Cinema Panopticum de Thomas Ott Imagens Terror e C
Cinema Panopticum de Thomas Ott Imagens Terror e C
Cinema Panopticum de Thomas Ott Imagens Terror e C
e2xxxx
Pascoal Farinaccio2
Universidade Federal Fluminense
10.11606/2316-9877.Dossiê.2023.e217297
Resumo:
Propõe a análise crítica da história em quadrinhos Cinema Panotpticum (2021), de
Thomas Ott. Na narrativa, uma garota vai a um parque de diversões onde assiste a
pequenos filmes em cabines de cinetoscópio (um aparelho de projeção de imagens
inventado em 1894). Pelo olhos da garota, o leitor acompanha, nos filmes, histórias
macabras e cruéis. Inicialmente, a reflexão debruça-se, aqui, sobre o conceito de
panóptico, estudado por Michel Foucault (2014), para estabelecer uma relação entre o
universo das imagens e o controle social. Na sequência, busca-se esclarecer, com apoio
em teorias do cinema, o diálogo criativo de Thomas Ott com o cinema expressionista
alemão e sua atmosfera de terror; por fim, demonstra-se como o autor recupera algo do
fascínio e temor dos primeiros espectadores em face das imagens cinematográficas.
Palavras-chave:
Thomas Ott (Autor). Cinema Panopticum. Histórias em quadrinhos. Cinema
expressionista alemão. Controle social.
Abstract:
It proposes a critical analysis of the graphic novel Cinema Panotpticum (2021), by
Thomas Ott. In the narrative, a girl goes to an amusement park where she watches short
films in kinetoscope booths (an image projection device invented in 1894). By the girl's
eyes, the reader follows macabre and cruel stories in the films. Initially, the reflection
focuses here on the concept of panopticon, studied by Michel Foucault (2014), to
establish a relationship between the universe of images and social control. Next, we seek
to clarify, with support from cinema theories, Thomas Ott's creative dialogue with
German expressionist cinema and its atmosphere of terror; finally, it is demonstrated
how the author recovers something of the fascination and fear of the first spectators in
the face of cinematic images.
Introdução
Cinema Panopticum, de Thomas Ott, é uma história em quadrinhos publicada no
Brasil em 2021 pela editora DarkSide. Trata-se de obra que estabelece um forte
diálogo com outra forma de expressão artística, a saber, o cinema, e, muito
particularmente, com o cinema expressionista alemão de inícios do século XX,
como procuraremos demonstrar. Nessa perspectiva, talvez seja importante
informar que o autor, Thomas Ott, um suíço nascido em 1966 e artista versátil
(atua como quadrinista, músico e artista visual), estudou cinema na Escola de
Arte e Design de Zurique.
Consideradas isoladamente, as ilustrações de Cinema Panopticum,
lembram gravuras, sempre em preto e branco e hachuradas: são concebidas
mediante a técnica de scratchboard (ou carte à gratter), a qual consiste em se
fazer primeiramente um desenho em uma folha, o qual é copiado depois sobre
o papel de riscar, que por sua vez é talhado com um estilete, criando-se assim
um efeito de “rasgadura”, isto é, de pequenas linhas atravessando a superfície.
Para ilustrar a técnica inserimos aqui (figura 1) as duas páginas iniciais da
história, as quais nos servem também para introduzir a trama que se irá narrar:
1 - O sistema panóptico
Antes de passarmos à apreciação dos filminhos representados na obra, é
importante que seja feito um esclarecimento sobre o termo panopticum, que está
no título da história em quadrinhos. Trata-se basicamente de um mecanismo de
vigilância e controle social, estudado por Michel Foucault em capítulo célebre de
seu livro Vigiar e punir. O sistema panóptico tem seu exemplo mais famoso na
penitenciária idealizada, em 1785, pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham
(1748-1832): na periferia, há uma construção em anel, tendo em seu centro uma
torre de vigia; no anel semicircular ficam as celas nas quais os prisioneiros são
vistos pelo vigia na torre. Conforme explica Foucault (2014), o panóptico é uma
máquina de dissociar o par ver / ser visto: no anel periférico o prisioneiro é o
tempo todo visto, mas sem nunca ver o seu vigia; na torre central, vê-se tudo,
mas sem jamais ser visto. Ou seja, o que garante a eficácia do sistema é a
consciência permanente, por parte do prisioneiro, de estar sendo vigiado a todo
tempo, independentemente de que isso esteja ocorrendo de fato (o vigia pode,
eventualmente, se ausentar em determinado momento da torre, mas o
prisioneiro não tem como saber disso, já que nunca o vê).
Com relação à Cinema Panopticum, de Ott, podemos dizer que nós,
leitores, ocupamos o lugar do vigia e assistimos às histórias que, via de regra,
são marcadas pelo sofrimento físico e psicológico das personagens – tal como
o sofrimento daqueles, podemos conjecturar, confinados nas celas do presídio
ideal de Bentham (sem prejuízo do humor ácido que comparece em alguns
desses filmes da história em quadrinhos). Mais à frente veremos como o clima
de angústia, pavor, maus presságios dos filmes do cinetoscópio pode ser melhor
elucidado a partir de uma referência ao cinema expressionista alemão, com o
qual Ott nitidamente dialoga em seu processo criativo. Vemos o sofrimento alheio
como espectadores que não são vistos por ninguém.
Outro aspecto fundamental do sistema panóptico, e que nos interessa
especialmente, é a “leveza” que se lhe atribui. Nessa perspectiva, observa
Michel Foucault:
O personagem prossegue em sua fuga aflitiva até que termina por sair do
hotel através da entrada pela qual inicialmente ingressara (figura 4). E nesse
passo Ott muda repentinamente o enquadramento da cena e o que vemos é uma
espécie de caixinha que se encontra depositada no chão, vista a partir de uma
perspectiva aérea, por assim dizer. O hotel era, em fim de contas, uma caixinha.
Mas efetivamente do que se trata?
Após a luta, o campeão retorna para casa, onde é recebido com carinho
pela mulher e pela filhinha. Esse clima de felicidade familiar é rapidamente
alterado, entretanto, com a chegada à janela de um corvo que traz um bilhete:
El Macho é desafiado a lutar na madrugada com La Muerte... Sua esposa fica
preocupadíssima, mas na hora sugerida para o confronto o campeão parte para
o local da luta. Chegando ao ringue no estádio Coliseo, àquela hora
completamente vazio, ele encontra de fato a Morte, representada de maneira
bastante tradicional: um esqueleto sob um manto com capuz. Inicia-se a luta.
Enquanto Macho luta pela vida, Ott insere outra sequência de ilustrações
que mostram o que está acontecendo na casa do campeão naquele mesmo
momento (figura 7). Sua filhinha desembrulha o papel do bilhete da Morte que
chegara com o corvo, e que havia sido deixado amassado sobre a mesa pelo
pai. Dentro do papel há um escorpião...
Aqui vemos a criança de mão dada com a Morte, que a levou para outro
plano. A mensagem é cristalina: ninguém vence a Morte. Pode-se tentar adiar
sua chegada (como no famoso filme O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman,
de1957, em que um cruzado do Medievo joga xadrez com a Morte para ganhar
mais tempo de vida...), mas quem sempre há de dar o xeque-mate, literalmente,
é a Morte, como descobre o campeão El Macho.
descrita: “ele exemplifica uma autoridade ilimitada que idolatra o poder como tal
e que, para satisfazer sua avidez pela dominação, viola cruelmente todos os
direitos e valores humanos” (Kracauer, 1988, p. 82). Nessa perspectiva, Caligari
é uma premonição de um líder histórico, que será um grande hipnotizador das
massas, e que levará o caos e a destruição ao mundo:
Considerações finais
Essas observações de Felinto sobre o maravilhamento, o fascínio e, também, certa
desconfiança e temor diante das recentes imagens cinematográficas que viriam
posteriormente a se disseminar de forma muito rápida pelo mundo todo nos parecem
muito pertinentes para avançar uma possível interpretação acerca das ilustrações
finais de Cinema Panopticum. Com uma última moeda em mãos a menina prepara-
se para assistir a seu último filme na cabine do cinetoscópio (figura 9).
Referências
FELINTO, Erik. O estranho caso do Doutor Mabuse e o fantasma de
Münsterberg: o cinema como experiência psíquica entre a ortopedia e a
patologia. In: MÜLLER, Adalberto; SCAMPARINI, Julia (Org.). Muito além da
adaptação: literatura, cinema e outras artes. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.
O SÉTIMO SELO. Direção: Ingmar Bergman. 1957. 96m, p&b. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=E5XDZrLBorQ. Acesso em: 28 out. 2023.