Vilão Ou Mocinho

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VILÃO OU MOCINHO: as representações midiáticas

na educação infantil

VILLAIN OR GOOD GUY: the media representations


in early childhood education
Bruna Thailine Borges da Silva1
Delci Knebelkamp Arnold2

RESUMO: O presente artigo visa compreender por que as mídias estão contribuindo para que as crianças
representem comportamentos baseados em realidades, visto que a infância é uma fase em que a criança está apren-
dendo a construir significados a partir de suas vivências e experiências. Pretende-se analisar o motivo por que as
crianças internalizam determinados acontecimentos presentes em filmes de ação, desenhos animados, programas
televisivos, compreendendo o meio em que elas se relacionam. Também se deseja compreender e relacionar com-
portamentos midiáticos associados ao que a criança também vivencia em seu cotidiano.
Palavras-chave: Infâncias. Mídias. Representações. Comportamento.

ABSTRACT: This article aims to understand why media are contributing to children representing behaviors
based on realities, since childhood is a phase in which the child is learning to construct meanings based on their
experiences. It is intended to analyze why children internalize certain events present in action films, cartoons, television
programs, understanding the medium in which it relates. We also wish to understand and relate media behaviors
associated with what the child also experiences in everyday life.
Keywords: Childhood. Media. Representations. Behavior.

1 O QUE SÃO MÍDIAS? municação é o componente mais superficial, no


sentido de ser aquele que primeiro aparece no pro-
As mídias nada mais são do que um aglomerado cesso comunicativo. Não obstante sua relevância
de meios de comunicação social, tais como emissoras para o estudo desse processo, veículos são meros
de rádio e televisão, jornais, revistas e internet. Sua fun- canais, tecnologias que estariam esvaziadas de sen-
ção é transmitir fatos, conhecimentos, descobertas e tido não fossem as mensagens que nelas se confi-
guram.
acontecimentos à população, assim como trazer meios
de entretenimento aos seletos grupos sociais. Conforme Como o ser humano é naturalmente social e co-
Lúcia Santaella (2003, p. 25): municativo, inventaram-se as mídias na era tecnológica
para dar suporte ao ato de comunicar. Assim, de certa
Ora, mídias são meios, e meios, como o próprio
nome diz, são simplesmente meios, isto é, supor- forma, pode-se dizer que mídias sempre estiveram pre-
tes materiais, canais físicos, nos quais as lingua- sentes em todas as épocas, por mais que não sejam as
gens se corporificam e através dos quais transitam. mesmas que nos rodeiam atualmente. Isso se deve ao
Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia de co- fato de que, como diz Santaella (2003, p. 25), elas preci-

1
Possui graduação em Pedagogia pelo Instituto de Educação Ivoti. Pós-graduanda em Psicomotricidade e Educação Infantil pela
Faculdade São Luis. Atualmente é professora de Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Campo Bom.
2
Possui graduação em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1985) e mestrado em Educação pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2006). Atualmente é professora do Instituto Superior de Educação Ivoti. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Currículo e Cultura, atuando principalmente nos seguintes temas: currículo, dificuldade de apren-
dizagem, avaliação, inclusão.

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sam da mensagem para se configurar como meio de co- 2 CONCEITO DE MÍDIA E SUAS INFLUÊNCIAS
municação senão “estariam esvaziadas de sentido”. Ou
Mídia é um termo originado do latim media, adap-
seja, um veículo de comunicação precisa ter conteúdo
tado da pronúncia inglesa que significa “meio”. Essa
comunicativo para não ser apenas um mero instrumen-
palavra é usada para fazer relação aos meios de comu-
to tecnológico.
nicação da sociedade, englobando todos os tipos de re-
Olhando para o tempo das cavernas, milhões de
cursos citados anteriormente. É um conceito estudado,
anos atrás, o homem fazia inscrições nas paredes das
pesquisado e desenvolvido nas universidades e faculda-
cavernas e nas pedras ao ar livre para expressar e divul-
des, e seu princípio e dever são manter a população in-
gar suas atividades e costumes aos demais integrantes
formada, repassando assim as notícias da forma mais
do bando. Os desenhos nas paredes também eram um
fiel possível.
meio para que os membros do bando pudessem lembrar
Esse meio exerce uma forte influência sobre as
os acontecimentos e sua própria história.
pessoas em todas as localidades e, em muitos casos, pos-
Por sentir a necessidade de comunicação com as
sibilita um meio educacional para com a população, que
demais pessoas, o meio de comunicar acabou se desen-
transforma e constrói, na maior parte das situações, a
volvendo desenfreadamente ao passar dos anos. Assim,
forma de pensar das pessoas. Em especial a influência
criaram-se os jornais, os programas de rádio e televisão,
recai sobre as crianças e os adolescentes. Dessa forma
com o intuito de dar conta da necessidade de passar in-
Moran (2008, p. 1) aborda que
formações às demais pessoas.
Surge então o primeiro meio midiático, qual seja, os meios de comunicação audiovisuais desempe-
nham, indiretamente, um papel educacional rele-
o jornal, criado e desenvolvido para informar sobre os
vante. Passam-nos continuamente informações
acontecimentos que envolvem a vida do ser humano. O interpretadas; mostram-nos modelos de compor-
jornal é o meio de comunicação mais antigo criado pelo tamento; ensinam-nos linguagens coloquiais e mul-
homem. O primeiro exemplar de que se tem notícia foi timídia e privilegiam alguns valores em detrimen-
elaborado pelo imperador Júlio César em 59 a.C. to de outros.
No Brasil, o primeiro jornal a ser desenvolvido Esse domínio que as mídias exercem inspira e dita
foi o da corte portuguesa quando de sua estadia no país. modelos padronizados. Na maioria dos casos, abordam-
Ele servia para divulgar assuntos relacionados à corte se as realidades presentes na sociedade, de comporta-
portuguesa. mento e costumes locais, regionais e mundiais. Por isso
Depois do jornal, veio o rádio como um instru- Moreira (2003, p. 1.208) afirma que
mento de difusão de informações sonoras de diversas
a cultura “passa” ou “acontece” cada vez mais na
frequências, formado por locução e por músicas. Mes-
e por meio da mídia. Isso implica: a) que as mani-
mo com toda a tecnologia existente atualmente, esse festações culturais mais diversas só são reconheci-
meio de comunicação chega a lugares onde a televisão das como tais pela sociedade depois de serem
não alcança. Por isso ele não deixa de existir. “mostradas” ou incorporadas pela mídia; b) que
A primeira transmissão de rádio, de caráter expe- as próprias criações, os personagens e produtos da
mídia se tornam bens culturais de alcance social.
rimental, foi realizada em 1922 pela Rádio Sociedade
Ambos os níveis interagem, de forma que a mídia
do Rio de Janeiro. A transmissão tratava de um discur- se torna ao mesmo tempo acontecimento, produ-
so do presidente da República em vigência sobre as co- ção e divulgação cultural.
memorações do centenário da independência do Brasil.
Pelo fato da mídia trazer muitas das realidades
Atualmente, as transmissões de rádio dividem-se em
presentes na sociedade e de certa forma não conseguir
duas frequências: a AM (Amplitude Modulada) de ca-
apropriar-se adequadamente e adaptar essas realidades,
ráter técnico e a FM (Frequência Modulada) basicamen-
as crianças acabam por achar aqueles acontecimentos
te de estilo.
interessantes e legais para trazer em suas brincadeiras.
Foi consequência das transmissões de rádio que
Conforme Ferrés (1998, p. 84), a sedução dos recursos
se passou a pensar em unir som e imagem, fala e movi-
midiáticos é uma das formas mais eficazes de captar a
mento, fato que levou ao surgimento do meio de comu-
atenção do telespectador, abrangendo as crianças e até
nicação mais popular da atualidade, qual seja: a televi-
mesmo os adultos. Para que essa sedução ocorra, os de-
são.
senhos, filmes e novelas devem adquirir movimento, pois
um objeto em estática não atrai tanta atenção quanto
um objeto em movimento.

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É inegável que a televisão nos conquista. Imagi- Palfrey e Urs Gasser (2011) com seu livro intitulado
nemos as crianças que, por verem algo animado na tele- “Nascidos na era digital: entendendo a primeira gera-
visão, se colocam na frente dessa. Não por obrigação, ção de nativos digitais”. São esses opostos que encon-
mas por aquela animação que atiça a curiosidade, que tramos atualmente na sociedade e é sobre esses tipos de
dá vontade de olhar mais um pouquinho. Que atire a infância que escrevo a seguir.
primeira pedra quem nunca ficou horas a fio em frente à
televisão por gostar muito de um seriado, desenho ani- 3.1 O CYBER-INFANTE
mado, novela e sentir a necessidade de saber: o que virá
As representações midiáticas estão fortemente
depois? É por isso que Ferrés (1998, p. 13) diz que
associadas ao tipo de infância que encontramos na
a televisão é o fenômeno social e cultural mais atualidade. Destaco neste subcapítulo a produção do cy-
impressionante da história da humanidade. É o ber-infante.
maior instrumento de socialização que jamais exis-
Esse tipo de infância caracteriza-se por ser glo-
tiu. Nenhum outro meio de comunicação na his-
tória havia ocupado tantas horas da vida cotidia- balizado e contemporâneo, afetado pelas novas tecno-
na dos cidadãos, e nenhum havia demonstrado um logias e produtor de uma infância perigosa. Segundo
poder de fascinação e de penetração tão grande. Dornelles (2005, p. 78), essa infância nos escapa, e ne-
Desse modo, percebe-se que as mídias estereoti- nhum conhecimento é suficiente para controlá-la e me-
pam desenhos e novelas, trazendo personagens construí- lhor governá-la.
dos e planejados para que possam ser aceitos pelas crian- A existência desse tipo de infância traz grandes
ças, e essas, por sentirem grande afeição, identificam-se preocupações, pois há medo com a perda do controle
com a personalidade da personagem. Assim se dá o fio da situação considerada correta e tranquila. A criança
condutor que desencadeia muitas representações de com- dessa infância está desde pequena em contato com as
portamentos midiáticos presentes já nas escolas de edu- novas tecnologias e, à medida que se desenvolve, acaba
cação infantil. por ser influenciada por elas. O quarto de um cyber-in-
fante é composto das mais modernas tecnologias, ou
3 INFÂNCIA MIDIATIZADA seja, praticamente passa a ser um quarto multimídia.
Conforme Dornelles (2005, p. 79), “na atualidade, no-
A infância midiatizada é aquela infância regida vos espaços infantis se apresentam ou são reconfigura-
especialmente pelas mídias. Essa é levada a um cons- dos para que as crianças vivam o seu dia a dia. Outros,
tante jogo de inclusão e exclusão, no qual se constroem como seus quartos, se mostram diferentes dos antigos
valores e ditam-se padrões para que sejam seguidos pela quartos, que apenas buscavam impedir a criança do aces-
criança. Se ela não se enquadrar no que está sendo feito, so à sexualidade paterna”.
automaticamente é excluída pela parcela da sociedade Esse quarto, que antes da cybercultura tinha ob-
com a qual tem contato para ser dominada pela mídia. jetivo e função de educar para a individualidade e tam-
Percebe-se que esse jogo de inclusão e exclusão, bém de impedir o acesso da criança ao quarto dos pais e
expande-se em proporções gigantescas, causando am- demais familiares, agora é um local de divertimento,
plos danos, e com isso chega-se à conclusão de que as aberta ao acesso das mídias. Desse modo, ela aprende a
consequências podem tornar-se inevitáveis senão irre- aderir à novas tecnologias à medida que vai crescendo e
versíveis. se desenvolvendo como pessoa integrante da sociedade.
Nesses termos encontra-se a cyber-infância, tam- Além de seu quarto, novos espaços públicos estão
bém destacada no livro “Infâncias que nos escapam: da sendo desenvolvidos e projetados para que essa criança
criança na rua à criança cyber”, da autora e pedagoga se sinta acomodada. Por exemplo, os shoppings têm uma
Leni Vieira Dornelles (2005). Ela faz uma reflexão da área de brinquedos e diversão, sendo uma grande parce-
criança na rua à criança cyber, destacando característi- la desses brinquedos jogos de Playstation, Xbox, entre
cas sobre essa infância que, de uma forma ou outra, lite- outros. Destaca-se nesses a presença de jogos de luta
ral e realmente nos escapam. e competição. Percebe-se assim que, por onde a cyber
Por outro viés encontramos os nativos digitais, criança vá e transita, sempre encontrará relações ou co-
que, conforme Marc Prensky (2001) no artigo intitula- nexões com seu quarto.
do “Nativos digitais, Imigrantes digitais”, já estão habi- Cabe salientar que muitas crianças que vivem suas
tuados com as mais diversas tecnologias desde que nas- infâncias hoje fazem parte de um mundo em que explo-
ceram. Na caracterização dos nativos digitais, trago John dem informações (DORNELLES, 2005, p. 72). Essas

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informações são como uma flecha atirada sem destino, Desse modo, “os nativos digitais estão acostuma-
alcançando o mundo da criança. Entende-se que essas dos a receber informações muito rapidamente. Eles gos-
informações não são devidamente filtradas, passando tam de processar mais de uma coisa por vez e realizar
assim despercebidas ou não nesses lares. múltiplas tarefas” (PRENSKY, 2001, p. 2).
O cyber-infante, ao sentar para assistir televisão, John Palfrey e Urs Gasser (2011) são professores
seriado ou desenho animado, seja por meios tradicio- atuantes nas universidades de Harvard e St. Gallen, res-
nais ou até mesmo pelo computador, tablet ou telefone, pectivamente. Escreveram o livro intitulado “Nascidos
faz essa escolha de um modo consciente. Assim, na era digital: entendendo a primeira geração de nativos
a imaginação infantil não se porta como as célu- digitais”. É a partir desse livro que explico mais deta-
las do corpo, com respostas somáticas e previsí- lhadamente o comportamento dos nativos digitais.
veis. Jogar um jogo ou optar por um programa de Eles defendem que a era dos nativos digitais está
TV é uma escolha consciente, uma ação indivi- mudando constantemente, de modo especial nas ques-
dual. Faz parte de um intercâmbio complexo en- tões sobre as interações realizadas pela internet. Desse
tre o que a criança precisa e o que o entretenimen-
modo, esses indivíduos têm que aprender a administrar e
to oferece (JONES, 2004, p. 40).
construir a sua própria identidade conforme os modelos
É por essas características acima mencionadas que impostos pelo mundo digital. Os autores ressaltam que
diferenciamos o cyber-infante do nativo digital.
quando os Nativos Digitais entram na adolescên-
cia, um número crescente deles está criando perfis
3.2 O NATIVO DIGITAL on-line como um marco de suas identidades. Para
alguns, a primeira presença na web é seu blog, uma
O nativo digital é a criança que desde o momen-
webpage muito simples com uma mistura de texto
to de seu nascimento já convive com as mais variadas e fotos. Muitos jovens incluem fotos suas, talvez
tecnologias. Diferentemente do cyber-infante, esse não tiradas com a câmera do celular, e se um usuário
é mais aquele com quem estamos acostumados e não é clica na foto de capa do blog, é apresentado seu
mais o mesmo de antes. perfil. Um perfil-padrão lista seu primeiro nome,
O adolescente de hoje é a primeira geração de seus interesses [...], e o vincula ao MySpace e às
páginas do Photobucket, onde podem ser encon-
nativos digitais que cresceram juntamente com as novas
tradas mais informações sobre ele (PALFREY;
tecnologias. Por crescerem com elas, não conseguem vi- GASSER, 2011, p. 36-37).
ver sem, ou seja, são integrantes em suas vidas. Esse
adolescente processa as informações bem diferentemente O nativo digital adolescente, por estar completa-
das gerações anteriores. mente conectado às plataformas digitais, acaba por es-
Conforme Marc Prensky (2001, p. 1), especialista tar com suas informações pessoais e sociais expostas em
em tecnologias da educação, em seu artigo intitulado “Na- demasia, fazendo com que qualquer pessoa consiga in-
tivos Digitais, Imigrantes Digitais”, os nativos digitais formações precisas sobre sua vida e também pode ser
alvo de hackers e de grandes empresas despretensiosas.
representam as primeiras gerações que cresceram Os autores afirmam que
com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida
inteira cercados e usando computadores, videoga- uma das grandes diferenças entre o que os Nati-
mes, tocadores de música digitais, câmeras de ví- vos Digitais estão fazendo na criação e experimen-
deo, telefones celulares e todos os outros brinque- tação de suas identidades e na interação com seus
dos e ferramentas da era digital. pares on-line e o que seus pais faziam quando ado-
lescentes falando no telefone ou se encontrando
Cabe salientar que essa criança e esse adolescen- no shopping center local é que as informações que
te agem diferentemente do cyber-infante, pois já estão os jovens estão colocando nos formatos digitais são
acostumadas com as tecnologias ao seu redor. A crian- facilmente acessadas por qualquer um, incluindo
ça nativa digital domina a linguagem digital dos mais pessoas que eles não conhecem. Versões dessas
identidades e interações provavelmente vão estar
diversos meios tecnológicos, estando devidamente alfa-
por aí durante um longo tempo. Não é segredo
betizada ou não. que o meio digital é caracterizado por um alto grau
Em muitas situações, as crianças aprendem a de acessibilidade e persistência (PALFREY; GAS-
mexer com as novas tecnologias com base no exemplo SER, 2011, p. 39-40).
dos pais ou de alguém próximo. Não é um critério saber
Como a internet é um meio midiático que cons-
ler os códigos, mas sim entender os símbolos presentes
tantemente se atualiza, os nativos digitais também aca-
nesse contexto.
bam se modificando de tempos em tempos. Tendências

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de moda, comportamento e atitudes são cada vez mais Muitas vezes acontece algo similar com o espec-
encontradas nos sites e blogs, visto que os jovens estão tador adulto. Quando um espectador se identifica
com um personagem que encarna uma ideologia
cada vez mais conectados. Assim, a cada nova amplia-
ou uma ética que não são suas, é porque a energia
ção e abrangência de tendências, essas que surgiram a emocional pesa mais do que sua energia racional.
partir da era industrial, as noções de identidade modifi- É o fascínio emotivo que leva a aderir ao herói e a
cam-se e nos preocupam. tudo o que representa.
Assim como a identidade digital de um Nativo Esses tipos de narrativa fazem com que a criança
Digital é ao mesmo tempo rica, interessante e fá- acabe se identificando com algo que assiste diante da
cil de criar, é também frágil e vulnerável à mani- televisão, tais como propagandas, desenhos animados,
pulação e à falsificação. No processo de passar
tanto tempo nesse ambiente de conexão digital, os
entre outros. Para David Buckingham (2007, p. 38), ao
Nativos Digitais estão deixando mais de si – mais simplificar o acesso das crianças à informação, a TV abre-
das suas identidades emergentes – em espaços efe- lhes as portas a experiências antes reservadas aos adul-
tivamente públicos – “públicos digitais” ou “esfe- tos. Desse modo, a criança passa assim a assistir coisas
ra pública na rede” (PALFREY; GASSER, 2011, impróprias para a sua idade, tais como situações de vio-
p. 42).
lência verbal e física e intimidade sexual, sendo que ela
As mudanças relacionadas à identidade desses jo- ainda não consegue discernir entre o que é permitido
vens nos preocupam, pois cada vez mais se observam socialmente e assim considerado certo do errado.
atitudes fora de suas realidades. Muitos desses se espe- Percebendo isso, Gerard Jones (2004, p. 42) des-
lham em outras pessoas, assim moldando sua identida- taca que está claro que há uma verdade básica comum a
de cuidadosamente e podendo mudá-la no decorrer do esses experimentos: todo mundo sabe, por experiência
tempo para que se incorporem modos de agir e de ser, própria, que, se uma criança vê algo estimulante na TV,
para que essa seja e se sinta efetivamente percebida na a tendência é que imite o que viu em suas brincadeiras
sociedade midiática. imediatamente subsequentes.
Levando em consideração os tipos de infância Conforme o autor, a criança que não assiste a
apresentados e suas características, atenho-me aos cy- desenhos que relatam tipos de agressividade não conse-
ber-infantes. gue liberar a raiva contida. Partilho dessa ideia, pois esse
ato de trazer em suas brincadeiras algo visto diante da
4 AS REPRESENTAÇÕES televisão é muito mais do que apenas uma representa-
ção qualquer. Representar as realidades presentes na
As representações na infância são fortemente as-
sociedade é uma forma da criança se sentir bem consigo
sociadas aos meios midiáticos. As mídias, em especial a
mesma, de conseguir liberar e extravasar emoções que
televisiva, criam desenhos animados que chamam a aten-
muitas vezes guarda para si. Por isso a importância das
ção da criança, fazendo com que essa apresente com-
representações nas escolas de educação infantil. Elas
portamentos similares aos dos personagens do desenho.
trabalham as questões emocionais que muitas crianças
Muitos desses personagens apresentam um com-
não conseguem exteriorizar.
portamento adulterizado, provocando na criança a sen-
A sociedade esquece de perceber que representar
sação de que tudo o que acontece no desenho pode ser
algo é significativo e saudável. É uma parte importante,
efetuado na vida real, sem consequência alguma. As-
uma vivência que deveria ser explorada mais amplamen-
sim, ela não compreende o sentido do desenho e acaba
te nos ambientes em que a criança passa.
representando esses momentos e acontecimentos na es-
Criança feliz e plena é aquela que consegue libe-
cola. Brincadeiras de luta, em que um é o mocinho e
rar todas as emoções, outrora contidas, e explorar em
outro o vilão, são muito frequentes na educação infan-
suas brincadeiras. Ao representar, a criança está comba-
til, visto que a criança sente a necessidade de identifica-
tendo seus monstros interiores. A brincadeira represen-
ção com um personagem de desenho. Sendo assim, o
tada não deve ser considerada algo agressivo, mas sim
comportamento das personagens do desenho assistido
uma forma de liberar tensões.
e em sua grande maioria de cunho agressivo é idolatra-
Desta forma, “crianças agressivas podem se sen-
do pela criança. Para Joan Ferrés (1998, p. 105),
tir mais atraídas a formas agressivas de entretenimento
a criança que escuta um conto ou vê um filme não exatamente porque precisam de uma alternativa convin-
se identifica com o herói bom porque é bom, mas
cente à sua atuação: precisam dar forma a seus próprios
porque é herói, porque encarna algumas necessi-
dades psíquicas das quais ela não é consciente. sentimentos agressivos” (JONES, 2004, p. 34).

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Esses sentimentos classificados como agressivos que esse movimento sempre será um desafio na atuali-
precisam ser de alguma forma liberados pela criança. dade.
No momento em que a criança assiste a um determina-
do tipo de desenho e assimila características suas ao 5 POR QUE AS CRIANÇAS REPRESENTAM
personagem, ela mesma desencadeia a vontade de ex- CONTEÚDOS MIDIÁTICOS NA ESCOLA?
plorar esse sentimento.
A criança da atualidade, se utilizarmos a teoria
Constata-se então que a criança que é, de certa
da esponja, absorve cada vez mais para si acontecimen-
forma, “podada” por familiares em casa acaba por re-
tos e conhecimentos do mundo adulto. Isso acontece
presentar muitos dos acontecimentos midiáticos na es-
devido ao fato de que elas cada vez mais assistem a con-
cola. Representa por perceber que em casa não há con-
teúdos de ação e de caráter sexual, muitas vezes sem a
senso sobre se pode ou não fazê-lo, uma vez que os pais
intenção dos pais, mas deliberados pelos meios midiáti-
entendem que o que viu na televisão não é bom para
cos. Ferrés (1998, p. 60) aponta que
ela. Pais desinformados não sabem que, ao negar essa
vivência, eles estão impedindo que ela consiga explorar na primeira metade deste século, a criança não ti-
nha outros modelos além dos provenientes da pró-
sua imaginação e combater os males que ela encontra
pria família ou do seu meio mais imediato. Atual-
ou encontrará em seu percurso de vida. mente, e graças sobretudo aos meios de massas
Atualmente, ao visitarmos uma loja de brinque- audiovisuais, a quantidade de modelos a observar
dos, tanto nos centros comerciais como nos shoppings, se incrementou extraordinariamente. E, além dis-
não encontramos mais aqueles que rodeavam a infância so, incrementaram-se possibilidades de apresentar
dos atuais adultos. Gerard Jones (2004, p. 47) afirma esses modelos com um grande poder de atração.
que Se pararmos para pensar, até o século XIX, a
a indústria de brinquedos, que recebeu tantas crí- criança só tinha referências dos modelos dos familia-
ticas antiviolência quanto a televisão, virou as cos- res e pessoas mais próximas. A representação que ocor-
tas radicalmente para qualquer coisa que sugeris- ria naquele tempo era visualmente com base no que es-
se morte ou equipamento militar. Revólveres, es- sas pessoas realizavam. Então não tinha muito o que
padas e até mesmo pistolas de raios desaparece-
representar, visto que as famílias não eram tão amplas.
ram das prateleiras de comerciantes de brinque-
dos de renome. Com o surgimento da televisão e dos recursos midiáti-
cos atuais podemos ver vários tipos de representações
Verifica-se também que muitas escolas entendem recorrentes do que a criança vivencia e assiste por qual-
que brincar com armas de brinquedo e até espadas é si- quer plataforma midiática.
nônimo de agressividade. Ouvem-se professores discu- Essa criança da atualidade não é mais aquela sim-
tirem sobre o entretenimento da criança com brinque- bolicamente inocente e pura do século XIX. Atualmen-
dos considerados violentos que fazem com que a crian- te, é percebida como detentora de um conhecimento que
ça desenvolva aspectos agressivos e futuramente possa ainda não compreende bem e já possui uma curiosidade
vir a ser um assaltante e trazer problemas para a socie- nata.
dade. Ainda se veem também opiniões de que tal esco- Se pensarmos sobre esses assuntos, certamente
lha pode deixar de encaminhar a criança para um futu- nos perguntaremos sobre o porquê da necessidade das
ro promissor. Ouve-se também o motivo de que a socie- crianças brincarem com personagens advindos dos pro-
dade está um caos e na desordem, porque as crianças gramas de televisão e assim representá-los na escola. A
têm livre acesso a conteúdos midiáticos e que a grande resposta é muito simples. As crianças assumem brinca-
culpada desses acontecimentos é a televisão. deiras midiáticas a partir do momento em que sentem a
Desconstruir essas questões é considerado por necessidade de ser aprovadas pelo grupo, ou seja, para
muitos como sendo uma afronta, pois é mais fácil acre- se sentir pertencentes a um lugar. Desse modo, [...] a
ditar na comodidade do que buscar as verdadeiras ra- televisão, que é o reino das experiências vicárias, desem-
zões através de conhecimento que justifiquem os acon- penha um papel decisivo na apresentação de modelos
tecimentos antissociais e de bem comum. Compreender que incidirão na escolha da direção do comportamento
essas representações é um grande desafio para a atuali- (FERRÉS, 1998, p. 55).
dade. Entender que as épocas mudam e que, por esse A partir dessa aceitação, a criança passa a brin-
motivo, algo pode mudar também faz com que se pode car coletivamente, e essa brincadeira funciona como um
aproximar da ideia de que as realidades se modificam e descarregar de emoções e felicidade pela aceitação do

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grupo. A representação das mídias pela criança é uma maneira, ferramentas que as ajudariam a lidar com
forma dela autoafirmar-se boa o bastante para todos. os mesmos problemas com os quais nos preocu-
pamos.
Os adultos, muitas vezes por não conhecerem as
novas tecnologias, brincadeiras e jogos, apresentam-se As famílias que percebem essas pequenas carac-
deficientes na compreensão desse mundo infantil e pas- terísticas na criança, sabendo que esses momentos fa-
sam a sentir e ver as tecnologias aliadas às mídias como zem parte do imaginário infantil e por esse motivo não
algo que está levando a educação da criança ao caos as “podam” no momento dessas brincadeiras, fazem
num mundo sem nexo e sem sentido. Nesse sentido, com que essa criança cresça saudável nos aspectos físi-
se prestarmos atenção, veremos que as fantasias
cos e emocionais.
delas expressam o que acham que precisam atin-
gir. Mas precisamos olhar além de nossas expec- 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
tativas e interpretações adultas e enxergá-las atra-
vés dos olhos de uma criança. Primeiro, precisa- Desenvolver um artigo que contemple uma rea-
mos começar a desembaraçar os medos e precon- lidade que as crianças estão acostumadas a presenciar
ceitos que nos impedem de fazê-lo (JONES, 2004, foi e é, sem dúvida, um grande desafio. Poder compre-
p. 23). ender o desenvolver das representações midiáticas atra-
Esses preconceitos e medos destacados na cita- vés das brincadeiras que a criança cria e recria em di-
ção acima se referem ao posicionamento da sociedade versos momentos do dia continua a me inquietar cada
referente à exposição midiática na infância. Muitas pes- vez mais.
soas não costumam observar que todas as situações têm Compreender o motivo pelo qual a criança repre-
dois lados da moeda, ou melhor, dois pontos de vista senta determinados conteúdos midiáticos que assiste na
que divergem de um mesmo ponto em comum. televisão em específico ainda é visto com maus olhos.
Posiciono-me a favor das representações de con- Asseguro desse modo que a criança necessita represen-
teúdos midiáticos na educação infantil porque não a vejo tar realidades em seu cotidiano, e isso faz parte, tanto
com olhares maldosos e cheios de crítica como alguns social como biologicamente, da natureza humana.
costumam fazer. Em cada representação desencadeada Foi possível constatar nessa pesquisa que as re-
pela criança pode ser observada toda uma construção presentações midiáticas não ocorrem de uma hora para
consciente de valores e sentidos que ela deseja obter por outra. Para que elas sejam internalizadas pela criança,
trás dessa brincadeira. há de se criar e desenvolver o costume por assistir deter-
Trouxe neste capítulo evidências de que as in- minado conteúdo midiático. A partir desse desenvolvi-
fluências midiáticas não devem ser consideradas o es- mento é que a criança sentirá o desejo de representar
topim das representações na educação infantil. Os mo- realidades advindas dos meios midiáticos. E elas por si
dos de brincar imaginados pela criança não devem e nem só nos trazem respostas acerca dos costumes e vivências
podem ser relacionados com comportamentos agressi- individuais de cada criança.
vos. Desenvolver uma brincadeira baseada em algo que A exposição demasiada requer tempo para ser
assistiu pela televisão é uma forma de liberar as tensões interiorizada pela criança. Por isso considero que as mais
existentes e extravasar seus sentimentos. significativas representações de realidades midiáticas
Não é por acaso que a criança escolhe determi- ocorrem depois de um longo tempo de exposição do
nado personagem dos meios televisivos. Simplesmente motivador que se tem interesse.
ela se autorreconhece em alguma característica desse su- A criança da atualidade está saturada de infor-
jeito ou muitas vezes quer ter essa característica para si. mações por onde quer que ela passe. Essas informações,
Essas formas de reconhecimento são consideradas sau- em sua grande maioria, incitam o desejo precoce. Por
dáveis na atualidade. isso presenciam-se comportamentos e costumes adulte-
Jones (2004, p. 45), preocupado com a falta de rizados na grande maioria das representações midiáti-
compreensão e conhecimento acerca desse universo, cas presenciadas.
aponta que Considerando a complexidade das representações
midiáticas, afirmo que elas se associam a tudo o que a
quando deixamos de considerar o significado do
criança representa no ato de brincar. Sabe-se que não
comportamento infantil, isto é pior do que inutili-
zar a pesquisa. Corremos o risco de lê-la ao con- devemos tratar as brincadeiras de representar como algo
trário, de ver coisas negativas onde deveríamos ver totalmente ruim. Elas são necessárias para o desenvol-
aspectos positivos, negando às crianças, dessa vimento dos sentimentos e conflitos que futuramente

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Bruna Thailini Borges da Silva • Delci Knebelkamp Arnold

possam existir na criança. É desse modo que o cérebro FERRÉS, Joan. Televisão subliminar: socializando através
assimila e compreende as coisas. de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Toda informação e realidade midiática nova que JONES, Gerard. Brincando de fazer monstros: por que as
vem ao conhecimento da criança em muitos casos cau- crianças precisam de fantasia, videogames e violência de faz-
sa espanto e também medo. Essa, dependendo do tipo de-conta. São Paulo: Conrad, 2004.
de exposição e frequência em que é disponibilizada, aos MORAN, José. As mídias na educação. Desafios na Comu-
poucos se torna algo que não causa mais tais sentimen- nicação Pessoal. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 162-
tos. Isso devido ao condicionamento que esse tipo de 166. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/
site/textos/tecnologias_eduacacao/midias_educ.pdf. Acesso
aparato desenvolve na mente do espectador.
em: 16 jun. 2017.
Vale ressaltar que o atributo da moldagem do es-
MOREIRA, Alberto da Silva. Cultura midiática e educação
pectador é vista subliminarmente nos conteúdos midiá-
infantil. Educ. Soc., Campinas, v. 24, n. 85, p. 1203-1235, dez.
ticos. Cada vez mais, encontram-se realidades midiáti-
2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v24n85/
cas em que se atribuem valores e características inalcan- a06v2485.pdf >. Acesso em: 01 jun. 2017. http://dx.doi.org/
çáveis à realidade humana. Também uma doutrinação 10.1590/S0101-73302003000400006.
e supervalorização de tudo o que foge a mesma realida- PALFREY, John; GASSER, Urs. Nascidos na era digital:
de que se deseja apresentar. entendendo a primeira geração de nativos digitais. Porto Ale-
Tudo o que vemos passar pela televisão é muito gre: Ar tmed, 2011. Disponivel em: <http://
bem escolhido, esse que ambienta situações e aconteci- dependenciadeinternet.com.br/palfreycap01.pdf >. Acesso
mentos contemplados a uma pequena parcela das clas- em: 20 mar. 2016.
ses social brasileira. PRENSKY, Marc. Nativos digitais, imigrantes digitais. De
Por certo compreender tais acontecimentos é sim- On the Horizon (NCB University Press, Vol. 9 No. 5, Outu-
plesmente como trocar os óculos embaçados para que bro 2001). Tradução do artigo “Digital natives, digital immi-
desse modo possamos enxergar melhor. Muitas vezes, grants”, cedida por Roberta de Moraes Jesus de Souza: pro-
fessora, tradutora e mestranda em educação pela UCG, 2001.
mudar a perspectiva faz-se necessário em um mundo
onde nada mais é uma verdade absoluta. SANTAELLA, Lúcia. Da cultura das mídias à cibercultura:
o advento do pós-humano. Tecnologias do imaginário. Re-
vista FAMECOS, Porto Alegre, n. 22, p. 23-32, dez. 2003.
REFERÊNCIAS
Disponível em: <http://vaipav.xpg.uol.com.br/Material/
BUCKINGHAM, David. Crescer na era das mídias eletrô- HUMANIDADES/Texto%20Lucia%20Santaella.pdf>.
nicas. São Paulo: Loyola, 2007. Acesso em: 12 nov. 14.
DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da
criança na rua à criança cyber. Petrópolis: Vozes, 2005.

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