irmãos estão a
apenas um quilômetro daqui? — Thanatos diz, sua voz assustadoramente
calma. — Que vocês três têm cavalgado pelo mundo? Você acha que não
tenho conhecimento de seus planos? Solte Lazarus, e pouparei todos vocês
... por enquanto.
Fome suspira e, por um segundo, acho que ele está fazendo isso
apenas para poder passar a lâmina pelo meu pescoço e tornar a coisa toda
dramática demais. Mas então ele remove a lâmina completamente e me
empurra para frente.
Seu olhar se move para Fome, e posso ver uma promessa sombria em
sua expressão.
— Você vai se arrepender disso, —diz Thanatos, sua voz leve como
uma pluma, mas cheia de ameaça.
Ana?
— Quando foi a última vez que você falou com ela? —Thanatos
pressiona.
Agora Fome não está se regozijando. Ele também não está sorrindo.
— Ah, —Fome finge fazer beicinho, — você ainda acha que o mundo
é justo?
Morte sorri. A visão disso me dá arrepios. — Não, finalmente vejo o
que é. É você quem parece ainda se apegar a essa ideia de justiça ou
esqueceu meu alcance, irmão? Sua querida Ana nunca está segura.
Quem decidiu que lutar dentro desse espaço apertado era uma boa
ideia?
Oh, certo, esse psicopata Fome, que aparentemente toma muitas, muitas
decisões terríveis.
Jesus.
Os três Cavaleiros queriam minha ajuda, e Deus sabe que seria bom
fazer Thanatos pagar por me sequestrar. Mas Fome esteve tão perto de me
matar. Tudo para que ele pudesse agir em busca de alguma vingança
pessoal.
Morte não me deixou para matar alguma cidade. Ele saiu para me
trazer suprimentos. Quero dizer, ele provavelmente matou a cidade de
onde os tirou, mas isso é meio que certo para ele.
Capítulo 28
Pleasanton, Texas
…. aaah … aaahwahwahwahaaaa …
Eu congelo com o som distante. O que é aquilo? É impossível
distinguir o vento e a chuva – caramba, talvez seja o vento e a chuva.
… uaaaahuaaaahuaaaah … UHAAAAAA!
Oh querido Deus.
Isso é um bebê.
O choro fica mais alto à medida que me aproximo de uma casa verde
oliva. Corro pela entrada, vou até a varanda e agarro a maçaneta ...
Trancada.
Merda.
UAHUAHUAAAAA!
Querido Deus, querido Deus, querido Deus. Pego uma das cadeiras
de ferro forjado na varanda e a arrasto até uma janela.
AAAAAAHUAHUAHUAH!
Corro pela sala em que entrei e pelo corredor, mal notando o cadáver
sobre o qual salto. Chego a um quarto – um berçário – e lá, sentado em
um berço, está um bebê chorando.
O bebê ainda está chorando, com a voz rouca de tanto chorar. Suas
pequenas mãos agarram minhas roupas.
Apesar de todos os sinais que indicam que este bebê pode sobreviver
à morte, não devo presumir que estão fora de seu alcance.
Ando pela casa, uma mão segurando o bebê enquanto a outra reúne
todas as necessidades que nós dois possamos precisar. A criança se recusa
a me deixar ir.
B-E-N.
Olho para o bebê, que está olhando para mim, com os olhos ainda
inchados.
Não posso transmitir muito a esta criança o que seus pais lhe deram,
mas pelo menos ele manterá seu nome e saberá que foi aquele que seus
pais escolheram para ele.
Ben continua a olhar para mim, seu lábio inferior projetando-se para
fora.
— Sei que você teve algumas horas difíceis, garotinho, —eu digo, —
mas preciso que você seja corajoso por mais algumas horas.
Pego estradas vicinais, entro nas poucas estruturas vazias que ainda
estão de pé e recolho todo o dinheiro e suprimentos que posso, tudo isso
enquanto tento diminuir o ritmo pelo pequeno humano que agora é ...
merda, acho que ele é meu. De todas as reviravoltas que imaginei que
minha vida teria, essa nunca foi uma delas.
No terceiro dia, juro que o ar muda. Tento dizer a mim mesmo que é
apenas o tempo: o sol decidiu aparecer em toda a sua glória e o ar do
inverno parece um pouco quente. Seria um dia idílico para viajar, se não
fosse a figura que vejo ao longe.
A criatura deu uma boa olhada em mim? Mais virão? A própria Morte
estará aqui em breve? Cada possibilidade é mais aterrorizante que a
anterior, e o terror puro me faz pedalar o máximo que posso por horas, até
que minhas roupas ficam encharcadas de suor e minha respiração fica
irregular e Ben chora há mais tempo do que eu deveria ter permitido
Cada vez que me afasto, sou atormentada por incertezas: Morte sabe
onde estou? Eu realmente escapei dele?
Seria muito, muito útil se ele fosse. Então eu não teria que fugir do
Cavaleiro. Mas não há como saber verdadeiramente. Não, a menos que
algo catastrófico aconteça. E, pessoalmente, o mundo já sofreu catástrofes
suficientes do jeito que está. Não estou interessado em manifestar outro
apenas para testar alguma teoria.
45
Alexandria é uma cidade localizada no estado americano de Luisiana, na Paróquia de Rapides. A cidade foi
fundada em 1785, e incorporada em 1882. Possui cerca de 120 mil habitantes em sua região metropolitana.
46
A Luisiana é um estado do sudeste dos EUA, no Golfo do México. Sua história como um caldeirão de
culturas francesa, africana, americana e franco-canadense se reflete nas culturas crioula e cajun. A maior cidade, Nova Orleans, é conhecida pelo
Bairro Francês, da era colonial, pelo animado festival Mardi Gras, pela música jazz, pela Catedral de St. Louis, de estilo renascentista, e pelas
exposições do tempo da guerra no gigantesco National WWII Museum.
Capítulo 30
Alexandria, Louisiana
Uma parte de mim odeia a facilidade com que deixei de lado meu
propósito, o quanto estava disposta a abandonar minha causa no
momento em que tropecei em um pequeno ser humano que precisava de
ajuda. Mas então, olho para Ben e não consigo me arrepender de minhas
ações. O mundo terá apenas que cuidar de si mesmo por enquanto.
Procuro uma doula para ser aprendiz, alguém que não se importa em
ter um bebê e se juntar a nós em nossas visitas domiciliares, e a vida
começa a parecer normal.
Eu respiro fundo.
Ben.
Tropeço até o berço dele. Mal consigo ver na escuridão, mas ele está
muito quieto e estou com tanto medo ...
Ele está vivo. O alívio que inunda meu sistema quase me deixa de
joelhos. Mas mesmo isso dura pouco.
Foge, Lazarus!
Por favor, tenha tempo. Por favor, estejam todos na minha cabeça.
Alterno os cantos, esperando o melhor, mas temendo o pior.
Olho para Ben, que ficou quieto enquanto olha ao nosso redor.
— Nós conseguiremos fazer isso, Ben, —digo a ele, mais para o meu
próprio bem do que para o dele. — Nenhum de nós vai encontrar a Morte
esta noite.
E de novo.
E de novo.
Talvez o aspecto mais chocante de tudo isso seja que eu não gostaria
de voltar a ser aquela garota que era. Não para o mundo inteiro. Sou mais
resiliente, mais aventureira e endurecida pela batalha. A morte,
ironicamente, me fez ganhar vida.
Capítulo 31
Orange47, Texas
Sinto um arrepio toda vez que penso em encontrar um lugar onde Ben
estará a salvo da Morte, embora me obrigue a ignorar a estranha dor no
peito ao pensar em não ver o Cavaleiro novamente—talvez nunca mais.
47
Orange é uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Orange.
48
O México é um país situado entre os Estados Unidos e a América Central, conhecido pelas praias no Pacífico e no
Golfo do México e pela paisagem diversificada que inclui montanhas, desertos e selvas. Ruínas antigas, como Teotihuacán e a cidade maia de Chichén
Itzá, estão espalhadas pelo país, assim como cidades da era colonial espanhola. Na capital, Cidade do México, lojas elegantes, museus renomados e
restaurantes gourmet atendem às necessidades da vida moderna.
49
O Caribe, também chamado Caraíbas e América Caribenha, é uma região do continente americano formada pelo Mar
do Caribe, suas ilhas e Estados insulares. Também é chamado de Antilhas ou Índias Ocidentais, n ome originado pela crença inicial europeia de que o
continente americano fosse a Índia.
abruptamente duas semanas depois.
Começa como uma febre bastante simples, que faz Ben chorar e
chorar. Dura dois dias e, quando passa, fico aliviada.
— Sshh, sshh, Ben, sshh, vai ficar tudo bem, —digo, balançando-o em
meus braços.
Ele grita, seus gritos ficando cada vez mais altos. Ele não come, não
bebe e até meu toque parece perturbá-lo.
A única coisa que parece ajudar são as músicas que canto para ele.
Então seus gritos diminuem—só um pouco—e ele me observa, sem sorrir
e choramingando um pouco, mas pelo menos distraído. Assim que a
música termina, seus gritos recomeçam.
Posso sentir minhas próprias lágrimas quentes escorrendo dos meus
olhos. Estou com tanto medo que meus braços estão tremendo.
Mas isso presumindo que eles saibam o que está causando a febre de
Ben. E que eles tenham medicação para isso. E que Ben consiga engolir,
sem vomitar.
Pestilência.
Aperto os lábios para segurar tudo, embora ainda sinta meu lábio
inferior tremendo.
Preciso ir…
Pestilência solta meu ombro, olhando para mim. Sinto como se ele
pudesse ver todo o estresse que carrego em meu rosto. Como isso me
desgastou nos últimos meses.
Não é tempo suficiente. Seguro Ben perto de mim, mesmo que seus
gritos aumentem com a ação.
— Por que você está aqui, me avisando sobre isso? —Eu digo.
O olhar do Cavaleiro cai para Ben, que ainda está chorando. — Mas
talvez agora não seja um bom momento. —Os olhos dele demoram mais
um momento em meu filho. — A infecção está devastando seu corpo—e
está se espalhando a cada hora. Ele precisa de antibióticos, Lazarus.
50
Port Arthur é uma cidade localizada no estado americano do Texas, nos condados de Jefferson e Orange, constando neste
último uma pequena e inabitada porção da cidade.
É tudo demais. Meus ombros se curvam e começo a chorar,
inclinando a cabeça sobre a de Ben.
Eu aceno distraidamente.
Capítulo 32
Orange, Texas
Assim que termino de falar, ela diz: — Bem, seu filho está
definitivamente doente. —Ela enfia a prancheta debaixo do braço e se
levanta. — Vou fazer com que ele receba uma intravenosa para que
possamos colocar alguns líquidos nele. O médico estará aqui em breve.
— Sou o Dr. Conway, —diz ele, acenando para mim. Sua atenção se
volta para Ben, que está descansando em meus braços. — E este deve ser
o Ben. — O médico dá uma rápida olhada no prontuário de Ben, depois
puxa uma cadeira para nós e examina meu filho.
Depois que o Dr. Conway sai, uma enfermeira leva a mim e a Ben
para um quarto com um berço. Ela prepara o soro e administra o
antibiótico. O tempo todo choro ao lado do meu filho. Nunca me senti
menor do que agora, impotente para fazer qualquer coisa para salvar meu
filho. Os lamentos roucos de Ben lançam-se contra mim. São lembranças
assustadoras do dia em que o encontrei pela primeira vez, quando ele
chorou por tanto tempo que perdeu a voz.
Ele vai ficar bem, digo a mim mesma. Ele vai ficar bem.
Uma hora se passa e nada parece mudar. Meu filho ainda chora sem
parar e, embora seus olhos não pareçam tão fundos e seus lábios pareçam
menos rachados, ele ainda parece estar com dor.
Olho pela janela para o sol poente, temendo a noite que se aproxima.
Parece que o tempo está escorregando pelos meus dedos e não posso fazer
nada a respeito. Não posso fazer nada sobre nada disso.
A enfermeira retorna, verificando meu filho mais uma vez. Quero
perguntar a ela quanto tempo levará para que os antibióticos comecem a
fazer uma mudança perceptível. Ou se há alguma maneira de administrar
o resto do remédio em casa – ou melhor, na estrada.
Patel vai até o berço onde Ben está deitado. Ele pega um estetoscópio
e ouve o coração do meu filho, depois verifica sua cabeça e pescoço. A
ação faz com que Ben comece a chorar de novo.
— O que foi? —Eu digo antes que ele possa dizer uma palavra. Eu
juro que ela deve ser capaz de ouvir meu coração batendo.
— Existe mais alguma coisa que você possa fazer? —Eu pergunto.
A quem? Deus? Quase soltei uma risada amarga. Deus não vai nos
ajudar. Deus está torcendo pelo outro lado. Aquele que está caçando a
mim e a todos nesta cidade.
Com isso, ele vai embora e fico sozinha com Ben e meu desespero.
A NOITE PASSA E BEN parece estar ficando cada vez pior. No meio da
hora das bruxas, ele acorda com os olhos vidrados. A visão daqueles olhos
desfocados me fez pegá-lo e embalá-lo em meus braços, tomando cuidado
para não perturbar sua linha intravenosa.
Eu o encaro. — Você vai ficar bem, —eu sussurro para ele. — Você é
como eu. Você não pode morrer.
Não sabia que você poderia amar algo tão profundamente e tão
rapidamente. Eu não dei à luz esse menino e o conheço há menos de um
ano, mas se ... se alguma coisa acontecer com ele, isso vai me esmagar
mais do que todas as mortes que já sofri.
Estou tão consumida pelo meu próprio medo e tristeza que não ouço
os animais ao longe, nem percebo o silêncio anormal que cai sobre o
hospital como uma mortalha. Não ouço os passos sinistros se
aproximando cada vez mais, nem o som escorregadio das pontas das asas
roçando o chão.
Só olho para cima quando a porta se abre, presumindo que seja uma
enfermeira.
Capítulo 33
Orange, Texas
Não tenho resposta para ele. Ele quer falar sobre algo que parece ter
acontecido há muito tempo. Mas tudo em que consigo me concentrar é na
situação terrível que me consumiu no dia anterior.
Meu coração bate forte no peito. É agora que tudo está realmente
acontecendo: a morte está dentro do quarto de hospital de Ben—a morte
que mata todo mundo.
Olho para Ben, com muito medo do que verei. Ele está
assustadoramente imóvel, mas ouço suas inalações fracas.
Seu olhar está fixo em Ben. — Sinto todas as criaturas vivas, —diz ele.
— Eles abrem suas almas para mim quando chega a hora de partir.
O olhar da morte sobe para o meu. Seus olhos antigos estão tristes—
muito, muito tristes.
Balanço a cabeça, tentando banir suas palavras. — Ele vai ficar bem,
—eu digo, tentando tranquilizar nós dois.
— Por favor, —eu digo, com lágrimas escorrendo dos meus olhos. —
Ele é apenas um bebê.
Não o leve.
Eu começo a tremer.
— Vou morar com você ... vou fazer isso... — digo, — apenas poupe
Ben. Por favor, cure-o como você me curou.
— Por favor, —imploro, — sei que somos inimigos, mas ... por favor,
—resmungo, — poupe-me disso.
Capítulo 34
Orange, Texas
UM DIA?
A morte afunda ao meu lado e faz algo para o qual não estou
preparada: envolve os braços em volta de mim e de Ben e nos segura contra
ele.
— Diga-me que ele vai ficar bem, —eu digo, meu espírito quebrado.
— Lazarus, ele vai ficar bem. Mais do que bem. Não há mais dor, não
há mais sofrimento. Ele estará cercado de amor.
— Como eu sei que você não está mentindo para mim? — Eu sussurro,
minha voz embargada de emoção. Lágrimas estão caindo dos meus olhos
como chuva.
— Por que eu faria isso? —Morte diz. — Nunca protegi você da dor.
—Mas ele diz isso com tanta gentileza que quase acho que ele se
arrepende.
Já tive tantos ruins que não sabia que eles poderiam ser eclipsados por
este.
Ben não come, não bebe e sempre que chora é um som fraco e
esganiçado. Posso ouvir a gravidade em sua voz. E talvez seja minha
imaginação, mas juro que ele está chamando aquele cavaleiro bastardo,
implorando para que ele tire sua vida de mim.
Agora eu olho para Ben, que está mais uma vez em meus braços.
Os Cavaleiros.
Antes que eu possa pensar melhor, coloco meu filho no berço e chamo
uma enfermeira.
Eu acaricio sua bochecha. — Vou salvar você, Ben, —juro para ele
com uma convicção que não deveria sentir.
Antes que ele possa responder, entro na casa em ruínas. Guerra está
na cozinha, com os punhos cerrados na bancada laminada, inclinada sobre
o que parece ser um mapa.
Guerra olha para cima. — Lazarus! —ele chama. — Não sabia que
você estava grávida da última vez que nos conhecemos. —Quando seus
olhos caem sobre meu filho apático, seu humor jovial desaparece.
— Não estava grávida, —digo, — mas ele é meu filho mesmo assim.
—Volto minha atenção para Pestilência. — Os antibióticos não ajudaram.
Ele está ... ele está morrendo. —Minha voz vacila, e eu tenho que parar e
puxar uma respiração estabilizadora, mesmo quando uma lágrima
escorre. — Morte pretende levá-lo esta noite, a menos que ...
— A menos que ele possa ser curado, —Pestilência termina para mim,
a compreensão inundando seus olhos. —Ele franze a testa, seu olhar cheio
de remorso. — Não posso lhe ajudar, —diz ele. — Nem Guerra. É verdade
que mantivemos alguns de nossos poderes anteriores, mas, —ele balança
a cabeça, — não tenho mais o poder de reverter tal doença.
— Não.
Estou desesperada demais para desanimar tão facilmente. Ando até o
Cavaleiro, com Ben nos braços, e olho para o impiedoso Ceifador.
— Morte vai tirar meu filho de mim, —eu digo. Meu corpo treme
enquanto falo.
A atenção do Ceifador passa por cima do meu ombro, e sei que ele
está se preparando para dizer algo contundente.
Não.
O horror me preenche.
Não.
Eu não acredito.
— Qualquer coisa.
‘Venha comigo, Lazarus. Deixe-me saber como é abraçá-la em vez de lutar contra
você’.
Seus olhos se voltam para mim, e posso ver o quanto o Ceifador não
gosta de mim—ou talvez seja simplesmente o que eu represento. Mas
quando sua atenção se volta para Ben, seu olhar suaviza.
Sem perguntar, a Fome estende a mão e tira meu filho de mim. Ele
embala Ben nos braços, e algo triste e vulnerável aparece no fundo dos
olhos do cavaleiro enquanto ele olha para meu filho.
Nada acontece.
Quanto mais espero, mais insegura fico de repente. Não deveria ser
mais rápido? A morte estala os dedos e as cidades caem. Por que um ato
de criação—se é que você pode chamá-lo assim—é muito mais prolongado?
Fome abre seus olhos e, por um momento, enquanto ele olha para
Ben, o Cavaleiro lhe dá um breve sorriso.
Capítulo 36
Orange, Texas
CURADO.
Lágrimas escorrem dos meus olhos enquanto tiro Ben da Fome. Meu
filho começa a chorar de novo e eu estremeço. Ele estava muito fraco antes
para chorar. Assim que ele se acomoda em meus braços, seus gritos
diminuem um pouco.
O beijo e abraço até que Ben fique oficialmente irritado. Ele está vivo.
Vivo e saudável quando foi marcado para morrer. Mal consigo entender
isso.
— Não fiz isso por você, —ele diz com veemência, seus olhos
brilhando.
Seduzir a Morte.
Começo a tremer com cada palavra que Guerra fala porque posso
ouvir a verdade nelas.
— Ben será cuidado e amado até que você possa voltar para ele. E
você retornará para ele, Lazarus—isso não será para sempre.
51
A Ilha de Vancouver, próxima da costa do Pacífico do Canadá, é conhecida pelo clima moderado e pela próspera
comunidade artística. Em seu extremo sul, fica Victoria, a capital da Colúmbia Britânica, com o Victoria Harbour, repleto de barcos, os Edifícios
Legislativos da Colúmbia Britânica em estilo neobarroco, o grande Fairmont Empress Hotel e os jardins em estilo inglês. A cidade portuária Nanaimo,
que dá nome à sobremesa feita de chocolate e creme de ovos típica do local, tem um bairro antigo com lojas, galerias e restaurantes.
— Juro a mesma coisa, —Guerra acrescenta, chamando minha
atenção de volta para os cavaleiros à minha frente. — Seu filho será
protegido e querido por mim e por minha família também. Minhas filhas
vão adorar ter outra criança com quem brincar—só não se surpreenda se,
quando voltar, seu filho souber hebraico e árabe.
Olho para Ben, que está mexendo no cantil de Guerra. Uma carranca
puxa as bordas dos meus lábios para baixo. — Então vocês três vão levar
meu filho, e depois? Ir para o Canadá52 com ele?
Enquanto isso estarei ... com Morte. Tento não me concentrar nas
emoções confusas que surgem.
52
O Canadá é um país norte-americano que se estende desde os EUA, no sul, até o Círculo Polar Ártico, no norte.
Entre suas grandes cidades estão a gigantesca Toronto; Vancouver, centro cinematográfico da costa oeste; Montreal e Québec Ci ty, que falam
francês; e a capital, Ottawa. As vastas regiões de natureza selvagem do Canadá compreendem o Parque Nacional de Banff, repleto de lagos nas
Montanhas Rochosas. Abriga também as Cataratas do Niágara, um famoso conjunto de enormes cachoeiras.
Meu olhar salta entre ele e Pestilência. — Como vou ... —Eu nem
quero dizer a palavra. — Como seduzir a Morte ajudará em alguma coisa?
Meu olhar se move para Fome, que está servindo uma caneca de café
que alguém preparou, olhando para a caneca o tempo todo. Difícil de
acreditar que alguém daria a esse idiota uma hora do dia por qualquer
coisa, muito menos por amor.
Minha atenção se volta para Guerra. — Você não pode estar falando
sério. —Este é realmente o plano deles? Eles estão colocando o destino de suas
famílias e do mundo em minhas mãos—ou melhor, em algumas outras
partes da minha anatomia?
Fome leva a caneca de café aos lábios. — Além disso, —ele continua,
abaixando a caneca, — quero ver aquele idiota justo se apaixonar
exatamente pela mesma coisa que o resto de nós.
Engulo em seco, olhando para Ben mais uma vez. Eu odeio isso. Eu
odeio tanto isso. Agora que Ben está vivo e bem, quero voltar atrás em
minha palavra.
Ben nunca estará verdadeiramente seguro até que a Morte seja detida. E isso
não acontecerá a menos que eu o impeça. Essa sempre foi minha verdade
mais profunda.
Mas agora estão me pedindo para fazer isso e estou com medo de que,
quando o fizer, não haverá como voltar atrás.
— Tudo bem, —eu digo com a voz rouca. — Concordo com isso.—
Como se eu realmente tivesse escolha.
Morte pode ter saído do meu lado, mas não tenho ilusão de que o
cavaleiro tenha ido longe, não depois de ter me encurralado com tanto
sucesso.
Agora, tudo que quero fazer é ficar aqui o maior tempo possível e
aproveitar a presença do meu filho. Mas cada momento que passa me
aproxima do meu reencontro com a Morte. E essa é uma reunião que Ben
deve perder.
Vou até ele e o pego. Imediatamente ele quer voltar para baixo, mas
eu o seguro com força. Não sei da próxima vez que vou conseguir isso.
— Vai ficar tudo bem, —ele promete. — Tenho três filhos, Guerra
tem quatro e Fome é excessivamente protetor de coisas indefesas, —diz
ele. — Entre nós três, Ben estará seguro, bem cuidado e ... —Ele se afasta
para me olhar nos olhos, — nós realmente o amaremos como se fosse
nosso. Você é da família agora, Lazarus.
Eu seguro Ben perto. Meu filho se agarra a mim, olhando para os três
homens de aparência assustadora com clara suspeita.
Guerra vem até nós, agachando-se um pouco para ficar cara a cara
com Ben. Meu filho olha para o Cavaleiro, suas mãos cavando com mais
força em minhas roupas.
— Ah, olhe essa ferocidade. Pestilência e Fome não têm metade disso.
—Ele aponta para Ben. — Você tem as características de um futuro
general, —diz ele, e a maneira como diz isso me faz pensar que isso
deveria ser um elogio.
O Ceifador para na nossa frente e olha para a flor em sua mão. Depois
de um momento, ele entrega para Ben.
Ben olha para Fome com ceticismo e depois olha para a rosa como se
isso fosse algum tipo de truque. Relutantemente, meu filho pega a flor.
Antes que ele possa agarrá-lo, Fome o puxa um pouco para trás. —
Isso não é realmente seu, —esclarece o Cavaleiro, porque ele é um idiota
nato, — mas a mulher a quem pertence iria querer que você a tivesse.
Ele estende a flor mais uma vez e, desta vez, não há hesitação da parte
de Ben. Ele estende a mão e agarra a coisa, que, percebo, foi
cuidadosamente arrancada dos espinhos.
Assim que a flor está nas mãos de Ben, ele rapidamente arranca as
pétalas.
— Você está apenas amargurado, Ana não quer ser selada com o seu,
—Guerra, diz, batendo nas costas dele enquanto ele se vira para seu
cavalo.
O Ceifador olha para ele, mas não diz nada. Depois de um momento,
sua atenção volta para Ben, que arrancou a maior parte das pétalas da rosa.
Fome tira Ben dos meus braços com facilidade, como se fosse a coisa
mais natural do mundo. — Diga tchau para Lazarus, —diz o Cavaleiro,
mas Ben não se importa no momento. Sua atenção ainda está fixada nos
tristes restos da rosa.
Enquanto Fome sai com Ben, ouço-o dizer: — Posso fazer mais flores
para você, mas se você cagar em mim, o negócio está encerrado.
— Relaxe, vovô, —Fome grita por cima do ombro, — Ben vai esperar
até que ele esteja em seu cavalo antes de fazer qualquer coisa engraçada.
— Antes de você ir, —diz Pestilência. — Tenho algo para você. —Ele
enfia a mão em um dos bolsos, tira um pedaço de papel e o entrega para
mim. — Este é o endereço em que nossas famílias estão hospedadas.
Nosso plano é levar Ben para lá, onde minha esposa Sara e os outros
cuidarão dele.
Pego o papel dele e olho para o endereço. Meu coração martela com
o quão desesperadamente longe ele está. Isso é uma coisa boa, lembro a
mim mesma, embora agora tudo o que percebo é que parece meio mundo
de distância de mim.
Então o resto do que ele disse me alcança. — Elas vão cuidar dele? —
Eu pergunto. — E você e os outros Cavaleiros?
Ben ainda está distraído com o fato de não estar mais em meus braços,
e isso é graças ao Ceifador, que criou uma trepadeira na perna de seu
cavalo muito paciente.
Uma flor branca se abre bem na frente de Ben e, embora a visão dela
seja inacreditável aos meus olhos, meu filho não se incomoda, colhendo a
flor imediatamente, inspecionando-a com uma expressão séria antes de
começar a colher suas pétalas uma por uma.
O pânico se agita dentro de mim e, sem pensar, vou até meu filho.
Estendendo a mão, aliso a mão em seu rosto. — Vejo você de novo em
breve, Ben, —prometo. — Fique seguro, meu coração.
Meu filho olha para mim e sorri, ele estende sua flor mutilada e a
exibe.
Eu pressiono meus lábios para não perdê-lo, então volto vários passos.
Ele está vivo, lembro a mim mesma. Isso é mais do que a Morte ou os
médicos poderiam me dar.
Lazarus
Em algum momento, eu coloco tudo para fora. Tudo o que resta é esse
silêncio dentro de mim.
Ele me encontrou.
Uma leve brisa agita a grama selvagem, mas fora isso, o mundo está
ensurdecedoramente silencioso. Esse silêncio cresce e aumenta até que eu
juro que vai me engolir inteira.
Não percebo que peguei uma das minhas lâminas até que ela esteja
em minha mão. Meus músculos lembram o que minha mente esqueceu:
que estou acostumada com o som daquelas asas antes de uma luta. Por
muito tempo esse foi o som que anunciou a batalha, a dor e—muitas
vezes—a morte.
Minha pele fica um pouco úmida. Não sei o quanto ele já sabe sobre
Ben.
Thanatos inclina a cabeça. — Onde está seu filho? —ele diz, como se
estivesse lendo minha mente. — Certamente uma mãe enlutada não
deixaria seu filho para trás.
Estou quieta.
Ele segura minha bochecha. — Há muito tempo que procuro por você,
—diz Morte, sua voz letalmente suave. Seus olhos brilham. — Não
pretendo deixar você ir.
Eu engulo.
Seu olhar cai para os meus lábios, assim como fizeram muitas vezes
antes. Mas agora ele se inclina, sua boca a um fio da minha.
Eu não fujo. Eu não recuo, meu olhar paralisado para aqueles seus
lábios expressivos.
Seus olhos se voltam para os meus e por um breve momento ele sorri,
parecendo ao mesmo tempo vitorioso e perverso. Então sua boca
reivindica a minha.
O choque de seu beijo me faz cambalear para trás, mas o braço de
Thanatos está lá, primeiro me firmando, depois me puxando para perto
dele o máximo que pode, seus dedos pressionando minhas costas.
A Morte se curva um pouco, para poder deslizar o braço por trás dos
meus joelhos. Um momento depois, ele me pega, embalando meu corpo
contra o dele.
Não vejo suas asas abertas, mas sinto seus braços me apertarem.
Desisti e cedi, mas ainda não consigo banir o pavor de estar nos braços da
Morte. Tudo nele foi feito para acabar com vidas, e tão perto dele posso
sentir o erro da minha existência continuada.
Sem contar que a última vez que ele me segurou assim, ele me deixou
cair. E tudo bem, isso só aconteceu depois que eu o esfaqueei, mas ainda
assim, o pensamento me domina.
— Você não vai me deixar cair de novo, vai? —Eu pergunto, minha
voz abafada.
Sua boca roça minha orelha, seu hálito quente e sua voz baixa como
a de um amante quando ele diz: — Não na minha vida, Lazarus. Isso ficou
para trás.
Voamos por horas, meu corpo apertado nos braços da Morte. Presumi
que mesmo esse cavaleiro todo-poderoso ficaria cansado tentando
permanecer no ar enquanto segurava uma mulher adulta, mas eu deveria
saber disso. O ser que pode matar a população de uma cidade num instante
é mais do que capaz de eliminar um mísero humano.
Acima de tudo, quero perguntar a ele se ele deixou meu filho em paz
quando percebeu que Ben estava curado. Mas tenho medo de chamar a
atenção do cavaleiro de volta para Ben, caso meu filho esteja bem. Não
consigo imaginar que a Morte goste de ter uma alma roubada.
Olho para a Morte, suas asas negras parecendo uma capa nas costas.
Sem sua armadura, há algo vulnerável nele. Ou talvez seja simplesmente
porque ele não parece pronto para a batalha.
Respiro fundo, percebendo que tudo está voltando para mim. Aquele
ano lutando com ele, estudando-o, tentando descobrir quais eram suas
fraquezas. Estou caindo de volta nisso, como se meu tempo com Ben fosse
apenas um sonho, e esta, minha realidade.
Pela primeira vez desde que fiz um acordo com os irmãos da Morte,
de repente vejo a situação com clareza. Alterei os motivos de Thanatos.
— Tive que, —eu digo. — Você teria matado meu filho se eu não o
fizesse.
— Meu filho está ... ele está ... ele está ...? Morto? É a pergunta que eu
não deveria fazer, mas surgiu de qualquer maneira.
Porque ele não levou a alma do meu filho, eu percebo. A morte poderia ter
feito isso—e claramente ele acha que deveria—mas não o fez. Porque
aquela alma significava algo para mim.
Morte me lança um olhar confuso, mas antes que ele possa fazer mais
do que isso, agarro seu rosto. Sem pensar duas vezes, dou um beijo áspero
e agradecido em seus lábios. Posso sentir o gosto do choque dele.
— Obrigada, —eu digo, minha voz rouca. Ainda mantenho seu rosto
cativo, e ainda estamos a apenas alguns centímetros de distância, e
estamos perto o suficiente para ver seu desejo crescente. O olhar entra em
guerra com sua própria culpa, mas seus olhos vão para meus lábios, e vejo
um pouco mais dessa culpa recuar.
Deixo cair minhas mãos e me afasto. Essas paredes que construí para
mantê-lo fora, caíram lá por alguns segundos, mas mesmo agora posso
senti-las se erguendo novamente. Não preciso colocar essas paredes de
volta no lugar, considerando todas as coisas, mas não posso evitar. No ano
passado, elas se tornaram confortáveis.
— Sinto os vivos, mas só consigo ver através dos olhos dos mortos e
dos moribundos, —diz Thanatos. — Quando seu filho começou a morrer,
—eu estremeço com a palavra, — ele me convidou para entrar. Olhei
através dos olhos dele, e foi então que vi você. Voei o mais rápido que
pude e acredito que você conhece o resto da história.
E agora que sei que meu filho está seguro, posso realmente respirar
com facilidade. Tudo o que resta agora é navegar neste novo caminho em
que fui colocada.
Minha atenção se volta para ele. — Nós vamos ficar aqui? —Eu
pergunto, só para ter certeza.
Estou preso na teia do seu olhar. Não tenho ideia do que ele faria se
eu contasse, sim, esse lugar me desagrada. Provavelmente me arraste para
dentro de qualquer maneira, o pagão.
Mas isso não me desagrada. Não há muita coisa nessa situação que
me desagrada, exceto o fato de que fui forçada a me separar de Ben e não
tenho ideia de quando o verei novamente. Deixando isso de lado, estou
nervosa com o quanto de mim está bem em ser arrastada por alguma
antiga divindade da morte que está matando o mundo e agora quer morar
comigo.
Tenho que desviar o olhar dele. Há tanta culpa que coloco a seus pés
que é difícil vê-lo quando sua humanidade se infiltra—e é especialmente
assim quando essa gentileza é dirigida a mim.
Sob minha mão, a maçaneta gira, mas não sou eu quem a gira. Ele
escorrega completamente da minha mão quando a porta é aberta.
No início, minha mente não consegue processar o que estou vendo.
Quero dizer, noto os ossos brancos e brilhantes que parecem ser mantidos
juntos apenas por magia, todos os duzentos e poucos deles desafiando as
leis da gravidade. Demora mais alguns segundos para entender que estou
olhando para um esqueleto. Um esqueleto em movimento.
Vou morar com um cara que consegue dar vida a esqueletos, entre outras
coisas.
Não apenas morando com ele, Lazarus, mas transando com ele também.
Olho para Thanatos e isso é um erro. Ele é lindo, algo que nunca
poderei esquecer, mas, puta merda, vou ter que dar uma surra nesse cara.
Eu deveria estar brava com isso. Tenho todos os motivos para estar brava.
Mas não estou, e isso é ainda mais repugnante.
— Ah, ah, —diz Thanatos, eliminando esse espaço. Sua mão cai no
meu quadril e um solavanco se move através de mim com o contato.
— O que você está fazendo? —Eu exijo, olhando para baixo entre nós,
onde sua mão ofensiva está colocada. Não é como se ele nunca tivesse me
tocado antes, mas agora estou pensando em sexo e aquelas mãos parecem
diferentes na minha pele—melhores e mais indesejáveis.
— Recém-mortos.
Eu empalideço.
— Não pareça tão chocada, —diz ele. — Você me viu acabar com
cidades inteiras. Isso não é nada.
Eu franzir a testa. — Eles não vão aparecer como ... —Eu empurro
meu queixo para onde eu vi aquele esqueleto pela última vez. Agora não
está à vista. De alguma forma, isso é ainda mais desconcertante.
Acho que devo pelo menos agradecer que Morte não tenha decidido
ressuscitar os antigos donos. Eu acho que poderia ser uma surpresa
desagradável demais.
Thanatos coloca a mão nas minhas costas (esse toque ainda está
fazendo coisas estranhas comigo) e me leva para dentro de casa.
— Como você sabia que aquele esqueleto era uma mulher? —Eu
pergunto enquanto nos movemos pelo corredor.
Morte nos conduz para um dos quartos, embora meu foco ainda esteja
nele.
— Para que você possa ver através dos olhos dos moribundos—e dos
mortos—e ver a pessoa cujo cadáver você controla? —Eu digo.
Essas habilidades ... são um aspecto íntimo e desconcertante de seu
poder.
— Você faz com que pareçam duas coisas separadas, —diz Morte, —
mas está tudo entrelaçado.
— Se o que você diz é verdade, então por que você não entende
melhor os humanos? —Eu pergunto.
Quero dizer, a primeira vez que ele me capturou, ele ficou totalmente
perplexo ao pensar que eu precisava de comida, água e uma cama.
— Este é o seu quarto, —diz Morte. Ele olha ao redor antes de seu
olhar retornar ao meu.
— Isso importa?
Dou uma espiada no armário, curiosa para saber o que vou encontrar
lá. Roupas femininas preenchem o espaço, todas bem penduradas ou
dobradas nas prateleiras. Os tamanhos aparecem em todos os lugares, mas
há tantas roupas que parecem abafar o fato de que o tamanho é
inconsistente.
Espere. O que?
Thanatos inclina a cabeça para baixo, seus olhos olhando para mim
de uma forma que parece ao mesmo tempo tímida e intrigante. — São
itens que achei que você poderia gostar.
Se não são coisas do dono … então ele deve ter reunido esses itens de
outro lugar e trazido para cá.
Ele está tentando cuidar de mim, como uma espécie de bom parceiro.
Eu zombei de sua primeira tentativa, então agora ele encontrou a maior
casa com as coisas mais bonitas para compensar.
— Você percebe que não é assim que os humanos fazem as coisas, não
é? —Eu sondei.
Acho que ele iria querer isso. Sei que faria isso—posso me odiar por
isso, mas faria.
Capítulo 39
Sugar Land53, Texas
Tudo o que sei é que seria muito fácil cair nos braços da Morte. Ele é
lindo e, apesar de todas as suas mortes, ele não é mau. Provavelmente é
isso que mais dói na minha cabeça. Ele levou minha família, quase levou
meu filho, vai tentar levar todo mundo, mas seu coração não é mau.
53
Sugar Land é uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Fort Bend. A cidade
foi fundada em 1838, em meio a um latifúndio cujo principal vegetal cultivado era a cana de açúcar. Esta é a origem do nome d a cidade. Sugar, em
inglês, significa açúcar.
Eu vi maldade.
Ainda não descobri onde fica a cozinha quando chego à sala de estar.
Paro quando vejo Morte parado diante de uma ampla janela, seu olhar
fixo em algo do lado de fora.
Neste momento, de costas para mim e com uma postura tão imóvel,
ele parece aqueles anjos de pedra que às vezes vejo nos cemitérios. Aqueles
que parecem dolorosamente tristes. A coisa toda me faz tremer.
Ele me olha. — Agora que você está aqui, no entanto, tenho um medo
profundo e permanente de que isso não seja real—que você desapareça
durante a noite. E apesar de todo o meu poder, não consigo me livrar desse
sentimento.
Fecho os olhos com a sensação. Não acho que nenhum de nós tenha
sido realmente tocado há muito, muito tempo, o que torna cada contato
físico muito mais potente. E com as palavras da Morte ainda ecoando em
minha mente, sei que esse simples toque também deve significar muito
para ele.
Thanatos me leva até uma grande sala de jantar que perdi porque fica
no extremo oposto desta mansão. Como o resto da casa, é ricamente
mobiliada, com outro lustre de cristal e um espelho dourado pendurado
acima de uma enorme lareira. A mesa em si é uma coisa enorme. Conto
doze cadeiras espalhadas ao redor, a superfície escura da madeira polida
até brilhar.
E agora estou sentada à mesa com ele, prestes a fazer uma refeição
como se tudo isso fosse normal.
Seus olhos estão duros, mas ele ainda parece terrivelmente satisfeito,
embora eu imagine que isso tenha mais a ver com a ideia deste jantar de
vitória do que com a comida em si.
Meu corpo cai para trás pesadamente contra a minha cadeira. Ben não
está morrendo. Se ele está bem ou não é outra questão.
54
A expressão original e ‘jogar alguém debaixo de um ônibus’: quer dizer é criticá-lo, culpá-lo ou puni-lo, principalmente para evitar culpa ou obter
vantagem. Pessoas assim abaladas ficam normalmente em uma posição vulnerável. Nesse caso quando Guerra sugeriu que ela seduzisse a Morte.
Forço meus medos a se afastarem. Conheci esses homens e aprendi
seus motivos. Talvez eles já tenham sido monstruosos, mas tenho que
confiar que não o são mais. Eles têm em mente os melhores interesses da
humanidade. Se não o fizessem, teriam deixado meu filho morrer e a
Morte e eu continuaríamos como inimigos.
Thanatos estuda minha expressão e juro que ele está percebendo cada
pequeno tique como se fossem palavras em uma página.
Ele ainda não percebeu que não é preciso cortar alguém para fazê-lo
sangrar. Tire o que eles têm de mais precioso e eles sofrerão.
‘Seduza a Morte’.
Eu quero olhar em todos os lugares, menos nele, mas se ele não vai
seguir a etiqueta social, então foda-se, eu também não. Então ... decido o
encarar até me fartar.
Quanto mais olho, mais meu sangue parece esquentar. Eu não posso
evitar. Não fui feita para resistir a homens tão bonitos.
Mas não é apenas sua beleza. Minha atenção volta para aqueles olhos
antigos, que guardam todo tipo de segredos. Quanto mais olho, mais
pareço cair em suas profundezas. E quanto mais ele olha para mim, mais
aquecido fica seu olhar. Foda-se, mas meu pulso está acelerado e esta sala
de jantar cavernosa de repente parece pequena demais.
Eu me inclino para trás e suspiro enquanto olho para ele. Era para
parecer cem por cento irritado, mas sai soando sem fôlego e melancólico,
droga.
— Ah, você tem hábitos. Tenho um mapa marcado com esses hábitos,
—eu digo.
Ele junta os dedos. — Você realmente acha que eu procurei por você
tanto tempo para me assustar com algumas 'coisinhas irritantes'? Fiquei
como um louco te procurando. Duvido que enlouqueça saboreando você.
— Você nem percebe o que está dizendo. Não há vida sem morte, —
diz ele com veemência. — Então, a menos que você prefira ser uma pedra
ou alguma outra coisa inanimada, acho que minha existência combina
muito bem com você.
Pego minha taça de vinho e tomo um longo gole. Não sei dizer se suas
palavras são imensamente satisfatórias ou dolorosas. Ambas, eu acho.
— Odeio que você tenha tirado minha família de mim. Odeio que
você tenha tirado meu filho de mim ...
— Odeio que você tenha matado tantas pessoas—que eu tive que ver
tudo. Eu odeio ter me sentido obrigado a impedi-lo. Odeio que, para
impedir você, tenha tido que roubar dos cadáveres, convencer os céticos e
me forçar a suportar ser ferida e morta repetidas vezes. Odeio que minha
vida tenha se tornado uma longa lista de sacrifícios.
Talvez seja minha imaginação, mas juro que o rosto dele se suavizou
com a minha admissão.
Levo a taça aos lábios, tomando outro gole do vinho caro. — Odeio
que você seja tão bonito. —Mais para mim do que para ele, acrescento:
Mal consigo pensar direito.
Seduzir Morte.
— Comida dos vivos? —ele diz, seu olhar fixo na minha boca.
Ele não fez isso. Ele nunca mordeu uma maçã madura, nem girou
macarrão no garfo, nem comeu pão com manteiga derretida.
Já faz algum tempo que sei que a Morte não tem necessidades
humanas, mas nunca—nem uma vez—provou comida?
Antes que ele possa fazer qualquer coisa, sento-me em seu colo. Ouço
a inspiração profunda de Thanatos, mas então suas mãos caem em meus
quadris.
Eu seguro uma risada. Só este homem diria uma coisa tão ridícula.
Estou tentando muito, muito mesmo não rir do fato de que esse
homem—que foi flechado repetidamente por mim—tem medo de um
pouco de pão.
Seus olhos estrelados piscam. Num instante, sua mão se fecha sobre a
minha e ele leva o pão que levo aos lábios. Ele olha para ele por um
momento, carrancudo.
— Tudo em mim se revolta contra isso, —ele admite.
Enquanto nossos olhares estão presos, ele leva o pão até a boca. Sem
desviar o olhar de mim, ele dá uma mordida.
Não consigo evitar, começo a rir—rio tanto que meu corpo inteiro
treme com isso.
Ele olha para meus lábios um pouco mais. — Hmmm … —Em vez de
contar uma piada, ele pega minha mão e tenta outra mordida no pão—e
começa a engasgar novamente.
Ele pega o vinho que seu servo esquelético serviu para ele,
provavelmente para eliminar o gosto, mas é vinho que ele está bebendo,
não água, e este também é um gosto adquirido.
Com uma última careta, ele abaixa a mão, os olhos fixos em mim, e
tenho quase certeza de que ele só deu uma segunda mordida no pão para
me ouvir rir novamente. Esse pensamento me deixa sóbria, mesmo
quando um calor indesejável se espalha por mim.
Pego o copo dele e bebo. Quero dizer, é um bom vinho e ele não vai
gostar.
Eu dou a ele um olhar perplexo, sem saber onde ele quer chegar com
isso.
Em vez de responder, sua mão vai para a parte de trás da minha
cabeça. Thanatos me atrai para ele e é apenas alguns segundos antes de
meus lábios tocarem os dele que me lembro.
O beijo.
Então sua boca está ali, firme contra a minha. Respiro fundo porque
...
É requintado.
Segurar sua mão era uma coisa, mas ser pega no abraço da Morte,
seus lábios seduzindo os meus—eu tinha esquecido que beijá-lo era uma
experiência completa.
Eu não paro.
Eu me jogo totalmente no beijo. Posso sentir o gosto do vinho na
língua da Morte, e tenho certeza de que ele pode sentir o gosto do vinho
na minha, mas ele não está engasgando—na verdade, ao que tudo indica,
ele parece gostar bastante da coisa, afinal.
A mão dele que ainda está no meu quadril se aperta e ele se esfrega
contra mim.
Ele está ao menos ciente das ereções e da excitação? Aposto que não, não
em nenhum sentido real. Aposto que isso é mais uma coisa de pão e vinho,
onde a Morte sabe, mas na verdade não sabe. Duvido que ele tenha
alguma ideia real do que está fazendo ou por que as coisas parecem assim.
Mesmo que minha mente saiba que ele se foi, o instinto continua
exigindo que eu siga os mesmos velhos hábitos parentais que tenho
praticado nos últimos seis meses.
Pelo menos os revenants nada mais são do que ossos. Se eles ainda
tivem carne sobre eles ... acho que não teria estômago para isso.
Infelizmente, há um leve cheiro grudado neles, um cheiro para o qual não
tenho nome, mas deve ser o cheiro das coisas velhas e ressecadas. Isso ou
esta cozinha tem um odor desagradável por si só.
Por que você está dizendo bom dia para o esqueleto, Laz?
O esqueleto gira e se dirige para uma prensa francesa que eu não notei
antes.
Eu fico maravilhada.
Isso me entende.
É aí que registro que da cintura para cima Thanatos está nu. Sem
armadura, sem camisa. Apenas centenas de tatuagens estranhas e
brilhantes que o banham em luz prateada. Eu respiro fundo com a visão.
Exceto ... Guerra tinha tatuagens assim ao longo dos nós dos dedos.
Só que os dele era vermelho.
— Onde está sua camisa? —Digo sem fôlego, meu olhar ainda preso
em seu peito nu. O cavaleiro é verdadeiramente construído como um deus,
seu físico é fortemente musculoso.
— Em outro lugar, —diz Thanatos.
O olhar da Morte passa por cima do meu ombro e olho para trás,
apenas para ver o esqueleto se aproximando de mim com uma caneca
fumegante de café em uma mão e um creme de porcelana na outra. Atrás
dele, os outros esqueletos ainda estão ocupados trabalhando.
Estendo a mão para pegar o café. Meus dedos roçam os ossos dos
dedos do esqueleto e quase deixo cair a caneca.
Controle-se.
Meu olhar percorre os esqueletos mais uma vez e agora, em vez de ver
o horror de sua existência, vejo ... vejo um Cavaleiro tentando provar seu
valor para uma mulher que o desprezava.
Distraída, vou até lá, sento e coloco meu café em uma mesa lateral
próxima. O Cavaleiro me segue. Só quando ele se senta ao meu lado é que
percebo que esse móvel pode muito bem ter sido um dos itens que o
Cavaleiro levou para esta casa, a forma dele permite que Morte se sente
facilmente enquanto acomoda suas asas.
Quero perguntar sobre aquelas asas, que são tão grandes que caem no
chão atrás dele como a cauda de um vestido. Quero perguntar sobre as
marcas brilhantes também, aquelas para as quais meus olhos ficam
mergulhando. Descubro que quero muito tocá-los e tenho que apertar as
mãos para reprimir o desejo.
— O que isso tem a ver com limpeza? —Eu pergunto. Até ontem eu
nunca simplesmente sentei ao lado do Cavaleiro e briguei com ele. É quase
tão desestabilizador quanto observar o trabalho desses esqueletos.
— Você está fazendo perguntas que não têm respostas humanas
agradáveis e ordenadas, Lazarus. Os mortos estão limpando porque eu
mando.
— Mas eles sabem como limpar e você não. —Isso é estranho, certo?
— Eles têm um pensamento superior?
Ele olha para mim enquanto eu processo isso. E então ele continua a
olhar para mim, mesmo quando o silêncio se estende entre nós.
— Ainda é rude ficar encarando, —eu digo, pegando meu café mais
uma vez.
— Que eu poderia olhar para você por mil anos e nunca ficar
entediado, —diz ele sem perder o ritmo. — Estou acostumado a ver a
essência de uma pessoa, não suas características, e considero isso um dado
adquirido.
Fico ali sentada, sem saber o que dizer. Porque não tenho nada de
recíproco a dizer, exceto, talvez, que, sob seus poderes, Thanatos também
é estranho e adorável.
Pego sua mão e deixo que ele me leve para longe daquele sofá de
desmaiado55. Atravessamos a sala e passamos por uma porta que se abre
para um amplo pátio nos fundos. A morte está quieta enquanto ele me
conduz, suas tatuagens brilhando ao sol.
Agora sou eu quem está puxando sua mão enquanto nos conduzo até
55
Em inglês fainting couch. Por que eles chamam isso de sofá de desmaio? O que é um sofá para desmaiar versus uma
espreguiçadeira e um sofá-cama? A história por trás do nome desmaio? Parece que eles tiveram que se contentar em desmaiar em um sofá normal .
Especificamente, estudos feitos sobre o período descobriram que as mulheres da elite vitoriana desmaiavam regularmente porque os seus
espartilhos eram demasiado apertados.
lá. Eu nos conduzo pelas fileiras de canteiros elevados, observando cada
um deles. Quando noto as árvores frutíferas correndo ao longo dos fundos
do jardim, vou até elas.
— Era isso que você queria ver? —diz o Cavaleiro atrás de mim,
inspecionando a árvore como se ela guardasse algum segredo decifrável.
Uma parte de mim quer jogar as frutas o mais longe que puder e
queimar todo o pomar. Em vez disso, limpo a maçã na minha camiseta e
dou uma mordida.
Ele faz uma careta. — Não, a menos que você tenha outro beijo para
me subornar.
Mantenho meu olhar focado nele. — Acho que você não sabe o que
está pedindo, Thanatos.
Ele não se aproxima de mim, mas parece que não há distância entre
nós e nenhum ar para respirar. Não ajuda que ele ainda não tenha
encontrado sua camisa, e suas tatuagens brilhantes estão fazendo com que
pareça particularmente sobrenatural.
Não acredito que estamos falando sobre isso. Ou que o homem que
acha que o pão não presta está aberto à intimidade.
Acho que essa é a ironia de Thanatos. Ele existe desde sempre e parece
ser uma fonte de sabedoria quando se trata de humanos, mas o Cavaleiro
56
Simon & Garfunkel - Scarborough Fair (from The Concert in Central Park) - https://www.youtube.com/watch?v=4Ccgk8PXz64
só é homem há pouco tempo.
Quero dizer a ele que as pessoas não fazem perguntas desse tipo, mas
ele sabe disso. E ele parece genuinamente ... comovido pela música. Então,
limpo a garganta e, depois de vacilar por mais um momento ou dois,
começo a cantar novamente, voltando-me para a árvore para poder voltar
a colher frutas e fingir que não tenho um público ávido.
57
Oitava Maravilha do Mundo é uma hipérbole comumente utilizada na cultura ocidental para descrever a qualidade de
pessoas, organizações, construções ou ideias comparando-as às sete maravilhas do mundo, uma lista de proeminentes construções humanas de
Antiguidade Clássica que os antigos gregos puderam admirar.
rosto.
— Lindo.
Capítulo 41
Sugar Land, Texas
Seduzir a Morte.
Saio do banho frio que preparei para mim, pegando uma toalha
próxima e enrolando-a em volta do meu corpo. Poças de água aos meus
pés quando atravesso o banheiro e entro no meu quarto, o mundo além
das janelas está escuro.
Nem mesmo meu cabelo úmido e despenteado pode tirar isso, embora
eu faça o possível para deixar meu cabelo o mais apresentável possível.
Vale a pena arriscar. Vale a pena tentar tudo isso. Comer. Dormir. Seduzir.
Salvar o mundo.
Assim que ele me vê, seus olhos ardem com algum fogo interior. Mas
então seu olhar passa por mim, do meu rosto maquiado ao meu vestido
justo, até meus pés descalços, e uma fome toma conta de sua expressão.
Passo pelo meu assento e vou até o dele. Deixando o prato de lado,
subo na mesa e sento onde deveria estar a comida. Esta noite, eu sou o
prato principal.
É verdade que isso não é tão drástico quanto sentar no colo dele, como
fiz ontem à noite, mas eu não estava planejando me deixar levar.
— Oh, seu toque faz coisas comigo. —Não sei o que me dá para
expressar esse pensamento, mas as palavras saem antes que eu possa
pensar duas vezes sobre elas.
O rosto da Morte está tão próximo que posso ver aquelas estranhas
manchas prateadas em seus olhos escuros como a noite e como suas
pupilas se dilatam com a minha proximidade. Sua armadura fria e
inflexível me morde, e posso sentir o cheiro esfumaçado de olíbano e mirra
exalando dele.
Ele traz minha orelha para sua boca. — Ontem à noite conversamos
sobre todas as maneiras como você me odiava, —diz ele. — Esta noite é a
minha vez de escolher o jogo.
— Tudo isso.
Dou uma risada porque a beleza é realmente uma coisa boa? Não sei
…
— Isso me faz querer você mesmo quando não deveria, —eu admito.
Dou uma olhada para ele, tentando ao máximo ignorar aquela beleza
autoritária dele. — Você sabe o que eu quero dizer.
Você não precisa respondê-las, sussurra uma voz interior covarde. Você
poderia simplesmente apressar as coisas. Um ou dois beijos o fariam esquecer.
Eu recuo um pouquinho.
Faça isso?
Odeio que, desde que o conheci, eu queira fazer isso. Mesmo nos
meus momentos mais sombrios, ainda havia a curiosidade e o desejo
estranho e perverso de senti-lo, meu inimigo.
Encaro as penas pretas enquanto passo meus dedos sobre elas. — Elas
são ... lindas, —eu digo.
Minhas mãos alisam seu torso até as bordas da camisa. Thanatos pega
o material preto, e já posso dizer que ele pretende arrancá-lo com tanta
selvageria quanto sua armadura.
— Espere, —eu digo, segurando sua camisa com mais força. — Deixe-
me fazer isso. —Minhas bochechas coram enquanto falo.
Eu puxo o material escuro. Espero que ele prenda nas raízes das asas,
mas o material desliza facilmente. Percebo então as fendas nas costas da
camisa que abrem espaço para suas asas; eles cortam a camisa até a bainha
inferior.
Morte é tão alto, mesmo sentado, que tenho que me levantar para tirar
a camisa preta por cima de sua cabeça e de seus braços. Uma vez livre, eu
o jogo entre a crescente pilha de itens descartados.
Dou outro beijo em sua pele, desta vez, lambendo um pouco sua pele.
Ele fecha os olhos e inclina a cabeça para trás. — Mas eu tenho você
agora, —ele murmura, acariciando meu cabelo. Parece que ele está
tentando se tranquilizar.
— Você pode me tocar também, —eu digo. Quer dizer, eu sei que ele
já está me tocando, mas há toque e depois há toque. Estou oferecendo a ele
o último.
Seus olhos se abrem e ele inclina a cabeça para baixo para olhar para
mim. — Onde? —ele diz, sua voz áspera.
Thanatos tira a mão do meu cabelo e passa as pontas dos dedos pelas
minhas maçãs do rosto e depois desce até meu queixo.
Pressiono a palma da mão dele, que ainda segura meu rosto. Por um
momento eu me inclino para o toque. Quando sinto o toque frio do metal
contra minha carne, afasto sua mão para inspecionar o que é.
No dedo ele usa aquele estranho anel, aquele que tem a moeda fixada
com o rosto da Medusa.
Eu movo seu anel para frente e para trás. — Qual é a história por trás
disso? —Eu pergunto. A esta altura descobri que tudo que adorna o
Cavaleiro tem um significado mais profundo.
Eu olho fixamente para ele. — Agora é você quem está dançando com
suas palavras.
Não sei quem se move primeiro, mas nossos lábios se chocam, o anel
há muito esquecido. O beijo deveria parecer uma mentira. Deveria parecer
errado, coagido—tudo, menos o que parece.
Nosso beijo pode ter terminado aí, mas o Cavaleiro ainda não
terminou comigo. Ele dá beijos leves ao longo da minha mandíbula,
depois no meu pescoço. Ele move a boca para o meu ombro, seus lábios
arrastando sobre a pele. Seus dedos agarram a alça fina do meu vestido e
ele a puxa, sua boca deslizando sobre minha carne.
Estou cansada de lutar contra essa atração por ele. Estou cansada de
minha cabeça dominar meu coração. Estou cansada de tudo ser tão
complicado quando não precisa ser.
Não estou usando nada por baixo do vestido, então quando o puxo
para baixo, exponho meus seios.
Meus lábios se chocam contra os dele. Isso não é como nossos outros
beijos. Talvez a mudança seja da carnalidade que despertei em Thanatos,
ou talvez seja minha. De qualquer maneira, estou livre de minhas
inibições.
— Lazarus.
Não sei dizer se ele está dizendo meu nome como uma advertência ou
como um apelo. Não tenho certeza se ele também pode. Mas suas mãos
estão me prendendo no lugar e seus olhos estão turvos de desejo.
— O que ... é essa sensação que você provocou em mim? —ele diz, se
afastando um pouco. Ele ainda mantém meus quadris prisioneiros.
Sorrio para ele novamente, embora este seja genuíno. É difícil não se
sentir genuíno quando o Cavaleiro o faz de forma tão assumida.
Seus olhos brilham ao ver meu sorriso e ele se inclina para frente,
capturando minha boca novamente. — Seus sorrisos me enredam, kismet.
O beijo de volta, ainda sorrindo como uma idiota contra sua boca.
Thanatos começa a cair nisso, mas não, não, não, não pretendo que
fiquemos aqui.
— Confie em mim, Thanatos, para isso você vai me querer fora do seu
colo.
Pela primeira vez, Morte parece alarmada. É esse único olhar que
dissipa um pouco da minha tensão sobre o que estou prestes a fazer.
Antes que Morte possa começar a tirar suas perneiras e suas botas e a
tirar totalmente as calças, coloco a mão em seu ombro e o pressiono de
volta na cadeira. Eu meio que gosto da ideia de suas calças mantê-lo preso
no lugar.
Minhas mãos caem sobre cada uma das coxas da Morte, e suas
palavras são interrompidas, como uma vida interrompida.
Minha bravura desapareceu; meu coração está batendo a mil por hora.
Não sou uma sedutora e sinto minha fachada confiante desmoronando.
Eu me ajoelho.
Um último suspiro antes de cruzar a linha que tracei para mim mesma
há um ano.
Inale.
Expire.
Meu núcleo lateja e meus mamilos estão tensos, apesar do fato de que
a Morte é quem está sendo tocado. Estou excitada e envergonhada com o
fato, e de alguma forma isso só parece aumentar tudo.
Capítulo 42
Sugar Land, Texas
— Lazarus, —ele respira, com a voz dolorida. Seu peito está subindo
e descendo rapidamente. Ele parece frenético e confuso, como se não
tivesse ideia de que um corpo humano pudesse se sentir assim.
Olho para ele enquanto seu pau desliza entre meus lábios. A
respiração de Thanatos ficou pesada e irregular. Uma de suas mãos ainda
está fechada, a outra se move como se fosse me tocar, mas ele a puxa para
trás, em vez disso, agarrando o apoio de braço para salvar sua vida.
Você ainda pode me tocar, quero dizer a ele. Meus seios, meu rosto—em
qualquer lugar. Por enquanto, é seu.
Minha boca desliza para baixo ao longo de seu eixo mais uma vez, e
então eu o libero, sentando-me de cócoras, meus seios ainda expostos.
Esta noite foi apenas o primeiro gosto real do que tenho para oferecer.
Pretendo fazer isso excruciante e lentamente. No final, pretendo ter o
Cavaleiro sob meu domínio: corpo, mente e espírito.
Capítulo 43
Sugar Land, Texas
Por fim, ele se vira. Seus olhos primeiro encontram os meus, depois
deslizam para minha boca—a mesma boca que o envolveu na noite
passada. Uma das mãos da Morte se fecha e vejo sua garganta balançar.
Sei que ele está se lembrando do que fiz com ele. Aposto que mesmo
agora ele está tentando descobrir como deslizar aquele pau entre meus
lábios e continuar de onde paramos. Esse é o problema da sedução; uma
pessoa detém muito mais poder do que a outra. E apesar de toda a
onipotência da Morte, sou eu quem está no controle.
— Isso cabe a você descobrir. —Não vou fazer o trabalho por nós dois.
A sedução já é difícil o suficiente.
— Quero dizer, nem todos eles. —Quero dizer, deve haver alguns
filhos da puta piedosos por aí que não ousariam. O resto de nós, no entanto
…
— Mas deveria, —diz ele, mais para si mesmo do que para mim. —
Posso fazer você sentir as mesmas sensações que você me fez sentir?
Aliviar?
— O que você faria se eu dissesse sim? —As palavras saem antes que
eu possa impedi-las.
Minha mente está acelerada. Eu não queria que ele realmente agisse
de acordo com a questão, mas agora que o pensamento está na minha
cabeça, não consigo tirá-lo.
Ele acha que eu não quero isso porque ele é inexperiente? Quero rir. Ser um
amante generoso supera em muito qualquer inexperiência. É sua
ansiedade que me faz recuar. Posso sentir o poder que arranquei dele
ontem à noite agora escorregando por entre meus dedos, e não estou
disposta a me separar dele.
A Morte pode não admitir a derrota tão facilmente, mas posso ver que
minhas palavras o detiveram—por enquanto.
— ... mas não vou, —ele continua. — Essa não é a tarefa proposta a
nenhum de nós, Cavaleiros. Todos nós quatro, irmãos, devemos
compreender as criaturas que estamos aniquilando. É por isso que visito
cada cidade. Somente quando eu realmente entender os humanos poderei
tomar minha decisão final sobre eles.
Olho para ele horrorizada quando me ocorre mais uma vez que ele
detém o poder de destruir ou salvar todos nós. E de alguma forma devo
fazê-lo mudar de ideia.
— Mas você não sabe nada sobre nós,—digo baixinho. — Você mata
uma cidade antes mesmo de passar por ela.
— Ainda assim, devo passar por eles. —Ele olha para as paredes ao
nosso redor. — E agora você irá comigo também, Lazarus.
Morte não dá ordens aos seus servos, ele simplesmente gira o cavalo
e depois assobia. Ao ouvir o som, seu cavalo dá um solavanco para frente,
e então estamos avançando pela longa entrada de automóveis, os cascos
do cavalo trovejando contra a estrada de asfalto.
— Estava preocupado.
Arrepios picam minha pele. Essa foi uma das poucas vezes em que vi
em primeira mão que tipo de poder eu tinha sobre o cavaleiro. Claro, isso
não importava muito para mim porque ele não salvaria Ben. Mas ele
poupou aquela cidade—mesmo que apenas por um dia.
Ele ainda está olhando para mim, mas algo brilha em seus olhos. Ele
está ... ele está realmente considerando minhas palavras?
— Há muito mais do que eu lá fora, —eu digo. Mas está claro que
Morte é muito inflexível para tentar convencê-lo a deixar qualquer cidade,
por menor que seja, ilesa.
Ele olha furioso para mim, mas depois de um momento ele inclina a
cabeça.
58
Rosenberg é uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Fort Bend.
— Isso é tudo que eu sempre quis, —eu digo.
Ele não diz nada sobre isso, embora sua mão aperte a minha de volta.
Uma cidade.
Fico tensa, embora não saiba por que isso acontece. Thanatos não vai
destruir ninguém. Talvez seja simplesmente porque ainda não discuti o
que devo mostrar à Morte, agora que consegui que ele concordasse em
deixar esta cidade vivo por um tempo.
Passamos por mais e mais pessoas, pessoas que gritam, pessoas que
correm e pessoas cujo medo as enraíza no lugar. A única coisa que todos
têm em comum é o medo palpável.
Não sei.
— Kismet, —Morte diz, — se era isso que você queria que eu visse, eu
poderia ter lhe poupado alguns problemas. Eu sei que é assim que os
humanos reagem a mim.
Eu exalo. Claro que ele está certo. As pessoas não são exatamente
conhecidas por serem amigáveis com coisas que não entendem—coisas
que já destruíram grande parte de seu mundo—eu apenas presumi que,
uma vez que vissem a Morte e percebessem que ele não estava tentando
machucá-las ativamente, elas iriam perder o medo. E para ser justo,
algumas pessoas parecem mais curiosas do que assustadas, embora sejam
definitivamente a minoria.
— Não se mova ou vamos atirar! —Isso vem da mesma voz que gritou
pela primeira vez.
Morte se move na minha frente. — Farei o que quiser, —diz ele, sua
voz ecoando pela rua.
E é por isso que meu plano era bom demais para ser verdade. Presumi
que as melhores partes da humanidade estariam trabalhando, mas nessa
suposição estava a crença de que melhor significava incruento e empático,
quando claramente neste momento significa corajoso e protetor. Estas
pessoas estão dispostas a defender as vidas da sua comunidade, mesmo
contra uma entidade sobrenatural que não pode ser detida.
Ele avança e, a cada passo que dá, vejo meu plano escapando cada
vez mais do meu alcance.
Eu corro para a frente. — Ele não está aqui para machucá-los! —Eu
grito enquanto alcanço a Morte.
Não sei o que estou pensando. Talvez eu não esteja. Tudo o que vejo
é aquela flecha traçando um arco no ar, indo direto para Thanatos. É
literalmente isso. A soma total dos meus pensamentos.
Tudo o que existe é Thanatos, suas asas e o céu acima de nós. Posso
me sentir caindo naquele abismo que passei a reconhecer como morte.
Enquanto isso, a própria Morte quer que eu continue viva.
Eu coloco minha mão sobre a dele. — Tire isso ... depois, —eu respiro.
Depois que eu morrer. Vai doer menos assim. Isso é tudo que posso
realmente pedir.
— Então devo assistir você morrer e não fazer nada? —ele diz. Ele
parece quase irritado.
— Pensei ... que isso era ... sua perversidade, —eu sussurro, mesmo
enquanto sinto o último da minha vida escorregando ... escorregando ...
A mandíbula de Thanatos abre e fecha, e oh, que ironia terrível que ele
de todas as pessoas não gosta de me ver morrer. Quando foi que isso
aconteceu?
Ele olha para mim, olhando impotente. — Nada pode ser normal
conosco, pode? —ele diz.
Capítulo 45
Rosemberg, Texas
Curo mais rápido que a maioria dos humanos, mas para um ferimento
mortal pode levar muitas, muitas horas para cicatrizar. Aperto os olhos
para ver o sol—ele está pendurado no mesmo lugar em que o vi pela última
vez—e a Morte ainda está me segurando no abraço em que me prendeu.
Seguro seu olhar. Ele está tão acostumado com meus truques e com a
dor que inflijo, que posso dizer que isso o confunde.
Lentamente, eu aceno. — É.
Ele fica parado, com o rosto virado para longe de mim. Continuo a
estudar as flechas perfurando suas asas, tateando um pouco antes de
começar. As penas de Morte fazem suas asas parecerem mais grossas do
que realmente são, mas a própria carne não passa de uma fina membrana.
— Desculpe, —murmuro.
— Você não tem nada para se desculpar, —diz ele, virando a cabeça
um pouco para mim.
Lentamente, puxo a flecha pelo buraco que ela fez em sua pele. Ele
não reage à sensação, embora eu não consiga imaginar que seja agradável.
Agora faço uma pausa. Morte está olhando para frente, mas posso
sentir que todo o seu foco está em mim.
— Por que?
— Esse era o seu jogo, —digo a ele, — e não vamos mais jogar.
— Eu não sei, —eu digo. — Sério, eu não sei. Vi aquela flecha vindo
e tudo que eu sabia era que preferia me machucar do que ver você sofrer.
Meu grandioso plano foi levado como poeira ao vento. Na verdade, não
tenho certeza se o tiro poderia ter saído pela culatra de forma mais
espetacular do que aconteceu.
Só quando o sol se põe é que a Morte pára seu cavalo do nada. Ele
desce do cavalo sem qualquer tipo de explicação, saltando para o chão.
Vou até onde ele está, no meio da estrada, nada além de campos se
estendendo de cada lado de nós.
Então, enquanto ele olha para mim, outro sorriso lento e delicioso se
espalha em seu rosto, mesmo quando algo mais suave entra naqueles olhos
brilhantes dele.
Ele agora está percebendo o mesmo padrão terrível que eu estou ...
estou ficando mole.
Com isso, ele envolve uma das minhas pernas em volta de sua cintura,
depois a outra. Minha pélvis está pressionada contra a parte inferior de seu
abdômen, e com meus braços em volta de seu pescoço e meu rosto a
poucos centímetros dele, isso parece íntimo. Muito, muito íntimo.
— Uma casa digna de uma rainha, —ele responde, seus olhos ainda
examinando a paisagem.
O terreno fica cada vez mais próximo, e consigo distinguir uma colina
suave que dá lugar a um lago lamacento e uma pequena capela construída
ao lado da casa. Por último, meus olhos pousam na casa em estilo de
fazenda com paredes em cor terracota e telhado de telhas vermelhas.
Estremeço só de pensar.
— Por que? —Eu digo, paralisada pela visão à minha frente. — Você
nunca me deu esse luxo antes.
A terra treme mais uma vez e com outro estrondo a fenda se fecha
novamente.
Thanatos vem para o meu lado, observando meu rosto. O que quer
que ele vê causa uma centelha de pânico em seus olhos.
Sinto que estamos de volta onde começamos. Como faço para parar esse
homem? Como não me perco ou a minha integridade no processo? Eu não
descobri nada disso, e não vejo como vou fazer. Os outros Cavaleiros
estavam errados. Não há como superar todo o sangue ruim entre nós.
Ele fica quieto, nós dois nos enfrentamos. Finalmente, ele diz: —
Lazarus, eu não teria escolha. Um toque da minha pele ...
Não sei por que isso dói, mas dói. Parece uma faca no meu peito.
Meu olhar se volta para ele. — Você sabe que importa, —eu digo. Este
é o mesmo homem que recusou a mortalidade da Fome porque o Ceifador
tinha os motivos errados.
Thanatos vê minha resposta escrita em meu rosto. Eu sei que ele faz.
— Pare de fingir que somos normais, —diz ele. — Nós não somos.
Não há ninguém como nós. Não posso lhe matar e você não pode me
matar. Nós tentamos isso. Não funcionou. Então, vamos tentar outra
coisa.
Com isso, ele fecha o último espaço entre nós e me beija selvagemente.
Capítulo 46
Hallettsville59, Texas
DISSE QUE NÃO QUERIA QUE ELE ME TOCASSE, MAS sou uma
mentirosa. Esta é a única verdade que conheço na bagunça do nosso
relacionamento.
Ele geme com o toque, me puxando com mais força contra ele.
59
Hallettsville é uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Lavaca.
levanta em seus braços. Ele começa a se mover e, à distância, percebo que
ele está se dirigindo para casa.
Thanatos cruza a soleira, seus passos ecoando pela casa enquanto ele
volta a avançar, ainda me segurando perto. Estou distraída com o beijo,
mas não tão distraída a ponto de não perceber quando entramos em um
quarto, uma cama enorme à mostra. Meu estômago revira com a visão,
mesmo quando meu pulso acelera.
Tenho estado tão focada em seduzir Morte que nunca pensei muito
sobre ele me seduzindo. Mas está claro o suficiente para onde as coisas
estão indo.
— Você sempre pode me dizer para parar, —diz ele, repetindo minhas
palavras anteriores. Isso arranca um sorriso de mim, mesmo quando meus
nervos zunem.
Com sua armadura, Morte parece um anjo de Deus, sem isso, ele
parece algo mais. Mais do que angelical, mais do que sobrenatural. É difícil
acreditar que ele possa se passar por humano na maior parte do tempo, é
tão óbvio para mim agora que ele é algo totalmente diferente.
Suas calças, e o que quer que esteja por baixo, saem e ele está
completamente, gloriosamente nu.
Ele se inclina para perto. — Eu lhe causei tanta dor, kismet. Deixe-me
dar-lhe o prazer de corresponder.
Enquanto nós dois nos encaramos, suas mãos se movem para a gola
da minha camisa e ...
Riiip.
Meu sorriso desaparece. Toda vez que Thanatos diz algo assim, um
calor enervante floresce sob meu esterno.
Morte tem um olhar selvagem sobre ele, e seus olhos estão paralisados
em meus seios. Estendendo a mão, ele pega um.
Isso é tudo o que ele tem a dizer para eu me levantar para encontrá-lo
mais uma vez. Meu braço envolve seu pescoço enquanto retomo o beijo.
Thanatos cai nele ansiosamente. Seus lábios se separam dos meus, e então
sua língua varre a minha, reivindicando cada centímetro que pode.
Se antes havia calor nos olhos de Morte, agora ele aumenta quando
seu olhar desce para minha metade inferior. Sem responder, ele agarra o
pé que o segura e, lançando-me um olhar maldoso, tira minha bota e
depois a meia por baixo.
Ele olha para o meu pé. — Até os dedos dos pés me deliciam, Lazarus.
Que maravilha você é. Que maravilha isso é.
Isso.
Eu quero lhe dizer que ele é a maravilha, com suas tatuagens brilhantes e asas
e magia mortal. Mas tenho medo de que, se eu falar, se ceder à massa
agitada de pensamentos que ele provoca, vou deslizar direto para os meus
sentimentos por esse homem e nunca mais conseguir sair.
Morte remove a outra bota e meia, e então suas mãos estão subindo
pelas minhas pernas e apenas aquele toque sensual me deixa em pânico.
— Lazarus.
Ele passa um dedo pela curva do meu nariz, sobre meus lábios e
queixo. — Queria roubá-la no primeiro momento em que pus os olhos em
você. A queria completamente. Foi uma experiência terrível e agonizante.
Pensei que isso só provava o quão perversos os humanos eram, ter desejos
como esse, desejos que agora eu era forçado a sentir.
Meu coração troveja ao pensar que ele me queria mesmo assim. Mal
consigo imaginar, considerando como tudo aconteceu entre nós.
— Por que você finalmente cedeu aos seus ... desejos humanos? —Eu
pergunto.
Movendo-me para baixo dele, deixo uma das minhas pernas se abrir.
O Cavaleiro levanta um pouco o corpo para olhar entre nós. Eu vejo
suas narinas se dilatarem, e depois de um momento, ele passa a mão pela
minha carne, para baixo, para baixo, para baixo até chegar à minha
boceta.
Abro meus lábios para responder, mas ele já está passando o dedo
pelas minhas dobras novamente. No momento em que seu dedo acaricia
meu clitóris, meus quadris se movem impotentes mais uma vez.
Meu corpo está tenso como a corda de um arco e tenho quase certeza
de que sou eu quem parece agonizante. Estremeço e aceno com relutância.
Ele nunca explorou outro corpo antes. Posso ser paciente com isso. Só
tenho que acalmar minha própria libido furiosa.
Depois de vários golpes tentadores com seu dedo, ele desliza para fora
do meu núcleo e sua mão continua viajando de volta até que seu dedo
encontra algo completamente diferente.
— Por favor, não me faça dizer o que isso faz, —digo, sem fôlego,
enquanto ele traça minha outra abertura.
Suas mãos deslizam sobre minhas pernas, sua atenção fixa entre
minhas coxas. De repente, ele agarra uma das minhas pernas e a coloca
sobre o ombro, suas penas fazendo cócegas na planta do meu pé.
Juro que vejo um arrepio percorrendo-o com o contato, mas ele não
liga. Em vez disso, ele coloca minha outra perna sobre o outro ombro.
Olho para ele, um tanto confusa com essa reviravolta específica nos
acontecimentos.
— Thanatos.
— Você gosta disso, —diz ele, uma nota de triunfo perverso em sua
voz.
— Isso é ...
Sua boca volta a beijar meu clitóris, só que agora ele começa a fazer
algo com a língua que... puta merda. Meus quadris batem contra ele, a
sensação é tão forte que é quase dolorosa.
Morte faz uma pausa: — Eu estava errado antes quando disse que não
havia nada mais doce do que seus sorrisos, — diz ele. — Isto é mais doce.
Não vou pensar no fato de que o homem não comerá pão, mas ele me
comerá com prazer.
— Você tem que se movimentar, —eu imploro a ele. — Por favor ...
Homem imundo e mandão. Eu usaria isso contra ele se não fosse meu
prazer que ele estivesse exigindo.
Eu grito.
Estou doendo.
Ele olha para mim por entre minhas coxas e absorve minha expressão.
O que quer que ele veja lá o faz me lançar um sorriso de lobo. Thanatos
pausa seu trabalho para apoiar o queixo em meu osso pélvico, parecendo
infinitamente satisfeito consigo mesmo.
— É chamado de ...
Eu começo a me sentar.
É como se ele soubesse onde minha mente está. Subindo pelo meu
corpo, ele captura minhas mãos e as prende em cada lado da minha
cabeça, sua ereção roçando minha coxa.
— Mas ...
Sua expressão não parece mudar, mas seu olhar parece tão satisfeito.
Thanatos solta uma das minhas mãos e agarra minha coxa, alinhando
nossos corpos. Sinto seu pau então, bem na minha entrada. Thanatos
interrompe o beijo, apertando a mão.
É isso.
Eu puxo minhas mãos cativas livres para que eu possa segurá-lo perto
de mim. — Isso é viver.
Ele geme, entrando mais fundo em mim. Seu pênis entra e sai de novo
e de novo e de novo.
Sem preparação.
Este é o melhor sexo da minha vida e quero durar mais do que alguns
minutos.
— Morte!
Meu orgasmo explode através de mim, minha visão escurecendo.
Sinto minha garganta apertar com o quão gentil ele está sendo, o quão
querida ele está me fazendo sentir.
Digo a esse virgem que ele acabou de me dar o melhor sexo da minha vida? Se
eu não estivesse tão incrivelmente satisfeita, ficaria irritada com a pura
audácia que Morte tem de não estragar o ato de transar com alguém pela
primeira vez.
Meus dedos deslizam por seu cabelo e pego sua boca com a minha. E
então eu aceno contra ele. — Isso foi.
Ele se afasta, seus olhos escuros intensos. Seu olhar desce pelo meu
corpo, sua expressão nebulosa de orgulho possessivo. Seu olhar para na
junção entre minhas coxas, e ele deve estar vendo evidências de seu
próprio orgasmo.
Agora que minha pele está esfriando e a ação foi cumprida, meu
coração começa a bater forte, meu estômago dá um nó quando olho para
ele.
Em vez disso, ele retira a mão entre minhas coxas e se estica de lado.
Um momento depois, ele me puxa para ele, seu rosto dolorosamente
próximo.
Meu coração ainda está batendo forte, mas aquela sensação doentia
está evaporando, principalmente quando ele coloca uma das pernas sobre
a minha.
Estendo a mão e toco aquele rosto perfeito, com suas maçãs do rosto
invejáveis, e acaricio sua pele pálida. Ele realmente tem o tipo de rosto de
que são feitos os mitos. Nunca na minha vida vi alguém com essa
aparência e nunca poderia imaginar como seria se eles olhassem para mim
do jeito que a Morte está olhando para mim agora - como se eu fosse a
única coisa que valesse a pena ter neste mundo. Seus olhos estão me
devorando, a luz das velas os faz parecer água ao luar.
— Eu sou sua.
Para o bem ou para o mal, eu sou.
Capítulo 48
Hallettsville, Texas
Por que não pensei em ceder ao Cavaleiro antes? Isso é muito preferível a lutar.
— Diga-me que você não me quer mais como eu quero você, —diz
ele, procurando meus olhos. — Diga-me que estou louco.
Thanatos.
Na luz moderada da manhã, tudo isso é real de uma forma que a noite
passada não foi. Não seguimos caminhos separados. Isso continuará
indefinidamente.
Os olhos de Morte se enrugam nos cantos. — Parece que eu deixei
minha marca em você.
Sua mão está de volta em mim, seus dedos traçando linhas em meu
corpo mais uma vez.
Morte exala, ainda olhando para mim. — Tive horas sozinho para
pensar sobre tudo.
Tenho um apelo para Thanatos, um apelo que quero tanto fazer que
dói. Mas estar na cama deste homem não muda nada—ele mesmo disse
isso—e tenho medo de chamar sua atenção nessa direção específica.
— Kismet, —diz ele, — eu levo todos. Nem mesmo seu filho está
isento desse destino, mas não tenho planos de levá-lo tão cedo.
Quase engasgo de alívio, mesmo que uma parte de mim agora queira
analisar a definição de tão cedo do Cavaleiro.
Ele ainda é inflexível nisso. Tento não deixar que isso me preocupe,
mas preocupa. Dormir com ele deveria amolecê-lo. O que eu faço se isso
não acontecer?
Você passou um ano lutando contra esse homem para mudar seus hábitos.
Você pode passar um ano forçando a mudança dele. Tenha um pouco de paciência,
Laz.
Sinto o Cavaleiro olhando para mim enquanto ele me puxa para mais
perto.
— São apenas meus revenant, —ele diz enquanto os esqueletos em
questão se movem pelo quarto, carregando um baú. — Queria esperar até
você acordar antes de pedir que trouxessem suas coisas.
— Não sabia que isso causou tanta impressão em você, —eu digo.
Morte não tem muito espaço para remorso nele, mas parece ter
guardado um pouco para mim.
Pego sua mão e o puxo enquanto deslizo para fora da cama. — Então
vamos torcer para que a banheira seja grande o suficiente para nós dois - e
para suas asas.
— Isso foi sorrateiro, —eu digo, embora minha fala saia totalmente
errada. Eu pareço cheia de desejo.
Certo. Ok.
— Claro, —eu digo, soltando sua mão para que eu possa afundar na
banheira.
Ahhh. Isso é divino.
Morte fica ali olhando para a água, uma carranca puxando os cantos
dos lábios, como se ele não soubesse como ficar sentado preguiçosamente
e desfrutar de alguma coisa.
— O que são isso? —Eu pergunto, traçando um. Meu dedo formiga
um pouco enquanto faço o formato.
Morte olha para mim, seus olhos intensos. — Eles são minha
linguagem mais inata—angelical.
— Angelical, —eu repeti, olhando para eles. Acho que entendi isso
desde a primeira vez que os vi, mas ainda não tinha pensado no que isso
significava.
Meus dedos se movem de seus braços para seu peito. — O que eles
dizem?
Meus olhos se voltaram para os dele. Morte olha para mim com um
desejo tão nu. Nós provamos e tocamos um ao outro—não deveria haver
mais nada pelo que desejar. Mas está lá, nos olhos dele.
Ele segura meu olhar. — Inwapiv vip jurutav pua, uwa epru juriv petda og
ruvawup keparip pufip hute. Ojatev uetip gurajaturwa, oraponao uetip hijaurwa. Reparu
pue peyudirwit petwonuv, uwa worjurwa eprao fogirwa. Uje urap haraop pirgip.
Seus olhos se movem para os meus. — Você quer saber mais? —ele
diz.
Quero aprender sobre ele da mesma forma que ele quer aprender sobre
mim.
Eu concordo.
— Você não pode ver por si mesma o quão excepcional você é? —ele
diz, inclinando a cabeça.
Mesmo quando ele para de rir, o riso não sai de seus olhos. — Cada
um de nós, Cavaleiros, foi lhe dado uma mulher. Você é minha.
— Você ficou com a mesma expressão que fiz quando descobri isso.
Se isso faz você se sentir melhor, também fui dado a você.
A personificação literal da morte me foi dada como marido? Isso
deveria parecer assustador, mas agora, sentada em seu colo com seu rosto
absurdamente bonito a poucos centímetros do meu, não estou tão
decepcionada quanto deveria.
Morte não diz nada até eu terminar de vestir as roupas e pegar um par
de botas.
Ele franze a testa. Quaisquer que sejam suas razões, a Morte está
tentando evitar seu dever. Duvido que seja porque ele tem algum coração
partido pela humanidade—mas fico comovida com isso mesmo assim.
Ainda assim, tal como muitos outros aspectos deste cavaleiro, não
consigo acompanhar o seu apetite sexual. Não quando está acelerado
assim.
Olho de volta para ele, sem saber o que dizer. Num momento ele é
onipotente e no outro está vulnerável.
— Então, pelo menos, adie a matança até que você tenha percorrido
a cidade e visto como é a vida, —digo, concentrando-me em calçar a outra
bota para não ter que olhar para ele.
Olho para Morte bem a tempo de pegá-lo olhando para meu peito,
bem onde aquela flecha me perfurou. Tenho a estranha sensação de que
ele está se lembrando de como mergulhei na frente dele e de como ele me
segurou enquanto eu morria.
Agora, porém ... Thanatos estava certo em estar nervoso. Não tenho
ideia de como agir ou sentir perto dele.
O que diabos?
Não consigo entender o que estou vendo, não até realmente sair, com
o cavaleiro atrás de mim.
— Não me diga que você não percebeu que a luz ficou mais fraca nos
últimos dias, —diz Thanatos atrás de mim.
Não, na verdade não tinha. Assim como não tinha notado a decoração
da casa. Esta é apenas mais uma coisa que terei que arquivar em ‘Merda
que Lazarus não percebe quando está transando com um cara gostoso’.
— Você acha que é isso que eu tenho feito esse tempo todo? —ele diz,
com alegria em seus olhos. Ele se aproxima. — Kismet, há mil maneiras
pelas quais eu poderia forçar você a ficar ao meu lado. Por que eu me
incomodaria em selá-la intencionalmente dentro desta casa quando
seduzi-la provou ser muito mais bem-sucedido e prazeroso?
Enfrento o vasto jardim da frente mais uma vez. Não consigo ver
muita coisa—as vinhas se enrolaram em uma parede improvisada na
minha frente, embora ela tenha sido cortada. Os servos da Morte devem
tê-lo atravessado para obter acesso externo.
Ele passa por mim, assobiando para o cavalo, como se isso fosse tudo
o que precisa ser dito sobre o assunto. Eu fico olhando para ele. Ele
literalmente trouxe os mortos de volta à vida quando me fodeu.
Respiro fundo e vou até lá. Não olho para Thanatos quando chego ao
seu lado, em vez disso, subo na sela. Aqui fora, além das vinhas que
circundam a mansão, dezenas de esqueletos carregam carroças que
aguardam.
Ainda assim, ele faz uma pausa. — Quero ficar aqui para sempre e
esquecer tudo o que atrapalha isso, —admite.
Sexo.
Isso vem com repercussões, repercussões que ignorei até agora porque
estive muito envolvida com o próprio Cavaleiro.
Não?
Permitir isso?
Então ele pode escolher se quer ou não ser fértil? Faço uma careta
porque isso é muito mais informação do que estou pronta para processar.
— Mas você gostaria de mais? Você iria querer ... meus filhos?
— Não? —ele ecoa. — Por que não? —Mais uma vez, algo entra em
sua voz, mas não consigo dizer o quê.
Ele está ofendido? Por que? Ele literalmente acabou de me dizer que
a última coisa que ele quer são filhos.
Que ideia.
60
Em inglês quer dizer Hell-Bent - inferno-obcecado, inferno-decidido
61
Em inglês qyer dizer Heaven Bent
Capítulo 50
Dripping Springs62, Texas
Eu não ficaria surpresa se fosse o último. Eu sei que ele sente que
nosso romance recém-descoberto é frágil, e ele provavelmente quer fazer
62
Dripping Springs é uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Hays.
tudo o que puder para não estragar tudo—o que incluiria esconder corpos.
— Estou tão interessado em passar pelas terras que toquei que esqueci
de encontrar um lugar para ficarmos.
Estou quieta.
— Estou pensando que você ainda entende muito pouco sobre mim,—
eu digo. — Caso contrário, você saberia que não estou chateada com a
ideia de dormir sob as estrelas.
— Mas quando eu levei você pela primeira vez, você odiava estar ao
ar livre. Você estava com frio ...
— Estava desconfortável, —eu concordo, — mas, principalmente,
estava tentando envergonhar você para me deixar ir.
Faço uma careta quando uma emoção elétrica percorre meu corpo.
Odeio gostar dessa declaração.
— Vou encontrar uma ... casa normal para você esta noite, —diz ele
suavemente, sem se preocupar em abordar a outra parte do que eu disse.
— Mas não pretendo fazer disso um hábito. Não posso lhe dar o que você
mais deseja, —um fim para a matança, ele quer dizer, — mas posso lhe dar
isso, pelo menos.
— Não me esqueci.
Dou-lhe uma olhada por cima do ombro. Espero que ele saiba que
parece ridículo.
Meu Deus.
— Por que você não encontra um lugar para passarmos a noite? Então
poderemos discutir ... o resto da oferta.
— Thanatos.
Morte solta uma risada rouca e depois incita seu cavalo a seguir em
frente. É difícil ver alguma coisa agora que as lâmpadas estão quebradas e
espalhadas pelo chão. Percebo algumas casas mal iluminadas, e há até
uma ou duas com alguém espiando pela janela, provavelmente se
perguntando o que aconteceu com a luz do lampião. Mas a chuva os
mantém presos e espero que a noite esconda deles a identidade da Morte.
— Não sei por que Coco está agindo assim, ela nunca fez isso antes.
— Você não quer ficar em uma casa abandonada, mas não quer que
eu mate a cidade até que passemos por ela, então também não posso ficar
com uma das casas ocupadas. Estou sem saber o que fazer.
Meu coração bate forte. Ele está certo, embora eu não tenha pensado
nisso nesses termos. Claro, ainda há sempre a opção de acampar, mas não vou
sugerir isso enquanto chove.
— Mentirosa.
— Eu estou, —eu insisto. — Você pode até fazer todas aquelas coisas
sujas que você estava fantasiando há um minuto ...
— Como eu pensava.
— Você acha que estou disposto a arriscar? —ele ri, ao mesmo tempo
em que incita seu cavalo a galopar a todo vapor. — Vou cavalgar por esta
cidade, depois acabarei com ela e depois encontrarei um lugar para
ficarmos.
Acho que as almas vivas são muito diferentes das almas mortas.
— E então você não vai lutar comigo quando eu matar esta cidade?
A verdade é que não tenho ideia de para onde ir. Eu realmente não
tinha planejado isso com tanta antecedência.
Ele franze a testa para mim, água pingando de seu cabelo escuro. Ele
estende uma de suas asas escuras, me protegendo do pior da chuva, que
ainda bate em nossa pele.
Uma das meninas geme e seu irmão mais novo abaixa a cabeça. No
entanto, em dez minutos, a sala de estar está vazia e ponto final.
Morte está quieto quando voltamos para seu cavalo, que está
mastigando o gramado como se fosse um cavalo de verdade.
— Não quero parar, —eu digo. — Não aqui, pelo menos. —A ideia
de acordar naquela cidade quando todos se forem ... se eu tiver uma
escolha, então eu quero qualquer outra opção.
Depois de outra pausa, Thanatos diz: — Vou encontrar uma casa para
nós fora da cidade, embora não possa prometer nada grandioso.
Talvez seja o fatalismo que há em mim agora, mas preciso dar sentido
a toda essa angústia. Se o mundo vai queimar—se algum grande Deus lá
fora quer que ele queime—então preciso entender por quê—ou pelo menos
se isso está certo de alguma forma. Porque olhei para isso de todos os
ângulos que pude e ainda não consigo entender.
— Sempre vai ser estranho para mim que você ainda não saiba essas
coisas, —eu digo.
— Não sei ... —eu começo. Quero dizer, essa é uma questão tão
grande que é difícil formar qualquer tipo de resposta real. — São como
todas as emoções desprotegidas que você já teve, —eu digo. — E às vezes
eles são irritantes.
— Irritantes?
— Sim, elas podem ser realmente irritantes, —eu digo, pensando nos
filhos dos meus irmãos, Deus abençoe suas almas. — Quando as crianças
estão irritadas, elas podem ser os merdinhas mais cruéis que você já viu.
E eles ficarão felizes em fazer um milhão de perguntas diferentes. E eles
contam as histórias mais longas—e quero dizer as mais longas.
— Não gosto de tirar vidas, —ele diz novamente, com mais força, seu
olhar quase desafiador enquanto olha para mim.
Isso é ... eu não esperava por isso. Morte já admitiu que não gosta de
violência, mas não disso.
— Ao contrário de meus irmãos, nunca gostei, —continua ele. —
Faço isso porque devo, mas, Lazarus, é uma agonia terrível na maioria
das vezes.
Estou cambaleando.
Luto para manter as pálpebras abertas e acho que estou fazendo um bom
trabalho, só que estou à deriva ... Vou descansar um pouco ...
63
A US Route 290 é uma rodovia leste-oeste dos EUA localizada inteiramente no estado do Texas. Seu terminal
oeste fica na Interstate 10, a sudeste de Segóvia, e seu terminal leste está na Interstate 610, no noroeste de Houston.
Mesmo enquanto digo isso, posso sentir que estou caindo para trás.
— O que você está fazendo? —Ainda estou com muito sono para ficar
alarmada.
Minha mente lenta leva mais um minuto para perceber que ele
removeu a armadura para meu conforto.
E eu faço isso.
ACORDO EM UMA cama desconhecida. Uma cama desconhecida e
vazia.
É insano como essa parte vazia parece errada. Só estou dormindo com
o cavaleiro há uma semana—e costumo dormir no contexto mais solto e
sexualizado—mas já me acostumei com a proximidade da Morte.
Ao meu redor, os livros estão por toda parte. Nas estantes, em cima das
estantes, empilhados ao lado das estantes.
Gostava de ler. Eles não estão mais por perto para desfrutar de sua
enorme coleção.
Saio da cama apenas para notar minhas botas esperando por mim nas
proximidades.
— Morte? —Eu chamo, indo pelo corredor. Me forço a não olhar para
os retratos de família pendurados nas paredes ou para as obras de arte em
ponto de cruz penduradas ao lado deles. Não quero sentir nada por esses
estranhos cujas vidas tiveram um fim trágico.
— Lazarus, —Morte diz assim que eu entro na sala de estar. Ele está
descansando em um sofá cinza, com as costas apoiadas em um apoio de
braço, as asas penduradas na lateral. Ele está sem armadura, assim como
na noite anterior, e as mangas de sua camisa preta foram puxadas até os
cotovelos. O mais interessante de tudo é que ele tem um dos muitos,
muitos livros desta casa nas mãos.
— Por que você não começou com esse segredo humano? —ele diz,
segurando um romance em formato de brochura. Não consigo ler o título,
mas pela capa parece um mistério de assassinato. — São absolutamente
incríveis, —diz ele.
Ou fazer aquilo que temos feito sem parar. Mesmo agora, ao seu olhar,
tudo reacende.
O Cavaleiro estreita os olhos para minha boca. — Você diz meu nome
assim quando está me repreendendo. Diga-me, Laz, você não quer que
minha língua lave sua boceta ou que minha boca chupe seu clitóris? Devo
parar de falar sobre como desejo entrar em sua boceta apertada até que
seus seios saltem e você geme meu nome? E já que estou nisso, não deveria
mencionar o quanto é erótico ter seus pés pressionados contra minhas asas
enquanto eu me empurro para dentro de você?
— Oeste.
Tenho que reprimir o pânico que surge com esse pensamento. Oeste é
onde Ben está. Especificamente, o noroeste do Pacífico64. Ainda estamos a
milhares de quilômetros de distância, digo a mim mesma, só para acalmar
meus nervos.
— Em primeiro lugar, por que você e seus irmãos vieram para a Terra?
—Eu pergunto.
64
Designa-se po r Noroeste Pacífico (em inglês: Pacific Northwest ou abreviadamente PNW) a região do noroeste da América
do Norte. Segundo as definições, a zona coberta por esta pode ser mais ou menos estendida mas em geral inclui toda a região c ompreendida entre
a costa do oceano Pacífico e a Continental Divide (a divisória de águas das Montanhas Rochosas) e inclui a totalidade dos estados norte-americanos
de Washington, Oregon, Idaho, uma grande parte da província canadiana da Colúmbia Britânica e o Sudeste do Alasca, o norte da Califórnia, uma
parte do Montana e do Território do Yukon.
ferida purulenta, em vez de permitir que a infecção o tome por inteiro. É
por isso que meus irmãos e eu fomos enviados para cá. Devemos parar os
humanos para salvar todo o resto.
— Mas seus irmãos acham que os humanos devem ser salvos, —eu
argumento. Eles mesmos me disseram isso. Deve haver algo para nós que
valha a pena poupar.
Fico ali senta na sua sela por vários segundos antes que minha mágoa
se transforme em raiva.
Thanatos fica tão surpreso com a ação que, no momento em que ele
tenta me agarrar, já estou desmontada do cavalo e saio andando
— Você realmente acha que pode escapar de mim? —Ele diz em tom
de conversa.
Eu o ignoro.
Sua sombra se move sobre mim. Ele se vira no céu, de frente para
mim, a luz do sol brilhando em sua armadura.
Estou cansada—já faz muito, muito tempo. Fingi que minha exaustão
havia passado porque era necessário, mas agora todo o peso de tudo isso
cai sobre meus ombros.
Começo a andar de novo, sem me importar se vou ter que passar por
ele.
— Não, —ele diz, suas asas se abrindo. — Eu não vou deixar você ir.
— Pare, —eu digo. — Pare com toda essa história de 'eu não sou
humano', 'isso está além de mim', 'estou apenas seguindo ordens'. Você
zombou de seus irmãos por tomarem uma decisão ...
— Pelo menos eles fizeram uma. Enquanto isso, aqui está você,
pensando que pode brincar de casinha comigo enquanto acaba com o
mundo? Você é o maior hipócrita.
— O que gostaria que eu fizesse? —ele exige, sua voz como um trovão.
— Vivo e ao meu lado. —Meu coração bate loucamente. Por que estou
pensando nisso? É uma ideia maluca, muito maluca.
Nem percebo que estou chorando até sentir uma lágrima escorrer do
meu rosto.
65
A Costa Oeste dos Estados Unidos, também conhecida por Costa do Pacífico designa geralmente os três estados
mais ocidentais do grupo de estados contíguos: Califórnia, Oregon, Washington, e Alasca.
— pensei que você não fizesse exceções sobre matar humanos. —Por mais
que eu queira ver Ben de novo, abraçá-lo novamente, eu o quero mais
vivo.
Não sei o que é, mas também não me importo muito. A ideia de ter
Ben de volta em meus braços deixa meus joelhos fracos.
AGORA QUE TENHO outro objetivo além de seduzir Morte, estou mais
impaciente do que nunca para chegar até meu filho. Então, quando, no
meio da tarde, Thanatos tira seu cavalo da estrada, fico ansiosa para voltar
a ele.
— Não preciso ir ao banheiro, —digo, supondo que seja por isso que
saímos da rodovia.
— Não foi por isso que nos paramos, kismet, —diz Morte, saltando do
cavalo. Ele aterrissa com um baque pesado.
Eu encaro suas mãos, mas não faço nenhum movimento para descer
de sua montaria. — Então por que paramos?— Eu pergunto.
Uma casa. Certo. Morte colocou na cabeça que preciso ser mimado
com as casas mais luxuosas, embora para ele isso signifique escolher
lugares que às vezes ficam longe das rodovias por onde passa. E quando
chegarmos lá, ficaremos por dias. Já posso sentir o corpo coberto de suor
do Cavaleiro deslizando contra o meu enquanto ele empurra para dentro
de mim, e posso imaginar a maneira exata como suas asas vão pairar sobre
nós, fechando o mundo exterior.
— Você tem certeza de que não quer ficar dentro de uma casa? —
Thanatos pergunta pela vigésima vez. O sol poente está lançando sobre ele
a luz mais suave e temperando todas as suas arestas duras.
— Está tudo bem, —insisto, tentando ignorar o que a visão dele está
fazendo comigo.
Morte desata seu peitoral, jogando-o de lado. Posso ver em seus olhos
66
Harper é uma Região censo-designada localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Gillespie.
67
Os olmos são árvores decíduas e semidecíduas que compõem o gênero Ulmus da família Ulmaceae . Eles estão distribuídos pela
maior parte do Hemisfério Norte, habitando as regiões temperadas e tropicais - montanas da América do Norte e da Eurásia, estendendo-se
atualmente para o sul no Oriente Médio até o Líbano e Israel, e através do Equador no Extremo Oriente até a Indonésia.
estrelados que ele gosta de se livrar disso.
Meu olhar retorna para o peitoral enquanto ele remove o resto de sua
armadura. Por capricho, vou até o pedaço de metal descartado,
ajoelhando-me ao lado dele para poder estudar as imagens marteladas
nele. Há rosas, lápides, esqueletos e um barco que atrai as pessoas. Há o
que parece ser um ovo e uma cobra comendo o próprio rabo. Há luas
crescentes e espirais, e bem acima do coração está a imagem da mulher
presa no abraço de um esqueleto.
Já dormi ao ar livre antes, com pouco mais que uma mochila como
travesseiro. Sei como é isso. O que eu nunca experimentei é ... isso.
— Você não precisava que eles armassem tudo isso, —eu digo.
Sob o brilho das lanternas, Morte parece um santo, seu corpo e asas
polvilhados pela suave luz âmbar. Também brilha em seus olhos, fazendo-
os parecer derretidos.
Pela segunda vez desde que paramos, fiquei sem fôlego só de vê-lo.
Ele sempre me afetou dessa maneira?
68
Glamping é um portmanteau de "glamouroso" e "acampamento" e descreve um estilo de acampamento com comodidades
e, em alguns casos, serviços de estilo resort geralmente não associados ao acampamento "tradicional".
Como se pudesse ouvir meus pensamentos, a Morte se move em
minha direção.
— Sério, linda Lazarus, —ele murmura. Ele estuda meu rosto como
se quisesse imortalizá-lo em sua mente. — Você arrancou minha solidão
de mim, —ele respira, — e espero que nunca a devolva.
Ouço cada som suave que nossos lábios fazem e sinto como se meu
coração estivesse à mostra.
Meu coração bate mais forte enquanto olho para ele. — É assim que
acontece com os humanos, —eu digo. Quando eles se apaixonam. Estou com
muito medo de pronunciar essa última parte.
Riiiip.
— Não posso fazer isso com seus revenant assistindo, —eu sussurro.
Thanatos dá uma risada rouca. — Lazarus, eles não têm alma nem
mente. Eles não conseguem compreender o que fazemos.
Ele ri contra a minha carne, onde ele trilha mais beijos pelo meu
esterno. — Não estou falando de sexo.
Ele tirou minha família de mim. Ele quase tirou meu filho de mim.
Eu não me importo que ele seja a Morte e esse seja o trabalho dele. Eu
nem me importo que ele não goste do ato. Ele ainda fez isso e continuará
fazendo. Essa é uma linha difícil para mim.
Eu hesito.
Thanatos percebe.
— Ah, você não vai. —O triunfo brilha em seus olhos e seus lábios se
curvam em um sorriso astuto. — Estou correto, não estou?
Eu não me incomodo em negar.
Meu pulso está subindo. — Eu não sei o que você quer dizer.
— Sua mente é forte, Laz, mas seu coração é ainda mais forte. Tudo
o que preciso fazer é convencer seu coração de que isso é real e verdadeiro,
e sua mente o seguirá.
—Eu ainda não vou mudar de ideia, —eu digo teimosamente. Ele viu
por quanto tempo consigo me apegar a uma causa.
69
A Interstate 10 é uma autoestrada interestadual de sentido leste-oeste, a mais meridional desse tipo nos
Estados Unidos. Ela se estende desde o Oceano Pacífico na Pacific Coast Highway, na Califórnia, e segue até a Flórida.
traição para Ben. Mas nem mesmo essa culpa é suficiente para eu mudar
de atitude, especialmente quando cada hora extra nos braços do cavaleiro
me deixa muito mais perto de convencê-lo a parar com a matança.
Quanto mais para oeste vamos, mais as cidades ficam mais estreitas.
Esta parte do país está verdadeiramente vazia. Apenas quilômetros e
quilômetros de deserto inóspito. É uma paisagem nítida e estranha, sem
cor, exceto pelos arbustos baixos e pelo céu azul acima de mim—embora
mesmo estes também pareçam apagados, como se o sol tivesse
branqueado toda a cor.
Me movo por ela como já fiz cem casas antes. Noto alguns papéis de
parede descascados, uma televisão quebrada, alguns livros infantis
rasgados e algumas estrelas que brilham no escuro que deveriam ter estado
no teto, mas agora estão espalhadas pelo chão.
— Hmm ... —Ele está passando os dedos pelas minhas feições, mas
agora sua mão se move para os botões da minha camisa. — Não vou lhe
contar um segredo, —diz ele, — mas vou lhe mostrar um.
Thanatos desabotoa minha camisa e a tira dos meus braços. Então ele
tira meu sutiã. Depois minhas calças—depois as dele.
Uma risada escapa. — O que você está fazendo? —Pergunto. Não há
mais nada sobre isso que seja segredo entre nós.
Assim que ele fala, ele salta no ar. Suas asas batem em suas costas,
cada golpe poderoso nos levando cada vez mais alto para o céu noturno
frio.
— Seu rosto ... —eu paro. Já vi isso diversas vezes, mas nunca fica
menos perturbador.
Puxo seus lábios nos meus e roubo um beijo, uma das minhas mãos
se enroscando em seu cabelo.
Uma das mãos da Morte desliza entre a costura da minha bunda, até
que seus dedos tocam o outro buraco.
Ele faz um barulho de dor. — Relaxe, kismet. Você pode me dizer para
parar e eu paro. —Ele espera que eu o faça.
Uma parte de mim pensa nisso, mas outra parte está curiosa demais
para parar as coisas agora.
— Thanatos ...
É muito.
Morte olha para mim e minha respiração fica presa. Por um instante,
uma sensação estranha passa por mim, como se tudo que eu pensei ter
entendido fosse uma miragem, e que a cortina que separa a vida da morte
é tão fina que eu poderia realmente ter um vislumbre ...
— Lazarus.
— Você é excelente, —diz ele. Ele se inclina para frente e beija meu
pescoço, seu cabelo escuro fazendo cócegas em minha pele. —
Requintada, problemática, curiosa e viva.
Espere, uivos?
70
O Arizona, um estado no sudoeste dos EUA, é conhecido pelo Grand Canyon, uma fenda com quilômetros de
profundidade esculpida pelo rio Colorado. Flagstaff, uma cidade montanhosa coberta de pinheiros da espécie pinus ponderosa, é um importante
ponto de acesso ao Grand Canyon. Outro local natural de destaque é o Parque Nacional de Saguaro, que protege a paisagem repleta de cactos do
Deserto de Sonora. Tucson é território da Universidade do Arizona e abriga o Arizona-Sonora Desert Museum.
lado, com o cabelo despenteado. Não tenho tempo para ler isso antes que,
ao nosso redor, dezenas de figuras se materializem na escuridão.
Morte levanta a mão, mas antes que ele tenha a chance de liberar seu
poder letal, uma flecha o perfura no coração. Uma fração de segundo
depois, outra acerta em sua cabeça.
Pego o Cavaleiro quando ele cai para trás e o aninho em meus braços,
enquanto nossos atacantes avançam em nossa direção.
Sei que ele está morto, sei que a atitude perseverante a fazer é largar o
corpo e lutar, mas sou tomada por um pânico paralisante ao ver meu
Cavaleiro ferido em meus braços. Um soluço escapa.
Levante-se, Lazarus.
Meus dedos roçam o punho por uma fração de segundo antes que
outro homem me ataque pelo lado.
Meu agressor agarra um dos meus braços, mas depois cai para longe
de mim, inerte. Não tenho tempo para me preocupar com ele antes que
outro homem se ajoelhe sobre mim e eu me debata, tentando tirá-lo de
cima de mim.
Bato minha testa em seu nariz o mais forte que posso, sorrindo quando
ouço um estalo. Ele faz um som que está em algum lugar entre um uivo e
um gemido.
Não vejo seu punho se mover, mas o sinto bater em meu rosto. Minha
cabeça cai para trás e a dor é tão intensa que me tira o fôlego que preciso
para gritar. Antes mesmo que eu possa processar o golpe, seu punho atinge
minha bochecha de novo—e de novo e de novo. Tento cobrir o rosto, mas
é inútil, aquele punho continua me batendo.
O homem não responde, nem para. Não até que alguém o tire de cima
de mim.
Ainda no deserto.
Ele está bem, ele está bem, ele está bem, tento dizer a mim mesma. Ele
provavelmente foi deixado para morrer e é apenas uma questão de tempo
até que ele acorde.
Tenho que afastar o terror absoluto que sinto por Thanatos. É tolice
temer por um cavaleiro que não pode morrer e que está, na verdade,
matando pessoas aos milhares. Mesmo assim, minha ansiedade aumenta,
eclipsando minha própria situação terrível.
Era quase como se o que antes era natural para ele agora tivesse uma
intenção real.
Minha cabeça ainda lateja, minha garganta está seca e minha pele tem
uma sensação de aperto e formigamento, como se eu estivesse sentado ao
sol por muito tempo—o que provavelmente já aconteceu.
Pelo menos estou vestida. Quero dizer, realmente poderia ter sido pior.
Jesus.
Todos nós o vemos ir. Ele passa por sua cadeira, segue pela fileira de
tendas, até desaparecer de vista.
Uma das mulheres do outro lado diz: — Você queria saber que lugar
é esse, certo?
Cautelosamente, eu aceno.
71
Quer dizer sessenta e seis
— Ele está voltando, —Cynthia sibila, me interrompendo. — Todas
calem a boca. —Ela me dá um olhar significativo.
Estreito os olhos para ela, mas me viro para encarar o homem com o
chicote. Ao lado dele está outro homem com chapéu de cowboy. Os dois
não param até que estejam bem na minha frente.
— Bom dia, doçura, —ele diz. Enquanto ele fala, avisto um dente
frontal prateado. — Estávamos esperando você acordar.
Olho para ele. Quem quer que seja esse homem, ele teve algo a ver
com a morte de Thanatos e minha captura.
Bem, agora que sei que boas maneiras significam muito para ele ...
Cuspo na cara dele.
Ele é rápido, eu admito isso. Não vejo a mão dele se mover antes que a
parte de trás dela toque minha bochecha.
Tapa.
Minha cabeça vira para o lado, minha pele lateja. Minha cabeça já
latejante parece que vai explodir de dor e pressão.
Shane deve ter visto algo em meu rosto porque ele diz: — Eu não teria
acreditado se não tivesse visto aquelas asas com meus próprios olhos.
Minha pulsação bate entre meus ouvidos. O que essas pessoas fizeram
com meu Cavaleiro?
— Mas isso ainda não responde à minha pergunta, —continua Shane.
Outro tapa.
O encaro passivamente.
Demoro um momento para perceber que ele quis dizer que cinco
homens morreram na tentativa de me capturar. Lembro-me de como, na
noite passada, alguns dos meus agressores caíram logo depois de me
agarrarem pelos antebraços ... antebraços cobertos pelo sangue do
Cavaleiro. Meus olhos se arregalam.
Tapa.
Esse tapa é mais leve que os outros, mas ainda sinto gosto de sangue
na boca enquanto meus dentes cortam minha bochecha.
Faço cara feia para ele. — Claro que ele está morto, —eu respondo
com veemência. — Ele tinha uma flecha atravessada no rosto.
— Uma flecha que mais tarde saiu sozinha, —diz ele, observando-me
com atenção.
Tapa!
Levanto meus olhos para ele, deixando-o ver quão pouco medo está
em meu rosto. Então, sem querer, abro um sorriso e uma risadinha escapa.
Ao nosso redor, está terrivelmente quieto.
72
O backhand é um golpe no ténis no qual se balança a raquete ao redor do corpo com as costas da mão precedendo a
palma da mão. Exceto na frase backhand volley, o termo refere-se a um groundstroke (ou seja, aquele em que a bola quicou antes de ser atingida).
Contrasta com o outro tipo de groundstroke, o forehand.
...
Eu gemo. Não é a pior dor que já suportei, mas ainda dói muito.
— O que você quer dizer com ele desapareceu? —diz Shane. Posso ouvir
a violência acumulada em sua voz.
Eu sorrio novamente.
Sei que Morte está ciente de mim, mas seus olhos irados estão focados
em Shane. Ele caminha em direção ao homem no momento em que Shane
se vira. Ele quase perde o equilíbrio quando avista o Cavaleiro.
Estalo.
— Que porra é essa, cara! —Ele grita. Mas Jackson vem até ele
novamente. E então o zumbi mumificado e alguns outros homens recém-
mortos se aproximam de Shane até que ele se torne o centro de todas as
atenções. Ouço um osso quebrar, depois outro. Shane grita de dor e posso
vê-lo lutando contra todos esses novos adversários.
Ele olha por cima do ombro, com verdadeiro terror em seus olhos,
quando eles começam a despedaçá-lo.
— Lazarus.
Morte se afasta por tempo suficiente para olhar meu rosto. Seu olhar
para sobre meu olho inchado e minha bochecha.
Sob seu toque, sinto o calor se espalhar sob minha pele. Minha carne
formiga enquanto a dor em meu rosto diminui.
Eu me inclino em sua mão. — Não há nada pelo que se desculpar. —
Fomos emboscados no meio da noite. Ele foi uma vítima tanto quanto eu.
Merda.
Ouço novamente o bater das asas da Morte, mas tudo o que tenho
olhos no momento são essas mulheres.
Quando pedi à Morte que parasse com seus revenants, ele não fez
simplesmente isso. Ele também matou os últimos vivos.
Morte continua. — Toda a sua vida, todo o seu sofrimento, toda a sua
perda—foi tudo por isso. —Ele gesticula para os mortos ao nosso redor,
suas asas bem abertas. — Todos vocês correram em minha direção durante
toda a sua vida.
Capítulo 57
Interestadual 10, Arizona
Não estamos a mais de cem metros dele quando uma rajada de flechas
se afasta da estrutura em direção à Morte e a mim. Já vi ataques aéreos
suficientes para saber que a trajetória deles é muito rasa para nos atingir,
mas ainda assim me faz recuperar o fôlego.
— Esta aqui é uma estrada com pedágio, — ele grita, apontando para
a rodovia. — Ninguém passa sem pagar.
Não posso dizer o que está acontecendo, não até que duas pessoas
cheguem à beira do telhado. Um deles—nosso ex-negociador—está com
a mão na garganta de outro homem.
Roy agarra a mão de Vince no ponto em que ela aperta sua garganta,
e os outros tentam separar os dois, mas então, em meio ao caos, outro
homem parece tropeçar e engasgar, depois desaparece de vista. Um
momento depois, ele também se levanta.
Thanatos para nosso cavalo e observa tudo isso com calma de onde
está sentado atrás de mim.
— Ah, eu adoro quando você diz meu nome assim, —ele responde.
Uma vez que cada um deles morre, e aquele silêncio se instala, aquele
silêncio formigante e chocante. Tudo o que consigo ouvir é minha própria
respiração irregular.
Ele estala a língua, e isso é aparentemente tudo o que ele tem a dizer
sobre isso.
Capítulo 58
Interestadual 10, oeste do Arizona
Talvez seja simplesmente porque já faz muito tempo que não vejo
campos de grama verde e terra úmida. Parece que viajamos para um lugar
onde as coisas morrem.
Meu pânico aumenta e tenho que dizer a mim mesmo que nem o calor
nem a falta de água realmente importam—vou sobreviver a tudo isso. Mas
é desconfortável pra caralho mesmo assim.
Minha Laz. Meu coração pula com o carinho. Não deveria, não depois
de tudo o que vi o Cavaleiro fazer, mas tente dizer isso ao meu estúpido
órgão.
Sei Eu sei que a Morte está esperando que eu ceda à emoção que sinto
por ele. Eu sei que ele quer que eu o chame de coisas doces também, para
que eu mostre qualquer sinal de que isso é mais do que apenas carne e
luxúria se unindo. E eu sei que ele está disposto a esperar.
‘Mesmo que demore séculos, mesmo que você e eu sejamos as últimas criaturas
existentes, prometo-lhe o seguinte: farei com que você me ame—mente, corpo e coração.’
Suas palavras ainda ecoam em minha mente.
Não sei por que demorei tanto para expressar essa pergunta. É um dos
primeiros que tive sobre o Cavaleiro da Morte.
Seus lábios roçam minha têmpora e posso sentir seu sorriso contra
minha pele. Ele gosta das minhas perguntas e acho que também adora
respondê-las. Até ele me capturar, seus pensamentos eram apenas dele.
73
George Washington (Condado de Westmoreland, 22 de fevereiro de 1732 – Mount Vernon, 14 de dezembro de 1799) foi um líder
político, militar, agricultor, empresário do tabaco e estadista norte-americano. Um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, foi o primeiro presidente
daquele país de 1789 a 1797. Anteriormente, liderou as forças patriotas à vitória na Guerra de Independência.
74
Cleópatra VII Filopátor (em grego clássico: Κλεοπᾰ́τρᾱ Φιλοπάτωρ; romaniz.:Kleopátrā Philopátōr; 69 – 10 ou 12 de
agosto de 30 a.C.) foi a última governante ativa do Reino Ptolemaico do Egito. Como membro da dinastia ptolemaica, foi descen dente de Ptolemeu
I Sóter, um general greco-macedônio e companheiro de Alexandre, o Grande.
75
Marco Antônio ou Marco António (83–30 a.C.; em latim: Marcus Antonius), conhecido também apenas como Antônio, foi um
político da gens Antônia da República Romana nomeado cônsul por três vezes, em 44, 34 e 31 a.C. com Júlio César, Lúcio Escribônio Libão e Otaviano
respectivamente. Foi ainda mestre da cavalaria do ditador em 48 e 47 a.C..
76
Gengis Khan (em mongol: Чингис Хаан; romaniz.:Tchingis Khaan; 1162 — 18 de agosto de 1227), também grafado como Gengis
Cã, Gêngis Cã ou Gengiscão, foi o primeiro grão-cã e o fundador do Império Mongol.
— Como foi isso? Como eles são?
Morte fica muito quieto e, por alguns momentos, tudo o que ouço é o
barulho dos cascos do cavalo.
77
A Califórnia, estado no oeste dos EUA, estende-se da fronteira mexicana ao longo da costa do Pacífico por
quase 1.500 km. Seu território inclui praias à beira de penhascos, floresta de sequoias, montanhas na Serra Nevada, campos ag rícolas no Central
Valley e o deserto de Mojave. A cidade de Los Angeles é a sede da indústria do entretenimento de Hollywood. A cidade de São Francisco é conhecida
pela ponte Golden Gate, a Ilha de Alcatraz e os bondes.
— O que aconteceria se você apenas deixasse as pessoas viverem? —
Eu digo suavemente. É uma pergunta antiga, mas que vale a pena repetir.
— Meu irmão tentou deixar de lado sua tarefa por motivos pessoais,
—diz Thanatos severamente. — Não teve nada a ver com a humanidade,
que ele ainda quer queimar.
Morte não responde, mas não creio que seja porque esteja
reconsiderando.
As coisas com o cavaleiro não vão acabar. Não se eu quiser que ele
desista de seu propósito. Porque a questão é que, se eu convencer a Morte
a dar as costas a toda a matança, ele não estará apenas se afastando de sua
tarefa, mas também me escolhendo em vez dela.
Meu acordo com o cavaleiro não termina apenas com essa escolha.
Fui uma tola em acreditar no contrário. Se isso funcionar como os outros
cavaleiros esperam—como eu espero que funcione—então passarei o resto
da minha vida com Thanatos.
Não teria importado, diz uma vozinha na minha cabeça. O tempo teria
passado do mesmo jeito.
Fico feliz que ele não possa me ver, esse homem que fica acordado ao
meu lado por horas só para estar perto. Este homem com quem lutei e
matei muitas vezes e que em troca me machucou. Este homem que, apesar
de tudo, me escolheu repetidas vezes.
Mesmo agora, quando penso nele, posso sentir essa leveza dentro de
mim. Aceitei andar com o cavaleiro e aceitei dormir com ele. Mas nunca
me dei permissão para amá-lo.
Fiquei com tanto medo do que significaria dar-lhe meu coração se ele
ainda decidisse matar todos nós. Mas se eu realmente ceder à esperança
de que o mundo não acabe, de verdade, não perco nada.
Ele continua olhando para mim e, merda, ele realmente está esperando
por uma piada.
Uma velha piada que minha irmã Juniper me contou quando criança
me veio à mente.
— Conseguir um tweets.
Ele olha para mim e não há nada em sua expressão. Nem mesmo a
menor centelha de compreensão.
— Não preciso ser experiente para saber que foi uma piada horrível, —
ele insiste.
Eu balanço minha cabeça. — Amo o jeito que você ri, —eu digo com
fervor.
Ainda caindo …
Entre nós dois, a Morte pode ter começado como novato, mas
definitivamente se tornou o mestre.
Uma vez que ambos estamos cansados, ele me pega em seus braços.
Então, em vez disso, mudo minha atenção para seu peito. Estendendo
a mão, traço suas marcas brilhantes.
— O que esta frase diz? —Eu pergunto, meu dedo se movendo sobre
uma linha de símbolos que se curva para baixo em seu peito e abdômen.
Sua atenção se volta para o peito. — Petav paka harav epradiva arawaav
uvawa, tutipsiu epraip ratarfaraip uvawa. Uje vip sia revavip yayev uwa petawiev
vivafawotu. Annu sia tuvittufawitiva orapov rewuvawa.
Meus olhos caem para seu abdômen, meu dedo deslizando pela frase
do texto. Há muito mais escrito em sua carne.
— Por que esperar? —Eu pergunto. Não sei como, mesmo com toda
a minha importunação, ainda há tanta coisa sobre esse homem que não
sei.
Ele pega minha mão, levando-a aos lábios. — Agora não é a hora.
Respiro profundamente.
— Lazarus, você já sabe disso, —ele diz. Ele nem mesmo faz uma
pausa em seu trabalho.
— Não, —eu digo cuidadosamente, minha pele formigando, — eu sei
que você pode reanimar os restos mortais de uma pessoa, mas você disse
antes que pode ressuscitar almas.
Não sei por que, mas o pensamento fecha minha garganta. Talvez seja
esperança nas habilidades da Morte ou talvez seja ressentimento por ele
ter deliberadamente escondido isso de mim até agora. Se eu não tivesse
percebido a nuance, ele teria admitido isso?
Sim.
Ele já está balançando a cabeça. — Lazarus, você não sabe o que está
pedindo.
— Não.
— Você está errado, —eu digo a ele com fervor. — Este, este poder, é
um milagre.
Não acredito nele, acho que ele está cego por seu propósito.
— Por favor, —eu digo, mesmo que seja inútil. O homem que não
poupará uma única cidade definitivamente não trará alguém de volta dos
mortos.
Sinto minha esperança se estilhaçando, mas não vou deixar isso para
lá. Eu não vou.
Tudo bem?
Eu fecho minha boca, meu pulso batendo tão rápido que me sinto
vagamente doente.
Oh.
Thanatos para e estende a mão para o chão. Ele ainda parece irritado,
e a visão me enerva. Aproximo-me dele, sem saber o que está prestes a
acontecer.
Um rosto.
E então ...
O peito da minha mãe sobe quando ela respira fundo, e então seus
olhos se abrem.
Sinto a pressão leve e quase confusa das pontas dos dedos dela contra
meu braço. Então, perto do meu ouvido, minha mãe solta um gemido. O
som arrepia os cabelos da minha nuca.
— Mãe, —eu digo, olhando freneticamente para Morte, mas ele está
parado rigidamente ao lado. — Mãe, —eu digo novamente. Pego suas
mãos e aperto com força. — Sou eu, sua filha.
Minha mãe parece não notar. Ela ainda está balançando para frente e
para trás, um olhar distante e assombrado em seus olhos. Enquanto
observo, ela leva a mão ao rosto e começa a soluçar.
Olho por cima do ombro para a Morte. — Por que ela está agindo
desse jeito? —Eu pergunto, minha voz alta e em pânico.
— Morte trouxe você de volta. Ele tirou sua vida injustamente, —eu
digo.
— Agora você me escute, —ela diz soando exatamente como ela era
antes. Meu peito dói—dói muito—porque esta é minha mãe. Não a
criatura chorosa que eu segurava em meus braços, mas esta mulher
energica e que não aceita besteiras. E é claro que essa situação deu errado,
mas ainda ontem eu teria dado qualquer coisa para ouvi-la me repreender.
— O que quer que você tenha feito para me trazer aqui, você desfaz.
—Seus olhos se movem para Morte. — Você desfaz isso, —ela repete para
ele.
Ela se vira para mim, seu corpo tremendo como se estivesse em estado
de choque. — Não quero estar aqui, Laz. Eu vivi, amei e morri, —ela diz
cuidadosamente. — E você não pode mudar as regras.
E estou chorando em seus braços e isso é tudo que consigo, e sei que
é mais do que qualquer outra pessoa consegue, mas ainda me sinto
roubada.
Sinto seu próprio olhar suavizar sobre mim antes de se virar para
minha mãe. Ele não diz nada, mas vejo o momento em que seu poder
entra em vigor.
O Cavaleiro franze a testa, mas a raiva que fervia sob sua pele
desapareceu. Parece que é ele quem carrega o fardo pesado.
— Vejo sua dor, —diz ele, — e ouço, mas não gosto. Isso me deixa
frenético.
Eu rio dele, mas estou com muita raiva. — Como você ousa dizer isso.
Você nem sabe o que é perda, —eu digo com veemência, levantando-me.
— Você nunca amou nada o suficiente para se importar se isso vai
acontecer.
Mas o que eu sei? Nunca estive morta. Minha mãe parecia preferir. Talvez
ele esteja certo. Talvez eu tenha lutado pelo lado errado esse tempo todo.
Capítulo 63
Los Angeles78, Califórnia
78
Los Angeles é uma grande cidade do sul da Califórnia e também o centro da indústria de cinema e televisão do país.
Perto do famoso letreiro de Hollywood, é possível conhecer os bastidores das produções nos estúdios Paramount Pictures, Unive rsal e Warner
Brothers. Na Hollywood Boulevard, o TCL Chinese Theatre exibe impressões de mãos e pés de celebridades na Calçada da Fama, uma homenagem a
milhares de astros, e se pode comprar mapas das casas dos artistas.
reverter os danos que os cavaleiros causaram. Então, em vez disso, sento-
me na sela, com o coração pesado.
Não sei muito sobre esta parte do mundo, mas ouvi histórias sobre
uma época em que este lugar era sede do glamour.
E cadáveres.
Essa dor no meu peito aumenta, aquela que me faz sentir que toda
essa luta contra o cavaleiro é inútil.
É como um segundo céu, tão vasto e azul que parece engolir o mundo
inteiro.
Thanatos deve ouvir minha reação porque ele se inclina na sela para
poder ver meu rosto. Enquanto eu absorvo a água, ele me absorve.
Morte está quieta, embora um momento depois, ele pare seu cavalo.
Mas ele já está desmontando. Assim que seus pés tocam o chão, ele
79
O Oceano Pacífico é o maior oceano da Terra, situado entre a América, a leste, a Ásia e a Austrália, a oeste, e a
Antártida, ao sul. Com 180 milhões de km² de área superficial, o Pacífico cobre quase um terço da superfície do planeta e corresponde a quase metade
da superfície e do volume dos oceanos.
agarra minha cintura e me puxa para baixo.
Suas asas se abrem atrás dele e, pegando-me, Morte nos levanta no ar.
Presumo que ele esteja se referindo a estar no ar, mas então, menos de
dez minutos depois, estamos descendo de volta à terra.
80
Bougainvillea ou ‘Primavera’ é um gênero botânico da família Nyctaginaceae, de espécies geralmente designadas como
buganvílias.
topo do telhado e uma fonte de pedra está instalada em uma das paredes
da casa. Esse tipo de casa nunca deixará de me chocar—que alguém possa
viver um estilo de vida tão grandioso em uma época em que a maioria das
pessoas está sobrevivendo. Enquanto olho, posso ouvir o oceano
chamando, as ondas rugindo enquanto batem na areia.
Não sei o que ele vê. Não me sinto desgastado pelas viagens. Mas
talvez ele esteja reagindo menos ao meu estado físico e mais ao meu estado
emocional. Tenho carregado uma grande tristeza desde que vi minha mãe.
— Não olhe para mim assim, —diz ele, com a voz baixa.
— Como?
Solto minha mão. Não sei o que Thanatos quer que eu faça. Estou de
luto e ele é a razão por trás disso. Nós dois sabemos disso. Posso gostar
dele, posso até, até ... amá-lo, mas isso não importa. Você pode amar algo
e saber que isso é ruim para você.
— Não estou pedindo que você lute, só estou pedindo que não desista
de mim.
— Não seria mais fácil? —Eu digo. Este pode ser o momento mais
exposto que qualquer um de nós já esteve um com o outro. — Você não
teria que lidar comigo agonizando por cada cidade perdida, e eu não faria
você duvidar de si mesmo.
— Se isso faz você perder aquela luz nos olhos, então não, não valeria
a pena. Nunca valeria a pena.
Num impulso, agarro a mão da Morte e vou para as portas dos fundos.
Ele me deixa arrastá-lo para fora. Não fico naquele pátio espaçoso,
embora uma parte de mim queira. Quase consigo ver os luxuosos jantares
que um dia poderiam ter sido realizados aqui, sob as estrelas cintilantes, o
cheiro do oceano denso no ar. Se fechar os olhos, posso imaginar aquele
mundo, cheio de vestidos brilhantes, bebidas borbulhantes e música suave
tocando ao fundo.
Isso nunca mais acontecerá, pelo menos não aqui e nem tão cedo.
Eu sei, sem olhar, que ele está imensamente satisfeito por ser o único
arrastado. Acho que ele se cansou de estar no papel oposto.
Olho para ele por cima do ombro. — Mas você já nadou nele?
— Nem eu, —admito. — Mas eu quero, e ... eu quero que você venha
comigo.
Ele toca seu peitoral, não parecendo mais tão animado em ser
arrastado até aqui, afinal.
Se a Morte antes não tinha certeza sobre entrar na água, ele não tem
mais.
— Porra.
Morte faz uma careta no rosto enquanto avança pela água salgada.
Apesar de seu humor, ele é um espetáculo para ser visto. Meu olhar
percorre os músculos duros de seus ombros e braços antes de descer por
seu peito cônico. Suas tatuagens estão à mostra e seu reflexo brilha na
superfície da água.
Thanatos faz uma careta para a água. — Isto é pior do que vinho.
Isso só me faz rir ainda mais. O som levanta seu olhar para meus
lábios. Morte se move em minha direção, a água passando por sua cintura
e suas asas. A maneira como ele está olhando para mim... eu diria que ele
parecia angustiado se não houvesse suavidade em seus olhos.
Capturo sua boca e o beijo enquanto uma onda quebra ao nosso redor
e sinto gosto de água salgada em seus lábios.
— Você é tudo que eu pensei que não poderia ter, —ele respira.
Toco o rosto da Morte. — E você é tudo que eu pensei que não deveria
ter, —eu respondo.
Minhas mãos passam por seu cabelo. — Acho que você também gosta
de me torturar.
Sua mão desliza até meu clitóris e ele começa a acariciá-lo e, oh, meu
Deus, ele não está mais jogando limpo.
— Você vai aceitar, —insiste Morte. Ele continua a brincar com meu
clitóris, a ponta do dedo deslizando sobre ele repetidamente enquanto ele
se move dentro de mim.
Realmente é demais.
Ele abaixa a cabeça, seus lábios pegando a ponta do meu seio. Seus
dentes roçam meu mamilo e eu estou acabada.
— Thanatos.
— É demais, —insisto.
— Bem, nós dois sabemos que você não vai morrer disso.
Acho que ele não percebe que também posso tocá-lo como um
instrumento.
Minha mão desliza para baixo, entre suas pernas, e seguro suas bolas.
— Oh, você pensou que era o único com as chaves do reino? —Eu
digo, minha voz rouca. Enquanto falo, deixo minhas unhas rasparem sua
pele sensível.
Suspiro quando finalmente sua mão deixa meu clitóris. Seu pau me
acaricia várias vezes antes de sair. E então ele simplesmente me abraça.
Eu engulo.
81
A Via Láctea é uma galáxia espiral, da qual o Sistema Solar faz parte. Vista da Terra, aparece como uma faixa brilhante
e difusa que circunda toda a esfera celeste, recortada por nuvens moleculares que lhe conferem um intrincado aspecto irregular e recortado.
noturno. As estrelas brilham como jóias.
Ele ainda está olhando para mim, e quando inclino minha cabeça para
encará-lo, posso ver o desejo em seus olhos, como se ele desejasse toda a
minha essência.
— Toda vez que eu olho lá para cima, —eu digo. — Sinto que lembro
quem eu sou.
Morte ainda está olhando para mim, e posso sentir o peso desse olhar.
Finalmente, ele vira o rosto para o céu. — Vivi por muito, muito
tempo. Já vi pessoas morrerem repetidas vezes. Tive tantos vislumbres da
vida e aprendi muito sobre o mundo aqui. E, no entanto, muito disso é um
mistério. Ser o que sou—a Morte—torna a experiência da vida muito
esquisita e estranha. A única coisa que parece me fundamentar é estar com
você, kismet. Essa sensação que tenho quando estou com você é ... não há
palavras humanas para isso. É incomparável. Tudo o que posso realmente
dizer é que quando seguro você perto de mim, tenho certeza de que
ninguém nunca se sentiu tão feliz quanto eu. Então, para responder à sua
pergunta, não me lembro de mim quando olho para o céu. —Ele pega
minha mão e inclina a cabeça para me encarar mais uma vez. — Lembro-
me de mim mesmo quando olho para você.
Capítulo 65
Los Angeles, Califórnia
Ele inclina a cabeça. — Por que? Você não está com fome?
— Achei que poderíamos fazer algo um pouco diferente esta noite, —
eu digo.
Morte deve dar a seus servos algumas instruções sem palavras porque,
de repente, cada esqueleto para o que está fazendo. Largando colheres,
facas e todos os outros tipos de utensílios, eles saem da sala
imediatamente.
Antes que ele possa fazer algo que me distraia para batizar a cozinha,
coloco a mão em seu peito.
Os olhos da Morte estão aquecidos e, embora ele faça uma pausa, ele
claramente está apenas esperando que eu termine o que quer que eu queira
dizer para que ele possa continuar.
Meu Deus.
‘O que quer que você tenha feito para me trazer aqui, você desfaz.’
Seus olhos aquecem quando ele ouve seu nome em meus lábios.
Morte olha para o sal como se lhe pudessem crescer olhos e dentes,
mas afasta-se do balcão e pega-o com relutância.
— Lazarus.
— Oh, meu Deus, —eu digo, — não aja como se eu tivesse levado seu
primogênito. É assim que misturamos a massa do pão.
Morte faz uma careta, embora eu não tenha certeza se é esse método
de misturar ou a própria ideia do pão que o desagrada. E para ser honesta,
eu poderia ter usado uma colher para esta parte.
— Isso parece uma tarefa frívola, —diz ele, a ponta de uma de suas
asas roçando minhas costas.
— Isso é ridículo, kismet. —Mas agora ele parece menos cético e mais
curioso.
— Bem. Esse foi um segredo divertido, —diz ele, com o olhar fixo em
meus lábios. Suas mãos se movem para a borda da minha camisa, seus
dedos ainda pegajosos da massa. Ele tira a roupa por cima da minha
cabeça.
Puxo sua camisa preta, tirando-a dele e revelando seu peito esculpido
e as linhas de escrita brilhante que fluem por ele.
— Você foi feita para mim, —diz ele com fervor. — E eu para você.
A Morte olha para o pão, com uma leve carranca no rosto, como se
temesse o que está prestes a fazer. Ele o leva aos lábios e, após uma pausa
momentânea, dá uma mordida. Ele mastiga por um longo momento, seu
rosto inexpressivo, e meu estômago despenca com a visão.
Não sei o que realmente esperava ou por que isso importa. Ele é um
Cavaleiro. Ele não precisa comer comida nem apreciá-la.
Capítulo 66
Los Angeles, Califórnia
É isso que acontece esta noite. Quando meus olhos se abrem e olho
para as enormes janelas, não sei onde estou. Mas então há um braço
familiar jogado sobre minha cintura, os glifos brilhando suavemente, e
meu corpo relaxa quando me lembro que estou com a Morte.
Pego a mão da Morte, entrelaçando meus dedos nos dele. Espero que
ele dê um aperto no meu. Quando ele não o faz, eu me viro.
Meu coração palpita com a visão. Ah, com tanta delicadeza que
estendo a mão e coloco seu cabelo atrás da orelha. E eu olho e olho.
MORTE
Ainda é de noite.
Adormeci.
De novo.
Isso tem acontecido cada vez mais. Toda a experiência não é natural
e desanimadora. Humanos com asas não foram feitos para dormir assim—
embora uma dessas minhas asas tenha se estendido sobre Lazarus e, ao
vê-la, sinto uma sensação profunda e primordial de satisfação de que a
mulher que amo está bem aqui comigo, escondida dentro do meu abraço.
Não sou mais o homem que costumava ser. Nem um pouco. E esta
mulher é quase totalmente culpada por isso.
Seria mentira dizer que não brinquei com a ideia de desistir de tudo
por Lazarus. O pensamento surgiu em mim mais vezes do que eu deveria
admitir. Ela acha que não fiquei tentado a me afastar da minha tarefa,
mas, na verdade, sempre fui tentado. Quando pensei nisso pela primeira
vez, simbolizava minha queda e era algo a temer.
Agora ... agora eu poderia viver com ela aqui para sempre, fazendo
amor sob as estrelas, nadando naquele oceano desagradável só para ouvir
o trinado da risada de Lazarus. Passaria minhas noites dormindo ao lado
dela, seu corpo colado ao meu—assim mesmo.
Minha mão desliza por sua pele macia, descansando na parte inferior
de seu estômago.
E se?
E se eu formasse a vida?
Ela não quer filhos com você. Ela pensou que você seria um péssimo pai.
Aqui estou, prestes a desistir de tudo, tudo pelo amor de uma boa
mulher.
Passei tanto tempo pensando que era melhor que meus irmãos,
pensando que era diferente. E talvez, de certa forma, eu seja.
Mas meu Deus, foi assim que Fome caiu.
Não, sempre se tratou de cumprir a tarefa que nos foi confiada a nós
quatro cavaleiros.
Ela usa um sorriso sonolento. — Não é justo dizer coisas tão bonitas
quando estou cansada demais para processá-las. —Ela se inclina para
frente e me dá um beijo, seu corpo roçando o meu. Meu aperto aumenta
sobre ela.
Em resposta, ela se move, abrindo as pernas em um convite. Eu sou
um anjo, mas nem eu consigo resistir a isso.
Com uma única mão, tiro sua calcinha, em seguida, empurro meu
caminho para dentro dela, sibilando com sua sensação inebriante em volta
do meu pau. Quase me desfaço ali mesmo. Em vez disso, eu bombeio
dentro e fora dela com um frenesi que ela confunde com paixão, cada
impulso profundo arrancando gemido após gemido dela até que, de
repente, sua boceta aperta em minha volta e seus gemidos se transformam
em um grito, meu nome da sua língua.
E sinto uma perda, uma perda cortante, pelo que sei que não posso ter.
Porque sei que não posso ter isso, uma vida humana—cheia de risos,
crianças e ... Lazarus.
Sempre Lazarus.
Eu questionei meus próprios motivos por muito tempo. Mas isso deve
acabar. É para isso que nós, Cavaleiros, fomos enviados aqui. É o que farei.
LAZARUS
Morte ainda não se vira. É uma coisa pequena, mas mesmo assim dói
na parte de trás do meu pescoço.
— Sobre o que você estava errado? —Eu pergunto, minha voz
cautelosa. Puxo uma cadeira e deslizo para o assento.
— Ficando aqui.
Esta foi uma fuga feliz, mas também estou ansioso para ir embora,
para ir buscar Ben. Agora que estamos na Costa Oeste, ele parece
tentadoramente próximo, mesmo que centenas e centenas de quilômetros
ainda nos separem.
— Você acha que alguma dessas coisas foi aleatória? — diz Thanatos,
do nada. — Que Deus não estendeu a mão e fez de você uma marionete?
Morte se vira para mim então, e seus olhos parecem tão tristes. —
Você realmente acha que tudo isso foi aleatório? Porque não foi. Isso foi
intercessão. Isso acontece com os humanos o tempo todo, mas vocês estão
tão cegos pelas suas próprias percepções da realidade que não percebem.
Vocês não percebem as forças mais poderosas da magia em suas vidas,
mesmo quando elas se desdobram bem diante de vocês.
Meu coração bate tão forte que tenho certeza de que o Cavaleiro pode
ouvi-lo. — Porque você está me dizendo isso?
Antes que eu possa perguntar o que ele quer dizer, ele me beija, a
pressão feroz de seus lábios é um tanto surpreendente.
Ele admitiu para você que a amava. Ele dormia ao seu lado e comeu sua
comida. Talvez não seja que algo não esteja certo. Talvez ele esteja apenas diferente.
Mudado.
Seguimos para o norte, por uma das muitas rodovias de Los Angeles.
Os poucos corpos pelos quais passamos já estão em decomposição, e o
leve cheiro de morte permeia o ar, até mesmo por cima do incenso que
queima em sua tocha.
— Não é nada.
Algo não está certo. E, para ser honesta comigo mesma, não está certo
desde que acordei esta manhã.
Nada.
— Thanatos, —eu digo, — Desde que eu te conheço, você nunca
contornou verdades duras, —eu digo. — Isso é ruim? —Eu pergunto.
Silêncio sinistro.
Eu pego sua mão novamente. — Por que você está me segurando com
tanta força?
E agora tenho que me perguntar o que poderia ser tão ruim que ele
pensasse que vou fugir dele. Ele ressuscitou mortos, matou cidades inteiras
e fez quase todas as outras coisas assustadoras do livro.
— Seja o que for, Morte, você pode me contar sobre isso, —eu digo,
tentando parecer razoável quando o pânico interno está se instalando.
Vários arranha-céus pairam sobre nós, muitos deles sem janelas. Entre
eles estão outras estruturas de vários andares com paredes desgastadas e
pintura descascada; tudo isso está amontoado como se não houvesse
espaço suficiente para construir, então eles tiveram que se espremer para
cima. A estrada em si está relativamente livre de corpos e escombros,
embora haja uma bicicleta tombada e uma mulher morta esparramada ao
lado dela, e mais adiante na rodovia posso ver vários outros corpos caídos
na estrada.
— O que ... o que você está fazendo? —Eu exijo. Não pretendo que
minha voz vacile, mas vacila.
Ele continua removendo sua armadura até que cada pedaço dela fique
a seus pés. Então ele tira a camisa, seus olhos nunca deixando os meus. —
Nunca li para você todas as minhas marcações.
Ele dá um passo à frente, a mão indo até o peito, o dedo tocando uma
de suas muitas marcas.
Ele lê tudo em sua língua nativa. Não entendo nada disso, mas o
poder das palavras me invade, fazendo meus joelhos fraquejarem.
— Dos confins mais sombrios do universo minha forma foi forjada. Sou
retornar às suas terras. Tudo será como antes. Pois eu sou o coração de
A mão de Morte cai de sua pele. — Você sabe o que acontece depois
que eu tomo minha decisão final?
MORTE
OLHO PARA LAZARUS E QUERO DIZER A ELA QUE ISSO nunca foi
ideia minha. Pego almas, mas nunca desejei a morte delas. Apenas cumpri
as ordens que me foram dadas, desde a primeira morte até esta.
Mesmo assim, estou arrasado porque amo Lazarus e ela vai me odiar
como antes. Porque todo o resto da humanidade me odeia e eu os amo e
não posso ajudá-los a se apegarem a essas vidas que cobiçam. Não sem
trair todo o universo senciente.
EU ... FALHEI.
Seduzi a Morte, fiz com que ele se apaixonasse por mim, até me
apaixonei por ele. Desisti de tudo—minha causa, meu filho, meu corpo,
meu coração—e a Morte ainda está pronta para destruir o mundo.
Ele parece aflito, então acho que há algum consolo nisso. Não que isso
mude alguma coisa.
Preparando-se para a batalha. Porque eu acho que é isso que está prestes a
acontecer.
Ao longe, ouço o som de cascos de cavalo, e isso me tira dos
pensamentos.
A estrada faz uma curva em torno de uma colina íngreme, então não
vejo nada além dos corpos já espalhados pela estrada.
Irmãos de Morte.
Ela falhou.
Não, não estou bem. Achei que sim, mas isso é muito, muito ruim e sou
apenas uma mulher e acho que estamos prestes a testemunhar o fim do
mundo.
Morte não me impede, embora eu juro que ele quer. Acho que, apesar
de quão distante ele está, ele quer me apertar contra o peito para garantir
que eu nunca vá embora.
Nada disso faz sentido. Meu amante matou minha família, o homem
que me abraçou matou meus pais e os outros dois mataram incontáveis
outros. Meu filho está morando com pessoas que eu nunca conheci, e tudo
isso pode não importar muito, muito em breve.
— Você está bem, —o Cavaleiro diz, sua voz gentil. — Vai ficar tudo
bem. Verdadeiramente, vai.
— Ele está bem cuidado, —diz ele, com os olhos enrugados nos
cantos. — Minha esposa Sara se intitulou sua fada madrinha. —
Pestilência pisca. — Ela estava alimentando-o com biscoitos açucarados
quando saímos. —Seus olhos deslizam sobre mim novamente. — Como
você está?
Estou apaixonada por Morte, e minha alma está gritando, mas ...
— Estou feliz que vocês, meus irmãos, estejam aqui, —diz Morte, sua
voz ecoando pelas colinas. — Viemos à Terra para acabar com a
humanidade. E hoje finalmente faremos isso, de uma vez por todas.
Capítulo 70
Los Angeles, Califórnia
— Se você quer uma guerra, terá que passar por mim, —diz Guerra,
parecendo um deus apesar de sua mortalidade.
— E você deseja mais uma vez tirá-los de mim antes de seu tempo.
Fome passa por Guerra, sua foice firmemente segura em sua mão. —
Se alguém consegue parar esse idiota, sou eu.
A boca de Thanatos se curva em um sorriso zombeteiro, tornando
suas feições trágicas arrogantes.
— Parem com isso, —eu digo. Passando pelos cavaleiros, volto para
a Morte mais uma vez.
Coloquei a mão em seu peito, meu olhar indo para seus olhos. Já lutei
com esse homem tantas vezes que minha cabeça gira. Eu não quero mais
lutar com ele. E sei que não imaginei aquele brilho de desconforto nos
olhos dele.
— Você não tem que fazer isso, —eu digo, minha voz baixa.
— Devo.
— Não, —eu insisto, — você não precisa. Seus irmãos fizeram sua
escolha. Você também pode escolher—ou pode optar por esperar. —Vou
aceitar até isso no momento.
Morte levanta meu queixo. Enquanto ele faz isso, a terra começa a
tremer e, ao longe, ouço o gemido de edifícios antigos.
— Não faça isso, —eu sussurro. — Por favor, não faça isso.
ESTRONDO!
Não consigo entender o que a Morte está dizendo, mas o que entendo
é que ficarei para trás. Todo o resto irá embora, mas eu não.
Meu coração bate loucamente. Ele realmente vai fazer isso. Posso ver
que ele está. Querido Deus.
Thanatos se afasta de mim, sua atenção voltada para seus irmãos. —
O tempo de conversar acabou, —diz Morte. — Junte-se a mim ou lute
comigo, mas o Julgamento Final está agora sobre nós.
Capítulo 71
Los Angeles, Califórnia
Com um salto, o cavaleiro alado sobe para o céu. Seu rosto é todo
afiado. Beleza solene e trágica apenas temperada por seu propósito feroz.
Ele me ignora.
Guerra olha para mim de onde ele está amarrando um arnês de couro
cheio de lâminas em seu peito.
Bem, foda-se.
MORTE
Depois que tudo acabar, vou fazer Lazarus ver que tinha que ser
assim, e vou reconquistar o seu amor. Porque, ao contrário de todo
mundo, ela e eu temos todo o tempo do mundo.
LAZARUS
EU ENCARO MORTE.
Uma mão quente cai sobre meu ombro, apertando-o. Olho para
Guerra, assim que o enorme Cavaleiro retira uma enorme adaga de uma
das bainhas cruzadas em seu peito. Ele o pressiona na minha mão, seus
glifos vermelhos brilhando contra os nós dos dedos.
— Não vamos morrer sem lutar, —diz ele, em voz baixa. Seus olhos,
no entanto, dançam com uma excitação sombria. O anjo da guerra
praticamente tem sede disso. — E não importa quão imortal você possa
ser, você precisa de uma arma. Prepare-se.
A flecha faz um arco alto no céu. Por um segundo, acho que vai atingir
a Morte, mas uma rajada de vento a desvia do curso.
ESTRONDO!
Mais uma vez, uma rajada de vento o afasta. Pestilência dispara uma
flecha e, ajustando a pontaria, dispara outro tiro à esquerda do Cavaleiro.
Edifícios em ruínas.
— Vai ter que fazer melhor do que isso, irmão, —diz Guerra, virando
a espada repetidamente na palma da mão, claramente impaciente para
fazer alguma coisa.
Suas asas se abrem mais uma vez, e ele parece ... ileso.
— Seu poder é o poder dele também, e ele é imune aos efeitos disso.
Engolindo meu grito, tropeço para trás quando a luz ofuscante lança
Fome a três metros de distância. Ele fica deitado no asfalto, imóvel.
Olho para o Cavaleiro. — O que você quer dizer com sua? —Eu
pergunto inquieta. — Eu pensei que seus poderes foram retirados de você.
Para mim, Guerra diz: — É melhor você se preparar com essa faca.
Estamos prestes a ter muita companhia.
O chão trêmulo fica cada vez mais intenso. Enquanto treme, vários
prédios à distância desabam.
Fico tensa, levantando minha arma. O Ceifador gira sua foice uma
última vez, a lâmina fazendo um som sinistro de corte ao cortar o ar.
Seu corpo faz um som nauseante quando atinge o chão, e eu faço uma
careta. Eu deslizo para outro.
Guerra encontra meu olhar. Ele acena para minha lâmina. — Isso
pode cortar ossos, embora eu teria como objetivo as articulações, —diz ele
em tom de conversa, mesmo quando um morto-vivo pula em suas costas.
Ele agarra a criatura pelo pescoço e a joga para longe dele e para mais
revenant que se aproximam, derrubando o grupo deles.
Guerra me lança um sorriso feroz e depois volta sua atenção para seus
agressores.
Estas não são mais pessoas, estas não são mais pessoas, tenho que me
lembrar.
Os mortos continuam chegando, mesmo enquanto montes de corpos
quebrados e contorcidos se acumulam ao nosso redor.
Do outro lado, avisto Pestilência no telhado do prédio que ele foi visto
antes. Há apenas alguns revenants no telhado e, quando olho, vejo o
cavaleiro chutar um morto-vivo para fora da estrutura, o corpo do cadáver
girando ao cair. Mas enquanto observo, mais mortos estão subindo pelas
paredes. Eles não estão indo muito longe antes de perderem o controle e
caírem de volta ao chão, mas mais estão se movendo dentro do prédio.
Perto de mim, Fome deixa cair sua foice, carrancudo enquanto seus
olhos observam as hordas de mortos que fervilham na estrada enquanto
eles correm em nossa direção. O Ceifador move as mãos como se estivesse
retirando magia do ar, com os dedos abertos. Seus braços tremem com o
esforço.
Antes que ele possa dizer mais, uma parte do arranha-céu desmorona.
Cadáveres caem com os escombros e, bem no topo da estrutura, vejo
Pestilência avançar para a borda do telhado enquanto o chão cai.
O Ceifador faz uma careta para os corpos. — Eles cheiram ... a merda.
— Eles são cadáveres, —diz Pestilência, cavando entre os mortos. De
baixo deles, ele pega um dos feixes de flechas que reservou antes. — Você
esperava que eles cheirassem como suas preciosas rosas roxas que você
gosta de esfregar em si mesmo quando pensa que ninguém está olhando?
No céu, Thanatos vacila. Ele olha para baixo, para a visão diante dele.
Se ele me nota, não dá sinal disso.
O cadáver mais fresco cai no chão e, indo até ele, coloco uma bota no
peito da mulher morta-viva e corto seus braços nas juntas, tentando não
engasgar com o cheiro horrível dela ou o fato de que ela já foi um humano.
Removo suas pernas da mesma forma, apenas parando para virar de lado
e vomitar quando as imagens, sons e cheiros me dominam.
Não sou um monstro, eu canto para mim mesma. Porque morto ou não,
isso parece monstruoso.
Eu empalideço.
Matei Morte muitas vezes, mas isso foi quando eu não amava o
Cavaleiro.
Eu o amo agora.
Mas Morte não é meu inimigo, e o que ele está fazendo pode ser
equivocado e errado, mas não sei se é mau. Para ser sincera, não tenho
mais certeza do que é o mal.
Faça isso por Ben e todos os outros que ainda não perderam a vida.
Guerra segura meu olhar com seu olhar astuto, e sinto que
subliminarmente ele está dizendo: Todos devemos fazer sacrifícios. Esse é
o seu.
Não sei nada sobre honra e toda essa questão da morte gloriosa. A
vida ainda se estende diante de mim, vasta, insondável e assustadora.
Me sinto mal porque meu verdadeiro amor está sendo queimado até
a morte por raios sobrenaturais? Sim. Eu acho que ele merece por ser um
bastardo e forçar o Dia do Julgamento a todos?
Também sim.
Quantos minutos nos restam antes que o poder da Morte chegue a Ben
e aos outros? Estou me movendo em frenesi agora, em pânico com a ideia
de que tanto tempo já se passou e, ainda assim, nossos esforços não nos
levaram muito longe.
Eu olho para Morte assim que, finalmente, ela dobra suas asas e cai.
Enquanto ele fica lá, as plantas ao seu redor parecem murchar e virar
pó, os mortos presos em suas garras livres mais uma vez. Morte cai na
estrada cheia de destroços.
Posso tornar o fim da Morte rápido. Não será para sempre. Ele
colocou seu dever para com Deus acima de mim. Posso colocar meu dever
para com a humanidade acima dele.
Eles se chocam com a Morte, a força deles é tão intensa que perco o
equilíbrio e caio em uma pilha de membros se contorcendo.
Morte coloca uma perna sob seu corpo e se levanta enquanto um raio
continua a atingi-lo. É difícil ver ao redor do manto esquelético que o
cobre, mas acho que seus olhos escuros brilham de fúria enquanto ele olha
para Fome.
Ele estende a mão, seus dedos parecendo meio ossos, meio carne que
são.
— Morte! —Eu grito com ele, passando por cima de outro corpo.
Mas ele ainda está focado em Pestilência, que agora está chovendo
flechas sobre ele. O vento sopra ao redor de Thanatos, derrubando as
flechas.
Mas Thanatos também não terminou com esse seu irmão. Guerra
ainda está tentando pegar outra arma quando suas bochechas se contraem
e sua pele cede.
Enfrento Thanatos mais uma vez e agora estou correndo para frente,
saltando sobre corpos e asfalto quebrado, meus guarda-costas esqueléticos
mantendo formação ao meu redor.
— Eles não podem morrer de verdade, Lazarus, —Morte diz, sua voz
sem emoção. — Nenhum de nós pode.
Usando minha adaga, vi uma das árvores, mas a cada segundo que
passava, seu tronco parecia engrossar. Desisto de cortá-la e começo a
escalá-la. Escorrego várias vezes enquanto subo e, quando finalmente
chego ao topo, as plantas se entrelaçam entre si, criando uma espécie de
teto abobadado que é frustrantemente impenetrável.
Rápido, rápido.
Morte começa a se virar para mim quando Fome grita: — Seu idiota!
—Sua voz é fraca, apesar do fato de que eu acho que ele está tentando
gritar. — Você segurou o mundo inteiro em seus braços e o desperdiçou
para quê? Isto? —Ele dá uma risada oca que se transforma em tosse. —
Você pode apodrecer por toda a eternidade, Thanatos. Você vai se
arrepender deste momento até o fim de sua existência de merda.
Estranhamente lento, a Morte se vira para ele. Ele parece mítico, sua
armadura prateada imaculada, suas asas escuras aparecendo atrás dele.
Então, de repente, Fome fica mole. Acho que ele está morto por um
segundo, mas então ouço sua respiração rasa. Com o olhar de Morte ainda
fixo nele, dou mais alguns passos em direção ao meu Cavaleiro, quase
prendendo a respiração.
Ele está tão bonito e trágico quanto na primeira vez que o vi. Só agora,
vejo que ele foi moldado para esse momento.
— O que há para temer, kismet? —ele diz suavemente. Seu cabelo está
ondulando com a imensidão de seu poder. — Você não vai morrer e eu
não vou te deixar para trás.
— Maldito seja, Thanatos, isso não é sobre mim. —Nunca foi sobre
mim.
Deixe-me parar com isso. Seja qual for o papel que devo desempenhar, deixe-
me interpretá-lo. Deixe-me acabar com isso.
Th-thump-thump-thump.
— Lazarus. —Há uma mão nas minhas costas, e eu olho para os olhos
sobrenaturais de Morte. Essas sardas prateadas em suas íris parecem
brilhar mais do que antes, e estão cheias da preocupação que estou
acostumada a ver no rosto de Thanatos.
Thanatos solene e trágico, que não tem medo da morte, mas odeia o
sofrimento. Thanatos, que é odiado universalmente, até mesmo por seus
próprios irmãos. Aquele que está para sempre acorrentado à sua terrível
tarefa. Para sempre incompreendido. Para sempre sozinho.
A mão que segura minha adaga treme quando a aponto para o peito
de Morte, a ponta pairando sobre aquelas imagens ctônicas marteladas no
metal. Fico petrificada quando meu olhar se eleva para o Cavaleiro. O que
estou prestes a fazer vai contra tudo em que acredito.
Sua boca forma uma linha sombria quando ele percebe minha
expressão.
Thanatos ajeita o peito. — Faça isso, — ele ousa. —Essa é a única
chance que vou lhe dar.
Ou me matar.
Capítulo 73
Los Angeles, Califórnia
Engasgo com a dor enquanto olho para o meu peito. A lâmina ainda
está parcialmente para fora, mas dói tanto que acho que não consigo
empurrá-la mais fundo.
Então a Morte está lá, seu corpo envolvendo o meu. Ele nos abaixa
no chão, me embalando em seus braços.
— Por que, Lazarus? —ele diz, com a voz embargada, — Por quê? —
Ele não é mais remoto e maior que a vida.
Ele pressiona a mão na minha ferida e eu suspiro com a dor que isso
provoca.
Fazendo uma careta, vejo seu rosto ficar resolvido. Então ...
— KISMET …
Apenas ...
Aquele meu apelo desesperado, aquele raio de luz atrás dos meus
olhos ...
Acontece com os humanos o tempo todo, mas vocês estão tão cegos por suas
próprias percepções da realidade que não percebem. Você sente falta das forças mais
poderosas da magia em suas vidas, mesmo quando elas se desenrolam bem diante
de você.
Quero dizer que estou em paz, mas porra, eu sinto que estou indo
embora antes do ato final.
— Laz …
Ele me segura com força. — Não, Lazarus, não vou deixar você ir, —
ele promete.
Sua expressão desmorona. — Não. —Ele diz isso como um apelo, uma
lágrima escorrendo pelo canto do olho.
Meus olhos começam a fechar.
Ele beija meus lábios e, mesmo nesse ato, sinto a pressão desesperada
de seu poder, desejando que eu viva.
Com aquele beijo, minha respiração para, meu coração para e estou
finalmente, verdadeiramente livre.
MORTE
Ela se foi.
Não.
A imortalidade de Lazarus não é tão diferente da nossa. Pode ser
removida.
Foi removida.
— Ela fez outro acordo pelas suas costas, irmão, —diz ele.
Mas é claro que ela deve ter feito. Ela não poderia remover sua
imortalidade sozinha. E há apenas uma pessoa que pode tirar e dar a vida
livremente.
Deus me abandonou.
— Não foi.
Olho para ele então. Posso sentir meu coração firme acelerar com o
que ele está insinuando.
Minha mão treme quando olho para Lazarus. Lazarus, que nunca
deveria ter morrido.
Meu olhar passa pela Fome antes de tocar nas formas imóveis da
Pestilência e de Guerra. Meus três irmãos estavam dispostos a fazer tudo
para me impedir. Eu aceitei a decisão deles de lutar pela humanidade. Eu
até entendi o impulso profundo que os alimentava. Eles amavam suas
esposas e filhos, e todos passaram a apreciar a humanidade—incluindo a
Fome e seu coração endurecido.
Vi cada um dos meus irmãos agarrar a sua mulher até à morte. Ouvi
suas barganhas. Eu me considerava acima de tudo, de todos.
E agora aqui estou, com esta mulher de carne e osso, que lutou comigo
e me alimentou, e que me amou. A mulher por quem estou perdidamente
apaixonado.
LAZARUS
Transmutação.
Eu sorrio—ou pelo menos sinto que estou sorrindo, embora não tenha
certeza se sou sólido. Sinceramente não sei o que sou, apenas que existo e
tenho consciência.
Eu olho em volta. Onde quer que eu esteja, uma luz suave me rodeia.
Dou um passo para trás, meu corpo—ou essência—esbarra em algo
sólido.
Em vez de responder, a Morte olha para baixo. Sigo seu olhar, e a luz
fraca se dissipa em flocos, como se fosse apenas uma fumaça espessa.
Abaixo, vejo meu corpo sem vida descansando entre os destroços.
Paraíso.
A LUZ FRACA AO NOSSO redor aumenta, e é como o sol rompendo as
nuvens.
Ao longe, figuras aparecem. Pelo menos, acho que são figuras. Para
ser honesta, são mais impressões de pessoas do que corpos físicos reais.
Em vez de pele e ossos, suas formas parecem feitas de luz.
Perto da frente do grupo estão mais duas pessoas das quais não me
lembro, mas que as conheço inerentemente. Meus pais biológicos.
Faço um pequeno ruído. Eles estão todos aqui, todos esperando por
mim. E embora não faça sentido, posso sentir o amor deles por mim.
Ele solta minha mão para tocar minha bochecha. — Vou sonhar com
você todos os dias, Lazarus. —Ele parece estar queimando em seu próprio
tipo de inferno.
— Não posso, —diz ele, com a voz rouca. Pior, sinto sua devastação
como se fosse minha.
É aqui que eu deveria sentir medo, mas o mais próximo que chego
disso é confusão. Isso ... não deveria ser a nossa separação. Mas minha
essência está sendo chamada para minha família e é difícil ignorar.
MORTE
Para ela, deve ser simplesmente um rabisco estúpido, mas a forma que
seu dedo faz, eu conheço esse símbolo.
Opotu.
Amor.
A compreensão bate em mim, tão potente que mal consigo recuperar
o fôlego.
Eu sabia que Deus tinha me dado uma palavra, assim como Ela deu
aos meus irmãos, uma palavra que era ao mesmo tempo uma lição e uma
escolha reunidas em uma só. Eu até sabia desde cedo qual era a minha
palavra: vida. Achei que tinha descoberto e continuei.
Mas eu não tinha entendido a minha tarefa e o meu desafio, nem tinha
entendido a palavra. Não até agora.
Foi amor.
Amor.
Lazarus franze a testa, seus olhos arrependidos enquanto ela olha para
mim. — Até nos encontrarmos novamente, Thanatos, —diz ela.
Posso sentir a ponta afiada de seu amor enquanto ela se afasta de mim.
Ela olha para a multidão reunida mais uma vez, com os olhos
procurando. Eu sei quem ela está procurando. É o único humano que ela
ama acima de todos os outros, aquele por quem ela tentou negociar sua
vida. Bem.
Segui ordens esse tempo todo. É nisso que eu sou bom. Até Lazarus
foi destinada a mim por Deus, então ela também se sentou
confortavelmente em meu mundo ... até que, é claro, ela não o fez. Ela me
deu uma humanidade crua, dolorosa e confusa. Com toda a sua
espontaneidade e beleza. Ela me acordou, e não importa como o dia de
hoje termine, não posso voltar a ser quem e o que era antes.
Vejo Lazarus hesitar e olhar para mim. Vejo claramente em seus olhos
que ela não quer me deixar, mesmo que a vida após a morte e todos os
seus entes queridos a chamem de casa. Meu coração dói muito ao vê-la.
Você nem sabe o que é perda, ela disse há não muito tempo. Você nunca
amou nada o suficiente para se importar se isso acontecer.
Ou resgatá-la.
Capítulo 76
O Além
MORTE
Não será nunca mais. Não me importo se tiver que me desculpar todos
os dias pelo resto de nossas vidas mortais, contanto que tenhamos essas
vidas.
— Se eu lhe desse tudo o que você quer: seu filho, o fim do Apocalipse
e da matança, você voltaria para a Terra? —Eu pergunto.
— Fiz o mesmo com você, —diz ela. — Está perdoado. —Ela procura
minhas feições. — Passamos todo o nosso relacionamento lutando por
nossas causas. E se começássemos a lutar uns pelos outros?
LAZARUS
— Thanatos?
Assim que começo a me sentar, ele engasga.
— Morte?
Ele olha para mim, mas seus olhos estão desfocados. O cavaleiro se
levanta e por um instante penso que ele está bem. Mas então ele cambaleia
para trás, olhando para algo distante que só ele pode ver. Sua armadura se
dissolve completamente e percebo que estou vendo um anjo sendo
despojado de sua imortalidade.
As asas da morte se abrem e ele grita, seu corpo tenso de dor. Ele
estende a mão para as costas enquanto as penas começam a se desprender
de suas asas, uma por uma, a plumagem preta como tinta lançada ao
vento. As penas caem cada vez mais rápido. Eu me preparo para ver a
carne abaixo deles, mas não há nada ali. É como se os próprios apêndices
estivessem sendo destruídos.
Sofro com a perda deles. Sei que eram incômodos para ele, mas achei
que eram um dos aspectos do Cavaleiro que eram bonitos porque eram
desumanos.
Ele respira pesadamente. Tudo o que resta de seu traje imortal são
suas roupas e botas. Com esforço, ele se endireita.
— Suas asas, —eu digo, levantando-me.
Capítulo 78
Los Angeles, Califórnia
E ele me escolheu.
Eu olho para ele. Aqueles flocos prateados ainda brilham como joias
em seus olhos, e posso ver um leve indício de seus glifos brilhantes na gola
da camisa, e quando olho para suas mãos, ele ainda usa aquele anel com
a moeda dos mortos.
— Então, acabou?
Ele acena com a cabeça enquanto se inclina para perto, seu nariz
roçando o meu. — Sim, —diz ele suavemente.
Mortalmente quieto.
Os outros Cavaleiros.
Olho por cima do ombro e encontro o olhar de Morte. Ele está onde
o deixei, e sem suas asas e armadura, o Cavaleiro parece ainda mais
vulnerável.
— Aquele ... bastardo, —Guerra resmunga. — Sabia que ele tinha isso
nele.
— Sou mortal! —Ele grita. Suas palavras são interrompidas por uma
tosse seca e aguda. — Porra, —ele chia, — eu sou mortal.
Assim que eles se levantam, fico tensa mais uma vez, com medo das
consequências que podem vir. Mas se pensei que os irmãos de Morte iriam
odiá-lo pelo que ele fez, pensei errado.
— Tudo está perdoado, —ouço Fome dizer baixinho para ele. Morte
segura seu irmão um pouco mais forte depois que ele ouve isso.
THANATOS ADORA.
E ... é uma alegria. Ele é uma alegria. Há uma luz e emoção em seus
olhos que eu nunca vi antes. Mesmo quando ele reclama de como é bárbaro
cagar. Ou quando ele resmunga sobre dores de fome. Ele realmente está
apaixonado pela vida, é como se antes ele tivesse se forçado a evitar
apreciá-lo. Agora ele não precisa.
82
O Oregon é um estado costeiro dos EUA, situado na região do Noroeste Pacífico e conhecido pela paisagem
diversificada de florestas, montanhas, fazendas e praias. A cidade de Portland é famosa pela excêntrica cultura de vanguarda e abriga cafés famosos,
butiques, restaurantes "farm-to-table" (que servem alimentos adquiridos diretamente de produtores locais) e microcervejarias. Alguns destaques
são a arte nativo-americana no Portland Art Museum, o Jardim Japonês e o Jardim Chinês Lan Su.
83
Washington é um estado na região do Noroeste Pacífico, nos EUA, com relevos que abrangem desde a Cordilheira
das Cascatas, coberta de neve, até as ilhas florestadas de Puget Sound. A maior cidade, Seattle, é conhecida pelo próspero setor de tecnologia, pelo
vibrante cenário musical e pelos famosos cafés. Entre os principais monumentos, estão o futurista Space Needle, o centenário mercado Pike Place
Market e o Seattle Aquarium. Inovadoras obras de arte em vidro são exibidas no Chihuly Garden & Glass.
Os corpos são um lembrete espinhoso e desconfortável do que
Thanatos fez e do que o resto de nós escapou por pouco. Mas então minha
própria perspectiva é alterada. Eu vislumbrei a vida após a morte. Morte
estava certa—não há nada a temer.
Guerra se vira em sua sela para Fome. — Irmão, você diz isso como
se não fosse um, —a voz de Guerra ressoa, mais alta do que o resto.
— Não acredito que demorei tanto para ver o que deveria ter feito o
tempo todo, —ele admite.
— Não uso isso contra você, —eu digo, sorrindo suavemente contra
seu toque. — Você estava pensando na morte e eu estava pensando na
vida.
Estou absorvendo tudo quando avisto Ben. Ele está jogando uma bola
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Poder da buceta venceu novamente kkkkkkkkkkkkk
na grama com uma jovem que tem uma estranha semelhança com Guerra.
Mas então é claro que ele tropeça e cai porque suas perninhas ainda
estão instáveis e eu estou rindo, embora minhas bochechas estejam
molhadas.
Houve inúmeras vezes em que temi que esse dia nunca chegasse, mas
chegou. Finalmente aconteceu.
Sento-me com meu filho na grama, penteando seu cabelo para trás e
tentando memorizar suas feições.
Uma sombra cai sobre mim e minha pele pica com consciência.
Thanatos não traz mais aquela quietude mortal com ele, mas ele ainda tem
uma presença sobrenatural.
Estico a mão e aperto a mão dele porque ele pertence a este lugar.
Ben se afasta de mim e olha para cima, e para cima, para o cavaleiro,
esticando o pescoço para ver o homem. Ele inclina o braço para o lado,
com os olhos um pouco cautelosos.
Ben continua olhando para Morte sem piscar, e acho que essa será a
soma total de sua reação, mas então Ben estende a mão para o rosto de
Morte.
E…
Capítulo 80
Algum Lugar do Mundo
Acende.
E permanece acesa.
Epílogo
MORTE
Uma vida boa e longa. Crianças. Netos. Todos eles são mortais, todos
não têm asas, alguns compartilham meu sangue e outros não, e—
felizmente—nenhum parece ter herdado minha habilidade de tirar uma
alma de sua carne. Obrigado Senhor. Numa única vida, criei um legado
humano que pensei que seria impossível.
Existe uma magia inerente à vida, uma magia que nem mesmo a vida
após a morte pode proporcionar. É por isso que a criação existe e é por
isso que os humanos, que se equilibram no limite entre o Bem e o Mal, são
como são.
Meus irmãos e suas esposas se foram. Não escolho o dia. Não posso
mais. Esse aspecto do meu poder desapareceu. E um dia terrível, Lazarus
também se foi e nenhum dos meus conhecimentos sobre a vida após a
morte faz nada para atenuar a agonia insuportável de sua morte. Sinto sua
alma escapar, vejo seu voo para o céu e, desta vez, embora uma parte de
minha essência a leve até lá, não é esta parte de mim—o homem consciente
e mortal que me tornei.
Então, chega um dia em que sinto minha própria morte sobre mim e
quero rir que, de alguma forma, fechei o círculo—sou tanto a Morte
quanto os moribundos.
Lá, no limiar da vida após a morte, estão meus irmãos, suas esposas
...
Fim ...