Prostituição Brasileira Sob A Ótica Da Dignidade Humana

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


CURSO DE DIREITO

AYNOAN LIMA DE OLIVEIRA

UMA ANÁLISE DA PROSTITUIÇÃO BRASILEIRA SOB A ÓTICA DA DIGNIDADE


HUMANA: A desnecessidade da criminalização do lenocínio

São Luís
2023
AYNOAN LIMA DE OLIVEIRA

UMA ANÁLISE DA PROSTITUIÇÃO BRASILEIRA SOB A ÓTICA DA DIGNIDADE


HUMANA: A desnecessidade da criminalização do lenocínio

Monografia apresentada ao Curso de Direito


da Universidade Federal do Maranhão, como
requisito para obtenção do grau de Bacharel
em Direito.

Orientador(a): Prof. Dra. Márcia Haydée Porto


de Carvalho

São Luís
2023
Oliveira, Aynoan Lima de. Uma Análise da Prostituição Brasileira sob a ótica da
dignidade humana: a desnecessidade da criminalização do lenocínio / Aynoan Lima
de Oliveira. - 2023. 51 p.

Orientador(a): Márcia Haydée Porto de Carvalho.


Monografia (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal do Maranhão, São
Luís, 2023.

1. Dignidade Humana. 2. Exploração sexual. 3.


Lenocínio. 4. Prostituição. I. Carvalho, Márcia Haydée Porto de. II. Título.
AYNOAN LIMA DE OLIVEIRA

UMA ANÁLISE DA PROSTITUIÇÃO BRASILEIRA SOB A ÓTICA DA DIGNI-


DADE HUMANA: A desnecessidade da criminalização do lenocínio

Monografia apresentada ao Curso de Direito


da Universidade Federal do Maranhão, como
requisito para obtenção do grau de Bacharel
em Direito.

Aprovado(a) em: ____ / ____ / _____, às ___:___ horas.

Nota: ______ ( ....... )

BANCA EXAMINADORA

_________________________________
Prof. Dra. Márcia Haydée Porto de Carvalho
(Orientadora)

________________________________
Examinador(a) 1

________________________________
Examinador(a) 2
AGRADECIMENTOS

A conclusão desta monografia marca o fim de uma jornada desafiadora, repleta de


aprendizados e superações. Gostaria de expressar minha gratidão a todas as pessoas que esti-
veram ao meu lado durante esta trajetória, fornecendo orientação, apoio e encorajamento.
Primeiramente, agradeço a Deus por me guiar e fortalecer minha fé, fornecendo-me a
determinação e a perseverança necessárias para alcançar este marco.
À minha família, meus pais, Robson e D'arque, cujo amor e apoio incondicionais fo-
ram fundamentais em cada etapa do meu percurso acadêmico. Agradeço também à Karoline,
Taiky, e ao meu lindo sobrinho Benjamim, por trazerem alegria e inspiração à minha vida.
À minha orientadora, a querida professora Marcia Haydée, cuja expertise e dedicação
foram essenciais para o desenvolvimento deste trabalho. Seus insights valiosos e orientações
perspicazes foram fundamentais para o meu crescimento acadêmico.
Expresso minha gratidão ao meu chefe, José Muniz Neto, cujo apoio e assistência na
escolha do tema foram fundamentais para moldar a direção deste projeto. Sua orientação pro-
fissional foi fundamental para o meu progresso.
Ao meu amor, Flávio, agradeço por sua compreensão, paciência e incentivo inabalá-
veis ao longo desta jornada. Sua presença trouxe luz e alegria à minha vida, tornando este
percurso mais significativo e memorável.
Não poderia deixar de mencionar minha profunda gratidão ao grupo Solidários da
UFMA, que foi de grande ajuda nos estudos e compartilhamento de diversas oportunidades
acadêmicas. Agradeço especialmente a Letícia, Amanda, Nayanne, Idelson e Juliana Paiva
por sua assistência valiosa e amizade ao longo desses anos.
Também sou grata aos meus amigos da Defensoria Pública do Estado (DPE), cujo
apoio e encorajamento foram essenciais para o sucesso deste empreendimento.
Além disso, expresso minha gratidão a todos os professores que contribuíram para a
minha formação, cuja sabedoria e orientação foram fundamentais para o meu crescimento
acadêmico e pessoal.
A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a conclusão desta monogra-
fia, meu mais profundo agradecimento. Este trabalho é uma celebração de nosso trabalho co-
letivo e dedicação. Que este seja apenas o começo de muitas conquistas futuras.
“Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniquidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir
Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni”
Geni e o Zepelim - Chico Buarque
RESUMO

A presente monografia discute a questão da prostituição no Brasil, sob a ótica do princípio


constitucional da dignidade humana, propondo uma análise crítica sobre a criminalização do
lenocínio. Argumenta-se que a prostituição é uma atividade que envolve a prestação de servi-
ços sexuais por escolha individual e circunstancial da vida, de que a criminalização do leno-
cínio, que se refere à exploração ou facilitação da prostituição, não é necessária para garantir
os direitos das pessoas envolvidas nessa prática. O presente trabalho destaca a importância de
considerar a autonomia e a liberdade das pessoas que escolhem se prostituir, além do papel do
Estado e da sociedade na regulamentação e no apoio às trabalhadoras do sexo, visando pro-
mover condições dignas de trabalho e acesso a serviços de saúde e segurança. Além disso,
aborda as implicações sociais e jurídicas da criminalização do lenocínio, argumentando que
essa abordagem pode perpetuar a estigmatização e marginalização das trabalhadoras do sexo,
ao invés de oferecer soluções eficazes para as questões enfrentadas por elas. Portanto, a cri-
minalização do lenocínio não é a abordagem mais adequada para lidar com a prostituição no
Brasil, o que demonstra a necessidade de alternativas que promovam a liberdade, a dignidade
e os direitos das prostitutas, mas sem legitimar a exploração sexual.

Palavras-chave: Prostituição. Lenocínio. Dignidade Humana. Exploração sexual. Liberdade.


ABSTRACT

This Final Course Assignment discusses the issue of prostitution in Brazil, from the perspec-
tive of the constitutional principle of human dignity, proposing a critical analysis of the crim-
inalization of pimping. It is argued that prostitution is an activity that involves the provision
of sexual services by individual and circumstantial life choice, that the criminalization of
pimping, which refers to the exploitation or facilitation of prostitution, is not necessary to
guarantee people's rights involved in this practice. This work highlights the importance of
considering the autonomy and freedom of people who choose to prostitute themselves, in ad-
dition to the role of the State and society in regulating and supporting sex workers, aiming to
promote decent working conditions and access to health services. and security. Furthermore,
it addresses the social and legal implications of the criminalization of pimping, arguing that
this approach can perpetuate the stigmatization and marginalization of sex workers, rather
than offering effective solutions to the issues they face. Therefore, the criminalization of
pimping is not the most appropriate approach to dealing with prostitution in Brazil, which
demonstrates the need for alternatives that promote the freedom, dignity and rights of prosti-
tutes, but without legitimizing sexual exploitation.

Keywords: Prostitution. Lenocínio. Human dignity. Sexual exploitation. Freedom.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEXUAIS .............. 13
2.1 A Prostituição no Brasil ................................................................................................... 14
2.2 Os Sistemas Jurídicos adotados pelo Estado quanto à Prostituição ............................ 18
3 PARADOXO PENAL OU SOCIEDADE PARADOXAL? O LENOCÍNIO E O
BEM JURÍDICO EFETIVAMENTE TUTELADO NOS CRIMES SEXUAIS ........ 23
3.1 O Crime de Lenocínio no Brasil ...................................................................................... 24
3.2 A Dignidade Sexual como Bem Jurídico Tutelado e a Moralidade Pública Sexual ... 31
3.3 A Prostituição cerceada pelo Paternalismo Jurídico .................................................... 33
4 AUTONOMIA PARA SE PROSTITUIR: INTERVENÇÃO PENAL EXCESSIVA
COMO AFRONTA À LIBERDADE ............................................................................. 36
5 PROPOSTAS LEGISLATIVAS FRUSTRADAS SOBRE ATIVIDADES
ATINENTES A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEXUAIS ........................................ 39
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 44
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 48
10

1 INTRODUÇÃO

A prostituição é comumente referida como a profissão mais antiga da história da hu-


manidade, o que contribui para a sua naturalização. Essa prática está inserida em um contexto
permeado por diversas complexidades. Portanto, é um assunto que abrange desde sua defini-
ção social, que está enraizada nos valores e na moral da sociedade, até as questões legais rela-
cionadas à proteção da dignidade e da moralidade, conforme estabelecido no Código Penal.
Desse modo, a realidade da prostituição precisa ser abordada de uma forma abran-
gente, reconhecendo que não existe uma única experiência de "ser prostituta". A vivência da
prostituição muitas vezes envolve a interseção de diversas vulnerabilidades sociais, como
raça, identidade de gênero, orientação sexual, faixa etária e status socioeconômico, seja nas
ruas ou na prostituição de luxo. Este é um universo complexo e diversificado, permeado por
uma característica comum: a persistência do estigma, o qual acarreta consequências prejudici-
ais e discriminatórias na vida dessas mulheres. Sob essa ótica, o enquadramento jurídico da
prostituição brasileira e os discursos criminológicos que perpassam debates atinentes à regu-
lamentação, à criminalização e à abolição deste fenômeno precisam ter como referencial a
multiplicidade do “ser prostituta” em um país como o Brasil, de dimensões continentais e de
acentuadas desigualdades sociais (Akotirene, 2018, p. 14).
Este trabalho se propõe a analisar a questão da criminalização de indivíduos que in-
termediam, financiam ou prestam assistência, de qualquer forma, a outras pessoas envolvidas
na prostituição. Isto porque a legislação brasileira não penaliza de modo direto a prática da
prostituição ou dos consumidores dela, mas sim condutas acessórias relacionadas, denomina-
das de lenocínio, como meios de exploração da atividade sexual alheia. Tem-se como ponto
de partida que essa penalização tem como consequência a violação dos direitos fundamentais
daqueles que optaram livremente por se dedicar à prostituição. Diante desse cenário, surge a
indagação se, no contexto jurídico contemporâneo do Brasil, existem argumentos legais e
constitucionais que respaldem a criminalização das atividades de lenocínio, sendo o objeto
desse estudo.
O capítulo primeiro se limita a contextualizar e analisar o processo histórico da evo-
lução das mulheres na História. A prestação de serviços sexuais é uma prática que remonta
aos primórdios da humanidade, sendo marcada por uma complexa interação de fatores cultu-
rais, sociais, econômicos e legais. Ao longo dos séculos, a oferta e a procura por serviços se-
xuais têm desempenhado papéis variados em diferentes sociedades, refletindo as normas e os
valores vigentes em cada época. Desde as antigas civilizações, como a Grécia e Roma, onde a
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prostituição era uma parte integrante da vida urbana, até a Idade Média, quando foi sujeita a
regulamentações religiosas e legais mais rígidas, a prática da prostituição sempre ocupou um
espaço na esfera pública e privada. Com o passar dos anos, a abordagem em relação à presta-
ção de serviços sexuais evoluiu, refletindo mudanças nos sistemas de valores, nas concepções
de moralidade e nas políticas governamentais. Esse processo histórico também foi abrangido
pela exploração, pela regulamentação estatal, e por lutas por direitos, tudo diante da estigma-
tização enfrentada por trabalhadoras do sexo ao longo do tempo.
É notório ao longo do capítulo que a prática foi moldada e influenciada por diferen-
tes contextos sociais e culturais, oferecendo uma visão abrangente das transformações e con-
tinuidades que caracterizam esse fenômeno ao longo dos séculos. Assim o desenvolvimento
da história social trouxe a mulher para o centro das análises, tornando-se uma categoria valio-
sa para a interpretação histórica, uma vez que as suas narrativas foram alteradas da mulher
"miserável", como vítima, humilhada, explorada para mulher rebelde e participante ativa nos
eventos históricos, sem reduzi-las a uma categoria homogênea, considerando as nuances de
suas experiências e contribuições individuais para a história.
O segundo capítulo retrata o paradoxo penal de um Código Penal que não criminaliza
o elemento principal da prostituição, mas impossibilita ou dificulta ao máximo a atividade
quando criminaliza as condutas acessórias, através dos crimes de lenocínio. Estes, por sua
vez, não trazem bases jurídicas sólidas que justifiquem a manutenção da criminalização das
casas de prostituição e da exploração financeira da atividade sexual consensual de terceiros
adultos e capazes. Esclarece-se, desse modo, que essa criminalização parece ser mais uma
punição de natureza moral e religiosa, com o intuito de preservar a "moralidade pública" e os
"bons costumes", conceitos esses predominantes na sociedade predominante de orientação
cristã.
Uma sociedade paradoxal que demonstra ínfimo progresso social, político e jurídico
com o reconhecimento da prostituição como uma atividade profissional pelo Ministério do
Trabalho desde 2002, mas que deixa de regulamentar essa profissão, nega a esses trabalhado-
res direitos fundamentais, como o acesso abrangente à saúde, o direito ao trabalho, à seguran-
ça pública e, acima de tudo, à dignidade humana. Também se busca abordar a inviabilidade de
misturar direito e moral na criminalização de comportamentos tidos como imorais. Para isso,
busca esclarecer os conceitos fundamentais, como a dignidade e a liberdade sexual, além do
bem jurídico tutelado nos crimes sexuais, que são essenciais para embasar qualquer processo
de criminalização em um Estado regido pelos princípios democráticos do Direito. Além disso,
também se analisa que as motivações legislativas para reprimir a prostituição perpassam o
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instituto do paternalismo jurídico, evidenciando as razões pelas quais as formas de paterna-


lismo devem ser evitadas, adotadas apenas excepcionalmente.
O capítulo seguinte investiga o sentido da dignidade humana aliada à liberdade como
essencial para abordar diversas perspectivas filosóficas sobre a liberdade como um valor da
dignidade humana. Então examina a concepção de dignidade segundo Immanuel Kant, inter-
ligando a liberdade no princípio da autonomia da vontade, considerado fundamento supremo
da moralidade. Em seguida, é apresentada a perspectiva de Hanna Arendt, que explica a traje-
tória humana como um caminho plural e complexo. Por fim, encerra-se o tópico com a abor-
dagem da dignidade no utilitarismo de Stuart Mill. A análise dessas teorias visa estabelecer
uma compreensão robusta o bastante para proporcionar aos indivíduos, uma vez reconhecidos
como tal, a habilidade de escolher sua própria trajetória dentro do âmbito público e privado.
Ocorre que defender os princípios de dignidade, liberdade e igualdade por si só não
basta para eliminar o preconceito e a discriminação enfrentados pelas pessoas envolvidas na
atividade da prostituição. Portanto, é necessário aprofundar a compreensão do processo social
em toda a sua complexidade, já que os ideais democráticos, na prática, não resultam em uma
transformação efetiva da condição de opressão vivenciada por aqueles que são marginalizados
e estigmatizados. Nessa perspectiva, o último capítulo faz uma análise das propostas legislati-
vas relacionadas a prostituição e a motivação para justificar o fracasso de legislar no âmbito
sexual. Enfatiza-se o projeto de lei 4211/2012, conhecido como Gabriela Leite, atualmente em
processo de tramitação no Congresso Nacional, mas estagnado, o qual busca estabelecer regu-
lamentações para a atividade dos profissionais do sexo no Brasil e a consequente emancipação
social dessa categoria. Portanto, essa proposta visava garantir direitos fundamentais às mulhe-
res e aos homens envolvidos nessa atividade, promovendo sua inclusão social e desvinculan-
do-a do caráter marginalizado e criminalizado.
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2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEXUAIS

A história das mulheres e de gênero tornou-se uma categoria a ser objeto de análises
a partir da inclusão de identidades coletivas e da variedade de grupos sociais existentes. Em
todos os períodos da História, as sociedades ocidentais sempre definiram os papéis das mulhe-
res, cada uma no seu tempo e com as suas peculiaridades sociais, mas com o comportamento
feminino sempre balizado pelo sexo. A prostituição é tida, por sua vez, como a prática remu-
nerada mais antiga do mundo, mesmo sem datas precisas na história da humanidade (Soihet,
1997, p. 275-296).
Na Grécia Antiga, a prática existe desde o período arcaico, sendo inclusive regula-
mentada pelo Estado, pois os estabelecimentos chamados bordéis eram de propriedade estatal,
implicando o pagamento de tributos e a adoção de vestimentas para fins de distinção. A maio-
ria das prostitutas da época eram escravas e tinham sua liberdade condicionada à capacidade
de pagar por ela. Todavia, algumas cidadãs de Atenas, como as hetairas, se destacavam devi-
do à sua influência social e política, pois recebiam formação em escolas onde aprendiam so-
bre a arte do amor, literatura, filosofia e retórica. Elas detinham independência e educação,
possuíam refinamento, habilidades musicais e de dança, e participavam de debates filosóficos
e banquetes nos quais esposas e filhas não eram permitidas, interagindo inclusive em relações
sexuais com os homens presentes (Pomeroy, 1999).
Ao contrário do que se deu na Grécia, na Roma, as mulheres eram altamente valori-
zadas como esposas, o que resultou em um estigma mais pronunciado para as prostitutas. A
prática da prostituição em Roma guardava semelhanças com a Grécia, exceto pelo fato de que
os romanos adotavam uma postura mais moralista em relação a ela. Por esse motivo, era proi-
bido para as prostitutas se aproximarem do templo de Juno, a deusa olímpica associada às
esposas, e eram obrigadas a usar uma toga similar à vestimenta masculina para se distingui-
rem das mulheres respeitáveis da sociedade romana. A realidade do Império Romano foi se
amoldando com a consagração do cristianismo como religião oficial, a partir de Constantino,
quando a moralidade religiosa ganhou força e destaque. Logo, o sexo e a violência passaram a
ser mitigados, cedendo espaço para a devoção e a contemplação (Nucci, 2014).
No que diz respeito a história das mulheres no Ocidente Medieval, José Rivair Ma-
cedo em “A Mulher da Idade Média” afirma que “foi escrita por religiosos, inspirados por
princípios éticos impregnados pela ideia da culpa e do pecado, que associavam o sexo e/ou a
sexualidade ao Demônio; e a mulher, um instrumento demoníaco” (Macedo, 2002, p.10). O
autor ainda elenca que a prostituição era organizada e situada em zonas delimitadas, sob a
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ótica dos governos municipais. Em algumas cidades francesas medievais o meretrício era tole-
rado e existiam prostíbulos públicos e particulares, onde a fornicação era exercida livremente.
(Macedo, 2002).
Nickie Roberts (1998) observa que, durante a Idade Média, quando a Igreja Católica
exercia forte influência religiosa e moral, as mulheres estavam sujeitas a rigorosas normas de
comportamento, especialmente no que diz respeito à sexualidade, onde a preservação da vir-
gindade era valorizada como uma virtude feminina, enquanto a prostituição era vista como
um ato pecaminoso. No entanto, a prática da prostituição era tolerada como uma medida para
conter a incidência de estupros e, ao mesmo tempo, servia como uma válvula de escape para
os desejos sexuais dos homens, sendo um “mal necessário”. Na França, o rei Luís IX chegou a
ordenar a expulsão das prostitutas das cidades e vilarejos, o que gerou indignação na popula-
ção. Diante disso, ele determinou que retornassem às cidades, contudo com a condição de que
se mantivessem afastadas dos locais considerados respeitáveis, sendo relegadas a viver em
áreas segregadas nas periferias urbanas.
Quando se trata da Idade Moderna, Carlos Bauer (2001) assinala que a expectativa
era de que a mulher mantivesse sua pureza e se preparasse para a vida no âmbito doméstico.
Por contraste, a prostituta era estigmatizada como uma transgressora, associada à satisfação
dos desejos sexuais masculinos e à disseminação de doenças sexualmente transmissíveis. Essa
distinção marcou uma transformação, levando a prostituição a deixar de ser profundamente
estigmatizada para ser tolerada, e procurar os serviços de uma prostituta já não era encarado
como símbolo de vergonha. No entanto, a prostituta continuava a ser tratada como um objeto
transacionável, passível de compra, venda ou aluguel.
Os séculos XVIII e XIX nos países do Ocidente foram marcados pela industrializa-
ção e a consequente revolução econômica provocaram um grande êxodo rural, resultando em
um aumento do desemprego e uma piora das condições de vida nas cidades, o que gradativa-
mente impulsionou a prática da prostituição em toda a Europa, especialmente nas cidades da
Espanha e da França. Esse aumento da atividade levou a preocupações higienistas por parte de
autoridades e profissionais da medicina, que se viram obrigados a mobilizar forças policiais
para combater a propagação de infecções de doenças venéreas (Siqueira, 2022).

2.1 A Prostituição no Brasil

No contexto do Brasil, de acordo com Estefam (2016), a prostituição teve origens na


prática de colonizadores que ofereciam presentes materiais às mulheres indígenas em troca de
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favores sexuais. Segundo o autor, essas mulheres eram pouco valorizadas, e os europeus se
aproveitavam das diferentes concepções sobre sexualidade para saciar seus desejos reprimi-
dos. Diante desse contexto, as mulheres portuguesas também se envolveram na prostituição
ao chegarem em grandes grupos ao Brasil para suprir a alta demanda masculina. Isso se dava,
em grande parte, devido à predominância de homens entre os colonizadores. A Igreja Católi-
ca, por sua vez, demonstrava preocupação com a miscigenação com as mulheres indígenas, e
desejava que mulheres de Portugal viessem dispostas a formar famílias com os viajantes des-
tinados ao Brasil (Estefam, 2016, p.169).
Arno Wehling (2005) assinala que há relatos da prática da prostituição desde o sécu-
lo XVI. As profissionais do sexo eram predominantemente mulheres negras e mulatas, po-
dendo ser escravizadas ou livres. No período Colonial, a legislação portuguesa e as práticas
sociais acentuavam o caráter subalterno da mulher, de modo a justificar a inferioridade femi-
nina através de legislações civis e canônicas. Bauer (2001) observa que a prática da prostitui-
ção remonta a esse período, quando as relações sexuais ocorriam de forma livre entre brancos
de origem europeia, mulheres indígenas e negras, mesmo que isso fosse desaprovado pelos
jesuítas. Estes últimos, inclusive, solicitavam a vinda de prostitutas europeias para atender aos
homens europeus que se encontravam na Colônia sem suas famílias.
Frisa-se que os europeus, ao terem filhos com as mulheres indígenas, contribuíam
para o processo de miscigenação. Por sua vez, a chegada de mulheres europeias tinha como
propósito promover casamentos e reprodução, visando fortalecer a população de ascendência
branca. No que diz respeito às mulheres negras escravizadas, a prostituição muitas vezes se
tornava uma maneira de sustentar seus senhores. Portanto, as relações sexuais se fundamenta-
vam na interseção entre sexo pluricultural, escravidão e concubinato, sempre sob a influência
do controle exercido pela moralidade religiosa.
Na mesma perspectiva, a influência da doutrina cristã, que persiste até os dias atuais,
manteve um papel destacado entre outras crenças no que diz respeito às representações da
sexualidade. Para Guimarães (2004), a economia baseada no sistema escravocrata e a menta-
lidade colonizadora foram, por um lado, responsáveis pela flexibilidade dos costumes e por
uma moral sexual que aceitava certas práticas, pelo menos dentro da classe dominante, contri-
buindo para a fama (muitas vezes questionável) da suposta libertinagem brasileira. Por outro
lado, desenvolveu-se um sistema de controle moral sexual, onde a esfera privada foi subordi-
nada aos interesses da igreja e da fé cristã. Dessa forma, a moral sexual e o entendimento co-
mum sobre o tema sexual se entrelaçaram com a moral religiosa (Guimarães, 2004).
16

Observa-se, portanto, que as questões étnico-raciais permeavam a prática sexual,


considerando que o próprio padrão físico da mulher mulata ou mestiça a marcava como sedu-
tora. Freyre (2004) afirmava, na década de 30 do século XX, que a promiscuidade sexual não
se originou da raça negra, mas sim do sistema econômico e social da escravidão. Todavia, as
associações entre clima tropical, prazer sexual e mulher mulata continuavam a ser presentes
em seu discurso sobre a moral sexual das sociedades, exemplificando a Chica da Silva, que
inicialmente foi escravizada e depois se tornou uma profissional do sexo, eventualmente as-
cendendo a uma posição de destaque social, de senhora. Casos similares ao dela não foram
raros ao longo da história do Brasil (Freyre, 2004).
No século XVIII, a forte presença da prostituição se concentrava nas regiões minera-
dora e nas áreas portuárias, momento em que a sociedade ainda não possuía de fato nenhum
modelo de estratificação mais sólido. A partir do século XIX, a prostituição moderna emerge
como um fenômeno predominantemente urbano, inserindo-se em uma economia guiada pelos
desejos. Isso se configura em uma sociedade moldada pela transação e regida por um sistema
de valores morais que enaltece a união sexual monogâmica, a estrutura familiar nuclear e a
lealdade feminina inserida em uma sexualidade desinibida e destemida (Rago, 2008).
Na mesma perspectiva, Roberts (1998) elenca que a prática da prostituição no Brasil
atingiu proporções significativas no final do século XX, levando à construção de bordéis e
áreas destinadas ao comércio sexual, frequentados por homens de diversas camadas sociais.
Desse modo, os estabelecimentos de prostituição desempenharam um papel de disseminação
de conhecimento sexual entre os brasileiros. As cortesãs eram responsáveis pela introdução à
experiência sexual, preparando os indivíduos para futuras relações com suas esposas, enquan-
to com homens mais experientes eram realizadas práticas sexuais distintas, as quais não eram
apropriadas para compartilhar com as esposas (Priore, 2005).

A prostituição foi vivenciada como linha da constelação familiar, da disciplina do


trabalho, dos códigos normativos convencionais: lugar da desterritorialização inten-
sa e da constituição de novos territórios do desejo. Configurou-se, portanto, como
espaço onde puderam emergir outros modos de funcionamento desejante – anárqui-
cos, microscópicos, diferenciados, mais do que como lugar da transgressão do inter-
dito sexual, como é em geral analisada. (RAGO, 2008, p. 27).

O Brasil República, por sua vez, foi marcado por um processo de higienização do es-
paço público. Estes evidenciavam a suposta imoralidade da cidade, onde antigas residências,
ruas estreitas e áreas de prostituição eram consideradas elementos a serem erradicados por
meio de políticas de purificação social. Diversos campos do conhecimento estabelecidos, co-
17

mo o direito, a psiquiatria e a religião no Brasil, contribuíram para disseminar perspectivas


sobre o corpo da prostituta e sua ocupação: “vadiagem, perversão, pecado, doença, ninfoma-
nia, consequência da miséria, ameaça à saúde pública, etc” (Moraes, 2014, p. 120).
Houve também investigações que buscaram, por meio da antropologia criminal, ar-
gumentar que os anarquistas, delinquentes e profissionais do sexo apresentam uma estrutura
cerebral distinta daquela observada na maioria das pessoas consideradas dentro dos padrões
convencionais:

Apoiando-se em Lombroso, para o qual as prostitutas se caracterizam por sua fraca


capacidade craniana e por mandíbulas bem mais pesadas que as das mulheres hones-
tas, o delegado Cândido Motta procurava provar as semelhanças da constituição físi-
ca dos criminosos natos e dos anarquistas. (RAGO, 1985, p. 91).

Nesse contexto, a medicina passou a adotar uma abordagem diferenciada em relação


à vida humana. Intervindo tanto em esferas públicas quanto privadas, o objetivo era assegurar
a higienização dos ambientes e regular o comportamento sexual dos indivíduos. A prostitui-
ção tornou-se alvo das políticas médicas devido ao seu potencial de disseminação de doenças
venéreas, especialmente a sífilis, que tinha um impacto hereditário, resultando no nascimento
de crianças frágeis e doentes. Ocorre que os discursos médicos e moralistas desencadearam
uma espécie de pânico moral em relação à sífilis, o que teve um efeito direto no universo da
prostituição. Isso levou ao estigma das mulheres envolvidas nessa prática, estabelecendo uma
ligação entre a prostituição e a transmissão da doença (Santos, 2015).
Com a implementação desse discurso de caráter modernista, uma das principais
ações governamentais envolveu a erradicação, o controle e/ou a redução das áreas de prosti-
tuição, resultando em um deslocamento sazonal desse tipo de atividade. Durante o processo
de industrialização, Silva (2009) informa que houve um significativo aumento da migração
populacional, sobretudo de mulheres que não conseguiram encontrar emprego nas indústrias.
Acontece que apenas industrializar a cidade e promover melhorias na infraestrutura pública
não eram suficientes. Na década de 70, o discurso sobre o crescimento industrial estava
acompanhado de narrativas sobre o progresso, civilidade e moral. Esses aspectos foram incor-
porados em fontes jornalísticas e nas normas sociais, com o intuito de destacar a imagem de
civilidade e ordem (Silva, 2009, p. 116).
Como foi demonstrado, nota-se que não existe um ponto de partida definido na histó-
ria para o surgimento dessa prática. No entanto, ela é observada em diversas culturas e socie-
dades ao longo do tempo, sendo considerada uma das ocupações mais antigas da humanidade,
persistindo até os dias atuais. Desde seu surgimento, entretanto, a prostituição sempre foi ca-
18

racterizada por estigmas e uma atitude socialmente desaprovadora, além de esforços para sua
criminalização.

2.2 Os Sistemas Jurídicos adotados pelo Estado quanto à Prostituição

A prostituição é tratada como um fato atípico, mas que tem suas condutas acessórias
criminalizadas, o que reflete a forma como o Estado lida com o fenômeno. A doutrina explica
que, ao longo da história, outras opções jurídicas foram e continuam sendo utilizadas para
tratar socialmente a prostituição, cada uma possuindo peculiaridades e críticas.
Estefam (2016) expõe que existem três sistemas que descrevem as diferentes aborda-
gens em relação ao tema: o sistema regulamentarista, o sistema abolicionista e o sistema proi-
bicionista. Já Margotti (2017) analisa minuciosamente cada um desses sistemas, destacando a
existência de dois submodelos atualmente: um dentro do sistema abolicionista (o neo-
abolicionismo) e outro no sistema regulamentarista (o laboral). Frisa-se, precipuamente, que
estes sistemas (excetuando-se o regulamentarismo em sua vertente laboral), “dedicam-se, tão
somente, a suprimir e controlar a indústria do sexo, por condenarem a prostituição moralmen-
te e/ou considerarem-na uma violência contra as mulheres” (Margotti, 2017. p. 86).
Para a autora, o sistema proibicionista fundamenta-se na ótica de que a prostituição é
um desvio moral condenável e que deve ser punido criminalmente com vistas a ser erradica-
do. Dessa forma, esse modelo se caracteriza pela criminalização de todos os envolvidos com a
atividade da prostituição, isto é, a pessoa que se prostitui, o cliente e os que obtém lucro com
a atividade sexual alheia (Margotti, 2017, p.85).
Por sua vez, Estefam (2016), considera sistema proibicionista como uma abordagem
radical na luta contra a prostituição, transformando-a em uma atividade ilegal e sujeitando sua
demanda à criminalização, uma vez que a prostituição é vista como uma espécie de “câncer
social” a ser erradicado. Quando esse sistema não foca no profissional em si, concentra-se nos
intermediários que de alguma forma facilitam, exploram ou influenciam alguém a se prostitu-
ir. Isso se caracteriza pela criminalização da demanda, ou seja, da “contratação dos serviços
de prostituição, como meio de coibi-la, porquanto a providência tenderia a afugentar a cliente-
la que alimenta esse mercado (ao expor o contratante à perspectiva de uma persecução penal)”
(Estefam, 2016, p. 188-189).
Ainda, para o autor supracitado, nesse sistema a prostituição se mostra como um fe-
nômeno social indesejável que gera obstáculos para políticas da igualdade de direitos entre
gêneros. É vista como uma afronta aos direitos humanos, uma evidente expressão de violência
19

contra as mulheres e um símbolo inequívoco da exploração sexual. Essa prática é observada


principalmente em Estados com uma influência religiosa marcante, nos quais o Estado assume
o papel de regulador da moral pública. A prostituição é considerada uma atividade moralmen-
te condenável, que necessita ser combatida para evitar sua propagação, a exemplo do que fa-
zem alguns países árabes (Estefam, 2016).
Todavia, doutrinadores como Nucci (2014) entendem que o sistema proibicionista
merece críticas porque negligencia as disparidades sociais preexistentes, restringindo as opor-
tunidades para pessoas de baixa renda de melhorar sua situação por meio de uma atividade de
comércio pessoal que não afeta terceiros. Além disso, ele é visto como hipócrita ao proibir a
prática da prostituição, ao mesmo tempo em que tolera a expansão assustadora e sem muitas
restrições da indústria do sexo (como o sexo pela internet, por telefone, serviços camuflados
em domicílio, em clubes, saunas, entre outros).
De maneira semelhante, porém com uma abordagem mais refinada, Margotti (2017)
argumenta que o sistema proibicionista desconsidera a autonomia e a individualidade não
apenas dos profissionais do sexo, mas também dos clientes, ao criminalizar suas condutas sem
que isso viole os direitos de terceiros, sendo, portanto, falho. A autora ainda acrescenta que
não há evidências empíricas de que a prostituição tenha sido eliminada por meio da criminali-
zação, pois a ilegalidade da atividade fomenta a clandestinidade e a dependência dos profissi-
onais do sexo em relação a terceiros, incluindo proprietários de estabelecimentos e intermedi-
ários, assim como agentes policiais e outros funcionários do sistema judiciário, devido à au-
sência de proteção legal (Margotti, 2017, p. 87).
Ao contrário do sistema proibicionista, que consiste em criminalizar todos os envol-
vidos na prática da prostituição, existe o sistema abolicionista, que reconhece essa atividade.
Conforme Margotti (2017) destaca, o abolicionismo percebe a pessoa que se envolve na pros-
tituição como uma vítima, entendendo que tal prática é prejudicial à dignidade humana. Por-
tanto, ele penaliza as formas de exploração dessa atividade por terceiros, independentemente
de estes terem interesses econômicos ou não. Desse modo, ele objetiva resgatar o indivíduo
que se prostitui, inclusive os praticam de forma consciente e livre a prática. Não se considera,
portanto, a vontade de se prostituir, destituindo a autonomia sobre o próprio corpo (Margotti,
2017).
Estefam (2016) esclarece que o sistema abolicionista é atualmente o que mais preva-
lece no mundo, sendo marcado pela criminalização das atividades relacionadas à prostituição.
Isso implica considerar como infrações penais atos como o lenocínio, a manutenção de casas
de prostituição, o aliciamento e o tráfico de mulheres para fins de prostituição. Enquanto
20

Margotti (2017) observa que o sistema abolicionista, apesar de não impor penalidades legais
aos profissionais do sexo pela prática da prostituição, também não lhes concede o direito de
exercer a atividade de forma legal. Isso resulta na marginalização social dessas pessoas, que
enfrentam formas extremas de estigmatização e exclusão.
De certa forma, o sistema do abolicionismo foi estabelecido com o propósito de não
proibir a prostituição em si, mas sim de coibir sua exploração. Não se encara a prostituição
como um mal necessário, mas sim como algo que pode e deve ser evitado e censurado. Dessa
forma, para lidar com esse fenômeno social, deveriam ser empregados recursos de natureza
social, como meios educacionais e assistenciais, como medidas preventivas para proteger
aqueles que ingressam na prostituição, bem como medidas de reintegração social para os pro-
fissionais do sexo. Também se elimina qualquer forma de regulamentação e registro das pes-
soas envolvidas na prostituição, sob a alegação que o Estado não deve se envolver em uma
atividade considerada ilícita, como se estivesse concedendo uma autorização. Assim, o papel
do Estado fica limitado à manutenção da ordem, moral e saúde pública, com uma intervenção
puramente externa e restrita (Ferraz, 1976, p. 68).
O sistema abolicionista enfrenta críticas por encarar a prostituição como uma ativi-
dade de lazer sexual. Ele não adota uma abordagem pragmática, refugiando-se em um discur-
so moral que não corresponde à realidade, com a pretensão de erradicar a prostituição e, con-
sequentemente, todas as práticas discriminatórias que perpetuam uma visão estigmatizada de
mulheres e homens. Por esse motivo, alguns autores rotulam como proibicionista um sistema
que, na verdade, é formalmente abolicionista. Eles argumentam que a prostituição não deve
ter qualquer forma de legitimação legal, moral ou social, sendo alvo da perseguição do poder
público com o intuito de promover seu perecimento (Nucci, 2014).
Nesse mesmo contexto de ideias, Margotti (2017) argumenta que, nos dias atuais,
surge uma abordagem dentro do sistema abolicionista conhecida como neo-abolicionismo.
Dentro desse submodelo, mesmo que se reconheça a pessoa que se envolve na prostituição
como uma vítima, independentemente de ser uma profissional do sexo ou alguém explorado
sexualmente, ele também propõe a criminalização do cliente. Isso, de acordo com a autora,
representa uma clara violação da autonomia e liberdade individual desses clientes.

Deve-se considerar, ainda, que o sistema abolicionista e o neo-abolicionista (bem


como o proibicionista) estão muito interligados, tanto na prática quanto no discurso:
dois modelos repressivos que desconsideram direitos individuais básicos, interferem
na vida privada de maneira paternalista, deturpando e simplificando conceitos e fa-
tos, além de desqualificar as pessoas que se dedicam ao comércio do sexo (Margotti,
2017, p. 91).
21

Por fim, o sistema regulamentarista, de acordo com Margotti (2017), encara a prosti-
tuição como um fenômeno social que não pode ser totalmente erradicado da sociedade. Por-
tanto, sugere que seja controlada e delimitada para prevenir os danos que pode causar ao teci-
do social. Sob essa análise, esse sistema considera a prostituição como moralmente condená-
vel, porém não passível de erradicação: “as prostitutas passam a ser consideradas uma espécie
perigosa e, para proteger a sociedade desse mal necessário, devem ser criados regulamentos e
políticas públicas com vistas a controlar a prostituição e as pessoas que a exercem” (Margotti,
2017, p. 92). Nesse sentido, o sistema prioriza a manutenção da ordem, saúde, moral e decên-
cia públicas, bem como assegura a satisfação das “necessidades masculinas" e a "devida sepa-
ração entre as mulheres respeitáveis e as outras".
É importante notar que essa abordagem dicotômica que busca proteger a saúde, mo-
ral e decência públicas, ao mesmo tempo em que atende às necessidades sexuais masculinas,
fundamentou a estruturação histórica desse sistema. A criação desse sistema foi baseada em
uma premissa predominantemente machista, que se concentrava nas percepções das necessi-
dades fisiológicas de satisfação sexual masculina e na crença de que a prostituição desempe-
nharia um papel importante em conter essas necessidades dentro dos limites morais estabele-
cidos (Margotti, 2017). Em contrapartida, Estefam (2017) sintetiza os fundamentos do sistema
regulamentarista em relação à prostituição e indica que este se baseou nos seguintes princí-
pios:

(I) a proteção da saúde pública, encarando a prostituta como agente de disseminação


de enfermidades; (II) a necessidade da tutela moral pública, fazendo com que jovens
mulheres não fossem contaminadas pelo vicioso ambiente; (III) a tutela do patri-
mônio dos homens e, indiretamente, de suas famílias. (Estefam, 2017, p. 183).

De acordo com Fragoso (1984), a regulamentação da prostituição é motivada pela


ideia de um controle social rigoroso sobre a prática da prostituição, visando prevenir a propa-
gação de doenças e preservar a moral pública através da contenção. Portanto, envolve a impo-
sição de restrições contidas na regulamentação policial como condição para que a atividade
seja legal. Esse sistema, quando aplicado com rigor, leva ao isolamento da prostituição em
áreas específicas ou ruas sob controle, e também promove o surgimento de bordéis ou casas
de tolerância.
Contudo, críticos argumentam que esse sistema abrange apenas uma pequena parcela
da prostituição e, portanto, tem um impacto limitado na saúde pública. Também afirmam que
estigmatiza profundamente as pessoas que se envolvem na prostituição, tornando a reintegra-
ção social mais difícil, ao mesmo tempo em que promove, de certa forma, uma forma privile-
22

giada de prostituição. Além disso, alguns pesquisadores argumentam que a regulamentação


implica na participação do Estado em uma atividade amplamente considerada imoral, impon-
do restrições excessivas às profissionais do sexo. A regulamentação só se aplica às mulheres
em situações de pobreza e de baixa condição social, deixando de fora a prostituição das clas-
ses sociais mais elevadas, o que é visto como uma discriminação odiosa (Fragoso, 1984).
Mostra-se indubitável que o sistema regulamentarista, conforme inicialmente conce-
bido e implementado, negligenciou a autonomia das pessoas envolvidas na prostituição. Ele
equiparou práticas realizadas de maneira consensual àquelas feitas por meio de coerção, esta-
belecendo regulamentos e normas com base em julgamentos morais, sem levar em conta os
direitos individuais. Nesse sentido, ignora o fato de que a pessoa que opta pela prostituição
não está vendendo seu corpo, mas prestando um serviço profissional de forma consentida.
Neste modelo legal, não existe "propriedade de pessoas", mas a possibilidade de utilizar o
próprio corpo como uma ferramenta de trabalho, com a possibilidade de ter um empregador,
nos locais onde a prostituição é reconhecida como profissão. De fato, as injustiças inerentes
ao sistema de regulamentação, com suas inúmeras exigências e evidente desigualdade, provo-
caram críticas em diversos países, apontando para a necessidade de um novo modelo (Margot-
ti, 2017).
É nesse cenário de críticas que surge o submodelo laboral ou descriminalizador den-
tro do sistema regulamentarista, demonstrando um avanço considerável na busca pela garantia
de direitos e na quebra de estigmas. Tal paradigma reconhece a prostituição como uma profis-
são, destacando a necessidade de regulamentação por meio da legislação civil e trabalhista. O
sistema baseia-se na livre escolha e autodeterminação da pessoa que se prostitui, considerando
que ela opta voluntariamente por oferecer serviços sexuais, sem interferência externa. Essa
abordagem equipara a prostituição a outras profissões, sujeitando-a às mesmas obrigações
fiscais, direitos trabalhistas e sociais, incluindo seguros e tributos.
Hodiernamente, independentemente das políticas criminais adotadas em diversos pa-
íses, a doutrina apresenta duas perspectivas distintas em relação à prostituição. A primeira é a
de que a prostituição equivale a uma forma de exploração, baseando-se na premissa kantiana
de que a pessoa é um fim em si mesma, ela não pode ser tratada, nem mesmo por si própria,
como um objeto ou ferramenta, sob risco de violar o princípio da dignidade humana. Por ou-
tro lado, existe a corrente que encara a prostituição como uma forma de trabalho como qual-
quer outra. Segundo esse ponto de vista, a dignidade humana pressupõe a autonomia da von-
tade, e a escolha pela prostituição deve ser respeitada (Rodrigues, 2013).
23

3 PARADOXO PENAL OU SOCIEDADE PARADOXAL? O LENOCÍNIO E O BEM


JURÍDICO EFETIVAMENTE TUTELADO NOS CRIMES SEXUAIS

Dentro de uma perspectiva dualista e simplista do feminino, emergem duas represen-


tações simbólicas sobre a mulher que, por um longo período, foram difundidas pelo pensa-
mento cristão – Eva e Maria. Esta foi associada aos símbolos de honestidade, castidade e re-
denção, enquanto aquela foi vista como uma pecadora dissimulada. Os princípios cristãos
desempenharam um papel crucial na moldagem da condição feminina, estabelecendo papéis,
enaltecendo comportamentos castos e repudiando práticas consideradas heréticas e pecamino-
sas. A base ética dessa linha de pensamento reside na rejeição do prazer sexual e na promoção
do ato sexual direcionado à procriação, no contexto do matrimônio, que se tornou um sacra-
mento no século XIII, por meio do IV Concílio de Latrão. Santo Agostinho solidificou a visão
desfavorável da sexualidade na moral cristã ao associar o ato sexual ao pecado original
(D’Ávila Neto, 1994).
D’Ávila Neto (1994) explica que o reforço da visão cristã em relação ao papel das
mulheres na sociedade encontrava sua base principal na esfera familiar, onde os princípios
transmitidos pelos pais desempenhavam um papel fundamental. A estrutura patriarcal da fa-
mília moldava suas práticas e ensinamentos com base na doutrina religiosa, o que acabava por
alimentar a formação de preconceitos, estereótipos e, especialmente, tabus relacionados à se-
xualidade. Como resultado, surgiam complexos, como o complexo de virilidade ou machis-
mo, entre os homens, e o complexo de virgindade, entre as mulheres.

O Madonismo, a exaltação da mulher virgem, reflete-se no culto à Virgem, com o


qual o brasileiro sempre teve grande identificação. Em oposição oposta aos modelos
de virtudes que se deveriam constituir as mulheres virgens, enquanto solteiras ou
devotas a seu marido, quando casadas, os homens deveriam se comportar diferente-
mente. A eles era permitido conhecer outras mulheres e ter amantes, mesmo casa-
dos, como prova de masculinidade. (D’ÁVILA NETO, 1994, p. 48).

A dualidade de representações femininas promovidas pelos valores cristãos nas di-


nâmicas sociais não se apresenta de maneira definitiva e clara. Na verdade, essas duas con-
cepções sobre o papel da mulher no mundo estão interligadas e dependentes uma da outra.
Podemos argumentar que esses padrões sociais de comportamento podem ser entendidos à luz
do conceito de interseccionalidade, pois implicam em uma forma de opressão sobre diferentes
perfis femininos. Independentemente da referência simbólica adotada, não se anulam as impo-
sições do sistema de dominação sobre as mulheres. Segundo Foucault (2015), a maneira como
24

cada indivíduo vive sua sexualidade está sujeita a um tipo de vigilância sexual através de dis-
cursos que servem aos interesses de um Estado e de uma moral cristã.
O Código Penal Brasileiro, apesar de representar um Estado Democrático de Direito
que, em tese é laico e amoral, paradoxalmente está imbuído de condutas proibitivas e penas
impostas baseadas, tão somente, em aspectos morais e religiosos hegemonicamente conside-
rados como dignos e de valores louváveis. Portanto, a separação entre direito e moral é um
processo constante de avanço em comunhão com os estudos sobre bem jurídico, mas que,
hodiernamente, ainda há criminalizações travestidas de direito, mas que regulam tão somente
valores morais e religiosos.

3.1 O Crime de Lenocínio no Brasil

O Código Criminal do Império não tipificava como crime a prostituição ou as ações


relacionadas a essa prática. Assim, a intervenção da lei penal só era possível quando as prosti-
tutas eram acusadas de cometer alguma ação que, aos olhos da opinião pública, fosse vista
como uma transgressão à moral e aos bons costumes (Brasil, 1830).
Todavia, o lenocínio foi incorporado na legislação penal brasileira através do Código
Penal promulgado em 1890, período da Primeira República, que representa uma fase histórica
particularmente relevante para o estudo das fontes jurídicas, pois de 1889 a 1930, o Brasil
estava empenhado em se afastar do legado colonial e escravista em direção à modernidade.
No texto republicano, a proteção da integridade da honra e honestidade das famílias e a re-
pressão ao ultraje público ao pudor eram aspectos centrais, envolvendo a criminalização de
várias condutas categorizadas como lenocínio (Brasil, 1890).
A abolição da escravidão, um dos fatores que contribuiu para o declínio do Império,
foi oficializada em 1888; no ano seguinte, em 1889, ocorreu a Proclamação da República,
tendo sua Constituição estabelecida em 1891. Essa dupla transformação - tanto no status de
cidadania dos africanos anteriormente escravizados e seus descendentes quanto no sistema de
governo - resultou em uma completa revisão do corpo de leis do país. Somado a isso, os dis-
cursos médicos de associação da criminalidade com a sexualidade pervertida colaboraram
para a extensão das punições tanto para a prostituta quanto para aqueles que, de alguma for-
ma, colaboravam com a atividade, através da Lei Mello Franco, de nº 2.992/1915, que emen-
dou o Código Penal em vigor naquele período, incluindo a penalização do tráfico de mulhe-
res, em consonância com os tratados internacionais do início do século XX, o que acabou por
acrescentar ao conceito de lenocínio a ação de administrar ou lucrar com casas de prostituição
25

(Brasil, 1915). Vale ressaltar que a lei de 1915 estabelecia que, para essa prática ser conside-
rada criminosa, o consentimento da vítima era irrelevante. (Andrade, 2016, p. 16).
Com o advento do Código Penal de 1940, houve uma ampliação e uma especificação
das condutas relacionadas ao lenocínio. O atual Código Penal, nos artigos 227 a 230, estabe-
lece como delitos a mediação para servir a lascívia de outrem, favorecimento à prostituição,
casa de prostituição e rufianismo no Título VI, da Parte Especial, atualmente intitulado dos
"Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual" (Brasil, 1940). A legislação tem suas bases nesse
período e utiliza a terminologia "lenocínio" para englobar uma variedade de tipos de compor-
tamentos que têm em comum a interferência na atividade sexual de terceiros, com uma clara
ênfase na relação com o comércio sexual, especialmente ao lidar diretamente com a explora-
ção da prostituição (Bonfim, 2018).
Em agosto de 2009, entrou em vigor a Lei 12.015, que promoveu uma significativa
reforma nos delitos de natureza sexual presentes no Título VI do Código Penal brasileiro. Isso
incluiu a introdução de novos dispositivos, revisão e eliminação de outros. A modificação
mais proeminente e impactante foi a alteração do próprio título, que anteriormente era chama-
do de "Dos crimes contra os costumes" e passou a ser intitulado "Dos crimes contra a digni-
dade sexual" (Brasil, 2009).
Conforme observado pela doutrina, essa mudança reflete uma evolução na maneira
como o legislador, junto com a sociedade que ele representa, compreende o conteúdo e a
abrangência dos crimes sexuais no país (Mirabete, 2010). Nesse contexto, é relevante destacar
que a denominação anterior do Título VI evidenciava a ênfase dada pelo legislador de 1940 à
proteção da moralidade sexual e do decoro público nos crimes sexuais em geral, priorizando
esses valores sobre a proteção de outros bens jurídicos igualmente importantes, como a liber-
dade sexual e a integridade física e psicológica das vítimas.
Nesse sentido, o cerne da discussão ao avaliar ou interpretar as disposições legais re-
lacionadas à criminalização do lenocínio é a estratégia escolhida pelo Estado para lidar com a
questão da prostituição:
a) Mediação para servir a lascívia de outrem

Mediação para servir a lascívia de outrem


Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1o Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente
é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou
pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
(Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
26

§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:


Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa (BRASIL,
1940).

No artigo 227 do Código Penal Brasileiro – CPB, O tipo básico, previsto no caput do
artigo 227 do CPB, penaliza com reclusão, de um a três anos, quando a vítima for maior de 18
anos, aquele que induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem. A intenção de lucro não é
indispensável para a caracterização do delito. O lenocínio se diferencia dos demais delitos do
mesmo capítulo pelo fato de que o autor não colabora para a prática da prostituição por parte
de terceiros, mas apenas induz a suposta vítima a satisfazer os desejos libidinosos de outra
pessoa, mediante a prática de atos de natureza sexual com um indivíduo específico. Tem-se,
dessa forma, o lenocínio principal, caracterizando um agente que toma a iniciativa de condu-
zir a vítima, ou seja, persuadi-la, a se envolver em atividades sexuais com outra pessoa, e,
assim, a corrompe por meio da intervenção de terceiros (Pierangeli; Souza, 2015, p. 91).
Ocorre que esse crime presume uma vítima que não tenha sido previamente corrom-
pida sexualmente ou envolvida em prostituição, caso contrário, seria considerado como um
ato impossível, uma interpretação amplamente aceita na doutrina. Portanto, a distinção fun-
damental deste crime em relação aos outros do mesmo conjunto reside no fato de que a prosti-
tuição sempre implica na repetição ou hábito da troca sexual com pessoas não especificadas, e
o fato de que o autor deste crime não atrai ou persuade a vítima a se envolver nessa atividade
é, sem dúvida, a principal razão pela qual as penalidades previstas no art. 227 são considera-
velmente mais leves do que as dos delitos subsequentes. (Marcão; Gentil, 2018, p.104).
Alguns defendem que a previsão em questão é inconstitucional, uma vez que está as-
sociada à prostituição de adultos que têm o pleno direito de dispor de seus corpos para satisfa-
ção de desejos libidinosos. Para Nucci (2014) a permanência dessa tipificação só se justifica-
ria ao considerar a moralidade sexual como um alvo de proteção legal, com a sociedade sendo
vista como sujeito passivo secundário. Isso, porém, não é mais aceitável no contexto de um
sistema de direito penal baseado no Estado de Direito. Logo, essa figura é, no mínimo, per-
meada de contradição, já que assinala ser “difícil imaginar uma sugestão de prática sexual por
meio de violência, sem ingressar no campo do estupro (ou da tentativa)” (Nucci, 2014, p.
184). Assim, percebe-se que a afronta se restringe ao âmbito moral, sem, portanto, afetar um
valor que possa ser considerado como um bem juridicamente protegido.
27

b) Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual


(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexu-
al, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009)
§ 1o Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, compa-
nheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei
ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: (Redação dada pela
Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 2º - Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa (BRASIL,
1940).

O tipo penal do art. 228 está inserido no conceito de lenocínio acessório, pois presu-
me-se que as vítimas já estejam envolvidas na prática da prostituição. A redação atual foi am-
plamente expandida, de modo a abranger uma série de comportamentos que podem ser consi-
derados formas de exploração sexual, além da prostituição. No que diz respeito à parte inicial
do delito, nas modalidades de induzir ou atrair, uma pessoa que já está envolvida na prostitui-
ção não pode ser considerada como sujeito passivo, por motivos óbvios: se já está praticando
a prostituição, não pode ser induzida ou atraída para algo que já faz parte de sua rotina. No
entanto, no caso das modalidades de facilitar (a prática), dificultar e impedir (o abandono da
prostituição ou de outra forma de exploração sexual), é necessário que a pessoa que já está
envolvida na prostituição ou exploração sexual seja tratada como vítima. (Marcão; Gentil,
2018).
A redação do caput foi expandida por meio da Lei 12.015, mas isso não causou mu-
danças significativas no núcleo do delito. Este, por sua vez, pode ser cometido de diversas
maneiras, com os seguintes verbos: induzir, atrair, facilitar, impedir e dificultar. A indução
implica na persuasão ou influencia que é exercida sobre alguém para praticar algo; a atração
ocorre quando há motivação para alguém se aproximar, convencendo ou seduzindo; a facilita-
ção é o meio de proporcionar condições mais favoráveis para a prostituta no exercício da ati-
vidade que ela já se propôs a realizar. Isso pode envolver a intermediação com clientes, a faci-
litação da prática em determinado local ou estabelecimento, fornecendo acomodações ou dis-
ponibilizando recursos materiais como dinheiro, roupas, sapatos, joias ou um veículo. A sua
característica agravante de natureza subjetiva não considera mais a idade da vítima, como na
28

versão original, mas incorpora elementos relacionados a relações de trabalho, com a pena va-
riando de 3 a 8 anos de prisão. Ainda, tem-se o uso de meios violentos, ameaçadores ou frau-
dulentos como qualificadores do crime, aumentando a pena para um intervalo de 4 a 10 anos
(Marcão; Gentil, 2018).
Ainda, a busca por lucro resulta em uma multa adicional, mas não está ligada à in-
tenção típica do delito. É importante destacar que não se trata de facilitar a entrada na prosti-
tuição ou em outra forma de exploração sexual, mas sim de permitir a facilitação do exercício
da atividade sexual para quem já tomou essa decisão ou já está envolvido nela. Por isso, em-
bora a prostituição em si não constitui um ato criminoso, a prostituta pode ser considerada
como sujeito passivo do crime na modalidade de facilitação. O legislador brasileiro rejeitou a
adoção de uma política paternalista direta, que criminalizaria o próprio ato de se envolver na
prostituição, considerando que tal abordagem refletiria um excesso de moralismo jurídico e
seria incompatível com o respeito à autonomia pessoal. Da mesma forma, o cliente que se
relaciona com um profissional do sexo não é criminalizado, desde que sua conduta não envol-
va incentivar ou favorecer a prostituição ou que ele não participe diretamente dos lucros obti-
dos (Carvalho, 2010).
c) Casa de prostituição

Casa de prostituição
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra
exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário
ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa (BRASIL, 1940).

De acordo com o texto atual, a operação e manutenção de um estabelecimento en-


volvido na exploração sexual constitui o crime de casa de prostituição. A única alteração em
relação à descrição anterior está relacionada ao termo "estabelecimento", que é mais abran-
gente do que o termo "casa". Além disso, a versão original da norma também proibia locais
destinados a encontros libidinosos em geral, o que poderia levar à criminalização de motéis,
por exemplo, algo que é inimaginável no cenário presente. Na redação hodierna, esse crime é
mais preciso no que se refere ao elemento da "exploração sexual", uma vez que elimina a
menção à "prostituição" e, de forma apropriada, estabelece que a censura se aplica a locais
destinados à exploração sexual. Isso proporciona uma interpretação válida e coerente com a
legislação para fins de adequação social (Castro, 2012).
Ocorre que a visão nostálgica e por vezes idealizada de prostíbulos como o primeiro
passo na jornada da masculinidade sexual e na iniciação à virilidade explícita, muitas vezes
29

protagonizada por profissionais do sexo e frequentemente promovida por familiares próximos


que, com certo orgulho, acompanhavam os jovens inexperientes em encontros carnais com
mulheres experientes, tornaram-se obsoletas. Esses encontros, que nada tinham de amorosos,
são apenas representações desatualizadas na estrutura social contemporânea. Já as "zonas de
meretrício", onde ainda persistem principalmente nos centros das cidades, transformaram-se
em refúgio para atividades criminosas e pontos de encontro para um pequeno número de pes-
soas, sem mais carregar as conotações e o glamour que um dia as envolveram. Aproveitando-
se do desejo humano inato por satisfação sexual, seja nas ruas ou em estabelecimentos de lu-
xo, a prostituição nunca deixou de existir (Marcão; Gentil, 2018).
Em relação a esse assunto, Estefam (2009) elucida que, com a promulgação da Cons-
tituição Federal e a mudança no enfoque dos artigos 213 a 234, que passaram a tratar de cri-
mes contra a "dignidade sexual", a manutenção do tipo penal do artigo 228 já não se justifica.
Isto porque em um Estado Democrático de Direito fundamentado na dignidade da pessoa hu-
mana, o qual pressupõe a liberdade de autodeterminação, não é adequado considerar como
crime uma atividade que, em sua essência, não envolve condutas ilícitas, mas apenas conside-
radas imorais pela sociedade. Na mesma perspectiva, Nucci (2009) revela sua indignação nos
seguintes termos:

Em lugar de descriminalizar o óbvio, eliminando do cenário do Código Penal o art.


229, altera-se uma expressão por outra análoga, gerando a expectativa de aplicação da
norma, o que fatalmente, não ocorrerá. Se a prostituição tanto incomoda, somente para
argumentar, crie-se o tipo penal apropriado, criminalizando-a. Somente assim teria
sentido buscar a punição por quem a pratica ou quem mantém lugar destinado à práti-
ca desse crime. Porém, não constituindo delito, de nada importa existir uma in-
fração penal, pretendendo punir o dono de um lugar onde ocorra ato não crimi-
noso. Se a prostituição é prática imoral, lembremos que a corrupção também é, aliás,
além de imoral é crime. E não consta existir tipo penal punindo quem mantenha esta-
belecimento onde ocorra corrupção (Nucci, 2009, p. 80). Grifo nosso.

Portanto, se ocorre ato que não é criminoso em um local, é injustificada a punição do


dono do estabelecimento. Assim, é necessário buscar um sistema de regulamentação criminal
que seja o menos hipócrita possível, no qual não haja lugar para a proteção de valores estrita-
mente morais, sem que isso signifique qualquer apoio ou condescendência em relação a com-
portamentos que claramente desrespeitem a moral em vigor.
d) Rufianismo

Rufianismo
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lu-
cros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
30

§ 1o Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime


é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companhei-
ro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por
lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2o Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio
que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à
violência. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) (Brasil, 2009)

O Código Penal anterior não abordava de forma específica o crime de rufianismo. No


entanto, na redação atual, o delito é claramente previsto conforme o texto supracitado. A dou-
trina tem levantado diversas críticas, em parte argumentando a inconstitucionalidade do dis-
positivo no que diz respeito a práticas entre adultos, sem envolver violência, ameaça grave,
fraude ou outros meios que impeçam ou dificultem a livre manifestação da vontade da vítima.
Quando comparado aos crimes descritos nos artigos 227, 228 e 229 do Código Penal, o rufia-
nismo é considerado o mais repreensível e abominável, onde o sujeito ativo desse tipo de cri-
me é denominado rufião ou cafetão. Por óbvio, somente a pessoa que se prostitui pode ser
considerada como vítima desse crime, ou seja, sujeito passivo será aquele que se envolve na
prostituição e é explorado pelo rufião, conforme estabelecido nos elementos do tipo (Marcão;
Gentil, 2018).
Nota-se, ainda, que a configuração do crime se dá, necessariamente, com benefício
obtido pelo rufião sendo extraído de parte dos ganhos provenientes da prostituição, e não de
qualquer outra fonte de renda ou recursos. Isso deve estar relacionado aos lucros obtidos du-
rante e em razão da prática da prostituição. Logo, o fim do lucro é intrínseco ao rufianismo.
Em síntese, o rufião é alguém que depende financeiramente de uma ou mais prostitutas, ou
que participa diretamente de parte dos lucros delas, sem se envolver nas transações comerciais
das vítimas com terceiros. Importante distinguir essa situação da que alguém que vive em
união matrimonial ou concubinato com uma prostituta, ou que é proprietário de um bordel,
desde que se mantenha completamente afastado dos ganhos ou lucros dela. Também não se
assemelha à situação de jovens em relacionamento com mulheres casadas ou solteiras, das
quais recebem dinheiro, bens ou outros presentes para sustentar seu estilo de vida. Esses bene-
fícios não provêm da prostituição, mas sim dos recursos dos maridos enganados ou de outras
fontes não relacionadas a essa origem, ou ainda do trabalho ou renda dessas mulheres (Farias,
1961).
31

3.2 A Dignidade Sexual como Bem Jurídico Tutelado e a Moralidade Pública Sexual

Como já mencionado, o Código Penal de 1940 trazia no Título VI da Parte Especial


os denominados “Crimes contra os Costumes”. Estes, por sua vez, eram entendidos como “os
hábitos de vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexu-
al adaptada à conveniência e disciplina sociais” (Hungria, 1956, p. 103). No entanto, após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, a decisão do legislador de manter os "costu-
mes" como um bem jurídico protegido foi questionada. Isso se deu ao fato de que esses prin-
cípios éticos relacionados à sexualidade não estariam mais tão vívidos na sociedade contem-
porânea, dada a evidente evolução social e o comportamento mais liberal que a acompanha.
Nesse contexto, a Lei nº 12.015/2009 atendeu aos anseios na medida que alterou o bem jurídi-
co do Título VI do Código Penal, que deixou de ser “dos crimes contra os costumes”, passan-
do a ser denominado “dos crimes contra a dignidade sexual”. Isso se daria justamente pelo
motivo dos hábitos sexuais das pessoas serem irrelevantes para o legislador, mesmo se consi-
derados imorais ou inadequados (Nucci, 2008).
Para Tavares (2003), o bem jurídico é um elemento intrínseco à condição do indiví-
duo e à sua interação na sociedade, podendo ser compreendido como um valor que se incor-
pora à norma como o objeto de preferência real, constituindo, assim, o componente principal
da estrutura do tipo, ao qual devem se referir a ação típica e todos os seus outros elementos.
Logo, não é apenas uma ideia abstrata ou funcional do sujeito, mas sim o que determina a
validade da norma e, ao mesmo tempo, condiciona sua eficácia à comprovação de que tenha
sido prejudicado ou colocado em perigo. Desse modo, toda norma penal deve explicitar de
maneira nítida qual bem jurídico está protegendo, qual valor previsto constitucionalmente ela
visa preservar. Isso é essencial para evitar que a atuação do legislador ultrapasse os limites do
punitivismo, evitando criminalizar condutas com base em escolhas que são morais, religiosas,
éticas ou de qualquer outra esfera que não pertença ao domínio do direito.
Não obstante o Direito Penal é fortemente influenciado pelo princípio da dignidade
humana, uma vez que se trata de um ramo jurídico que restringe de maneira mais rigorosa a
liberdade do indivíduo, podendo impor as sanções mais graves previstas na legislação. Lima
(2012) ressalta que é impossível conceber o Direito Penal ou o sistema penal sem considerar o
princípio constitucional da dignidade humana como ponto de partida. Esse princípio é funda-
mental tanto para estabelecer os limites do poder punitivo do Estado quanto para fundamentar
as possibilidades de criminalização, além de servir como base constitucional para a própria
aplicação das penas. Com a nova formulação incluída no Código, o foco se volta para a pre-
32

servação da liberdade, segurança e integridade física ligadas à sexualidade humana, indicando


que a dignidade humana constitui, em sua essência, um bem jurídico abrangente, sujeito à
influência de diversos valores a serem preservados.
Nesta senda, Lopes (1999) também elucida que a extensão da intervenção penal ga-
rantida pela Constituição Federal, sob a ótica de uma sociedade pluralista, sem preconceitos,
que valoriza e promove a diversidade cultural e comportamental, acaba por proibir qualquer
criminalização baseada em ofensas morais e opiniões. Isso impede o Direito Penal de adotar
uma posição favorável a uma concepção moral, religiosa ou filosófica específica. Consequen-
temente, ele levanta questionamentos sobre a constitucionalidade de vários crimes, incluindo
aqueles relacionados à prostituição e à obscenidade.
Segundo Greco e Rassi (2010), a dignidade sexual é uma faceta específica da digni-
dade da pessoa humana, podendo ser discernida em dois níveis distintos. Primeiramente, refe-
re-se à dignidade individual, relacionada ao direito de exercer livremente sua vontade quanto
à expressão de sua própria sexualidade. No segundo nível, diz respeito à dignidade social (se-
xual), entendendo-se como o direito ao convívio que implica em um consenso na sociedade
sobre a visibilidade do comportamento social. Partindo desse ponto, o Direito Penal estabele-
ce os padrões e limites para o exercício da liberdade e tolerância, com o fundamento contem-
porâneo para a despenalização de condutas sexuais entre adultos, ocorridas em espaço privado
e consentidas, seguindo a tendência de privatização da sexualidade.
Nessa perspectiva, Natscheradetz (1985) disserta que apenas as condutas sexuais que
representem uma grave ameaça à liberdade pessoal do indivíduo, especialmente à sua liberda-
de sexual, podem ser sujeitas a processos criminais. A liberdade individual possui um status
amparado constitucionalmente, sendo fundamental para a convivência social em diversas
áreas e em múltiplos contextos nos quais a liberdade individual se manifesta, incluindo a esfe-
ra sexual. Portanto, o único bem jurídico merecedor de proteção nos casos de crimes sexuais é
a liberdade sexual. O Direito Penal Sexual se concentra na salvaguarda de interesses individu-
ais, ou seja, a liberdade sexual pessoal, em oposição a interesses coletivos, como a ordem so-
cial na esfera sexual ou a moral sexual pública. Considerando que a liberdade sexual é o bem
jurídico protegido, ela deve ser abordada, com todas as suas particularidades, no âmbito dos
crimes contra a liberdade em geral.
O que se observa é que, em relação aos crimes definidos no Título VI, em particular
nos artigos 227 a 230, eles visam "padrões morais de comportamento", o que representa uma
séria transgressão aos limites da intervenção penal na esfera criminal. Isso fere os princípios
da intervenção mínima, lesividade e subsidiariedade. Além disso, tais interesses poderiam ser
33

devidamente protegidos por outros ramos do Direito. Isto porque induzir uma pessoa, maior e
capaz, a satisfazer o desejo sexual de outra, atrair alguém, igualmente capaz, para a prostitui-
ção, manter um estabelecimento onde ocorra exploração sexual de pessoas maiores e capazes,
mesmo que sem intenção de lucro, ou tirar vantagem da prostituição de terceiros, são todas
condutas em que não há qualquer violação à autodeterminação ou à liberdade sexual de al-
guém. Pelo contrário, em todos esses exemplos, percebe-se apenas a proteção de valores mo-
rais, o que vai contra os limites estabelecidos pelo legislador para o conceito de bem jurídico.
Isso implica numa clara regulamentação de tabus morais que não deveriam ser objeto de pro-
teção pelo Direito Penal (Conegundes, 2015).
Destarte, pode-se inferir que, no que diz respeito à sexualidade, uma parte inalienável
da natureza humana, o que importa não é se o ato é digno ou indigno, mas sim se é realizado
com livre vontade ou se é imposto por meio de violência ou coerção, ou seja, se há um certo
grau de violação da autodeterminação sexual do parceiro. Assim, a liberdade sexual é o inte-
resse jurídico-penal que, sem sombra de dúvida, merece ser preservado no âmbito do Direito
Penal Sexual. Nesse sentido, em um crime sexual - como no caso dos Crimes de Lenocínio -
que é cometido por pessoas adultas e capazes, sem o uso de violência física ou moral, questi-
ona-se qual seria, verdadeiramente, o interesse jurídico-penal que está sendo lesado.

3.3 A Prostituição cerceada pelo Paternalismo Jurídico

Os comportamentos do já comentado Título VI, Capítulo V, do Código Penal brasi-


leiro carecem de motivação sobre as verdadeiras razões de sua tipificação. O instituto do pa-
ternalismo jurídico tem aspectos relevantes para fins de justificação dos fundamentos éticos e
político-criminais usados na restrição da autonomia individual por parte do Direito Penal
quando se trata do envolvimento de terceiros na prostituição consentida e feita voluntariamen-
te por adultos capazes e maiores de idade. Desde logo, pode-se conceituar o paternalismo co-
mo "a interferência na liberdade de ação de uma pessoa que se justifica por razões referidas ao
bem-estar, bem, felicidade, necessidades, interesses ou valores da própria pessoa coagida"
(Dworkin, 1975, p. 175).
Precipuamente, Atienza (1988) explica que o paternalismo surge quando se adota
uma medida para restringir a autonomia de alguém, visando protegê-lo de algo que o agente
paternalista considera prejudicial, de acordo com sua própria perspectiva. Na Filosofia Moral,
o termo "paternalismo" é usado principalmente para descrever uma ação que visa restringir a
autonomia dos indivíduos. No entanto, essa restrição da liberdade individual não ocorre injus-
34

tificadamente, mas é fundamentada na busca pelo bem do sujeito cuja autonomia está sendo
limitada. Assim, uma das características principais do paternalismo, e o que teoricamente o
justifica, é a intenção, em tese, benevolente da medida coercitiva imposta: a intervenção ocor-
re sempre com o objetivo de proteger o "bem" ou os "interesses" da pessoa protegida, mesmo
que esse "bem" não coincida com o que o próprio indivíduo acredita ser o melhor para si.
O que se infere é que o crime de Lenocínio, hodiernamente, está situado no conflito
entre as abordagens moralistas e paternalistas no âmbito jurídico. A questão central gira em
torno de se compreender a incriminação do Lenocínio à luz do princípio que limita a liberda-
de, levantando a questão do valor da autonomia pessoal. Do ponto de vista da moralidade so-
cial e religiosa, o sexo é considerado moralmente aceitável somente quando ambas as partes
envolvidas agem motivadas por desejo sexual, acompanhado de amor ou afeto. Consequente-
mente, a prostituição é vista como contrária à moral, uma vez que o sexo em troca de dinheiro
não reflete uma motivação mútua e muitas vezes é interpretado como uma expressão da do-
minação ou exploração masculina. Albergaria e Lima (2012) afirmam que tais construções de
moralismo não devem ser incorporadas pelo Direito Penal, que está intimamente ligado à
Constituição.
Uma das principais categorizações do paternalismo inclui o paternalismo positivo,
que ocorre quando uma intervenção benevolente visa promover o bem do indivíduo protegido,
e o paternalismo negativo, que se manifesta quando a finalidade da intervenção não é promo-
ver o bem, mas sim evitar a ocorrência de um dano. O primeiro, claramente, restringe mais a
autonomia pessoal do que o segundo (Mendes, 2010). Além dessa classificação, há as formas
de paternalismo relevantes para a discussão sobre a legitimidade da punição do lenocínio, a
saber: os paternalismos moral, rígido e suave, direto e indireto (Martinelli, 2010, p.117).
O paternalismo moral se assemelha ao moralismo jurídico, uma vez que ambos vi-
sam evitar a transgressão de normas morais. Portanto, é comum afirmar que todo moralismo é
também paternalista, mas o contrário não é necessariamente verdadeiro. A distinção entre o
paternalismo rígido e suave diz respeito à qualidade das pessoas cujas liberdades enfrentam
cerceamento. Quando se considera que as pessoas que são capazes podem ser responsáveis ou
irresponsáveis, o paternalismo suave permite apenas a intervenção do sistema penal com o
propósito de proteger as últimas de suas próprias decisões. Assim, a lei estabelece a direção
predominante de seus interesses. Em contrapartida, o paternalismo rígido busca submeter a
liberdade de todas as pessoas a uma avaliação prévia e anterior sobre as escolhas consideradas
mais adequadas (Martinelli, 2010).
35

Essa intervenção leva o Estado a infringir a esfera pessoal do indivíduo alvo da ação
paternalista, uma vez que interfere em sua autonomia e não leva em consideração a capacida-
de e responsabilidade do indivíduo para tomar decisões por si próprio. Lyra (2014) aborda de
maneira enfática que o moralismo jurídico tenta impor o que ele considera um padrão de per-
feição moral, buscando uniformizar o caráter moral individual ao proibir comportamentos
vistos como imorais por alguns. Isso, segundo suas palavras, não apenas viola a autonomia e a
capacidade de autodeterminação, mas também a igualdade e até mesmo a própria democracia.
Sarmento (2016), por sua vez, salienta que princípios constitucionais como a laicidade e a
amoralidade impedem a adoção de ideais perfeccionistas por parte do Estado em sua aborda-
gem paternalista. Isso porque eles favorecem interpretações dominantes da moral, prejudican-
do as visões de vida divergentes de terceiros.
Existem situações em que certas formas de paternalismo são essenciais para promo-
ver uma convivência harmoniosa na sociedade. Isso é observado, por exemplo, no paternalis-
mo moderado presente em legislações que garantem direitos para crianças, adolescentes e
indivíduos que não possuem plena capacidade cognitiva (Feinberg, 1986). No entanto, quando
o paternalismo tem a motivação de limitar ser plenamente capaz e autônomo, mesmo que este
queira se privar de sua vida, integridade física, ou se colocar em riscos prováveis em busca de
prazer, torna-se injustificável. Portanto, quaisquer que sejam as formas de paternalismo do
Estado, só podem ser admitidas de forma excepcional, reforçando que violam diretamente a
autonomia e a liberdade individual. Isso acontece na tentativa de evitar que as pessoas reali-
zem ações que não afetam terceiros, não prejudicam qualquer interesse legal ou que sejam
apenas moralmente desaprovadas.
36

4 AUTONOMIA PARA SE PROSTITUIR: INTERVENÇÃO PENAL EXCESSIVA


COMO AFRONTA À LIBERDADE

A dignidade humana presente na teoria contemporânea dos direitos humanos tem seu
fundamento no pensamento do filósofo Kant, que tentava delimitar o poder publico para pre-
servar os ideais de liberdade. Estes ideais são os responsáveis por tornar o poder político efi-
caz e longevo no momento que reafirma o uso das leis morais. A dignidade humana, portanto,
estabelece-se na perspectiva de que não se pode atribuir um valor quantificável à pessoa, por-
que o ser humano é um fim em si mesmo, o que significa que suas ações não podem contradi-
zer a humanidade presente em cada indivíduo, além da sua capacidade de autonomia para
determinar as leis que irão orientar sua própria vida e a dos outros. Desse modo, a vontade de
todo ser racional deve ser uma vontade universalmente legisladora, pois em cada indivíduo
reside toda a humanidade, representando a ideia da dignidade de um ser racional que não se
submete a nenhuma norma além daquela que ele estabelece para si mesmo (Kant, 2008).
No mesmo contexto, para o filósofo, só há valor moral em uma ação quando ela é re-
alizada por ser a coisa certa e não em razão de alguma vantagem ou interesse. Neste último
caso, caso ocorra, o valor moral será ausente. O que se tem, desse modo, é que a vontade au-
tônoma considera o agente moral como alguém independente de seus próprios objetivos e
relações pessoais, dando primazia ao que é ético sobre o que é bom, uma vez que as virtudes
não devem ser o foco das discussões morais na perspectiva kantiana de moralidade, liberdade
e razão. Logo, mesmo que a escolha de se envolver na prostituição seja moralmente censurá-
vel para a sociedade, ao refletir sobre a justiça, o correto é abster-se de julgamentos do tipo se
é bom ou ruim, se é eticamente correto ou incorreto se dedicar à prostituição. Isso porque é
necessário conceber a pessoa como um ser que detém livre arbítrio e desvinculado de precon-
ceitos morais. Sandel (2012) elucida:

Atualmente a maioria das pessoas considera estranha, ou mesmo perigosa, a noção


de que a política deve cultivar virtudes. Quem pode definir a virtude? E se as pesso-
as não chegarem a um consenso? Se a lei procura promover determinados ideais mo-
rais e religiosos, isso não estará abrindo caminho para a intolerância e para a coer-
ção? Quando pensamos em Estados que tentam promover a virtude, não pensamos
primeiramente na pólis de Atenas; pensamos no fundamentalismo religioso, passado
e presente – em apedrejamento por adultério, no uso obrigatório de burcas, nos jul-
gamentos das 28 feiticeiras de Salem e assim por diante.” (Sandel, 2012, p. 267).

A filósofa Arendt (2004) vai além do pensamento de Kant ao acrescentar que, além
da liberdade autônoma, os seres humanos também estão sujeitos às influências do mundo em
que vivem. Assim, ela inclui na noção de valor da liberdade como parte da dignidade humana
37

a prática das atividades públicas, considerando a liberdade e a política como inseparáveis. Ela
identifica as particularidades e generalidades da condição humana com base em três categori-
as fundamentais: o labor, o trabalho e a ação, que resultam na "vida ativa" do ser humano. O
labor é a atividade realizada com o corpo para atender às necessidades básicas da vida, isto é,
a necessidade útil que os seres humanos precisam suprir para simplesmente estarem vivos e
garantirem sua sobrevivência. Em contrapartida, o trabalho é a atividade realizada para aten-
der às necessidades inventadas pelos seres humanos, diferindo do labor, que supre uma neces-
sidade natural, pois o trabalho é realizado para satisfazer as invenções artificiais da humani-
dade. A ação, por fim, é realizada pelos cidadãos, através da interação humana com a ativida-
de política por excelência e plural, sendo o veículo da liberdade de dirigir a própria vida e o
passaporte para a expressão das especificidades individuais.
É importante trazer à discussão os ideais utilitaristas de Mill (2000) que defende que,
após a adoção de um governo com valores democráticos, é válido se atentar para que a vonta-
de da maioria não seja uma tirania para a vontade das minorias, uma vez que aquela pode não
ter adesão de todos os indivíduos. Para o filósofo, a tirania social tem potencial mais devasta-
dor do que a opressão política, considerando que “penetra mais profundamente nos detalhes
da vida, escraviza a própria alma, deixando poucas vias de fuga” (Mill, 2000, p. 10). A liber-
dade, portanto, seria o limite legítimo da sociedade sobre o indivíduo e a conduta humana
seria dotada de imprevisibilidade, já que a complexidade faz parte das relações humanas, de
modo que receitas de comportamento humano apenas tolhem as faculdades humanas.
Seguindo esse raciocínio, Mill (2000) desenvolve o conceito do princípio da autopre-
servação, capaz de legitimar a intervenção nas ações individuais dos seres humanos. A prática
da autopreservação é pertinente somente em situações em que outra pessoa possa sofrer algum
tipo de dano. Nesse contexto, a mera alegação do que é benéfico, do que é considerado o me-
lhor, não é suficiente para justificar a supressão do que é considerado um valor mais elevado:
a liberdade política de escolha. Então, para quem já alcançou a plena maturidade de suas fa-
culdades, a parcela de comportamento que se refere apenas a si confere uma independência
que, por direito, é absoluta. Em relação a si próprio, ao seu corpo e mente, o indivíduo detém
soberania.
Nessa perspectiva, Mill (2016) também desenvolveu uma teoria sobre o princípio do
dano, em que o julgamento social seguido da criminalização de comportamentos que não se
adequam ao senso comum são processos de exclusão. Sendo assim, criminalizar uma ofensa a
um sentimento ocorre em razão de uma moderação nas inclinações pessoais das pessoas, isto
é, não possuem gostos ou desejos fortes o suficiente para agir de maneira fora do comum,
38

logo não compreendem aqueles que os têm e os expressam. Isso resulta em uma produção de
narrativas que, em tese, buscam normalizar os comportamentos discordantes, mas ocorre que
a sociedade acaba por estabelecer normas gerais de conduta a serem seguidas por todos. Caso
contrário, destaca as características que distinguem certos indivíduos como traços de persona-
lidade desviante e, quando não os extingue, limita a capacidade de atuação autônoma desses
indivíduos.
A análise do autor nota que tentar forçar todas as pessoas a seguir as mesmas máxi-
mas e normas de pensamento e comportamento torna uma sociedade autoritária. No entanto, o
que nos distingue como indivíduos e como sociedade é nossa capacidade de exigir dignidade
e legalidade no tratamento das diferenças. Desse modo, comprometer-se com o processo civi-
lizatório é desafiador e requer a compreensão do limite entre a soberania do indivíduo sobre si
mesmo e a autoridade da sociedade para questionar comportamentos individuais reside na
recusa de permitir a intervenção no que diz respeito ao âmbito individual de interesse. Portan-
to, o princípio do dano atua como um guia para evitar interferências na liberdade individual,
através da criminalização de ações ou da ausência de regulamentação de atividades profissio-
nais que possam ser moralmente censuradas, mas que afetam apenas os interesses do próprio
indivíduo (Mill, 2016).
É notório para Mill (2016) que mesmo se as escolhas de alguém puderem ser preju-
diciais a si próprio, deve haver liberdade legal e social para que essa pessoa possa exercer tais
ações, já que o interesse que a sociedade tem em qualquer indivíduo é mínimo e completa-
mente indireto em comparação com o interesse que a própria pessoa tem em si mesma. Então,
qualquer dano que alguém possa sofrer como resultado de suas escolhas é insignificante em
comparação com a possibilidade de que a sociedade intervenha em sua liberdade de escolha.
Na mesma proporção, quando se trata do direito igual à liberdade, não é viável determinar o
que é certo ou errado com base na liberdade de uma pessoa para ter seu próprio plano de vida,
assim como na liberdade das outras pessoas que se sintam incomodadas com esse plano. Por-
tanto, para proibir um comportamento considerado imoral ou prejudicial à saúde ou liberdade,
é necessário que os danos associados a ele sejam comprováveis e não apenas presumidos ou
supostos. Se um comportamento não viola nenhum dever específico para com o público e não
causa prejuízo a um indivíduo identificável, cuja vontade ou liberdade tenha sido restringida,
no máximo, o que ocorre é uma inconveniência que a sociedade deve suportar em considera-
ção ao valor máximo da liberdade humana.
39

5 PROPOSTAS LEGISLATIVAS FRUSTRADAS SOBRE ATIVIDADES ATINEN-


TES A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEXUAIS

Para se ater às tentativas de alterações legislativas, faz-se necessário, a priori, expor


a problemática da atual legislação já comentada anteriormente. A principal crítica trazida é a
da ambiguidade na redação dos artigos do capítulo V do Título VI que confunde prostituição e
exploração sexual, além da criminalização das atividades acessórias da prostituição, a exem-
plo da intermediação, agenciamento, manutenção de casa de prostituição.
A prostituição em si não é crime pela legislação brasileira, isto é, a negociação do
sexo diretamente pela pessoa, logo a (o) prostituta (o) não responderá nenhum delito. A deli-
mitação conceitual entre as duas práticas se faz necessária para findar dúvidas. Nesse sentido,
Maqueda (2009) define prostituição, na mesma linha do que se infere ao longe deste trabalho,
ou seja, naquilo que envolve o comércio habitual do próprio corpo para a satisfação sexual de
um número indeterminado de pessoas. Importante ressaltar que a menção à prostituição por si
só não implica, necessariamente, em abuso ou falta de consentimento. A ideia de exploração
sexual, em princípio, não se aplica à prostituição. De acordo com o ponto de vista do autor, a
prostituição sempre envolve sexo consensual, com habitualidade, voluntariedade e transação
financeira. Portanto, a prestação coercitiva de serviços sexuais não se enquadra como prosti-
tuição, pois a pessoa que está fornecendo o serviço não tem a capacidade de escolha e não tem
a oportunidade de negociar o preço pela prestação do serviço.
Nessa perspectiva, a definição de prostituição tem relação intrínseca à sua visibilida-
de como um ato degradante e rodeado de estigmas, ou, pelo contrário, como um trabalho co-
mo outro qualquer. Em contrapartida, a exploração sexual pressupõe o controle e o abuso por
um terceiro, responsável por tirar proveito de ato sexual alheio. No âmbito legislativo, quando
se analisa a atividade da Câmara dos Deputados em relação à prostituição, concentra-se prin-
cipalmente na esfera penal. Entre os 85 Projetos de Lei (PL) identificados, 5 estão relaciona-
dos à criminalização de condutas associadas à prostituição e 58 abordam a exploração sexual
de crianças e adolescentes, bem como o tráfico de pessoas para exploração sexual. Em relação
a outros temas, 15 PLs tratam da restrição à publicidade, 2 tratam de assuntos não especifica-
dos e apenas 5 PLs enfrentam diretamente a questão da regulamentação da prostituição, abor-
dando a situação pessoal ou profissional das pessoas envolvidas na prostituição. Já no Senado
Federal, a situação é semelhante, com foco em questões relacionadas ao tráfico de pessoas
para exploração sexual, com 5 Projetos de Lei, e a exploração sexual de crianças e adolescen-
40

tes, com 13 PLs. Nenhum desses Projetos de Lei do Senado abordou a regulamentação da
prostituição (Faria, 2013, p. 61-62).
Os cinco projetos de lei (PL) que intentaram regulamentar a atividade da prostituição
foram: PL 1.312/75, proposto pelo Deputado Federal Roberto Carvalho (MDB/SP); PL
3.436/97, do Deputado Federal Wigberto Taturce (PSDB/DF); o PL 98/2003, do Deputado
Federal Fernando Gabeira (PV/RJ); o PL 4.244/2004, do Deputado Federal Eduardo Valverde
(PT/RO) e, por fim o PL 4.211/2012, cujo autor é o Deputado Federal Jean Wyllys
(PSOL/RJ). Apenas este continua em trâmite. Noutro extremo, há dois projetos que objetivam
reprimir mais a atividade, propondo a criminalização dos clientes, o PL 2.169/2003, do Depu-
tado Federal Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP), e o PL 377/2011, do Deputado Fede-
ral João Campos (PRB/GO). A análise deste trabalho irá se ater ao Projeto de Lei nº
4.211/2012, de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) e ao Projeto nº
377/2011, do Deputado Federal João Campos (PRB/GO).
O projeto de lei 377/2011 prevê a criminalização das atividades ligadas à prostituição
e objetiva acrescentar artigo ao Código Penal para criminalizar quem paga ou oferece paga-
mento por serviços sexuais:

Art. 1º. O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal –, passa


a vigorar acrescido do seguinte art. 231-A: “Contratação de serviço sexual” Art.
231-A. Pagar ou oferecer pagamento a alguém pela prestação de serviço de natureza
sexual: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses. Parágrafo único. Incorre na
mesma pena quem aceita a oferta de prestação de serviço de natureza sexual, saben-
do que o serviço está sujeito a remuneração (Brasil, 2011).

O que se extrai da justificativa do projeto é que ele se inspira no modelo legal sue-
co/nórdico de criminalização dos clientes, o qual tem uma vertente neo-abolicionista, defen-
dida por feministas radicais. O modelo adotado na Suécia é considerado um sucesso por ter
diminuído a incidência de prostituição pela metade desde que entrou em vigor a criminaliza-
ção dos compradores, além de oferecer programas de apoio para as mulheres que tenham sido
compradas (Barry, 2012). Ocorre que como já demonstrado, seria uma espécie de afronta à
liberdade e autonomia não só da pessoa que presta serviços sexuais, mas também do cliente.
O deputado ainda justifica que a integridade sexual não pode ser sujeita a contrato,
além de alegar que a prostituição se interliga a outras atividades danosas à sociedade, como
lesões corporais, tráfico e uso de drogas (Brasil, 2011). O projeto de lei sugere que tanto a
prostituição quanto a atividade daqueles que a exploram, mesmo quando consensual, não seri-
am atividades moralmente aceitáveis. A prática seria potencialmente prejudicial a dignidade
41

da pessoa que a pratica, mesmo que ela tenha escolhido essa atividade como profissão. Tem-
se meramente julgamento moral como base para punir determinado comportamento (Barreto,
2015).
No que tange à associação feita entre a prostituição e crimes de lesão corporal e tráfi-
co de drogas, estes últimos não são motivados por aquela. Isso porque a atração entres as prá-
ticas não está na suposta natureza profana e ilegítima que envolve a prostituição, mas sim no
fato de que ela permanece à margem de nossa legislação, esquecida e negligenciada pelas
autoridades públicas, que não agem efetivamente no combate de práticas ilegais, como o tráfi-
co humano e a exploração de pessoas forçadas à prostituição, incluindo menores e indivíduos
incapazes, muitas vezes dentro de estabelecimentos de prostituição (Pereira, 2016). O perfil
do deputado pastor e conhecido pelo projeto da “cura gay” e do projeto anti-aborto1 represen-
tam fortalecimento da atual conjuntura política brasileira dicotômica, somado ao fortaleci-
mento exponencial da Frente Parlamentar Evangélica, o que aumentam as chances de um pro-
jeto de lei com esse teor ter sua aprovação.
Em contrapartida, o projeto de lei 4211/2012 foi elaborado juntamente por prostitutas
organizadas e tem como autor o Deputado federal Jean Willys. É conhecido por projeto “Ga-
briela Leite”, prostituta ativista e atende aos anseios e discussões trazidas de movimentos so-
ciais que militam pelos direitos de profissionais do sexo e da regulamentação da prostituição.
Foi embasado no modelo legal da Alemanha e no art. 3º, inciso III da CRFB/88, que trata so-
bre a erradicação da marginalização, do inciso IV do mesmo artigo, que versa sobre a promo-
ção do bem de todos e do art. 5º, que dispõe sobre os direitos à liberdade, igualdade e segu-
rança. O projeto tem como objetivo alterar o Capítulo V, do Título IV da parte especial do
Código Penal, para definir e proibir a exploração sexual. Esta, por sua vez é caracterizada pela
apropriação total ou de mais de 50% do rendimento proveniente da prestação de serviços se-
xuais por terceiros, pela falta de pagamento pelo serviço sexual acordado e pela coação de
alguém a praticar prostituição sob grave ameaça ou violência. Nessa proposta, os artigos 228,
229, 230 e 231 do referido Código seriam modificados para inserir somente a proibição da
exploração sexual, enquanto o exercício da prostituição permanece legal (Brasil, 2012).
O deputado autor do projeto elucida, na justificativa do texto, que o objetivo princi-
pal do Projeto de Lei não se limita apenas a legalizar a profissão do sexo. Ao fazê-lo, busca-se

1
Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=505415 acesso em
07 de julho de 2023. E Bancada evangélica irá se mobilizar para aprovar projeto anti-aborto, diz João Campos.
Disponível em https://noticias.gospelmais.com.br/bancada-evangelica-mobilizar-projeto-anti-aborto-74650.html
acesso em 07 de julho de 2023.
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proporcionar aos profissionais do sexo acesso à saúde, garantias trabalhistas, segurança públi-
ca e, sobretudo, dignidade humana. Além disso, a regularização da profissão do sexo se torna
uma ferramenta eficaz no combate à exploração sexual, permitindo a fiscalização de estabele-
cimentos de prostituição e o controle estatal sobre esse serviço. Ao impor a marginalização
daqueles envolvidos no comércio sexual, na prática, estaria permitindo a ocorrência da explo-
ração sexual. Atualmente, não existe uma diferenciação clara entre prostituição e exploração
sexual, e ambos os casos são tratados como atividades marginalizadas e não são devidamente
supervisionados pelas autoridades competentes. Combater esse problema significa regularizar
a prática da prostituição e estabelecer leis que punam e previnam a exploração sexual (Brasil,
2012).
Coelho, Faria e Moreno (2013) argumentam que a regulamentação da prostituição só
faz sentido se desconsiderar a realidade e a natureza intrínseca da prostituição. Isso porque se
parte do pressuposto de que todas as pessoas, sobretudo mulheres, têm a liberdade de escolher
entre diferentes profissões, como ser advogada, médica veterinária, professora ou prostituta.
No entanto, afirmam que optar pelo socialmente mais aceito para garantir condições de vida
não é um critério adequado para quem busca promover igualdade e justiça social. O ponto
central da regulamentação é o trabalho com pessoas em geral, maiores de idade e plenamente
capazes de decidir o que desejam fazer em suas carreiras. É importante ressaltar que qualquer
pessoa que não queira mais se prostituir, seja por considerar isso uma forma de violência ou
por qualquer outro motivo, deve ter o direito, sob a proteção do Estado, de escolher outra pro-
fissão. Para isso, é fundamental a descriminalização da atividade de lenocínio, de modo que o
Estado e a sociedade como um todo possam agir de forma efetiva na promoção de políticas
públicas que garantam o direito de deixar a prostituição e exercer outra ocupação. Isso ocorre
porque não se ignora a dificuldade muitas vezes enfrentada por esses profissionais ao tenta-
rem reintegrar-se no mercado de trabalho, devido ao estigma que ainda permeia essa profis-
são.
O projeto Gabriela Leite encontra-se arquivado, enquanto o projeto 377/2011 ainda
está em tramitação, o que demonstra que quando se tratam de regulamentação ou descrimina-
lização total da prostituição, nenhum obtém êxito. Sob essa perspectiva, ao analisar a motiva-
ção que resultam na frustração dessas propostas, torna-se evidente que a estigmatização da
prostituição desempenha um papel significativo. Isso porque a estigmatização surge devido ao
fato de que ela posiciona a sexualidade em contraposição à função procriativa essencial da
família. Logo, as instituições sexuais que promovem a responsabilidade de procriar e criar os
jovens, como o casamento, por exemplo, são aquelas que recebem uma avaliação positiva da
43

sociedade. Portanto, a prostituição é censurada socialmente devida à ausência de uma função


reprodutiva, à semelhança das relações sexuais que ocorrem fora do casamento (Rissio, 2011,
p. 40).
Paradoxalmente, a prática é incentivada para atender ao desejo sexual de homens sol-
teiros ou é promovida para satisfazer os desejos de homens casados insatisfeitos, criados na
ideia de não confundir suas esposas puras com amantes libertinas, fruto de um sistema patri-
arcal. De uma forma ou de outra, a mulher no contexto machista desempenha um papel defi-
nido por este sistema, que busca atender às demandas dos homens. A prostituição continua e
continuará existindo, tendo seu consumo voraz pela mesma sociedade que insiste em conde-
nar a atividade ao considerá-la como imoral ou um mal profano. O silêncio da legislação bra-
sileira quanto à prática da serviços sexuais com fim oneroso não indica desinteresse ou indife-
rença à prostituição, pelo contrário, somente reforça estigmas. Se não há lei para proibir, tam-
pouco para regulamentar, a prostituição seguirá tolerada e à margem, mas a vida das prostitu-
tas também seguirá indigna e subjugada de forma injusta, já que todos os indivíduos têm di-
reito a dignidade humana assegurado.
44

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática da prostituição como ocupação é uma realidade inegável. Quando se anali-


sa o passado, consta-se que a trajetória da prostituição não pode ser dissociada do contexto
social que estabeleceu as normas de gênero e, muitas vezes, excluiu as mulheres de sua estru-
tura jurídica, política e institucional. O preconceito enraizado na cultura e na história contra as
mulheres envolvidas na prostituição foi tecido dentro da estrutura patriarcal, onde a submissão
do feminino foi imposta com uma violência extremamente cruel contra aquelas que, ao recu-
sarem o papel tutelar dos homens, ousaram exercer autonomia sobre sua própria sexualidade.
O Estado Democrático de Direito é pautado, por óbvio, em ideais democráticos, de
liberdade e igualdade, por meio da dignidade da pessoa humana, o que torna possível a exis-
tência desses princípios. O Brasil se compromete a não retroceder em relação às suas normas
e princípios, mas acaba por ser o princípio da vedação ao retrocesso insuficiente para evitar
um retorno atrás. As bases originais para a penalização do lenocínio estão alinhadas a uma
abordagem do direito penal voltada para o controle dos comportamentos, com o intuito de
preservar os padrões de moralidade estabelecidos pela maioria da sociedade. Esse discurso
incorporava juízos pejorativos em relação à prostituição e sustentava a sua rejeição por meio
da intervenção do sistema penal, visando à sua eliminação.
Ficou evidente também que a principal finalidade do Direito Penal é zelar pelos bens
jurídicos mais cruciais, que não são adequadamente resguardados por outros ramos do Direi-
to. Nesse contexto, é inerente a limitação à intervenção estatal no âmbito penal, sendo inad-
missíveis tipificações que abranjam ideologias, transgressões à moral, simples ofensas à dig-
nidade humana – na ausência de dano ou perigo de dano à pessoa – bem como a proteção de
sentimentos, autodano, tabus. Desse modo, a dignidade sexual e a liberdade sexual não podem
ser classificadas como bens juridicamente protegidos, considerando o estabelecido no Código
Penal. Da mesma forma, foi constatado que elementos de natureza individual, como convic-
ções morais, religiosas e ideológicas, não se enquadram como bens jurídicos passíveis de pro-
teção estatal, dado que são passíveis de variação e não são universalmente definidos ou acei-
tos. Também se usou como alicerce teórico para fundamentar a exploração da essência da
dignidade humana em conjunto com os princípios de igualdade e liberdade, as ideias de pen-
sadores clássicos como Kant, Hanna Arendt e Stuart Mill.
O profissional do sexo é tratado como objeto e não como sujeito de direitos, ao ter
seu direito fundamental ao trabalho negado. Sua dignidade é minimizada, se não completa-
mente anulada. A perspectiva contemporânea do Direito Constitucional sugere que a regula-
45

mentação da prostituição se baseia na recuperação dessa dignidade excluída, em consonância


com os princípios democráticos constitucionais que demandam igual respeito e consideração
para todos, mesmo contra a preferência empírica da maioria. A Constituição é vista como um
caminho, que não é imutável, mas como algo construído através de ações legais e políticas
que concretizam os direitos fundamentais. A Constituição não só serve para promover a con-
ciliação, mas também é uma fonte de tensão em uma sociedade diversa, e deve ser um instru-
mento de emancipação para grupos marginalizados, não se fechando ao dissenso. Somente
assim, ela permite a participação ativa e engajada da sociedade, tanto no âmbito social quanto
político e acadêmico, para garantir a efetivação dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, obstáculos inadequados, inclusive aqueles que surgem no âmbito de
delimitação conceitual – como a confusão entre prostituição e exploração sexual – represen-
tam uma perspectiva moralista que deve ser eliminada de um Estado de Direito. No entanto, é
importante notar que o fenômeno da prostituição é multifacetado e abrange complexidades
que não devem ser ignoradas pelo intérprete. Essa abordagem se baseia na ideia de que para
emancipar, é preciso primeiro reconhecer. A inadequação do tratamento penal da prostituição,
exemplificado pela criminalização de atividades associadas, está relacionada a duas questões
fundamentais: uma leitura acrítica da teoria do bem jurídico e a negligência com relação à
autonomia das pessoas envolvidas.
Conclui-se que ausência de legislação deixa os profissionais do sexo em uma posição
de vulnerabilidade social e, de maneira injustificada, compromete a dignidade desses indiví-
duos, sob o argumento de preservar a moralidade e os costumes. Entretanto, dado que a pros-
tituição é um fenômeno social, não é viável mantê-la na clandestinidade. Nesse sentido, tenta-
tivas frustradas de legislação, como o Projeto de Lei nº 4211/2012, arquivado, que buscava
regulamentar a atividade, surgiu como uma iniciativa crucial, mas solitária.
Dessa forma, podemos concluir que os delitos descritos no Capítulo V, do Título VI
do Código Penal Brasileiro não visam proteger nenhum interesse jurídico e, além disso, não
envolvem vítimas diretas. Os crimes de lenocínio, ao não salvaguardar nenhum bem jurídico,
acabam por restringir os direitos dos profissionais do sexo, ao equiparar sua atividade com
formas de exploração. Ademais, isso prejudica o enfrentamento das verdadeiras formas de
exploração sexual, visto que o Estado negligencia a existência de casas de prostituição, sem
impor qualquer regulamentação ou fiscalização adequada.
Destarte, apoiar o movimento social das prostitutas não necessariamente implica em
ser uma prostituta, mas em promover autonomia e segurança em ser quem se é. A forma de
contribuir é ao transformar a maneira que o sexo e o corpo são vistos na sociedade, questio-
46

nando a razão de certas coisas serem vistas como tabus. Em síntese, não há ameaça na sexua-
lidade da mulher, mas ainda assim o sexo quando oferecido por elas, muitas vezes é associado
a algo impuro, levando à estigmatização e criminalização injustificada. Logo, na realidade de
indivíduos que afirmam exercer a profissão de prostituta de maneira plenamente consciente,
cabe ao Estado o encargo de especificar qual direito considerado inviolável pela Constituição
estão violando, antes de optar pela criminalização ou de negar-lhes amparo legal. Na ausência
de uma justificativa substancial, a criminalização de todos os envolvidos de forma indireta na
prostituição e a omissão quanto à regulamentação da profissão constituem, por um lado, uma
inconstitucionalidade e, por outro, uma forma de discriminação que atenta contra os direitos à
liberdade e à igualdade de tratamento perante a lei. Essa situação é incompatível com nações
comprometidas com a proteção dos Direitos Humanos.
47

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