Epidemiologia Final - Unidade III Ok

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EPIDEMIOLOGIA

Prof. Dra. Francini Xavier Rossetti


Prof. Msc. Aline Rocha Rodrigues
Prof. Guilherme Bernardes Filho
Diretor Presidente
Prof. Aderbal Alfredo Calderari Bernardes
Diretor Tesoureiro
Prof. Frederico Ribeiro Simões
Reitor

UNISEPE – EaD

Prof.ª M.ª Caroline das Neves Mendes Nunes

Prof.ª M. ª Deise Aparecida Carminatte

Coordenador EaD de área

Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz

Coordenador Núcleo de Ensino a distância (NEAD)

Material Didático – EaD

Equipe editorial:

Fernanda Pereira de Castro - CRB-8/10395

Isis Gabriel Alves

Laura Lemmi Di Natale

Pedro Ken-Iti Torres Omuro

Prof. Dr. Renato de Araújo Cruz – Editor Responsável

Apoio técnico:

Alexandre Meanda Neves

Anderson Francisco de Oliveira

Douglas Panta dos Santos Galdino

Fabiano de Oliveira Albers

Gustavo Batista Bardusco

Kelvin Komatsu de Andrade

Matheus Eduardo Souza Pedroso

Vinícius Capela de Souza

Revisão: Silvia Maria Fonseca Kasprzak

Diagramação: Diego Macedo Pedroso


SOBRE AS AUTORAS:

Francini Xavier Rossetti possui graduação em Nutrição pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
e mestrado e doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente trabalha
como professora universitária no Centro Universitário do Vale do Ribeira.

Aline Rocha Rodrigues é Técnica em Enfermagem, Nutricionista, Especialista em Nutrição com


ênfase em Alimentação Escolar e Mestre em Desenvolvimento Territorial Sustentável pela
Universidade Federal do Paraná. Formada há mais de 15 anos, sua carreira é focada em políticas
públicas de alimentação e nutrição, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Foi membro
dos Conselhos de Alimentação Escolar e Segurança Alimentar e Nutricional de Curitiba, sendo
coordenadora da Câmara de Acesso aos Alimentos. Atua como professora conteudista e avaliadora
para diversas instituições de ensino superior e é professora tutora do Centro Universitário Vale do
Ribeira.

SOBRE A DISCIPLINA:

Caros alunos! Nesta disciplina você aprenderá os principais conceitos e os métodos que envolvem
a ciência da epidemiologia. Vamos analisar e compreender os fundamentos teóricos, o processo de
saúde e doença e os métodos e técnicas relacionados à epidemiologia e sua importância para o
desenvolvimento das atividades do profissional de saúde, enfatizando a necessidade do uso do
conhecimento do perfil epidemiológico da população e dos principais determinantes do processo
saúde-doença, com o enfoque de risco, para a melhor adequação da assistência à saúde. Desejamos
que, a cada nova unidade, você seja capaz de desenvolver novos conhecimentos e habilidades para
se tornar um excelente profissional de saúde!
Os ÍCONES são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de linguagem
e facilitar a organização e a leitura hipertextual.
SUMÁRIO

UNIDADE III ......................................................................................................... 05


5º Delineamentos epidemiológicos: coortes, caso controle e estudos
experimentais ............................................................................................ 05
6º Vigilância epidemiológica, transição demográfica, epidemiológica e
nutricional no Brasil ................................................................................... 21
UNIDADE III
CAPÍTULO 5 – DELINEAMENTOS EPIDEMIOLÓGICOS:
COORTES, CASO CONTROLE E ESTUDOS EXPERIMENTAIS
Ao término deste capítulo, você deverá saber:
✓ Coortes;
✓ Caso controle;
✓ Estudos experimentais.

Introdução
Dentre os delineamentos epidemiológicos descritivos e analíticos (aqueles que relatam e levantam
hipóteses), já discutimos os estudos ecológicos e os transversais. Neste capítulo você verá os
estudos caso-controle e as coortes. Este capítulo, também, apresentará os conceitos básicos dos
ensaios clínicos randomizados, que são os estudos que testam hipóteses e, são chamados, também,
de estudos experimentais (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010).

Os estudos caso-controle e de coorte são frequentemente realizados com o objetivo de


averiguar a etiologia de doenças ou agravos à saúde e para avaliação e monitoramento de ações e
serviços (LIMA-COSTA; BARRETO, 2013).

As origens dos estudos de caso controle e coorte remontam a década de 1950, quando foi
apresentado que o tabagismo estava relacionado ao câncer de pulmão, pois até então, outras
causas, também, se relacionavam ao desenvolvimento da doença, como poeira, asbesto e poluição.
A partir da investigação de casos e controles observou-se que quando esses fatores eram
combinados, se elevava demasiadamente a incidência do desse tipo de câncer. Os estudos caso
controle conseguiram forneceram medidas quantitativas sobre a contribuição de cada fator para o
desenvolvimento da doença (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010).

Os delineamentos de coorte, nos quais há o seguimento da população estudada em um


período também são úteis na investigação da história natural da doença (LIMA-COSTA; BARRETO,
2013). Ainda na década de 1950, após a realização dos estudos caso controle mencionados
anteriormente, foi realizado um estudo de coorte, no qual houve a comprovação entre o hábito de
fumar e a incidência de câncer de pulmão.

O estudo foi realizado entre 35.000 médicos britânicos e esses indivíduos foram
acompanhados durante anos e o que se observou foi uma menor taxa de mortalidade entre os não
fumantes, que morreram em média, 10 anos após os fumantes. A luz destas evidências, estudos
experimentais e clínicos sobre o tabagismo e desenvolvimento de câncer foram realizados, uma vez
que naquele período, a força da associação não foi suficiente para estabelecer o nexo causal, pois
ainda não havia sido desenvolvido o cálculo de risco relativo (também chamado de odds ratio,
conforme você estudou na Unidade II, Capítulo 1) (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010;
SILVA et al, 2016).

Aliado a evidência científica considerada fraca na época, os interesses comerciais da indústria


do tabaco, a forte mídia paga por essa e outros aspectos que pesem à indústria do tabaco, foram
necessários mais esforços para destacar a associação entre tabaco e danos à saúde (SILVA et al,
2016). Hoje se conhece que o RR de câncer de pulmão entre tabagistas é 14 vezes maior do que

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entre não tabagistas (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010; SILVA et al, 2016). Atualmente
no Brasil, apesar de existir produção e comercialização de tabaco, por meio de políticas de saúde
sobre cessação do tabagismo, temos umas das menores prevalências dos últimos anos (SILVA et
al, 2016), uma demonstração importante da aplicação da ciência sobre a saúde da população.

A história natural do câncer de pulmão e a sua relação com o tabagismo foi muito bem
estabelecida por meio dos estudos de caso controle e coortes, mas estes são capazes de demonstrar
outras relações importantes na área da saúde, além de o destaque para os ensaios clínicos como
“melhor delineamento epidemiológico”. É o que você encontrará ao longo deste capítulo.

5.1 Coortes
Os estudos de coorte são, também, chamados de estudos longitudinais, de incidência ou de follow-
up. De acordo com Almeida Filho e Barreto (2011), a origem destes estudos remonta as tábuas de
mortalidade de Farr, que descrevem as primeiras investigações epidemiológicas na Inglaterra. As
pesquisas com este delineamento literalmente acompanham indivíduos e, ao longo do seguimento,
estas pessoas são alocadas em subgrupos de acordo com a exposição a um fator de risco ou
conforme o desfecho investigado (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010). A Figura 1 ilustra
o delineamento de um estudo de coorte.

Figura 1 – Delineamento de um estudo de coorte

Fonte: da autora (2020).

De forma mais vantajosa que os estudos transversais, as coortes determinam a relação


temporal entre exposição e desfecho e esse fato reforça a evidência relacionada ao fato de a

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exposição causar o desfecho (MEDRONHO et al, 2009; OLIVEIRA; PARENTE, 2010).
Originalmente, coorte era uma palavra que designava unidades de combate do exército romano e,
ao ser adotada pelo vocabulário da epidemiologia, categoriza contingentes populacionais unidos. A
pesquisa de coorte parte da seleção de um grupo de pessoas saudáveis (em relação a doença ou
condição do que se deseja investigar); esta amostra deve ser homogênea, seja em relação à idade,
sexo, área geográfica, dentre outras possíveis características. De acordo com o seguimento, avalia-
se a ocorrência do desfecho de interesse frente ou não a exposição observada (SUZUMURA et al;
2008; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).

O delineamento de coorte é o único tipo de estudo epidemiológico capaz de levantar


hipóteses etiológicas (sobre a causa da doença ou da condição de saúde) e produzir medidas de
incidência (lembre-se que a incidência se refere aos novos casos de uma doença ou condição de
saúde (ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011), além de o estudo de impactos de intervenções
diagnósticas, como por exemplo, o impacto da realização de exames de colo de útero sobre a
mortalidade por câncer de útero ou terapêuticas, como o impacto de um determinado tratamento
cirúrgico de fraturas do fêmur e a mortalidade de idosos (MEDRONHO et al, 2009).

Nestes estudos, a data de início e fim de seguimento é determinada pelo pesquisador e nesse
intervalo, as informações podem ser colhidas de diversas maneiras: realização de entrevistas,
aplicação de questionários, coleta de marcadores bioquímicos, além de o levantamento de
covariáveis (aquelas que podem confundir os resultados ou mesmo modificá-los). (LIMA COSTA;
BARRETO, 2013; MEDRONHO et al, 2009).

Ao determinar a incidência do desfecho nos estudos de coorte, se pode realizar uma medida
de risco entre a incidência, entre os expostos e a incidência entre os não expostos. Esta medida é
utilizada de forma análoga a razão de prevalências nos estudos transversais, é chamada de Risco
Relativo ou Razão de Riscos (RR) e é realizada por meio da divisão entre a ocorrência do desfecho
no grupo exposto pela ocorrência do desfecho no grupo não expostos) (OLIVEIRA; PARENTE, 2010;
ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

Os resultados do RR indicam que, quando não há associação entre uma exposição e um


desfecho, o RR é igual a 1. Quando for maior do que 1, a incidência da doença foi maior entre os
expostos e quando for menor do que 1, a incidência da doença foi maior entre os não expostos, ou
seja, o fator exposição teve um caráter protetor. A incidência do desfecho permite realizar a medida
de Risco Relativo (RR), que é a relação da incidência entre os expostos e a incidência entre os não
expostos.

Por exemplo, vamos imaginar um estudo qualquer no qual a taxa de incidência de rejeição a
um transplante renal entre fumantes seja de 82 a cada 1000 pessoas ao ano e de 55 falhas a cada
100 pessoas-ano entre os não tabagistas. O resultado dessa divisão resulta em RR = 1,49
(comparação entre fumantes e não fumantes). Você poderá observar que o conceito não tem
unidades. A interpretação seria: pacientes fumantes tem 49% mais probabilidade de rejeição ao
transplante renal em relação aos não fumantes (OLIVEIRA; PARENTE, 2010).

Outra medida muito importante nos estudos de coorte é o Risco Atribuível (RA), que mensura
a proporção da incidência da doença que pose ser atribuída a uma exposição determinada (lembre-
se que as doenças são multicausais) e deste modo, indica a respeito do impacto das intervenções
que poderia ser prevenida ao eliminar a exposição. A medida é expressa pela diferença entre a
incidência entre expostos e a incidência entre não expostos (ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

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É importante destacar que os estudos de coorte podem ser tanto prospectivos ou
concorrentes, partindo do período atual e observando os possíveis desfechos futuros por meio de
dados que serão coletados de forma padronizada (SUZUMURA et al, 2008;
BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010; ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).

Nos estudos prospectivos, a coorte é acompanhada desde o momento da exposição e passa


a ser monitorada até a data prevista para o encerramento da pesquisa, que pode durar meses ou
anos. Um exemplo é a coorte dos sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki
(ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).

Nas coortes históricas ou estudos retrospectivos, o pesquisador parte do período atual e


busca fatores no passado para realizar a análise, ou seja, são realizados quando a exposição, a
passagem do tempo e o desfecho já ocorreram, mas existem dados disponíveis para reconstruir a
coorte (SUZUMURA et al, 2008; BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010; ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2011).

Estudos de coorte histórica relacionam-se a grupos que foram expostos a potenciais fatores
de risco e sob a condição de que haja registros sistemáticos da exposição e do efeito, de forma que,
literalmente, os pesquisadores olham para o passado (ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2011).

Dentre as vantagens, cita-se que os estudos de coorte se aplicam adequadamente para testar
múltiplos efeitos de uma causa e, ainda, os múltiplos determinantes, para realizar mensurações da
relação temporal e de incidência. Este delineamento não é interessante para o estudo de doenças
que apresentem causas raras, tampouco doenças que tenham períodos prolongados de latência
(BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010).

É importante analisar se o estudo não apresenta viés, como por exemplo: todos os
participantes (expostos e não expostos), além serem o mais semelhantes possível, devem
apresentar risco de desenvolver o desfecho de interesse. Por exemplo, pacientes que realizaram
histerectomia não podem desenvolver câncer de útero, logo, não devem ser incluídas em estudos
com esse fim. Existe, também, o viés de informação ou aferição, sobre o modo de coleta de dados,
que deve ser uniforme em toda a pesquisa; é importante observar possíveis fatores de confusão
durante a coleta de dados, na qual uma variável pode modificar a relação entre o fator de exposição
e desfecho, mas não é analisada. Por fim, uma das maiores limitações dos estudos de coorte é a
perda de seguimento, que, se não for semelhante entre os grupos, diminui o poder de precisão do
estudo (SUZUMURA et al, 2008).

Uma caraterística importante dos estudos de coorte é a seleção de indivíduos saudáveis, que não apresentem
a doença ou o desfecho.

Uma das coortes mais antigas já realizadas tem mais de sete décadas de acompanhamento.
Essa pesquisa, intitulada de “O Estudo sobre o Desenvolvimento Adulto” (Study of Adult
Development, no original em inglês) foi iniciada em 1938 e incluiu 700 jovens estudantes da

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Universidade de Harvard e de bairros pobres de Boston. Um dos objetivos do estudo era descobrir o
que traria felicidade as pessoas. O estudo observou que os fatores relacionados a felicidade não são
circunscritos ao sucesso, dinheiro ou fama, mas, sim, aos relacionamentos íntimos e calorosos, que
determinam uma boa vida (GHENT, 2011).

O Brasil, também, tem a sua tradição em pesquisas de coortes. Na cidade de Pelotas, no Rio
Grande do Sul, desde 1982 a Universidade Federal de Pelotas realiza estudos entre os nascidos no
município. A coorte de 1982 iniciou com 5914 nascidos naquele ano, mais de 77% deles foram
acompanhados até 2004-2005, quando estavam, em média, com 23 anos de idade e, nas diversas
visitas, foram realizados inquéritos sobre saúde perinatal, desempenho escolar e, ainda, padrões de
desenvolvimento emocional social e reprodutivo, dentre outros aspectos relacionados à saúde e
qualidade de vida (BARROS et al, 2008).

Conheça mais sobre o Centro de Pesquisas Epidemiológicas (CPE), que é considerado referência nacional e
internacional nos estudos em saúde do ciclo da vida e surgiu por ocasião do início do primeiro grande estudo
de coorte de nascimentos no município de Pelotas.
Acesse: <http://www.epidemio-ufpel.org.br/site/content/cpe/historia.php>.

5.2 Estudos caso-controle


Se os estudos de coorte não são adequados para a pesquisa de doenças raras, os estudos caso-
controle são delineamentos adequados para esse fim (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM,
2010). Nestes estudos, ao contrário da coorte, que iniciam o seguimento com pessoas sem o
desfecho, nos estudos caso controle parte-se do desfecho (geralmente uma doença) para uma causa
(a exposição). (LIMA-BARRETO; COSTA, 2003).

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Figura 2 – Delineamento de um estudo caso controle

Fonte: da autora (2020).

Além de o estudo de doenças raras e de longo período de latência, os estudos de caso


controle podem ser utilizados em surtos epidêmicos no qual não se conhece o agente etiológico e
mais recentemente, na avaliação de novas vacinas (WALDMAN, 2015).

A principal diferença entre um estudo de coorte e caso-controle é que, em um estudo de coorte, os indivíduos
são inscritos com base em sua exposição, enquanto em um estudo de caso-controle, os sujeitos são inscritos
com base em se eles têm a doença de interesse ou não.

A principal característica do estudo é incluir pessoas com o desfecho de interesse e um grupo


de controle, ou seja, pessoas sem o desfecho, para comparação ou referência. Logo, a ocorrência
de possíveis fatores de risco ou causas são comparadas entre casos e controles. Estes fatores são
buscados no passado, ou seja, a história dos casos e controles é analisada com vistas a identificar
a presença ou ausência da exposição ou fator de risco (MEDRONHO et al, 2009;
BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010; WALDMAN, 2015).

Logo, se pode afirmar que os estudos caso-controle são observacionais (não há intervenção).
Os controles devem ser semelhantes aos casos, exceto em relação ao desfecho apresentado e os
pesquisadores mensuram a exposição por meio de diferentes técnicas: entrevistas, questionários,

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levantamento de informações com parentes ou exames bioquímicos, que atuam como marcadores
biológicos, que devem ser analisados tanto em casos, quanto em controles (WALDMAN, 2015).

Existem estudos caso controle que são aninhados a uma coorte. Isso é possível pois, à
medida que a incidência da doença aumenta na coorte, esses casos são selecionados e comparados
aos indivíduos que não apresentaram o desfecho (controles). (MEDRONHO et al, 2009).

A medida de risco utilizada nesse delineamento é o Odds Ratio (OR), uma estimativa do Risco
Relativo (RR). Conforme você viu na Unidade II, Capítulo 1, Odds Ratio, em inglês significa “razão
de chances”, sendo definida como a possibilidade de um evento ocorrer em um grupo e a
possibilidade de ocorrer em outro grupo. (OLIVEIRA; PARENTE, 2010).

Nos estudos caso controle você viu sobre probabilidade, pois não é possível saber a
prevalência ou a incidência da doença (uma vez que os casos foram selecionados intencionalmente).
O que se sabe é o histórico da exposição, ao avaliar os casos e os controles frente à esta. Desta
forma, a OR é a probabilidade de ser exposto entre os casos dividido pela probabilidade de não ser
exposto entre os casos, ou seja, a medida de risco é a razão de duas probabilidades que se
complementam (ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

Dentre as vantagens, se pode citar um menor custo e prazo, comparados as coortes (ROCHA;
CESAR; RIBEIRO, 2013). São especialmente adequados para o estudo de doenças que tem longo
período de latência para se desenvolver e ainda, é possível analisar diversas exposições ao mesmo
tempo (HOGA; BORGES, 2016).

Um dos desafios para o delineamento destes estudos é a constituição do grupo controle: a


amostra deve ser o mais semelhante possível aos casos, para evitar o viés de seleção (ROCHA;
CESAR; RIBEIRO, 2013). Além disso, o viés de memória é uma limitação, pois os casos podem se
lembrar melhor das possíveis causas do que os controles (HOGA; BORGES, 2016) e, ainda, não é
possível obter estimativas da incidência da doença ou do desfecho (MEDRONHO et al, 2009).

Uma caraterística importante dos estudos caso controle é a seleção de indivíduos que tem o desfecho e
indivíduos que não apresentam o desfecho, para buscar o passado as exposições as quais foram submetidos.

Um exemplo sobre a aplicação de estudo caso-controle é a investigação sobre a relação entre


dormir de bruços e síndrome da morte súbita infantil entre bebês. Como a síndrome é relativamente
rara, o pesquisador pode selecionar prontuários médicos de bebês que foram a óbito com a síndrome
e observar os controles, a partir de prontuários médicos de bebês saudáveis e, a partir disso,
investigar variáveis possivelmente relacionadas (OLIVEIRA; PARENTE, 2010).

No estudo de Medeiros et al (2009) objetivou-se estudar a relação entre a exposição precoce


ao leite de vaca e o desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 1. A amostra escolhida foram menores
de 18 anos atendidos em um hospital de cidade de grande porte. Foram selecionados 64 casos

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(crianças e adolescentes com a doença) e 64 controles e suas mães foram entrevistadas. Observou-
se que, dentre os casos, 84,4% foram expostos ao leite de vaca antes dos 4 meses de idade e no
grupo controle, 64,1% consumiram o alimento e a Odds Razio foi de 4,09, o que indica uma forte
associação entre a exposição precoce ao leite de vaca e a ocorrência de diabetes.

5.3 Estudos de intervenção


Grande parte das pesquisas em saúde pública são baseadas na observação e não são invasivas
como nos estudos de intervenção (também chamados de ensaios clínicos ou experimentais). Estes
delineamentos baseiam-se em uma intervenção sobre a realidade e são menos vulneráveis aos
vieses e fatores de confusão (ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

De acordo com Medronho et al (2009), os estudos de intervenção são estudos controlados,


com alocação aleatória do fator de intervenção e, por isso, também, são chamados de estudos
experimentais. Neste tipo de delineamento epidemiológico há alocação de indivíduos para grupos de
intervenção e controle, com o objetivo de verificar os efeitos em condições controladas (HOGA;
BORGES, 2016). A Figura 3 ilustra o delineamento.

Figura 3 – Delineamento de um estudo experimental

Fonte: a autora (2020).

Duas condições são importantes para um bom ensaio clínico: randomização e


mascaramento. A randomização se refere a alocação dos sujeitos nos grupos de intervenção ou sem
intervenção de maneira totalmente aleatória e isso permite que muitas características e possíveis
fatores de confusão provavelmente sejam distribuídos igualmente nos grupos (HOGA; BORGES,
2016). O mascaramento se refere ao desconhecimento por parte dos pesquisados sobre a

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intervenção ao qual foi submetido (uni-cego) e, ainda, desconhecimento por parte dos pesquisados
e pesquisador (duplo-cego), a fim de se evitar viés de informação (HOGA; BORGES, 2016).

A partir da técnica de mascaramento surgiu o termo placebo, que se refere a uma substância
com aparência e forma de administração similar ao tratamento, mas sem funcionalidade. Isso é
importante, pois o fato de o paciente estar recebendo um tratamento ou nenhum pode exercer um
efeito negativo nos resultados do estudo (MEDRONHO et al, 2009).

Quando a randomização não é realizada, esses estudos são chamados de “quase-


experimentos”. Um exemplo clássico de um estudo com esse delineamento foi realizado por James
Lind em 1753, ao analisar o escorbuto entre marinheiros. Ele distribuiu algumas intervenções entre
12 marinheiros e conclui o efeito benéfico de laranjas e limões na prevenção da doença
(MEDRONHO et al, 2009).

Uma das etapas mais importantes nos estudos de intervenção é o que se quer descobrir. As
pesquisas científicas sempre se iniciam por uma pergunta, que pode ser geral ou específica. As
perguntas gerais podem gerar uma ampla possibilidade de respostas, como por exemplo: o que é o
Acidente Vascular Cerebral? Você poderá dizer que é o rompimento de um vaso sanguíneo, ou uma
emergência médica, ou que pode causar paralisia em algum membro do corpo. Na ciência, se deve
estruturar uma pergunta de modo que saibamos quais as possíveis respostas queremos encontrar.

Logo, a pergunta de pesquisa deve ser estruturada no formato PICO, que apresenta quatro
itens: População, Intervenção, Comparação e Desfecho (Outcome). Observe o Quadro 1.

Quadro 1 – Pergunta de pesquisa estruturada nos componentes PICO

P = população ou problema (um grupo de pessoas

I = intervenção ou exposição

C = comparação

O = outcome (do inglês), desfecho ou resultados

Fonte: a autora (2020).

A pergunta de pesquisa, quando bem delineada, possibilita o levantamento das informações


adequadas para responder à questão de pesquisa. A população pode ser um ou mais indivíduos com
a condição que se quer pesquisar (por exemplo: indivíduo diabético), a intervenção é aquilo que se
quer observar (por exemplo: glicemia sanguínea), os controles seriam um grupo de pessoas no qual
poderíamos comparar a intervenção (pessoas sem diabetes) e outcome seria o desfecho esperado
(SANTOS; PIMENTA; NOBRE, 2007).

Pergunta de pesquisa adequada (bem construída) possibilita a definição correta de que


informações (evidências) são necessárias para a resolução da questão clínica de pesquisa. Neste
sentido o desfecho é algo que queremos medir.

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As vantagens do ensaio clínico randomizado se concentram em alto nível de evidência científica,
uma vez que muitos fatores de confusão podem ser controlados por meio da padronização de
procedimentos; a temporalidade entre causa e efeito é bem estabelecida, existe a possibilidade de
randomização e mascaramento entre pesquisados e pesquisadores, além de vários desfechos
poderem ser analisados (HOGA; BORGES, 2016).

Dentre as desvantagens desse tipo de delineamento tem alto custo, necessidade de


cooperação e aderência dos pesquisados e, a chance de desistência da participação desse, o grupo
selecionado pode não representar a população alvo e por fim, questões éticas, pois exposições que
sejam prejudiciais à saúde não devem ser planejadas (MEDRONHO et al, 2009; HOGA; BORGES,
2016).

O ensaio clínico é um experimento no qual há alocação de indivíduos para grupos de intervenção e controle,
com o objetivo de verificar os efeitos em condições controladas.

Um estudo bastante interessante sobre ensaio clínico randomizado foi realizado por Nunes
et al (2017) sobre o efeito do aconselhamento nutricional na alimentação de crianças no primeiro ano
de vida para mães adolescentes e as avós maternas. O desfecho considerado foi o cumprimento dos
“dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos”.
O estudo inclui 320 mães adolescentes e 169 avós maternas que foram alocadas de forma randômica
nos grupos intervenção e controle. Observe que neste estudo não é possível realizar o
mascaramento, pois a intervenção consistiu em seções de aconselhamento nutricional aos 7, 15, 30,
60 e 120 dias da criança. Entre os resultados encontrados, destaca-se que o aconselhamento
nutricional dobrou as chances de cumprimento dos dez passos, independente da participação da avó
materna, o que demonstra a importância de intervenções de educação alimentar e nutricional para a
qualidade da alimentação de crianças.

Considerações finais
Os delineamentos epidemiológicos se prestam a analisar a realidade de maneira pragmática afim de
gerar evidências e recomendações à saúde da população, com o objetivo final de qualidade de vida.

Com o avanço da transição demográfica, epidemiológica e nutricional (que você verá no


próximo capítulo), surgem novos desafios à saúde pública, relacionados ao envelhecimento da
população, diminuição da natalidade, aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis
e ainda, a reemergência de doenças infecciosas por meio da ocupação desenfreada do meio
ambiente e ainda, mudanças na alimentação e o aumento do sedentarismo geram agravos à saúde
que são um desafio à saúde pública. Neste contexto, a epidemiologia é uma ferramenta importante
para a compreensão das relações causais desses agravos em um cenário tão complexo quanto o
atual (ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

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É importante que as evidências científicas sejam a base para o desenvolvimento de políticas
e ações de saúde, e essas devem advir de estudos bem conduzidos, com base e ética, além de
comunicados em periódicos de qualidade (GARCIA, 2012).

Destaca-se que para a boa qualidade das evidências científicas, é importante inferir
causalidade, ou seja, avaliar se uma associação observada entre exposição e desfecho indica causa.
Na década de 1960, por meio do levantamento da dúvida sobre a relação entre tabagismo e câncer
de pulmão, um grupo de pesquisadores se reuniu para discutir as evidências até então encontradas
e divulgou algumas diretrizes para a avaliação de associações causais (MEDRONHO et al, 2009).

Desta forma, foram postulados os critérios de Hill, que devem ser observados nos estudos
epidemiológicos: a relação temporal entre causa e efeito, sendo que a causa deve preceder o efeito.
Logo, apesar de simples, destaca-se que os estudos transversais não têm a capacidade de
estabelecer essa relação temporal, uma vez que causa e efeito são medidos em um mesmo
momento.

Outro fator é a força da associação, que pode ser medida pelo Risco Relativo nos estudos de
coorte ou Odds ratio nos estudos caso-controle e indicam que, quanto maior seus valores, maior a
chance de se tratar de fato de uma relação de causa e efeito. A relação dose-dependente é outro
fator importante. Este postulado se refere a relação entre a maior exposição estar relacionada ao
maior risco de o indivíduo apresentar o desfecho.

A reprodutibilidade se refere a capacidade de gerar os mesmos resultados por meio de novos


estudos ou em outras populações e, ainda, a consistência da associação, que se refere a mesma
associação encontrada por meio de diferentes formas de coletar dados, ou diferentes épocas ou,
ainda, diferentes populações.

A cessação da exposição, que indica que reduzir ou eliminar uma exposição reduz a
incidência do desfecho e por fim, a plausibilidade biológica, que informa sobre a associação entre
exposição e desfecho e deve se apresentar em coerência com o conhecimento científico disponível
e validado (MEDRONHO et al, 2009; ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

Conforme citam Bonita, Beaglehole e Kjellstrom (2010), um dos objetivos da epidemiologia,


também, é formar profissionais qualificados, que tenham a capacidade de observar o coletivo para
além do individual e evidências a pesquisa científica acima do olhar pessoal.

Desta forma, acredita-se que a contribuição sobre os delineamentos epidemiológicos


apresentadas neste capítulo se configure em ponto de partida e não de chegada na busca pelo
conhecimento.

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Neste capítulo você estudou os delineamentos observacionais de caso-controle e as coortes e os conceitos
básicos dos ensaios clínicos randomizados, que são os estudos que testam hipóteses, e são chamados,
também, de estudos experimentais.

Os estudos de coorte literalmente acompanham indivíduos e, ao longo do seguimento, estas pessoas são
alocadas em subgrupos de acordo com a exposição a um fator de risco ou conforme o desfecho investigado.
Desta forma, as coortes determinam a relação temporal entre exposição e desfecho e, este fato reforça a
evidência relacionada ao fato de a exposição causar o desfecho.

O delineamento de coorte é o único tipo de estudo epidemiológico capaz de levantar hipóteses etiológicas
(sobre a causa da doença ou da condição de saúde) e produzir medidas de incidência (lembre-se que a
incidência se refere aos novos casos de uma doença ou condição de saúde, além de o estudo de impactos de
intervenções diagnósticas).

Ao determinar a incidência do desfecho nos estudos de coorte, se pode realizar uma medida de risco entre a
incidência entre os expostos e a incidência entre os não expostos. Esta medida é chamada de Risco Relativo
ou Razão de Riscos (RR) e é realizada por meio da divisão entre a ocorrência do desfecho no grupo exposto
pela ocorrência do desfecho no grupo não expostos.

Nos estudos caso controle, a principal característica é incluir pessoas com o desfecho de interesse e um grupo
de controle, ou seja, pessoas sem o desfecho, para comparação ou referência. Logo, a ocorrência de possíveis
fatores de risco ou causas são comparadas entre casos e controles. Estes fatores são buscados no passado,
ou seja, a história dos casos e controles é analisada com vistas a identificar a presença ou ausência da
exposição ou fator de risco.

Os controles devem ser semelhantes aos casos, exceto em relação ao desfecho apresentado e os
pesquisadores mensuram a exposição por meio de diferentes técnicas: entrevistas, questionários,
levantamento de informações com parentes ou exames bioquímicos, que atuam como marcadores biológicos,
que devem ser analisados tanto em casos como em controles. A medida de risco utilizada nesse delineamento
é o Odds Ratio (OR), uma estimativa do Risco Relativo (RR).

Os estudos de intervenção baseiam-se em uma intervenção sobre a realidade e são menos vulneráveis aos
vieses e fatores de confusão. Esses estudos são controlados, com alocação aleatória do fator de intervenção.
Nesse tipo de delineamento epidemiológico há alocação de indivíduos para grupos de intervenção e controle,
com o objetivo de verificar os efeitos em condições controladas. Duas condições são importantes para um bom
ensaio clínico: randomização e mascaramento.

As vantagens do ensaio clínico randomizado se concentram em alto nível de evidência científica, uma vez que
muitos fatores de confusão podem ser controlados por meio da padronização de procedimentos; a
temporalidade entre causa e efeito é bem estabelecida, existe a possibilidade de randomização e
mascaramento entre pesquisados e pesquisadores, além de vários desfechos poderem ser analisados. Dentre
as desvantagens estão: o alto custo, a necessidade de cooperação, a aderência dos pesquisados e, a chance
de desistência da participação, o grupo selecionado pode não representar a população alvo e, por fim, questões
éticas, pois exposições que sejam prejudiciais à saúde não devem ser planejadas.

16
Evidências experimentais são mais fortes do que evidências observacionais, mas devemos ter um olhar atento
sobre a interpretação dos resultados. Por exemplo: a hipótese de que a obesidade é causada pelo
sedentarismo pode ser objeto de um ensaio clínico randomizado e uma parte da amostra seria submetida a
exercício físico e dieta saudável e a outra parte, somente dieta saudável. Os indivíduos que receberam a
intervenção “exercício + dieta saudável” perdem mais peso que outro grupo, mas várias hipóteses alternativas
podem surgir, como o grupo que fez exercício teve mais motivação para seguir as orientações nutricionais,
pela observação de seus professores durante os exercícios, também, poderia ter estimulado a adesão a dieta
e por fim, seria a alimentação a principal responsável pela perda de peso e não os exercícios físicos.
MEDRONHO, Roberto A. et al. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2009.

Para saber mais sobre o Estudo do Desenvolvimento do Adulto e as conclusões observadas por mais de 70
anos sobre a busca da felicidade, assista ao TED Talks com o quarto diretor do estudo, o professor Robert
Waldinger, que discute o tema: Do que é feita uma ida boa? lições do mais longo estudo sobre felicidade.
Disponível em:
<https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_makes_a_good_life_lessons_from_the_longest_study_on
_happiness?language=pt-br>.

Os estudos de coorte e de caso controle são estudos observacionais nos quais objetiva-se a quantificação das
associações entre exposição (o fator de risco e desfecho (condição de saúde ou doença). Sobre estes estudos,
é incorreto afirmar:
a) Os estudos de coorte iniciam com indivíduos que não apresentam o desfecho e esses são
acompanhados por um tempo.
b) A medida de associação dos estudos de coorte é o risco relativo, no qual compara-se a incidência
entre os expostos pela incidência entre os não expostos.
c) Nos estudos de caso-controle, na seleção da amostra identifica-se casos da doença de interesse e
seleção dos controles (indivíduos que não apresentam a doença).
d) Nos estudos de caso-controle, investiga-se, ao olhar para o passado, a prevalência de exposições
entre os casos e os controles.
e) Os dados coletados nos estudos de coorte fazem referência a diferentes pontos no tempo passado,
os estudos de coorte são longitudinais e, os estudos de caso controle são transversais.
Comentário: a resposta incorreta é o item E. Tanto os estudos de coorte quanto o de caso controle são
longitudinais, a diferença é que no primeiro, os indivíduos não apresentam o desfecho e então se mensura

17
esse desfecho ao longo do tempo (prospectivamente ou retrospectivamente). Nos estudos caso controle já se
conhece os indivíduos que apresentam o desfecho e aqueles que não o apresentam e busca-se no passado
os fatores de risco relacionados ao desfecho, ou seja, também é um estudo longitudinal e não transversal.

Questão objetiva

Os estudos de intervenção são estudos controlados, com alocação aleatória do fator de intervenção e, por isso,
também são chamados de estudos experimentais. Nesse tipo de delineamento epidemiológico há alocação de
indivíduos para grupos de intervenção e controle, com o objetivo de verificar os efeitos em condições
controladas. Com base nos seus conhecimentos sobre ensaios clínicos randomizados, considere a alternativa
incorreta:
a) Em um ensaio clínico randomizado duplo cego, pesquisado e pesquisador não tem o conhecimento
sobre a randomização, ou seja, a alocação dos sujeitos nos grupos de intervenção ou sem
intervenção.
b) Em alguns tipos de ensaios clínicos randomizados, não é possível fazer a randomização duplo-cego,
por exemplo, em estudos de diferentes técnicas cirúrgicas.
c) A randomização permite que muitas características e possíveis fatores de confusão sejam
distribuídos igualmente nos grupos.
d) O mascaramento se refere ao conhecimento por parte dos pesquisados e por parte dos pesquisados
e pesquisador sobre a aplicação da intervenção.
e) Ensaios clínicos randomizados e controlados fornecem fortes evidências de que um efeito observado
é devido à intervenção (a exposição atribuída).

Resposta correta: Alternativa D

Questão discursiva
Se você fosse um pesquisador e tivesse de realizar um estudo de coorte para avaliar se o tabagismo é um
fator de risco para câncer de colo de útero, como seria o desenho deste estudo?
Um grupo de mulheres seria recrutada e um questionário deveria ser aplicado para verificar o status sobre o
fumo entre a amostra, além de outros possíveis fatores de confusão. Identificadas as fumantes, divide-se o
grupo nas coortes de “fumantes” e “não fumantes”. É necessário observar cada coorte e verificar a incidência
de câncer de colo de útero entre os grupos.

18
O artigo publicado por Lima-Costa e Barreto (2013) é uma referência teórico-prática muito interessante para
os que se interessam pela epidemiologia. Os autores apresentam os principais conceitos dos delineamentos
epidemiológicos e apresentam resultados concretos de estudos na área do envelhecimento a partir desses
delineamentos.

LIMA-COSTA, Maria Fernanda; BARRETO, Sandhi Maria. Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos
básicos e aplicações na área do envelhecimento. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 12, n. 4, p.
189-201, 2013.

Randomização: alocação dos sujeitos nos grupos de intervenção ou sem intervenção de maneira totalmente
aleatória.

Mascaramento: desconhecimento por parte dos pesquisados sobre a intervenção ao qual foi submetido (uni-
cego) e ainda, desconhecimento por parte dos pesquisados e pesquisador (duplo-cego), a fim de se evitar viés
de informação.

Willian Farr foi um dos responsáveis pela investigação da incidência de doenças e é considerado por muitos,
um dos pioneiros nos estudos epidemiológicos. Por meio dos registros de natalidade e mortalidade, ele
observou a distribuição e determinantes da saúde entre a população inglesa e as medidas cabíveis para
prevenção e controle. Seus relatórios estatísticos foram utilizados por Florence Nightingale no inquérito que
procurou relacionar invalidez e mortalidade por idade e tempo de serviço entre militares britânicos e também
por Friedrich Engels, em seu trabalho sobre as condições de vida da classe trabalhadora britânica.

SUSSER, Mervyn; ADELSTEIN, Abraham. An introduction to the work of William Farr. American Journal of
Epidemiology, v. 101, n. 6, p. 469-476, 1975.

19
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BARROS, Fernando C. et al. Metodologia do estudo da coorte de nascimentos de 1982 a 2004-5, Pelotas,
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HOGA, Luiza Akiko Komura; BORGES, Ana Luiza Vilela. Pesquisa empírica em saúde: guia prático para
iniciantes. 1. ed. São Paulo: EEUSP, 2016.
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ocorrência de Diabetes Mellitus tipo 1 em Campina Grande, Paraíba. Revista Brasileira de Saúde Materno
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Cuce. A estratégia PICO para a construção da pergunta de pesquisa e busca de evidências. Revista Latino-
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SILVEIRA, Vera Maria Freitas da et al. Metabolic syndrome in the 1982 Pelotas cohort: effect of
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SUZUMURA, Erica Aranha et al. Como avaliar criticamente estudos de coorte em terapia intensiva? Revista
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controle na era da medicina baseada em evidência. Brazilian Journal of Videoendoscopic Surgery, Rio de
Janeiro, p.115-125, jul./set. 2010.

20
UNIDADE lII
CAPÍTULO 6 – VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA, TRANSIÇÃO
DEMOGRÁFICA, EPIDEMIOLÓGICA E NUTRICIONAL NO
BRASIL
Ao término deste capítulo, você deverá saber:
✓ Vigilância Epidemiológica
✓ Transição Demográfica;
✓ Transição Epidemiológica;
✓ Transição Nutricional.

Introdução
Neste capítulo vamos compreender melhor o papel da vigilância epidemiológica como
ferramenta de planejamento, investigação e ação em saúde pública. Deste modo, vamos nos
aprofundar em alguns conceitos fundamentais para que possamos finalizar nossos estudos: as
definições de doenças epidêmicas e endêmicas, a compreensão do que são infecções emergentes
e reemergentes e, por fim, a investigação e o controle de epidemias, sempre conectados às
transições demográficas, epidemiológicas e nutricionais.

A transição demográfica, epidemiológica e nutricional se refere a mudanças na constituição


de uma população, por meio da diminuição da taxa de mortalidade, fecundidade e natalidade,
paralelamente a mudanças nos perfis de mortalidade e morbidade e, ainda, modificações no estado
nutricional e no perfil de consumo alimentar da população (VERMELHO; MONTEIRO, 2003). Essas
mudanças têm uma relação direta com os processos de industrialização e as mudanças no estilo de
vida que acompanham a própria evolução humana.

Os processos de transição têm seus resultados mediados por melhorias nos fatores
econômicos, sociais e demográficos (DUARTE; BARRETO, 2012). Como resultado do processo de
urbanização, a demanda populacional aumentada nos centros urbanos trouxe a necessidade de
melhores condições de saneamento básico, aumento exponencial da oferta de agentes
imunobiológicos na prevenção de doenças, ou seja, prevenção primária disponível à uma grande
fatia da população que vive de forma aglomerada, além do maior acesso aos meios de comunicação,
que atuariam na melhoria da qualidade de vida das pessoas (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).

No contexto financeiro, destaca-se que desde a década de 1960 a renda média per capita
apresentou aumento, mas este não esteve relacionado ao crescimento da riqueza, mas foi referente
à redução da natalidade e consequente diminuição no tamanho das famílias. É importante destacar
ainda a má distribuição de renda que ocorre no Brasil; essa desigualdade é capaz de ser avaliada
por meio do índice de Gini e no que se refere a dados sobre economia e saúde, pode ser observada
de maneira mais dramática quando comparadas as regiões Norte/Nordeste com as regiões
Sul/Sudeste. (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).

Você verá neste capítulo que a transição demográfica trouxe significativa diminuição no
número de nascimentos e de filhos entre a população, um progressivo e considerável aumento na

21
longevidade e, consequente aumento da proporção de idosos frente aos demais grupos (recém-
nascidos, crianças, adolescentes e adultos) (MALTA et al, 2006).

A transição epidemiológica, conceituada pela alteração no rumo dos processos de saúde e


adoecimento apresenta como base os processos de mudanças das causas de mortalidade e
adoecimento, aonde pandemias geradas por patógenos gradativamente perdem campo para
agravos relacionados a processos degenerativos e produzidos pelo próprio ser humano (DUARTE;
BARRETO, 2012). É notório nas análises sobre a transição epidemiológica, a mudança no perfil das
mortes e das doenças, tendo como condicionante fatores na ordem socioeconômica como melhoria
da renda e níveis de educação, nos modelos de acesso aos serviços de saúde, dentre outros fatores
(MALTA et al, 2006).

Neste contexto, o Brasil vem desde 1960 apresentando um modelo polarizado de transição
epidemiológica, onde se observa o aumento das doenças e das mortes em decorrência das Doenças
Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e a redução das doenças infecciosas (ARAÚJO, 2012). No
entanto, compreenderemos ao fim deste capítulo que a redução dessas infecções, tanto emergentes
quanto reemergentes, não significam extinção dos casos, sendo os dois tipos de agravos somados
nas causas de mortes.

Por fim, mas não menos importante, você verá a transição nutricional no cenário nacional
marcada pelo considerável aumento do excesso de peso entre a população em geral, associada ao
padrão alimentar inadequado, ao aumento da industrialização e ultraprocessamento dos alimentos e
ao sedentarismo (MALTA et al, 2006). Batista Filho e Batista (2010) observam que o processo de
transição nutricional caminha para uma verdadeira deturpação do meio ambiente, dos alimentos nele
produzidos e da vida humana, pois grande parte do que a população consome, passa por processos
industriais, que empobrecem nutricionalmente os alimentos.

6.1 Vigilância Epidemiológica


A vigilância epidemiológica faz parte de uma estrutura maior chamada de Vigilância em Saúde. Este
sistema é composto por Vigilância Sanitária, Vigilância Nutricional e Vigilância Epidemiológica, nos
dando deste modo um panorama mais amplo da saúde da população brasileira sob diferentes vieses.
Todo esse sistema está sob um mesmo guarda-chuva, o Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL,
2009).

A criação de sistemas de vigilância fez parte de um momento histórico, com a unificação e


integralidade dos atendimentos em saúde, contemplando tanto uma abordagem curativa quanto
preventiva e aliando o conceito da medicina baseada em evidências, altamente vinculada aos dados
epidemiológicos e estudos científicos. Cabe ressaltar que os sistemas de vigilância têm caráter de
saúde coletiva, visando à prevenção de enfermidades, ao controle da saúde pública e ao
planejamento/ajuste das políticas públicas (GOMES, 2015).

Ao avançarmos nos conceitos sobre vigilância em saúde, podemos dizer que esta tem início
no século XIX, tratando da coleta, compilação, análise e divulgação de dados para as instâncias de
saúde coletiva, inclusive com divulgação para conhecimento da população, sendo seu principal
objetivo detectar de maneira precoce as doenças, localizá-las e isolá-las por meio de ações de saúde
(ARREAZA; MORAES, 2010).

O sistema brasileiro de vigilância em saúde segue os moldes delineados por organismos


mundiais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Panamericana de Saúde

22
(OPAS), seguindo o arcabouço científico da busca e identificação de doenças, baseado na história
natural da doença e determinantes sociais de saúde, prevendo controle da disseminação e
motivando ações que possam melhorar a qualidade de vida da população (GOMES, 2015).

O foco das ações de vigilância epidemiológica não é apenas o indivíduo acometido pela
doença, mas também o ambiente em que vive ou trabalha, seu estilo de vida e as pessoas com quem
tem contato, fazendo parte do rastreamento das doenças nas populações. Deste modo, cabe aos
dados coletados pela epidemiologia responder perguntas que basearão ações para prever ou
controlar a disseminação das doenças. Esse fato fica claro nas décadas de 70, 80 e 90 no Brasil, no
controle da disseminação de doenças endêmicas e outras enfermidades com grande contaminação,
como varíola, sarampo e coqueluche (ROUQUAYROL; VERAS; TÁVORA, 2013).

Neste sentido, complementam as ações de epidemiologia as campanhas de vacinação e as


orientações ao público em geral sobre os cuidados de higiene e saúde em casos de doenças virais
ou bacterianas facilmente disseminadas. O acompanhamento dos casos de Covid-19 é um bom
exemplo para pensarmos nos dados epidemiológicos e no desenrolar de uma pandemia. Os casos
diários são acompanhados por meio dos registros de casos confirmados e internamentos em
hospitais e demais centros de saúde.

Desta maneira, podemos verificar outra questão, a complexidade com que se coleta dados
em saúde. As particularidades de cada uma das doenças podem alterar as formas de coleta de
informação. É importante compreendermos que existem aquelas doenças consideradas eventos de
saúde pública e que deste modo tem seu registro compulsório, ou seja, obrigatório para todos os
profissionais de saúde que tenham contato com os casos.

A própria legislação que baseia nosso sistema de saúde define a Vigilância Epidemiológica
como:
[...] é o conjunto de atividades que permite reunir a informação indispensável para
conhecer, a qualquer momento, o comportamento ou história natural das doenças, bem
como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fim de
recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que
levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças (BRASIL, 1988).

Em 1975 tivemos o lançamento do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE),


com vistas à sistematização tanto da coleta quanto da divulgação dos dados epidemiológicos. Este
sistema normatizou, ainda, via decreto de lei (Lei 6.259/1976 e Decreto 78.231) as doenças mais
relevantes e, portanto, de interesse de investigação e controle. Segundo a lei supracitada, eram
atribuições da Vigilância Epidemiológica:
I - Coleta das informações básicas necessárias ao controle de doenças;
II - Diagnóstico das doenças que estejam sob o regime de notificação compulsória;
III - Averiguação da disseminação da doença notificada e a determinação da população
sob risco;
IV - Proposição e execução das medidas de controle pertinentes;
V - Adoção de mecanismos de comunicação e coordenação do Sistema; (BRASIL,
1976)

Fazem parte, ainda, enquanto formas de coleta de dados, os seguintes documentos: as


notificações compulsórias de doenças realizadas via sistema, os atestados de óbito, os estudos
epidemiológicos realizados nas regionais de saúde e os registros de quadros mórbidos considerados
anormais. Em relação à notificação compulsória, fica a cargo do Ministério da Saúde elaborar, de

23
acordo com a necessidade sanitária, orientativos e leis que descrevam as doenças que devem ser
registradas. Os responsáveis pelo registro são os profissionais de saúde que compõem a rede
pública e privada de saúde.

Essas notificações podem gerar outras questões, como isolamentos e investigações de surtos
e epidemias, sendo os dados principais desse registro a indicação precisa de local onde o indivíduo
infectado pode ser encontrado; indício ou confirmação da doença; data, identificação e localização
(residência) do notificante, ou seja, o profissional responsável pelo atendimento em saúde. O
andamento das investigações e demais providências fica a cargo da Autoridade Sanitária, sendo a
mesma vinculada à vigilância epidemiológica e Secretaria ou Ministério da Saúde.

Fica claro, dessa forma, a importância da vigilância epidemiológica na retroalimentação dos


dados para as tomadas de decisão em um sistema descentralizado, mas único, de atenção à saúde
(BRASIL, 1988). Assim, todos colaboram para a construção de um sistema permanente e vigilante
que antevê agravos e situações de saúde pública, na busca por soluções ou minimização dos danos
(ROUQUAYROL; VERAS; TÁVORA, 2013). Na figura 1, visualizaremos a forma de coleta de dados
da vigilância epidemiológica:

Figura 1 – Ações da Vigilância Epidemiológica

Alimentação dos
Identificação dos
bancos de dados e Interpretação e análise
agravos e coleta de
programas de de dados
dados
processamento

Planejamento e Avaliação dos


elaboração de medidas Implementação das resultados preliminares
de controle de danos ações ou finais da ações
ou prevenção efetivadas

Dados finais e
divulgação dos boletins
epidemiológicos

Fonte: da autora, 2021.

Cabe salientar, após observar a figura do fluxo de informações nos sistemas de vigilância
epidemiológica, o caráter interdisciplinar e intersetorial da vigilância, sendo fundamental para o
desenvolvimento de suas ações a participação e harmonia entre os setores e recursos humanos
envolvidos. Outro ponto observado é a influência das ações de vigilância epidemiológica no
planejamento e execução de políticas públicas.

24
Aliado ao SNVE temos o mais recente SINAN – Sistema de Informação de Agravos de
Notificação, que data da década de 1990 e tem como função dar suporte aos demais componentes
do sistema, substituindo deste modo o Sistema de Notificação Compulsória de Doenças (SNCD). O
grande salto foi a ampliação da informatização dos sistemas, que seguiu sendo complementado pelo
DATASUS.

Ao verificarmos esse breve apanhado histórico, cabe elucidarmos questões relativas a


investigações e controle de epidemias, fatos contidos no escopo da Vigilância Epidemiológica. Como
vimos anteriormente, a intersetorialidade faz parte do organograma desta vigilância, bem como do
próprio SUS. Sendo assim, as investigações e o controle de epidemias vão se desenvolver em
diversas instâncias correlacionadas.

A hierarquia do sistema é o passo inicial para compreendermos essas demandas de controle


e investigação. Veja na figura 2 a ordem hierárquica do sistema de Vigilância Epidemiológica.

Figura 2 – Hierarquia em Vigilância em Saúde

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL


Vigilância
SUS Vigilâncias
estaduais
municipal

Vigilância
Epidemiológica UBS
Atenção
Básica e
Complexidade
SINAN Hospitais

Fonte: da autora, 2021.

O fluxo de informações segue do municipal/regional para o federal, passando pelo estadual,


sendo as Secretarias de Saúde municipais e estaduais as responsáveis pela coleta. Deste modo,
devemos prever que, quanto melhor a coleta de dados local, melhor serão as respostas em ações
e/ou políticas públicas federais e estaduais. Importa pensarmos que, neste panorama e dada a
grande extensão territorial brasileira, bem como suas especificidades, é necessária uma coleta de
dados que possa representar a situação regional para fomentar as ações estaduais e federais
(ROUQUAYROL; VERAS; TÁVORA, 2013; MEDRONHO et al, 2009).

A coleta de dados ocorre nos três níveis hierárquicos (federal, estadual e municipal) e é de
praxe que os dados sejam tratados no âmbito em que foram coletados, alimentando assim o sistema.
Esse sistema, devidamente alimentado com dados sensíveis, fomenta o ciclo das políticas públicas

25
e seus resultados junto à população (ARREAZA; MORAES, 2010). Os dados que podem ser
coletados e alimentam o sistema de vigilância epidemiológica são:

• Dados demográficos;
• Dados de morbidade;
• Dados de mortalidade;
• Notificações de surtos e epidemias (BRASIL, 2010b).

Para normatizar a coleta dos dados devemos seguir um documento norteador, chamado de
Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos De Saúde Pública
(Portaria de Consolidação nº 4/GM/MS, de 28 de setembro de 2017), sendo este documento
atualizado constantemente para inclusão de novas doenças ou agravos.

Cabe salientar que devemos considerar as doenças, os agravos de saúde e os eventos de


saúde pública. Acidentes de trabalho, doenças transmissíveis, acidentes com animais peçonhentos
e violência (sexual e doméstica) são alguns dos exemplos de notificação (BRASIL, 2009). Podem
ainda ser notificados outros tipos de agravos e doenças, como forma de notificação simples, caso
haja aumento de casos ou interesse de saúde pública.

As notificações são feitas mediante formulário próprio padronizado, a Ficha Individual de


Notificação (FIN), em todos os casos de suspeitas ou confirmação de notificação compulsória. Os
estados e municípios podem, ainda, de acordo com a realidade sanitária local, acrescentar outros
agravos de saúde ou doenças em suas notificações compulsórias. Relembrando os conceitos vistos
nesta disciplina, os dados coletados e suas análises formam incidência, prevalência e índices de
letalidade e mortalidade.

Para realização de investigações e controle dos surtos e epidemias, temos alguns quesitos,
também utilizados na formação da lista de doenças, agravos e eventos de saúde pública. Estes
quesitos são: magnitude da doença, potencial de disseminação, transcendência (taxa de letalidade,
transmissão, hospitalização etc.), vulnerabilidade populacional, compromissos e acordos
internacionais de saúde, ocorrência dos eventos de saúde pública, surtos e epidemias (BRASIL,
2009).

A ordem considerada para as investigações e tomadas de decisão quanto a surtos ou


epidemias, segundo o Guia de Vigilância Epidemiológica, é:
Notificar a simples suspeita da doença ou evento. Não se deve aguardar a confirmação
do caso para se efetuar a notificação, pois isso pode significar perda da oportunidade
de intervir eficazmente.
A notificação tem de ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito médico-
sanitário em caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito de anonimato
dos cidadãos.
O envio dos instrumentos de coleta de notificação deve ser feito mesmo na ausência
de casos, configurando-se o que se denomina notificação negativa, que funciona como
um indicador de eficiência do sistema de informações (BRASIL, 2009, p. 22).

Estão contidas no escopo das investigações em epidemiologia os surtos, as epidemias e as


emergências de saúde pública. Trata-se de um método de investigação de casos como forma de
esclarecimento da ocorrência e disseminação de doenças, bem como avaliação das medidas
tomadas para saná-las. As ocorrências alimentam o sistema, que fomenta a investigação, podendo
os casos serem relacionados ou não.

26
Em relação ao controle das epidemias, o risco à saúde pública é o grande motor para as
ações que serão realizadas com base nos dados. A identificação e tomada de decisões no início dos
eventos é a chave para diminuição dos danos. Deste modo, as investigações e o controle de surtos
e epidemias estão intimamente ligados, já que se retroalimentam e evitam falhas no sistema, sendo
uma atribuição das vigilâncias epidemiológicas e de saúde em todas as instâncias hierárquicas.

O gatilho para a investigação epidemiológica são casos isolados ou coletivos confirmados ou


suspeitos, levando às medidas de controle da disseminação de doenças e estabelecimento de
cuidados aos doentes confirmados. Quarentenas, isolamento, tratamento e avisos comunitários são
formas de controle de epidemias (BRASIL, 2009). A investigação trata de trabalho de campo,
realizado por equipe especializada e multidisciplinar.

Cabe verificarmos que a gravidade norteia as ações de controle. Segundo o Guia de


Vigilância Epidemiológica, devemos perceber que:
A gravidade do evento representa um fator que condiciona a urgência no curso da
investigação epidemiológica e na implementação de medidas de controle. Em
determinadas situações, especialmente quando a fonte e o modo de transmissão já
são evidentes, as ações de controle devem ser instituídas durante ou até mesmo antes
da realização da investigação (BRASIL, 2009, p. 29).

A rapidez é o fator decisivo nos surtos e epidemias, sendo importante o funcionamento pleno
e a normatização das ações, visando à diminuição dos danos gerados por um evento desta
magnitude. Medidas maiores, como decretos e leis com medidas sanitárias, podem ser efetuadas
visando dar suporte às ações de controle de epidemias e pandemias. Ainda que a coleta de dados,
identificação de casos e tratamento dos dados coletados necessite de rigor metodológico para fins
científicos, muitas vezes este rigor pode ficar prejudicado pela brevidade com que o controle de
epidemias e surtos se dá.

6.2 Transição Demográfica no Brasil


Ao falarmos de transição de demográfica, cabe esclarecermos que a demografia trata do tamanho,
da composição e da estrutura de uma determinada população. As principais características dessa
transição se referem a diminuição nas taxas de mortalidade, com consequente envelhecimento
populacional e diminuição da fecundidade (número médio de filhos) e natalidade (número de
nascidos) (VERMELHO; MONTEIRO, 2003). Podemos somar ainda às mudanças demográficas
questões de migração (migração em massa, guerras, secas etc.), bastante comuns a partir da
modernidade.

Destaca-se que o processo de transição demográfica ocorre de forma universal no mundo,


porém seus contornos adquirem nuances diferentes nos diversos países sejam relacionadas ao
período de início do processo, as mudanças na fecundidade ou no processo de envelhecimento. A
redução sustentada dos níveis de fecundidade, de maneira de tornar os idosos protagonistas na
pirâmide etária. Nos países em fase de desenvolvimento, especialmente da América Latina e
Asiáticos, a mudança no perfil demográfico se dá de uma forma acelerada (BRITO, 2008).

Uma questão interessante para avaliarmos, quando pensamos em transição demográfica e


análise de dados demográficos, é a correlação entre os eventos que alteram as populações. Uma
forma de exemplificarmos é pensar que a diminuição dos nascimentos, ou seja, das taxas de
natalidade, por consequência tende a diminuir as taxas de mortalidade infantil.

27
Da mesma forma que em pequenas populações mudanças mínimas nos índices podem
representar uma grande porcentagem, em uma população com baixas taxas de mortalidade infantil
o aumento de 200% poderá representar, por exemplo, duas mortes, gerando um número que parece
grande, mas, se comparado com outras localidades, pode não ser tão expressivo. Cabe compreender
as perguntas que são feitas para compreender as respostas que conseguimos por meio de dados.

De acordo com Vasconcelos e Gomes (2012), um dos principais aspectos relacionados a


transição demográfica no Brasil é a urbanização, com baixas taxas de mortalidade e fecundidade
comparadas a sociedade rural, com altas taxas de mortalidade e natalidade. A rápida taxa de
urbanização ocorrida junto ao crescimento populacional a partir da metade do século XX mostra que
a população brasileira passou a se concentrar nas áreas urbanas e grandes cidades.

Em 1940, estimava-se que 68,8% da população estava concentrada na área rural e, em


contrapartida no ano 2000, 81,2% encontravam-se estabelecidos na área urbana. Todavia, ocorre
uma desaceleração da busca por grandes cidades a partir de 1980, tendo como resultado a ocupação
de cidades dos mais variados tamanhos e por consequência, havendo uma melhor distribuição
populacional entre cidades de pequeno, médio e grande porte (MEDRONHO et al, 2008).

Figura 3 – Número absoluto e percentual da população rural e urbana, Brasil 1940 a 2030

Fonte: MEDRONHO et al, 2008.

Outro ponto que merece observação é o impacto da redução nas mortes por agentes
infecciosos e parasitários no número de mortes e a substituição dessa causa por outras, como por
exemplo, doenças degenerativas ou crônicas, que podem ser atribuídas ao aumento da longevidade
da população. A partir da década de 1940 houve uma queda substancial da mortalidade por causas
infecciosas e parasitárias: nos deparamos com um percentual de 43,5% de mortes em 1940 para
11,4% em 1980. Neste período, também, ocorre um crescente aumento das mortes relacionadas a
doenças do aparelho cardiovascular, cânceres e de causas violentas. (BARATA, 1997).

A queda da mortalidade infantil ganha importante destaque a partir da década de 1970, porém
essa diminuição nas taxas não ocorre igualmente nas regiões do país. As regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste apresentaram queda brusca desse indicador, enquanto as regiões Norte e Nordeste

28
mantiveram números relativamente elevados. Temos então a representação de como agem os
determinantes sociais nas alterações demográficas.

A queda da mortalidade infantil das regiões citadas apresenta forte relação com o tipo de
modelo de saúde praticado e a as intervenções na área de políticas voltadas no campo de prevenção
de doenças e de saneamento básico, além de investimentos nos programas que atendem a mulher
durante a gestação, parto, puerpério e puericultura. Soma-se a esses fatores as amplas campanhas
de imunização, estímulo ao aleitamento materno exclusivo e terapias de reidratação por via oral nas
doenças diarreicas agudas (CASSENOTE et al, 2018).

Para fins didáticos, a transição demográfica pode ser descrita por etapas. Primeiramente,
ocorre diminuição da mortalidade, com manutenção dos altos níveis de fecundidade, seguida pela
etapa na qual se mantém a diminuição da mortalidade e caem os níveis de fecundidade (BRITO,
2008). Ao observarmos os gráficos populacionais em um longo período de tempo, podemos visualizar
essas fases pelas mudanças na forma de apresentação das figuras geométricas dos gráficos.

No Brasil nota-se grande crescimento populacional a partir da década de 1950 e há


estimativas de que tal crescimento há de se prolongar até a década de 2050. Este perfil nos mostra
as duas etapas da transição demográfica. Até a metade da década de 1960 ocorre no Brasil a
aceleração do crescimento demográfico causado pela queda da mortalidade, mas ainda se manteve
a fecundidade em níveis consideráveis. A segunda etapa, caracterizada pelas baixas taxas de
fecundidade, ocasiona um desacelerado crescimento populacional (BRITO, 2008).

A redução da fecundidade se acentua a partir da metade da década de 1980 e aliada a


redução da mortalidade impacta na mudança do padrão populacional considerando a faixa etária.
Neste contexto, há que se observar no Brasil uma população estimada em 51 milhões em 1950 e em
2001, o censo estimou em 170 milhões o número de habitantes, prospectando para o ano de 2050,
uma população com 259 milhões de habitantes, ou seja, de 1950 a 2001, um crescimento da ordem
de 120 milhões e entre 2001 e 2015, um crescimento menor, da ordem de 90 milhões. (MEDRONHO
et al, 2008) Ver a Figura 4.

Figura 4 – Estimativa da população brasileira e momentos econômicos, 1550 a 2050

Fonte: MEDRONHO et al, 2008.

29
Figura 5 – Pirâmides etárias com projeção da população brasileira anos 2005 e 2050

Fonte: Ministério da Saúde, 2010.

A pirâmide etária representa a população por faixas de idade. A base apresenta as faixas
menores, o centro, adultos e o topo da pirâmide, pessoas idosas. De acordo com a Figura 5, o padrão
triangular da pirâmide em 2005 tinha a base alargada, ou seja, grande número de pessoas jovens
entre a população. Este perfil demográfico vem perdendo espaço para a pirâmide com a base
estreitada, o que denota menor natalidade e, ainda, o pico mais alargado que caracteriza uma
população em franco estado de envelhecimento (BRASIL, 2010a).

Esses processos que vêm ocorrendo na demografia ao longo dos tempos, causou a redução
da fecundidade e a queda expressiva dos nascimentos e, ainda, a queda na mortalidade e o aumento
da longevidade. Esse quadro faz com que o Brasil apresente maior participação da pessoa idosa no
convívio social. O aumento da expectativa de vida impõe a sociedade a necessidade de adaptação
ao novo, tanto dentro das unidades familiares, mas principalmente pelo poder público, que precisa
delinear políticas públicas eficientes para atender a essa população (OLIVEIRA A., 2019).

Para conhecer mais sobre o Pacto pela Saúde com ênfase nas ações propostas para o atendimento a pessoa
idosa acesse:
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_pessoa_idosa_envelhecimento_v12.pdf>.

O envelhecimento é um evento que vem ocorrendo de maneira global e tem caráter


irreversível. Desta forma, as políticas públicas voltadas para saúde do idoso tornaram-se prioritárias
dentro da proposta de enfrentamento do ministério da saúde brasileiro. O Pacto Pela Vida foi uma

30
política pública planejada a partir das necessidades impostas pela transição demográfica no país
(BRASIL, 2010a).

O envelhecimento é um acontecimento mundial, ocorre de forma natural e tem caráter irreversível. Desta forma,
as políticas públicas voltadas para saúde do idoso tornaram-se prioritárias dentro do Pacto Pela Vida em
decorrência da rápida forma com que tem ocorrido a transição demográfica no país (BRASIL, 2010). O que isto
trará de impacto no planejamento das ações em saúde pública voltadas para a pessoa idosa?
BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção à saúde da pessoa idosa e envelhecimento. 1. ed. Brasília: Ministério
da Saúde 2006, 2010a. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 12. Disponível em:
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_pessoa_idosa_envelhecimento_v12.pdf>.
Acesso em 19 fev. 2021.

Considerando o cenário do envelhecimento, o Pacto Pela Vida propicia várias diretrizes e


ações visando a preservação da saúde da pessoa idosa. Tal documento subsidia a elaboração de
pactuação entre as esferas Estaduais e Municipais. Tal acontecimento ocorreu em 2006, trazendo
pela primeira vez nos anais das políticas públicas no Brasil a preocupação explicitada com a saúde
do idoso (BRASIL, 2010a).

No ano de 1971, Abdel R Omram publicou um artigo sobre transição epidemiológica, tratava-se de um clássico
para época. Na metade da década de 1990, este artigo foi citado inúmeras vezes entendendo-se como uma
afirmação teórica sobre a mudança de doenças infecciosas para doenças crônicas que se acreditava
acompanhar o processo de modernização, porém, o próprio Omran não mostrava preocupação com o
crescimento das doenças crônicas, sua teoria estava intimamente ligada aos esforços para acelerar o declínio
da fertilidade por meio de programas de controle populacional orientados para a saúde.

Todavia sua teoria falhou em substituir a teoria da transição demográfica como a estrutura norteadora do
controle populacional. Foi negligenciado principalmente até o início dos anos 1990, quando tardiamente se
associou ao aumento de doenças crônicas.

6.2 Transição Epidemiológica


Os processos de transição, seja demográfica, epidemiológica ou nutricional seguem uma tendência
parecida em grande parte dos países e o Brasil não é uma exceção. A transição epidemiológica se

31
refere as alterações na forma com que as doenças se apresentam, de forma que alterações na
demografia e no perfil alimentar e nutricional impactam no perfil epidemiológico (BRASIL, 2010a).

Porém, antes de abordarmos a transição epidemiológica, cabe investigarmos alguns assuntos


correlatos, como doenças endêmicas e epidêmicas. Esses conceitos são esclarecedores quando
pensamos nas transições pelas quais as populações podem passar, sendo influentes neste
panorama. Podemos pensar em endemias, epidemias e pandemias como pensamos na ordem
hierárquica. Observe a figura 6 para melhor compreensão da abrangência de cada uma dessas
instâncias da disseminação de doenças e agravos de saúde.

Figura 6 – Endemia, epidemia e pandemia

Pandemia

Epidemia

Endemia

Surto

Fonte: da autora, 2021.

Vamos nos aprofundar? Quando falamos em um surto, estamos falando de “tipo de epidemia
em que os casos se restringem a uma área geográfica pequena e bem delimitada ou a uma
população institucionalizada (creches, quartéis, escolas etc.)” (BRASIL, 2009, p. 34), sendo uma
ocorrência que ultrapassa a média histórica, com aparecimento repentino. Já na endemia, temos em
mente que a mesma se trata da:
[...] ocorrência de um agravo dentro de um número esperado de casos para aquela
região, naquele período de tempo, baseado na sua ocorrência em anos anteriores não
epidêmicos. Desta forma, a incidência de uma doença endêmica é relativamente
constante, podendo ocorrer variações sazonais no comportamento esperado para o
agravo em questão (MOURA, 2012, p. 15).

As pandemias são um evento de contaminação rápida e massiva, ou seja, epidêmico, que


ocorre em todas as regiões do mundo. A pandemia nada mais é do que uma série de epidemias que
atingem ao menos alguma região de vários países espalhados ao redor do globo. Na diferenciação
epidemiológica entre uma endemia e uma epidemia, devemos ter em mente os seguintes fatores:

• Estabelecer os níveis habituais de ocorrência de um determinado evento de saúde pública,


doença ou agravo de saúde;
• Relacioná-lo com um determinado período de tempo para fins de parâmetro;

32
• Observar a incidência da doença em período não epidêmico (MOURA, 2012).

Os bancos de dados do SINAN podem ser a fonte desses levantamentos e, caso não haja
dados suficientes, o trabalho de campo de investigação epidemiológica é ativado por meio de
agentes de saúde, equipes de saúde da família ou equipe específica, de acordo com a gravidade e
velocidade de disseminação.

Exemplificando os conceitos acima, podemos usar os casos de dengue no Brasil como uma
forma de compreender melhor as definições de endemia e epidemia. Em seguida, compreenderemos
por meio do exemplo da Covid-19 os casos de pandemia. A dengue, devido aos casos recorrentes
nas regiões mais quentes e úmidas dos estados brasileiros, tornou-se uma constante nos agravos
de saúde. São registrados inúmeros casos, com maior incidência nas regiões norte do país e alguns
estados como Paraná e São Paulo.

Em 2019 e 2020 tivemos um aumento considerável do número de casos, possivelmente


decorrente de uma mutação do vírus. O aumento dos casos de dengue, considerado endêmico no
Brasil, fez com que fossem feitas ações e estudos sobre uma possível epidemia de dengue,
concomitantemente aos casos de Covid-19, fato que colocou as autoridades de saúde pública em
alerta (BATISTA et al, 2020).

Em relação ao Covid-19, tivemos uma situação endêmica no início das notificações de casos
em uma das províncias da China, seguida por aparecimento de casos na Europa e aumento na China
concomitante, transformando-se em uma epidemia. Por fim, na metade de 2020 tivemos o registro
de casos em praticamente todos os continentes, transformando a Sars-CoV-2 em uma pandemia.

Voltando ao assunto das transições relacionadas à saúde que modificam a demografia, um


dos conceitos mais amplamente divulgados da transição epidemiológica foi descrito por Omran em
1971, tendo como base a alteração no rumo dos processos de saúde e adoecimento, por meio das
interações com os fatores econômicos, sociais e demográficos. Destacavam-se na teoria por ele
apresentada o demorado processo nas mudanças das causas de mortalidade e adoecimento onde,
pandemias por patógenos gradativamente perdem campo para agravos relacionados a processos
degenerativos e quiçá, produzido pelo próprio ser humano (DUARTE; BARRETO, 2012).

A transição epidemiológica pode ser dividida em três grandes períodos, sendo eles: “Era da
pestilência e da fome”, caracterizada pela alta e flutuante taxa de mortalidade, que se estende até o
final da idade Média e tinha com principais causas de mortalidade a desnutrição, saúde reprodutiva,
doenças infecciosas e parasitárias. Em seguida, cita-se a “Era do declínio das epidemias”, que
ocorreu entre a renascença até o começo da revolução industrial, definida pela diminuição das
grandes pandemias. Por fim, a “Era das doenças degenerativas e das provocadas pelo homem” que
dura desde a revolução industrial até período contemporâneo, tendo como característica a queda
proporcional da importância das doenças infecto-parasitárias e aumento da frequência das doenças
crônicas e degenerativas (MEDRONHO et al, 2008).

Cabe esclarecermos que temos uma discussão pungente no Brasil, já que se esperava que,
com a transição epidemiológica ocorrida em outras partes do mundo, aqui também poderíamos
observar o declínio de infeções emergentes e reemergentes e o aumento das doenças crônicas não
transmissíveis (DCNT), aliados à maior expectativa de vida. O fato é que tivemos uma sobreposição
epidemiológica do aumento da DCNT com a persistência das infecções.

33
Para que possamos entender a fundo a transição epidemiológica, podemos definir as
infecções emergentes como “o surgimento ou a identificação de um novo problema de saúde ou um
novo agente infeccioso” (PAZ; BERCINI, 2009, p. 10). Já as doenças reemergentes são definidas
como aquelas que ressurgem depois de um tempo de declínio nos casos, provocando um aumento
repentino das ocorrências, podendo ser resistentes aos tratamentos propostos (PEDROSO; ROCHA,
2009).

Uma boa forma de ilustrarmos as doenças emergentes e reemergentes são os casos de HIV
na década de 80, assim como o Sars-CoV-2 em 2020, sendo emergentes. Já nos casos de dengue,
zika ou cólera no Brasil, observamos aumentos de casos, diminuição relevante e retorno ao aumento,
sendo reemergentes.

A transição epidemiológica pode ser conceituada pelas alterações ocorridas no perfil das
mortes e das doenças de uma população, como explanado anteriormente. As mortes por doenças
infecciosas e por causas relacionadas a deficiência nutricional sofrem redução gradativa, sendo
substituídas pelas mortes ocasionadas por doenças crônicas. No mais, a diversidade no que tange
ao poder econômico e acesso aos serviços de saúde nas diferentes regiões do país têm impacto
significativo nos processos de adoecimento e morte (BRASIL, 2010a). Ver Figura 7.

Figura 7 – Evolução da mortalidade no Brasil segunda as principais causas anos 1930 a 2005

Fonte: Ministério da Saúde, 2010.

Parte das DCNT que acometem a população brasileira são as doenças cardiocirculatórias,
que podem ser responsabilizadas por 31% de todos os óbitos ocorridos no país por causa de bases
definidas, seguido por mortes causadas pelas diversas neoplasias, que representam 15% do total de
óbitos registrados em 2003 (MALTA et al, 2006). Ver Figura 8.

34
Figura 8 – Mortes com causa base definidas no Brasil em 2003

Fonte: MALTA et al, 2006.

A mudança no perfil epidemiológico que vem apresentando o Brasil tende a não se enquadrar ao modelo de
substituição das causas de morbidade por agentes infecciosos e parasitários por doenças de ordem crônica
ou de caráter violento. O país, assim como nos demais países da América Latina, vivencia uma transição
epidemiológica tendendo para a não substituição das doenças infecciosas e parasitárias por doenças crônicas,
mas sim pela sobreposição delas, o que remete a um imenso desafio para o desenvolvimento de ações na
saúde pública com vistas a prevenção e tratamento. Em 2008, as mortes por causas parasitárias
representavam 7,4% de todos os óbitos ocorridos, tal percentual corresponde a uma redução em 64% se
comparada a década de 1980, mas ainda é bastante alto (CASSENOTE et al, 2018).

A partir dessa ótica, se pode afirmar que seja uma transição polarizada, ou seja, com a
existência simultânea de cenários que apontam para ressurgimento de processos infecciosos, como
no caso da dengue ou cólera, assim como o aumento dos casos de malária, tuberculose, dentre
outras e das DCNT, em um quadro que indica uma situação multidirecional, contrapondo a teoria
proposta por Omram originalmente (MEDRONHO et al, 2008).

O Brasil apresenta como padrão a permanência de endemias em dadas regiões do país, com
mortalidade elevada quando se compara à países desenvolvidos e importantes “variações
geográficas” no que tange ao perfil epidemiológico e na oferta de serviços de saúde (MEDRONHO
et al, 2008).

35
Vale ressaltar então que o desafio enfrentado pelo poder público diante da situação
epidemiológica é duplo. O Ministério da Saúde precisa atuar em duas frentes distintas, porém bem
definidas: o combate a doenças infecciosas e às DCNT.

O combate a agravos como a dengue, AIDS, cólera assim como endemias recorrentes com
a esquistossomose, hanseníase, doença de Chagas, dentre outras, não pode interferir
negativamente na atenção aos emergentes agravos a saúde, cuja incidência vem aumentando com
passar dos anos e impactando nas taxas de mortalidade de DCNT.

Doenças cardiocirculatórias demonstram-se ser prevenidas por ações primárias de atuação como, combate ao
tabagismo, redução na ingesta de gorduras saturadas aliadas a prática de atividade física como ocorrido nas
últimas décadas em países da Europa e Estados Unidos da América.

As doenças cardiocirculatórias podem ser prevenidas por ações primárias como o combate
ao tabagismo, redução na ingesta de gorduras saturadas, aliadas a prática de atividade física,
conforme ocorrido nas últimas décadas em países desenvolvidos, assim como o aperfeiçoamento
de práticas no Sistema Único de Saúde (SUS) a fim de proporcionar diagnóstico e tratamento
precoce da hipertensão, uma das doenças de base mais importantes para o desenvolvimento das
doenças cardiovasculares. Dentre as neoplasias, principalmente as do trato ginecológico são
passíveis de medidas de baixo custo para intervenção preventiva. Por fim, as causas externas,
embora extrapolem os limites de atuação da saúde pública, merecem particular atenção, haja vista
o ascendente crescimento da causa e consequente aumento dos atendimentos e custos no sistema
de saúde brasileiro (ARAUJO, 2012).

A oferta de forma equânime dos serviços de saúde em todo território nacional, respeitando a
necessidade de cada região e do indivíduo, é um importante fator capaz de modificar as diferentes
apresentações de causas de mortes e doenças no país, pois maior atenção em áreas com maiores
necessidades poderia atenuar as diferenças regionais (ARAUJO, 2012).

6.3 Transição Nutricional


Esse capítulo já abordou as mudanças que ocorrem por meio da transição demográfica e
epidemiológica e nesse item o conceito de transição nutricional será abordado.

As principais características da transição nutricional são mudanças no estado nutricional,


marcadas fortemente pelo aumento do sobrepeso e obesidade, além de modificações no padrão de
consumo alimentar e o sedentarismo (MALTA et al, 2006). As modificações que ocorrem no estado
nutricional e na dieta avançam de alta prevalência de desnutrição para um padrão de excesso de
peso e da fome para uma dieta afluente. Essa transição, que pode ser denominada então como
transição alimentar e nutricional ocorre paralela ou posteriormente à transição demográfica e
epidemiológica (POPKIN, 1994).

36
Desde a década de 1970, o Brasil passa por mudanças na econômica, na sociedade e cultura,
que implicam em modificações do consumo alimentar da população em direção a homogeneização
e padronização, exemplificados pelo maior consumo de alimentos industrializados (MARTINS et al,
2013b) e o aumento aporte financeiro com alimentação fora de casa (CLARO et al, 2014), marcado
principalmente pelo consumo de alimentos ultraprocessados, como salgadinhos e refrigerantes
(BEZERRA; SICHIERI, 2010).

O atual padrão de consumo alimentar tem sido associado a elevação da incidência de excesso
de peso (GORYAKIN et al, 2015) e de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão
arterial, aterosclerose, acidente vascular cerebral, diabetes melittus tipo 2, dentre outras (POPKIN,
1994). Este quadro é característico do processo de transição alimentar e nutricional, que outrora
ocorreu nos países desenvolvidos (GUYOMARD et al, 2012).

Tabela 1 – Participação relativa (%) de diferentes alimentos e grupos de alimentos no total de calorias
determinada pela aquisição domiciliar no Brasil de 1962 a 2008-2009

Alimentos e
1961- 1974- 1986- 1995- 2002- 2002- 2008-
grupos de
1963* a 1975** a 1987** a 1996** a 2003** a 2003** b 2009*** b
alimentos

Cereais e
36,7 37,3 34,7 35,0 35,3 36,4 35,2
derivados

Feijão 7,6 8,1 5,9 5,7 5,7 6,6 5,4

Raízes e
5,6 4,9 4,1 3,6 3,3 5,8 4,8
tubérculos

Carnes 9,1 9,0 10,5 13,0 13,1 11,8 12,3

Ovos 1,0 1,2 1,3 0,9 0,2 0,3 0,7

Leite e
5,1 5,9 8,0 8,2 8,1 6,3 5,8
derivados

Frutas 3,8 2,2 2,7 2,6 2,4 1,6 2,0

Gordura animal
(banha,
7,2 3,0 1,0 0,7 1,1 1,4 2,7
toucinho e
manteiga)

Margarina e
8,1 11,6 14,6 12,4 10,1 12,8 11,4
óleos

Açúcar e
15,8 13,8 13,4 13,9 12,4 13,4 13,0
refrigerantes

Açúcar - 13,4 12,3 12,5 10,3 11,9 11,2

Refrigerantes - 0,4 0,9 1,4 2,1 1,5 1,8

Refeições
prontas e - 1,3 1,6 1,5 2,3 1,7 4,6
industrializadas

37
Total de
calorias
- 1700 1895 1695 1502 1811 1610
(kcal/dia per
capita)

Fonte: adaptado de *Mondini e Monteiro (1994), **Levy-Costa et al (2005), ***Levy et al (2012).


a dados de áreas metropolitanas (Belém, Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
Curitiba e Porto Alegre); b dados nacionais.

A Tabela 1 apresenta a evolução da participação relativa (%) de diferentes alimentos e grupos


de alimentos no total de calorias adquiridas nos domicílios brasileiros entre 1962 e 2008-2009.

De acordo com os dados da Tabela 1, a evolução dos padrões de consumo alimentar entre
1961-1963 a 2008-2009 permite concluir que os hábitos alimentares dos brasileiros adquiriram
contornos marcantes. Entre as décadas de 1960 e 1980, nota-se a diminuição do consumo de
cereais, leguminosas, raízes e tubérculos, bem como o aumento do consumo de alimentos de origem
animal (associado ao aumento do consumo de aves e leite) e a substituição de banha, toucinho e
manteiga por óleos e gorduras de origem vegetal (MONDINI; MONTEIRO, 1994).

A partir de 1996 houve a estabilização do consumo de cereais e leguminosas nas regiões


metropolitanas, além da contínua ampliação da aquisição de carnes (às custas de boi e de frango e
diminuição do consumo de porco) e a redução da participação de óleos e de gorduras vegetais
(MONTEIRO; MONDINI, 2000). Destaca-se também o aumento do consumo de refeições prontas e
refrigerantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

O estado nutricional da população brasileira vem sendo monitorado de forma sistemática (em
todas as regiões, de maneira representativa para a população desde 1974-1975, por meio de
diferentes pesquisas nacionais (FERREIRA; SZWARCWALD; DAMACENA, 2019).

Gráfico 1 – Prevalência de déficit de altura, déficit de peso, excesso de peso e obesidade na população de 5
a 9 anos, por sexo, no Brasil: 1974-1975, 1989 e 2008-2009

Fonte: IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009.

38
Em relação ao estado nutricional de crianças, o Gráfico 1 indica a evolução desde 1974 para
aquelas com idade entre 5 e 9 anos. Observa-se que, tanto entre meninos quanto entre meninas, o
déficit de altura caiu de maneira importante, assim como o déficit de peso. Cresceu de maneira
importante o excesso de peso e a obesidade.

Entre adultos, observa-se, também, um aumento das prevalências de sobrepeso e obesidade,


tanto para homens quanto para mulheres vem aumentando desde os primeiros inquéritos nacional
realizados. Destaca-se que entre 2002-2003 e 2013, o excesso de peso entre homens aumentou de
42,4% para 56,5% e a obesidade, de 9,3 para 16,8%. Entre as mulheres, esses resultados foram
ainda mais significativos: o excesso de peso aumentou de 42,1% para 58,9% e a obesidade de 14%
para 24,4% (FERREIRA; SZWARCWALD; DAMACENA, 2019).

A partir desse contexto, você poderá observar que o processo de transição alimentar e
nutricional caminha para uma verdadeira deturpação do meio ambiente, dos alimentos nele
produzidos e da vida humana, pois grande parte do que a população consome passa por processos
industriais que empobrecem nutricionalmente os alimentos, para depois enriquecê-los por meio de
tecnologias, um nível de sedentarismo nunca antes visto na humanidade (BATISTA FILHO;
BATISTA, 2010).

Considerações finais
A transição no Brasil vem apresentando-se de forma incongruente. Indicadores econômicos
incompatíveis com indicadores sociais, houve melhorias no acesso a saúde e a educação, mas sem
distribuição adequada de renda. Não se deve excluir os indicadores de saúde, a exemplo as taxas
de mortes infantis e a perspectiva de vida ao nascimento. Mesmo aspirando melhora em alguns
indicadores de saúde, a incompatibilidade destas tendências alavanca o processo de desigualdades
nas diversas regiões do país (MEDRONHO et al, 2008).

Devemos observar que, embora demografia e epidemiologia sejam áreas que trabalham
prioritariamente com dados quantitativos, estes dados devem ter sua interpretação baseada em
metodologias qualitativas. Os resultados das análises dependem deste olhar qualitativo para que
possam fomentar o reconhecimento correto das situações que os dados representam, além da
associação de indicadores que possam ser mais representativos e descrevam a complexidade da
vida humana.

O processo de polarização da situação epidemiológica na perspectiva de indicadores


desiguais fica clara ao se analisar as mortes pelas diferentes causas no país. No ano de 2003,
soubemos de mortes por neoplasias malignas e doenças cardiovasculares, consideradas doenças
em épocas modernas, presentes em maior percentual nas regiões Sul e Sudeste e menor percentual
nas regiões Norte e Nordeste. Vale ressaltar o perfil epidemiológico no Norte, Nordeste e Centro-
Oeste com expressiva presença de agravos relacionados ao processo infeccioso e parasitário o que
reforça a teoria do ressurgimento delas, ao mesmo tempo que acontece o crescimento das doenças
crônicas (MEDRONHO et al, 2008).

As modificações nos padrões de envelhecimento, natalidade, padrão de ocorrência de


doenças, modificações nos padrões alimentares são um desafio para a gestão em saúde,
especialmente no que tange ao financiamento, visto que a transição demográfica, epidemiológica e
nutricional acarreta custos sem precedentes (MALTA et al, 2016).

39
Os agravos acometidos por condições crônicas, normalmente ocorrem por um longo período
de tempo e geram as maiores demandas para os serviços de saúde. Estas demandas incorrem em
gastos (denominados de custos diretos), o Ministério da Saúde realiza programação de gastos com
doenças crônicas no quesito de internações e atendimentos em ambulatórios espalhados pelo país
ficando na ordem de aproximadamente 3,7 bilhões e 3,8 bilhões, respectivamente, alcançando um
total de 7,5 bilhões ao ano. Vale ressaltar que os estados e municípios têm contra partida nestes
gastos e prospectam recursos para ações destinadas ao cuidado a portadores de doenças crônicas
(MALTA et al, 2006).

A alteração no comportamento das doenças traz novos e importantes desafios para os


agentes tomadores de decisão na área da saúde nas diferentes esferas dos entes federativos, sendo
em nível Federal, Estadual e Municipal. Essas ações repercutem diretamente no desenvolvimento
das doenças crônicas ficando a cargo do financiamento o principal desafio. Os agravamentos
cronificados repercutem em alto gasto com a saúde, o não gerenciamento adequado ou a falta de
ações de prevenção geram gastos cada vez maiores advindo da constante necessidade de novas
tecnologias (ROCHA; CESAR; RIBEIRO, 2013).

O resultado da redução da fecundidade que, consequentemente, impacta na menor


concentração de pessoas jovens por hora não foi vencido pelo componente do envelhecimento. O
Brasil encontra-se em franco processo de envelhecimento da sua população e cabe ao poder público
dar maior atenção para ações planejadas na área social e da saúde. Vale ressaltar que quanto maior
o investimento em ações preventivas menor será o gasto com ações terapêuticas para atender o
cidadão portador de doença crônica não transmissível, haja vista que, as inovações em tecnologias
geram um alto valor agregado (VASCONCELOS; GOMES, 2012).

Conhecer os sistemas de vigilância em saúde nos esclarece o papel dos dados e estudos epidemiológicos no
contexto da saúde coletiva. Por meio do sistema de vigilância epidemiológica temos não só a identificação e o
controle das doenças, mas também o esclarecimento sobre a história natural de diversos agravos, além do
controle de outros eventos de saúde pública, como violência doméstica e ataques de animais.

Esses dados são baseados em conceitos como endemias, epidemias e pandemias, bem como a compreensão
do que são as infecções emergentes (com surgimento novo e inesperado e representação de perigo à
população) e infecções reemergentes, que passaram por um período de diminuição e podem voltar a
representar uma ameaça.

As questões hierárquicas, mas descentralizadas do Sistema Único de Saúde (SUS) se aplicam também à
vigilância epidemiológica, ficando as mesmas a cargo das Secretarias de Saúde em âmbito federal, estadual
e municipal. Neste sentido, o trabalho conjunto representa a efetividade do sistema, principalmente quando
tratamos de emergência de saúde pública, em que as tomadas de decisão com rapidez podem prevenir
maiores danos.

A transição demográfica, epidemiológica e nutricional se refere a mudanças na constituição de uma população


por meio da diminuição da taxa de mortalidade, fecundidade e natalidade, paralelamente a mudanças nos
perfis de mortalidade e morbidade e ainda, modificações no estado nutricional e no perfil de consumo alimentar
da população. Os processos de transição têm seus resultados mediados por melhorias nos fatores econômicos,
sociais e demográficos.

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As principais características da transição demográfica se referem a diminuição nas taxas de mortalidade, com
consequente envelhecimento populacional e diminuição da fecundidade (número médio de filhos) e natalidade
(número de nascidos). O processo pode ser descrito em duas etapas: 1. ocorre diminuição da mortalidade,
com manutenção dos altos níveis de fecundidade; 2. etapa na qual se mantém a diminuição da mortalidade e
caem os níveis de fecundidade.

A transição epidemiológica se refere as alterações na forma com que as doenças se apresentam, de forma
que alterações na demografia e no perfil alimentar e nutricional impactam no perfil epidemiológico. Ela pode
ser dividida em três períodos sendo eles: 1. “Era da pestilência e da fome” sendo caracterizada pela alta e
flutuante taxa de mortalidade que se estende até o final da idade Média, tinha com principais causas de
mortalidade a desnutrição, saúde reprodutiva, doenças infecciosas e parasitárias. 2. “Era do declínio das
epidemias” esta tem como período de ocorrência da renascença até o começo da revolução industrial, definida
pela diminuição das grandes pandemias. 3. E por fim, a “Era das doenças degenerativas e das provocadas
pelo homem” que dura desde a Revolução Industrial até o período contemporâneo, tendo como característica
a queda proporcional da importância das doenças infecto-parasitárias e o aumento da frequência das doenças
crônicas e degenerativas.

No entanto, a mudança no perfil epidemiológico que vem se apresentando no Brasil tende a não se enquadrar
ao modelo de substituição das causas de morbidade por agentes infecciosos e parasitários por doenças de
ordem crônica ou de caráter violento. O Brasil, assim como a América Latina, vivencia uma transição
epidemiológica tendendo a uma sobreposição entre as doenças infecciosas e as DCNT, o que caracteriza um
desafio para o desenvolvimento de ações na saúde pública visando a prevenção e tratamento de ambas.

As principais características da transição nutricional são mudanças no estado nutricional, marcadas fortemente
pelo aumento do sobrepeso e obesidade, além de modificações no padrão de consumo alimentar e o
sedentarismo. As modificações que ocorrem no estado nutricional e na dieta avançam de alta prevalência de
desnutrição para um padrão de excesso de peso e da fome para uma dieta afluente. Essa transição, que pode
ser denominada então como transição alimentar e nutricional ocorre paralela ou posteriormente à transição
demográfica e epidemiológica.

O processo de transição demográfica, epidemiológica e nutricional no Brasil se apresenta de forma


incongruente. Indicadores econômicos incompatíveis com indicadores sociais, houve melhorias no acesso a
saúde e à educação, mas sem distribuição adequada de renda. Não se deve excluir os indicadores de saúde,
a exemplo as taxas de mortes infantis e a perspectiva de vida ao nascimento. Mesmo aspirando melhora em
alguns indicadores de saúde, a incompatibilidade destas tendências alavanca o processo de desigualdades
nas diversas regiões do país.

As mudanças no cenário brasileiro no que tangem a transição epidemiológica, demográfica e nutricional,


focando na prevenção de doenças crônicas são de suma importância para a atuação e planejamento de ações
na área da saúde, para saber mais sobre acesse:
<http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742006000300006#endereco>.

41
A transição epidemiológica pode ser conceituada pela alteração no rumo dos processos de saúde e
adoecimento (DUARTE; BARRETO, 2012). Nesta linha de raciocínio o Brasil vem apresentando desde 1960
um modelo polarizado de transição (DUARTE, 2012). Pensando na transição nutricional é correto afirmar que
ela é marcada por:
a) Aumento dos casos de violência doméstica e sedentarismo.
b) Urbanização expressiva associada ao ganho de peso da população.
c) Aumento do ganho de peso da população e padrão alimentar inadequado.
d) Acesso ao saneamento básico e moradia.
e) Aumento da renda do cidadão e acesso à informação.
A transição nutricional é marcada principalmente pelo inadequado padrão alimentar onde o consumo
excessivo de gorduras saturadas encontra-se presente além do aumento do ganho de peso ponderal da
população brasileira, logo a letra C é a correta.

Questão objetiva
Diferentes etapas vêm ocorrendo na demografia ao longo dos tempos, nos dias de hoje nos deparamos com
a redução da fecundidade, podemos observar queda expressiva dos nascimentos e, em contrapartida queda
na mortalidade com aumento da expectativa de vida do cidadão brasileiro (OLIVEIRA A., 2019). Ao analisarmos
o texto acima como podemos enxergar as alterações ocorridas na pirâmide populacional prospectando para
ano 2050?
a) Base alargada e o pico estreito.
b) Pico alargado, corpo na mesma proporção e base alargada.
c) Corpo estreito, base alargada e Pico estreito.
d) Base estreitada e pico mais alargado.
e) Pico estreito, corpo estreito e base estreita.
Resposta correta: Alternativa D.

Questão discursiva

Considerando que o Brasil vem demonstrando um modelo transicional polarizado, pergunta-se, quais as duas
frente prioritárias para o Ministério da Saúde atuar?
O Ministério da Saúde precisa atuar em duas frentes distintas, a primeira no combate a doenças infecciosas e
parasitárias emergentes como dengue, cólera e nas doenças crônicas não transmissíveis que são as doenças
cardiocirculatórias e as neoplasias malignas, estas vêm aumentando gradativamente com o aumento da
longevidade da população. A segunda frente seria proporcionando uma oferta de mão de obra qualificada e
acesso aos serviços de saúde de forma equânime, respeitando a diversidade regional presente no país.

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O artigo publicado por José Duarte de Araújo, intitulado Polarização epidemiológica no Brasil, de 2012, traz a
questão da polarização ocorrida no processo de transição epidemiológica de uma forma clara e objetiva,
mostrando o ressurgimento das doenças infecciosas e parasitárias assim como o aumento progressivo das
doenças crônicas não transmissíveis.

Infarto: morte tecidual por falta de suprimento adequado de sangue arterial.


Gini: é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e publicada no
documento Variabilità e mutabilità ("Variabilidade e mutabilidade" em italiano), em 1912.
Miocardiopatias: doenças que acometem o coração.
Heterogênica: de forma diferente.
População: conjunto de indivíduos constituído de forma estável, ligado por vínculos de reprodução e
identificado por características territoriais, políticas, jurídicas, étnicas ou religiosas.

ARAÚJO, José Duarte de. Polarização epidemiológica no Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília,
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