TCC Enfermagem

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O PAPEL DO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM NA ASSISTÊNCIA

À POPULAÇÃO INDÍGENA INFANTIL


Elis Nayane Andrade Silvério1
Rafaela de Sousa Silva Arminio2
Cleiry Simone Moreira da Silva3
4

Resumo: O papel do profissional de enfermagem, na esfera da atenção primária à saúde, da população


indígena, mais especificamente, à população infantil foi o escopo principal deste estudo, que teve
como objetivo descrever o papel do enfermeiro na atenção primária, no âmbito da Política Nacional de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, com atenção à população infantil. Para alcance dos objetivos
sugeridos, optou-se pela revisão bibliográfica, de caráter descritivo e abordagem qualitativa que
tiveram como suporte 10 artigos selecionados, de bases científicas. Os artigos retratam a necessidade
constante do profissional de enfermagem realizar sua inserção nas comunidades indígenas a fim de
compreender o processo saúde-doença, buscando o propósito de direcionamento de suas ações em
saúde às debilidades encontradas na população indígena infantil. Observa-se que o enfermeiro possui
atribuições definidas, porém há dificuldades em articulá-las de acordo com as especificidades
indígenas e enfrentamentos no processo de trabalho.

Palavras-Chave: Saúde de Populações Indígenas, população indígena infantil, Enfermagem, Atenção


Primária à Saúde.

Abstract: The role of the nursing professional, in the sphere of primary health care, of the indigenous
population, more specifically, the child population was the main scope of this study, which aimed to
describe the role of nurses in primary care, within the scope of the National Policy Health Care for
Indigenous Peoples, with attention to the child population. In order to reach the suggested objectives,
we opted for a bibliographic review, with a descriptive character and a qualitative approach, supported
by 10 selected articles, from scientific bases. The articles portray the constant need for nursing
professionals to insert themselves into indigenous communities in order to understand the health-
disease process, seeking the purpose of directing their health actions to the weaknesses found in the
child indigenous population. It is observed that nurses have defined attributions, but there are
difficulties in articulating them according to indigenous specificities and confrontations in the work
process.

Key words: Health of Indigenous Populations; child indigenous population; Nursing; Primary Health
Care.

1
Discente do Curso de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Estácio da Amazônia, [email protected]
2
Discente do Curso de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Estácio da Amazônia, [email protected]
3
Docente do Curso de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Estácio da Amazônia, [email protected]
4

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1 INTRODUÇÃO

A realidade da população indígena no Brasil é das mais variadas, visto que ainda
existem povos isolados com os quais nem mesmo a FUNAI (Fundação Nacional do Índio)
realizou contato. De acordo com De Paula (2019), há nativos que recentemente tiveram
contato com a sociedade e ainda alguns grupos indígenas que há décadas convivem com o
Estado e suas diversidades sociais; além do mais, povos que vivem à beira de estradas, em
barracos sem saneamento básico, em condições precárias. Entretanto, todos esses povos têm
fatores em comum, especificamente, os direitos negados e violados pelo poder público
(RELATÓRIO DE VIOLÊNCIA, 2017).
De acordo com o Relatório da missão ao Brasil (2016), retrata-se que a situação dos
indígenas no Brasil é preocupante, pois eles vêm enfrentando vários desafios, tais como
negação dos direitos, discriminação e negligência por parte do poder público. O relatório
destaca que a violência se evidencia como uma questão mais problemática, devido ao
aumento de assassinatos provenientes das reocupações de terras, feitas pelos povos indígenas,
em confronto com fazendeiros, haja vista que o processo de demarcação de terra tem sido
efetivado de forma muito lenta por parte do Estado.
O Relatório do Mapa de Violência contra os povos indígenas no Brasil (2017)
apresenta a gravidade da situação da saúde dos povos indígenas, sendo que, em 2017, foram
destinados à sua saúde 1,5 bilhões. Com esse montante, muitas ações poderiam ter sido
realizadas para melhorar a qualidade de vida dos nativos, no entanto, os problemas
permanecem tanto no saneamento básico como na qualidade da alimentação, a qual, muitas
vezes, não é adequada, por conter um baixo nível de teor nutricional.
Diante disso, a falta desses dois componentes compromete a saúde de qualquer
indivíduo e, principalmente, o desenvolvimento das crianças. Sendo assim, tal população
apresenta a saúde mais vulnerável, o que se torna um agravante social. Como essa população
se encontra em uma situação de vulnerabilidade, devido às condições precárias em que vivem,
estão suscetíveis a diversos tipos de doenças; automaticamente, vão precisar dos serviços da
rede pública, tendo em vista que os povos nativos têm suas práticas baseadas na medicina
tradicional, que é ritualística e naturalística, mas também possuem uma forma de se organizar
que é diferente da sociedade atual.

-2-
Dessa forma, o Sistema Único de Saúde (SUS) implantou a Política Nacional de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), aprovada em 2002, que busca uma prática
assistencial com mais eficiência e qualidade
A saúde indígena tem se caracterizado como um campo de atuação específico dentro
da saúde coletiva tendo como característica mais expressiva a questão cultural que envolve
cada comunidade. O locus da prática dos profissionais da saúde voltada a população indígena
é o contexto cultural, Segundo Santos (2019) Em relação à Saúde Indígena, o estado brasileiro
passa a se responsabilizar ou pensar em medidas no século XX após o fim do Brasil Império
em 1889.
O contato com os europeus, sobretudo os portugueses, trouxe diversas doenças ao
povo que já residia no Brasil, entre elas a varíola, malária, gripe, tuberculose, gerando
verdadeiros genocídio, diversas populações e até mesmo etnias inteiras
Para o cuidado e compreensão da saúde indígena, mais especificamente, da criança
indígena, respeitando as particularidades e atendendo aos princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS) de integralidade e universalidade, faz-se necessário reconhecer que a sua
diversidade sociocultural é ampla, visto que vivem em espaços geográficos, sociais e políticos
diferentes. De acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena está estimada em 1.108.970 pessoas,
representando cerca de 0,5% de toda população brasileira, presentes tanto em áreas rurais
quanto urbanas de todo território brasileiro (IBGE, 2021).
De acordo com De Paula, (2019), a população indígena está presente em vários
estados do Brasil, tendo sua maior concentração na região norte. Os primeiros habitantes do
Brasil foram os índios, descobertos pelos portugueses, em meados de 1500. Pedro Álvares
Cabral deslumbrou-se com a beleza das índias e as riquezas naturais. A população estimada
nesse período foi em torno de cinco milhões.
A partir do contato com a população não indígena, observam-se diversas mudanças
nos hábitos e na cultura dos povos indígenas. Consequentemente, novos hábitos observados a
partir deste contato, têm sido considerados fatores de risco para diversas doenças e agravos a
saúde de algumas etnias indígenas no Brasil. (BRASIL, 2002b; SANTOS et al., 2012).
Segundo Martins, (2019, p. 34) as políticas indigenistas são o conjunto de ações e
atividades adotadas pelo Estado em relação às populações indígenas que habitam seu

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território. Nessa lógica, saúde, educação, meio ambiente e desenvolvimento sustentável
podem ser tratadas como políticas setoriais, que constituem o indigenismo. Sabe-se que desde
o período das primeiras políticas até os dias atuais muito já foi executado em favor da saúde
indígena, e que atualmente, no que tange o modelo de atenção em saúde vigente se é
reservado uma atenção especial para os índios em todo o território nacional (PAIM, 2017, p.
187).
Em busca de melhorar o acesso dos povos indígenas a direitos básicos relacionados a
subsistência e saúde, diversas legislações foram implementadas no Brasil desde o início do
século XX (BRASIL, 2002b). A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas
(PNASPI) foi regulamentada em 1999 de forma a adotar medidas que dispusessem condições
de assistência à saúde dos indígenas no âmbito do SUS (BRASIL, 2002b).
Após a implementação desta política, estudos revelam problemas operacionais na
execução da assistência prestada a estes povos. Dentre os problemas mencionados, podemos
ressaltar os relacionados à operacionalização dos serviços, como despreparo e alta
rotatividade dos profissionais que atuam no serviço de saúde indígena (CARDOSO, 2018;
SANTOS et al., 2012). Neste sentido, observa-se a escassez de informações que abordem a
atuação do profissional enfermeiro e sua atuação junto a EMSI.
Os DSEI fazem parte de uma política de atenção governamental pautada nos anseios
da população indígena e de seus representantes. O propósito desta política dos é afirmar o
direito dos indígenas em ter uma atenção à saúde de qualidade que possa levar em
consideração a diversidade social, cultural, geográfica, histórica e política de forma que esse
povo possa superar com êxito os agravos à saúde mais complexos que acometem tanto eles
como os cidadãos brasileiros ocidentais, não deixando, em hipótese alguma de relevar a
importância da sua medicina tradicional e a preservação da sua cultura de forma geral
(BRASIL, 2001).
A atenção em saúde indígena é feita atualmente através dos distritos sanitários
especiais indígenas (DSEI), em sua criação a proposta desse modelo era introduzir uma
atenção em saúde baseada nos princípios do SUS que pudessem atender as necessidades dos
indígenas em suas especificidades e características, uma vez que existe uma série de
peculiaridades que envolvem a cultura e a existência desse povo (VERANI, 1999, p. 98).

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Esses desafios dificultam em vários aspectos a realização de uma atenção em saúde
eficaz nas comunidades em que vivem os povos indígenas atendidos pelos DSEIs.
Deste modo, em consonância com o pensamento de Boehs (2007) realizar essa
cobertura não é tarefa fácil, as patologias que acometem os indígenas, principalmente as
crianças indígenas, estão cada vez mais diversificadas devido a uma série de fatores de cunho
étnico-social e os problemas enfrentados são cada vez mais difíceis de resolução. É preciso
demandar uma série de questões de gestão e administração em saúde onde o profissional de
enfermagem é o ator principal.

2. PERCURSO METODOLÓGICO

Este é um estudo qualitiativo e descritivo, realizado através de uma revisão de artigos


e citações, onde se fez um levantamento bibliográfico em artigos científicos publicados.
O levantamento bibliográfico terá como base artigos científicos da base de dados
Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS) e PUBMED com o uso dos descritores saúde do homem,
Atenção Primária, assistência de enfermagem.
Foram usados os seguintes critérios para a escolha dos artigos: trabalho em português,
apresentados como artigos científicos em texto completo. Os critérios de exclusão foram:
artigos cuja relação com o tema não possa ser determinada pela leitura do título e do resumo,
artigos que se repetem na base de dados e monografias.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 A saúde de populações indígenas no Brasil

Uma questão bastante difundida em qualquer sociedade é a condição de saúde em que


vivem as pessoas. Não diferente, acontece da mesma forma com a população indígena, no
Brasil.
O indígena, de uma maneira geral, tem formas muito singulares de cuidar das doenças,
da cura e da prevenção dos agravos apresentados nas suas comunidades (VERANI, 2010). E
foi por meio da colonização europeia, das terras indígenas brasileiras, que foram introduzidos
nas etnias novos agravos de saúde e que tinham etiologias desconhecidas para os índios e
provocaram a morte de muitos deles (SOUZA et al., 1994, apud VERANI, 2010).

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A saúde dos povos indígenas vem sofrendo grandes alterações, desde o seu perfil
epidemiológico, até o modelo de atenção à saúde. As doenças infectocontagiosas ocupam um
lugar de destaque na história dos indígenas e persistem como as principais causas de morte e
de doenças nesse grupo (SANTOS; COIMBRA, 2003 apud SANTOS, 2008).
A saúde das populações indígenas tem sido negligenciada pelos governos, autoridades
locais de saúde e pela comunidade internacional em geral. Por exemplo, os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio não incluíam metas específicas para grupos indígenas; portanto,
um país poderia teoricamente atingir as metas pretendidas enquanto a saúde de seus povos
indígenas estagnasse ou declinasse (Stephens et al., 2006).
Os povos indígenas da América, como todas as sociedades humanas, sempre tiveram
formas próprias de lidar com os problemas de doença, cura e prevenção (COIMBRA JR;
SANTOS, 2000).
Com o passar do tempo surgiu a necessidade de se estabelecer métodos de atenção e
cuidado a saúde desses pacientes. Porém esse cuidado desde o período em que os índios
foram colonizados e escravizados se deu de forma desastrosa e descoordenada, não suprindo
de fato a qualidade de vida dos povos indígenas (MARTINS, 2013).
Segundo Oliveira (1995) apud Martins (2013) as políticas indigenistas se referem ao
grupo de ações e atividades exercidas pelo Estado em relação às populações indígenas que
habitam seu território. Nessa lógica, saúde, educação, meio ambiente e desenvolvimento
sustentável podem ser tratadas como políticas setoriais que constituem o indigenismo.
Dessa forma, pode-se entender que as questões tratadas nas políticas de saúde são
essenciais para os índios uma vez que enfocam subsídios básicos para a vivência na terra.
Desde então, com o passar dos anos, surgiram vários modelos de atenção à saúde dessas
populações indígenas (COIMBRA JR; SANTOS, 2000).
Por volta do século XX, os avanços pela busca do desenvolvimento através do projeto
de expansão territorial advindo na era Vargas esbarraram de encontro as questões territoriais
indígenas. Era preciso se fomentar a conquista de novas terras amazônicas para o
desenvolvimento da nação, porém essas terras já estavam habitadas em sua maioria: eram os
índios (LOPES, 2014).
No Brasil, a 1ᵃ Conferência Nacional de Proteção à Saúde Indígena (CNPSI), realizada
em 1986, foi um dos primeiros momentos em que o Estado ouviu diferentes lideranças

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indígenas para discutir propostas relacionadas à formulação de diretrizes voltadas à saúde
desses povos, assumindo como legítimas suas necessidades e especificidades e tendo como
foco a APS. (CARDOSO, 2015, p. 89).
De acordo com Garnelo, (2012, p. 117), até então, a atenção à saúde indígena vinha
sendo gerida sucessivamente pelos mais diversos setores e órgãos, com ações desenvolvidas a
partir de uma perspectiva paliativa e atividades descontinuadas, com poucos impactos na
situação de saúde.
Ainda segundo Garnelo, Macedo e Brandão (2003), o modelo da política voltada para
os índios, que era centrada no fato de que os indígenas eram seres decadentes e que, portanto,
necessitavam percorrer uma longa trajetória de evolução intelecto pessoal para se incorporar
aos outros seres e assumir um papel produtivo na sociedade somado as muitas adversidades
enfrentadas pelo órgão indigenista de realizar ações que defendessem os povos indígenas
ocasionou perdas aos interesses indígenas, como perdas de seus territórios.
A proposta inicial da 1ᵃ CNPSI foi a de que a gerência da atenção à saúde indígena
fosse vinculada ao Ministério da Saúde, gestor do SUS no Brasil. Essa discussão se estendeu
em uma segunda conferência, que mobilizou ainda mais os indígenas e teve a participação
paritária de delegados indígenas e não indígenas. Naquele momento, a proposta estava voltada
à mudança no modelo de atenção à saúde desses povos na direção de uma atenção
diferenciada, com foco na APS (7).
Em 1999, através da lei 9 836, foi instituído o SASI, passando a gestão da saúde
indígena para a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). O SASI tinha como missão
instituir, no âmbito territorial indígena, a APS e a continuidade da assistência nos diferentes
níveis de atenção, atendendo às especificidades de cada povo (o que incluía desde questões de
cunho sociocultural até aspectos logísticos e epidemiológicos), respeitando seus saberes
tradicionais e garantindo a participação e o controle social no processo de gestão.
Também em consonância com as diretrizes de Alma-Ata, as equipes de saúde
incorporaram trabalhadores indígenas, que ocuparam as novas funções de agentes indígenas
de saúde e agentes indígenas de saneamento, (OMS, 1978).
A partir da criação do SASI foi elaborada a PNASPI. Essa política deveria ser
implementada de acordo com os princípios do SUS, dando ênfase à descentralização das
ações e dos recursos e a universalidade, integralidade, equidade e participação social, com

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destaque para as questões relacionadas à diversidade cultural, étnica, geográfica,
epidemiológica, histórica e política.
Como modelo organizacional, foram criados os Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEI). Ao todo, são 34 no país, havendo, dentro desses, outras instâncias
responsáveis pela assistência à saúde em diferentes níveis, como os polos bases, as unidades
ou postos de saúde e as casas de saúde indígena
A participação social se dá através dos conselhos locais – geralmente situados em uma
aldeia ou grupo de aldeias em determinada terra indígena – e distritais de saúde indígena, que
apoiam a regulamentação da gestão dos distritos e levam as discussões locais para as
conferências distritais. A escolha dos conselheiros é feita pelas comunidades indígenas. A
partir daí, as discussões se ampliam nas Conferências Nacionais de Saúde Indígena.

3.2 A saúde da criança indígena no Brasil

No início a mortalidade, desde a colonização portuguesa, os povos indígenas foram


assistidos pelos missionários, de forma integrada às políticas dos governos.
As expedições colonizadoras e punitivas, que proibiam suas manifestações religiosas,
os seus movimentos de resistência, a ocorrência das epidemias de doenças infecciosas trazidas
pelos europeus, a mudança imposta ao modo de vida tradicional, o trabalho forçado, a
escravidão, o confinamento e a mudança para atividades sedentárias dizimaram grande parte
desta população, ao longo dos 500 anos da nossa história. Em consequência, a perda da
autoestima, a desestruturação socioeconômica e dos valores coletivos repercutiram sobre o
estado de saúde, levando à redução importante desta população.
Assim como econômica do Brasil em direção às regiões Norte e Centro-Oeste
provocou diversos massacres de índios e elevados índices infantis são escassos, mas o
impacto negativo sobre mulheres e crianças ocorreu na mesma proporção que a observada
para os homens adultos. As epidemias de doenças transmissíveis chegaram a dizimar
populações de aldeias inteiras. Para enfrentar esta situação, foi criado em 1910 o Serviço de
Proteção ao Índio e Trabalhadores Nacionais (SPI), órgão vinculado ao Ministério da
Agricultura, destinado a proteger os índios, buscando seu enquadramento progressivo ao
sistema produtivo nacional.
A assistência destinada nesta época às comunidades indígenas era desorganizada e
esporádica, inserida no processo de pacificação, e caracteristicamente restrita às ações de
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cunho emergencial. Reconhecidos como indivíduos pertencentes a estágio infantil da
humanidade, passaram a ser vistos como passíveis de serem integrados na sociedade nacional,
por meio de projetos educacionais e agrícolas. Já na década de 1950, o Ministério da Saúde
criou o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (Susa), que apresentava como principal
objetivo a execução de ações básicas de saúde à população rural, em áreas de difícil acesso, e
também à população indígena. As ações eram essencialmente voltadas para as vacinações,
atendimento odontológico, controle da tuberculose e outras doenças Fundação Nacional de
Saúde 24 transmissíveis.
A assistência prestada pelo SPI permaneceu até o ano de 1967, quando o órgão foi
extinto, sendo substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Este modelo de atenção à
saúde, idealizado pela Funai, foi elaborado com base na atenção desenvolvida anteriormente
pelo Susa. Foram então criadas as Equipes Volantes de Saúde (EVSs), que realizavam
assistência à saúde esporadicamente, quando eram realizados atendimentos médicos,
vacinação e a supervisão do trabalho do pessoal de saúde local, geralmente auxiliares ou
atendentes de enfermagem. Com a crise econômica ocorrida na década de 1970, a Funai
passou a enfrentar dificuldades de ordem financeira para manter a organização do serviço de
atenção à saúde, que pudesse contemplar a grande diversidade e dispersão geográfica da
população.
Além da carência de suprimentos e de capacidade administrativa dos recursos
financeiros, associada à precária estrutura básica de saúde, havia falta de planejamento das
ações, de organização de um sistema adequado de informações em saúde e de investimento na
qualificação de recursos humanos para atuarem junto às comunidades culturalmente
diferenciadas.
Com o passar do tempo, as EVSs se fixaram nas sedes administrativas dos centros
urbanos regionais da Instituição, deixando de realizar a assistência nas aldeias. Alguns
profissionais, em geral menos qualificados, ficaram lotados em postos indígenas, executando
ações assistenciais curativas e emergenciais, sem qualquer acompanhamento técnico. Outros
profissionais, sem qualificação alguma na área da saúde, prestavam atendimentos de
primeiros socorros e até de maior complexidade, face à situação de isolamento vivido no
campo. Diante da ineficiência da assistência à saúde e da carência de profissionais, muitas

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comunidades indígenas começaram a se mobilizar para adquirir conhecimentos e assim buscar
alternativas de controle sobre os agravos de maior impacto sobre a sua saúde.
Este movimento deu origem a processos locais e regionais de capacitação de agentes
indígenas de saúde e de valorização da medicina tradicional indígena, tendo como parceiras
diversas instituições envolvidas com a assistência à saúde indígena. Embora sem um
programa institucional de formação definido, os agentes vinham atuando como voluntários,
em todo o Brasil, sem acompanhamento ou suprimento sistemático de insumos para suas
atividades. Em algumas regiões da Amazônia, onde o acesso às comunidades depende das
condições climáticas ou de navegabilidade dos rios, os agentes de saúde são o único recurso
das comunidades diante da doença. Em 1988, a Constituição Brasileira estipulou o
reconhecimento e o respeito das organizações socioculturais dos povos indígenas,
estabelecendo a competência privativa da União para legislar e tratar a questão indígena.
Definiu os princípios gerais do Sistema Único de Saúde (SUS), posteriormente
regulamentados pela Lei nº 8.080/1990, e estabeleceu que a direção única e a
responsabilidade da gestão federal do Sistema são do Ministério da Saúde. Por deliberação da
VIII e IX Conferências Nacionais de Saúde, foram realizadas em 1986 a “I Conferência
Nacional de Proteção à Saúde do Índio”, e em 1993 a “II Conferência Nacional de Saúde para
os Povos Indígenas”, com intuito de debater sobre a saúde indígena.
A partir dos debates realizados, foi elaborada uma proposta para um modelo
diferenciado de Manual de Atenção à Saúde da Criança Indígena Brasileira – atenção à saúde
dos povos indígenas, baseado na estratégia de Distritos Sanitários Especiais Indígenas, como
forma de garantir o direito universal e integral à saúde, de acordo com as necessidades
percebidas pelas comunidades, envolvendo a população indígena em todas as etapas do
processo de planejamento, execução e avaliação das ações. Para o cumprimento das
deliberações, a responsabilidade pela coordenação das ações de saúde indígena foi transferida
da Funai para o Ministério da Saúde, conforme o Decreto Presidencial nº 23, de fevereiro de
1991, estabelecendo os Distritos Sanitários Especiais Indígenas como base de organização dos
serviços de saúde. Foi criada a Coordenação de Saúde do Índio (Cosai), subordinada ao
Departamento de Operações da Fundação Nacional de Saúde, cuja atribuição foi a de
implantar o novo modelo de atenção à saúde indígena. No mesmo ano, a Resolução nº 11, do
Conselho Nacional de Saúde (CNS) criou a Comissão Intersetorial de Saúde do Índio (Cisi),

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tendo como principal papel o assessoramento do Conselho Nacional de Saúde na elaboração
de princípios e diretrizes de políticas governamentais na área da saúde indígena. A Cisi,
formada com 11 vagas, inicialmente sem representação indígena em sua composição, foi
posteriormente reformulada, abrindo quatro vagas para representantes indígenas.
Em direção contrária ao processo de construção da política de atenção à saúde
indígena no âmbito do SUS, o Decreto Presidencial nº 1.141, de 19 de maio de 1994,
constituiu a Comissão Intersetorial de Saúde (CIS), com a participação de vários ministérios
relacionados com a questão indígena, sob a coordenação da FUNAI. Assim sendo, a
coordenação das ações de saúde retornou à FUNAI. Foi então aprovado pela CIS, por meio da
Resolução nº 2, de outubro de 1994, o “Modelo de Atenção Integral à Saúde do Índio”,
atribuindo a um órgão do Ministério da Justiça, a FUNAI, a responsabilidade de recuperar a
saúde dos índios doentes e, ao Ministério da Saúde/Funasa, a responsabilidade da prevenção,
por meio de ações de imunizações, saneamento ambiental, formação de recursos humanos e
controle de endemias.
A divisão de atribuições entre a Funai e a Funasa permaneceu durante a década de
1990, período em que as ações aconteceram de forma fragmentada e conflituosa. As parcerias
estabelecidas, por intermédio de convênios com municípios, organizações indígenas,
organizações não-governamentais, universidades, missões religiosas e instituições de
pesquisa, eram pouco claras quanto à definição de objetivos, metas e indicadores de impacto
sobre a saúde da população.
No final da década de 1990, as condições de saúde da população indígena eram ainda
mais precárias. Embora parciais, as informações globais sobre a saúde indígena produzidas
pela Funai e Funasa indicavam taxas de morbidade e mortalidade três a quatro vezes mais
altas do que as registradas para a população brasileira em geral. Pode-se, em parte, atribuir o
elevado número de óbitos sem registro ou sem causas definidas à baixa capacidade de
resolução da estrutura de saúde existente. Compatibilizando as Leis Orgânicas da Saúde com
as da Constituição Federal, que reconhecem aos povos indígenas as suas especificidades
étnicas, culturais e seus direitos territoriais, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de
Atenção aos Povos Indígenas.
Fundação Nacional de Saúde 26 Esta proposta foi regulamentada pelo Decreto nº
3.156, de 27 de agosto de 1999, que dispõe sobre a saúde dos povos indígenas e pela Lei nº

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9.836, de 23 de setembro de 1999, que estabeleceu o Subsistema de Atenção aos Povos
Indígenas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Pela primeira vez, é garantido aos povos indígenas o acesso “à atenção integral à
saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, contemplando a diversidade social,
cultural, geográfica, histórica e política de modo a favorecer a superação dos fatores que
tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior magnitude e
transcendência entre os brasileiros, reconhecendo a eficácia de sua medicina e o direito desses
povos à sua cultura”. Para a efetivação da Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas,
destacam-se a necessidade de uma rede de serviços básicos de saúde nas terras indígenas, a
fim de superar as deficiências de cobertura, as dificuldades de acesso e aceitabilidade do SUS
para esta população. A eficácia do Sistema está diretamente ligada à observância dos
princípios e das diretrizes da descentralização, universalidade, equidade, participação
comunitária e controle social.
É necessário que a atenção seja organizada e executada de forma diferenciada,
considerando as especificidades culturais e epidemiológicas. Deve haver respeito às
concepções, valores e práticas relativos ao processo saúde-doença próprios de cada sociedade
indígena. Além disso, a organização e a operacionalização de serviço convencional deverão
ser adequadas às necessidades de cada povo. A melhoria do estado de saúde dos povos
indígenas não ocorre pela simples transferência de conhecimentos e tecnologias da
biomedicina.
Os sistemas tradicionais indígenas de saúde são baseados em uma abordagem
holística, que considera as relações individuais, familiares e comunitárias com o universo que
rodeia as comunidades. As suas práticas de cura conceituam uma lógica interna de cada
comunidade e sua relação com o mundo espiritual e os seres do ambiente em que vivem. Esta
proposta foi elaborada com a participação de representantes dos órgãos responsáveis pelas
políticas de saúde nacional, representantes da política e ação indigenista nacional,
organizações da sociedade civil e representantes das organizações indígenas.

3.3 Situações atuais de saúde da criança indígena

O perfil de morbidade das comunidades indígenas foi elaborado com base nas
informações enviadas, mensalmente, pelos Distritos ao Desai, em 2002. Foram originadas em
instrumentos de coleta de dados do Siasi, no desenvolvimento da atenção básica nas aldeias
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pelas equipes multidisciplinares. Os dados da rede de referência não estão disponíveis devido
a pouca utilização do instrumento de referência e contrarreferência.
As principais doenças diagnosticadas nas aldeias, classificadas pela Classificação
Internacional de Doenças em sua versão conhecida como CID 10, foram as Doenças Infecto-
Parasitárias (DIP), representando 35,8% dos atendimentos e as Doenças do Aparelho
Respiratório, representando 29,8%. Somente estes dois grupos de doenças corresponderam a
65,6% do total dos atendimentos.
As doenças mais frequentes foram: DIP (helmintíase, diarreia, micose, pediculose,
tuberculose e malária); doenças do metabolismo (desnutrição e distúrbios metabólicos);
doenças do aparelho respiratório (IRA, Pneumonia, Bronquite e Asma); doenças do sangue
(anemia) e causas externas (trama simples e agressão). Nas DIPs, prevalece a helmintíase,
com 42,7% dos atendimentos, embora neste caso deva-se enfatizar que o diagnóstico tenha
sido feito a partir da abordagem sindrômica. A seguir, situa-se a diarréia aguda infecciosa, de
etiologia diversa, com 28,8%. A malária predomina na região Amazônica, mas também é
relatada nos estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná.
Tem sido um grande problema de saúde para os índios brasileiros, representando 5,6%
dos atendimentos. Houve uma redução na incidência de Malária no período de 2000 a 2002.
Este resultado foi alcançado graças à intensificação das ações de vigilância epidemiológica
nas aldeias, pela busca ativa dos sintomáticos e portadores assintomáticos, do diagnóstico
laboratorial no local e a disponibilidade do tratamento imediato. Foram diagnosticados 149
casos de tuberculose em menores de 15 anos de idade, sendo 137 pulmonares e 12 em formas
extra pulmonares.
As infecções respiratórias agudas são os motivos de consulta mais frequentes entre
crianças indígenas, enquanto que as pneumonias são relatadas principalmente como causa de
óbitos, pois os casos graves são atendidos na rede de referência. Algumas doenças preveníveis
por vacinas, como é o caso da varicela, ainda são informadas.
A atenção à criança não deve ser fragmentada, isto é, vista apenas como parte da
atividade médica, independente da atividade da enfermagem ou dissociada da atenção de
maior complexidade realizada em unidades de referência especializada. A atenção deverá ser
integral e a consulta de puericultura precisa ser implementada ou mesmo implantada, para que
a integralidade e a intersetorialidade sejam efetivamente estabelecidas. Atualmente observa-se

- 13 -
um crescimento demográfico entre alguns povos indígenas. Os dados disponíveis, embora
parciais, evidenciam altas taxas de mortalidade infantil, que correspondem a duas ou três
vezes maior do que as taxas da população infantil não indígena.
Pelos registros dos relatórios técnicos da Funai em 1998, o coeficiente de mortalidade
infantil foi 96,8 por 1.000 nascidos vivos. Quase 50% dos óbitos ocorridos em menores de
cinco anos tinham como causas mais freqüentes, as doenças transmissíveis, principalmente as
infecções respiratórias, as enteroparasitoses, a diarreia, a malária, a desnutrição e a
tuberculose. As causas externas, especialmente a violência e o suicídio representaram uma das
principais causas de morte nos últimos anos, sobretudo nas regiões do Mato Grosso do Sul e
Roraima. O coeficiente de Mortalidade Infantil vem diminuindo a uma taxa de 10,6% ao ano
em relação a 1998. De 1999 a 2002, o CMI foi de 85,7, 74,6, 57,2 e 55,7 por 1.000 nascidos
vivos, respectivamente. Em 2002, o Coeficiente de Mortalidade Infantil variou entre 17,8 e
185,2 por 1.000 nascidos vivos.
Dos 34 Distritos Especiais Indígenas, apenas 12 apresentaram o CMI abaixo de 40 por
1.000 nascidos vivos e cinco distritos apresentaram o CMI acima de 100 por 1.000 nascidos
vivos. Os Distritos com os maiores CMI estão localizados em áreas de difícil acesso na
Amazônia. Alguns distritos apresentam uma tendência ascendente do CMI. Este fato ocorre,
provavelmente, pela melhoria das notificações ou por um aumento real de óbitos no primeiro
ano de vida. Em algumas etnias, há registros de casos de mortes de recém-nascidos por
determinantes culturais. Mesmo assim, há evidências de um aumento real de mortes no
primeiro ano de vida em alguns Distritos, considerando que a capacidade de notificação dos
serviços locais é boa.
A diminuição do CMI está associada à maior oferta de serviços de saúde próximo das
comunidades, a melhoria da qualidade da assistência local e na rede de referência, ao melhor
controle das doenças transmissíveis, principalmente da diarreia, ao aumento da cobertura
vacinal e melhoria da qualidade da água utilizada. Com a implantação do Siasi, a partir de
2001, a qualidade e o número das informações epidemiológicas vêm melhorando
progressivamente.
Entretanto há muito que avançar neste sentido, principalmente no que diz respeito aos
diagnósticos e notificações dos agravos, que Fundação Nacional de Saúde 30 devem ser
realizadas por ocasião do atendimento médico, com o compromisso de toda a equipe

- 14 -
multidisciplinar, a fim de ampliar as notificações. Embora muitas vezes apenas com recursos
clínicos, é de competência de o médico fazer o diagnóstico que, sendo omitido ou mal
definido, compromete a elaboração do perfil epidemiológico e consequentemente o
planejamento das ações de saúde é prejudicado. Muitos óbitos, principalmente de recém-
nascidos, não são informados por questões culturais. Os partos domiciliares realizados nas
aldeias, assistidos por parteiras tradicionais, geralmente levam à subnotificação, tanto dos
óbitos como dos nascimentos.
Este é um obstáculo enfrentado na construção do sistema, mas que vem apresentando
melhora gradativa dos registros e da participação comunitária, na medida em que aumenta a
oferta de assistência à saúde. Atualmente, a situação de saúde da criança indígena melhorou,
conforme é reconhecido pelos próprios índios. No entanto, há ainda um longo caminho a ser
percorrida para atingir no mínimo uma equivalência entre o nível dos indicadores da
população indígena não indígena brasileira, meta ainda não satisfatória.

1.3 PREVENÇÃO

As ações de prevenção estão sendo desenvolvidas por meio das vacinações, segundo o
calendário do Ministério da Saúde, diferenciado para a população indígena e outras ações de
educação em saúde, com a participação dos agentes indígenas de saúde e agentes indígenas de
saneamento. Fundação Nacional de Saúde 32 Estas ações ainda incipientes, já demonstram a
eficácia da educação em saúde na diminuição da mortalidade.
Como exemplo constata-se a redução dos casos de malária, onde a vigilância
epidemiológica está sendo realizada com a participação ativa dos Agentes Indígenas de
Saúde. Outros exemplos bem-sucedidos de promoção da saúde são a melhoria do
abastecimento de água potável para as comunidades, a inserção do saneamento básico nas
aldeias, por meio das obras de melhorias sanitárias, do destino correto dos dejetos, que vem
sendo trabalhado pelo Departamento de Engenharia Sanitária da Funasa e pelos profissionais
das equipes e, principalmente, pelos agentes indígenas de saúde, os quais constituem maior
poder de convencimento dentro das comunidades.
Em alguns distritos, já foi elaborado material didático, tal como as cartilhas sobre
saneamento ambiental, DST/Aids, alcoolismo e cuidados com a saúde em geral, elaboradas e
escritos nos respectivos idiomas pelos próprios índios, para utilização nas escolas das aldeias
além dos encontros intra-étnicos e inter-étnicos promovidos pelas equipes multidisciplinares e
- 15 -
agentes indígenas de saúde e de saneamento. Ações preventivas e curativas na área
odontológica são realizadas rotineiramente. Em 2002 foram identificados 120 mil pessoas
com problemas odontológicos nos atendimentos realizados nas aldeias. Destes, 40 mil pessoas
(33%) concluíram a primeira fase do tratamento.

1.4 O AGENTE DE SAÚDE INDÍGENA

Os povos indígenas no Brasil de hoje pertencem a cerca de 217 nações, falantes de 170
línguas, apresentando especificidades de organização social, política e econômica, decorrentes
de sua relação com o meio ambiente e enfrentam situações de risco e vulnerabilidade
distintas.
Ocupando espaços distribuídos praticamente por todo o território nacional, grande
parte destas nações vive nas proximidades de centros urbanos, em áreas periféricas e em
condições completamente adversas. O Relatório Final da II Conferência Nacional de Saúde
para Povos Indígenas (1993) apresenta princípios e diretrizes para a capacitação do Agente
Indígena de Saúde (AIS), com base em experiências acumuladas em quase uma década,
visando a garantir não só a atenção primária à saúde destas populações como também criar
um elemento facilitador da comunicação entre a população indígena e os serviços oferecidos
pela rede do SUS. Estes princípios e diretrizes foram discutidos e ampliados em 1996 e estão
consolidados no documento Formação de Agentes Indígenas de Saúde – Propostas e
Diretrizes (MS/FNS/Cosai-julho 1996). É preciso destacar ainda que, além de considerar as
especificidades culturais na formação do AIS, existem locais em que diferenças são
observadas mesmo em aldeias vizinhas, pertencentes a uma mesma nação.
O AIS deve ser, ao lado de lideranças religiosas e pajés, o personagem fundamental
para incentivar e assegurar o resgate do sistema de cura tradicional destas populações e não
apenas multiplicador de informações e incentivador da participação das comunidades em
nosso sistema de assistência à saúde. Em 1999, o Sistema de Cadastramento de Agentes
Indígenas de Saúde (Cais) desenvolvido pela Cosai/FNS disponibiliza estimativa de dados
que indicam existir, no país, cerca de 2000 AIS.
O processo de formação tem ocorrido com grande intervalo entre os conteúdos
trabalhados e estes, embora pertinentes à situação local, nem sempre estão ordenados em
complexidade crescente. Direcionados pela proposta contida no Relatório Final da III
Conferência Nacional de Saúde Indígena (maio/2001), pelos documentos oficiais da Funasa e
- 16 -
uma experiência de cinco anos de trabalho com a população de duas aldeias Guaranis do
estado de São Paulo,1 sugerimos características importantes do perfil do Agente Indígena de
Saúde, 1. Aldeias Tenonde Porã e Krucutu – Parelheiros-São Paulo (SP). Fundação Nacional
de Saúde 34 atribuições fundamentais e um conteúdo mínimo para um programa a ser
trabalhado na formação do AIS.

1.5 A ATUAÇÃO DO PROFISSINAL DE ENFERMAGEM NOS DSEI.

Segundo Marinelli et al. (2012), a busca por parte da enfermagem em atuar em saúde
indígena é motivada geralmente pela busca de uma melhor colocação profissional e
remuneração salarial do que propriamente a satisfação profissional.
Porém, estar inserido na atuação em saúde indígena no habitat do índio é uma ação
que possui peculiaridades que, invariavelmente, tornam difíceis a execução das tarefas
profissionais, mas como contrapartida oferece uma gama de conhecimento e momentos de
profundo aprendizado para sua formação profissional (SILVA; GONÇALVES; NETO, 2003).
Para Silva, Gonçalves e Neto (2003) as funções básicas do enfermeiro na atenção em
saúde indígena visam compreender o desenvolvimento do processo saúde-doença no contexto
físico e cultural dos povos indígenas; possibilitar a identificação de situações que se
constituem em risco para a saúde da comunidade; oportunizar o trabalho em equipe
multiprofissional, na realização de atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças e
agravos; além de refletir acerca da real atribuição de seus afazeres junto à equipe
multiprofissional a fim de redefinir seu papel para a comunidade.
Conforme já explicado por Silva, Gonçalves e Neto (2003), os autores complementam
que executar a atuação em enfermagem é uma tarefa difícil, pois demanda de uma
competência diferenciada frente as adversidades e peculiaridades da situação e cultura
indígena. Para isso é preciso que o profissional desempenhe uma atenção que requer cuidados
específicos e qualificados dentro de uma série de fatores vivenciados no dia a dia em contato
com os índios (MARINELLI et al., 2012).
Trabalhar em saúde indígena requer do enfermeiro a habilidade em saber lidar
corretamente com a EMPI, uma vez que a construção do trabalho com os índios é feita através
de uma corrente de ações executada entre todos os profissionais envolvidos (MARINELLI et
al., 2012).

- 17 -
Nesse aspecto, Marinelli et al. (2012) cita que os agentes indígenas de saúde
desempenham um papel muito importante por se tratarem como um importante elo entre o
profissional enfermeiro e a comunidade indígena em geral. É imprescindível que o enfermeiro
saiba lidar com críticas e colocações acerca do seu trabalho, e que dessa forma saiba
questionar e refletir acerca de suas atribuições e das possíveis dificuldades a serem desafiadas.
(SILVA; GONÇALVES; NETO, 2017)
Segundo Silva, Gonçalves e Neto (2003) o profissional precisa estar preparado para
atuar na atenção básica à saúde indígena, identificar fatores de risco e atuar preventivamente,
planejar e implementar, em conjunto com a equipe, as ações e programas, realizar
acompanhamento, supervisão e avaliação do agente indígena de saúde e do auxiliar de
enfermagem.
Para o profissional saber trabalhar utilizando-se dos conhecimentos tradicionais, como
plantas medicinais, se torna um fator muito importante positivamente, pois oportuniza um
estreitamento entre a população indígena que devem ser valorizados na prática de atenção à
saúde, além de que fortalece a cultura dessas populações e resgata o saber acumulado
(SILVA; GONÇALVES; NETO, 2018).
A equipe de saúde indígena é composta pelo agente indígena de saúde, auxiliar de
enfermagem, enfermeiro, médico, odontólogo, técnico de laboratório, apesar de nem todos os
DSEI contarem com todos esses profissionais, seja pela falta de afinidade com este tipo de
trabalho ou pelo desconhecimento dessa área. A forma de organização indígena propicia o
trabalho em equipe, pois os mesmos fazem o chamado controle social, cuja participação
ocorre em todas as etapas do planejamento, implementação, implantação e funcionamento do
DSEI, a partir dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena. Saber trabalhar em equipe
aceitando críticas, sugestões e ajuda é muito importante para o bom andamento do trabalho. A
exemplo disto, a captação da clientela para as consultas de enfermagem era obtida com ajuda
do auxiliar de enfermagem e do agente indígena de saúde. (SILVA NC, GONÇALVES MJF,
NETO DL., 2018)
Os trabalhos foram realizados com a ONG responsável pelo DSEI, em conjunto com a
organização indígena, que é formada pelo conselho indígena local, possibilitando ao aluno, a
oportunidade de adquirir competência para comunicar-se, tomar decisões, intervir no processo

- 18 -
de trabalho, trabalhar em equipe e enfrentar situações em constante mudança e de integrar as
ações de enfermagem às ações multiprofissionais.
Refletindo as atribuições do enfermeiro em saúde indígena para a atuação do
enfermeiro em saúde indígena é essencial a compreensão do processo saúde-doença de forma
ampliada, incluindo o aspecto étnico-cultural, e que o profissional busque se atualizar e
adquirir novos conhecimentos.
O profissional precisa estar preparado para atuar na atenção básica à saúde indígena,
identificar fatores de risco e atuar preventivamente, planejar e implementar, em conjunto com
a equipe as ações e programas, realizar acompanhamento, supervisão e avaliação do agente
indígena de saúde e do auxiliar de enfermagem.
Considerando a dificuldade de compreensão das lideranças indígenas sobre a
competência de cada profissional de saúde que desempenha as atividades no pólo-base, é
necessário que numa primeira aproximação, os profissionais definam seus objetivos de ação e
os comunique à clientela. Trabalhar com o conhecimento tradicional como a planta medicinal
também pode contribuir para a eficácia das ações, estreita a relação com os indígenas que
devem ser valorizados na prática de atenção à saúde, fortalece a cultura dessas populações e
resgata o saber acumulado.
O internato rural em área indígena tem se constituído também em uma oportunidade
para o órgão avaliar o profissional que está formando, uma vez que este estágio acontece no
último semestre acadêmico, quando o aluno não conta com supervisão direta do professor e é
estimulada a sua autonomia. Diante das situações identificadas, faz-se necessário sensibilizar
os atores sociais que atuam na atenção à saúde indígena, para a adoção de medidas de
promoção da saúde e de prevenção de doenças e agravos. Com maior envolvimento nas
questões indígenas, necessitando para tanto, capacitar agentes indígenas de saúde, rever a
formação dos futuros profissionais de saúde, qualificar os que atuam junto a essas populações
e aprofundar a discussão sobre as políticas voltadas para as questões indígenas junto aos
formuladores de políticas para esta área.
Portanto, ao enfermeiro é necessário conhecer a Política Nacional de Atenção à Saúde
dos Povos Indígenas, que deve ser proporcionado pela academia ao favorecer o encontro de
acadêmicos com as populações indígenas por meio do internato rural. Isto possibilitará formar
um profissional capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde e doenças

- 19 -
prevalentes, com ênfase na sua região de atuação, em consonância com as diretrizes
curriculares para o curso de enfermagem.
Diagnóstico situacional: ameaças e oportunidades Atuar na atenção à saúde indígena
em seu próprio habitat possui peculiaridades o que, invariavelmente, traz dificuldades ao
profissional, mas, também, oferece momentos de profundo aprendizado para a sua atuação
profissional. Em geral, as dificuldades referiram-se aos longos percursos dos rios e longas
caminhadas pela floresta entrecortada de lagos e igarapés, para chegar a aldeias de difícil
acesso.
Isso na prática influencia no planejamento e execução das atividades, pois se houver
vacinação na área, há que se prover a quantidade de gelo proporcional ao deslocamento.
Trabalhar de acordo com a realidade local também foi um grande desafio, levando a
improvisação de lugares para atuar, como em escolas, embaixo de árvores, dentro de barco ou
na própria moradia do índio. Situações estas previstas nas Diretrizes Curriculares, quando
estabelece que o graduado deverá ser capaz de: atuar nos diferentes cenários da prática
profissional, considerando os pressupostos dos modelos clínico e epidemiológico.
Algumas coisas chamam atenção: apesar da determinação de horários de atendimento
no pólo base, não adiantava, pois os indígenas estavam acostumados a procurar o serviço a
qualquer hora, independente do caso ser emergencial ou não. Inicialmente, isto gerou
dificuldades, mas com habilidade, foi articulado o trabalho junto com os índios no sentido de
melhorar a qualidade do atendimento; itinerância de alguns grupos indígenas inviabiliza o
controle de esquemas vacinais e tratamento de doenças; algumas etnias, como os Mura,
mudam os nomes dos índios, o que dificulta o controle e registros por parte da equipe de
trabalho.
A resistência de algumas mulheres à realização do exame preventivo e a não aceitação
a determinados tratamentos, talvez pelo medo do desconhecido, ensinam que as populações
indígenas são diferentes, portanto, devem ser consideradas, respeitadas, estudadas, devendo as
ações de assistência à saúde ser redimensionadas. Isso possibilita uma intervenção
compartilhada, levando em consideração as diferenças culturais. A higiene era enfatizada na
atividade educativa, haja vista que foram encontrados ambientes sujos, com odor
desagradável; crianças despidas que se misturavam com a população canina; ausência de
saneamento e pouca atenção com as questões de limpeza e higiene corporal.

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O convite para participar das ações de saúde era por radiofonia e visita domiciliar,
usando barco e canoa, ou a pé por caminhos estreitos e longínquos, chegando às vezes a uma
caminhada de até 4 horas. Outra dificuldade foi a linguagem. Com as etnias que falavam o
português, a comunicação e a assistência eram mais fáceis. Nas situações em que as
populações falavam a língua nativa, prescindiu-se de um intérprete, que geralmente era o
agente indígena de saúde.
Dessa forma, a comunicação, em algumas situações foi difícil, com implicações de
tempo, chegando a triplicar, e entendimento, quando um gesto do indígena ao apontar para o
órgão afetado, não era compatível com a tradução do intérprete. 4 Compreensão do processo
saúde-doença. Para cumprir esta etapa do trabalho, primeiro foi feito um levantamento das
necessidades da comunidade junto aos indígenas, considerando seus aspectos étnicos e
culturais, inclusive aqueles que já foram modificados, como a prática religiosa e a introdução
de hábitos de não-indígenas. A partir daí, foram realizadas atividades educativas, seguindo-se
de práticas assistenciais, visando fornecer informações aos indígenas e obter colaboração
destes nas atividades realizadas por meio da criação de elos.
Segundo os alunos, às vezes, os índios não compreendem a gravidade de certos
problemas de saúde, fato que pode ser explicado se buscarmos identificar qual é a relação que
eles fazem da doença com os seus fatores multicausais, não ficando claro para os acadêmicos
a que ou a quem atribuem o adoecimento.
Os problemas de higiene, limpeza do ambiente e questões de saneamento foram os
mais frequentes encontrados nas comunidades indígenas locais, e que estão também
relacionados aos problemas de saúde que mais afetam os indígenas como, por exemplo, as
parasitoses intestinais e as doenças de veiculação hídrica. Então foram implementados
cuidados básicos de higiene corporal e do couro cabeludo; mutirão de limpeza ambiental em
conjunto com indígenas e desenvolvidos um trabalho educativo para continuação das
atividades com o agente indígena de saúde e com o professor indígena, considerado base da
educação em saúde;
As práticas assistenciais obedeciam às peculiaridades da população indígena,
considerando que para a realização do exame preventivo (colpocitológico), a autorização era
pedida ao homem “companheiro” e só assim a mulher podia submeterse ao exame. No relato
dos alunos, alguns índios até acompanhavam para saber o que estavam fazendo com sua

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mulher. Foram verificadas ainda carências nutricionais em crianças. Embora as características
da Amazônia permitam atividades de extrativismo animal e vegetal, a disponibilidade e
variabilidade de alimento e de nutrientes, é baixa e

4 CONSIDERAÇÕES

REFERÊNCIAS

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