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A EQUAÇÃO CÚBICA E O PROCEDIMENTO BABILÔNICO

Carlos Alberto Martins de Assis (UNESA/RJ)


Rede Estadual de Educação – RJ

Resumo

O presente artigo é fruto de uma pesquisa bibliográfica em livros de História da Matemática, e tem como
objetivo mostrar na escrita atual, como era o procedimento de resolução das equações cúbicas na antiga
Civilização da Mesopotâmia (frequentemente chamada de babilônica), cuja escrita denominada
cuneiforme, era feita em tabletes de argila. Trata-se de um procedimento que pode ser facilmente
apresentado aos alunos do Ensino Médio.

Palavras-chaves: Equação cúbica; Procedimento babilônico; História da Matemática.

Introdução

Ao nos referirmos à Matemática babilônica, queremos dizer o tipo de Matemática


cultivada na antiga Civilização da Mesopotâmia. A palavra “Mesopotâmia”, que em
grego quer dizer “entre rios”, designa mais uma extensão geográfica do que um povo ou
uma unidade política (ROQUE, 2012). Fizeram parte dessa extensão geográfica, além
dos babilônios, os sumérios, os acadianos, os caldeus, os assírios e outros povos que
habitavam entre os principais rios, o Eufrates e o Tigre, ou, grosseiramente, o que é hoje
o Iraque (AABOE, 2002). A Matemática babilônica, prosseguiu pelo período selêucida
na Síria, até próximo ao início do Cristianismo.

Segundo BOYER (2012), o uso antigo da escrita na Mesopotâmia é atestado por


centenas de tabletes de barro encontradas na região de Uruk e datando cerca de 5.000
anos atrás. Também na área da antiga Nipur, foram encontrados 50.000 desses tabletes
de argila que eram cozidos ao sol ou em fornos. O mapa da figura 1, mostra a extensão
geográfica e os seus povos.

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Figura 1: Mapa da Civilização Mesopotâmia

Fonte: https://ajinglat.wixsite.com/doctrinarevelandum/single- post/2016/10/08/Povos-


Antigos-da-Mesopot%C3%A2mia

O historiador Otto Neugebauer (um importante especialista da Matemática


babilônica), afirma que em escavações arqueológicas foram desenterrados inúmeros
desses tabletes de argila com escrita cuneiforme (BICUDO, 2005). Através dessas
escavações, descobriu-se um tablete que afirma fornecer quadrados e cubos de valores
naturais (de 1 até 30 ) para resolver uma equação cúbica no sistema sexagesimal antigo
(Figura 2).

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Figura 2: Tablete de argila encontrado

Fonte: https://www.schoyencollection.com/mathematics-collection/9-3-
algebra/cubic-equations-table-ms-3048

De acordo com ROQUE (2012), certos tabletes babilônicos possuíam


procedimentos, como se fossem exercícios resolvidos. Assim sendo, o foco deste texto,
será o procedimento que se encontra no tablete da figura 2, onde os dados são para a
resolução de equações cúbicas.

Notação atual versus Ponto de vista histórico

Do ponto de vista histórico, quando se deseja planejar uma proposta de ensino


com perspectiva histórica, uma preocupação que se coloca é como elaborar a proposta
sem distorcer a história e sem interpretar a Matemática do passado a partir das concepções
da Matemática do presente, isto é, sem projetar no passado os conceitos como entendidos
e definidos hoje (BERNARDES, 2019). No entanto, o presente artigo usará a notação
atual, isto é, será apresentado o procedimento babilônico utilizando a compreensão da
notação de hoje, visto que, tudo é uma construção, literária ou discursiva, sejam as
“realidades” presente ou passada, seja o documento histórico, seja o fato histórico, seja o
conhecimento histórico (DIAS, 2012).

O que está sendo tratado aqui, em outras palavras, é um anacronismo. O


anacronismo não pode ser considerado um “fantasma” que persegue estudantes e
historiadores. Antes disso, devemos colocar os valores do nosso tempo como um ponto
de referência pelo qual poderíamos entender melhor o passado. Comparando as diferenças

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entre os conceitos de dois tempos históricos diferentes, podemos estabelecer o diálogo
das nossas expectativas para com o passado sem desconsiderar os valores do mesmo.
Assim, o anacronismo deixa de ser uma armadilha e transforma-se em uma importante
ferramenta para a compreensão histórica (SOUZA, 2020).

O Procedimento babilônico na resolução das Equações cúbicas

A equação cúbica de que os babilônios procuravam a solução numérica, usando a


notação atual, era o da forma n 3 + n 2 = k . Eles usavam o procedimento (ou “receita”)
que leva a uma substituição. Multiplicavam cúbicas da forma px3 + qx 2 = r com p , q
p2
e r valores inteiros positivos, por , a fim, de se obter a igualdade,
q3
3 2
 px   px  rp 2 px
  +   = 3 . Daí, tomando n = , ficaremos com a equação cúbica descrita
 q   q  q q
rp 2
no tablete babilônico, onde k = também deverá ser um valor inteiro positivo, e por
q3
fim, chega-se a uma solução inteira e positiva (BOYER, 2012).

4 - Exemplos usando a notação atual

Vejamos os seguintes exemplos de equações cúbicas, e que serão resolvidos


usando o procedimento babilônico na linguagem atual.

Exemplo 1:

O seguinte problema babilônico cuja data é de aproximadamente 1800 a.C. parece pedir
 7
 xyz + xy = 6

 2x
a solução do sistema de equações  y = (EVES, 2004).
 3
 z = 12x

Solução: Inicialmente, construiremos a seguir uma tabela (Figura 3) na notação


matemática moderna (escrita arábica) e no sistema decimal com os quadrados e cubos de
1 até 10 .

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Figura 3: tabela

n n2 n3 n2 + n3

1 1 1 2

2 4 8 12

3 9 27 36

4 16 64 80

5 25 125 150

6 36 216 252

7 49 343 392

8 64 512 576

9 81 729 810

10 100 1000 1100

Fonte: construção do autor

2x 7
Substituindo a equação y = junto com z = 12x na igualdade xyz + xy = , acarretará
3 6
482
a equação 48x + 4 x = 7 , que ao ser multiplicada por
3 2
será equivalente a
43
48x 7  482
n 3 + n 2 = 252 , onde n = = 12x e k = = 252 .
4 43

Consultando a tabela da figura 3, podemos ver que, n = 6 . Assim, a solução do sistema


6 1 1
será, x = = , y = e z =6.
12 2 3

Exemplo 2:

Mostre que a cúbica x 3 + 2 x 2 = 1 , não possui raiz inteira positiva.

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12
Solução: Perceba que, multiplicando a equação x 3 + 2 x 2 = 1 por , ficará equivalente
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1 x 1  12 1
a n 3 + n 2 = , onde n = e k = 3 = . Daí, inspecionando a tabela do exemplo
8 2 2 8
anterior, chegaremos à conclusão que não existe uma única raiz inteira positiva para a
equação em questão.

Exemplo 3:

Verifique que existe uma, e somente uma, raiz inteira positiva para a cúbica 2 x 3 + x 2 = 3
.

Solução: Pelo procedimento babilônico, a cúbica 2 x 3 + x 2 = 3 ao ser multiplicada por


22
3
, fornecerá a igualdade n 3 + n 2 = 12 , onde n = 2x e k = 3  2 2 = 12 . Portanto, usando
1
novamente a tabela da figura 3, temos que n = 2 , e a única raiz inteira positiva é, x = 1 .

A solução dos próximos exemplos será deixada a cargo do leitor para estimular a
curiosidade!

Exemplo 4:

Somei o volume e o dobro da superfície de um cubo e obtive como resultado 3136.


Encontre o comprimento do lado (BEKKEN, 1994).

Exemplo 5:

Mostre que a equação 2 x 3 + 3x 2 = 540 admite uma única raiz inteira positiva.

O leitor mais aguçado perguntará: e quando os valores de p , q e r não forem


inteiros positivos, o que acontece? A resposta é: números negativos não existiam, todos
os cálculos eram feitos somente com números positivos e, embora existisse a subtração,
não constam cálculos do tipo a − b = c , onde b  a (CONTADOR, 2006). Os babilônios
tinham bastante capacidade para reduzir uma equação cúbica geral ( ax3 + bx 2 + cx = d )
à forma n 3 + n 2 = k , mas nenhuma evidência de que eles tenham feito isso, foi
comprovada. Na verdade, presume-se que muitos tabletes que nos fornecem um
conhecimento sobre a Matemática babilônica tinham funções pedagógicas (ROQUE,
2012).

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Considerações Finais

O procedimento babilônico exposto neste texto para a resolução das equações


cúbicas, possui uma potencialidade notável e admirável. No entanto, não é geralmente
incluída nos manuais de hoje (BOYER, 2012). Assim, o intuito deste trabalho, é
incentivar o professor do Ensino Médio que apresente o procedimento em sala de aula, a
fim, de estimular a aprendizagem e torná-la mais harmoniosa.

Referências

AABOE, A. Episódios da História Antiga da Matemática, Rio de Janeiro: Coleção


do Professor de Matemática/Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), 2002.

BERNARDES, A. Uma Proposta para Integrar a História da Matemática ao


Ensino de Matemática: história das matrizes e as regras do discurso matemático,
Revista Brasileira de História, Educação e Matemática (HIPÁTIA), Volume 4, número
1, pp. 84-101, 2019.

BEKKEN, O. B. Equações de Ahmes até Abel, USU/GEPEM, 1994.

BICUDO, I. Peri apodeixeos/de demonstratione, Educação Matemática: pesquisa em


movimento, São Paulo: Editora Cortez, 2005.

BOYER, C. B. História da Matemática, São Paulo: Edgard Blücher, 2012.

CONTADOR, P. R. M. Matemática, uma breve história, São Paulo: Editora Livraria


da Física, Volume Ι, 2006.

DIAS, A. L. M. Tendências e Perspectivas Historiográficas e Novos Desafios na


História da Matemática e da Educação Matemática, Revista Educação Matemática
Pesquisa, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-
SP, Volume 14, número 3, pp.301-321, 2012.

EVES, H. Introdução à História da Matemática, tradução: Hygino H. Domingues,


São Paulo: Editora da Unicamp, 2004.

ROQUE, T. História da Matemática: Uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas,


Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

SOUZA, R. G. Anacronismo, Brasil Escola; Disponível em


https://brasilescola.uol.com.br/historia/anacronismo.htm. Acesso em 13 de dezembro de
2020.

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