TEXTO 07 - Nacionalizar A África, Culturalizar o Ociedente e Reformular As Humanidades Ma África
TEXTO 07 - Nacionalizar A África, Culturalizar o Ociedente e Reformular As Humanidades Ma África
TEXTO 07 - Nacionalizar A África, Culturalizar o Ociedente e Reformular As Humanidades Ma África
CULTURALIZAR O OCIDENTE E
REFORMULAR AS HUMANIDADES
NA ÁFRICA*
Toyin Falola**
*
Este texto foi originalmente lido como palestra inaugural na Conference on Rethinking the
Humanities , na Awolowo University, Ilê Ifé, Nigéria, em junho 2006. Agradeço aos
organizadores pelo convite, especialmente ao reitor Sola Akinrinade e ao Dr. Akin Alao. A
mesma conferência foi realizada no Centro de Estudos Afro-Orientais, da Universidade Fede-
ral da Bahia, em 10 de agosto de 2007. O texto recebeu comentários preliminares de Bisola
Falola, Vik Bhal, Demola Dasylva, Ralph Njoku, Aderonke Adesanya, Anene Ejikeme, Niyi
Afolabi e Akin Ogundiran. Traduzido do inglês por Fábio Baqueiro Figueiredo.
**
Professor da Universidade do Texas em Austin, Estados Unidos.
1
Para um conjunto de argumentos pertinentes, ver J. F. Ade Ajayi, “History and the Nation”, in
Toyin Falola (org.), Tradition and Change in Africa: the Essays of J. F. Ade Ajayi (Trenton,
Africa World Press, 2000), pp. 389-410.
2
Um número de livros altamente críticos examinam a natureza e o impacto da globalização
capitalista euro-americana. Ver, por exemplo, Michael Schwartz (org.), The Structure of Power
in America: the Corporate Elite as a Ruling Class, Nova Iorque, Holmes and Meyer, 1987;
William Tabb, The Amoral Elephant: Globalization and the Struggle for Social Justice in the
21st Century, Nova Iorque, Monthly Review Press, 2001; e John Walton e David Seddon, Free
Markets and Food Riots: the Politics of Global Adjustment, Cambridge, Blackwell, 1994.
3
Para um relato recente, ver Eddie Yuen, Daniel Burton-Rose e George Katsiaficas (orgs.),
Confronting Capitalism: Dispatches from a Global Movement, Nova Iorque, Soft Skull Press,
2004.
4
Termo para designar a “feitiçaria”, sobretudo na África ocidental (nota do editor).
5
Em busca de uma Africana
Mas quem somos nós, afinal? Ou o que queremos ser? Há um pouco de
obsessão com uma qualidade africana, uma busca frenética por um afri-
cano arquetípico, exemplar. Isso pode estar mal colocado, se acarretar
uma definição congelada no tempo. O que deveríamos fazer, em vez
disso, é celebrar a essência da condição africana,6 politizar uma identi-
dade africana como uma estratégia deliberada de conter os excessos da
globalização. Detemos o conhecimento e os recursos para construir o
“caráter” dessa condição africana. Na verdade, temos até os recursos
para politizá-la e para legitimar uma definição dela.
5
Por Africana pode-se entender um conjunto ou coleção de estudos, conhecimentos e artefatos
produzidos na África e relativos a ela; traduções possíveis seriam “saber africano”, “erudição
africana” ou “experiência africana” (nota do tradutor).
6
Africanity, no original, que o autor distingue de African-ness. Ambos os termos poderiam ser
traduzidos literalmente por “africanidade”, mas optou-se por dar relevo à sutil distinção entre
os sufixos (“qualidade” e “condição”, respectivamente), na tentativa de preservar o sentido
original (nota do tradutor).
7
C. L. R. James, A History of Pan-African Revolt, Chicago, Charles H. Kerr, 2005 [1938], p.
141.
8
Ngugi Wa Thiong’o, “Europhone or African Memory: the Challenge of the Pan-Africanist
Intellectual in the Era of Globalization”, in Thandika Mkandawire (org.), African Intellectuals:
Rethinking Politics, Language, Gender and Development (Dacar/Londres, CODESRIA/Zed
Books, 2005), p. 157.
9
Ibid., p. 158.
10
Ibid.
11
Ibid.
12
Ibid., p. 159.
Antropologizando o Ocidente
Proteger a África, inventar um nacionalismo forte, construir uma Afri-
cana patriótica pode requerer tornar o Ocidente um “outro”. Primeiro,
vem uma estratégia de fazer da África o centro do mundo: em cartogra-
14
O autor usa a expressão trickle-down strategy, uma alusão crítica a um tipo de política econô-
mica que fornece subsídios aos mais ricos (especialmente redução de impostos), a pretexto de
que os mais pobres se beneficiarão indiretamente do suposto aumento da atividade econômica
resultante (nota do tradutor).
As ameaças da modernidade
O destino troça da modernidade africana o tempo todo, dia após dia.
Nossas pretensões modernizantes parecem uma série de piadas sem
graça, como o homem vestido com um terno completo de lã no calor de
Kano. Nós dizemos uma coisa e a modernidade, outra. Não podemos
repensar as Humanidades sem reconceitualizar a modernidade e seu
futuro. De fato, essa é a plataforma de nossos exercícios intelectuais.
Muitas idéias nos foram apresentadas como nossos bilhetes para a
modernidade, mas elas não funcionam. Temos de estudar por quê. Os
lados mais obscuros da modernidade nos encaram de frente, não como
as conseqüências do que fazemos de forma correta, mas como manifes-
tações do que está errado: a cultura vazia, a promiscuidade cultural, a
decadência rural, a incapacitação das mulheres, o meio ambiente arru-
inado, a corrupção, as favelas urbanas, etc. Isso e muito mais são parte
de nossos temas.
O que nos disseram que obteríamos de nossos encontros com a
ocidentalização e com a modernização mostrou ser uma fraude. Assim,
nosso desafio fundamental, independente de qual disciplina professa-
mos, tem de ser a interrogação da modernidade. A época colonial pro-
meteu a modernidade e a “civilização”, mas entregou alguma outra coi-
sa no lugar. A modernização keynesiana clássica nos decepcionou. A
economia clássica do livre comércio também fracassou. Disseram-nos,
na década de 1980, que esperássemos um milagre africano, como aque-
le que acontecera com os tigres asiáticos, mas o único milagre que hou-
ve foi no crescimento do número de crentes e não mais empregos, bens
ou serviços. Presumia-se que, se abríssemos nossas portas ao investi-
mento, a riqueza viria. Ao contrário, perdemos riqueza devido aos enor-
mes serviços da dívida. Fomos aconselhados a implementar estratégias
15
Arjun Appadurai, Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization, Minneapolis,
University of Minnesota Press, 1996, p. 33.
16
Ibid., p. 34.
17
Ibid., pp. 34-35.
18
Ibid., p. 35.
19
Ibid., p. 36.
20
Ibid., p. 34.
Hora de agir
É hora de fazer algumas coisas, a começar por hoje. Todos nós deve-
mos definir nossas agendas de pesquisa e ensino com questões, objeti-
vos e pressuposições mais amplas, tendo em mente que idéias minima-
listas não nos levarão a parte alguma. Devemos enfocar e invocar um
elenco diverso de ambientes e atores, modulando, assim, em nossa pes-
quisa, os eixos continentais de semelhanças e diferenças de religião,
etnia, gênero, classe, região, ideologia e geração. Nesse processo, emer-
girão complexidades muito além do que agora apontamos em centenas
de microestudos. Nossas lideranças intelectuais devem refletir sobre
esses microestudos para criar teorias abrangentes das dimensões cultu-
ral, socioeconômica e geopolítica da África no contexto da globaliza-
ção. Nossas idéias e teorias devem elevar seu status ao universal, que é
onde os recursos de uma boa biblioteca são necessários.
É hora de resolver algumas questões em torno da língua.22 Temos
de nos comunicar com nosso povo nas línguas que as pessoas enten-
dem, de modo que acadêmicos e povo possam caminhar lado a lado.
Vozes populares críticas não estão necessariamente presentes naquilo
que fazemos, se o que fazemos for apresentado em línguas estranhas
àqueles sobre quem escrevemos. Criamos um sistema de conhecimento
21
Gustavo Esteva e Mahdu Suri Prakash, Grassroots Postmodernism: Remaking the Soil of Cultures,
Londres, Zed Books, 1998; Richard Gombin, The Radical Tradition: a Study in Modern
Revolutionary Thought, Nova Iorque, St Martin’s Press, 1979; Frederick Jameson, The Cultural
Turn: Selected Writings of the Postmodern, 1983-1998, Nova Iorque, Verso, 1998.
22
Recentemente, a questão lingüística gerou saudáveis debates na Nigéria e, de fato, em diversos
outros países africanos. Os meios de comunicação nigerianos desempenham um papel ativo na
conscientização e no estímulo ao público. Mas esforços mais concentrados vêm da academia.
Lingüistas e pedagogos, em colaboração com os governos locais, estaduais e federal compreen-
deram que o desenvolvimento e o uso de línguas nativas é central para o desenvolvimento naci-
onal e têm, assim, continuamente reinventado e revisitado as línguas nativas. O governo federal
chegou a organizar um grupo de acadêmicos para produzirem uma constituição nigeriana em
línguas nativas, de forma que um número maior de pessoas possa entender o conteúdo da cons-
tituição e a forma como eles e os demais eleitores de seu distrito são afetados por ela.
23
Eu poderia argumentar que conexões produtivas com línguas e comunidades serão capazes de
criar uma abordagem de baixo para cima e uma pedagogia flexível. Seria possível incorporar
os ícones da cultura popular não-acadêmica na vida universitária: bolsas de professor visitan-
te, por exemplo, poderiam ser oferecidas a indivíduos que fizeram contribuições críticas para
a qualidade da nossa vida social – músicos, comediantes, pensadores públicos etc., indepen-
dente de sua formação anterior. Ao integrá-los em nossa vida acadêmica, podemos conseguir
conectar nossos estudantes à realidade da vida cotidiana, e engajar a pesquisa em uma parce-
ria crítica com a cultura de massa, que é onde as Humanidades se apresentam cotidianamente.
24
Thiong’o, “Europhone or African Memory”, p. 160.
25
Ibid.