A Biopolítica Dos Corpos Pós Modernos - Determinações Do Eu No Discurso Do Sistema Imunitário
A Biopolítica Dos Corpos Pós Modernos - Determinações Do Eu No Discurso Do Sistema Imunitário
A Biopolítica Dos Corpos Pós Modernos - Determinações Do Eu No Discurso Do Sistema Imunitário
dernos: determinações do eu no
discurso do sistema imunitário*
Donna Haraway
* A investigação e a escrita deste projeto foram apoiadas pelo Alpha Fund e pelo Institut
for Advanced Study, Princeton, NJ: Academic Senate Faculty Research Grants da Uni-
versidade da Califórnia, Santa Cruz; e pelo Silicon Valley Research Project, UCSC. Crystal
Gray foi uma excelente assistente de pesquisa. Beneficiando dos comentários de muitas
pessoas, este documento foi apresentado pela primeira vez na conferência da fundação
Wenner Gren sobre Antropologia Médica, em Lisboa, Portugal, de 5 a 13 de março, 1988.
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Tradução do inglês por Maria Joana Alves Pereira ([email protected]). Dou-
toranda do Programa de Doutoramento em Estudos Culturais, na Universidade de
Aveiro e Investigadora e membro do Grupo de Estudos Género e Performance (GECE)
do Centro de Línguas Literaturas e Culturas (CLLC) da Universidade de Aveiro.
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Mesmo sem tomar muito em conta as questões de consciência e cultura, a grande
importância do discurso e dos artefactos imunitários pode ser diagnosticada por
muitos sinais: 1) O primeiro prémio Nobel da Medicina foi atribuído em 1901 a um
desenvolvimento originário, nomeadamente, o uso de antitoxina diftérica. Com
muitos intervenientes, o ritmo dos prémios Nobel em imunologia desde 1970 é im-
pressionante, abrangendo trabalhos sobre a geração de diversidade de anticorpos,
o sistema de histocompatibilidade, anticorpos monoclonais e hibridomas, a hipótese
da regulação imunitária em rede e o desenvolvimento do sistema de radioimuno-
testes. 2) Os produtos e processos da imunologia entram nas práticas médicas, far-
macêuticas e outras práticas industriais presentes e projetadas. Esta situação é
exemplificada pelos anticorpos monoclonais, que podem ser usados como ferramen-
tas extremamente específicas para identificar, isolar e manipular componentes de
produção numa escala molecular e, em seguida, adaptar-se a uma escala industrial
com especificidade e pureza inéditas para uma variedade ampla de empresas - da
tecnologia de aromatização de alimentos, ao projeto e fabricação de produtos quí-
micos industriais, a sistemas de transmissão em quimioterapia (ver figura em ‘Apli-
cations of monoclonal antibodies in immunology and related disciplines', Nicholas
1985: 12). Os Research Briefings de 1983 para o Escritório Federal de Política de
Ciência e Tecnologia e diversos outros departamentos e agências federais norte-
americanas identificaram a imunologia, juntamente com a inteligência artificial e
a ciência cognitiva, ciências da Terra, design e fabricação de computadores; e áreas
da química, como campos de pesquisa que ‘provavelmente devolveriam os maiores
dividendos científicos como resultado do incremento do investimento federal' (Na-
tional Academy of Sciences et al.). Não se espera que os dividendos em tais campos
sejam simplesmente ‘científicos’. "Nestes termos, a melhor aposta para fazer di-
nheiro, sem dúvida, é a tecnologia do hibridoma e o seu principal produto, o anti-
corpo monoclonal" (Nicholas 1985: Prefácio). 3). O campo da imunologia é, em si,
uma indústria em crescimento internacional. O Primeiro Congresso Internacional
de Imunologia realizou-se em 1971, em Washington, com a participação da maioria
dos principais investigadores do mundo na especialidade, cerca de 3.500 pessoas
de 45 países. Mais de 8000 pessoas participaram no IV Congresso Internacional
em 1980 (Klein 1982: 663). O número de publicações científicas da especialidade
tem-se expandido desde 1970, de cerca de 12 para mais de 80, em 1984. O total de
livros e monografias sobre o assunto chegou a mais de 1000 em 1980. As colabora-
ções universidade-indústria características da nova biotecnologia permeiam as ar-
ticulações de pesquisa em imunologia, assim como em biologia molecular (ambos
os campos se cruzam extensivamente), por exemplo, o Basel Institute for Immuno-
logy, financiado inteiramente pela Hoffman La Roche, mas apresentando todos os
benefícios da prática académica, incluindo a liberdade de publicação. A União In-
ternacional de Sociedades Imunológicas começou em 1969 com 10 sociedades na-
cionais, aumentando para 33 em 1984 (Nicholas: 1985). A imunologia estará no
coração da desigualdade biotecnológica global e das disputas pela transferência de
tecnologia. A sua importância aproxima-a das tecnologias da informação na política
científica global. 4) Formas de escrever sobre o sistema imunitário também são for-
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Representação Simulação
Romance burguês Ficção científica
Realismo e modernismo Pós-modernismo
Organismo Componente biótico, código
Trabalho Texto
Mimese Jogo de significantes
Profundidade, integridade Superfície, limite
Calor Ruído \ barulho
Biologia como prática clínica Biologia como inscrição
Fisiologia Engenharia de comunicações
Microbiologia, tuberculose Imunologia, SIDA
Bala Mágica Imunomodulação
Grupo pequeno Subsistema
Perfeição Otimização
Eugenia Engenharia genética
Decadência Obsolescência
Higiene Gestão de stress
Divisão orgânica do trabalho Ergonomia, cibernética
Especialização funcional Construção modular
Determinismo biológico Restrições do sistema
Reprodução Replicação
Indivíduo Réplica
Ecologia Comunitária Ecossistema
Cadeia racial do ser Humanismo das Nações Unidas
Colonialismo Capitalismo multinacional
Natureza / Cultura Campos de diferença
Cooperação Melhoria das comunicações
Freud Lacan
Sexo Substituição
Trabalho Robótica
Mente Inteligência artificial
Segunda Guerra Mundial Guerra das Estrelas (Star Wars)
Patriarcado Capitalista Branco Informática de Dominação
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Referências
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a Variety of Diseases” Science 232: 160–1.
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Science 237: 1568-9.
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Susan Sontag, New York: Hill.
Berger, Steward (1985) Dr Berger's Immune Power Diet, New York: NAI.
Blalock, J. Edwin (1984) “The Immune System as a Sensory Organ” Journal of
Immunology 132 (3): 1067–70.
Brewer, Maria Minich (1987) “Surviving Fictions: Gender and Difference” in
Postmodern and Postnuclear Narrative' Discourse 9: 37-52.
Bryan, C. D. B. (1987) The National Geographic Society: 100 Years of Adventure
and Discovery, New York: Abrams.
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Esta continuidade ontológica possibilita a discussão do problema prático crescente
dos programas de "vírus" que infetam os software de computadores (McLellan,
1988). Os fragmentos de informação infeciosos, invasores que parasitam o código
do seu hospedeiro em favor da sua própria replicação e dos seus próprios comandos
de programa são mais do que metaforicamente semelhantes aos vírus biológicos.
E, como os invasores indesejados do corpo, os vírus de software são discutidos em
termos de patologias, como terrorismo de comunicação, exigindo terapia na forma
de medidas estratégicas de segurança. Existe um tipo de epidemiologia das infeções
virais dos sistemas de inteligência artificial, e nem os grandes sistemas corporati-
vos ou militares nem os computadores pessoais têm boas defesas imunológicas.
Ambos são extremamente vulneráveis ao terrorismo e à proliferação rápida do có-
digo estranho que se multiplica silenciosamente e subverte as suas funções nor-
mais. Programas de imunidade para matar os vírus, como o Data Physician vendido
pela Digital Dispatch, Inc., estão a ser comercializados. Mais de metade dos com-
pradores do Data Physician em 1985 eram militares. Quando inicio o meu Macin-
tosh, ele indica o ícone para o seu próprio programa de vacinas - uma agulha
hipodérmica.
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