Lgarcia, Os Processos de Rualização e Sua (Des) Conexão Na Vigilância Socioassistencial
Lgarcia, Os Processos de Rualização e Sua (Des) Conexão Na Vigilância Socioassistencial
Lgarcia, Os Processos de Rualização e Sua (Des) Conexão Na Vigilância Socioassistencial
Resumo
Trata-se de um estudo misto, com uso da técnica de triangulação. Vincula a origem atual dos processos de
rualização, assim como da situação de rua, ao atual modo de produção, capitalista. A realidade contraditória
onde se inserem as políticas sociais são destacadas e, diante disso, analisa-se no âmbito da política de
Assistência Social, como ela dá conta da função de Vigilância Socioassistencial direcionada a este
segmento populacional, na região metropolitana de Porto Alegre. Demonstra, assim, a (des)conexão entre
as múltiplas manifestações de desproteção social, que deveriam ser priorizadas no processo de Vigilância
Socioassistencial, e a combinação de indicadores construída de forma processual e coletiva, que permita
sua transformação.
Palavras-chave: Processos de rualização; Situação de rua; Política de Assistência Social; Vigilância
Socioassistencial.
Abstract
It is a mixed study, using the triangulation technique. It links the current origin of the processes of
“rualização”, as well as of the street situation, to the present mode of production, capitalist. The
contradictory reality in which social policies are inserted are highlighted and, in the light of this, it is
analyzed within the scope of the Social Assistance policy, as it accounts for the function of Social Assistant
Vigilance directed to this population segment, in the metropolitan region of Porto Alegre. It shows,
therefore, the (dis)connection between the multiple manifestations of social deprotection, which should be
prioritized in the Socio Assistant Vigilance process, and the combination of indicators constructed in a
procedural and collective way, that allows its transformation.
Keywords: Process of “rualização”; Street life situation; Social Assistance policy; Social Assistant
Vigilance.
Introdução
Este texto, fruto de uma tese de doutorado em Serviço Social, apresenta o
fenômeno rualização 2 constituído como um processo que se conforma a partir de
1
Doutorando em Serviço Social, PPGSS/PUCRS. E-mail: <[email protected]>.
2
“Ver essa situação como estado e não como processo é um modo de reiterá-la, sem reconhecer a
perspectiva do movimento de superação – e essa parece ser uma questão central. [...] O termo processo de
rualização parte de uma concepção oposta, na medida em que se reconhece como processo social, condição
que vai se conformando a partir de múltiplos condicionantes” (PRATES, et al. Temporalis, Brasília/DF, n.
22, p. 191-215, jul./dez, 2011). Em Trabalho de Conclusão (2010), o autor do presente artigo, também
apresentava a rualização como expressão da questão social, processos combinados de “mudanças no mundo
do trabalho e o aprofundamento das desigualdades sociais, o que torna cada vez mais expressiva a presença
2
múltiplos condicionantes e que pode iniciar na esfera doméstica, esfera das relações
primárias, resultando na utilização da rua como espaço de sobrevivência e/ou moradia e
como referência identitária. Destaca-se o processo de rualização como manifestação da
questão social3, fruto do modo de produção capitalista. Analisa, no âmbito da política de
Assistência Social, como ela dá conta da função de vigilância das desproteções e dos
serviços direcionados a esse segmento populacional. Assim, o estudo que resultou neste
texto parte do seguinte problema: o que fundamenta e como se processa a Vigilância
Socioassistencial 4 na Proteção Social Especial 5 em relação a população adulta em
situação de rua na região metropolitana de Porto Alegre6?
A perversa lógica do capital e a realidade contraditória, onde se inserem as
políticas sociais são destacadas, assim como as desigualdades e resistências e diante disso,
problematizadas as agendas municipais relativas à situação de rua, seu atendimento e sua
possível prevenção. Assim, a proposta da referida pesquisa surgiu como resultado de uma
trajetória de contato direto com a realidade concreta, “dinâmica entre razão e
experiência”, na busca pela abordagem científica em relação aos processos de rualização
e a situação de rua contemplados, ou não, pela função de Vigilância Socioassistencial.
Parágrafo único. A Vigilância Socioassistencial constitui como uma área
essencialmente dedicada à gestão da informação, comprometida com:
I - o apoio efetivo às atividades de planejamento, gestão, monitoramento,
avaliação e execução dos serviços socioassistenciais, imprimindo caráter
técnico à tomada de decisão; e
II – a produção e disseminação de informações, possibilitando conhecimentos
que contribuam para a efetivação do caráter preventivo e proativo da política
de assistência social, assim como para a redução dos agravos, fortalecendo a
função de proteção social do SUAS (BRASIL, 2012, art. 90).
de pessoas em situação de rua nos centros urbanos do país” (NUNES, 2010, p. 13 ). Percebe-se um processo
muitas vezes iniciado na esfera doméstica, esfera das relações primárias (NUNES, 2019).
3
A questão social é apreendida como expressão das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento
das forças produtivas do trabalho social. Sua produção/reprodução assume perfis e expressões
historicamente particulares na cena contemporânea (IAMAMOTO, 2004, p. 10-11).
4
Vigilância Socioassistencial é uma das três funções da política de Assistência Social.
5
A Proteção Social Especial refere-se a programas e serviços da Política de Assistência Social, mais
especializados, dirigidos a família e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social. Há
duas modalidades de proteção social especial, média e alta complexidade.
6
Com 34 municípios em mais de 10 mil km e densidade populacional de 389,7 hab/km², totalizando 96,93%
de população urbana, contendo 9 dos 18 municípios do RS com mais de 100 mil habitantes (IBGE,
METROPLAN, 2010; SEPLAN/RS, 2016).
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Utilizar-se-á neste estudo, os termos vulnerabilidade e desproteção social, ainda que a professora Aldaíza
Sposati chame a atenção para a vulnerabilidade sendo uma descompensação do indivíduo e de que
desproteção social vincula-se a uma ação desprotetora (coletiva). Vulnerabilidade é o termo utilizado nos
documentos da política.
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“Nosso capitalista quer produzir não só valor de uso, mas uma mercadoria, não só
valor de uso, mas valor e não só valor, mas também a mais-valia.” Neste contexto, Silva
(2009) sinalizou o excedente à capacidade de absorção pelo capitalismo, da produção de
uma superpopulação relativa no processo de acumulação do capital, em que se vincula a
reprodução do fenômeno população em situação de rua. Parte deste considerado exército
industrial de reserva pode se cronificar e no atual estágio do capitalismo rentista,
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Trecho extraído do artigo escrito pelo autor em julho de 2007 para a “Apresentação” do livro Contribuição
à Crítica da Economia política de Karl Marx (Expressão Popular, 2ª edição, São Paulo: 2008).
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Giovane Scherer (2018) chama a atenção também para a importância dos últimos
acontecimentos no cenário político brasileiro. Aponta para a manutenção dos interesses
das elites do país, “por meio do avanço ultraneoliberal presente, especialmente, nos
últimos dois anos, após a quebra daquilo que se convencionou chamar de
Neodesenvolvimentismo10” (SCHERER, 2018, NR. 4). Por outro lado, Anthony Giddens,
(1996, p. 31) rotula os socialistas contemporâneos de conservadores, uma vez que, no
confronto com o neoliberalismo 11 , “descobrem-se tentando preservar instituições
existentes – de modo mais notável o Welfare State – em vez de tentar abalá-las”.
Segundo Herrera (2015, p. 11), “outro capitalismo, ‘com aparência humana’, sem
crise sistêmica e nem guerra imperialista, não é possível”. O neoconservadorismo busca
legitimação pela repressão dos trabalhadores ou pela criminalização dos movimentos
sociais, da pobreza e da militarização da vida cotidiana. “La atrofia del Estado social y la
hipertrofia del estado penal son dos tranformaciones correlativas y complementarias que
participan de um nuevo gobierno de la miséria” (WACQUANT, 2007, p. 318). Formas
9
Mais em: GOMES, Helder (Org.). Especulação e lucros fictícios: Formas parasitárias da acumulação
contemporânea. São Paulo: Outras Expressões, 2015.
10
Consiste como reflexão central para Sampaio Junior (2012, p. 673 et, seq.), onde o autor critica a proposta
de neodesenvolvimentismo por chamar de “solução burguesa para a trajetória do subdesenvolvimento e da
dependência [...] pela utopia de um capitalismo domesticado, subordinado aos desígnios da sociedade
nacional”. Diminuição da miséria, redistribuindo renda ao mesmo tempo em amplia o mercado de consumo.
11
O neoliberalismo dirige uma ofensiva avassaladora contra os trabalhadores, reduzindo seus direitos e
suas possibilidades de acesso a bens e serviços socialmente reduzidos revelando claramente que a velha e
injusta base em que se sustenta o sistema capitalista, a extração da mais-valia, continua a mesma (PRATES,
2011).
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Território entendido não apenas como área geográfica, mas como espaço de relações, vivências, produção
simbólica, apropriações e interações, conflitos e laços de solidariedade.
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Considerações finais
Mesmo que alguns direitos sejam garantidos e materializados, o que seria sem
dúvida um grande progresso, “não constitui, porém a forma final de emancipação
humana, porque se pauta não na ‘essência da comunidade’, mas na ‘essência da
diferenciação’ (MARX, s/d, p. 30). A cidadania conforme a concepção liberal se
caracteriza como direito de posse, de propriedade e de contratos.
A burguesia passou a lutar pela manutenção do capitalismo e o liberalismo que,
no discurso, ressaltava valores de liberdade e igualdade e passou a aceitar a existência de
instâncias para o funcionamento das instituições que garantem a reprodução do capital.
Tal reatualização do conservadorismo é favorável “[...] pela fragilização de uma
consciência crítica e política e que pode motivar a busca de respostas pragmáticas e
irracionalistas, a incorporação de técnicas aparentemente úteis em um contexto
fragmentário e imediatista” (BARROCO, 2011, p. 212). “O protagonismo revolucionário
da burguesia cede lugar a um desempenho defensivo, voltado para a manutenção das
instituições sociais que criou” (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 46). “Nos primeiros
conservadores, a recusa da revolução expressa um repúdio à revolução burguesa [...] no
pós-48, com a evidência da inviabilidade da restauração, o conservadorismo passa a
expressar o repúdio a qualquer revolução [..] (Ibidem, p. 49).
Como resistência à ordem burguesa consolidada, surgem os movimentos
operários chocando-se com valores ideo-político-culturais burgueses, de outrora
revolucionária. Na atual conjuntura de especulação e busca predatória por lucros, a luta
por direitos e por políticas sociais transforma-se na alternativa para a classes trabalhadora.
Esta luta não transforma a sociedade de classes, mas materializa a minimização das
perversas expressões da questão social na contemporaneidade.
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Explica-se a partir de Mione Sales (2004), a (in)visibilidade onde a partir de alguns elementos que
apontam, de um lado, a invisibilidade do sofrimento e da dor, da miséria, e por outro, sinalizam o tipo de
malhas simbólicas que permitem a visibilidade intensificada a partir do preconceito e medo da violência,
valores conservadores. Ver: SALES, Mione Apolinário. (In)visibilidade Perversa: adolescentes infratores
como metáfora da violência. Tese de Doutorado em Sociologia. USP. São Paulo, 2004.
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MARX, Karl. Glosas Críticas Marginais ao Artigo “O Rei da Prússia e a Reforma Social”. De um
prussiano. Jornal Vorwärts, nº 63, 7 (sete) de agosto de 1844. Tradução de Ivo Tonet. Revista Praxis, n. 5,
Belo Horizonte: Projeto Joaquim de Oliveira, 1995.
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Trechos do discurso de posse do atual presidente da República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, 2019.
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Referências
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2000.
DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: porque oito famílias tem mais
riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária,
2017.
GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: UNESP, 1996.
HERRERA, Rémy. Prefácio: O capital fictício no centro da crise. In: GOMES, Helder
(org.). Especulações e lucros fictícios: formas parasitárias da acumulação
contemporânea. São Paulo: Outras Expressões, 2015. p. 7-12.
MARCUSE, Herbert. Ideias sobre uma teoria crítica da sociedade. Rio de janeiro:
Zahar, 1972.
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_______; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua no Brasil.
São Paulo: Cortez, 2009.
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