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8 temas de economia aplicada

Nova Classificação de Intensidade Tecnológica da OCDE e a


Posição do Brasil
Paulo César Morceiro (*)

1 Introdução1 nológica da OCDE, muito utilizada e foram propostas quatro catego-


nos estudos brasileiros. rias tecnológicas: alta, média-alta,
Desde o último quarto do sécu- média-baixa e baixa tecnologia
lo XX, cresceu a importância dos (HATZICHRONOGLOU, 1997). En-
2 Nova Classificação de Intensi-
setores de serviços na criação de tretanto, ambas classificavam ape-
dade Tecnológica da OCDE
tecnologias, sobretudo na área das nas setores da indústria manufatu-
tecnologias da informação e co- reira, e devido ao papel mais ativo
municação. Para entender melhor A OCDE possui uma classificação
dos setores não manufatureiros no
o papel desempenhado por cada setorial de categorias tecnológicas
desenvolvimento tecnológico nas
setor de atividade, a Organização baseada no indicador de intensida-
duas últimas décadas, a OCDE atu-
para a Cooperação e Desenvolvi- de em Pesquisa e Desenvolvimento
alizou em 2016 a sua classificação
mento Econômico (OCDE) revisou (P&D) que é muito utilizada nos
estudos de Economia da Inovação. para incluir praticamente todos os
e atualizou a sua classificação de
Essa classificação adota uma hie- setores de atividade da economia
intensidade tecnológica para in-
rarquia entre os setores produtivos (GALINDO-RUEDA; VERGER, 2016).
cluir os setores de serviços e os
para classificá-los em grupos de A Tabela 1 exibe a nova classifi-
demais setores não manufaturei-
ros, suprindo uma deficiência da intensidade tecnológica. A primei- cação que agrupa os setores pro-
classificação anterior que captava ra versão foi criada na década de dutivos em cinco categorias: alta,
apenas a manufatura. 1980 (OECD, 1984) e segmentou média-alta, média, média-baixa e
os setores da indústria de trans- baixa intensidade em P&D. A in-
Este boletim apresenta, analisa e formação em três categorias: alta, tensidade em P&D é a razão entre
compara o Brasil com a nova classi- média e baixa tecnologia. Na dé- os investimentos em P&D e o PIB a
ficação setorial de intensidade tec- cada de 1990, houve uma revisão preços básicos.

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Tabela 1 – Nova Taxonomia de Intensidade Tecnológica da OCDE Que Inclui Todas as Atividades Econômicas

Intensidade Manufatura P&D como Não Manufatura P&D como


em P&D % do PIB % do PIB
303: Aeronaves e componentes relacionados 31,69 72: Pesquisa e desenvolvimento científico 30,39
Alta 21: Farmacêutica 27,98
582: Desenvolvimento de sistemas (softwares) 28,94
26: Informática, eletrônicos e produtos ópticos 24,05
251: Armas e munições 18,87
62-63: Outros serviços de informação 5,92
29: Veículos automotores e autopeças 15,36
325: Instrumentos médicos e odontológicos 9,29
28: Máquinas e Equipamentos (M&Es) 7,89
Média-alta
20: Químicos 6,52
27: Máquinas e equipamentos elétricos 6,22
30X: Veículos ferroviários, veículos militares de
5,72
combate e outros (inclui ISIC 30.2, 30.4 e 30.9)
22: Plásticos e borracha 3,58
301: Construção de embarcações 2,99
32X: Produtos diversos, exceto código 32.5 2,85
Média
23: Outros minerais não metálicos 2,24
24: Metalurgia básica 2,07
33: Manutenção, reparação e instalação de M&Es 1,93
69-75X: Atividades profissionais, científicas e
13: Têxteis 1,73 1,76
técnicas, exceto P&D (ISIC 69-75 menos 72)
15: Calçados e artefatos de couros 1,65 61: Telecomunicações 1,45
17: Papel e celulose 1,58 05-09: Indústria extrativa 0,80
10-12: Alimentos, bebidas e fumo 1,44 581: Edição e edição integrada à impressão 0,57
Média-baixa 14: Vestuário e acessórios 1,40
25X: Produtos de metal, exceto código 25.2 1,19
19: Refino de petróleo e biocombustíveis 1,17
31: Móveis 1,17
16: Madeira e produtos da madeira 0,70
18: Impressão e reprodução de gravações 0,67
64-66: Financeiros, seguros e complementares 0,38
35-39: Eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza
0,35
urbana
59-60: TV, rádio, cinema e gravação/edição de
0,32
som e imagem
45-47: Comércio 0,28
01-03: Agricultura, pecuária, florestal e pesca 0,27
Baixa 41-43: Construção 0,21
77-82: Atividades administrativas e serviços
0,18
complementares
90-99: Artes, recreação, serviços domésticos,
0,11
organizações associativas e outros serviços
49-53: Transporte, armazenagem e correio 0,08
55-56: Alojamento e alimentação 0,017
68: Atividades imobiliárias 0,008
Fonte: Morceiro (2018, p. 198).
Nota: Classificação ISIC revisão 4, que a dois dígitos é igual a CNAE brasileira. A intensidade em P&D para outras agregações: 30: Outros equipa-
mentos de transporte = 20,44 (média-alta); 32: Produtos diversos = 3,52 (média); 25: Produtos de metal, exceto M&Es =1,68 (média-baixa);
58: Atividades de edição = 13,80 (média-alta); e 31-32: Móveis e produtos diversos = 2,43 (média).

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A seguir, alguns comentários analí- dos variados setores de atividade, que os setores menos intensivos
ticos da Tabela 1: de serviços ou não. Vale ressaltar em P&D da manufatura fazem mais
que a pesquisa realizada pelo la- P&D que a maioria dos setores de
Primeiro: atualmente, o filé mig- boratório de P&D tem finalidade serviços.
non do desenvolvimento tecnológico relacionada ao setor de atuação da
é realizado por apenas 13 setores empresa, mas a convenção atual é Quinto: alguns setores de serviços
dos grupos de alta e média-alta tec- classificar a P&D dos laboratórios chamados de modernos ou sofisti-
nologia, que reúnem a produção de com CNPJ independente na divisão cados, como “atividades profissio-
aviões, desenvolvimento de sistemas de serviços 72. Desenvolvimento nais, científicas e técnicas” (por
(softwares), produtos farmacêuticos, de sistemas (softwares) é o princi- ex., advogados, contadores, audi-
informática e eletrônicos, armas e pal setor tecnológico puramente tores, arquitetos, publicitários, ve-
munições, automóveis, máquinas e de serviços e investe 28,94% do terinários, consultores), “serviços
equipamentos, químicos, serviços PIB setorial em P&D. Este setor é financeiros” e “telecomunicações”
de informação, entre outros. Os se- dominado por gigantes, como Mi- são pouco intensivos em P&D, ape-
tores manufatureiros permanecem crosoft, Oracle, Alphabet (Google) e sar de empregarem mão de obra de
na liderança tecnológica junto com SAP. Desenvolvimento de sistemas maior qualificação e remuneração
alguns poucos setores de serviços. (582) junto com os outros serviços que a média da economia.
Entre os 13 setores de alta e média- de informação (62-63) terão um
-alta intensidade em P&D, 10 são papel ainda maior a partir dos des- Vale ressaltar que a classificação
manufatureiros e 3 de serviços. dobramentos da Quarta Revolução da OCDE capta a intensidade tec-
Industrial (também chamada de nológica do conjunto de países que
Segundo: os setores manufaturei- Indústria 4.0). atuam na fronteira tecnológica.
ros mais bem ranqueados são os A intensidade em P&D não será a
mesmos da antiga classificação. Terceiro: a maioria dos setores de mesma para os países individua-
A novidade foi a presença de três serviços e os demais setores não lizados, sobretudo para os países
setores de serviços intensivos em manufatureiros fazem pouca P&D em desenvolvimento que possuem
conhecimento nos grupos de alta e e estão classificados nos grupos de uma estrutura produtiva menos
média-alta tecnologia, quais sejam: baixa e média-baixa intensidade concentrada nos setores tecnoló-
atividade de pesquisa e desenvol- em P&D. Estão no grupo de baixa gicos, como o Brasil, assunto da
vimento científico (72), desenvol- intensidade em P&D setores econô- próxima seção.
vimento de sistemas e programas micos expressivos em PIB ou em-
de computador (softwares) (582), prego, como comércio, transportes,
3 Distância do Brasil da Fronteira
e outros serviços de informação serviços financeiros, agropecuária,
Tecnológica Setorial
(62-63). A atividade de P&D cien- construção civil, alojamento e ali-
tífico (72) lidera a hierarquia dos mentação, atividades imobiliárias,
Os setores de atividade do Brasil
setores não manufatureiros; ela energia elétrica, atividades admi-
estão muito distantes da fronteira
inclui os laboratórios das empre- nistrativas e serviços complemen- tecnológica setorial? Nesta seção,
sas que possuem centros de P&D tares (como segurança privada). explora-se esse assunto ao utilizar
independentes de sua atividade como fronteira tecnológica setorial
principal e os institutos privados Quarto: os setores manufatureiros a intensidade em P&D dos países da
de pesquisa. Dessa maneira, a di- estão distribuídos nos quatro pri- OCDE e a compara com o Brasil no
visão 72 inclui laboratórios de meiros grupos tecnológicos; não Gráfico 1. Em alguns casos, os seto-
P&D das empresas e instituições há nenhum no último grupo. Note res foram agregados para manter a

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mesma base de comparação. Ressalta-se que a OCDE que investiu 10,1% do PIB em P&D (MORCEIRO, 2018,
calculou a intensidade em P&D apenas dos setores cap. 4). Em outros quatro setores de menor intensida-
predominantemente privados, assim, a administração de em P&D o Brasil está à frente da OCDE, a saber: ele-
pública, saúde e educação não estão incluídas na com- tricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana; indús-
paração a seguir. tria extrativa; agropecuária; e metalurgia. Nos três
primeiros, a P&D realizada por institutos públicos de
O Brasil está distante da intensidade em P&D da OCDE
pesquisa desempenha um peso significativo. Quanto
na maioria dos setores da economia, sejam eles muito
ao setor metalúrgico, o país investiu 4,63% do PIB em
ou pouco intensivos em P&D (Gráfico 1). No entanto,
há algumas exceções. O setor químico brasileiro é o P&D no segmento metalurgia de metais não ferrosos
único de média-alta intensidade em P&D que está à e fundição (MORCEIRO, 2018, cap. 4), percentual 2,2
frente da OCDE, em grande medida devido ao segmen- vezes superior à respectiva intensidade em P&D da
to limpeza, cosméticos/perfumaria e higiene pessoal, fronteira tecnológica.

Gráfico 1 – Intensidade Tecnológica: P&D Sobre o PIB, em %, Brasil Versus OCDE

Fonte: Morceiro (2018, p. 121).


Nota: PIB a preços básicos ou valor adicionado bruto. Dados de 2013 para o Brasil e 2011 para OCDE.

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Além de o Brasil ser uma nação em viços em montante investidos em to, mudanças na organização do
desenvolvimento, sua renda per P&D e em intensidade de P&D. O trabalho e aquisição de máquinas e
capita é muito inferior à da maio- setor de desenvolvimento de sof- softwares. Ademais, cabe registrar
ria dos países da OCDE, que são tware é o quarto que mais investe que há um predomínio de firmas
majoritariamente desenvolvidos. em P&D entre os mil maiores gas- pequenas e muita atividade infor-
Nessas economias, os setores mais tos empresariais em P&D do pla- mal em segmentos relevantes – por
tecnológicos, sejam eles manufatu- neta com 14,5% do total investido, exemplo, comércio, transportes,
reiros ou não manufatureiros, têm ficando atrás apenas da indústria contabilidade e serviços pessoais
um peso maior na composição da de informática e eletrônica, da –, especialmente nos países em de-
estrutura produtiva que no Brasil, farmacêutica e da automobilística senvolvimento. Assim, a atividade
assim como contribuem mais para (JARUZELSKI; STAACK; CHWALIK, de P&D na maioria dos serviços
o desenvolvimento tecnológico. 2017). Embora tenha um peso ex- ainda é escassa.
Para exemplificar, a indústria far- pressivo na economia mundial, no
macêutica e o setor produtor de Brasil esse setor está muito dis-
equipamentos de informática, ele- tante da fronteira tecnológica e faz 4 Conclusão
trônicos e produtos óticos inves- pouca P&D em montante absoluto
tem em P&D cerca de um quarto e em percentual do PIB (ver MOR- Ao incluir os setores não manufa-
do PIB, enquanto no Brasil esses CEIRO, 2018, cap. 4). tureiros, sobretudo de serviços,
setores investiram percentual bem a nova classificação setorial de
menor (Gráfico 1). Nota-se que poucos setores de ser- intensidade tecnológica da OCDE
viços estão presentes no Gráfico torna-se uma ferramenta ainda
Embora a economia brasileira pos- 1, o qual exibe apenas os setores mais útil que sua versão anterior
sua estrutura produtiva diferente com intensidade em P&D superior para análises comparativas.
das principais economias desenvol- a 0,10% (os demais podem ser con-
vidas, os setores que apresentam sultados em MORCEIRO, 2018, cap. No Brasil, a maioria dos setores
as maiores intensidades em P&D 4). No Brasil, a maioria dos setores de atividade possui intensidade
no Brasil são praticamente os mes- de serviços faz pouca P&D e em em P&D inferior à verificada nos
mos da OCDE, mas em proporções menor intensidade que a OCDE. países que atuam na fronteira tec-
menores. Os oito setores líderes em Na verdade, é uma característica nológica. O Brasil destaca-se nos
P&D do Brasil exibidos no Gráfico estrutural de grande parte dos se- setores intensivos em recursos
1 pertencem aos grupos de alta e tores de serviços registrar pouco naturais, como agropecuária, in-
média-alta intensidade em P&D investimento em P&D (EVANGE- dústria extrativa e metalurgia,
da OCDE. Apenas o setor agregado LISTA, 2000; HIPP; GRUPP, 2005; além do setor químico (que possui
de desenvolvimento de sistemas e GALINDO-RUEDA; VERGER, 2016), o segmento de químicos orgânicos
outros serviços de informação, que uma vez que eles dependem menos em que uma parte também depen-
seria classificado como média-alta dos laboratórios de pesquisa com- de do processamento de recursos
intensidade em P&D pela OCDE, parativamente à manufatura para naturais).
não está entre os setores líderes no manterem-se competitivos. Em
Brasil. geral, para os serviços, outras ati- A mudança estrutural – da indús-
vidades são mais importantes que tria para os serviços (desindus-
Esse setor agregado inclui o setor a P&D, como a implementação de trialização) – que tem ocorrido na
de softwares 3, o qual é o mais im- novas técnicas de gestão, novas es- economia brasileira nas últimas
portante dentre os setores de ser- tratégias de marketing, treinamen- décadas tem consequências nega-

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tivas para o desenvolvimento tecnológico futuro do MORCEIRO, P. C. A indústria brasileira no limiar do século XXI: uma
análise da sua evolução estrutural, comercial e tecnológica. 198 f. Tese
Brasil, pois os setores de serviços que ganharam peso
(Doutorado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabi-
no PIB brasileiro nesse período possuem baixíssima lidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
intensidade em P&D. OECD. Specialisation and competitiveness in high, medium and low
R&D intensity manufacturing industries: general trends (internal
OECD memorandum). Paris: OECD, 1984.
Referências

EVANGELISTA, R. Sectoral patterns of technological change in ser-


vices. Economics of Innovation and New Technology, v. 9, n. 3, p.
1 Este texto é oriundo da tese de doutorado do autor (MOR-
183-222, 2000. CEIRO, 2018, cap. 4).
GALINDO-RUEDA, F.; VERGER, F. OECD taxonomy of economic activi- 2 Os setores que foram agregados são: “desenvolvimento de
ties based on R&D intensity. OECD Science, Technology and Industry sistemas (softwares)” com “outros serviços de informação”
Working Papers No. 2016/04. Paris: OECD Publishing, 2016. e “pesquisa e desenvolvimento científico” com “arquitetura,
engenharia, testes e análises técnicas”.
HATZICHRONOGLOU, T. Revision of the high-technology sector and
3 Não foi possível separar os softwares dos outros serviços de infor-
product classification. OECD Science, Technology and Industry mação para o Brasil.
Working Papers No. 1997/02. Paris: OECD Publishing, 1997.
HIPP, C.; GRUPP, H. Innovation in the service sector: the demand for
service-specific innovation measurement concepts and typologies.
Research Policy, v. 34, n. 4, p. 517-535, 2005.
JARUZELSKI, B.; STAACK, V.; CHWALIK, R. The global innovation (*) Doutor em Economia pela FEA-USP. Pesquisador da FIPE e do
1000: will stronger borders weaken innovation? Strategy+business, NEREUS. O autor agradece à CAPES e à FIPE pelo financiamento da
n. 89 (winter), p. 16, 2017. pesquisa. (E-mail: [email protected])

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