Artigo 2022
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Artigo 2022
LAVRAS-MG
2022
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LAVRAS-MG
2022
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LAVRAS-MG
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À minha mãe, pelo seu amor incondicional, que me faz ter forças para seguir.
À minha querida esposa, pelo imenso apoio, incentivo e companheirismo ao longo destes
longos e maravilhosos anos juntos.
Ao meu adorável filho, pela sua incessante curiosidade, que me força a ir sempre além e pelo
seu desejo crescente de conhecimento, que ilumina o caminho que estou trilhando.
4
RESUMO
O Brasil, tal como outras nações mundiais, sofre consequências negativas pela ausência
de mecanismos legais mais amplos e consolidados que disciplinem o mercado de criptoativos,
mercado este que surgiu com o advento de novas tecnologias e que tende a ter uma penetração
cada vez maior, se incorporando às transações corriqueiras de cada sistema financeiro. Tal
ausência amplia e facilita a utilização do mercado de criptoativos para a lavagem de dinheiro.
Por outro lado, o PL 4.401/2021, fruto da aglutinação de vários outros projetos de lei,
provenientes das duas casas legislativas da União, tem como objetivo regulamentar mais ampla
e especificamente o tema o Brasil, e pode apresentar ferramentas e mecanismos para o combate
ao crime de lavagem de dinheiro, bem como a outros crimes envolvendo a utilização de
criptoativos, possa se tornar mais efetivo no país, traçando o curso inicial para uma legislação
mais abrangente e que compreenda a maioria da nuances que envolvem o tema. Este trabalho
apresenta um retrospecto da evolução do mercado de criptoativos no Brasil e no mundo, assim
como particularidade no que diz respeito às tentativas de regulação dele, trançando uma análise
descritiva e crítica desse processo e focando especialmente no PL 4.401/2021.
ABSTRACT
Brazil, like other world nations, suffers negative consequences due to the absence of
broader and more consolidated legal mechanisms that discipline the crypto-assets market, a
market that emerged with the advent of new technologies and which tends to have an increasing
penetration, if incorporating them into the day-to-day transactions of each financial system.
Such absence broadens and facilitates the use of the crypto-asset market for money laundering.
On the other hand, PL 4.401/2021, the result of the agglutination of several other bills, from the
two legislative houses of the Union, aims to regulate more broadly and specifically the subject
of Brazil, and may present tools and mechanisms to combat to the crime of money laundering,
as well as other crimes involving the use of crypto-assets, can become more effective in the
country, setting the initial course for a more comprehensive legislation that understands most
of the nuances surrounding the subject. This work presents a retrospective of the evolution of
the crypto-assets market in Brazil and in the world, as well as particularity with regard to the
attempts to regulate it, weaving a descriptive and critical analysis of this process and focusing
especially on PL 4.401/2021.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 7
2 CRIPTOATIVOS E LAVAGEM DE DINHEIRO ...................................... 13
3 A REGULAÇÃO DE CRIPTOATIVOS NO MUNDO ............................... 22
4 A REGULAÇÃO DE CRIPTOATIVOS NO BRASIL ............................... 28
5 PROJETOS DE REGULAÇÃO DE CRIPTOATIVOS EM TRÂMITE
NO LEGISLATIVO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE ............................... 32
6 CONCLUSÃO ................................................................................................. 40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 42
7
1 INTRODUÇÃO
O tema lavagem de dinheiro, embora venha sendo trabalhado desde a década de 80,
difundiu-se, nos últimos anos, por meio de conferências internacionais, sendo que a
preocupação com os aspectos práticos do combate a esse crime começou a se materializar de
forma mais ampla já no início dos anos 90. Desde então, diversos países têm tipificado esse
crime e criado agências governamentais responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro
(CONSELHO..., 2003).
Pela definição mais comum, a lavagem de dinheiro constitui um conjunto de operações
comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos,
bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos (CONSELHO..., 2003). Na visão
de Mendroni (2018), lavagem de dinheiro poderia ser definida como o método pelo qual um
indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos financeiros obtidos por meio de
uma atividade ilegal, buscando trazer a sua aparência para obtidos licitamente. Em um tempo
marcado por um rápido avanço tecnológico e globalização, a lavagem de dinheiro pode
comprometer a estabilidade financeira dos países. Dessa forma é preciso ter uma vigilância
constante por parte de reguladores, bancos, centros financeiros e outras instituições vulneráveis
para evitar que o problema se intensifique (CONSELHO..., 2003).
No Brasil, o combate ao crime de lavagem de dinheiro começou a ser colocado em prática
com mais ênfase a partir do advento da lei nº 9.613, de 1998. Posteriormente, em 2012, foi
editada a lei nº 12.683, que modificou lei nº 9.613, trazendo alguns aperfeiçoamentos no que se
refere aos mecanismos para a persecução penal envolvendo os crimes de lavagem de capitais.
Uma das técnicas, dentre as várias existentes, para a materialização da lavagem de
capitais, é a utilização frequente e reiterada de operações envolvendo criptoativos. Esse
procedimento passou a ser utilizado em larga escala com o advento e popularização do mercado
de criptomoedas e as facilidades decorrentes de suas características e conceito de criação, que
englobam a adoção de um certo anonimato no que diz respeito à identificação dos operadores,
bem como da ausência de uma regulação ampla e eficaz a nível mundial.
Na última década, os criptoativos causaram uma intensa revolução econômica, atingindo
de forma maciça o mercado financeiro de todo o mundo. Com efeito, devido ao significativo
crescimento que o principal ativo desse promissor mercado, o bitcoin, alcançou, especialmente
nos últimos 5 anos, as nações, por meio de seus governos, direcionaram suas atenções para essa
novidade. Como consequência, a pauta da regulação do mercado dos criptoativos tornou-se
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tema recorrente e até mesmo urgente, diante da dimensão a que esse mercado chegou em termos
de volume e importância.
Para se ter uma ideia da dimensão desse mercado em franca expansão, no começo da
elaboração deste trabalho foram consultados os dois portais de listagem de criptoativos mais
utilizados pela comunidade digital e pelo mercado, o Coinmarketincap
(https://coinmarketcap.com/pt-br/) e o Coingecko (https://www.coingecko.com/pt). No
primeiro, na data de 01/01/2021, estavam sendo listados 16.238 criptoativos, com uma
capitalização de mercado1 estimada em US$ 12.351.162.800.871 e um volume de transações
em 24h de US$ 433.684.427.081 e listagem de 431 corretoras (exchanges), entre centralizadas
e descentralizadas. Já no segundo, nessa mesma data, estava expresso o quantitativo de 12.134
criptoativos, com uma capitalização de mercado estimada em US$ 2.343.580.203.391 e um
volume de transações em 24h de US$ 82.836.916.687,00, além da listagem de 539 corretoras,
entre centralizadas e descentralizadas.
Por oportuno, como é de se imaginar quando tratamos de um tema que envolve
tecnologia, a gama de terminologias e conceitos utilizados na área é bastante elevada, pois a
quantidade de termos, muitas vezes desconhecidos, é grande2.
1
O termo “capitalização de mercado” diz respeito à principal métrica utilizada para avaliar o valor de
um ativo. A capitalização de mercado de um criptoativo é calculada com base no fornecimento total
de uma criptomoeda ou token em circulação, multiplicada pelo preço da sua cotação de mercado
atualizada.
2
Como exemplo, é mais comum se referir a criptoativos como criptomoedas, o que pode provocar
confusão em novos usuários e restringir a conversa sobre o futuro desses ativos (BURNISKE;
TATAR, 2019, p.32). Nesse sentido, a maioria dos criptoativos não estariam classificados como
moedas, mas sim como commodities digitais (criptocommodities), que forneceriam os chamados
recursos digitais brutos e como tokens digitais (criptotokens), que disponibilizariam bens e serviços
digitais acabados.
Com o surgimento dos criptoativos foram introduzidos inúmeros novos termos afetos à área e a
nomenclatura não para de crescer, à medida em que as tecnologias vão evoluindo e a sua aplicabilidade
encontram novos nichos, ampliando-se de forma escalonada.
Dessa forma, segue um pequeno exemplo com as mais importantes definições dos termos que aqui
serão utilizados:
Blockchain: Significa literalmente “corrente de blocos”. Pode ser definido com uma tecnologia que
funciona como um livro contábil, cuja função é registrar transações. Se baseia em uma estrutura de
dados em blocos que representa o registro de uma transação. Na essência, é um banco de dados
compartilhado e alimentado com entradas que devem ser confirmadas e criptografadas.
Criptoativo: “A representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo
preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com
a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como
forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não
constitui moeda de curso legal". Conceito expresso na Instrução Normativa RFB nº 1888, de 3 de maio
de 2019.
Criptomoeda: Uma categoria de criptoativo. Se constitui em um meio de troca, como as moedas
fiduciárias, mas é digital e usa técnicas de criptografia para controlar a criação de suas unidades
monetárias e verificar/administrar a transferência de recursos. A criptomoeda é na verdade, em sua
9
essência, nada mais do que um código virtual que pode ser convertido em valores reais expressos em
outras moedas físicas. São moedas que normalmente não possuem lastro oficial nem uma autoridade
reguladora central.
Criptotoken: Outra categoria de criptoativo. Token pode ser originalmente definido como um código
numérico, criado a princípio para ampliar a segurança de serviços e-banking nos acessos digitais. Com
a chegada da blockchain tiveram sua utilização ampliada e hoje são também espécies de criptomoedas
voltadas para representação e/ou operacionalização de uma determinada atividade, funcionando como
um tipo de contrato inteligente, e exercendo a garantia da custódia de um ativo para o seu possuidor.
Criptocommodities: São os denominados recursos digitais brutos, ou seja, referem-se à estrutura
primária digital. Podemos relacioná-los a potência de computação, capacidade de armazenamento e
banda de rede disponível.
NFT: Sigla para o termo “non fungible token” ou “token não fungível”. São também tokens, ou seja,
códigos numéricos com registro de transferência digital que garantem autenticidade aos seus donos.
São utilizados como itens colecionáveis, que não podem ser reproduzidos, mas sim transferidos. Sua
aplicabilidade vai da reprodução de obras de arte a elementos de jogabilidade inseridos nos jogos
digitais.
Exchanges: São as corretoras que trabalham na intermediação de compra e venda de criptoativos. As
exchanges podem ser centralizadas ou descentralizadas. Temos um grande número de exchanges
centralizadas no Brasil e no mundo, sendo aqui no país as mais conhecidas o Mercado Bitcoin, a
BitcoinTrade, a NovaDAX e a Fox Bit. No que se refere ao exterior, as corretoras mais famosas são a
Binance, a Coinex, a FTX e a Coinbase. Em relação às exchanges descentralizadas, as mais utilizadas
são a PancakeSwap e a Poocoin. Uma corretora descentralizada requer a utilização de carteira de
critptoativos para armazenamento dos ativos, que pode ser uma carteira física (papel), móvel (celular
ou desktop), de software (nuvem, aplicativo de celular, programa em desktop, etc.) ou de hardware
(dispositivos USB, tipo Trezor, Keep Key, Ledger Nano S, dentre outros).
Chave Privada: É uma das chaves de um par de chaves criptográficas dentro de um sistema de
criptografia assimétrica. Para o seu funcionamento eficaz faz-se necessário que seja mantida secreta
pelo seu dono. No mercado de criptoativos é usada para garantir a privacidade e segurança de uma
carteira.
Chave Pública: Outra chave de um par de chaves criptográficas dentro de um sistema de criptografia
assimétrica. Ao contrário da chave privada, esta deve ser divulgada pelo seu dono para possibilitar a
efetivação das transações entre carteiras de criptoativos.
Altcoin: Qualquer criptomoeda que não seja o Bitcoin. A palavra indica as moedas que são alternativas
ao Bitcoin no mercado.
Stablecoin: São criptomoedas cujo valor é estável, possuindo uma diminuta volatilidade. Servem para
que os proprietários de outros criptoativos que têm uma volatilidade acentuada, possam trocá-los por
um ativo cujo valor não irá se alterar, principalmente em períodos de grandes oscilações. A instituição
ou entidade que administra e controla a stablecoin deve possuir lastro fiduciário equivalente ao total
de moedas em circulação, mantendo a sua segurança e estabilidade no mercado.
KYC: Know Your Customer – em português “conheça o seu cliente” é uma estratégia adotada pelas
instituições que consiste na busca de um grande conjunto de informações sobre o consumidor para
analisar o risco de suas escolhas. Essa estratégia é aplicada em empresas que correm riscos de fraudes
financeiras, corrupção, lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e outras ameaças
relacionadas a finanças. Portanto, esses processos aplicam-se principalmente a bancos, fintechs,
corretoras, empresas de crédito e de meios de pagamento e outros players dos setores bancário e
financeiro.
Dark Web: Zona escura da internet, faz parte da Deep Web (internet profunda). Nesse local a
criptografia é extremamente complexa, permitindo que apenas usuários avançados consigam acessá-
la. Na Dark Web podem ser cometidos crimes e compartilhadas situações e informações ilegais, como
comercialização de drogas, negociações com hackers e assassinos, pornografia infantil e outros
delitos.
Ransomware: Espécie de ciberataque no qual um computador, quando infectado, tem seus dados
criptografados, impedindo o seu acesso. Para poder liberar os dados, normalmente os criminosos
exigem um resgate, ou, em inglês, ransom.
10
Além da inegável relevância dos valores com os quais o mercado opera, o clamor pela
regulação vem também justificado pela necessidade imperiosa de trazer maior segurança
jurídica para os atores envolvidos nas negociações, em especial para os usuários, assim como
de construir as bases para a edificação de um marco legal seguro e eficaz que possa combater
de forma eficaz e efetiva a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo.
Outra vertente que vem a apoiar fortemente a regulação é a necessidade de definição mais
clara de regras de direito financeiro e tributário para as transações com criptoativos, as quais
hoje, quando existentes, são absolutamente incipientes e ineficazes.
Na atualidade não há nenhuma entidade governamental responsável por regular o Bitcoin
nem os demais criptoativos existentes. Dessa forma, seu preço é determinado, principalmente,
pelo apetite das pessoas e das instituições de comprar ou não a criptomoeda ou token. Ressalta-
se que esse apetite possui influência direta de diversos outros fatores, tais como notícias de
cunho econômico, social, tecnológico e cultural, dentre outros; comentários e atitudes de
pessoas ou organizações de destaque; manutenção da solidez sistema de pagamentos via P2P e
os custos de transações; e as decisões governamentais. Há que se ressaltar, ainda, que essa
ausência de regulamentação dificulta um maior controle estatal sobre tais ativos, que podem
facilmente ser utilizados em atividades ilícitas, como a lavagem de capitais.
E neste ponto reside a importância da questão em análise. Os criptoativos foram criados
com as funcionalidades existentes do livro razão virtual (blockchain), que viabiliza o registro
definitivo e identificação digital das operações e não permite a sua adulteração. Nesse processo
todos os usuários possuem acesso aos dados do livro razão, que se materializa justamente em
um histórico encadeado de todas as transações já efetivadas. Acontece que tal sistemática
adotada proporciona, em menor ou maior grau, o anonimato real, escudado e disfarçado pela
divulgação de um simples número de carteira e de um código relacionado àquela transação, que
é o que aparece de fato nos registros.
Outrossim, a vinculação das carteiras que realizaram as operações às pessoas que estão
por trás das mesmas não é tarefa fácil, pois depende de uma colaboração efetiva das corretoras,
o que não foi até hoje implementado de forma adequada. De fato, é por meio dessas corretoras
que o dinheiro dito real (moeda fiduciária) se materializa no final dos ciclos de transferência.
Mesmo que os criptoativos sejam constantemente movimentados por meio de carteiras físicas,
carteiras de software ou carteiras de hardware, dinâmica que lhes conferem um grau elevado de
anonimato e uma certa dificuldade no que se refere à rastreabilidade, em algum momento eles
têm que ser efetivamente transformados em moeda corrente. E é nesse ponto, nesse final da
cadeia de transações, que a regulação deve atuar de forma mais incisiva e rigorosa.
11
Por outro lado, os criptoativos podem ser utilizados pelos criminosos de diversas formas,
sendo três as mais usuais.
A primeira delas é para pagamentos ilícitos na dark web. Os ativos virtuais são a principal
moeda de troca nessa região “obscura” da deep web. Nela, é possível pagar para adquirir drogas,
armas, pornografia infantil e até mesmo contratar um assassino de aluguel.
A segunda finalidade é para armazenamento de valor. Aplicativos de carteiras de ativos
virtuais podem efetivamente ser usados como uma verdadeira “conta bancária” para armazenar
os produtos dos crimes, convertendo-se moeda corrente em ativos virtuais e mantendo-os
escondidos pelo tempo que for necessário, diminuindo assim as chances de serem encontrados
em investigações.
Isso somado aos potenciais ganhos do próprio investimento, pode ocasionar a
alavancagem do patrimônio do criminoso, multiplicando-o por várias vezes.
Por fim, a terceira finalidade mais frequente de uso dos criptoativos pelos criminosos, e
objeto de análise principal deste trabalho, é a transferência de capitais, levando à lavagem de
dinheiro. De fato, criptoativos podem ser transferidos para qualquer lugar do mundo por meio
de um simples comando, atualmente com baixíssimas possibilidades de medidas de controle ou
regulação, convertendo-se, assim, em um eficiente instrumento de lavagem de dinheiro.
Assim, levanta-se o principal problema de pesquisa deste trabalho: As propostas
brasileiras atuais para regulamentação de criptoativos cumprem os requisitos mínimos de
clareza regulatória, eficiência punitiva e abrangência legal? E, consequentemente, atendem
satisfatoriamente aos objetivos de combate ao crime de lavagem de dinheiro e financiamento
ao terrorismo?
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo geral fazer uma breve análise do
estágio do processo de regulação dos criptoativos no Brasil, focado na sua eficácia e efetividade
no combate à lavagem de dinheiro e tendo como objeto principal de estudo o Projeto de Lei nº
4.401/2021, substitutivo aprovado pelo Senado Federal em maio de 2022. O referido
substitutivo teve origem no Projeto de Lei nº 2303/2015, votado e aprovado na Câmara dos
Deputados em dezembro de 2021, e encaminhado nesse mesmo mês ao Senado Federal para
prosseguimento do processo legislativo3. Além do Projeto de Lei nº 2303/2015, vários outros
projetos de origem nas duas casas legislativas foram apensados e tiveram conteúdo incorporado
ao substitutivo, como o Projeto de Lei nº 3825/2019, que teve origem no Senado Federal.
3
O referido Projeto de Lei passou a ser chamado de PL 4401/2021 ao chegar no Senado Federal.
12
Nas palavras de Silveira (2018), o ambiente do bitcoin é muito próximo ao arquétipo ideal
da lavagem de dinheiro, no qual um dinheiro sujo é reinserido no mercado, sendo olvidado seu
passado. Ao citar o bitcoin faz-se alusão a todos os criptoativos, pois todos eles possuem as
características básicas inerentes à moeda precursora, apoiados no sistema blockchain.
De fato, o sistema blockchain reúne características específicas, tais como o anonimato, a
facilidade de uso, a possibilidade de manipulação de preços, a capacidade de operar em
diferentes jurisdições e a ausência de uma autoridade central, por exemplo, que abriram novas
possibilidades a serem exploradas pelos criminosos interessados em lavar dinheiro, reduzindo
os riscos de detecção (ANDRADE, 2017).
Conforme argumenta Telles (2019), são chamadas de criptomoedas as moedas que não
possuem existência física, sendo criadas por computadores exclusivamente no espaço digital.
Tais moedas são criadas de forma descentralizada, sem a intervenção ou aval de qualquer
governo ou autoridade monetária. Elas também não possuem garantia de conversão para a
moeda oficial, além de não serem lastreadas por ativo real de qualquer espécie4 e não possuírem
força obrigatória. Outra característica importante das criptomoedas é que elas se baseiam no
uso da criptografia para controlar tanto a sua criação como a respectiva transferência.
Isso faz com que possamos afirmar que as criptomoedas são muito mais do que o nome
indica. Elas são, sobretudo, uma tecnologia que tenta substituir a antiga rede de confiança
expressa na relação da pessoa física ou jurídica com uma instituição financeira. Essa tecnologia
avançou no sentido da descentralização, produzindo uma rede independente e descentralizada
de pagamentos e de câmbio.
E é justamente essa quebra do sistema de confiança e essa facilidade de transacionar
diretamente entre as partes, sem uma necessária intermediação, que vem a facilitar a prática de
crimes dentro do sistema, em especial a lavagem de dinheiro.
Como pontua Stella (2017) os criptoativos são instrumentos que não possuem a garantia
de um governo central, isso significa que tais ativos ainda não são aceitos por governos para
liquidação de obrigações tributárias e não são legalmente definidos como moedas com poder
4
Exceto, como foi visto anteriormente, as stablecoins, que devem possuir lastro por parte da instituição
que a administra. Mas ainda não existe uma regulação que garanta efetivamente a existência, o
controle e a saúde desse lastro. Tanto é que presenciamos no mês de maio de 2022 uma dessas
stablecoins (TerraUSD) perder grande parte do seu valor (75%), causando prejuízos milionários no
mercado de criptoativos. Outra stablecoin que é terceira maior criptomoeda do mercado, a Theter
(USDT), também sofreu oscilação em sua paridade com o dólar nesse mesmo período.
14
Por outro lado, podemos falar em elementos catalisadores que possuem a função de
potencializar o uso das moedas virtuais para fins criminosos. Os catalisadores para a lavagem
de dinheiro que acompanham as moedas virtuais são a descentralização, a transnacionalidade
livre de obstáculos, as possibilidades de anonimato e a possibilidade de transição do mundo
virtual para o mundo real (moeda fiduciária) viabilizada pelas exchanges. Esses catalisadores
são agrupados em três características com especial relevância para o tema da lavagem de
dinheiro: a) descentralização; b) pseudoanonimidade; c) globalidade (GRZYWOTZ, 2019, p.
98).
No que se refere à descentralização, não existe uma instância central que estabeleça uma
regulação. Dessa forma não há ninguém que possa observar a ocorrência de operações suspeitas
e assim reportá-las às autoridades competentes. No sistema usual são os bancos que
operacionalizam essa função em relação às transações com dinheiro eletrônico, mas no mercado
de criptoativos não existe essa nem qualquer outra figura similar com respaldo legal para atuar
de forma correlata.
Assim, no que concerne ao instituto da administração da justiça, a descentralização se
apresenta como uma desvantagem, em que pese seus atributos que lhe conferem uma forte
vantagem operacional. Fazendo-se necessária a abertura de uma investigação só se pode
recorrer aos intermediários, representados pelas exchanges, que fazem a intermediação entre o
blockchain e a economia dita real.
E não se deve olvidar que nem todos os usuários do blockchain necessitam de um
intermediário para negociar a moeda, que pode ser comercializada diretamente, por via digital,
entre (os próprios) usuários, no que se denomina P2P (peer-to-peer) (GRZYWOTZ, 2019, p.
98). Além do P2P faz-se frequente, também, o uso do chamado F2F (face-to-face).
Tanto no método P2P quanto no F2F existem várias opções para “encontrar” a contraparte
compradora ou vendedora, de amigos e recomendações diretas a grupos nas redes sociais
visando este objetivo; também existem sites (serviços de custódia), dedicados a "juntar as
peças" e fornecer mais segurança para a troca: os criptoativos que fazem parte da venda são
previamente depositados no site que atua como uma instituição encarregada da caução, e uma
vez que o comprador transfere para o vendedor a moeda fiduciária, os fundos de criptoativos
são liberados. Nesse sistema existe um ranking de reputação e classificação das partes
envolvidas na negociação (ZOCARO, 2020).
Em relação à pseudoanonimidade, recai-se aqui em um grande mito: a de que a operação
com criptoativos são um meio de pagamento anônimo. Na realidade não são, pois os registros
das transações estão contidos no blockchain e não podem ser alterados. O que se tem aqui é a
16
como sua eficácia), ou contar com a vontade de intermediários legítimos que operam no
ecossistema do mercado em questão para colaborar (assumindo que os criminosos usam seus
produtos ou serviços para gerenciar pagamentos, o que nem sempre acontecerá).
Assim, conforme López (2017), como fenômenos exclusivamente digitais, os criptoativos
se encaixam perfeitamente nas características inerentes ao cibercrime: possuem instantaneidade
(velocidade de transações); distância entre o infrator e o local de cometimento de parte
substancial do elemento criminal da ação delitiva; natureza transfronteiriça, com a observância
de problemas jurídicos associados a determinação da jurisdição competente para identificar a
infração e a cooperação internacional essencial para persegui-la; imaterialidade e, portanto,
facilidade de descarte das provas (este último, porém, reduzido em alguma, medida devido à
natureza pública do livro-razão).
A partir de tais considerações pode-se entender que os criptoativos se apresentam como
uma alternativa das mais viáveis, dentre as possibilidades que se encontram à disposição de
criminosos, para o cometimento do crime de lavagem de capitais. Torna-se, portanto, uma das
opções mais interessantes para tal fito, dado em grande parte à simplicidade de seu uso, seu
custo-benefício ao se comparar com outros meios e às grandes dificuldades que são associadas
ao seu formato e consequente fragilidade de regulação pelos governos (LÓPEZ, 2017).
Dessa forma, a operacionalização da lavagem de dinheiro utilizando criptoativos pode ser
efetivada pelo simples envio do ativo a um paraíso fiscal, onde ele será trocado por uma moeda
corrente, e daí colocado de volta ao sistema financeiro internacional com todos os “aspectos”
de legalidade.
Nesse mesmo sentido, a atividade de mineração de criptomoedas comporta um elevado
potencial de se constituir em mais um instrumento voltado para o cometimento de fraudes que
podem levar à lavagem de capitais, ofertando variadas possibilidade para se chegar a esse
objetivo.
Diante disso pode-se afirmar que o processo de mineração deverá exigir uma vigilância
bem específica e um tratamento bem minucioso e eficaz quando de sua efetiva regulação pelas
nações. Atualmente, no estágio regulatório em que se encontram a quase totalidade dos países,
não há como impedir que um minerador venha a declarar uma produção inferior à realmente
realizada. Tal diferença pode ser direcionada a dois objetivos criminoso: para lavagem de
capitais e para evasão fiscal.
18
De fato, na ausência de tal vigilância, criptoativos obtidos por outros meios também
podem ser disfarçados como o produto de uma instalação de mineração de criptomoeda,
facilitando em muito o acobertamento dos atos delitivos5.
Por outro lado, os pagamentos realizados pelas vítimas a criminosos no contexto do
cibercrime é realizado principalmente em criptomoedas (principalmente em bitcoins),
revelando as extensas vantagens da fase de colocação e simplificando bastante a ocultação dos
ganhos. Esta prática é particularmente bem documentada nos casos envolvendo ataques de
ransomware, apresentando um grau de automação em termos de coleta de resgates em
criptoativos e colocação deles por meio de estruturas complexas de endereços bitcoin. Por
razões semelhantes, a maioria dos pagamentos de criminoso para criminoso, no contexto do
cibercrime, são efetivados em criptoativos (LÓPEZ, 2017).
Retornando a abordagem acerca das implicações práticas da utilização dos criptoativos
no que se refere às fases da lavagem de capitais, temos uma variada gama de condutas que
podem ser abraçadas pelos criminosos.
Na primeira fase, ou seja, na fase de colocação, pode-se operar com a inserção de ativos
financeiros em determinado sistema de criptoativos. Dessa forma, se proporciona a obtenção
de criptoativos com valores provenientes da prática de crime anterior. As maneiras usualmente
utilizadas para esse fim é por meio de sua aquisição em exchanges; em caixas automáticos de
compra de criptoativos com valores em espécie; em plataformas que conectam usuários para
transações diretas; por meio da venda direta de bens obtidos com a prática de crimes e do
consequente recebimento do pagamento diretamente em criptomoedas; pela aquisição direta de
criptomoedas com o produto auferido do cometimento de crime, quando, por exemplo, a venda
de drogas é paga em criptoativos; ou simplesmente pela transferência de criptoativos de uma
carteira para outra (GRZYWOTZ, 2019, p. 101-103).
Já a dissimulação ou transformação é classificada em simples e complexa. A simples
ocorre quando o criminoso gera infinitas chaves públicas, mudando o endereço dos criptoativos
sem que o usuário original abdique de seu controle sobre esses ativos. Uma variante é a
utilização de endereços de criptoativos de terceiros ou de agentes financeiros. No entanto, o
caminho das transações é facilmente rastreável, em função do grau de transparência advindo da
tecnologia blockchain.
5
Tal implicação é muito bem abordada em López (2017, p.15).
19
Por outro lado, no que concerne à identidade dos titulares das carteiras, não há
possibilidade de dela ser descoberta tão somente com a obtenção dos dados contidos na
blockchain (GRZYWOTZ, 2019, p. 104).
Essa excêntrica combinação entre alta rastreabilidade e ausência de identificação do
titular da carteira nos induz a taxar a operação como indutora de uma pseudoanonimidade, não
admitindo a ocorrência de uma anonimidade absoluta e irrestrita.
No que se refere às formas complexas de dissimulação, elas envolvem os denominados
mixing-services (serviços de mistura ou mescla), que têm como função apagar o rastro dos
criptoativos no blockchain, numa tentativa de driblar a transparência inerente ao sistema.
A operação de mixing pode ser feita por meio de serviços de carteiras (web-wallets), nos
quais o usuário não fica com o controle da chave privada. Tal controle fica com o prestador de
serviço, que é o encarregado de gerir as transações. A dinâmica funciona como em um banco,
que administra os valores depositados pelos clientes, os quais, consequentemente, têm contra
ele apenas uma pretensão de pagamento das cédulas depositadas, e não diretamente, direito a
esta ou àquela cédula, assim funcionam esses serviços de web-wallet.
Existem, também, serviços de mixing especializados, cuja função é criar uma camada a
mais de encobrimento entre o remetente e o receptor de criptoativos. Cada usuário remete uma
quantidade de moedas virtuais para o mixer e designa um ou mais endereços (geralmente novos)
nos quais quer receber a mesma quantia, descontado o preço cobrado pelo serviço de mescla.
As moedas, para falar de modo metafórico, são lançadas em uma “piscina” comumente
chamada de pool, juntamente com as moedas de outros usuários, misturadas e, então, remetidas
para os endereços designados pelo usuário6.
Essa remessa pode, também, ser fracionada em várias pequenas transações, utilizando
para tanto diversos provedores de mixing em operações sucessivas. Pesquisas demonstraram
que esses serviços possuem a faculdade de fazer com que o rastreamento das moedas seja
praticamente impossível. No entanto, tal prática incide em riscos aos próprios usuários, como
o de furto ou até de desvio ou perda dos valores pelo encerramento ou bloqueio do serviço
(GRZYWOTZ, 2019, p. 106-107).
No que se refere à última etapa do processo de lavagem de dinheiro, a integração, a mesma
pode ser efetivada por meio da troca de criptoativos por moedas estatais, utilizando-se de
exchanges para operacionalização ou ainda pela aquisição direta de bens e produtos. Em países
6
De forma inteligente, objetiva e estruturada, Estellita (2020) condensa em sua resenha os conceitos e
pensamentos de Grzywotz (2019), expressos tanto neste como também nos parágrafos acima.
20
que possuam regulação e efetivo controle sobre as exchanges, isso pode levar à identificação
da transação. Entretanto, como uma das características dos criptoativos é justamente a
globalidade, pode-se facilmente optar pela execução dessa transação em países que possuam
mecanismos de controle para combate à lavagem menos rigorosos ou inexistentes
(GRZYWOTZ, 2019, p. 109).
Em transações simples, a conduta de ocultação não se aplica aos criptoativos. Não
obstante, falta uma atividade corpórea de esconder o bem, indispensável para a materialização
dessa fase. Evidentemente pode-se ocultar um USB-Stick7 ou uma Paper-Wallet8, mas a chave
privada não representa o criptoativo em si, apenas garante a possibilidade de disponibilidade
sobre ele. Um ocultar no sentido de esconder das autoridades a existência e as transações com
os criptoativos também não é possível porque, como já visto, o histórico das transações está
totalmente disponível publicamente no blockchain. Dessa, mesmo a entrega a um terceiro,
quando entendida como ocultação, é rastreável até o endereço desse terceiro. Se é verdade que,
pela falta de uma autoridade central, não se sabe a qual pessoa natural um endereço é atribuído,
verdade é que as autoridades têm pontos de partida para o descobrir, ou seja, o objeto aqui não
desaparece sem deixar rastros. As transações simples também não podem estar relacionadas,
por essas mesmas razões, à modalidade de dissimular, já que todos os remetentes e recebedores
de criptoativos estão registrados publicamente (GRZYWOTZ, 2019, p. 268-269)9.
Também no que se refere aos mixing-services, sua utilização não implica ocultação dos
criptoativos, porque a única coisa que fazem é obscurecer a relação entre o remetente e o
destinatário ou recipiente, bastando descobrir a quem pertence esse último endereço para evitar
a ocultação. O mesmo raciocínio, entretanto, não se pode aplicar em relação à modalidade de
dissimulação. Como a principal função desse tipo de serviço é justamente tornar nebulosa a
relação entre remetente e destinatário, a realização de várias transações dificulta enormemente
a descoberta da origem dos criptoativos (GRZYWOTZ, 2019, p. 280-281)10.
Por outro lado, as transações de troca abarcam o universo de trocas por moeda estatal ou
por mercadorias e podem ser feitas utilizando provedores de serviços de troca ou câmbio
(exchanges), diretamente entre parceiros (amigos ou conhecidos), por meio da compra de bens
corpóreos ou incorpóreos em troca de criptoativos ou da sua compra em máquinas automáticas.
7
Pen Drive.
8
Simples folha de papel onde as chaves criptográficas são anotadas.
9
Como bem descrito na resenha de Estellita (2020).
10
Idem comentário constante na nota 11.
21
Dada a rastreabilidade das transações, a mera troca não implica nem ocultação, nem
dissimulação (GRZYWOTZ, 2019, p. 281-282).
Finalmente, as transações em torno de uma empresa de serviços que opera com
criptoativos (as exchanges, no sentido da IN nº 1888/2019, da Receita Federal do Brasil, que
será abordada em outro capítulo) podem gerar riscos de prática de lavagem, seja na modalidade
de autoria, seja na de participação. Esses riscos estão especialmente associados aos operadores
de mixing-services: para que BTCs ilegais sejam misturados, a disponibilidade sobre eles
precisa ser transferida temporariamente ao provedor do mixing-service, o que poderia
caracterizar a guarda para fins de ocultação ou dissimulação do art. 1º, § 1º, da Lei n.
9.613/1998.
De qualquer forma, como com implemento de cada operação de mistura ou mescla
amplia-se a dificuldade de atribuir os criptoativos a determinada pessoa, pode-se falar (no
direito penal alemão) na prática das modalidades de obstrução (impedir ou pôr em perigo a
investigação, o confisco e o asseguramento (GRZYWOTZ, 2019, p. 292-293). Na legislação
pátria pode-se aplicar a modalidade de “ter em depósito ou receber para ocultar ou dissimular
a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal” (art. 1º, § 2º, II, Lei n.
9.613/1998)11.
11
Idem comentário constante na nota 11.
22
12
Resumo extraído e adaptado em sua maior parte do artigo intitulado “Regulação das Criptomoedas no
Brasil e no Mundo”, de Rodrigo Glasmeyer e MSc. Thiago Pinheiro, revisado por MSc. Graziela
Brandão da BL Consultoria Digital e acessado pelo sítio:
https://blconsultoriadigital.com.br/regulacao-das-criptomoedas/, e do artigo intitulado “Regulação de
Criptomoedas na China: Como o Bitcoin é regulado do outro lado do mundo?” de Thiago Pinheiro e
23
países do mundo. Serão abordados apenas dois países (EUA e Alemanha), além da União
Europeia13.
O primeiro país da lista é os Estados Unidos da América. Em 2013, ou seja, cerca de
apenas 9 anos atrás, surgiu a primeira disposição que tratava sobre criptoativos nessa nação.
Naquele ano foi publicada orientação interpretativa sobre como moedas virtuais poderiam ser
enquadradas no US Bank Secrecy Act (dispositivo legal que estabelece como deve ser o
funcionamento das instituições financeiras no país), publicada pelo Financial Crimes
Enforcement Network (FinCEN).
A referida orientação interpretativa traz uma definição para moedas virtuais, afirmando
que são “meio de troca ou câmbio que pode operar como moeda em certos ambientes, mas que
não apresenta todas as características necessárias para ser considerado moeda”. Salienta-se que
no texto foi aposta a interpretação de que a moeda digital, em que pese não possuir as mesmas
características e não ser tratada como moeda corrente, tem que estar subordinada à legislação
que trata sobre a prevenção à lavagem de dinheiro.
Em seguida, a agência fiscal Internal Revenue Service (IRS), publicou, em 2014, uma
nota oficial onde coloca que as moedas digitais devem ser tratadas no país como se fossem
propriedade individual e não como moedas estrangeiras, no que diz respeito à cobrança de
impostos.
Em 2015 a CFTC, Comissão de Negociação de Futuros de Commodities, principal
agência do país que trata da regulação de futuros e opções, definiu que moedas virtuais – como
o bitcoin – estão abrangidas pela categoria e definição de commodities, sendo reguladas como
bens sob a Lei Commodity Exchange Act, e não como moeda.
Prosseguindo o efeito regulatório, em 2017, a SEC (Securities and Exchange
Commission), cujo nome equivale a Comissão de Títulos e Câmbio, em português, instituição
responsável pela regulação do setor de valores mobiliários, ações e opções de câmbio e outros
mercados de valores eletrônicos no país, publicou uma extensa orientação sobre as moedas
virtuais.
Dessa publicação nasceu o conceito de moedas digitais mais utilizado até o momento.
Para essa comissão, moedas digitais são14:
“uma representação digital de valor que pode ser digitalmente transacionada e que
funciona como: 1) um meio de troca; e/ou 2) uma unidade de conta; e/ou 3) uma reserva de
valor, mas que não tem status de moeda corrente em nenhuma jurisdição. Não é emitida ou
garantida por nenhuma jurisdição, e cumpre as funções acima somente por acordo entre a
comunidade de usuários da moeda digital.”
O documento proposto pela SEC também diferencia as moedas virtuais da representação
digital de valores monetários em moedas fiáveis/moeda nacional, as chamadas moedas digitais
dos bancos centrais.
Cabe aqui um esclarecimento sobre esses documentos elencados até o momento. Todos
eles possuem a finalidade de estabelecer conceitos relacionados a moedas digitais, assim como
apontar a melhor forma de enquadrar os conceitos legais envolvidos na legislação já existente.
Dessa forma, elas não podem se revestir do caráter vinculatório nem obrigatório. Tais
dispositivos federais têm como objetivo tão somente orientar a elaboração de legislação a nível
estadual, conforme as caraterísticas federativas norte-americanas.
Exemplificando essa aplicação pelos Estados membros dos EUA, em junho de 2015 o
Departamento de Serviços Financeiros do Estado de Nova York (NYDFS) passou a exigir que
qualquer pessoa ou instituição que objetive negociar ou se envolver de alguma forma com
moedas virtuais a denominada “BitLicense”. Esse instituto se trata de uma autorização que
prevê uma série de medidas voltadas à cibersegurança, proteção ao consumidor, dentre outras
atinentes.
O Congresso do EUA analisa hoje mais de 18 projetos de lei que afetam diretamente o
universo dos criptoativos, incluindo tokens, moedas digitais emitidas por bancos centrais e a
tecnologia blockchain15.
Enquanto as discussões são processadas no Congresso americano, o Tesouro do país
divulgou, no final de maio de 2021, um relatório com as novas propostas de declarações de
imposto nos EUA. Uma dessas propostas traduz-se na possibilidade de pessoas físicas e
jurídicas declararem as transações realizadas com criptoativos em valores superiores a 10 mil
dólares. Em sendo aprovada essa proposta, os cidadãos e empresas norte-americanos terão que
começar a declarar estas transações com criptomoedas ao Internal Revenue Service (IRS).
14
Ibid, loc. cit.
15
Ibid, loc. cit.
25
Em setembro de 2022 a Câmara do Deputados dos EUA está programada para votar o
Plano de Infraestrutura do governo Biden, que já foi aprovado pelo Senado. Parte desse plano
seria financiado com a taxação das transações de criptomoedas.
Visando simplificar a análise, veremos como está a situação da regulação de criptoativos
na União Europeia, dispensado uma abordagem individual do caso da Alemanha mais a frente.
No mês de outubro de 2012, o Banco Central Europeu (ECB) apresentou uma definição
estrita de moedas virtuais que as classifica como “um tipo de dinheiro digital desregulado, que
é emitido e usualmente controlado por seus desenvolvedores, e utilizado entre membros de uma
comunidade virtual específica”.16
Com base na definição acima, o ECB primeiramente considerava que as moedas virtuais
não teriam o alcance que demonstraram ter.
Em dezembro de 2013, a Autoridade Bancária Europeia (EBA) publicou uma declaração
voltada às instituições regulatórias europeias e aos reguladores nacionais, solicitando a criação
de uma estratégia de abordagem das moedas digitais compreensiva, a ser construída de forma
paulatina. A declaração possuía um viés de crítica em relação às moedas digitais e seus
possíveis efeitos e riscos, desencorajando que instituições financeiras as utilizassem ou
negociassem até que fossem definidas políticas específicas voltadas para o tema17.
A Comissão Europeia (EC), seguindo a recomendação da EBA, propôs, em junho de
2016, a extensão da Diretiva 2015/849 de prevenção à lavagem de dinheiro na União Europeia
visando abranger as criptomoedas. Tal proposta tinha como objetivo reduzir a natureza anônima
das criptomoedas e aumentar o monitoramento das transações de moedas digitais.18
O Parlamento Europeu, em conjunto com a Comissão Europeia, viram na proposta um
risco de o ecossistema dos criptoativos ser afetado de forma desarrazoada, impactando
fortemente o mercado. Dessa forma, essas duas instituições propuseram um texto substitutivo,
onde constava que os países dentro da União Europeia pudessem registrar “crypto account
holders” (titulares das contas de criptomoedas), bem como permitia os serviços de wallets ou
carteiras de criptomoedas no bloco econômico europeu.
A nível de regulação tributária, em outubro de 2015 a Corte de Justiça da União Europeia
pacificou as posições dos diferentes países do bloco econômico e eliminou a insegurança
jurídica sobre o tratamento de criptomoedas frente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado
(VAT). Em julgamento final, a referida Corte decidiu que as transações realizadas entre moedas
16
Ibid, loc. cit.
17
Ibid, loc. cit.
18
Ibid, loc. cit.
26
reais (fiduciárias ou FIAT) e bitcoin estariam isentas de aplicação do Imposto sobre o Valor
Acrescentado, decisão esta que depois abrangeu as demais criptomoedas.
Numa resolução provisória, em 13 de dezembro 2018, o parlamento europeu indicou a
necessidade de que sejam tomadas medidas para aumentar a adaptação da tecnologia
blockchain, no que se refere aos setores de comércio e administração.
Por sua vez, os requisitos mínimos que a regulamentação da União Europeia impõe para
emissores, empresas de custódia e serviços relacionados a criptomoedas são: i) possuir um
escritório físico domiciliado na UE e uma pessoa jurídica constituída, ii) Demonstrar que tem
padrões internos de governança e conformidade, e iii) obrigatoriedade de licença para a emissão
de criptoativos (SÁNCHEZ; FRAILE; BALBI, 2020).
Desde 2020 e com perspectiva de continuidade pelos próximos dois anos, União Europeia
vem consolidando novos regulamentos que promoverão o uso do blockchain e ativos digitais
para transferências internacionais de dinheiro, de acordo com detalhes em documentos internos
publicados pela Reuters19 "Até 2024, a EU deve estabelecer uma estrutura abrangente que
permita a adoção da tecnologia do diário de bordo (DLT) e criptoativos no setor financeiro
[...]”. Também deverão ser abordados os riscos associados a essas tecnologias (SÁNCHEZ;
FRAILE; BALBI, 2020).
Por outro lado, os legisladores da UE, no dia 21 de julho de 2021, firmaram o
entendimento de que empresas especializadas em criptoativos devem manter registro com
informações detalhadas das pessoas que transacionam dentro de suas plataformas visando a
colaboração com as autoridades na repressão à lavagem de dinheiro.
Assim, todas as instituições que operam no mercado de criptoativos, como, e
principalmente, as exchanges centralizadas de criptomoedas, devem possuir em seus registros
o nome do cliente, endereço, data de nascimento e número da conta, e o nome da pessoa que
receberá os criptoativos, além do provedor de serviços do destinatário e verificar se alguma das
informações necessárias está faltando.
Essa medida também proíbe o fornecimento de carteiras criptográficas anônimas, da
mesma forma que contas bancárias anônimas já estão proibidas de acordo com as regras da UE
contra a lavagem de dinheiro. Dessa forma, cria-se uma barreira para as exchanges
descentralizadas atuarem na região, visto que elas não coletam nenhum registro de seus
usuários. Por outro lado, todos os Estados da UE e o Parlamento Europeu têm a palavra final
19
Disponível em: https://es.cointelegraph.com/news/eu-to-see-comprehensive-crypto-regulation-by-
2024. Acessado em: 03 mar. 2022.
27
sobre as propostas, significando que sua efetiva implementação como lei poderá demorar um
tempo razoável.
Por outro lado, a União Europeia há muito tempo vem implementando mecanismos para
atuação contra a lavagem de dinheiro. E se encontra próximo a ser finalizado um ambicioso
Plano de Ação conta o Branqueamento de Capitais. Nesse plano o controle de ativos virtuais
ocupa espaço relevante.
Esse plano irá lançar as bases legais que irão reforçar a segurança regulatória das
operações com criptoativos, bem como dos seus adquirentes. A proposta tem a denominação
de MICA (Markets in Crypto-Assets) e será estabelecida como um regulamento a ser seguido
por toda a UE.
No caso específico da Alemanha, a Autoridade Federal Alemã de Supervisão Financeira
(BaFin) considera os criptoativos como instrumentos financeiros. As pessoas físicas serão
isentas de imposto de renda sobre vendas de criptomoedas se as suas transações não excederem
600 euros ou se mantiverem esses bens na sua posse durante pelo menos 12 meses antes de
eventual venda; enquanto as pessoas jurídicas sempre terão seus lucros com criptoativos
tributados no imposto de Renda.
Esse posicionamento fez com que a Alemanha se tornasse um país convidativo para o
mercado de criptoativos, devido em parte à sua política de imposto zero sobre ganhos de capital
de criptomoedas de longo prazo. Dentro do país existe um interesse de quase 50% de sua
população em investimentos em criptoativos.
Em 2021 foram implantadas reformas na lei para adotar a blockchain, bem como o
endurecimento dos regulamentos sobre negócios de criptomoedas. Por sua vez, o banco central
do país assumiu um papel de liderança no teste de uma moeda digital do banco central europeu.
Dessa forma, a Alemanha passa a ter uma lei mais atrativa do ponto de vista fiscal,
sobretudo para os investidores de longo prazo.
28
No Brasil, como também em outras nações do mundo, tem havido muita discussão sobre
a natureza jurídica e econômica dos criptoativos, sem que se tenha ainda, em especial no
mercado e regulação internos, alcançado uma conclusão sobre tal conceituação.
Com base nessa indefinição a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabeleceu que
as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros, para os efeitos do disposto
no artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14, e por essa razão, sua aquisição direta pelos fundos
de investimento ali regulados não seria permitida20, sendo apenas possível que o investimento
seja feito de forma indireta.
Diversos Projetos de Lei que tem como intuito regulamentar os criptoativos já passaram
pelas casas legislativas do Brasil. Como exemplo temos o PL 2060/2010 (Câmara), o PL
4207/2020 (Senado), o PL 2140/2021 (Câmara), o PL 2303/2015 (Câmara) e PL 3825/2019
(Senado), dentre outros. Quanto aos dois últimos, houve avanços na sua tramitação, sendo que
serão objetos de análise no próximo capítulo deste trabalho, mormente no que diz respeito às
implicações na utilização de criptoativos para lavagem de capitais.
Em 2017, a CVM estabeleceu regras para as Ofertas Iniciais de Moedas (Initial Coin
Offerings – ICO), em analogia às Ofertas Iniciais de Ações (IPO). O objetivo do ICO seria a
arrecadação de capital para investidores através das criptomoedas, com a emissão de tokens.
No ano de 2020, a CVM criou um Sandbox Regulatório21 para o mercado financeiro,
permitindo a avaliação e análise de riscos de negócios relacionados com criptoativos e
blockchain.
Em março de 2021, a CVM autorizou a gestora Hashdex a lançar o primeiro ETF
(Exchange-Traded Fund) de criptoativos do mundo na B3, com o rótulo de HASH11. A sua
estreia na bolsa de valores ocorreu em 26 de abril de 2021. 22
Além dos normativos oriundos da CVM, que tentam disciplinar certos aspectos que
envolvem os conceitos e a própria operacionalização do mercado de criptoativos, ao longo dos
20
Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, de 12 de janeiro de 2018.
21
A tradução do termo em inglês sandbox é “caixa de areia”. Na verdade, ele é formado por um ambiente
isolado, controlado e seguro para a realização de testes. Conforme definição oficial do governo
brasileiro, um Sandbox Regulatório é definido como uma nova abordagem regulatória que tem como
objetivo incentivar instituições autorizadas e não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil
e/ou pela CVM a testar produtos e serviços experimentais inovadores, sujeitos a requisitos regulatórios
específicos.
22
Disponível em: https://valorinveste.globo.com/mercados/cripto/noticia/2021/04/26/primeiro-etf-de-
criptomoedas-salta-13percent-em-dia-de-estreia-na-bolsa.ghtml/, acessado em 08 de junho de 2022.
29
Outrossim, a Lei nº 12.865/2013 define moeda eletrônica como “os recursos em reais
armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar
transação de pagamento”. Dessa forma, entende-se por moeda eletrônica o modo de expressão
de créditos denominados em reais. Esse entendimento vem a diferir do conceito de moedas
23
A Solução de Consulta, que é o resultado de uma consulta à RFB se constitui em uma orientação
oficial, produzindo todos os efeitos legais após a sua divulgação.
31
virtuais, na medida em que essas últimas não são referenciadas nem em reais nem em outras
moedas mantidas por governos soberanos.
Mais à frente, em novembro de 2017 o Banco Central lançou uma manifestação sobre
criptoativos por meio do Comunicado n° 31.379/2017, com o objetivo alertar sobre os riscos
dessa classe de ativos para os investidores de forma geral. Nesse mesmo comunicado o Banco
Central julgou que, até aquele momento, as moedas virtuais não apresentavam risco relevante
ao Sistema Financeiro Nacional e não necessitavam de uma regulação específica.
Outrossim, em 2021 a autarquia divulgou as diretrizes para emissão de uma moeda virtual
no Brasil, com as mesmas finalidades da moeda fiduciária. O projeto é de iniciar a fase piloto
em 2022 e a implementação em 2023. Mas ressalta-se aqui que tal projeto não se confunde com
a emissão de criptoativos.
Neste sentido, uma moeda virtual (ou digital) a ser emitida por um determinado Banco
Central possui a denominação de Central Bank Digital Currency (CBDC). Emissões de CBDC
são diferentes de emissões de criptomoedas em uma série de aspectos. Dessa forma, o modelo
não será o mesmo associado às criptomoedas, uma vez que esses ativos ainda não são regulados
pela instituição.
Em que pese não existir no Brasil, até o presente momento, uma regulação oficial do
mercado de criptoativos, especialmente no que diz respeito ao combate à lavagem de dinheiro
e financiamento do terrorismo, foram identificadas ações provenientes do próprio mercado,
visando não deixar tão solta essa ponta. Assim, em 2020, foram lançados pela Associação
Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), entidade que representa as empresas que atuam com
custódia, intermediação e corretagem de criptoativos, dois normativos classificados como
manuais de autorregulação do mercado de criptoativos.
O primeiro deles é o Código de Conduta e Autorregulação, que se trata de um conjunto
de regras que tem como objetivo auxiliar na organização e padronização das práticas de
Conduta e de Prevenção à Lavagem de Dinheiro entre as empresas atuantes no mercado de
criptoativos. O segundo documento é o Manual de Boas Práticas em Prevenção à Lavagem de
Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo para Exchanges Brasileiras. O referido documento
foi elaborado com base nas diretrizes contidas na Circular BACEN nº 3.978, de 21 de janeiro
de 2020.
A Circular BACEN nº 3978/2020 dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles
internos a serem adotados pelas instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do
Brasil visando à prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática dos crimes de
lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e de financiamento do terrorismo.
32
Como visto no capítulo anterior, já foram propostos vários Projetos de Lei com o intuito
de promover a regulação do mercado de criptoativos. Tais projetos são oriundos de ambas as
casas legislativas e tratam tanto de assuntos comuns quanto de abordagens diferenciadas em
relação à temática dos criptoativos.
Antes de tratarmos aqui do Projeto de Lei 4.401/2021, o único que sobreviveu (na verdade
esse projeto se constitui em uma mescla de vários Projetos de Lei, que tiveram origem tanto na
Câmara como no Senado), será feito um breve resumo das principais propostas apresentadas
nos últimos anos.
Em julho de 2015, o deputado Áureo Ribeiro apresentou o primeiro Projeto de Lei
abordando a temática dos criptoativos e sua regulação. Nesse sentido, o PL 2.303/15 tinha a
intenção inicial de inserir como “arranjos de pagamento”, tendo assim a supervisão do Banco
Central no que diz respeito às operações envolvendo esse tipo de ativo. Buscava, também,
inserir no Código Penal Brasileiro uma modalidade de crime baseado na emissão de criptoativos
sem a permissão legal da CVM. Definia ainda, que uma determinada emissão de criptoativos
só poderia ser efetuada se estivesse compatível com a atividade do emissor ou então com a
atividade do mesmo.
Os conceitos contidos no texto do PL 2.303/15 passaram por várias alterações enquanto
ele tramitava na Câmara. Inclusive a principal premissa, que era definir criptoativos como
“arranjos de pagamento”, foi acertadamente afastada, evitando assim o estabelecimento de
confusão envolvendo o conceito de moeda eletrônica, regulamentada pelo Banco Central.
Quatro anos depois, em julho de 2019, foi apresentado o PL 3.825/2019, pelo senador
Flávio Arns. O texto do projeto estabelecia a necessidade de anuência do Banco Central para
que uma operadora de criptomoedas possa atuar no país. Apontava também para a
obrigatoriedade dessas exchanges fornecerem informações tanto a seus clientes quanto ao fisco
brasileiro.
Ainda no ano de 2019 foi proposto o Projeto de Lei 3.949/2019, desta feita pelo senador
Styvenson Valentim. O referido dispositivo pretendia definir as condições que norteariam o
funcionamento das exchanges, em especial o processo de prestação de contas ao fisco. Também
era seu objetivo colocar o Banco Central como o principal regulador desse mercado, apto a
estabelecer normas que disciplinassem as operações com criptoativos.
33
de criptoativos for evoluindo em nosso país e criando mais desafios regulatórios, especialmente
no que concerne a necessidade de efetiva punição de atos ilícitos praticados por meio de
negociações que utilizem esse tipo de ativo.
Não se pode duvidar que o referido PL, além do seu objetivo mais imediato, quer seja a
regulamentação das exchanges de criptoativos, abarca diretrizes ainda não existentes que visam
nortear a prestação de serviços de ativos virtuais. Assim, características importantes já presentes
em outros mercados passariam a fazer parte do mercado de criptoativos. Dentre essas
características pode-se citar as boas práticas de governança nas operações; a implementação de
técnicas de segurança da informação, em atendimento ao marco legal brasileiro; a proteção aos
clientes e usuários do mercado; e a prevenção à lavagem de dinheiro, à ocultação de bens e ao
financiamento do terrorismo.
Outro aspecto importante previsto no Projeto de Lei 4.401/2021 é a sua proposta de
alteração do Código Penal, de forma a incluir a fraude na prestação de serviços de ativos
virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros.
Com as alterações produzidas durante a sua tramitação no Senado Federal, ementa do
Projeto de Lei 4.401/2021 (substitutivo) ficou com a seguinte redação:
Nota-se nessa nova redação uma razoável ampliação do escopo previsto na ementa do
projeto original remetido pela Câmara dos Deputados, que trazia o seguinte texto:
dos prestadores de serviços de ativos virtuais, podendo ser delegada essa função a mais de uma
entidade. Essa previsão está contida na maioria dos artigos do Projeto de Lei, mas fica mais
clara e evidente em seu artigo 6º a seguir transcrito:
“Ato do Poder Executivo atribuirá a um ou mais órgãos ou entidades da Administração
Pública Federal a disciplina do funcionamento e a supervisão da prestadora de serviços de
ativos virtuais.”
Dado ao fato de que o Projeto de Lei 4.401/2021 veda, no parágrafo único de seu artigo
1º, alterações de competências da Comissão de Valores Mobiliários, aliado ao trabalho que já
vem sendo feito pelo Banco Central, no sentido de estudar e compreender o mercado de ativos
virtuais, inclusive com a edição de alguns normativos específicos, é de se considerar que a
referida autarquia seja a escolhida para ser o órgão regulador do mercado de criptoativos no
Brasil. O Know-how adquirido pelo BACEN o coloca como o principal, senão o único órgão
indicado para esta função, nas atuais circunstâncias.
Em que pese a importância, dentro do Projeto de Lei 4.401/2021, dos dispositivos que
tratam da regulação do mercado de criptoativos, e das instituições que nele operam, assim como
das determinações quanto às boas práticas a serem adotadas e orientações quanto à escolha do
órgão regulador, sem sombra de dúvida as inovações trazidas ao direito penal brasileiro foram
bastante oportunas ao contexto atual, ainda que não venham a possuir a extensão desejada.
Tais inovações atingem em primeiro lugar o próprio Código Penal Brasileiro (Decreto-
Lei nº 2.428, de 7 de dezembro de 1940), com a introdução de mais um artigo ao mesmo:
A analogia se constitui em uma forma autointegrativa da lei que tem por fundamento o
brocado romano ubi eadem ratio, ibi eadem jus, ou seja: onde há a mesma razão, aplica-se o
mesmo direito (CAPEZ, 2017).
Seguindo tal fundamento, quando um certo fato não puder ser associado a nenhuma
hipótese prevista legalmente, o juiz poderá, justificadamente, a aplicar uma norma que diga
respeito a um caso semelhante.
No entanto, em nosso ordenamento jurídico o uso da analogia não encontra respaldo
quando se trata de sua aplicação no direito penal, especialmente quando lidamos com a chamada
analogia in malam partem (aquela onde adota-se lei prejudicial ao réu, reguladora de caso
semelhante), sob pena de grave afronta ao irrenunciável princípio da reserva legal (CF/88, art.
5º, XXXIX e Código Penal Brasileiro (CPB), art. 1º).
CF/88:
Art. 5º....................................................
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.
CPB:
Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal.
A primeira alteração inclui o aumento da pena previsto para quem incorrer no crime
descrito no artigo 1º, quando for utilizado para tal fim um ativo virtual. O artigo 1º da Lei nº
9.613/98 reza que:
Nota-se aí a clara intenção do legislador de vincular de forma mais intensa, e com uma
gradação de pena mais elevada, a nova modalidade de infração penal criada dentro do CPB
neste mesmo Projeto de Lei (artigo 10), estabelecendo o liame entre a lavagem de capitais e a
infração penal antecedente àquela.
Ressalta-se que a lavagem de dinheiro com criptoativos pode ser oriunda de uma infração
penal antecedente, que não necessariamente tenha relação com esse mercado. Como pode ser
também mais uma etapa de uma infração penal voltada para a exploração fraudulenta dessa
classe de ativos.
Para o enfrentamento dos casos que se referem à primeira hipótese levantada, a legislação
atual até que consegue resultados razoáveis, que serão otimizados com o aumento da pena
39
previsto na nova legislação. Mas para a segunda possibilidade, até o momento não há uma
definição legal para infrações penais envolvendo criptoativos, sendo que o advento da nova Lei
terá o condão de suprir tal lacuna e ampliar o combate aos ilícitos praticados dentro do mercado
de criptoativos.
Quanto à modificação inserida no art. 9º, com a criação do inciso XIX, o referido artigo
estabelece quais são as pessoas sujeitas aos mecanismos de controle, sendo abarcadas agora as
prestadoras de serviços virtuais nesse rol. O referido artigo determina que tais pessoas estão
sujeitas às obrigações contidas no artigo 10 (que estabelece mecanismos e regras para a
identificação dos clientes e manutenção de registros), bem como do artigo 11 (que abriga as
regras referentes a comunicação de operações financeiras aos órgãos reguladores).
Ressalta-se que, conforme o artigo 12 da Lei nº 9.613/98, às pessoas referidas no art. 9º,
bem como aos administradores das pessoas jurídicas que deixem de cumprir as obrigações
previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, sanções que podem variar
da simples advertência até a cassação de autorização.
Por fim, a alteração prevista no art. 10 acrescenta o termo “ativos virtuais” ao rol dos
registros de transações que deverão ser mantidos pelas pessoas relacionadas no art. 9º, se
constituindo apenas em uma consolidação das intenções previstas no que se refere à
modificação da referida Lei.
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6 CONCLUSÃO
a sanção presidencial daremos um passo modesto, porém muito importante para a regulação do
mercado de criptoativos e, principalmente, para o combate dos crimes cometidos com a
utilização de ativos virtuais, em especial a lavagem de capitais.
Ressalta-se que, mesmo um tanto atrasados, estaremos à frente de vários outros países,
inclusive do primeiro mundo, no que tange à tomada de efetivas providências que visem a
regulação desse inovador mercado.
Em especial no que se refere ao combate à lavagem de capitais, a sensação é que o Projeto
de Lei 4.401/2021 poderia avançar um pouco mais, estabelecendo travas mais efetivas, que
dificultasse um pouco mais a utilização de criptoativos para essa finalidade.
Mas a evolução do processo deverá fazer com que no futuro próximo medidas adicionais
sejam adotadas no âmbito legal e/ou infralegal, de forma a melhorar e reforçar os mecanismos
de combate à lavagem de capitais e a outros crimes envolvendo os criptoativos.
Um dos motivos que tornam animadora essa perspectiva é que, embora, como já
comentado, seja regra geral que os dispositivos legais e demais normativos sempre estejam um
passo atrás dos novos problemas, traduzidos em novas práticas de infrações penais, dado a sua
eminente natureza reativa, no caso da lavagem de capitais temos uma razoável diferenciação,
pois existe uma especial unanimidade e proatividade na maioria dos países, sendo o Brasil um
deles, na elaboração normas para combatê-la.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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bitcoins e o crime de lavagem de dinheiro. Brasília: Revista Brasileira de Políticas Públicas,
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Acesso em: 12 fev. 2022.