Analise Imaginario Solas Flaviagasi-Vhszoo

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BR/LOJA 1
Sumário

Dedicatória ....................................................................................................... 4
Agradecimentos ............................................................................................... 5
Sem eles, o livro não seria possível ......................................................... 5
Uma breve introdução ao universo da franquia Dragon Age ....................... 6
Elfos .............................................................................................................. 8
Elgar'nan: Deus da Vingança .................................................................. 9
Mythal: a Grande Protetora..................................................................... 9
Falon'Din: Amigo dos Mortos, o Guia ................................................... 9
Dirthamen: Guardião de Segredos........................................................ 10
Andruil: Deusa da Caça ......................................................................... 10
Sylaise: a Guardiã do Coração ............................................................... 10
June: Deus da Arte ................................................................................. 10
Ghilan'nain: Mãe do Halla .................................................................... 10
Fen'Harel: O Lobo Temido ................................................................... 10
Magia .......................................................................................................... 11
Solas ................................................................................................................ 13
Análise do Imaginário Solas .......................................................................... 16
1. Solas, em suas palavras ..................................................................... 16
1a. Will: Desejo / Determinação ............................................................ 18
1b. World: Mundo .................................................................................. 21
1b. Fade: Imaterial .................................................................................. 25
2. Solas, para os jogadores brasileiros ................................................. 29
2a. Traidor .............................................................................................. 30
2b. Manipulador / Arrogante ................................................................ 32
2c. Lobo .................................................................................................. 35

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3. Solas, como peregrino, na minha escolha ...................................... 38
Bibliografia ..................................................................................................... 43

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Dedicatória

À Clarice França e Izadora Lima pela camaradagem. Ao Rogério Saladino,


pelo apoio e revisão.

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Agradecimentos

Sem eles, o livro não seria possível


Do catarse:

Gustavo Nacao

Helber Fernandes

Jaqueline Valentina da Costa

Nathalia De Morais Nogueira

Daniel Chaves Macedo

Deborah Novais

Dyana Barlavento

Erik Volpert

Jose Carlos Soares da Cruz Junior

Lin de Mann

Marcio Hiroyuki Miyamoto

Thiago Leite

André Camargo Campos

Érika Santana

Rebeca Prado

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Uma breve introdução ao universo da franquia
Dragon Age

Desde 2009, data de estreia da franquia de videogames Dragon Age, houve


muito apreço entre crítica e consumidores por conta de seu sistema de batalhas
(especialmente Origins, o primeiro da série; e Inquisition, o terceiro); das
mecânicas de relacionamentos e companheiros; e especialmente por conta de seu
rico cenário, o qual envolve diversas terras, línguas, raças, maneiras de ver o mundo
interno etc. Assim, seria uma tarefa hercúlea tentar descrever o cenário completo
da franquia Dragon Age, ainda mais depois que sua narrativa começou a ser
expandida em outras mídias para além dos videogames. Contudo, para o melhor
entendimento deste estudo, talvez seja necessária uma breve introdução de temas.

Figura 1 - Diversidade de raças na franquia Dragon Age

Logo no primeiro game, Dragon Age: Origins, de 2009, somos


apresentados ao conceito de Podridão. O jogador, nativo de Ferelden, um cenário
fantástico do mundo de Thedas, descobre que existem criaturas subterrâneas

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corrompidas por Deuses Antigos. Estas crias, chamadas de Darkspawn (ou
Criaturas Sombrias). Quando realizam ataques organizados à superfície, os
Darkspawn agem como Podridão, sendo necessário matar o mandante daquela
excursão específica para que o restante desbande. Ninguém sabe exatamente como
as Podridões começaram a ocorrer, já que as criaturas eram vistas normalmente de
forma menos concentrada ou menos tática.

Na verdade, cada instituição religiosa do universo do jogo tem sua própria


visão de porque estes eventos ocorrem. A Chantria, que serve como uma metáfora
às religiões monoteístas, acredita que as Podridões são uma punição do Criador. Os
Guardiões Cinzentos à veem como uma forma de corrupção espiritual ligada a um
Arquidemônio – cada grande invasão da Podridão teria seu próprio mandante
Arquidemônio por trás. No primeiro game, o jogador pode escolher entre os
seguintes tipos de personagens: Humana/o Nobre, Elfa/o Citadino, Elfa/o Valeano,
Anão Comum, Anão Nobre e Mago. A narrativa se foca no jogador adentrar a
ordem dos Guardiões Cinzentos e enfrentar um Arquidemônio.

Contudo, apesar de manter esta lore e os acontecimentos do primeiro jogo,


os games subsequentes de Dragon Age adicionam camadas de conceitos e
narrativas. Ou seja, a Podridão não é o foco de todas as obras. O que pode ser, claro,
um tanto complicado para novos jogadores compreender todo o léxico da série sem
experienciar todos os videogames. Por outro lado, existe uma diversidade de temas
interessantes que vão auxiliar neste estudo. Por enquanto, mantenha alguns dos
conceitos de Origins na cabeça, enquanto partimos para expor alguns temas mais
próximos da nossa análise de Solas.

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Elfos

Figura 2 - Uma elfa valeanos da franquia Dragon Age

Para tal, será preciso verificar com mais intimidade uma das raças da série:
os elfos. Em tempos remotos, foram eles que dominaram Thedas, eram imortais e
tinham uma cultura rica focada no entendimento da natureza e da magia.
Elvhenan, o nome da sua civilização pode ser traduzido como “o lugar de nosso
povo”; enquanto sua capital, Arlathan seria o “local de amor”. Enquanto estavam
no ápice de seu progresso, elfos se encontraram com humanos, que ainda vagavam
as terras em povos nômades. Há quem diga que o declínio dos elfos se deu por conta
desse convívio, que passaram a adoecer e morrer por conta desse contato.

Assim, elfos se retiraram dessa coexistência, o que deu espaço para os


humanos ganharem mais territórios e formarem seu primeiro conglomerado: o
Império de Tevinter. Aos poucos, a humanidade tornou-se mais ambiciosa, mais
dependente de uma expansão bélica, que culminou no ataque de Arlathan. Os

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humanos escravizaram os elfos, que, com o passar dos anos, esqueceram de como
florescia sua antiga vida e se tornaram uma raça marginalizada.

Em Dragon Age: Origins, eles são apresentados como elfos que habitam nas
cidades, e elfos valeanos. Os elfos urbanos se amontoam em guetos pobres ao redor
de grandes cidades humanas. Lá, experienciam uma vivência muito próxima à de
qualquer pessoa que vive às margens do sistema e da sociedade. Deixados de lado,
com problemáticas como fome, ausência de saneamento básico, e, basicamente,
sem direito real de ir a vir, ou sem direito verdadeiro à vida.

Os elfos valeanos vivem nas áreas desabitadas por humanos, especialmente


em florestas, tentando manter viva a tradição de seu povo. Estes elfos têm seu
próprio sistema de crenças baseado no politeísmo. Com sete deuses diferentes,
sendo que alguns subiram ao panteão em histórias posteriores e algumas entidades
chamadas de Esquecidos, eles retêm mais dos antigos conhecimentos. Os deuses
élficos apresentados na série até agora são:

Figura 3 - Representação do panteão élfico

Elgar'nan: Deus da Vingança


Elgar'nan, também conhecido como o Pai de Todos, o Mais Velho do Sol e
Aquele que Derrotou Seu Pai, representa a paternidade e a vingança e lidera o
panteão com a deusa Mythal.

Mythal: a Grande Protetora


Mythal, a Protetora e a Mãe de tudo, e deusa do amor, é a patrona da
maternidade e da justiça e lidera o panteão com sua contraparte masculina,
Elgar'nan.

Falon'Din: Amigo dos Mortos, o Guia


Falon'Din é o deus élfico da morte e da fortuna e guia os mortos para o
Além. Ele e seu irmão gêmeo, Dirthamen, são os filhos mais velhos de Elgar'nan, o
Pai de Tudo, e de Mythal, a Protetora.

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Dirthamen: Guardião de Segredos
Dirthamen é o irmão gêmeo de Falon'Din e é o deus élfico dos segredos e
do conhecimento, e mestre dos corvos Medo e Engano. Dirthamen deu aos elfos o
dom do conhecimento e ensinou-lhes lealdade e fé na família.

Andruil: Deusa da Caça


Andruil é a deusa élfica da caça, também conhecida como “sangue e força”
e a “grande caçadora”.

Sylaise: a Guardiã do Coração


Sylaise, a Guardiã da Lareira é a deusa de todas as artes domésticas e irmã de
Andruil, a deusa da caça. Sylaise deu fogo aos elfos e os ensinou a tecer cordas e fios,
e a usar ervas e magia para propósitos de cura.

June: Deus da Arte


June é o elfo mestre de todas as criações manurais. Ele é descrito de várias
maneiras como irmão de Andruil e Sylaise ou como marido de Sylaise. Ele ensinou
os elfos a fazer arcos, flechas e facas para caçar os presentes de Andruil.

Ghilan'nain: Mãe do Halla


Ghilan'nain é chamada de Mãe dos Halla – criaturas parecidas com cervos
brancos reverenciadas pelos elfos valeanos e usadas para puxar seu aravel, ou “navios
de terra” – e deusa da navegação.

Fen'Harel: O Lobo Temido


O Lobo Temido é um enigmático deus trapaceiro ou rebelde dos elfos, cuja
suposta traição se deu tanto aos criadores benevolentes quanto aos maléficos. Os
clãs de Dalish o veem com cautela e procuram proteger a si próprios e a seus
parentes de sua traição.

Há muita mística rodando os elfos. Além de suas habilidades de cura, de caça


e mágicas, há muitos elfos que são sonhadores. Podem entrar no Imaterial (reino
dos sonhos que discutiremos mais à frente) e realmente afetar seres e objetos desta
realidade intangível em suas meditações. Sonhadores poderosos podem ser elfos
imortais que decidiram viver no Imaterial, conservando seu corpo físico. Alguns
deles, há rumores, podem ter sobrevivido por décadas e milênios no Imaterial.

Esta mística é geralmente mostrada em outros personagens de raças


diferentes com um ardente preconceito. O estudo da magia, ou mesmo elfos que
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não costumam realizar feitos mágicos, são, invariavelmente, descartados, ou
tratados com desdém. A magia no universo de Dragon Age é importante e útil, mas
também perigosa. Os elfos valeanos tendem a praticar de forma mais sutil e longe
dos olhos de forasteiros, geralmente se focando em cura e forças naturais, mas sem
tentar alcançar o mundo dos espíritos.

Magia
Apesar de ser um fenômeno
físico considerado natural (como
magnetismo, por exemplo), a
magia em Dragon Age pode ser
exercida por aqueles que tem o
controle deste fenômeno, podendo
moldá-lo. O império de Tevinter
registra as famílias mais
reconhecidas por seu talento, o que
nos faz compreender que lançar
feitiços está ligado algum traço de
nascença. Ninguém sabe
exatamente como um mago tem
este poder.

Outra característica da
magia é que ela se origina no
Imaterial, e existem mais
consequências para magos que
passeiam por lá do que para outros
seres, já que eles podem acabar
possuídos por algum espírito que
deseja sair. O Imaterial não é tão
desprovido de matéria assim, já
que é possível para um ser modelar
Figura 4 - Dorian, mago companheiro de Dragon Age
o Imaterial, e que para este seja
Inquisition
despejado do mundo substancial.

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Qualquer criatura que extraia poder do Imaterial pode chamar a atenção de
espíritos. Para o mago, é necessário aprender a controlar e dominar a magia, e não
se deixar levar pelas tentações das almas que lá habitam. Há alguns que são
conhecidos por sua habilidade de falarem com demônios e espíritos.

Contudo, a magia não é onipresente, ela tem um custo, tem limitações como
o teletransporte, a ressurreição (em casos regularizados) e a entrada no Imaterial de
forma física. Há um modo de entrar no Imaterial distinguindo sonhos de realidade:
através de uma substância viciante chamada lírio. Uma ordem especial, chamada
Templários, usa do lírio para negar a magia e neutralizar magos que tenham tomado
um caminho mais sombrio. Eles podem dissipar a magia, o que faz da ordem uma
forma de guardiã das boas práticas mágicas. Em Dragon Age: Inquisition, o espírito
Cole diz que, na verdade, por ingerir lírio, os templários ficam com corpos
incompletos e tentam se conectar com algo mais antigo do que eles, esta outra coisa
é o quê barraria a magia.

Apenas dois tipos de feitiços não envolvem o Imaterial: a magia de sangue


(que retira sua obra-prima do próprio sangue) e a magia de destruição (que vem
pela Podridão).

Para identificar maus usos de magia, e magos que potencialmente podem


ser possuídos, existem os Círculos dos Magos. Além dos Templários, cada região
conta com um sistema rígido de hierarquia. Há quem fique de fora dos Círculos,
como os valeanos, mas também as chamadas bruxas da floresta e os xamãs da
sociedade Avvar.

Muitos afirmam que a magia desafiou o Criador, e que isto trouxe a


Podridão para o mundo, mas este é o ponto de vista de uma das religiões apenas: a
Chantria. Inclusive, este sistema de magia atual foi fundado pela Chantria e pela
Inquisição. Para os elfos, a magia é um presente de seus deuses, por exemplo.

Magos que se recusam a estar nos Círculo são chamados de Apóstatas, e


tendem a ser perseguidos por templários. Aqui estão não apenas os magos à margem
da organização, mas também os magos de sangue. Magos capturados ou muito
suspeitos recebem um lírio especial que os transforma em Tranquilo, que elimina
todas suas emoções, magias e capacidade de sonhar.

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Solas

Figura 5 - Solas em imagem de divulgação de DA: Inquisition

Solas não se reconhece como um elfo das cidades, tampouco como valeano
. Ele diz ser de uma pequena vila nos campos, que passou a maior parte da sua vida
vagando pelo deserto. Ele sempre foi um Apóstata, sem Círculo dos Magos ou
outros professores. Solas aprendeu a manejar suas habilidades mágicas sozinho, e
passou muito tempo sonhando – uma forma de sonho lúcido – em ruínas antigas
para entrar em contato com o Imaterial.

Ao longo do jogo, este aspecto solitário do personagem é mostrado e


reforçado por outros companheiros (personagens que podem ser usados em sua
party para exploração de mundo e combates). Mesmo porque, ele demonstra não
ter tanto interesse numa visão binária do mundo que persegue o inquisidor(a),
como templários versus magos, espíritos versus humanos ou elfos versus o resto do
mundo. Talvez apenas concorde que os templários não são boa gente, e não curte a
hierarquia dos Qun. Assim, suas falas podem ser facilmente vistas como alienígenas
ou esquisitas. Ele é o estrangeiro por excelência, e parece se encaixar mais no
Imaterial do que no mundo corpóreo. As dicotomias do mundo o cansam, e ele
também não enxerga os elfos com bons olhos, dizendo que esqueceram muito sobre
o seu legado.

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Apesar disto, ele é considerado uma pessoa educada, de ensinamentos e
magias úteis. Seu conhecimento sobre o passado levou a Inquisição para uma nova
fortaleza, e ajudou o(a) protagonista a fechar Brechas – rasgos nos Véu que separa
o mundo corpóreo do Imaterial – ele mesmo quem se voluntariou para o papel.
Também professorou o protagonista sobre o uso da Âncora, poder imbuído
involuntariamente a/o Inquisidor/a que pode fechar as Brechas. Ele explica que o
orbe que criou a Brecha é de origem élfica, e que isso pode ter consequências
negativas para seu povo. Caso opte por realizar um romance com Solas, ele também
discorre que as tatuagens comuns no povo valeano são uma marca de servidão e
escravidão a um determinado tipo de deus.

Em sua missão pessoal, a/o Inquisidor/a pode escolher entre ajudá-lo ou não
a salvar um espírito acorrentado por magos. Por conta das correntes e por estar
forçadamente no mundo corpóreo, o espírito de sabedoria se tornou um demônio
de orgulho. O quanto Solas conta sobre o Imaterial, o Véu e sobre sabedoria antiga
élfica depende das ações e das conversas da/o Inquisidor/a.

Depois do combate final com o oponente do game, Corypheus, que tentou


usar a brecha para trazer um ser antigo para o mundo corpóreo e que usa um tipo
especial de lírio (vermelho) para criar mutações em si e nos seus soldados, os
jogadores descobrem que a orbe que criou toda a confusão pertencia a Solas. Nas
cenas pós-créditos, ele se encontra com Flemeth – uma bruxa na floresta que serve
como recipiente para uma antiga deusa élfica: Mythal. Mythal o chama de velho
amigo e de “Lobo Temido”. Solas conta que não tinha forças para retirar o orbe de
Corypheus, pois estava muito tempo vagando no Imaterial, e sem forças. Solas faz
algo a Flemeth, que parece desmaiar. As suspeitas de que Solas é o próprio
Fen’Harel são confirmadas no conteúdo extra: Invasor.

Ele diz que os deuses élficos são apenas elfos muito antigos, e que eles
assassinaram Mythal. Independentemente do tom da conversa (amigável, amável
ou seco), ele explica que ele quem ergueu o Véu separando os Evanuris (os tais elfos
antigos) do mundo corpóreo, e, por consequência, dividiu o Imaterial do mundo
real. Por conta disso, os elfos perderam sua imortalidade e outras tantas coisas que
dependiam do Imaterial cessaram de existir. Ele informa que pretende destruir o
Véu e o mundo como os jogadores conhecem, e trazer o retorno do mundo élfico.

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Fen’Harel parte, informando a/o Inquisidor/a que aproveite seus últimos
dias, antes do mundo inteiro ser alterado (e tira o poder da âncora da/o
Inquisidor/a), juntamente com seu braço. Assim, ele se torna o (ou um dos)
oponente do próximo game de Dragon Age.

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Análise do Imaginário Solas

1. Solas, em suas palavras

Figura 6 - Site Dragon Age Inquisition Transcripts

O site “Dragon Age Inquisition Transcripts” 1 transcreveu as falas do jogo


(pelo menos até a metade), o que serviu como base e inspiração para criar uma
nuvem de palavras com as falas de Solas. A escolha de utilização de uma nuvem de
palavras como método surgiu no meu doutorado “Mapas do imaginário
compartilhado na experiência de jogar: O videogame como agenciador de
devaneios poéticos”. A começar, pela explicação de mitemas:
“Como se sabe, Lévi-Strauss propôs o termo mitema para se referir à unidade essencial
do mito que se repete em diferentes contextos e que, portanto, vai além da narrativa
específica do próprio mito. Para Lévi-Strauss em “O Cru e o Cozido”, a análise dos

1
https://daitranscripts.tumblr.com/
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mitos somente é possível de ser feita por seus fragmentos. Os mitemas são vistos pelos
dois autores como uma unidade homogênea que se repete, e vai além do específico da
imagem mítica Para Durand, no livro “Estruturas Antropológicas do Imaginário” os
mitemas: são os átomos das constelações, que nos permitem entender parte da galáxia
ao olhar para as homologias. O mito seria a galáxia do sistema, as moléculas seriam os
símbolos e arquétipos, e os átomos seriam os mitemas.
Assim, uma nuvem de palavras nos remete aos pontos fortes, repetitivos, das respostas
dos jogadores, e auxiliam na pesquisa e na busca de estruturas de pensamento. No
processo de tentar explicitar uma cartografia, estaremos sempre buscando uma possível
mitohermenêutica, através da busca de mitemas, para que estes possam ser estudados
com mais profundidade, e, quem sabe, generalizados.”
(Gasi, 2016)

Assim, desta forma, a nuvem de palavras com falas de Solas nos mostra os
tópicos que o personagem está mais interessado, além de como trata seus
companheiros de aventura. Infelizmente, o site ainda não terminou de transcrever
todas as falas do game. Contudo, imaginando que Solas tem uma grande revelação
de narrativa ao final da obra, podemos olhar para esta cartografia de forma mais
inocente. Vamos a ela:

Figura 7 - Nuvem de palavras de Solas, pelas transcrições de suas conversas

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As palavras que Solas mais usa durante a primeira metade de Dragon Age
Inquisition são: will, world, fade/magic. Will é uma expressão que pode denominar
desejo, vontade, determinação; e todos estes termos fazem bastante sentido para o
personagem. Além disso, temos “mundo” e “imaterial/magia”. Não se preocupe que
vamos explorar palavra por palavra.

1a. Will: Desejo / Determinação


Desejo e determinação são as formas como Solas parece existir no mundo:
exatamente como um termo só. O que ele deseja é o que tem determinação para
fazer. Talvez o único momento que Solas é visto como inseguro é quando ele
conversa com Cole (um companheiro espírito) sobre porque acabou o romance
com a Inquisidora (é possível romancear Solas se a Inquisidora for elfa e mulher).

Neste sentido, desejo e determinação, ou “ter a vontade de” pode ser ótimo
para o aventureiro com quereres solares. Contudo, todo herói heroico, aquele que
acredita que pode transcender a materialização e destruir o monstro devorador, tem
o problema da verticalidade: no desejo de subir, ele pode cometer alguma injustiça
e cair. De herói, virar o monstro. Esta verticalização de personagens é bem utilizada
em contos de fantasia onde bem existe separadamente de mal. Assim, o trajeto do
herói deve ser ascender, enquanto do vilão, deve ser cair, criando uma cartografia
de imagens catarmórficas e ascensionais.

Claro, isto é exatamente o que vemos desenrolar com o personagem: Solas


começa como um ajudante ou até uma forma de mentor, e perde-se sem seus
próprios quereres, vontades, desejos e determinações. Contudo, caso o jogador
prefira ter uma relação mais amistosa com Solas, pode perceber algumas nuances
interessantes. Uma delas é a questão da linha tênue que separa imaginação e
materialização, pois Solas passou a maior parte da vida no Imaterial, em meio a
sonhos. Inclusive, muitas das suas falas demonstram como existe no personagem
um desejo muito grande de que todos possam experienciar o mundo dos espíritos
como ele mesmo vivencia. Solas tem um aspecto que remete à própria faculdade
imaginativa, e como ela aparece não apenas em reinos difíceis de serem habitados,
mas também nas coisas materiais. O filósolofo Gaston Bachelard coloca, no livro A
Água e os Sonhos:

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“A imaginação, em nós, fala, nossos sonhos falam, nossos pensamentos falam. Toda
atividade humana deseja falar. Quando essa palavra toma consciência de si, então a
atividade humana deseja escrever, isto é, agenciar os sonhos e os pensamentos. A
imaginação se encanta com a imagem literária. A literatura não é, pois, o sucedâneo de
nenhuma outra atividade. Ela preenche um desejo humano. Representa uma emergência
da imaginação.” (Bachelard, (1997) [1977]), págs 283-284.

Esta urgência entre determinação e desejo não aparece para Solas


necessariamente no desejo de escrever, mas no de contar (o que me parecem, na
verdade, partes do mesmo ser). Em todas as conversas com Solas é possível
perguntar mais sobre o Imaterial, e escutar histórias sobre locais oníricos, espíritos,
entre outros. Claro, isso remete a uma forma de encantamento narrado que nem
sempre vai cativar os jogadores. Mas, para aqueles que gostam de escutar histórias,
Solas têm muitas para compartilhar. Também acredito que seu desejo real; de
destruir o véu que separa o mundo material do Imaterial, começa a se manifestar
nestas conversas. Solas seria ele, assim, uma representação literária desta
determinação.

Para a fenomenologia de Bachelard existe mais um aspecto acerca de desejo


e determinação que vale a pena ser explorado: o conceito da vontade. Ao longo de
vários livros, o autor comenta sobre a vontade como uma força do devir, um poder
ligado à imaginação, que pode ser vista de duas maneiras:
“A vontade é solidária de dois tipos de imaginação: de um lado a vontade-substância,
que é à vontade schopenhaueriana, e, do outro, a vontade-potência, que é a vontade
nietzschiana. Uma quer conservar. A outra quer arrojar-se. A vontade nietzschiana
apoia-se em sua própria rapidez. É uma aceleração do devir, de um devir que não tem
necessidade de matéria [...]” (Bachelard, (1997) [1977]), págs.
170-171.

Ou seja, para o psicólogo existem duas formas de vontade: uma pretender


conservar aquilo que é afetivo e caro para a pessoa, enquanto a outra é rápida e
intensa, e pretende alterar algo que precisa ser alterado. Todes passamos por ambas
as vontades, e por vezes, ao mesmo tempo: mudamos algo para conservar algo; ou
conservamos algo, mas damos espaço para que outra coisa seja alterada. Podemos
até dizer que vemos este conflito em Dragon Age Inquisition de algumas formas;
uma delas seria a vontade de Solas de mudar o mundo, e a vontade da(o)
inquisidor(a) de conservá-lo. É interessante pensar que, dependendo das escolhas
que o jogador faz, pode haver conflito tanto em Solas quanto na(o) inquisidor(a).
Há uma cena, no conteúdo de DLC que Solas afirma que existe certo grau de

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conflito no que ele acredita precisar fazer, e que a inquisidora pede para que façam
juntos.

Talvez seja este amálgama de vontades (desejos e determinações) que façam


com que Solas seja um personagem tão falado (mesmo que mal falado). Quando
comecei a minha pesquisa, percebi que as pessoas respondiam com uma afetividade
forte ao tema: ou seja, também há a vontade do jogador, que se acopla com a de seu
personagem: a vontade de salvar o mundo. Afinal, seja Solas ou os jogadores, salvar
o mundo parece ser o objetivo final (deste e de muitos games). O que variam são os
métodos.

Vale a pena notar que essas vivências do game como potencial agenciador
de devaneios poéticos é algo que trato no meu doutorado. Afinal, “O emprego da
vontade pode ser simplesmente imaginado, o objeto levantado pode ser
simplesmente imaginário, mas as imagens são necessárias para que as virtualidades
de nossa alma se distingam e se desenvolvam.” (Bachelard, (1991a.) [1948]) pág 357.
Através do jogo podemos (e esta potência depende de muitas variáveis)
compreender melhor sobre como nossos afetos e vontades se desenrolam. Por
consequência, os afetos que sentimos no jogo serão reapresentados ao falarmos
sobre o game, coisa que veremos mais para a frente.

Figura 8 - Solas como a semi-divindade Fen'Harel

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De qualquer maneira, a vontade, para Bachelard, vem da união de vontade
e imaginação. E isso, tanto Solas quanto os jogadores têm de sobra. A questão,
porém, é que o desejo e a determinação podem ganhar características solares.
Quando acreditamos que algo é certo, sem sombra de dúvida, podemos usar da
nossa vontade para tentar minar a vontade alheia. E este é o real problema de Solas.
Seu desejo não é necessariamente compartilhado por todos de seu grupo, ele
acredita que sabe o que faz e que sua vontade é melhor. Assim, deveria ser imposta.
O que nos leva à questão narcísica do personagem.

Há um bom narcisismo, aquele que nos faz olhar para nós mesmos e ver
beleza. Mas, também o espelho sem fundo:
“O “espelho sem fundo”, que é um céu azul, desperta um narcisismo especial, o
narcisismo da pureza, da vacuidade sentimental, da vontade livre. No céu azul e vazio, o
sonhador encontra o esquema dos “sentimentos azuis”, da “clareza intuitiva”, da
felicidade de ser claro em seus sentimentos, seus atos e seus pensamentos. O narcisismo
aéreo mira-se no céu azul.” (Bachelard, (1997) [1977]), pág. 195

Um narcisismo verticalizado, solar, mira para além daquilo que é material,


humano (ou élfico no caso): mira para a divindade. Quando a vontade deixa de ser
uma força que imagina junto, ela pode se tornar tirânica. Solas mira no céu e acerta
o espelho sem fundo, em que sua imagem seria replicada diversas vezes, já que seus
feitos o colocariam como salvador de toda uma raça, como um senhor uraniano,
heroico. Que pode, pela lógica da verticalidade, se tornar o vilão.

1b. World: Mundo


Como comentei, Solas tem um desejo muito grande de atuar no mundo.
Mas, como mostra sua nuvem de palavras, este desejo está associado com as coisas
que ele viu no mundo (material e Imaterial). Talvez sua primeira vontade seja, na
verdade, a de contemplação. Para a teoria do imaginário, a contemplação tem um
poder criador, o que faz bastante sentido para a imagem de Solas:
“A contemplação é essencialmente, em nós, um poder criador. Sente-se nascer uma
vontade de contemplar que logo se torna uma vontade de ajudar o movimento daquilo
que se contempla. A Vontade e a Representação já não são dois poderes rivais, como na
filosofia de Schopenhauer. A poesia é realmente a atividade pancalista da vontade.
Exprime a vontade de beleza. Toda contemplação profunda é necessariamente,
naturalmente, um hino [...]” (Bachelard, (1997) [1977]), pág. 61.

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Solas acredita em um mundo em que não exista um véu que separe as
realidades materiais e Imateriais, e esta crença vem de seu passado, quando
realmente não existia um véu. Ela também foi reforçada ao longo dos anos pela sua
contemplação do mundo. No caso, do mundo Imaterial. E, por fim, o desejo de
romper o véu ganha determinação quando contempla o mundo material. Para
Solas, o Imaterial, a magia, os espíritos são uma forma pancalista de viver. Para
quem não conhece, o pancalismo é uma filosofia que admite que o belo (ou o que
nos afeta como beleza) seja o valor mais importante de todos.

Sua vontade é retornar a um mundo mais belo, e esta missão se torna, como
vimos no estudo da palavra anterior, uma necessidade espiritual, um desejo de céu
azul, um narcisismo verticalizado, aéreo. Ele sonha com isto em profundidade, seus
desejos se tornam hinos, um tipo de composição musical para louvar algo que seja
de natureza divina. Por isso, cria-se uma separação de valores: ou você acredita que
a destruição do véu serve como um objetivo pancalista para uma vida melhor, ou
não. Nem toda religião acredita em meio termo, e o discurso de Solas parece seguir
a mesma linha.

A profundidade com que Solas desce em seu devaneio é verticalmente


similar ao que acredita ser a solução divina para os problemas. Para ele, o mundo é
esquizoide, separado, e isto não é um mundo de verdade. O problema é que unir os
mundos deve resultar na morte do mundo material que o jogador conhece. E,
enquanto isso é um distúrbio para a(o) inquisidor(a), é apenas uma morte cotidiana
para Solas. Ele chega a comentar: “Quão pequena a dor de um homem parece
quando comparada com as profundezas infinitas da memória, do sentimento, da
existência. Esse oceano carrega todos. E aqueles de nós que aprendem a ver suas
correntes se movendo ao longo da vida com menos ondulações.”

A água, para Solas, é uma escolha natural, pois ele se considera envolvido
por ela. Acredito que o uso do imaginário aquático faz muito para aprofundar o
personagem. Primeiramente porque a água suplica o mundo. Quando estamos em
frente a uma fonte de água, podemos ver o mundo inteiro em seu reflexo. O que
transforma a pessoa que vê também em um duplo: aquela que existe dentro e aquela
que existe fora d’água. São, claro, a mesma pessoa, mas que pode existir ao mesmo
tempo em dois locais diferentes, em reflexo. Solas existe como parte de seu grupo,

FLAVIAGASI.COM.BR/LOJA 22
mas tem suas próprias intenções. Ele existe no mundo como reflexo, e no Imaterial
como aquilo que realmente deseja ser.

Figura 9 - Imagem de um lago em Dragon Age: Inquisition

Assim, percebemos que a própria existência de Solas é, em si, dualista. Talvez


seja um dos porquês de sua relação intensa com os mundos divididos, e da sua
necessidade de apaziguar este sentimento. Para tal, no entanto, é preciso certa
aceitação da morte. Unir os universos materiais e Imateriais deve resultar em uma
mudança radical da ordem que o mundo de Dragon Age apresenta, além de levar
milhares de pessoas à morte, por não se encaixarem neste novo mundo. A água de
Solas começa em sua pureza, no desejo de reflexo (também podemos dizer que no
desejo de uma identidade élfica), mas estes devires se tornam mais profundos, e com
reações que não serão sofridas apenas por Solas. A água, para Bachelard, é um
elemento que contempla a morte e a transitoriedade, mas de si, não
necessariamente do outrem. “A água é realmente o elemento transitório. É a
metamorfose ontológica essencial entre o fogo e a terra. O ser consagrado à água é
um ser em vertigem. Morre a cada minuto, alguma coisa de sua substância
desmorona constantemente.” (Bachelard, (1989a.) [1942]), pág. 9.

Entender a morte cotidiana não é deixar morrer uma noção pancalista,


fatalmente, seria até reforçá-lo, no sentido de que coisas precisam morrer para
outras nascerem. E, por mais que isto esteja no discurso de Solas, ele contempla um

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genocídio. A morte cotidiana não tem a ver com isso, seria algo muito mais leve. É
a pureza que foi perdida para uma profundidade mais tenebrosa – afinal,
complexidade é ótimo, e nem sempre tenebrosa.

Porém, o sonho de água profunda de Solas nos revela a sua intimidade: uma
necessidade de alteração do mundo, doa a quem doer. Nas imagens profundas pode-
se perder a noção do todo, já que o devaneio se afunila: “Permite-nos ficar distantes
diante do mundo. Diante da água profunda, escolhes tua visão; podes ver à vontade
o fundo imóvel ou a corrente, a margem ou o infinito; tens o direito ambíguo de
ver e de não ver”. (Bachelard, (1989a.) [1942]), pág. 71.

Figura 10 - O Rio Estige, por Gustave Dorè

Para explicar como as águas profundas podem se tornar águas mortas,


Bachelard usa dos textos de Edgar Allan Poe, e sua construção triste sobre a perda
da inocência. Para mim, os sonhos de Solas são parecidos com os de Poe: a perda
da pureza é trágica, ecoa em uma morte mais violenta, se aprofunda em noções
fatalistas da vida.
“Numerosos são os sonhos impuros que florescem na água, que se exibem pesadamente
sobre a água, como a grossa mão espalmada do nenúfar. Numerosos são os sonhos
impuros em que o homem adormecido sente circular em si mesmo, em torno de si

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mesmo, correntes negras e lodosas, Estiges de ondas pesadas, carregadas de mal. E
nosso coração é agitado por essa dinâmica (...)”. (Bachelard, (1989a.) [1942]) págs.
190 e 191.

O mundo para Solas se escoa como água, e precisa ser resolvido como água
profunda, como água pesada. Do Estige para o Estige. Estige personificava o ódio e
representava a fronteira entre o céu e o inferno na mitologia grega. E era o rio para
onde eram enviados os coléricos e mal-humorados para se afogarem pela
eternidade. Da queda dos elfos para a queda dos outros, em um mergulho
vertiginoso.

1b. Fade: Imaterial


Como um viajante do Imaterial, parece racional que citá-lo seja uma das
características da personalidade de Solas. O Imaterial, contudo, por mais que ele
mesmo tente explicar de forma simples, é um local misterioso com muitas
possibilidades de interpretação. Ao longo dos games de Dragon Age, este reino
metafísico é citado por diversas religiões e raças.

A Chantria descreve o Imaterial como o local onde reside a matéria


primordial, criadora do mundo físico e dos seres vivos, e como um poço de almas,
que será o lugar de descanso das almas desencarnadas. A religião propõe que, depois
da criação dos mortais, alguns espíritos se tornaram ciumentos, e caíram. Assim, o
reino possui espíritos amigáveis, e outros, nem tanto.

Já os elfos acreditam que o Imaterial foi a morada de seus deuses antigos, e


que eles estariam presos na Cidade Eterna no coração do Imaterial. Solas chega a
afirmar, em Dragon Age: Inquisiton, que espíritos e demônios não são tão
diferentes, mas funcionam como as duas caras de uma mesma moeda. O elfo coloca
que os demônios são criados quando espíritos são trazidos contra a sua própria
vontade para o mundo real, por meio de feitiços.

O Imaterial é um local mutante, que reflete os pensamentos de quem visita.


Aline Antunes coloca, em seu artigo: “Tudo no Imaterial é constituído pelas
memórias, sentimentos e experiências daquele que o visita e é a partir desses
registros encontrados na mente que os espíritos materializam paisagens, objetos e
sensações.” (Antunes, 2019). Ou seja, o Imaterial funcionaria como uma reserva de
possibilidades, uma casa de devires. Aline o coloca como uma metáfora para o

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inconsciente, o que acho uma imagem interessante e acertada. Seguindo a linha
fenomenológica de Gaston Bachelard, e o pensamento de Antunes, gostaria de

propor o Imaterial como uma morada onde o ser pode acessar arquétipos.
Figura 11 - O Imaterial, como visto em Dragon Age: Inquisition

A questão aqui é de que arquétipos estamos falando. Diferentemente da


visão platônica que coloca o dualismo no centro, como o mundo de ideias e
arquétipos eternos, Bacherlard propõe arquétipos que funcionam como símbolos
motores, ou seja, têm força de serem alterados ao longo dos anos e das culturas.
Assim, não estamos também falando do arquétipo junguiano, vinculado ao
inconsciente coletivo, nato, a priori da humanidade. O arquétipo bachelardiano é
mutável, depende das memórias de quem sonha, como o Imaterial de Dragon Age:
“Pedimos ao leitor que não rejeite sem exame essa noção de acordo poético dos
arquétipos. Gostaríamos tanto de poder demonstrar que a poesia é uma força de síntese
para a existência humana! Os arquétipos são, de nosso ponto de vista, reservas de
entusiasmo que nos ajudam a acreditar no mundo, a amar o mundo, a criar nosso
mundo. Quanta vida concreta não seria dada ao filosofema da abertura para o mundo,
se os filósofos lessem os poetas! Cada arquétipo é uma abertura para o mundo, um
convite ao mundo [...]”. (Bachelard, (1988) [1961]), pág. 107.

Para Bachelard (1990a.), os arquétipos são imagens que se abrigam no mais


profundo do inconsciente, e, partindo de um ponto de vista psicanalítico, cada
inconsciente depende de sua materialidade: sua história, trajetória, ensinamentos

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que teve, parentagem etc. o Imaterial, então, seria um local para acessar essas
imagens. Como uma casa para as suas lembranças. “Essa casa está distante, está
perdida, não a habitamos mais, temos certeza, de que nunca mais a habitaremos.
Então ela é mais do que uma lembrança. É uma casa de sonhos, a nossa casa
onírica.”, (Bachelard, (1990a.) [1948]), pág. 95

Figura 12 - Imagem que mostra o surrealismo do Imaterial em Dragon Age

Ou seja, a morada que vamos ao sonhar, a morada que contém nossos


sonhos, memórias e devires. O imaterial é surreal para nos lembrar de que as
imagens podem serem continuadas, mudadas, revisitadas, em uma grande colagem
nos nossos sonhos. Ele é, em si, já uma lembrança, construída de outras memórias
e daqueles que podem a habitar. Em “A Terra E Os Devaneios Do Repouso”,
Bachelard fala sobre as imagens da casa onírica e da casa natal. Para o autor, a casa
é um signo tão poderoso que acreditamos que um universo inteiro pode habitar
uma casa, nem que seja uma casa cósmica. A casa integra os cômodos como a
humanidade integra suas lembranças e sonhos.

Para ele, a casa como imagem de integração, aquela que podemos nos
sentirmos seguros é “A casa da lembrança, a casa natal, é construída sobre a cripta
da casa onírica. Na cripta está a raiz, o apego, a profundidade, o mergulho dos
sonhos. Nós nos ‘perdemos’ nela. Há nela um infinito”. (Bachelard, (1990a.)

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[1948]), pág. 98. Gosto desta imagem ligada ao Imaterial, pois ele pode ser uma casa
muito visitada, como para Solas; uma casa mal arrumada para o viajante que não
sabe navegá-la; ou um labirinto para aqueles que tem receio de viajar, ou se
encontram com sonhos e devaneios mais sombrios. Vale notar que para a poética
do imaginário, toda casa é um labirinto que foi resolvido.

Para Solas, o Imaterial foi navegado, conhecido. Assim, não é


necessariamente assustador, mesmo que ainda misterioso. Destruir o véu seria, em
termos metafóricos, fazer com que todos os sonhadores se deparem com seus
devirem, vejam os arquétipos que os habitam. E, pensando assim, seria um plano
realmente assustador, já que passamos nossas vidas mascarando ou sublimando
nossas angústias. As angústias, porém, nunca podem simplesmente serem
superadas, pois viver isso faz parte da existência humana.

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2. Solas, para os jogadores brasileiros
A segunda parte do estudo será focada nas palavras que os jogadores
brasileiros trouxeram para descrever o personagem. A pesquisa foi feita,
principalmente, na rede social Twitter, e teve 122 palavras. A nuvem ficou assim:

Figura 13 - Nuvem de palavras associada ao personagem Solas, pelos jogadores brasileiros

A palavra “ovo”, ainda que espirituosa, foca-se em um aspecto físico do


personagem: ser careca. Ou seja, a palavra vem carregada de um tanto de
preconceito e raiva, assim como “racista”, “careca”, e alguns xingamentos que
ficaram entre as palavras menos citadas. Como o personagem realmente omite
informações, e assim, pode se considerar que trai seu grupo, dá para entender que
os afetos ficam em alta.

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Antes de prosseguir, contudo, acho importante comentar rapidamente sobre
a questão do “racismo”. O próprio Solas afirma que quando retornou para o
mundo, sua visão sobre seus habitantes era preconceituosa – como se olhasse para
criaturas menos evoluídas. Esta noção será mudada dependendo das ações do
jogador; no pior dos cenários, ele apenas acha que elfos são interessantes sim; no
melhor, ele inclui todos os seres – talvez menos os qunari (e aqui cabe uma acusação
de racismo, sim). Em um contexto em que Solas despreza qualquer criatura,
realmente ele pode ser considerado bem preconceituoso. Contudo, assumir que
Solas é racista por querer o melhor para sua espécie – considerando que elfos foram
escravizados e vivem em regime de servidão em DAI (Dragon Age: Inquisition) – é
a mesma coisa que concordar com racismo reverso. Assim, importante notar que
vale se questionar de que tipo de racismo estamos falando – contra os qunari, ou se
o foco é de um revolucionário extremista. Acho que não custava deixar estas aspas.

Assim, nesta parte, falaremos das palavras: “traidor”,


“arrogante/manipulador” e “lobo”.

2a. Traidor
O que realmente coloca Solas como um traidor ou um tipo de antivilão é a
relação do jogador com o personagem. Caso não sejam amigos, Solas realmente trai
o grupo e revela que está determinado a realizar um genocídio. Caso sejam amigos,
contudo, ele explica que quer consertar um de seus grandes erros (criar o véu), mas
que espera que a Inquisição consiga encontrar uma solução melhor que a dele. De
qualquer maneira, existe muita mentira em seu discurso, especialmente via
omissão.

O escritor de Dragon Age Inquisition, Patrick Weekes, em uma entrevista


sobre a criação do personagem Solas, comentou que seu segundo rascunho, ele
chegou muito perto de mentir com o personagem:
“Mas eu menti muito mais. E isso realmente enfraqueceu seu caráter. Nós jogamos tão
perto com Blackwall e Solas – ambos os personagens são os mentirosos que na verdade
não mentem. Eles vão te contar quase verdades. Com Blackwall – ele nunca diz "Eu sou
um Guardião Cinzento". Se você perguntar a ele como é ser um Diretor Cinzento, ele
dirá "Bem, um diretor incorpora isso e um diretor incorpora aquilo ... Fui abençoado
em minhas viagens." Você sabe, ele nunca diz "Eu sou um Diretor". Com Solas é a
mesma coisa, só que ele usa ‘no Imaterial’. Eu começaria a colocar ‘no Imaterial’ no
final de muitas frases. “Sim, acontece que todas as coisas que você pensava serem

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verdadeiras na história estavam erradas... porque eu vi... ‘no Imaterial’. (...) Por um
lado funcionou, por outro o tornou menos trágico, mais idiota quando chegamos à
revelação. Então foi assim que chegamos ao que o transformamos: esse personagem que
é inteligente, sábio ... Solas pensará com muito cuidado antes de dizer a você qualquer
coisa e qualquer coisa que ele disser é exatamente o que ele quer que você saiba.”
(Weekes, 2019)

Além de deixar o mistério mais pungente, o objetivo do escritor também foi


deixar claro que Solas é um personagem trágico. No sentido da tragédia do teatro
da antiguidade grega. Na mesma entrevista, Weeks diz que não queria que Solas
fosse facilmente comparado com personagens como Loki (da mitologia nórdica)
ou Charada (vilão do
Batman, da DC). Deste
modo, acredito que
possamos compará-lo,
pelo menos em termos
de premissa e não em
desenlace da história,
com Medeia, tragédia
grega de Eurípedes
(1991). Assim como
Solas, ela inicia seu conto
em um local de exclusão,
mas pode usar de seus
poderes mágicos para se
defender. Por ser
feiticeira, e conhecer
ervas e raízes, ela pode
usar esse “phármakov”
(CÂNDIDO, 2007, pág.
53) de modo benéfico ou
maléfico no mundo, de
acordo com a situação
em que se encontra. A
questão trazida por
Figura 14 - Medeia, por Eugène Delacroix Eurípedes não fala
apenas ao fato de a

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protagonista ter esses poderes, mas tem a ver com a rebeldia apesar das
impossibilidades que Medeia enfrenta: traída e descartada, ela pode ser a “antítese
da figura materna e transgressora da ordem social” (ESPINOZA, 2004, pág. 76). Ou
seja, Medeia opta por atuar, e a ação, como vimos, tem muito a ver com o poder, a
potência de ser.

Medeia, então, não apenas sente a dor de ser criaturada, mas pode agir. Em
nome de vingança e justiça, a personagem “invoca Hécate, deusa do submundo, da
noite, da obscuridade, da lua, da encruzilhada e da magia” (ESPINOZA, 2004:79),
e seus crimes se tornam seu protagonismo. De acordo com Brandão (1987:85-91),
Medeia cometeu diversos assassinatos antes de chegar a seu maior impasse: a decisão
de matar os próprios filhos.

Em Eurípedes, contudo, o final da peça coloca Medeia no carro de sol,


vingada e julgada, mas não considerada uma vilã, mesmo que tenha sofrido por
seus atos. A discussão ética entre o que é justiça e o que é vingança pode ter esses
conceitos borrados em Eurípedes. Mas, ao que nos parece, a busca por um lugar no
mundo deve estar calcada a partir do momento de criaturação, de uma criação
marcada pela agressividade.

Solas parece, assim, ecoar para os jogadores brasileiros uma Medeia que parte
por justiça, e encontra a vingança, de forma que os dois conceitos ficam
completamente separados, como bem e mal. Mas sem necessariamente o final mais
complexo de Medeia, dependendo das ações dos jogadores no game. E é nesta
diferença que se encontra a traição: o amigo que deveria ser companheiro e leal,
porém foca-se na sua própria justiça ou vingança. Vale contar o valor de construção
em gamedesing aqui: quando temos um personagem amigo que podemos controlar
em batalhas, que pode servir como um interesse amoroso, não esperamos que ele
tenha agência própria, mas que sirva apenas aos propósitos do jogador.

2b. Manipulador / Arrogante


Uma das imagens que me chamou atenção para estudarmos esta parcela de
Solas foi a figura do Coiote nas culturas indígenas da América do Norte – talvez
pela sua semelhança com o lobo. Para diversos povos originários, o coiote age como
um tipo de espírito ou divindade trapaceira. Contudo, gostaria de me focar no mito
de criação Maidu.
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Para o povo, existia um ser anterior ao mundo chamado Criador da Terra,
que flutuava em uma água até que foi chamado pelo Coiote. Os dois criaram o
mundo juntos, e depois que o Criador deu origem à humanidade, o Coiote jura que
vai estragar o novo reino. Com receio, o Criador pede que seus novos filhos
destruam o Coiote. A criatura, porém, é esperta e usa de diversos poderes e truques
sobrenaturais para enganar a humanidade. O Criador aceita que o poder do Coiote
é parecido com o seu.

Figura 14 - Representação do Coiote nas lendas Maidus

Os livros de Kerven e de Weekes (Kerven, 2018) (Weekes, 2019), que coletam


histórias do povo Maidu, mostram o Coiote como uma figura multíplice, sempre
entra dois extremos: está associado tanto à verdade como à falsidade podendo ir de
um extremo ao outro; além de sempre conectado com a mortalidade humana. A
figura aparece em diversos contos e é sempre representada de forma engenhosa.
Inclusive, é o próprio Coiote quem diz ao Criador que os humanos deveriam
trabalhar, sofrer, morrer e permanecerem mortos. O Criador não concorda, mas o
Coiote vai destruindo e enganando suas criações, até que o Criador bane a lei da

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imortalidade. A primeira criatura a morrer é o filho do Coiote. Desta forma, ele
também fica associado tanto à felicidade como à tristeza.

Outra lenda Maidu diz que enquanto o Criador moldava diversas criaturas
no barro, o Coiote ria – já que tentou fazer o mesmo, mas suas criaturas não ficaram
tão boas. Quando o Criador pede que o Coiote pare de rir, ele disse que nunca tinha
feito algo assim, a primeira mentira já contada.

Mesmo que muitas lendas o coloquem como enganador e manipulador, o


Coiote ainda é um dos responsáveis pela existência do mundo, e, por vezes, tem um
amor real à sua criação. Há um tema comum entre várias lendas da América do
Norte, que colocam o Coiote como uma forma de benfeitor, por trazer o sol ou o
fogo para as mãos da humanidade. O Coiote ensinou jogos e diversão ao povo
Maidu, jogou com eles, fez coisas incríveis e horrendas.

Solas pode não ser necessariamente uma divindade, mas é tratado como uma
pelo seu povo, e certamente faz coisas incríveis e horrendas. Sua parcela mais
divertida talvez não seja vista por todos os jogadores, mas há um lado jocoso do
personagem que pode ser visto por aqueles que se aproximam mais. Porém, o ponto
real de conexão entre Solas e o Coiote Maidu é certamente a arrogância: ambos
acreditam que sabem o que é melhor para as criaturas que habitam o mesmo
mundo do que eles, e agem de acordo com as suas vontades. Mesmo que isto
signifique o sofrimento de muitos.

Inclusive, Solas também acredita que é natural de que alguns sofram e


morram, menos aqueles que considera seus iguais, claro – o que não significa que
também não esteja disposto a destruí-los. Para realizar todos estes feitos é necessário
um poder real, que ambos Solas e o Coiote têm. Além de lábia o suficiente para que
possam tornar os seres ao redor em peões nos seus planos. De todas as palavras que
foram repetidas pelos jogadores brasileiros, acredito que “manipulador/arrogante”
sejam as que eu também usaria para descrever o personagem. Porque há, de fato, o
sentimento de ser/fazer melhor do que os outros, mas também existe o ardil para
concretizar sua visão.

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2c. Lobo
A representação mais pictórica de Solas por ser o próprio Fen'Harel, semi-
divindade associada ao lobo. Mas não há apenas uma variação icônica do signo,
como também possibilidades simbólicas. Comecemos pela representação de
Fen'Harel dentro da mitologia de Dragon Age: Inquisition. O elfos valeanos o
consideram uma divindade maléfica, mas ainda o reverenciam, porque se lembram
de que, no passado, o Lobo Temido era chamado para ajudar os elfos, mesmo que
sempre pedisse algo em troca, e cumprisse suas promessas de modos um tanto
distorcidos.

Uma das lendas mais conhecidas de Fen’Harel é a da traição dos outros


deuses. Há muito tempo, havia dois clãs de deuses. Os criadores, que cuidavam das
pessoas. E os esquecidos, que atacavam o povo valeanos. Fen’Harel não escolheu
um lado, mas como era parente dos criadores às vezes os ajudava na batalha contra
os esquecidos. Muito inteligente, o Lobo Temido andava entre os dois lados, e disse
a ambos que havia forjado uma lâmina que acabaria com a guerra. Para os criadores,
disse que estava nos céus, e para os esquecidos, disse que a arma estava no abismo.
Quando as duas facções saíram para buscar a lâmina, ele selou cada um em um
reino diferente, e depois caminhou sozinho pelo mundo.

Figura 15 - Imagem de Fen'Harel traindo os deuses, em Dragon Age: Inquisition

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Em Inquisition, aparecem evidências de que o conto da traição realmente
aconteceu, mas de forma mais complexa do que narrado. Em conversas entre Solas
e Cole, eles comentam que Fen’Harel realmente selou os deuses, mas que a decisão
foi tomada com muito pesar para minimizar as vítimas civis no conflito entre as
divindades. Solas fica chocado em saber que os elfos permaneciam em guerras,
internas e externas, pois eles deveriam ter evoluído de outra forma.

Se tomarmos as falas entre Solas e Cole como verdadeiras, temos duas


representações da imagem do lobo: benéfica, como um animal que usa sua
inteligência guiado por compaixão; e maléfica, como uma criatura que usa de sua
astúcia para própria ambição, sem se privar de crueldade. Talvez ambos estejam
corretos.

A visão do lobo como animal maléfico está associada a algumas culturas,


contudo, vale lembrar que as mitologias antigas não veem a morte como um horror
absoluto, mas como parte de um ciclo natural. Assim, vamos nos aprofundar para
compreender as raízes do lobo maléfico. No cristianismo, o lobo representa o diabo,
como um saqueador do rebanho. Como uma divindade diabólica, infernal, o lobo
é uma ameaça feroz, um devorador de crianças. Foi da pele de um lobo que Hades,
o Senhor dos Infernos, fez o seu manto. Também na tradição nórdica, o lobo
simboliza a morte cósmica, pois são devoradores de astros. Gilbert Durand comenta
sobre a questão devoradora do lobo em As Estruturas Antropológicas do Imaginário:
“O lobo é ainda no século XX um símbolo infantil de medo pânico, de ameaça, de
punição. O "Grande Lobo Mau" vem substituir o inquietante Ysengrin. um pensamento
mais evoluído, o lobo é assimilado aos deuses da morte e aos gênios infernais. [...] Esta
crença reaparece tanto na Ásia Setentrional, onde os yakutes explicam as fases lunares
pela voracidade de um urso ou lobo devorador, como nos nossos campos franceses,
onde se diz indiferentemente que um cão "uiva à lua" ou "uiva à morte".” (Durand,
2002), pág. 86

Muito provavelmente, nossa associação do lobo a algo negativo vem da


cultura babilônica, que serviu como uma das bases para o cristianismo. No épico
Gilgamesh (Anonymous, cerca de 2100 A.C.), a deusa Ishtar transforma um de seus
amantes, um pastor, em lobo, transformando-o assim no próprio animal contra o
qual seus rebanhos devem ser protegidos.

Mesmo em algumas religiões dualistas como o Zoroatrismo, a imagem do


lobo se torna mais complexa. O próprio Zoroastro, quando criança, foi carregado
pelos deuses ao covil da loba, na expectativa de que a besta selvagem o matasse; mas
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ela o aceitou entre seus próprios filhotes. O conto do lobo que salva a criança, que
você deve conhecer de Remo e Romulo na mitologia romana, na verdade, ocorre
em diversos povos.

Os Wusuns, um povo indo-europeu, contavam uma lenda que depois que


seu rei Nandoumi foi morto pelos Yuezhi, outro povo indo-europeu, seu filho bebê,
Liejiaomi, foi deixado na selva. O infante foi milagrosamente salvo da fome sendo
amamentado por uma loba. Na mitologia dos povos turcos, o lobo é um animal
venerado. Dizia-se que que os lobos eram os ancestrais de seu povo. A lenda conta
que no norte da China, uma pequena aldeia turca foi invadida por soldados
chineses, mas um pequeno bebê foi abandonado. Uma velha loba com uma crina
azul-celeste chamada Asena encontrou o bebê e cuidou dele, então a loba deu à luz
a metade lobo, metade filhotes humanos, de quem o povo turco nasceu.

Figura 16 - O lobo e o elfo ficam associados na figura de Fen'Harel em Dragon Age: Inquisition

Assim, a figura do lobo parece caber perfeitamente para um personagem


intricado como Solas, que pode aparecer em sua faceta destruidora, associada tanto
à morte de criaturas mundanas como à morte cósmica (o nascimento do Véu, por
exemplo). Mas também pode aparecer na faceta de um auxiliar das criaturas
mortais, que nutre e alimenta a Inquisição, e o povo valeano.

FLAVIAGASI.COM.BR/LOJA 37
3. Solas, como peregrino, na minha escolha
De todas as palavras que vi em todas as nuvens criadas, a que mais me
chamou a atenção foi citada apenas uma vez. Assim, peço licença a leitora/o/e para
que eu também possa fazer um pequeno estudo com a imagem que eu escolhi:
peregrino.

Figura 17 - Minha palavra escolhida, citada apenas uma vez nas nuvens de palavras

Do latim peregrinus, que significa alguém que vem de terras distantes,


estrangeira/e/o, exótica/e/o, estranha/e/o. Mas a palavra ganhou mantos de
metafísica quando utilizada como alguém que viaja a um local santo ou de devoção.
Para Solas, o Imaterial é uma terra santa, de devoção, assim como o passado é um
local santo, de devoção. O personagem vive entre essas viagens, e optou por
permanecer na terra com o objetivo de fundir os mundos, como se esta fosse a sua
jornada. Antes de falarmos sobre as escolhas de Solas durante o jogo, queria
comentar sobre o viajante que não estava perdido.

Se fizermos um paralelo com o viajante que se propõe a completar o


caminho de São Tiago da Compostela, podemos encontrar a imagem da concha,
comumente penduradas nas mochilas dos peregrinos que fazem o caminho. Diz-se
que isso aconteceu porque os andarilhos queriam levar provas da completude de
sua jornada, e então, levavam conchas de vieiras de Finisterra. Na teoria do
imaginário, a concha pode ter muitos significados, geralmente ligados às
valorizações de repouso, de intimidade, de se reencontrar. Este reencontro tem
muito à ver com a peregrinação: o caminhar para entrar em si, o caminho trilhado
vagarosamente, para ser compreendido de forma íntima.

FLAVIAGASI.COM.BR/LOJA 38
Figura 18 - Uma concha de vieira

Durand comenta a visão da imaginação bachelardiana como uma


possibilidade de concha:

“"A imaginação", escreve Bachelard, "não só nos convida a reentrar na nossa concha,
como também a esgueirarmo-nos em qualquer concha para viver aí o verdadeiro
isolamento, a vida enroscada, a vida dobrada sobre si mesma, lodos os valores do
repouso." Daqui resulta uma primeira interpretação simbólica da concha, muito
diferente da que reencontraremos a propósito do simbolismo cíclico: aqui é a concha
esconderijo, refúgio, que se sobrepõe às meditações sobre o seu aspecto helicoidal ou
sobre o ritmo periódico do aparecimento e desaparecimento do gastrópode.” (Durand,
2002, p. 253)

As viagens de Solas no Imaterial são demandas de conhecimento, mas


também de refúgio e, por muitos anos, serviu como esconderijo de seu passado.
Cole, um personagem espírito de Inquisition, comenta sobre Solas: “Luminoso e
brilhante, ele vagueia pelos caminhos, andando, despertando, em busca de
sabedoria.” (BioWare, 2014). E complementa: “De sua maneira, ele conhecia a
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sabedoria, como nenhuma criatura ou espírito antes dele.” (BioWare, 2014). Perder-
se, muitas vezes, pode significar achar algo novo. No caso de Solas, o que ele
encontra é um tanto menos noturno e digestivo; ele assume uma postura solar,
agressiva, de resolver problemas do passado que o Imaterial não o fez esquecer
totalmente. Pelo contrário, a própria jornada torna-se uma constante memória.

O Imaterial pode ser descrito, inclusive, como um labirinto de memória,


como fala o próprio Solas:
“Blackwall: Você viu muitas coisas no Imaterial, como sabe que são verdadeiras?
Solas: Eu não sei. Tudo no Imaterial é uma memória e as memórias são facilmente
turvadas. Assim como seus livros de história, eles contêm verdades, mas a razão e o
bom senso são necessários para extraí-los.” (BioWare, 2014)

O Imaterial é uma casa, e também um labirinto, e esta analogia é muito


usada em teoria do imaginário. A morada se torna um labirinto conhecido
“tranquilizador, amado, apesar de que pode em seu mistério subsistir um ligeiro
temor” (Durand, 2002, p. 243). O labirinto, para Bachelard, é sempre ambivalente:
ele pode ser um local de pesadelo e um local de morada, ou ambos. O labirinto
iniciático é mais íntimo e pode gerar uma experiência feliz, serena. Mas, também
pode ser a vivência de aprisionamento. O medo de se perder no labirinto traz a
experiência do nó, do desafio de ver o labirinto não como seu arquiteto, mas como
aquele que caminha passo a passo. Solas perde-se no labirinto do Imaterial: ele
começa na experiência iniciática, e termina preso, em uma angústia de passado.
Uma frase de Bachelard parece ser feita para o personagem:
“A síntese que é o sonho labiríntico acumula, ao que parece, a angústia de um passado
e a ansiedade de um porvir de infortúnios. O indivíduo fica preso em um passado
bloqueado e um futuro obstruído. Fica aprisionado num caminho. Enfim, estranho
fatalismo do sonho de labirinto: volta-se às vezes ao mesmo ponto, mas jamais se volta
pra trás”. (Bachelard, (1990a.) [1948], p. 164)

Parece exatamente Solas tentando resolver um passado que gerou o mundo


como ele existe na mitologia da franquia agora. É desfazer-se para tentar trazer do
passado. Lúcia Leão, em “O Labirinto da Hipermídia”, coloca três tipos de labirinto
(Leão, (1999) , pp. 46 - 47): um apenas de arquitetura, um que mostra o espaço que
se desdobra pelo percurso do viajante do labirinto e um “que surge após a
experiência hipermidiática. Nem sempre ele se delineia claramente.

O Imaterial é tratado de forma hipermidiática em Inquisiton, como se fosse


um fractal que pode ser visitado dependendo dos acessos daquele que o adentra. Ele
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não é arquitetura, ele não tem apenas um caminho. Mas, sim, podemos tentar traçar
a jornada de Solas dentro do Imaterial, que é um caminho trágico. Talvez o
problema esteja na palavra “peregrino” e na santa demanda que ela carrega: Solas
para de percorrer, e passa a andar com um objetivo em mente. Imagine a carta do
Louco/Tolo do tarô, que perdeu sua jovialidade, sua inocência.

Figura 19 - A carta do Louco/Tolo no tarô de Marselha

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A carta mostra a figura de um homem localizado acima do abismo. Ele se
dirige para a beira, mas não olha para onde está indo. O cão pequeno ao seu pé tenta
alertá-lo do perigo iminente, mas o homem está tranquilo, ele sabe que sua jornada
pode o levar à queda, e não tem medo disto. Solas começa com todo o mistério de
um andarilho, do Louco, relevando a sua jornada como mística, farta, sem
obstáculos. Contudo, na verdade, a jornada já foi realizada – o Louco indica o
começo dela. E de andarilho, Solas torna-se peregrino.

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