Νεκρομαντεῖον- Máthesis Megisthe na "Sabedoria dos Princípios" de Mário Ferreira dos Santos (capítulos I a VI)
Νεκρομαντεῖον- Máthesis Megisthe na "Sabedoria dos Princípios" de Mário Ferreira dos Santos (capítulos I a VI)
Νεκρομαντεῖον- Máthesis Megisthe na "Sabedoria dos Princípios" de Mário Ferreira dos Santos (capítulos I a VI)
Logo no início de Sabedoria dos Princípios, o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos
afirma que a Máthesis Megiste é a instrução suprema pitagórica, uma linguagem que
seria o ápice de toda a linguagem humana, dada a sua absoluta universalidade.
Enquanto as demais linguagens têm seus domínios e limites próprios, a Máthesis
ultrapassaria os âmbitos de todas as outras, a linguagem pragmática da vida cotidiana, o
simbolismo da linguagem religiosa e a nitidez dos conceitos científicos. A linguagem da
Máthesis seria o ápice das linguagens, com conceitos tão puros que seriam aplicáveis a
todos os setores do conhecimento.
Ao estudar as obras dos grandes filósofos, diz Mário, é possível perceber que eles
descobriram parcialmente algo da matéria própria da Máthesis, a descoberta de um
conjunto de adágios fundamentais cuja verdade seria percebida por suas próprias notas,
não necessitando de nenhuma demonstração anterior e dos quais seria possível,
houvesse um método de extração de tudo o que neles está contido, inferir todas as
verdades concernentes a seu campo. Obviamente, quanto mais gerais em sua validade
forem esses princípios, mais fundamentais eles serão e maior será sua aplicabilidade.
O objeto da Máthesis é o princípio (arché, αρχέ), e o princípio último é Deus, que será
estudado mateticamente não enquanto Deus, mas enquanto princípio. Isto é, o discurso
da Máthesis não será religioso e compreenderá Deus somente na medida em que é
princípio de todas as coisas. A linguagem da Máthesis pretende ser perfeita,
compreendendo toda a realidade, o virtual e o possível, inclusive aquilo que é impossível.
Por conseguinte, para que ela seja rigorosa, as demonstrações matéticas devem ser
apodíticas, ou seja, devem exibir o caráter de absoluta necessidade.
Mário Ferreira afirma ser necessário aclarar alguns conceitos, e inicia a elucidação com o
conceito grego de Logos. Há múltiplos significados para esse conceito, mas o filósofo
preferirá os três fundamentais: princípio, razão e lei. O que é o logos de um conceito, por
exemplo, como anterioridade? Considerado meramente em seu caráter eidético-formal,
independente de todas as suas aplicações concretas, a anterioridade é um conceito
binário, isto é, implica o conceito de posterioridade. Não é possível afirmar uma
anterioridade sem simultaneamente afirmar uma posterioridade.
Tudo o que é anterior, em qualquer sentido possível, só é anterior porque há algo que
seu posterior e vice-versa. O logos de um conceito inclui toda a série de conceitos e
juízos que dele possam ser inferidos logicamente. É do logos da anterioridade que ela
implique a posterioridade, pois ambos são correlativos. Esse logos é inegável, pois
mesmo o cético terá de admitir que a correlação entre anterioridade e posterioridade é
necessária, dado que é da essência mesma do que é a anterioridade ter uma
posterioridade.
Mário repete aqui a fórmula de Aristóteles segundo a qual há aquilo que é primeiro em si
mesmo e aquilo que é primeiro para nós. Nosso conhecimento se dá no tempo, mas as
estruturas formais que compreendemos não são elas mesmas temporais. As leis
matéticas não se tornam válidas porque as pensamos e nem a partir do momento em que
as pensamos, embora para nós elas não se tornem evidentes a não ser no tempo. Em
resumo, não se deve confundir a ordem do Ser com a ordem do conhecer.
O filósofo fornece outro exemplo para ilustrar sua tese. Quando percebemos que nós
existimos, podemos afirmar "alguma coisa há". A afirmação de que alguma coisa há é
:
verdadeira psicologicamente (nós a formulamos mentalmente) ontologicamente,
ônticamente e, acima de tudo, mateticamente, já que permanece válida independente do
tempo e de todo ser que pudesse formulá-la. "Alguma coisa há" é completamente
independente de qualquer ser pensante, assim como o logos da anterioridade e da
posterioridade. O homem pode alcançar essas verdades por meio de seu aparato
psicológico-cognitivo, mas a validade dessas verdades não depende do homem e nem
de qualquer ser que alguma vez as tenha pensado.
Aqui talvez o leitor seja levado a pensar que haja uma contradição entre o que foi dito
anteriormente sobre as leis matéticas serem "pensamentos de Deus" e a afirmação de
que a validade dessas mesmas leis independem de qualquer ser que as pense. A
dificuldade pode ser dirimida, creio, pelo fato de que Mário Ferreira se refere nesse último
caso ao caráter temporal e adventício do conhecimento humano ou de qualquer ser finito
pensante. O objetivo do filósofo é enfatizar a diferença entre o modo como o
conhecimento humano alcança essas verdades e a validade objetiva daquilo que ele
alcança.
Tudo o que há tem seu princípio em si ou em outro. O princípio é aquilo a partir do que
uma coisa principia, seja em si mesma ou em outro. O princípio é o fundamento da coisa.
Mas não é necessariamente a causa da coisa, pois se toda causa é um princípio, nem
todo princípio é uma causa. Aquilo que causa algo infunde o ser naquilo que causa. Isto
é, a causa traz o causado à existência. Nesse sentido, a causa é o princípio do causado,
pois é seu fundamento.
Todavia, nem todo princípio é causa, como é o caso do ponto, que é princípio da linha
sem ser a sua causa. O ponto não traz a linha à existência, mas é somente aquilo a partir
de onde a linha inicia. A causa, então, pode ser entendida como o princípio que traz
ativamente o causado à existência. As leis matéticas, objetos de estudo da Máthesis,
referem-se precipuamente aos primeiros princípios de todas as coisas, quaisquer que
elas sejam, e onde e quando se dê qualquer ciclo de realidade.
Mário Ferreira utiliza termo não como sinal de uma definição efetiva, de um limite dado e
estabelecido, tal qual o sentido usual do conceito (término, limite, fim). Termo assume a
conotação de um conceito disposicional, isto é, uma capacidade de realizar ou de
receber algo. No caso, termo indica tudo quanto é capaz de receber alguma definitização,
alguma determinabilidade. Tudo acerca do que pudermos assinalar alguma marca ou
sinal será um termo.
O objetivo do filósofo, cremos, é formular um conceito que seja amplo o suficiente para
abranger não somente o Ser, objeto próprio da Metafísica, mas também o Não-Ser, não
compreendido pela mesma Metafísica. A importância do conceito de termo para o projeto
filosófico de Mário Ferreira é capital, pois a sua abrangência determinará a possibilidade
de expressar as leis matéticas na sua máxima universalidade.
Isso fica claro quando o filósofo afirma que o Nada é um termo, na medida em que é uma
definitização da ausência total de positividade. O Nada, assim, teria uma marca
definidora, o que o tornaria um termo no sentido matético. Obviamente, o Ser também
seria um termo, só que de definitização de positividade plena, de efetividade. Desse
modo, termo seria mais geral do que Ser, e, por isso mesmo, abrangeria os objetos da
Metafísica e os ultrapassaria, pois a sua universalidade alcançaria mesmo o conceito de
Nada.
Termo seria um conceito mais adequado do que coisa, dado que coisa geralmente indica
alguma positividade efetiva, e seria impreciso considerar, por exemplo, o Nada como uma
coisa no seu sentido usual. O conceito de termo é o resultado do esforço filosófico de
conceber uma noção que expressasse não somente a positividade de algo, como o
conceito de Ser, mas também assinalasse qualquer marca distintiva que permitisse
alguma definitização, por menor e mais elusiva que fosse, mesmo em algo que implica a
negação de toda a positividade (como o conceito de Nada).
O conceito de termo está intimamente ligado à noção de logos, assevera Mário Ferreira.
Como dito acima, logos terá o sentido de princípio, lei e razão. Todo termo terá seu logos,
pois se algo é capaz de definitização, terá uma expressão lógica, uma lei e uma razão.
:
Por conseguinte, aquilo que não é capaz de definitização não possui um logos, sendo
incognoscível por ser destituído da possibilidade de expressão de sua lei.
Há três outros termos que serão utilizados na Máthesis: presença, ausência e adsência.
A presença é a positivação de algo, é algo que se põe ante alguma coisa. A ausência,
obviamente, é seu antônimo, a falta de positividade. A adsência é mais que uma
presença, e não implica nenhuma dualidade como presença implica aquilo que se põe
ante outro. Aquilo que é adsente não tem princípio em outro, é imprincipiado, põe a si
mesmo e tem seu fundamento em si mesmo. Este seria o princípio de todas as coisas,
isto é, Deus. Ausência é não-ser, e presença e adsência são Ser.
Matéticamente, diz Mário Ferreira dos Santos, o conceito de Ser é: "tudo quanto tem
presença, adsência, e é positivo, e perdura nessa positividade, é ser." É interessante
notar que o filósofo explicitamente não inclui em sua definição de Ser a potencialidade de
existir. Conceitualmente, existir é se dar fora de suas causas, ou seja, possui existência
propriamente aquilo que se efetiva e que perdura na realidade fora e independentemente
daquilo que o causou. Ser seria tudo aquilo que tem potencialidade de existir, tudo o que
pode existir.
O ponto aqui é sutil e merece um comentário mais detido. Mário Ferreira conceitua o Ser
como tudo aquilo que seja positivo, seja presente ou adsente. Mas o que acontece com
as potencialidades? Tradicionalmente, a filosofia percebeu que aquilo que existe neste
mundo foi em algum momento potencial. Retornando a Aristóteles, a potência (δύναµις) é
aquilo que ainda não se efetivou, e o ato (ἐνέργεια) é aquilo que é efetivo, aquilo que está
em exercício de sua natureza*. Não é difícil entender que as coisas que efetivamente
existem pertencem ao Ser, pois tudo o que é efetivo tem ser, é algo.
Porém, aquilo que é potencial não existe ainda, mas, em certo sentido, não é um simples
nada. A capacidade de cantar é uma potencialidade de todo ser humano. É uma
realidade inegável, dado que muitos seres humanos cantam. Se algo existe efetivamente,
então tinha potencialidade. Mas quando era somente uma potencialidade inscrita na
natureza humana, a capacidade de cantar era ser ou não-ser? Dificilmente alguém diria
que era um simples não-ser, já que isso implicaria que algo se efetiva vindo do nada.
Então, tradicionalmente a filosofia incluiu a potencialidade ou a possibilidade no âmbito
do Ser. Não é o ser efetivo, em exercício, todavia não é não-ser, um nada.
Ora, por essa razão, houve quem defendesse que Ser é tudo aquilo que pode existir, que
pode se efetivar na realidade. Por conseguinte, aquilo que não pode existir não é Ser, é
impossível, como é o caso daquilo que é autocontraditório (um triângulo quadrado, por
exemplo). Mário Ferreira, entretanto, prefere conceituar o Ser como tudo aquilo que é
positivo, que se dá, presente ou adsente, excluindo as potencialidades. A razão para
essa escolha é sutil e filosoficamente interessante.
Obviamente, o filósofo brasileiro não concebe que as possibilidades sejam simples não-
ser. Ocorre que ele quer preservar a realidade das possibilidades não efetivadas. Se se
concebe o Ser como tudo aquilo que pode existir, então aquilo que já não pode existir
:
não estará no Ser. O exemplo é dado pelo próprio Mário Farreira: digamos que Pedro
pode estar de pé ou sentando daqui a uma hora. Ambas as situações são possíveis, mas
só uma vai se realizar. Se daqui a uma hora Pedro estiver de pé, então a possibilidade de
estar sentado foi definitivamente excluída da realidade efetiva. Pedro só pode estar daqui
a uma hora efetivamente sentado ou de pé, não as duas coisas simultaneamente.
Note-se uma questão importante. Enquanto possibilidades, Pedro pode estar sentado ou
de pé daqui a uma hora. Possibilidades contraditórias não são impossíveis enquanto são
meras possibilidades. O que é impossível é que Pedro esteja ao mesmo tempo sentado e
de pé naquele momento fixado daqui a uma hora. Estando de pé, Pedro não pode estar
sentado. Estar sentado foi excluído das possibilidades de Pedro naquele momento. Isso
significa que Pedro estar sentado naquele momento em que Pedro está de pé não é mais
algo possível de existir. Ele pode, é claro, estar sentado nas horas seguintes, mas não no
momento em que está de pé.
O fato de que Pedro escolheu naquele momento estar de pé e não sentado excluiu para
sempre a possibilidade que ele tinha de estar sentado naquele momento. Aquela
possibilidade de estar sentado naquele momento específico não se realizou e jamais vai
se realizar. Sendo assim, dado que a definição de Ser tradicional é poder existir, aquilo
que não pode mais existir é não-ser, um nada? A possibilidade que não se efetivou na
realidade é um nada? Mário Ferreira acredita que não.
A fim de dar conta desse aspecto da realidade, o filósofo brasileiro cunhou o termo
epimetéico. Epimeteu e Prometeu são dois personagens da mitologia grega que são
interpretados simbolicamente por Mário Ferreira para significar duas dimensões das
possibilidades. Epimeteu, segundo o que conta o mito, deu a todos os animais seus
meios de sobrevivência e defesas naturais, mas quando chegou ao homem não tinha
mais o que dar. Ele simboliza o fim das possibilidades. Prometeu, por seu turno, roubou o
fogo dos deuses para dá-lo aos homens, concedendo a eles a inteligência que propiciou
a sua sobrevivência. Simboliza, então, as possibilidades atualizáveis.
As possibilidades não realizadas não se tornam mero nada, mas figuram nesse aspecto
epimetéico da realidade, enquanto as possibilidades ainda atualizáveis figuram como o
aspecto prometeico dessa mesma realidade que Mário Ferreira designa como khaos,
repositório de todas as possibilidades e abismo de indefinição. É mister distinguir o khaos
do Nada absoluto. O Nada é a negação completa de qualquer positividade, de todo e
qualquer ser. O khaos é o conjunto indefinido de todas as possibilidades definitizáveis,
atualizáveis, que serão ou não atualizadas em algum momento.
Há, de um lado, o khosmos, o conjunto das coisas que se determinam, que se efetivam
na realidade, e, de outro, o khaos o conjunto de possibilidades determináveis, capazes
de se efetivar (o prometeico), e das possibilidades já não efetiváveis (o epimetéico). O
khosmos é a ordem já dada e efetivada, o khaos é o caldo de indeterminação onde todas
as possibilidades contraditórias estão contidas como meras possibilidades. O princípio de
não-contradição só se aplica àquilo que já é algo (e que, portanto, não pode ser a sua
negação simultaneamente e no mesmo sentido), mas não se aplica àquilo que é ainda
:
potencial, possibilidades que não se contradizem justamente por ainda serem
possibilidades.
...
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